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1949

cofre dos orphãos em Angola tem um movimento annual de 80:000$000 réis, termo medio, e este movimento necessariamente crescerá com a progressão das fortunas. Que obrigação teria qualquer de se encarregar gratuitamente d'estas funcções e d'estes deveres? Que direito teria o governo de os impor a ninguem (apoiados)?

O que se fazia pelo methodo antigo? O que havia claro, perceptível, manifesto? Dizem-o as differentes commissões de inquerito, que por determinação de diversos governos e ordem de varios governadores geraes foram nomeadas para tomar contas, para examinar o estado d'aquella administração, e que acharam... acharam um cahos em que não era possivel fazer entrar a luz (apoiados).

Censurou tambem o nobre deputado que, interpretando no sentido mais liberal a legislação do paiz, o governo destinasse as heranças jacentes para compensar as perdas e desfalques injustamente suffridos pelos orphãos. Esta censura na verdade é para maravilhar. É culpa aos olhos do illustre deputado esta sagrada restituição, que não é mais do que restituição? Feliz culpa ousarei eu chamar lhe, e nem animo tenho para me arrepender d'ella (apoiados).

Por ultimo, o defeito capital do projecto, o resumo de todos os seus vicios, na opinião do nobre deputado, é ter a commissão prudentemente appellado para a experiencia da lei, antes de generalisar a sua applicação ás outras provincias, onde igual necessidade se faz sentir.

Não esperava ouvir a um jurisconsulto tão abalisado, como reconheço que é o illustre deputado, segundo tem dado n'esta casa repetidas provas com muito saber e illustração, não esperava digo, ouvir a tal jurisconsulto a expressão de um juizo que faz excepção ao que sempre se entendeu das leis. Pois as leis não têem todas um caracter experimental? Não é com a successão das experiencias que ellas se melhoram e aperfeiçoam, todas, todas as que pertencem ao mundo moral?

E ainda que assim não fosse, não estavam as provas de anteriores e baldadas tentativas advertindo aos membros da commissão a circumspecção e a prudencia? Procede de j outro modo quem deseja sinceramente reformar, reformar 1 cousas, e não reformar só palavras? Mas que significa a I faculdade de reformar, senão o reconhecimento das lições da experiencia e do seu influxo sobre o melhoramento das leis? Que fazemos nós, qual é a principal funcção dos parlamentos senão recolher os concelhos da experiencia e applica-los, por meio de acrescentamentos ou rectificações na legislação, aos progressos da humanidade?

Vozes: — Muito bem.

Sr. presidente, tem a palavra o illustre relator da commissão, um digno jurisconsulto que a camara e o paiz apreciam. S. ex.ª melhor desenvolverá o que faltar nos differentes pontos juridicos a que alludiu o nobre deputado que impugna o projecto.

Resumindo, sr. presidente: como ministro, sobretudo como ministro constitucional, é para mim essencial dever prestar a mais sincera e profunda homenagem ao principio salutar da divisão dos poderes. Permittisse Deus que nunca elle fosse invadido, nem desconhecido, porque n'isso lucrariam todos, e com todos, e mais que todos o paiz. Permittisse Deus que nunca se lhe fizessem infracções n'esta casa, onde talvez algumas vezes, onde talvez recentemente, fosse mais do que invadido, menos presado (apoiados). O respeito da constituição é um dogma de que a ninguem é licito afastar-se; e por minha parte faço, tenho feito quanto posso e sei para conserva-lo intacto e venerado.

Respeite-se pois o principio da divisão dos poderes, mas respeite-se na sua genuina intelligencia, na sua sincera applicação, como base da ordem parlamentar e da ordem publica, e não se lhe dê unicamente a exterioridade do culto... em nome das inspirações improvisas, que não são as que mais o hão de glorificar.

Se entendesse que havia na minha proposta de lei a mais leve perturbação para este principio, que chamarei não só salutar, mas quasi sagrado... sagrado certamente para os que vêem n'este recinto o templo das leis... se julgasse que em qualquer das suas disposições havia a menor infracção ás regras fundamentaes do codigo das nossas liberdades, não a apresentaria, não teria formulado d'este modo os seus artigos, nem a illustre commissão do ultramar, que em si conta caracteres distinctos e provados pelo amor ás instituições, lhe haveria dado o seu assentimento, nem a camara teria lido taes disposições sem de antemão as reprovar indignada. Seria grave a arguição do nobre deputado, so fosse justa. Se não é justa, deve attribuir-se a ter apenas rapidamente percorrido o projecto, suscitando-se-lhe improvisamente apprehensões, que a meditação bastaria para desvanecer, que a boa rasão de certo desvanecerá.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Fernandes Vaz (sobre a ordem): — Eu acho bom o projecto em discussão, debaixo do ponto de vista que do mina a actual legislação sobre o assumpto, e não me parece inconstitucional.

Não entendo que as disposições n'elle consignadas vão consagrar a invasão do poder executivo sobre o judicial, pelo contrario parece-me que tratando-se aqui de um objecto meramente administrativo, se alguma invasão ha, que a não ha, senão a necessaria e indispensavel interferencia, é do poder judicial sobre o executivo. A ingerencia do juiz, n'este assumpto puramente administrativo, é que se póde ria suppor uma invasão do poder judicial sobre o executivo.

Mas tambem não ha tal invasão, porque o juiz intervém sómente na parte em que é indispensavel que entre como a primeira auctoridade que superintende em certos actos a que tem de presidir.

Acho bom o projecto, digo, attendendo ao pensamento dominante da legislação que nos regula; todavia o que eu não sabia era que se tornava, tão urgente como se deprehende das explicações que acaba de dar o illustre ministro da marinha.

Apesar de crer que havia abusos, eu não suppunha que fossem tão graves que reclamassem uma tão urgente reforma. E por isso tinha escripto a proposta de adiamento a este projecto, que passo a ler uma vez que pedi a palavra sobre a ordem (leu).

Vou dizer qual é o pensamento d'esta proposta.

Eu entendo que esta materia de cofres dos depositos dos orphãos precisava regulada de uma maneira differente.

É pouco regular e proveitosa a maneira por que hoje se faz a arrecadação e conservação dos dinheiros dos orphãos, e têem se levantado contra os abusos bastantes clamores. E preciso assegurar melhor a arrecadação e deposito d'aquelles bens, mas não basta só isso. Quando pela melhora das leis e instituições de credito se proporcionam a todas as classes os meios de beneficiarem seus capitães confiando-os aquelle poderoso elemento de reproducção, não de vem os capitães d'esta infeliz classe ser condemnados a uma completa estagnação. Urge fazer uma lei a este respeito, por fórma que providencie á segurança e boa arrecadação dos dinheiros dos orphãos, e façam com que sejam productivo» aquelles capitães» mandando depositar nos bancos hypothecarios e nas caixas filiaes d'esse» bancos, nos districtos, todos os dinheiros e preciosidades que estão nos cofres das camaras, e emittindo letras negociaveis sobre esses valores. Creio que alguma disposição ha com referencia a este ponto, mas diz respeito ao banco de Portugal, e não tem sido levada á pratica nem se acha devidamente desenvolvida. E desde o momento em que vamos ter, como brevemente acontecerá, bancos hypothecarios no paiz, e já temos o ultramarino, era conveniente que uma tal disposição se executasse, e se tornasse extensiva a estes, porquanto d'essa maneira por um lado lançavam-se na circulação muitos capitães dormentes, e o juro havia de se tornar mais modico, e por outro lado os orphãos ao passo que ali tinham os dinheiros igualmente ou melhor arrecadados, tiravam d'elles um provento de 5 ou 6 por cento, como todos os outros capitães, e as despezas de administração haviam de ser menores do que são, segundo o projecto que se discute; o que aliás não censuro, porque vejo que é preciso garantir aos depositarios e empregados certos proventos, para que a gerencia seja boa.

Nós podemos assim nos lucros obter igual garantia e igual segurança para os orphãos, com menos despeza da parte d'elles, e dando ao mesmo tempo aos seus capitães a productibilidade que hoje não têem.

Não quero demorar mais esta discussão. Apresento unicamente esta idéa como uma lembrança que desejo que seja convertida em lei, porque me parece que traz grande vantagem para a classe desvalida dos orphãos; mas não quero por fórma nenhuma embaraçar o andamento do projecto, que estou convencido de que é util, e que mesmo não tenho duvida em votar, apesar da minha proposta, se o sr. ministro da marinha está convencido de que é tão urgente que não se pôde prescindir d'elle até á sessão immediata da futura legislatura, em que poderia ser trazido o projecto a que me refiro.

Mando a minha proposta para a mesa.

E a seguinte:

PROPOSTA

Proponho o adiamento d'este projecto até que o governo traga a esta camara um projecto de lei que auctorise e regule o deposito do dinheiro e preciosidades dos orphãos nas caixas dos bancos hypothecarios e suas filiaes, tanto no continente, como no ultramar. = Fernandes Vaz.

Foi admittida.

O sr. Levy: — Serei muito breve, porque a sessão está adiantada, e a camara deve achar se sufficientemente esclarecida depois do que se tem dito sobre o assumpto.

A proposta apresentada pelo meu amigo, o sr. Fernandes Vaz, não pôde ser aceita pela commissão do ultramar.

O pensamento do illustre deputado é que em todos os locaes onde houver agencias dos bancos legalmente approvados seja n'ellas constituido o deposito dos dinheiros dos orphãos. É um pensamento muitissimo louvavel, que já está prevenido em parte pela legislação actual, que assim o dispõe com relação aos logares em que ha agencias do banco de Portugal, e que pôde ser applicada ao ultramar com muita vantagem desde que lá comece a funccionar o banco colonial.

Todavia, como pela lei que ha pouco approvámos, não pôde estar estabelecida a succursal da Loanda senão de pois de um anno, não podemos aceitar o adiamento pro posto, porque as disposições que se achara consignadas no projecto são importantissimas e de toda a urgencia; e se porventura o banco ultramarino chegar a estabelecer a succursal de Loanda antes da convocação das côrtes, o governo tem na sua mão, usando da auctorisação que lhe confere o acto addicional, o satisfazer aos desejos do nobre deputado, a que eu, como já disse, adhiro completamente.

Emquanto ao que disse o meu nobre amigo, o sr. Pinto de Araujo, fiquei realmente surprehendido, vendo s. ex.ª accusar o projecto de todos os defeitos possiveis. Assacou-lhe o maior de todos, dizendo que era inconstitucional, porque as suas disposições iam invadir as attribuições do poder judicial. Notou-lhe absurdos em varias das suas disposições, e concluiu classificando-o até de extravagante; esta classificação disse s. ex.ª = que a empregava no sentido juridico, querendo naturalmente chamar extravagante ao projecto por não estar na collecção (riso.) A primeira accusação já respondeu com toda a proficiencia o nobre ministro da marinha, mas seja-me licito dizer que não fui capaz de comprehender em que o meu illustre collega achava que as disposições do projecto fossem atacar as attribuições do poder judicial.

A arca dos orphãos passa agora para o edificio da junta de fazenda, e tem um thesoureiro, que é nomeado pelo governador em conselho. Mas porventura ataca isto em cousa alguma as attribuições do poder judicial? Pela novissima reforma os thesoureiros das arcas dos orphãos são nomeados pelas camaras municipaes, que não são poder judicial, no ultramar fica o thesoureiro sendo nomeado pelo governador em conselho do governo...

Uma voz: — De que faz parte o juiz.

O Orador: — De mais a mais o juiz faz parte do conselho, e supponho que o estar a arca na junta de fazenda, ou em qualquer outra casa nada tem isso com as attribuições do poder judicial.

«Mas não pôde entrar nem saír dinheiro do cofre sem que seja visado o mandado ou guia pelo governador»

Peço perdão ao meu nobre amigo, não ha disposição alguma no projecto que consigno similhante idéa.

(Interrupção do sr. Pinto de Araujo que não se percebeu.)

O Orador: — Mas o governador não tem nada com isso.

Pela legislação actual o cofre dos orphãos tem um thesoureiro nomeado pela camara municipal; e ha tres chaves, tendo uma o thesoureiro, outra o curador e outra o juiz; o projecto estabelece, que era vez de tres chaves haja, quatro, sendo uma para o juiz, outra para o curador, outra para o thesoureiro e outra para uma pessoa nomeada pelo governador em conselho do governo. Quer dizer que ha n'isto mais uma garantia a favor dos orphãos.

Vejamos agora quaes são os chamados absurdos do projecto. «Obrigam se os orphãos a pagar 3 por cento, e esta disposição é inaudita».

O sr. Pinto de Araujo: — Eu não lhe chamei inaudita.

O Orador: — Pois usarei de outra expressão, é dura. O meu nobre amigo de certo que disse que esta disposição de obrigar os orphãos a pagar 3 por cento, ía defraudar os seus bens, e que isto era uma cousa nova na nossa legislação. Não é nova, e se por este modo são defraudados os bens dos orphãos, muito mais defraudados são os bens dos defuntos e ausentes que pagam 10 por cento (apoiados). Realmente não vejo motivo para similhante accusação.

«Mas não é só isto; os 3 por cento são pagos todos os annos.»

Não sei onde no projecto esteja similhante disposição. O artigo 4.° diz o seguinte (leu), d'onde resulta que os 3 por cento são pagos por uma vez sómente.

«Mas se os 3 por cento não chegarem para pagar ao thesoureiro e ao escripturario, n'esse caso ha um grande prejuizo, porque se os ordenados montam a 1:400$000 réis, e se no cofre tiverem entrado no anno só 10:000$000 réis, vem os orphãos, pagando aos empregados, a ficar enormemente defraudados.»

Em primeiro logar o illustre deputado imagina que o movimento do cofre dos orphãos será apenas de 10:000$000 réis, o que é inexacto; e em segundo logar a sua observação é repellida pelo § 4.° aonde se lê muito positivamente que =se em alguns annos succeder que a receita dos 3 por cento não baste para corresponder aos encargos, o thesoureiro e escripturario serão pagos pro rata pelo rendimento realisado, devendo ser indemnisados da differença pelos acrescimos do rendimento nos annos futuros =. De modo que pôde o illustre deputado estar descansado, porque o peculio dos orphãos não ha de ser defraudado, e só ha de pagar 3 por cento por uma só vez (apoiados).

Diz o illustre deputado que = não pôde aceitar a disposição do artigo 14.°= O artigo 14.° diz o seguinte (leu). Ora no relatorio que precede a proposta do governo diz-se uma verdade muito para lamentar, isto é, que o cofre dos orphãos em Angola está em deploravel estado, havendo casaes desfalcados, e em porções consideraveis (apoiados), ao passo que no mesmo cofre existem objecto preciosos e dinheiros que não se sabe de quem são (apoiados). N'esse caso que queria o illustre deputado que se fizesse? Que esses valo res revertessem para o estado? Mas o estado, representado pelo governo, entendeu que era mais conformo com os bons principios pegar no dinheiro e joias, que não se sabe a quem pertencem, mandar vender estas em praça e distribuir pro rata o producto pelos casaes que estão desfalcados. E isto mais conforme aos principios, á rasão, á justiça e até á moral (apoiados).

Levantou-se o illustre deputado contra a disposição do § unico do artigo 14.°, e disse: «Aqui ha contradicção; não comprehendo como, havendo depositados no cofre objectos preciosos, e não se sabe de quem são, se determine que o producto d'esses objectos seja lançado a favor do respectivo casal». A explicação é muito facil. Houve dinheiro de orphãos emprestado sobre penhores que estão no cofre. Sabe-se quaes foram os casaes que emprestaram o dinheiro, mas ignora se a quem pertencem hoje esses penhores. Por consequencia vendera se estes em praça e o seu producto é lançado a favor de quem emprestou o dinheiro, e que se sabe quem é, porque consta da escripturação de um modo claro (apoiados).

Eu fiz todos os esforços possiveis por substanciar os argumentos do illustre deputado, são estes em ultima analyse os que s. ex.ª apresentou; e não me parece que possam convencer a commissão nem a camara.

Concluo para não fatigar a attenção da camara, que me parece estar este projecto no caso de ser approvado, como medida que é de urgente necessidade, reclamada pelo estado do cofre dos orphãos em Angola (apoiados).

O sr. Fernandes Vaz: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se dá licença que retire a proposta de adiamento que fiz, porque entendo que a devo retirar á vista das explicações que têem sido dadas e do pensamento de urgencia que o illustre ministro diz que preside a este projecto.