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SESSÃO NOCTURNA DE 18 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre

Secretarios- os exmos. Srs.:

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquuita

SUMMARIO

Proposta do sr. Luciano Cordeiro, para serem aggregados á commissão do ultramar os sr. Ferreira de Almeida e Pequito; a camara approva.
Na ordem da noite continuam em discussão os titulos X, XI, XII, XIII e XIV do projecto de lei n.° 109, reforma administrativa do municipio de Lisboa. - Usa largamente da palavra contra o projecto, continuando o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. J. Dias Ferreira. - Responde-lhe o sr. ministro do reino, e fica ainda pendente a discussão.

Abertura - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada - 60 srs. deputados.

São os seguintes : - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, A. J. D'Avila, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Almeida Pinheiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Manuel d'Assumpção , Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro Franco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito e Sebastião Centeno.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, Pereira Borges, Sousa Pavão, A. Hintze Ribeiro, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Ferrão de Castello Branco, Coelho de Carvalho, Ferreira de Almeida, Lobo Lamare, José Luciano, Oliveira Peixoto, M. J. Vieira, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Anselmo Braamcamp, Silva Cardoso, Antonio Candido, Pereira Corte Real, António Centeno, António Ennes, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Frederico Arouca, Barros Gomes, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira; J. C. Valente, Melicio, Scarnichia, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio; Amorim Novaes, Laranjo, José Frederico, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, Mi da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano e Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das laranjeiras, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta -Approvada sem reclamação.

O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
É a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão do ultramar os srs. deputados J. B. Ferreira de Almeida e Rodrigo Affonso Pequito. = Luciano Cordeiro.
Foi approvada.

ORDEM DA NOITE

Continua a discussão dos titulos X, XI, XII, XIII e XIV do projecto de lei n.° 109 (reforma administrativa do municipio de Lisboa)

O sr. Dias Ferreira: - (O sr. deputado não restitiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas):-Ouvi, como sempre, com o maior prazer o illustre deputado que acaba de fallar.
De ha muito acostumado a admirar o seu talento, não deve causar estranheza que, todas as vezes que s. exa. falla, eu ouça com a maxima attenção as suas considerações e procure elucidar-me nos assumptos que o illustre deputado discute.
Aconteceu-me, todavia, d'esta vez o que já algumas outras me tem succedido; é chegar ao fim com as minhas ilusões perdidas e por isso cheio de tristeza.
Quando, ao começar o seu discurso, s. exa. citou as palavras de um celebre estadista francez: "Nada de tutelas confiemos na liberdade" imaginei que o illustre deputado ia procurar augmentar as garantias que n'este projecto se estabelecem em favor do municipio de Lisboa, no sentido liberal. O que de modo algum podia esperar era que s. exa., tendo citado aquella phrase, acabasse por dizer: "Não admitto que as municipalidades levantem nem um tostão e emprestimo, sem auctorisação do governo".
Aqui está o que é o liberalismo de s. exa. (Apoiados.)
Sr. presidente, no que vou dizer não tenho de modo algum intenção de melindrar o illustre deputado. S. exa. sabe que sou seu amigo e que de ha muito o considero nem podia deixar de ser assim attentas as suas elevadas qualidades; mas nós que estamos aqui liquidando todas as responsabilidades, apurando todas as opiniões, não queremos altar á nossa consciência, nem usar de hypocrisia uns para com os outros. (Apoiados.) Nós somos o que somos; temos obrigação de expor claramente a nossa opinião, e dizer aqui, diante do paiz, até onde vamos, em materia de liberdade ou de administração. (Apoiados.)

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S. exa. que tem titulos para chefe do partido radical, com capacidade e talento para isso; que é chefe do partido constituinte, e que parecia destinado a remodelar a nossa constituição, no sentido das mais largas franquias populares, não cessando de dizer á camara que queria o governo do povo pelo povo, e de prégar em nome dos direitos individuaes e de todas as liberdades publicas, o illustre deputado, digo, acaba de nos fazer retrogradar, em materia administrativa, para o codigo de 1842, declarando que não admitte emprestimos municipaes, sem a tutela do governo!
Ora, sr. presidente, era bem melhor não ter s. exa. citado a phrase do estadista francez «Nada de tutelas; confiemos na liberdade». Para que foi citai-a, se minutos depois o illustre deputado havia de atraiçoal-a e dar-lhe uma significação que ella não podia ter quando foi proferida por tão illustre homem de estado?
Por isso eu disse que tinha ouvido este seu discurso com a attenção que a todos os seus discursos costumo prestar, mas que acabara por ficar cheio de tristeza.
É que de ha muito tempo eu sigo a doutrina de que todas as liberdades são solidarias. (Apoiados.)
Eu não comprehendo a liberdade civil sem a liberdade politica, assim como não comprehendo a liberdade politica, assim a liberdade civil. (Apoiados.)
Não comprehendo a liberdade civil sem a liberdade eleitoral, a liberdade eleitoral sem a economica, e esta sem a administrativa. (Apoiados.}
Todas as liberdades formam um complexo; todas se prendem, e são por assim dizer solidarias; não podem umas viver sem as outras, posto que se vão conquistando successivamente.
Mas, sr. presidente, ser liberal quando se trata de discutir as reformas politicas e ser reaccionario quando se discute a reforma administrativa, ser liberal quando se trata de uma questão da imprensa ou do jury, e ser reaccionario quando se trata das questões economicas, isso é que não se comprehende. (Apoiados.)
Essa descentralisação, como a entende o illustre deputado, não comprehendo eu.
Comprehendo o homem publico que faz do alargamento dos direitos individuaes e da ampliação de todas as franquias individuaes e politicas o objectivo constante de toda a sua vida; e eu posso dizer á camara que este tem sido sempre o meu objectivo.
Sabe o illustre deputado, sabem todos, que eu referendei o codigo civil, que contém os mais importantes principios de liberdade civil; (Apoiados.) que referendei igualmente a lei de liberdade de imprensa que é das mais avançadas da Europa; (Apoiados.) a lei eleitoral que é a mais liberal das que até hoje têem apparecido, (Apoiados.) e finalmente a reforma da constituição. (Apoiados.}
Tenho, pois, o direito de affirmar que dentro dos limites da possibilidade, e digo assim porque os homens publicos não podem tudo dentro das circumstancias do paiz, tenho procurado constantemente desenvolver os direitos individuaes e ampliar as liberdades publicas. (Apoiados.)
Mas, como ia dizendo, o que não se comprehende, é que se seja liberal quando se trata da reforma da constituição e reaccionário quando se trata da reforma administrativa; liberal quando se trata do jury e reaccionario quando se traía do leis economicas; e peco licença para dizer uma cousa ao illustre deputado, parecendo-me que n'isso nenhum mal lhe faço, antes lhe faço bem.
Em todo o seu discurso firmou-se s. exa. n'uma idéa que não é de todo o ponto verdadeira.
Proclamou-se o illustre deputado homem liberal em materia de administração publica:- eu digo que s. exa. e um homem economico: mas liberal, não. E dizendo isto, nenhum mal lhe faço: pelo contrario.
Segundo affirma o illustre deputado todas as municipalidades estão empenhadas; a fazenda municipal vae n'um caminho desgraçado, e não podemos contar e s. exa. para quaesquer melhoramentos publicos, quando não haja dinheiro, porque, em materia de administração, o seu systema é gastar-se apenas o que se tem. Quando se trata de alguma obra a fazer, pergunta a si mesmo - tenho dinheiro? Se tem, faz a obra, se não tem, não a faz.
Mas eu pergunto; e o credito publico não serve para nada? (Apoiados.)
De maneira que se tivessemos seguido as idéas do illustre deputado, como o credito publico não serve para nada e é apenas um luxo da civilisação, de 1851 para cá não teriamos feito um palmo de caminho de ferro, e ainda hoje teriamos da andar a cavall, como unico meio de locomoção, quando tivessemos de percorrer as nossas provincias.
Esta doutrina do illustre deputado ao menos tem uma vantagem; é que não sobresalta ninguem.
Ha dinheiro? Caminhamos.
Não ha dinheiro? Paramos.
Ninguem se sobresalta, e ficam todos sabendo com o que devem contar.
O peior é que quando não houver dinheiro, tornar-se-ha uma realidade o dito do sr. presidente do conselho, «parar é morrer».
O sr. Presidente: - Ha deveres que custam a cumprir, mas que eu n'este logar não posso preterir. Já na ultima sessão nocturna procedi do mesmo modo quando fallava o sr. Dias Ferreira. Deu a hora. Se v. exa. quer concluir hoje o seu discurso, póde continuar; mas se o não quer concluir, melhor será ficar com a palavra reservada.
O Orador: - Já não é muito o que tenho a acrescentar e por isso poucos minutos mais tomarei á camara.
Como eu ía dizendo, a doutrina do illustre deputado cifrava-se toda n'este ponto; - quero tudo, menos que se gaste dinheiro quando o não houver. - A este respeito peço licença para coutar uma historia.
Um negociante da provincia pediu a um seu amigo de Lisboa que lhe comprasse uns certos generos; elle comprou-lh'os e enviou-lhe letras a tres, seis e nove mezes.
Respondeu-lhe o negociante que não gostava de letras a tres, seis e nove mezes, porque estava acostumado a pagar de prompto.
Se costuma pagar de prompto, replicou-lhe o amigo, como sabe então se tem credito? O que equivalia a dizer «venha para cá outra vez que eu o ensinarei». (Riso e apoiados.)
Ora, eu, nem estou resolvido, em materia politica, a voltar á constituição de 1838, nem, em materia administrativa, a retroceder ao código de 1842, e não tenho senão a conservar-me, apesar do muito respeito que tenho por s. exa., distanciado do illustre deputado.
Ora, vejamos quaes foram as doutrinas do projecto que principalmente mereceram ao illustre deputado, não direi a sua animadversão, mas pelo menos a sua opposição.
Foi uma d'ellas a instrucção publica.
S. exa. não gosta de gastar dinheiro com as escolas; comparou as escolas de Lisboa com a universidade, como se o ensino elementar podesse comparar se com a instrucção superior, como se as escolas de instrucção primaria de um ou outro municipio se podessem comparar com um instituto scientifico do paiz! (Apoiados.)
O illustre deputado apenas não se lembrou de uma cousa; é que na universidade, onde vivemos juntos, e onde s. exa., conforme me recordou, ha pouco, foi meu discipulo, lembrando-mo assim que eu já &ou velho, o que infelizmente é uma verdade. mas onde tambem foi meu collega tendo sido um estudante distinctissimo, como poucos lá apparecem; o illustre deputado não se lembrou, digo, de que na universidade, outrora frequentada todos os annos por oitocentos a mil estudantes, tem ultimamente diminuido muito esse numero, não excedendo talvez hoje a setecentos a media dos alumnos, emquanto que as escolas de

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Lisboa, em numero de trinta e sete, são frequentados por cinco ou seis mil alumnos. Basta esta differença.
E depois como é que o illustre deputado, o radical, constituinte, o liberal, que aqui se apresentava sempre como o salvador de todas as liberdades publicas, póde vir combater a instrucção elementar, que é o primeiro principio de propaganda de todos os homens democratas?! (Apoiados.) Não comprehendo.
Como quer o illustre deputado que haja larga descentralisação e intervenção da classe popular na gerencia publica, o governo do povo pelo povo, quando esse povo não possua ao menos a instrucção elementar? (Apoiados.)
Mas, s. exa. seguiu mais adiante; chegou ás despezas da hygiene e disse: «Nós até aqui gasta vamos apenas réis 3:000$000; tinhamos uns sub-delegados de saude, taes ou quaes; ia isto assim admiravelmente. O que havia de ma eram apenas algumas canalizações das casas; e se outra cousas houvesse a fiscalisar, tanto melhor, porque faltando sub delegados em numero sufficiente, dispensavam-se a visitas e os exames sanitarios. Menos se gastava.
«Agora divide-se o municipio de Lisboa em vinte parochias civis e ha um sub-delegado para cada uma. Esse sub-delegado tem de estudar salubridade publica na circumscripção que lhe é traçada.
«Para que é tudo isto, se nós temos vivido até agora cor os sub-delegados actuaes?
«Sobretudo o que convem saber é se o thesoureiro da camara tem dinheiro para dar aos novos sub-delegados.»
Parece que depois de entrar a epidemia na cidade é que se ha de ver se a limpeza se póde ou não fazer; porque segundo a idéa do illustre deputado o governo tem de perguntar primeiro ao thesoureiro da camara se tem dinheiro se tem, vamos tratar da limpeza da cidade, se não tem de deixâmos ficar os habitantes á mercê de todos os inconvenientes, que resultam da falta de boas condições hygienicas!
Eu declaro que não penso assim.
Entendo, pelo contrario, como ainda, ha pouco se SUE tentou no congresso de Haia, por parte dos medicos, quando estes tratavam de calcular o mal que a epidemia tinha feito na Europa, entendo, digo, que todas as despezas feita com a hygiene para attenuar os effeitos desse mal será uma verdadeira economia.
Mas o illustre deputado não sabe para que havemos de ter sub-delegados a 900$000 réis!
Eu desejava que quando se falla sobre este assumpto, se comparassem os vencimentos com as attribuições que têem os sub-delegados, e que se lembrassem de que este funccionarios são os medicos dos pobres nas parochias civis, e que se por um lado recebem alguma cousa, por outro lado alliviam esses contribuintes que o illustre deputado ama tanto.
Depois s. exa. zangou-se com a beneficiencia publica.
Eu conheço o illustre deputado; sei que tem uma excellente alma; mas quem o ouvisse fallar contra a instrucção, contra a hygiene e contra a beneficencia, havia de suppol-o com um mau coração que realmente não tem.
S. exa. não viu que o capitulo da beneficencia publica na ha de trazer grandes embaraços para a camara municipal porque n'elle se estabelecem as respectivas fontes de receita.
Eu não duvido affirmar que tudo quanto se gastar cor a beneficencia publica, dentro de certos limites, é uma economia.
É bom que não haja miseria, e o illustre deputado sabe que a miseria, se por um lado é a causa de muita insalubridade, por outro lado é a origem de muitos crimes (Apoiados.)
Portanto, quando se trata com cuidado da beneficencia publica, faz-se uma grande economia em relação á miseria e á hygiene; mas uma economia larga; emquanto que as economias de que falla s. exa., permitta-me que lhe diga, são de um horisonte muito limitado.
Visto que estou fallando de beneficencia, notarei outra cousa com que o illustre deputado se assustou: foi com a facilidade que se concedeu á municipalidade para crear estabelecimentos de beneficencia e para ajudar aquelles que não são dependentes da camara municipal.
S. exa. não se lembrou de que esta disposição já está no codigo de 1878, e que no projecto actual se diz o seguinte:
(Leu.)
Exactamente a mesma disposição, mas por outras palavras.
Não me parece que seja daqui, que tenha vindo a ruina das finanças do municipio.
S. exa. que estudou o projecto em todas as suas partes, devia ver isto, e reconhecer que o perigo desappareceu por isso que o uso d'aquella faculdade está sujeito á tutela do governo.
A proposito d'isto preciso dizer a s. exa. que antes de 1878 todos os orçamentos cuja receita chegava a uma certa quantia, nos termos do código de 1842, eram approvados pelo governo, e hoje mesmo ha um certo numero de actos da junta geral, como são os emprestimos, etc. que quando absorvam a decima parte da receita, dependem de igual approvação; e não me consta que o governo a tenha recusado, (appoiados.) sendo certo que os executores do código de 1878 têem sido os diversos partidos que têem estado no poder e não um só. (Apoiados.)
Se o estado do municipio é mau, como diz o illustre deputado, esse estado dura ha muito tempo; já o estava na vigencia dessa legislação reaccionária, no meu modo de ver, e perfeita e commoda, no modo de ver de s. exa, que submettia as deliberações municipaes a uma grande tutela. (Apoiados.)
Se as camaras viveram sempre muitíssimo mal, é porque a rasão d'esse mau viver não está na falta de tutela. Decididamente está noutra parte.
S. exa. não confia na liberdade, em relação aos corpos locaes, por entender que a gerencia local pode affectar de algum modo a administração do estado. N'esse caso precisa ir mais longe; precisa reprimir a liberdade individual, porque a ingerencia individual póde não só affectar a gerencia local, mas a do estado. (Apoiados.)
O illustre deputado, citando o codigo civil, disse que em relação aos homens que administravam mal, havia um meio de evitar que elles esbanjassem a sua fortuna. Esse meio consistia em que os interessados podiam requerer o interdicto por prodigalidade.
Isto é assim, não ha duvida; mas não se lembrou s. exa. de que para os corpos locaes ha os collegios eleitoraes, ha os taes contribuintes que são os verdadeiros interessados e que podem pôr o interdicto aos membros d'essas corporações, despedindo-os da administração municipal.
S. exa. tem o exemplo do que valem as tutelas, porque sabe que o proprio governo é obrigado a submetter o orçamento do estado á approvação das camaras; e, todavia, está todos os dias clamando contra os deficits exagerados e contra a péssima administração da fazenda publica. Isto, não obstante a tutela do paiz.
Portanto, não comprehendo como em 1885 s. exa. entende que devemos recuar em materia administrativa para o código de 1842, ou talvez mais alguma cousa; porque esse codigo não era tão rigoroso como o illustre deputado o disse ha pouco.
Agora tenho apenas a dar uma explicação.
Quero suppor que s. exa., que sempre se tem apresentado como homem liberal, apesar de querer ficar hoje considerado como reaccionário, e tanto assim que ainda ha pouco, em resposta a um aparte que lhe foi dirigido, não duvidou dizer que era conservador n'esta materia; e certamente assim seria, se fossem verdadeiras as suas doutrinas; quero ainda suppor, digo, que s. exa., que considera politicas todas as questões, foi levado um pouco por essas idéas politicas a estabelecer doutrinas que, no meu modo de ver, não podem estar em harmonia com as idéas

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liberaes tantas vezes apregoadas n'esta casa pelo illustre deputado.
Eu não desejo cansar a attenção da camara, mas peço licença para notar simplesmente um ponto.
O illustre deputado quiz provar que os cálculos feitos no projecto, no intuito de se mostrar que o município de Lisboa havia de lucrar com esta reforma, eram falsos. S. exa. fez essa, demonstração, dizendo que a administração municipal tem uma receita de 500:000$000 réis e gasta 1.000:000$000 réis; mas não apresentou uma idéa salvadora. Limitou-se a dar um conselho, e a dizer que o municipio perde muito com o augmento da area da zona annexada.
E como ha de o municipio continuar a viver, se se seguir a doutrina de s. exa., que é - onde não ha dinheiro, não se gasta?
Como é que o municipio ha de viver se não póde gastar mais nada do que tem?
Depois o illustre deputado acrescentou que, se o governo esperava que o saloio de Carnide trouxesse alguma cousa para o município, estava enganado, porque elle, o saloio, não trazia cousa alguma; mas logo em seguida disse que com o projecto se ía tirar a pelle ao contribuinte de Carnide, e que não se lhe estenderiam os beneficios da civilisação!
Confesso que não entendo. Ou elles pagam ou não pagam. É preciso definir a situação, porque, se o cidadão de Carnide traz rendimento para o municipio, o projecto habilita a camara municipal a estender-lhe os beneficios da civilisação de que falla o illustre deputado; e se não traz, não tem que se queixar da privação d'esses beneficios e dos vexames que o projecto possa fazer-lhe, na opinião do illustre deputado.
Tratou s. exa. de provar em primeiro logar que era errado o calculo, porque tinha sido baseado no censo de 1878.
Todos sabem que o recenseamento das povoações ruraes não póde deixar de ser mais defeituoso do que aquelle que é feio em uma cidade onde os individuos encarregados de colher os elementos para a elaboração do censo não tenham senão que subir algumas escadas, e verificar nos differentes andares qual é a população, emquanto que nas freguezias ruraes tem de andar grandes distancias, e isto com as mesmas gratificações com que o serviço é retribuido dentro de Lisboa.
É preciso não esquecer, portanto, que o recenseamento não póde deixar de ser mais defeituoso em relação ás freguezias ruraes, do eu em relação ás freguezias de Lisboa.
E o ultimo censo é de 1878. Já vão, pois, passados uns poucos de annos; e é natural que a producção tenha augmentado.
Tambem o illustre deputado, notando que effectivamente vão muitas pessoas passar o verão em freguezias que são agora annexadas, perguntou: E as procissões? Não vem d'essas freguezias muita gente ver as procissões á cidade?
Assim será; mas é necessario ver que uma cousa é vir d'estas freguezias á cidade ver as procissões, e outra cousa é ir passar tres ou quatro mezes n'essas freguezias.
Isto faz muita differença em relação ao imposto do consumo. (Apoiados.)
Creio que o illustre deputado tambem não suppõe que aquelles que vão passar o verão para as suas quintas, mudem essas quinta para fóra da circumvallação. (Riso.)
Isso é impossivel, me parece.
Podem construir outras, se tiverem meios para isso, e se lhes valer a pena essa construcção para sesubtraírem ao imposto de consumo; o que não é natural é que os que costumam ir para as quintas fóra de Lisboa, peguem n'ellas e as mudem. Não póde ser.
O illsutre deputado sabe que está nos habitos de muita gente ir passar o verão da cidade, e os habitos não se perdem com facilidade, quando de mais a mais em Lisboa tambem se paga imposto de consumo.
Não basta vir um projecto de lei que alargue a circumvallação, para que um individuo que tem uma Quinta, ou largue essa Quinta, ou a mude para outra parte qualquer.
Essa mudança de quintas é cousa que ainda não se inventou.
O illustre deputado, que esteve censurado o illustre relator das commissões por elle calculado por freguezias inteiras o imposto de consumo, tambem calculou no dobro quando se referiu ás despezas da civilisação que se haviam de acumular em relação á zona annexada, dizendo que se havia de pagar o dobro para incendios, o dobro para illuminação, etc.
De maneira que Bemfica, Carnide e as outras freguezias não valiam nada para pagarem o imposto e valiam muito para se gastar com ellas. Ahi é que se havia de gastar e gastar á larga.
Eu não desejava fatigar mais a attenção da camara; mas tendo o illustre deputado, a proposito d'este projecto, faltado de tantas cousas, eu não posso deixar de lhe responder, embora com menos largueza do que desejava, e para o que ser-me-ía necessario gastar muitas horas.
Alem de que, eu não gosto de levar a palavra para casa; gosto de responder logo- em seguida aos discursos, sobre tudo quando esses discursos provém de fonte tão auctorisada como é o illustre deputado.
Por ora tenho ainda viva na memoria a sua argumentação, e posso responder-lhe á minha vontade; mas amanhã já não me lembraria, sobre tudo porque o illustre deputado, dizendo que o projecto et a mau, não fez o favor de me dizer como o havia de substituir por outro; não nos indicou o que devia melhorar a situação do municipio de Lisboa.
Eu não posso acceitar o conselho de s. exa. para voltarmos ás theorias administrativas e a uma centralisação que chega até ao código de 1842, ou aos outros anteriores a esse; mas acceitava de boa vontade o remédio salvador das finanças do municipio que, em substituição do projecto, s. exa. quizesse apresentar.
É preciso fazer justiça a todos. Se a camara municipal de Lisboa tem talvez exagerado um pouco as suas despezas, é porque as necessidades da civilisação assim o exigiam.
A verdade é que ella ha muitos annos não tem recursos. Os homens de todos os partidos que têem estado na camara municipal tem pedido auxilio ao governo, chegando a apresentar nesta camara propostas para augmento dos recursos do municipio, e talvez que com a idéa de que esses recursos seriam augmentados, os vereadores encontrassem em sua consciencia alguma desculpa pelos excessos de despeza que praticavam. Contavam com o futuro, e quem não ha de coutar com o futuro?
Se é certo que a camara municipal de Lisboa exagerou de algum modo as suas despezas em relação aos seus recursos, diga-se em abono da verdade que tambem n'estes ultimos tempos não pouco tem feito de vantajoso para a cidade (Apoiados.)
Eu gosto de fazer justiça a todos; não a nego a pessoa alguma. (Apoiados.)
Não posso no meio d'essas accusações, levantadas aqui contra a camara municipal, deixar de fazer justiça áqueles que têem feito parte d'essas vereações. (Apoiados.)
E quando digo isto, não faço questão partidária, porque ali têem estado homens de differentes partidos politicos; e até um illustre deputado da opposição que não vejo agora presente, tem feito parte da vereação de Lisboa, não me constando que nos actos da sua gerencia haja que censurar. (Apoiados.)
Não sou d'aquelles que gostam ou de censurar acremente os seus adversarios, ou, pelo menos, escurecer os eus méritos, como se nós nos levantássemos com isso.

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(Apoiados.) Gosto de fazer justiça a todos e gostaria que em beneficio publico todos se levantassem prestando serviços á patria. (Apoiados.)
Repito, a camara tem talvez exagerado as suas despezas, mas isso devido, por um lado, ás necessidades da capital que tem exigido um augmento, cada vez maior, d'essas despezas; e por outro lado á confiança que ella, a camara, tem tido em que mais tarde ou mais cedo os recursos do municipio hão se ser infallivelmente augmentados.
Em todo o caso tem se convertido essas despegas em noticio do municipio.
Seja isto dito em abono da verdade.
Ora o que está provado é que o odiado do municipio carecia de prompto remedio, e aquelle que me occorreu foi o que eu propuz. Augmentemos os recursos á camara municipal de Lisboa e augmentemol-os por esta fórma.
Note-se que se acamara municipal de Lisboa exagerou suas despezas e recorreu ao credito, não sobrecarrego município de impostos.
Não póde constar a s. exa. que a camara, alem do posto de licenças, que talvez não lhe dê para cima de réis 30:000$000, recorresse aos addicionaes nem aos outros postos que eram permittidos pela lei de instrucção primaria. (Apoiados.)
Não digo se fez bem ou mal; o que digo é que a camara fez todas essas despesas, recorrendo ao credito, mas sem aggravar a situação do contribuinte com mais impostos. (Apoiados.)
Este é o facto. Portanto o que se procura pelo projecto é alargar os recursos do municipio de Lisboa; é a esta necessidade a que se procura attender; mas se ha remedio melhor, devia o illustre deputado tel-o indicado.
Não o fez, e por isso eu disse e repito que me deixou uma impressão profundamente triste o fim do seu discurso porque censurando s. exa. todas as disposições do projecto, não pôde, com todo o seu talento e intelligencia, chega inventar um remedio que substitua esse projecto que condemna. (Muitos apoiados.)
Peço desculpa de ter tomado tanto tempo á camara; mas eu tinha de dar estas explicações em resposta ao illustre deputado.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Hoje ha sessão nocturna.
A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Era meia noite e meia hora.

Discurso proferido paio sr. deputado João Arroyo, na sessão de 6 de junho, e que devia ler-se a pag. 2:105, col. 1.ª

O sr. João Arroyo (sobre a ordem): - Mando para a mesa a minha moção de ordem que se acha redigida nos seguintes termos:
«A camara reconhece que o governo procedeu com tino e dignidade nos actos que praticou relativamente á questão do Zaire, e continua na ordem do dia. = João Arroyo.»
A marcha a seguir nas considerações que vou ter honra de apresentar á camara está naturalmente indicada, não só pela natureza e historia dos importantes diplomas presentemente submettidos á apreciação do parlamento portuguez, mas tambem pelos discursos proferidos n'esta discussão pelos meus illustres collegas, os srs. Barros Gomes e Consiglieri Pedroso, assim como pela mane como todos os assumptos relativos á questão do Zaire foram tratados n'esta casa por occasião da discussão do projecto da resposta ao discurso da corôa e quando se espalhou noticia de que haviam sido occupadas por forças maritimas mas portuguezas as duas margens do grande rio africano.
A questão do Zaire abrange tres periodos perfeitamente distinctos: o primeiro vae desde o começo das negociações entabuladas pelo sr. Antonio de Serpa Pimentel no fim do anno de 1882 até á assignatura do tratado anglo luso, que tem a data de 26 de fevereiro de 1884; e segundo vae desde esta data até á da reunião da conferencia de Bellem, a 15 de novembro de 1884; o terceiro desde essa data até 26 de fevereiro de 1885, data do acto geral da conferencia, doze dias posterior áquelle em que assignámos uma convenção com a Associação Internacional do Congo.
Para poder apreciar e definir claramente quaes as vantagens ou inconveniencias que para Portugal provém d'esses dois documentos diplomaticos e as responsabilidades do actual gabinete, tanto pelo que respeita aos resultados da conferencia Berlim, como relativamente á convenção que realisámos com a Associação Internacional, é necessario, não só que deixe bem liquidados e avaliados os actos diplomaticos praticados pelo governo desde 20 de fevereiro de 1884 até á data da reunião da conferencia, mas que accentue e defina as suas responsabilidades por todos os actos que praticou desde o começo das negociações, em novembro de 1882, até 26 de fevereiro de 1884.
Accusado o governo portuguez de não haver alcançado melhor resultado do que o obtido na conferencia diplomatica de Berlim e na convenção com a Associação Internacional, pela má situação em que se havia collocado perante a Europa; verberada energicamente a sua politica externa, quanto á questão do Zaire, por não ter sondado a tempo, em hora opportuna, os intuitos, as disposições, so desejos, ou as ambições das chancellarias do velho e do novo mundo; interpellado, n'uma palavra, pela inhabilidade e incuria com que dirigiu as negociações diplomaticas relativas á questão do Zaire, parece-me de todo o ponto indispensavel, tomando eu a peito defender o gabinete pela parte que lhe pertence nos documentos actualmente sujeitos ao exame do parlamento, analysar previamente os dois primeiros periodos a que me acabo de referir.
Não extranhará, portanto, a camara que principie pelo estudo dos actos e documentos que precederam o tratado anglo-luso, acompanhando o da apreciação das disposições d'esse tratado que mereceram critica mais acerba da opposição monarchica e republicana. (Apoiado.)
Deter-me-hei em primeiro logar no exame das relações diplomaticas de Portugal com o governo da Republica Franceza; depois passarei á analyse das relações diplomaticas com a Allemanha, Belgica e Hollanda, e dos passos que démos junto de todos os governos perante os quaes nos achâmos acreditados, referindo-me em seguida especialmente á Inglaterra.
O sr. Fernando de Azevedo, nosso encarregado de negocios em Paris, officiava em 9 de novembro de 1882 ao sr. Serpa Pimentel nos termos seguintes: «Confirmando tudo quanto tive a honra de participar a v. e exa. no meu telegramma de hontem, cumpre me insistir no que já communiquei, e é que da conversa de caracter puramente particular (pois a mais não estava eu auctorisado) que tive com o sr. Decrais, director politico dos negocios estrangeiros, o qual tratára especialmente da questão com o sr. Duclere, pude deprehender que o governo francez n'esta questão, animado das melhores disposições para com Portugal, e que de modo nenhum quereria offender os nossos direitos, nem mesmo mais tarde estender a sua acção sobre a região do alto Congo, sem previamente se haver entendido amigavelmente com o governo portuguez. Acrescentou s. exa. que em breve serão enviadas instrucções n'este sentido ao sr. de Méneval.»
Poucos dias depois, a 20 de novembro, dirigia o sr. Serpa Pimentel um despacho ao sr. Fernando de Azevedo, que tem importancia particular para a argumentação que hei de ter a honra de produzir perante esta camara.
Dizia o sr. Serpa Pimentel no despacho citado: «Nunca

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o governo portuguez receiou que a França, respeitadora dos direitos alheios, e á qual nos prendera laços de benevolencia e mutua sympathia, pretendesse usurpar os nossos direitos n'aquella parte do continente africano em que os temos tradicionaes e incontestaveis. Por esse motivo, na polemica que se tem travado na imprensa franceza, belga e ingleza, ácerca da significação dos trabalhos do explorador Savorgnan de Brazza, e da importancia dos tratados que fez com um regulo do interior africano, nunca este governo pensou em allegar perante o Governo da Republica Franceza os nossos direitos, desconhecidos ou esquecidos nos artigos de muitos jornaes francezes, que incitavam esse governo a estender o seu dominio dentro dos limites do territorio que nos pertence. Nem os governos das nações em que a imprensa é livre pedem ser responsaveis pelo que ella proclama, nem os erros de historia e geographia que ella commette frequentes vezes podem influir nos actos de um governo esclarecido, que nunca toma uma resolução ácerca de negocios graves, e que podem envolver offensa de direito alheio, sem ampla e completa informação previa.» Defende depois o sr. Serpa Pimentel as reclamações de Portugal contra um artigo publicado no Temps de 13 de novembro de 1882, em que este periodico incitava o governo francez a usurpar os direitos de Portugal, e termina, dizendo: «São estas as considerações que v. sa. deve levar ao conhecimento do sr. Duclere, não como um acto de desconfiança ou de receio de que o illustrado Governo da Republica Franceza, de quem temos recebido provas inequivocas de benevolencia e sympathia, pretenda menoscabar os nossos direitos, mas como uma exposição amigavel e uma base de esclarecimentos que o habilitem, se necessario for, a repellir quaesquer sugestões intencionalmente patrioticas mas menos fundamentadas, ácerca do grave assumpto de que se occupa n'este momento uma parte da imprensa franceza. D'este despacho deixará v. sa. copia ao sr. Duclere.
O officio do sr. Fernando de Azevedo de 20 de novembro de 1882 harmonisa-se perfeitamente com o de 9 de novembro, acima citado, e o officio do mesmo encarregado de negocios de 24 de novembro é ainda mais explicito. Exprime-se assim o sr. Fernando de Azevedo: «A França, disse M. Duclere, deseja entender-se com o seu Governo para tudo quanto disser respeito á delimitação das fronteiras no territorio cedido ao sr. de Brazza, e eu estou persuadido que a nossa vizinhança n'aquellas regiões ha de ser vantajosa para ambos os paizes. N'aquelle vasto continente ha logar para todos; portanto facil é que nos entendamos; o governo francez tem muito a peito estar de Accordo com Portugal nesta questão, respeita os seus direitos sobre os territorios do Congo e reconhece a justiça das suas pretensões até 5° 12' de latitudes. «Fazendo eu observar a s. exa. que a margem esquerda do Zaire, ainda acima da mencionada latitude, e tudo emfim quanto constituia o antigo reino do Congo pertencia á corôa portugueza, pois a medida de 5° 12' se applicava principalmente ao territorio situado sobre a costa acima da foz do Zaire, o sr. Duclere tranquilisou-me, dizendo-me que a França nos reconhecia a posse da margem esquerda, e que nunca pretenderia senão o territorio que lhe havia sido cedido sobre a margem direita.»
Em officio de 7 de dezembro cita o sr. Fernando de Azevedo as proprias palavras do sr. Duclere: «Vous pouvez être tranguilles, nous n'irons pas chez vous (au delà du 5º 12') et nous tenons à vous prouver que nous ne voulons rien faire qui puisse eveiller les susceptibilités de la presse et de l'opinion publique en Portugal. Pour tout ce qui pourra être entrepris dans le voisinage des territoires qui vous appartienent, nous tenons à nous mettre préalablement d'accord avec vous.
Por ultimo, os officios de 9 e 11 de dezembro de 1882 do sr. Fernando de Azevedo confirmam plenamente as affirmações contidas nos officios anteriores.
Diz o officio de 9 de dezembro: «Acabo de receber o despacho de v. exa. n.° 29, datado de 4 de dezembro, e por elle vejo com a maior satisfação que, no que respeita aos limites dos territorios a que Portugal tem direito, na região do alto Congo, v. exa. me recommenda que eu sustente, perante o Governo Francez, os principios já por mim expostos ao sr. Duclere, e de que s. exa. reconheceu a justiça, segundo consta do meu precedente officio de 24 de novembro ultimo. Conforme v. exa. me ordena, continuarei a sustentar junto d'este governo estes principios que sempre defendi, e que de resto o sr. Duclere de bom grado acceitou: «que os limites do nosso territorio n'aquellas regiões são o proprio rio Zaire, o qual corre de N. E. para a costa e portanto corta o parallelo 5° 12', e sobe muito alem d'este para o interior; n'uma palavra, que os nossos direitos se estendem a todo o reino do Congo, sobre cujo soberano a Corôa de Portugal tem ha seculos a suzerania, referindo-se o limite de 5° 12' só á costa septentrional do Zaire».
E o de 11 de dezembro: «Em additamento ao officio de 9 do corrente, tenho a honra de participar a v. exa. que, segundo as ordens recebidas, novamente expuz ao sr. Duclere, presidente do conselho, quaes eram os princípios do Governo de Sua Magestade ácerca dos limites das pretensões de Portugal sobre o reino do Congo, limites estes que são 5° 12' de latitude na costa, o para o norte o proprio rio Zaire, abrangendo portanto o nosso territorio a margem esquerda do mesmo rio acima d'aquella latitude. Mais uma vez me confirmou o sr. Duclere o que já me dissera sobre este assumpto: que o território cedido á França estava situado sobre a margem direita do Zaire, e, portanto, fóra dos limites das pretensões portuguezas, cuja legitimidade o Governo Francez reconhece. Acrescentou s. exa. que a França queria estreitar cada vez mais os laços de amizade que a raiem a Portugal, e de modo algum desejaria ferir os seus direitos».
Devia, portanto, causar grande espanto ao então ministro dos negócios estrangeiros a leitura da carta de lord Granville com data de 1 de junho de 1883, onde se encontram as seguintes palavras: «O sr. Challemel Lacour, em uma recente conversa com o embaixador de Sua Magestade em Paris, distinctamente negou que as pretensões de Portugal áquella parte da costa (entre 5° 12' e o Ambriz) fossem admittidas pela França». A 26 de junho o sr. Serpa Pimentel, em despacho enviado ao sr. Miguel Martins d'Antas, mostrava como essa declaração, se n'ella não havia algum equivoco, estava em contradicção formal com factos e communicações anteriores.
A 28 de março de 1884, escrevia o sr. Bocage, em nota ao sr. Paulo de Laboulaye: «Por bem recentes factos foi confirmado o inalteravel procedimento da nação franceza, constante respeitadora dos seus quasi seculares compromissos. Taes foram as declarações publicas occasionadas pela apresentação às camarás francezas dos tratados assignados pelo sr. Savorgnan de Brazza, e as palavras claras e explicitas com que o sr. presidente de conselho de ministros e ministro dos negocios estrangeiros d'esse paiz disse ao representante de Sua Magestade Fidelíssima em França, que: «o Governo da Republica respeitava os nossos direitos, reconhecendo a justiça, das pretensões da corôa portugueza até 5° 12' de lat. S., tinha muito a peito estar de accordo com Portugal n'esta questão, e queria seguir comnosco uma politica de perfeita harmonia e boa vizinhança na costa occidental da Africa».
Finalmente, em resultado de um despacho do sr. Julio Ferry ao sr. Paulo do Laboulaye de 3 de maio de 1884, acompanhado de uma carta elucidativa dirigida pelo sr. Duclere ao sr. Ferry, enviava o sr. Laboulaye em 27 de maio deste anno uma nota ao sr. Bocage, onde nega que o sr. Duclere tivesse emittido opinião sobre a legitimidade ou illegitimidade dos nossos direitos sobre os territorios situados ao norte do Ambriz. Leem-se n'essa nota os seguintes pe-

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riodos: «Se v. exa. quizer attender ás circumstancias que acabo de lembrar (refere se o sr. Laboulaye á expedição Brazza) e reflectir em que as instrucções dadas a M. de Brazza foram fielmente executadas, apreciará, não o duvido, o alto valor que tinham, na occasião em que foram pronunciadas, as palavras que se dizem ter sido as empregadas pelo ministro dos negocios estrangeiros da Republica; v. exa. concluirá, como eu concluo, que M. Duclere não tinha na occasião em que fallava motivos para emittir opinião formal sobre a legitimidade de pretensões, que a sua attitude tinha precisamente como primeiro resultado não avaliar, pondo os direitos reivindicados fóra da discussão. Não devendo exercer-se a nossa acção na região do Congo sem que tivessemos de nos pronunciar sobre o valor dos titulos invocados para alem d'esta latitude (5° 12' de lat. Sul) pelo gabinete de Lisboa, ficava evidentemente a questão reservada entre os dois Governos».
Não me demoraria n'esta parte da questão, se porventura, depois do magnifico discurso pronunciado pelo sr. conselheiro Barros Gomes na sessão de 26 de janeiro de 1885, não tivesse ficado o nosso encarregado de negocios em Paris sob o peso de uma accusação, que entendo ser de todo o ponto immerecida. (Apoiados).
Na minha qualidade de representante do paiz, julgo dever timbrar em não proferir no parlamento palavras que possam ser consideradas offensivas ou insultuosas para uma nação estrangeira, em não proferir phrases que possam ser origem de difficuldades para as boas relações diplomaticas entre o nosso governo e as chancellarias estrangeiras; mas collocado entre o desmentido completo, feito pelo governo francez das informações referidas que nos forneceu o nosso encarregado de negocios, e a verdade d'essas informações que penso poderei demonstrar á camara, entendo que cumpro com a minha obrigação de portuguez e de deputado tentando esclarecer o assumpto, visto que o meu discurso, se não é n'este ponto feito de amabilidades para com o governo francez, nada conterá de desrespeito ou de inconveniencia parlamentar. (Apoiados).
O meu fim é unica e exclusivamente provar que, no primeiro periodo da questão do Zaire, o procedimento da França para comnosco não foi firme, não foi uniforme, como por todas as rasões tinhamos o direito e o dever de esperar d'ella. (Apoiados}.
Admitte-se o equivoco num documento, sobretudo de pequeno valor; mas numa serie de documentos, e de documentos que versavam sobre uma que estão importante e delicada como a do Zaire, o equivoco é inteiramente inverosímil. Nos officios do sr. Azevedo, de 24 de novembro e de 7 e 11 de dezembro, encontram-se citadas as palavras que o nosso encarregado de negocios põe na bocca do sr. Duclere, e no officio de 7 de dezembro diz-se até expressamente: «São estes os proprios termos que empregou o sr. Duclere. Não será isto mais uma prova do cuidado com que o sr. Azevedo attendia e transcrevia a opinião emittida pelo ministro dos negocios estrangeiros da Republica Franceza?
Demais, sr. presidente, acresce que não são só os officios emanados do nosso encarregado de negocios que asseguravam o governo portuguez das boas disposições do governo francez quanto ao reconhecimento dos nossos direitos sobre os territorios banhados pelo Zaire. O sr. Andrade Corvo, chegado a Paris, officia a 5 de novembro de 1883 nos termos seguintes: «No meu officio de hontem, d'esta serie, disse a v. exa. que o sr. Challemel Lacour me indicava ser a missão do sr. Brazza puramente scientifica, e como tal dirigida pelo ministerio da instrucção publica. Hoje procurei n'este ministerio o sr. Xavier Charmes, com quem estou em boas relações, e que é o alto funccionario especialmente encarregado d'essa expedição africana. Tive uma larga conversação com o sr. Charmes, e este senhor affirmou-me que era absolutamente inexacto quanto ahi se diz ácerca de instrucções dadas aos officiaes da marinha franceza. Nas instrucções expedidas ultimamente cobrava-se-lhes que por fórma alguma occupassem um ponto qualquer da costa, comprehendido dentro da região reclamada pelos direitos portuguezes, e que se fosse necessario mandar uma expedição em auxilio do sr. [...], essa expedição não atravessasse os territorios ao norte do Congo, sem avisar previamente as auctoridades portuguezas.
A proposito do mesmo assumpto, já no officio do sr. Corvo de 4 de novembro do mesmo anno se lia: O ministro dos negocios estrangeiros, conversando largamente a este respeito, disse-me que o governo portuguez não podia duvidar da boa vontade e espirito de conciliação do governo francez, como já anteriormente tinha manifestado».
Pois o governo francez abstinha-se de emittir opinião sobre o fundo da nossa reclamação, e julgava neccessario o aviso previo ás auctoridades portuguezas para que uma expedição de soccorro podesse passar pelos territorios situados ao morte do Congo? Pois o governo francez punha a questão dos nossos direitos fóra da discussão, e comtudo affirmava a sua boa vontade e espirito de conciliação já anteriormente manifestado? Será manifestação de espirito de conciliação e de boa vontade a ausencia de opinião ácerca de uma reclamação?
Não, sr. presidente, os officicos do sr. Corvo accusava da parte do gabinete as mesmas disposições já indicadas pelos officios do sr. Azevedo, embora talvez um pouco mesmos nos explicitamente do que estes; e assim comprovadas os officios do sr. Azevedo pelos do sr. Corvo, e muitissimo mais difficil de conceber e explicar que o sr. Azevedo se equivocasse (Apoiados) A camara pertence avaliar tambem como são contradictorias as palavras que lord Granville põe na bocca do sr. Challemel Lacour com as participações que nos enviava o sr. Corvo, sendo já ministro dos negocios estrangeiros da Republica Franceza o mesmo sr. Challemel Lacour.
Citarei agora, alem do tratado que em 1786 celebrámos com a França, o caso de 1870 com o navio mercante allemão Hero.
Em 1870, a 27 de dezembro, a Allemanha reclamou por intermedio do seu ministro plenipotenciario em Lisboa contra a captura do navio mercante allemão Hero, por uma corveta da guerra francesa, nas aguas territoriaes portuguesas do porto de Banana, convidando o governo portuguez a tomar as providencias necessarias em vista d'esta violação da neutralidade do seu territorio. O governador francez do Gabão, para onde a corveta franceza levára o Hero como presa do guerra, mandou soltar a espionagem, e reintegrou o navio no porto de Banana, em cujas aguas elle se conservou até o fim da guerra franco-pressiano. Logo, quando analisar o livro amarello de 1884, relativo á questão do Zaire, terei occaeião de mostrar á camara como é falto de valor o argumento de que se serviu o governo francez para, treze annos mais tarde, demonstrar que este facto não implicava o reconhecimento dos nossos direitos de suzerania sobre o porto do Banana.
Notou o governo francez que as minutas das coherencias havidas entre o sr. Azevedo e o sr. Duclere não foram communicadas ao ministro francos antes de serem publicadas. Quero crer que assim tivesse acontecido. Mas foi-lhe communicado o despacho do sr. Serpa Pimentel de 20 de novembro, a que já me referi, como consta do seu proprio texto, do despacho do mesmo estadista ao sr. Azevedo com data de 4 de dezembro de 1882, e do officio do sr. Azevedo de 24 de novembro do mesmo anno.
Se o governo francez se abstinha de reconhecer os nossos direitos, porque o não haveria manifestado ao sr. Azevedo, ou directamente ao governo portuguez pelo seu representante em Lisboa, ao ser-lhe presente a copia do despacho do sr. Serpa de 20 de novembro de 1882? A falta de declaração ou reclamação é uma prova fortissima, não de que o governo francez desconhecia ou não discutia os nossos direitos, mas de que os reconhecia a esse tempo

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(Apoiados.) a propria Inglaterra, que antes de 22 de novembro de 1882 estava em correspondencia com a França a respeito do tratado celebrado pelo sr. de Brazza com o regulo Makoko, como consta do efificio do sr. Antas com esta data, só a 1 de junho de 1883 é que se mostra informada da attitude de reserva assumida pelo governo da Republica! (Apoiados.)
mas o curioso é comparar a nota do sr. Barão de Méneval de 20 de novembro de 1882 com o ultimo periodo do trecho já citado da nota do sr. Paulo de Laboulaye de 27 de maio de 1884.
Escreve o sr. de Méneval. «Encarrega me o meu Governo de levar, sem demora, ao conhecimento do Governo do rei a resolução que elle julgou dever tomar submettendo á camara dos deputados um projecto de lei cujo fim é permittir que o Presidente da Republica ratifique o tratado celebrado por M. de Brazza com os chefes Batékes sobre o Congo superior. Este tratado cede á França, em troca do nosso protectorado, uma extenção de territorio comprehendida entre as ribeiras Djuere e Impila.» E escreve o sr. Laboulaye dezoito mezes depois: «Não devendo exercer-se a nossa acção no Congo sem que tivessemos de nos pronunciar sobre o valor dos titulos invocados para alem d'esta latitude (5.º 12 de latitude sul) pelo gabinete de Lisboa, ficava evidentemente a questão reservada entre os doi Governos». Ah! Sr. presidente, as duas notas são completamente contradictorias. Se a acção do governo francez na região do Congo não devia exercer-se sem que elle se pronunciasse sobre o valor dos titulos que invocavamos sobre os territorios comprehendidos entre 8º e 5º12 de latitude austral, é evidente que a declaração constante da nota do sr. Barão de Méneval importa o reconhecimento implicito dos nossos direitos, visto que não póde deixar de ser considerado como exercicio da acção de um goveno a celebração de tratados com os chefes indigenas de um paiz inexplorado, que comtêem a cadencia por parte d'esses chefes de uma determinada zona de territorio. (Apoiados.)
Em boa fé, direi que não conheço exercicio de acção soberana de um governo mais perfeitamente caracterisado - a troca de um protectorado nacional pela adquisição da primeira base indispensavel á acção do governo da metropole em assumpto de politica colonial. (Apoiados.)
Antes de prosseguir na argumentação em que me empenhei, julgo necessario explicar o procedimento da França, inquirir das causas que produziram as cambiantes de opinião por ella manifestadas ácerca da questão do Zaire.
As mudanças da attitude da França a nosso respeito correspondem ás mudanças de ministerio na pasta dos negocios estrangeiros da Republica.
Emquanto o sr. Declere a geriu, tudo eram facilidades, boa vontade, adhesão aos desejos de Portugal. Assumiu a gerencia da pasta o sr. Challemel Lacour e começa turvar-se o horizonte, as phrases são menos explicitas, os propositos menos francos e claros. É substituido o sr. Challemel lacour pelo sr. Julio Ferry e este assume uma atitude, menos de abstenção, que de recusa de reconhecimento das nossas reclamações. (Apoiados.) O que é exacto, é que o governo da republica franceza se deixou influenciar e dirigir pelos sucessivos progressos da Associação Internacional do Congo e pelas alterações da politica externa da Allemanha e da Inglaterra. O despacho do sr. Ferry, origem da nota do sr. Laboulaye, que encerra um verdadeiro protesto contra as affirmações contidas nos officios do sr. Azevedo, é de data posterior aos officio trocados entre o sr. Ferry e o sr. Strauch, presidente da Associação Internacional do Congo, a que me referirei mais detidamente quando analysar o livro amarello de 1884 e que explicam a ulterior dedicação do gabinete francez pelos interesses e futuro da associação. O despacho do sr. Ferry é de data posterior á reunião da associação colonial allemã, presidida pelo principe de Hohenlohe Langenburg (30 de abril de 1884) na qual este principe declarou que era preciso fazer opposição ao tratado anglo luso de 26 de fevereiro, e depois da qual variou ostensivelmente o pensamento do governo do Imperio Germanico a respeito da politica colonial africana. Apoiada pelo governo do Imperio Germanico e favorecida pela promessa que lhe fizia o sr. Strauch em nome da Associação Internacional do Congo, a França esqueceu o tratado de 1786, como já havia sophismado o caso de 1870, e une se á empreza belga na facil tarefa de contrariar os desejos de uma potencia de Segunda ordem, desde 1815 afastada dos congressos e conferencias diplomaticas.
As minhas affirmações comprovam-se ainda pela posterior mudança de linguagem do proprio sr. Ferry quando, reunida a conferencia de berlim, foi necessario considerar de vez as nossas reclamações, graças á attitude energica e digna, e sobretudo graças á habilidade cautelosa dos nossos representantes na conferencia, em cuja mão estava, como nas de outros quaesquer representantes das potencias que alli tinham voto, inutilizar todo aquelle trabalho diplomatico pela não adhesão aos seus actos e declarações.
N'esta occasião, o reconhecimento de direitos de soberania portugueza sobre os territorios banhados pelo baixo Zaire importava á França, que queria tambem compartilhar da vasta extensão de terreno comprehendido na bacia commercial do Zaire.
Leia se o officiodo sr. visconde de Azevedo ao sr. Bocage com data de 3 de janeiro de 1885. Chegara no di 31 de dezembro de 1884 a Paris o addido militar á legação portugueza em Berlim, o sr. Carlos du Bocage. Tratava-se de delimitação dos territorios da França, de Portugal e da Associação Internacional. O sr. Julio Ferry declara que era indispensavel que Portugal e a França resistissem, porém que teriam finalmente de fazer alguma concessão á Associação.
E acrescenta o referido officio:
«Promettendo em seguida communicar-me o resultado das negociações entre a Frabça e a Associação e entender se com Portugal no que respeita ás concessões que as duas nações terão de fazer á sociedade africana, reconheceu a vantagem que para ambos os paizes haveria n'este accordo. Não fallou positivamente em reconhecimento dos nossos direitos, mas disse que era necessario que esta questão ficasse de vez liquidada para nós, e implicitamente os reconheceu, visto que nos aconcelhou a tratarmos com a Associação da questão de limites, conjuntamente com a França.»
alludindo ainda o sr. visconde de Azevedo ao tejegramma em que informára o sr. ministro dos negocios estrangeiros do que se passára na Segunda conferencia com o sr. Ferry, escreve mais este encarregado dos negocio:
«Por elle terá v. exa. visto que o sr. Ferry, confirmando mais explicitamente ainda o que nos dissera na conferencia de quarta feira passada, declarou expressamente haver dito aos delegados da Associação que era preciso contar com Portugal e que só conjuntamente com esta nação se poderia tratar da questão de limites, porque, acrescentou:
«si le Portugal n'est pas une grande puissance, il a des droits et il saura les défendre».
Este officio do sr. visconde de Azevedo é corroborado pelos outros officios do mesmo encarregado dos negocios ao sr. Bocage, de 6, 14, 17 de janeiro e de 6 e 26 de fevereiro de 1885, os quaes evidenciam a parte principal da mediação que o governo da Republica Franceza desempenhou nas relações entaboladas entre Portugal e a Associação Internacional do Congo, até á conclusão d'este pleito, funcções estas de mediação demasiadamente conhecidas de toda a camara para que me deva agora referir, como incidente, ao documento de data posterior que melhor define o interesse manifestado pela França n'este periodo das negociações.
A todos nós, portuguezes, cumpre-nos prestar á França o merecido reconhecimento pela maneira digna e patrio

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tica como se houve para comnosco n'essa occasião. (Apoiados.)
Mas não é o próprio procedimento da França para comnosco, no ultimo periodo da questão do Zaire, a prova mais concludente da contradicção flagrante entre esse procedimento e o procedimento da França a nosso respeite nos periodos anteriores da questão? (Apoiados.)
Pois o governo de uma nação intervem como potencia mediadora entre duas partes litigantes, desconhecendo ou abstendo-se de reconhecer em parte os direitos allegado; por uma dellas? Póde haver desempenho de funcções de mediação, quando se não aprecia e se não concorda parcialmente com as reclamações apresentadas pelas duas partes contratantes? (Apoiados.) A contradicção nada mais significa do que a resurreição dos sentimentos cavalheirosos da nação franceza, temporariamente suffocados pela empreza commercial do Rei Leopoldo. (Apoiados.)
Vou agora, sr. presidente, analysar o livro amarello de 1884, relativo á questão do Zaire, aonde a camara encontrará valiosissimos argumentos em lavor da minha opinião.
Este livro abre com um despacho do sr. Duclere ao sr. Laboulaye de 4 de janeiro de 1883, que define a attitude da França a nosso respeito nos mesmos termos em que posteriormente a definiu a nota do sr. Laboulaye ao sr. Bocage de 27 de maio de 1884. Escreve no despacho com data de 4 de janeiro o sr. Duclere:
"Annunciando-me a vossa chegada a Lisboa, fizestes-me conhecer a impressão produzida sobre o Governo Portuguez pelas declarações com que julgámos dever acompanhar a ratificação das convenções celebradas por M. Savorgnan de Brazza com os chefes Batékes. A impressão é tal qual nol-a fazia esperar a franqueza amigavel da nossa linguagem. Não tenho a relembrar agora em que terreno nos collocámos desde o principio para com o Governo Portuguez, nem que repetir-vos o sentido exacto que convém attribuir às declarações que fizemos para precisar aos olhos de todos o verdadeiro caracter da nossa acção nas margens do Congo. Ellas tinham principalmente por fim, vós o sabeis, evitar apprehensões sem fundamento, affirmando que só a situação dos territorios que a França assim adquiria bastava para socegar a Côrte do Lisboa quanto às nossas intenções a respeito das regiões que nos foram nominalmente designadas como sujeitas á sua jurisdicção. Estas declarações, sejam quaes forem as disposições que as inspiravam, não poderiam, portanto, ter coisa alguma de comum com um reconhecimento formal das pretensões, que nos limitâmos a não pôr em discussão, e importa que não seja alterado, quanto a este ponto delicado, o caracter da nossa attitude."
Ora o curioso é que, logo em seguida a este despacho, cujo valor e significação só mais adiante poderei apreciar, apparecem no livro amarello dois documentos - um despacho do sr. Challemel Lacour aos chefes de legação e encarregados de negocios, com excepção de Lisboa, de 1 de maio de 1883 e outro do mesmo estadista ao sr. Laboulaye de 4 de agosto do mesmo anno, que se encontram em diametral opposição com o despacho citado de 4 de janeiro.
Diz o despacho de 1 de maio:
"Os debates parlamentares que precederam a ratificação do tratado celebrado, a 3 de outubro de 1880, em nome do Governo da Republica, com os chefes Batékes e a votação dos creditos necessarios ao acabamento da missão de M. de Brazza no oeste africano, precisaram o caracter eminentemente pacifico que julgamos dever manter á acção da França no campo aberto por esta forma á sua iniciativa civilisadora. Os comptes-rendus d'esta discussão, publicados no Jornal Official de 22 de novembro de 1882 e 29 de dezembro do mesmo anno, já vos habilitaram a verificar que, antes de nos apropriarmos dos primeiros resultados obtidos pelo explorador francez, adquirimos a certeza de não irmos n'estas paragens ao encontro de nenhum direito anterior.
Assim, o gabinete francez affirmava que a acção da França, quanto ao tratado Brazza, não atacára nenhum direito anterior, entre os quaes devia por todos os motivos occupar o primeiro logar a reclamação portugueza. Mas isto não é tudo.
No mesmo despacho se encontra referencia especial às pretensões portuguezas, garantidas consequentemente pela affirmação geral que acabo do ler á camara: "Os territorios sobre os quaes o Governo Portuguez reivindicou os direitos de soberania, que elle procura n'este momento fazer reconhecer pelo Gabinete Britannico, são inteiramente distinctos d'aquelles em que a acção de M. de Brazza é chamada a exercer-se." Decidirá agora a camara se estas palavras do despacho, explicadas pelas anteriores, encerram ou não a definição de uma attitude por parte do governo, da Republica completamente adversa á que accusa o despacho de 4 de janeiro. (Apoiados.)
Escreve o sr. Challemel Lacour no despacho de 4 do agosto: "Desde o dia em que as explorações de M. de Brazza abriram á influencia franceza um novo campo vizinho dos estabelecimentos portuguezes do Congo, pensámos que um accordo leal entre os dois Governos seriada garantia mais segura do bom resultado dos nossos esforços, e não desprezámos cousa alguma para facilitara sua conclusão e evitar qualquer equivoco sobre o caracter e sobre a extensão dos nossos projectos. As declarações formaes que fizemos nas camaras, por occasião da discussão dos tratados com os chefes Batékes, as promessas que vós fostes encarregado de trammittir em Lisboa, convenceram o Governo Portuguez que nenhuma difficuldade proviria da nossa vizinhança, sendo nossa resolução bem decisiva a de restringir a nossa, acção para alem dos limites que elle assigna às suas reivindicações. Conformamo-nos assim com os seus projectos e mostramo-nos respeitosos das suas pretensões, sem ter de entrar no exame das questões delicadas que podem levantar-se na discussão dos titulos que elle invoca. Não poderiamos desde então encontrar senão vantagens n'um accordo explicito que supprimisse toda a causa da incerteza, precisando os limites assignados às possesões continuas dos dois paizes, e os pozesse em melhor situação para se prestaram apoio mutuo. Segundo o parecer de M. De Serpa, o meio pratico do alcançar o accordo proposto seria confiar a commissarios a tarefa de preparar os elementos, estudando, sobre indicações fornecidas pelos dois Governos, as diversas questões que se levantam e indo, se preciso for, procurar nos proprios locares as informações necessarias para este trabalho preparatorio. Podeis fazer saber ao Gabinete de Lisboa que estamos promptos a adherir a esta combinação, comtanto que se entenda, tanto no seu pensamento como no nosso, que a convenção a fazer versará, não só sobre os estabelecimentos da Guiné, mas sobre as possessões respectivas de toda a costa occidental da Africa."
O governo francez considerava o accordo leal com o governo portuguez como a mais segura garantia do bom successo dos seus esforços; declarava-nos expressamente que os seus desejos de expansão colonial não ultrapassariam o limite que fixáramos às nossas reclamações; o governo francez conforma-se com os nossos projectas e mostra-se respeitoso das nossas pretensões, sem discussão previa das questões, no seu entender delicadas, que podia suggerir a apreciação dos titulos em que nos fundávamos; proclama as vantagens de um accordo previo, que fixasse os limites assignados às possessões contiguas dos dois paizes; accentúa que essa convenção deve versar sobre todas as possessões respectivas da costa occidental da Africa, e esse mesmo governo no despacho de 4 de janeiro declara que se abstém de discutir as nossas reclamações!
Oh! Sr. presidente! Pois a necessidade de um accordo, o respeito pelas nossas pretensões, o limite imposto á expan

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2418 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

são do seu pensamento colonial, o considerarem se os territorios a que nos julgavamos com direito como possessões portuguezas, a condicção de que o accordo versaria sobre todas as possessões francezas e portuguezas da costa occidental de Africa e, portanto, que abrangeria a totalidade das nossas reclamações, não estará tudo isso em diametral opposição com a attitude de reserva que o despacho de 4 de janeiro expressamente define?(Apoiados). Os dois documentos são irreconciliaveis.
O sr. Serpa Pimentel responde em nota dirigida ao sr. Laboulaye a 13 de agosto de 1883, concordando em que o accordo sobre a fixação dos limites abranja as possessões contiguas dos dois paizes em toda a costa occidental de Africa, mas declara que o governo portuguez só póde entrar nessas negociações com a base da admissão explicita por parto da França dos direitos que reclamavamos perante a Inglaterra desde 1846, assim como Portugal, estava disposto a reconhecer a legitimidade dos direitos da França aos territorios que recentemente adquirira. Bem procedeu o illustre estadista portuguez. (Apoiados).
Seguro e informado da attitude da França a respeito da questão portugueza do Zaire, aproveitava esta occasião opportuna para alcançar uma nova prova, a decisiva, das verdadeiras disposições do governo da Republica a nosso respeito. Não era exigencia demasiada a declaração decisiva e formal do que se continha e deduzia de documentos e actos anteriores praticados pelo governo francez. (Apoiados.)
Sabe a camara qual a fórma por que respondeu o sr. Julio Ferry? Ao principio com o silencio; depois com uma curiosissima interpretação do caso do Hero; em seguida com o celebre despacho de 3 de maio de 1884, que deu origem á nota do sr. Laboulaye de 27 de maio, precedido de uns despachos, a proposito do tratado anglo-luso, em que te abstinha do emitir opinião sobre a nota do sr. Serpa!
Lê-se no despacho do sr. Ferry ao sr. Laboulaye de 29 de dezembro de 1883, a proposito do caso do Hero: "As buscas feitas nos archivos da direcção da marinha a respeito d'este incidente, deram-nos a prova de que, se o Hero voltou effectivamente a Banana, onde permaneceu até ao fim das hostilidades, não importava por forma alguma a entrega do salvo-conducto que lhe foi entregue por ordem do commandante da divisão das costas de Africa, no pensamento d'este official general, o reconhecimento da soberania portugueza sobre esta parte do littoral. O contra-almirante M. Bourgois julgou simplesmente que as instrucções relativas ao procedimento a seguir pelos nossos navios para com os navios allemães nas aguas neutraes deviam applicar se em todos os portos e enseadas, quer pertençam a nações civilizadas, quer a tribus selvagens.
Isto é: o caso do Hero não encerra o reconhecimento das reclamações portuguesas, porque considerámos as aguas territoriaes de Banana como devendo ser regidas pelos principios da neutralidade. E porque as consideraram como devendo ser regidas pelos princípios da neutralidade? Segundo a jurisprudencia constante do despacho, ou porque pertenciam a nação civilisada, ou porque pertenciam a tribu selvagem. No primeiro caso, o procedimento do governador de Gabão importava, á faço do argumento adduzido pelo sr. Ferry, o reconhecimento da soberania portugueza, visto que nenhuma outra nação podia sobrelevar-nos sob esse ponto de vista; no segundo caso, como explicar os despachos de 1 de maio e de 4 de agosto de 1883? (Apoiados.) Como justificar a mudança da attitude da França, definida pelo tratado de Madrid de 1786, em que a trança se obriga a fazer respeitar pelos seus agentes e súbditos o nosso direito de soberania e o seu exercicio na costa de Cabinda? (Apoiados.)
Alem d'isso, em dois despachos de março de 1884, o sr. Julio Ferry declara que fez a respeito do tratado anglo-luso reservas quanto á liberdade commercial e á fiscalisação de uma unica potencia sobre o baixo Congo, e apresenta ainda outras observações sobre o tratado, que se não oppõem ao reconhecimento da nossa soberania. Pelo contrario, cita no segundo desses despachos o tratado de 1786; cita o procedimento do governo francez quanto ao tratado celebrado pelo sr. de Brazza com os chefes Batékes, e por ultimo o despacho de 4 de agosto de 1883.
E n'este logar que apparecem os dois officios trocados entre o sr. Strauch, presidente da Associação Internacional do Congo, e o sr. Ferry, que tão grave alteração iam causar nas disposições do gabinete francez a nosso respeito.
Escreve o sr. Strauch, de Bruxellas, a 23 de abril de 1883:
"Sr. ministro. - A Associação Internacional do Congo, em nome das estações e territórios livres que fundou no Congo e no valle de Niadi Quillu, declara formalmente que não os cederá a nenhuma potencia, sob reserva das convenções particulares que possam intervir entre a França e a Associação para se fixarem os limites e as condições da sua acção respectiva. Todavia a Associação, desejando dar um a nova prova dos seus sentimentos amigáveis para com a França, obriga-se a dar-lhe o direito de preferencia, se, por circumstancias imprevistas, for um dia levada a Associação a alienar as suas possessões."
Vejamos como a diplomacia humanitaria, altruista, responde á generosidade d'aquella casa commercial, no officio do sr. Ferry ao sr. Strauch de 24 de abril de 1884:
"Senhor. - Tenho a honra de vos annunciar a recepção da carta com data de 23 do corrente, pela qual, na vossa qualidade de presidente da Associação Internacional do Congo, me transmittis promessas e garantias destinadas a consolidar as nossas relações de cordialidade e de boa vizinhança na região do Congo. Archivo com grande satisfação estas declarações, e, como resposta, tenho a honra de vos participar que o Governo Francez se obriga a respeitar as estações e territorios livres da Associação, e a não pôr obstaculo ao exercicio dos seus direitos."
Que commentarios alegres não nos mereceria esta troca de desinteresses e generosidades, se no fundo d'esses officios não tivéssemos de encontrar a rasão determinativa da mudança no procedimento da França a nosso respeito! (Apoiados.) Oxalá que, para bem d'essas duas partes contratantes, não tenham de se associar outra vez para lutar commummente contra as difficuldades cada vez maiores que assoberbam as suas emprezas coloniaes!
Depois dos officios trocados entre o sr. Ferry e o sr. Strauch, é que no livro amarello apparece o celebre despacho do sr. Ferry acompanhado de uma carta dirigida a este estadista pelo sr. Duclere, despacho que, como a camara sabe, deu logar á nota de 27 de maio dirigida pelo sr. Laboulaye ao sr. Bocage, á qual por varias vezes me tenho referido. Para este ponto chamo toda a attenção dos meus collegas.
Tendo o governo francez de desmentir, embora em forma diplomatica, o encarregado de negocios de Portugal, sendo o competente despacho do sr. Ferry acompanhado de uma carta elucidativa do estadista que occupava a pasta dos negocios estrangeiros de França na epocha a que se reportam os officios do sr. visconde de Azevedo, não era naturalissimo que, com preferencia a outro qualquer argumento ou rasão, fosse citado o despacho do sr. Duclere de 4 de janeiro de 1883? Estabelecendo-se alli o mesmo principio de conducta que caracterisa a nota de 27 de maio de 1884, não é intuitivo, evidente que as allegações do governo francez deviam assentar essencialmente sobre o despacho de 4 de janeiro, quasi coevo dos officios do sr. Azevedo? (Apoiados.) Pois o despacho de 4 de janeiro não se encontra citado, nem no despacho de 3 de maio do sr. Ferry, nem na carta do sr. Duclere, nem mesmo na nota do sr. Laboulaye de 27 de maio! E porque não apparece citado?
O respeito pela França e as conveniências parlamentares

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SESSÃO NOCTURNA DE 18 DE JUNHO DE 1885 2419

São demasiadamente acatados por mim, para não levantar n'este recinto a questão da authenticidade da data do despacho com que abre o livro amarello de 1884 relativo á questão do Zaire; mas, em vista da falta que acabo de notar á camara á face dos documentos posteriores ao despachos de 4 de janeiro que o contradizem formalmente, e de todos os outros argumentos, e factos que tive a honra de vos expôr, tenho rasão de sobra para sustentar que a França não manteve, no primeiro periodo da questão do Zaire, uma attitude firme e estavel, da qual por todos os motivos eramos merecedores; direi que, obedecendo a suggestões e influencias extranhas, o governo da Republica apresentou cambistas de opinião que as vistas mais perspicazes não poderiam prever ou evitar.(Vozes:- Muito bem.)
Não me parece, portanto, que eram cem justiça possa accusado o governo portuguez de falta de habilidade ou de insurgir nas relações diplomaticas que manteve com a França. Não incriminamos os nossos estadistas por acontecimentos que se achavam inteiramente fóra da sua esphera de acção e da sua responsabilidade.(Muitos apoiados.)
Passarei agora a tratar a questão diplomatica relativamente ás outras chancellarias estrangeiras, começando pela Allemanha...
Vozes:- Deu a hora.
O Orador:- Ouço dizer que deu a hora, e como tenho muitas considerações do parlamento, ponho ponto por hoje e peço a v. exa. me reserve a palavra para a sessão immediata.(Vozes:- Muito bem, muito bem.)
(O orador foi cumprimentado por toda a camara.)
Leu-se na mesa da sessão, que foi admittida á discussão.

Redactor.- S. Rego.

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