2006 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. João Pinto dos Santos: - Começo por ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
Na sessão passada fallaram varios oradores dos differentes grupos que constituem a camara, e notou-se que não foi muita a harmonia que entre elles reinou.
Não quero agora apreciar as divergencias que existem entre as opposições: entendo até que não podem deixar de existir, porque cada um dos grupos tem processos especiaes de administração; mas penso tambem que, desde que as opposições visam a combater o governo, devem aliar-se e combinar-se, esquecendo as suas divergencias, para só verem diante de si o ministerio, que é o inimigo commum.
Na questão que se debate, têem as opposições todas um ponto em que se encontram, seja qual for a diversidade dos seus principios governativos, pois que todos os oradores que tomaram parte no debate censuraram o governo pelo facto de apresentar a lei de meios n'esta altura da sessão, em vez de discutir o orçamento geral do estado.
Todos os grupos representados na camara julgavam indispensavel que o governo apresentasse o orçamento para se discutir, tinham-o exigido durante toda a sessão parlamentar. O governo, interrogado sobre este assumpto, tomara até o compromisso de fazer discutir o orçamento; mas a final não honrou o seu compromisso, e entendeu melhor apresentar a lei de meios. Desde o momento em que todos estão de accordo em censurar e combater o governo por esta violação dos principios constitucionaes, parece-me que as opposições têem um ponto commum de combate, em que podem empregar-se para dar batalha ao governo, em vez de perder a força, luctando umas contra as outras.
E, se porventura as opposições se não juntarem no ataque, continuando a deixar perceber as suas mutuas rivalidades, nem por isso teremos muito que estranhar, quando vemos as enormes sessões que se manifestam na maioria.
Se qualquer deputado ministerial formula um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo sobre a marcha governativa, deprehende-se d'elle evidentemente que o seu auctor não está satisfeito com o caminho que as cousas levam.
Ainda ha pouco o meu amigo o sr. Alfredo Brandão mandou muitissimos requerimentos para a mesa, e da audição d'elles conclui que não está de accordo com a administração de todo o ministerio.
Ora, se assim é, se os proprios membros da maioria não estão contentes com os ministros que apoiam, não admira nada que entre as opposições existam algumas rivalidades.
O que era util, porém, é que taes divergencias se extinguissem e que as opposições se dessem as mãos para caminhar contra o governo até o derrubar, separando-se depois e só então para cada grupo defender a propaganda dos seus principios.
Sr. presidente, a minha moção estranhava que o governo durante uma sessão de seis mezes apresentasse á discussão a lei de meios, em vez do orçamento geral do estado, e parece-me muito rasoavel e muita sensata esta minha estranheza.
Se o governo, durante um periodo tão longo, não teve ensejo para discutir o orçamento, em que occasião podo-mos esperar que o faça discutir?
Aguardará ainda o advento de uma sessão que dure mais do que esta?
Pois seis mezes não são bastantes para discutir todas as leis necessarias para a vida de um governo?!
Não teria tempo sufficiente para discutir o orçamento, que é, sem duvida alguma, a medida mais importante para os povos liberaes? (Apoiados.)
Ainda se comprehendia que na sessão do anno passado que durou cinco mezes, o governo não tivesse occasião para fazer discutir o orçamento, por isso que, estando muito tempo na opposição, tinha tido opportunidade para conceber grandes projectos, e redigir muitas leis que desejava fazer passar, a fim de alterar, senão o modo de ser da nossa sociedade, pelo menos as secretarias de estado, em que era necessario collocar os correligionarios e amigos.
Era possivel que, n'essa occasião, não houvesse ensejo para discussões orçamentaes, porque o governo vinha de uma dictadura extraordinaria, e era necessario muito tempo ás opposições para lhe pedir estreitas contas pela violação da lei fundamental.
Contra um diluvio de leis era urgente uma discussão aturada e prolongada.
Mas este anno, depois de tantas leis que na sessão passada se votaram, a camara tinha direito a esperar que não fosse submettida á sua apreciação uma canastrada de leis - permitta se-me a expressão, - nada inferior á do anno anterior, e que houvesse tempo para se discutir o orçamento geral do estado.
Infelizmente repetiu-se em 1888 o que se tinha praticado em 1887. Apresentaram-se propostas e propostas de leis e não houve occasião para se apreciar a maneira como são administrados os dinheiros publicos.
D'estes dois factos induzo eu que não tornâmos a ter discussão do orçamento, emquanto o governo progressista se conservar no poder.
Mas, sr. presidente, isto é extraordinario, isto é anomalo, porque deixar de discutir uma medida constitucional da maior importancia é de certo menosprezar o parlamento e não o ter em nenhuma conta. (Apoiados.)
E depois queixamo-nos todos de que o parlamentarismo entre nós está muito abatido!! (Apoiados.) Diz-se nos jornaes e até n'esta casa que o parlamentarismo está dando fracos resultados!! Mas não notam que, se não dá resultados, é exactamente porque os seus executores são os primeiros que o violam no que elle tem de mais importante. (Apoiados.)
Podem os publicistas discutir se o parlamento será conveniente para fazer leis; podem entender muitos que as leis se devem fazer em pequenos comites, onde haja homens de especialidade, e onde a discussão não esteja sujeita a tantas delongas; mas no que todos os publicistas concordam é em affirmar que os parlamentos são indispensaveis para discutir e fiscalisar a administração dos dinheiros publicos. (Apoiados.) Se esta é uma das suas attribuições mais sagradas, com certeza que se illude entre nós o regimen parlamentar, dando-se-nos apenas uma ficção, umas apparencias exteriores de parlamentarismo.
O governo apresenta o orçamento, deixa decorrer quatro ou cinco mezes de sessão, e traz depois á camará a respectiva lei de meios!
Dizia hontem o sr. Marianno de Carvalho que, n'este procedimento, não havia nada de estranhavel.
Como a camara é soberana, pôde em ultima analyse resolver que o orçamento seja substituido pela lei de meios, sem inconveniente para as opposições, visto que podem apreciar a marcha governativa na discussão d'esta lei.
Invocando-se a soberania da camara para se violarem todos os preceitos constitucionaes, o governo representativo podia transformar-se n'um governo despotico, porque as maiorias entre nós subscrevem a todas as violencias e illegalidades, se os ministerios lh'as exigirem da sua lealdade politica.
E não podem as opposições apreciar a maneira como se administraram os dinheiros publicos, discutindo-se a lei do meios, porque n'esta lei vem as despezas em globo e não verba por verba.
A lei de meios não tem uma discussão demorada como era indispensável, pois representa sempre uma moção de confiança que as maiorias dão aos governos.
E será possivel que alguem se não insurja contra a idéa de uma moção do confiança no actual ministerio?! Se tivesse administrado os negocios publicos de forma a desenvolvel-os com ordem e moderação; se tivesse observado as leis como lhe cumpria, ainda se tornava credor de quo se