SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2007
lhe votasse a lei de meios pois era uma prova de confiança dada a quem tinha sabido merecel-a. Mas o governo tem tomado taes medidas, tem feito taça reformas na administração, e tem celebrado contratos de tal maneira extraordinarios, (Apoiados.) que deixam todos de sobreaviso com respeito aos seus processos governativos.
Mal chegou ao poder deixou-se obsecar pela vaidade de fazer leis e pela conveniencia de collocar amigos e afilhados.
Desenvolveu os quadros das secretarias e desorganisou os serviços publicos, parecendo que queria reformal-os.
No ministerio da fazenda, atirou para fóra do quadro com mais de cem escrivães de fazenda que ficaram addidos, recebendo uns ordenados que mal chegam para a sua sustentação, a fim de poder dar entrada aos patrocinados do governo.
Na reforma das matrizes não se observaram as leis e os regulamentos: nomeou-se um pessoal partidario, sem habilitações na maior parte dos casos, e recommendou se-lhes que elevassem a materia collectavel de 100, 200 ou 300 por cento, sem se importarem com a crise enorme que a agricultura está atravessando no nosso paiz.
No ministerio das obras publicas alargam-se os quadros o cria-se um funccionalismo immenso; e, para remate de tudo, celebram se contratos que, no parlamento, na imprensa e na voz publica, são considerados como negocios com subscripto.
Não sou eu que o affirmo. É a opinião publica que o propala aos quatro ventos, sem que até hoje tivessem apparecido verdadeiras contestações por parte do governo.
Podia referir-me á gerencia de outros ministerios e de monstrar que as medidas tomadas pouco toem visado a melhorar a situação da fazenda publica.
N'estes termos, depois do governo ter posto as repartições publicas n'uma desorganisação extraordinaria, depois de ter alargado o quadro do funccionalismo para n'elle collocar os seus amigos, depois de ter feito contratos que não são os mais favoraveis para o estado, como é possivel que alguem deposite ainda confiança no ministerio e lhe vote uma lei de meios que não significa senão uma moção de confiança?
Sr. presidente, o sr. Consiglieri Pedroso, esquecido de que o governo se não importa para nada com o cumprimento dos seus deveres, entendeu ainda que devia confrontar as opiniões actuaes dos srs. ministros com as opiniões que tinham defendido n'esta casa em tempos que já lá vão; e, para o fazer, vasculhou os repositorios parlamentares, onde teve a felicidade de encontrar discursos do sr. José Luciano e do sr. Beirão, em que s. exas. se manifestaram claramente contra a apresentação da lei de meios, que consideravam como attentatoria das liberdades publicas, como a sophismação completa do parlamentarismo.
N'esta leitura que o sr. Consiglieri nos fez da prosa opposicionista d'aquelles dois ministros, notei simplesmente a ingenuidade de que s. exa. nos deu prova, ingenuidade que teve logo um prompto correctivo nos sorrisos com que foi acompanhada nas bancadas do ministério a leitura d'esses trechos.
Pois o sr. Consiglieri ainda julga que o ministerio se preoccupa alguma cousa com as idéas que sustentou?!
Já têem sido tantas vezes apontadas no parlamento as contradicções flagrantes entre os seus programmas e principios e o que agora estão fazendo, que causa espanto que o sr. Consiglieri confiasse ainda alguma cousa na efficacia da leitura que nos fez.
Na sua alta sabedoria, os actuaes ministros entendem que é a cousa mais natural d'este mundo estar nos seus actos em contradicção com os seus principios. Acham que pensar hoje de unia maneira e ámanhã de outra, ainda seja sobre assumptos importantes e sem existirem rasões que justifiquem a mudança, é a cousa mais trivial que toda a, gente faz e que não fica mal a ninguem.
O sr. D. José de Saldanha, que se seguiu no uso da palavra, deixou ver claramente o seu espanto, quando notou que o sr. Marianno de Carvalho se não apressou a attenuar o effeito produzido pela prosa dos srs. José Luciano e Beirão, e, lá no seu fôro intimo, affirmou que, se o caso fosse com elle, não o deixaria passar sem justificação.
E tão extraordinario achou o caso, tão mal collocado viu o ministerio, que entendeu do seu dever de deputado da maioria procurar uma defeza, lembrando que o sr. Fontes rio parlamento tinha dito uma vez que não era de estranhar que um homem altamente collocado mudasse do opinião.
A phrase do sr. Fontes é perfeitamente verdadeira e concordo plenamente com ella, pois não é mais nada do que a traducção do proverbio latino: Sapientis est mutare consilium.
Póde-se mudar de opiniões sem que ninguem tenha direito a exprobrar-nos, desde que tenhamos motivos que justifiquem essa, transformação, e não meras rasões de conveniencia de partido ou de interesses pessoaes.
E no presente caso, o governo não tem nada que o possa defender.
Os srs. Marianno de Carvalho, Francisco Beirão e Luciano de Castro, quando n'esta casa eram opposição ao ministerio regenerador, apresentaram as suas doutrinas a proposito da lei de meios: hoje pensam porventura de maneira differente? Não, de certo.
Quando mais tarde vierem para as bancadas da opposição hão de declamar o mesmo que sustentaram em 1884.
O que pensavam então é o mesmo que pensam hoje mas o que a dizem é que é differente, porque differentes são tambem as suas conveniencias partidarias.
N'esse tempo, queriam escalar o poder; hoje querem conserval-o a todo custo, querem ficar, e por isso fogem á discussão do orçamento, que lhes podia crear dificuldades graves.
Resumindo: o que eu censuro não é que se mudo de opinião, pois não devemos permanecer no erro para conservar uma supposta virtude de coherencia.
O que eu censuro é que se conheça a justiça c bondade de certas idéas que se defenderam com enthusiasmo, e que se pratique como se essas idéas fossem condemnaveis e obnoxias.
E é esta ultima hypothese a que se dá actualmente.
O governo reconhece de certo que a discussão do orçamento é das mais importantes nos regimens liberaes, mas procede como se perfilhasse a doutrina opposta, sem se importar para nada com as opiniões aqui manifestadas e com o respeito que devia consagrar ás disposições constitucionaes.
Respeito pelas leis, disse eu?. .. Ainda hontem tivemos aqui uma amostra, quando um membro distincto da commissão de fazenda, o sr. Antonio Maria de Carvalho, se insurgiu justamente contra o facto abusivo de fazerem leis novas e modificarem leis antigas na lei de meios, sem ao menos fazerem ouvir sobre isso a commissão de fazenda!
Deve notar-se que essas modificações não vinham no projecto e foram mandadas como emedas ao começar a discussão. Foi uma verdadeira surpreza para todos.
Estando a camara resolvida a adoptar estes expedientes, peço licença para lembrar um alvitre.
O governo, para se poupar a incommodos, enxerta ainda na lei de meios o porto de Leixões, os caminhos de ferro do sul e sueste, as questões dos alcoois, dos cereaes, etc., etc.; abre depois esta boceta de Pandora, e vota-se tudo de chapelada. Não sei porque se não faz isto. Em vez de se seguirem os processos antigos, que são morosos, é mais simples na lei de meios alterar todas as leis e votar todas as medidas de que o governo necessita para governar. É mais simples e correcto, correcto, já se vê, debaixo do