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SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José Machado
Luiz de Mello Bandeira Coelho

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 150 exemplares da conta da gerencia d'este ministério, relativa ao anno economico de 1886-1887 e exercicio de 1885-1886.- O sr. presidente apresenta uma representação que lhe foi remettida da associação dos proprietarios contra o projecto de lei que auctorisa a expropriação por zonas. - O sr. ministro da fazenda apresenta uma proposta de lei sobre materias alfandegueiras, e por parte do sr. ministro da marinha duas, uma concedendo ao major do exercito de Portugal, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, e ao tenente da armada Augusto de Mello Pinto Cardoso, como recompensa nacional pelos serviços prestados á patria e á sciencia na exploração geographica de parte da provincia de Moçambique, a cada um d'elles a pensão annual vitalicia de 600$000 réis, independentes dos respectivos soldos e de quaesquer outras pensões que anteriormente lhes tenham sido concedidas com outras vantagens; e outra sobre o orçamento das provincias ultramarinas. - O sr. Ruivo Godinho, tendo ouvido o sr. Eduardo Abreu referir-se a um accordo do governo com a opposição, pede, explicações para saber se tal accordo merece a sua approvação. Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Arroyo apresenta um requerimento, pedindo informações ao governo, e chama a attenção d'este para o atrazo em que está o pagamento dos honorarios dos informadores louvados dos bairros do Porto; e referindo-se ao facto do sr. cardeal patriarcha não dar licença ao dr. Alves Mendes para recitar o discurso por occasião da trasladação dos restos mortaes de Alexandre Herculano, sem que o mesmo doutor elimine ás palavras que indicam o fim para que deseja a auctorisação de pregar, substituindo-as por outras em que diga que ó para pregar dentro do patriarchado, pude explicações ao governo. Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Alfredo Brandão apresenta differentes requerimentos, pelos ministerios da marinha o da guerra, e bem assim uma nota de interpellação ao sr. ministro da marinha. - O sr. Manuel d'Assumpção pede que o sr. ministro dos negocios estrangeiros seja prevenido, porque lhe deseja fazer algumas perguntas com referencia ao estado das nossas relações com a vizinha Hespanha. - O sr. Francisco Machado apresenta um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da justiça; e o sr. Elias Garcia uma representação da camara municipal do Lisboa, pedindo a approvação da proposta de lei rotativa á expropriação por zonas, e faz algumas considerações sustentando-a. O sr. Antonio Maria de Carvalho pede que esta representação, alem da sua publicação no Diario do governo, seja tambem impressa em separado para ser distribuida pelos srs. deputados. - O sr. D. José de Saldanha faz o mesmo pedido com referencia á representação apresentada pelo sr. presidente da associação dos proprietarios contra o projecto que auctorisa a expropriação por zonas.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 77 (lei de meios). Usam da palavra os srs. João Pinto dos Santos, Antonio Maria de Carvalho e Dias Ferreira, que todos apresentem propostas; e o sr. ministro da fazenda respondendo ao sr. Antonio Maria de Carvalho. Julga-se a materia discutida a requerimento do sr. Nobrega. - O sr. Tavares Crespo, não lhe chegando a palavra, apresenta uma proposta, que, por pedido do sr. Carrilho, foi enviada ao governo para ser considerada em occasião opportuna. - As moções de ordem e propostas apresentadas durante a discussão foram rejeitadas, e o projecto approvado com ás alterações apresentadas pela commissão.

Abertura da. sessão - As tres horas da tarde.

Presentes á chamada 49 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Antonio Castello Branco, Antonio Villaça, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Eduardo Abreu, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Silva Cordeiro, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Julio Pires, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega e Estrella Braga.

Entraram durante, a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Jalles, Simões dos Reis, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Severino do Avellar, Guilherme de Abreu, Pires Villar, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, Vieira de Castro, Joaquim da Veiga, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Simões Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Pedro Monteiro, Dantas Baracho, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Mendes da Silva, Sou."a e Silva, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Meto, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Conde de Castello du Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Góes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Francisco Mattoso, Francisco de Medeiros, Soares de Moura, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, João Pina, Izidro dos Reis, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, Pinto Mascarenhas, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel José Vieira, Marianno Prosado, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.º e a carta de lei de 24 de julho de 188o no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d Vaiado, nos termos do artigo 110.º da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da

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nação portugueza até ao dia 23 do corrente mez de junho inclusivamente.

O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 14 de junho de 1888.= REI. = José Luciano de Castro.

Para a secretaria.

Do ministerio das obras publicas, remettendo l50 exemplares da conta da gerencia d'este ministerio relativa no anno economico de 1886-1887 e ao exercicio de 1885- 1886.

Para a secretaria.

REPRESENTAÇÕES

Da direcção da associação portugueza de proprietarios, contra algumas disposições da proposta do lei n.º 57-E, expropriação por zonas.

Apresentada pelo sr. vice-presidente da camara, enviada ás commissões de administração publica, de obras publicas, de legislação civil e de fazenda e, mandada publicar no Diario do governo.

Da camara municipal de Lisboa, pedindo a approvação do projecto de lei de expropriação por zonas.

Apresentada pelo sr. deputado Elias Garcia, enviada ás commissões de administração publica, de obras publicas, legislação civil e de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar o exmo. ministro da marinha e ultramar, ácerca dos seguintes assumptos:

1.° Administração financeira das nossas colonias;

2.° Colonisação e emigração;

3.° Obras publicas na provincia de Moçambique;

4.° Administração dos prazos de Quelimane e terras da corôa em Inhambane;

5.° Concessão do prazo Mahinclo á firma Correia e Carvalho;

6.° Administração do prazo Massingire;

7.° Concurso para o provimento dos juizes de segunda instancia do ultramar, realizado em 15 de fevereiro de 1887;

8.° Nomeação do juiz José Joaquim Borges de Azevedo Ennes para presidente da relação de Goa;

9.° Syndicancias feitas a este juiz;

10.° Demissão do director da alfandega de Chiloane;

11.° Processos instaurados contra o delegado da comarca de Quelimane;

12.º Dissolução da camara municipal de Quelimane;

13.° Fornecimentos feitos pela companhia africana ao governo da provincia de Moçambique;

14.° Syndicancia ao primeiro substituto do juiz de direito de Quelimane, Balthazar Farinha;

15.° Transferencia do ajudante da conservatoria do Quelimane, José Bernardo de Albuquerque para S. Thomé e do escrivão de direito Daniel dos Santos, para a Guiné;

16.° Nomeação do official do exercito, secretario do Bonga, para official interino do governo de Moçambique;

17.° Ordem de saida de Quelimane, em quarenta e oito horas ao juiz de direito ajudante da conservatoria, escrivão Santos e major Nascimento;

Processos crimes em que foram pronunciados o ultimo governador de S. Thomé e Principe, o sou secretario, e o respectivo administrador do concelho, e destino d'estes processos;

Despacho de Pedro Maria Tellos Menezes Athayde o Mello para secretario do governo de. Ajuda, serviços prestados por este empregado n'esta qualidade, seu despacho

para o estado da India e sua nomeação para contador da junta de fazenda do mesmo estado;

Demissão do ultimo director das obras publicas de Loanda e sua nomeação para a provincia de Moçambique;

Ultima invasão e guerra dos vatuas no districto de Inhambane;

Guerra de Matibane;

Tomada de Tungue;

Morte do major Ferreira Simões;

Vassalagem do regulo Gungunhana, embaixada d'este regulo o despezas com estas embaixadas;

Empregados públicos no paia de Goa;

Commissões creadas pelo actual governador de Moçambique;

Ordenados e gratificações ao major Paiva de Andrade e ao official de marinha, Custodio Miguel Borja. = O deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Mandou-se expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESE PUBLICO

Roqueiro que, pelo ministerio da justiça, seja enviado com urgencia a esta camara o processo de creação da conservatoria privativa o m Melgaço. = João M. Arroyo.

Roqueiro que, pulos ministerios da marinha e da fazenda sujam remettidos a esta camara, com a possivel brevidade, as contas, devidamente documentadas, das despezas feitas pelo estado e colonias com as explorações ou expedições realisadas pelos srs. Serpa Pinto e Pinto Cardoso.

Roqueiro tambem, pelo ministerio da marinha, uma nota dos serviços prestados ao paiz pelos referidos militares. = O deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, sejam remettidos a esta camara, com a possivel brevidade os seguintes documentos:

Copia do officio dirigido ao general commandante da primeira divisão militar com respeito a quaesquer manifestações do exercito a favor do major Paiva de Andrade;

Copia da resposta a este officio. e de toda a correspondencia sobre aquelle assumpto, e com respeito áquelle official entre o ministerio da guerra e o cominando da primeira divisão militar. = O deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja remettida a esta camara, com a possivel brevidade, copia dos officios ou ordens em que são dispensados de cumprir o preceito quaresmal os moldados destacados em Torres Novas e Tancos. = O deputado, Alfredo Cesar Brandão.

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, me peja enviada copia de uma representação que a irmandade do Santo Antonio da cidade do Guimarães dirigiu áquelle ministerio, para que lhe seja concedida a igreja do Santa Rosa de Lima, pertencente ao convento do mesmo nome assim como copia das informações do governador civil, administrador do concelho, e mais documentos que acompanham a alludida representação. = F. J. Machado.

Mandaram se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERRESE PARTICULLAR

De D. Henriqueta Albertina Correia de Freitas, filha do fallecido major reformado, João Correia de Freitas, pedindo uma pensão.

Apresentado pelo sr. deputado Ruivo Godinho e enviado á commissão de fazenda.

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O sr. Presidente: - Tenho a honra de communicar á camara que fui procurado esta manhã por uma commissão da associação de proprietarios, que me entregou uma representação contra a proposta de lei que auctorisa a expropriação por zonas.

Os cavalheiros que compunham a commissão pediram-me que a representação fosse publicada no Diario do governo o que a mandasse á commissão respectiva para ser tomada na consideração devida.

foi auctorisada a publicação.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sr. presidente, mando para a mesa uma proposta de lei nos seguintes termos:

(Leu.)

Tambem mando para a mesa, por parte do meu collega da marinha, duas propostas.

A primeira é a seguinte:

(Leu.)

A segunda é sobre o orçamento das provincias ultramarinas.

Leu-se na mesa a proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda:

Auctorisando o governo, caso obtenha da Italia e da Franca a substituição por um direito fixo do actual direito ad valorem que, nos tratados de commercio e navegação com estas duas nações têm os chapeus para homem a:

1.º Inscrever nu pauta B das alfandegas as seguintes mercadorias:

a) Tela gommada para chapeus de homem.

b) Abas de tela gommada para chapeus de homem.

c) Tiras de pelles com a largura maxima de 8 centimetros para chapeus dos homem.

2.° Modificar os direitos das pellucias, setins e volludos puros ou mixtos por fórma que, sem prejuizo para o thesouro, se reduzam os direitos dos artigos 47.° e 48,° da pauta A, e bom assim a estabelecer uma melhor classificação pautai das mercadorias comprehendidas n'estes mesmos artigos.

Leram-se, na propostas apresentadas por parte do sr. ministro da marinha.

l.ª Concedendo ao major do exercito de Portugal Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto e ao tenente da armada Augusto de Mello Pinto Cardoso, como recompensa nacional pelos serviços prestados á patria e á sciencia na exploração geographica de parte da provincia de Moçambique: 1.°, a cada um d'elles a pensão annual e vitalicia de 600$000 réis, independentemente dos respectivos soldos e de quaesquer outras pensões que anteriormente lhes tenham sido concedidas; 2 °, a isenção de pagamento de todos os direitos, impostos e emolumentos respectivos aos encartes e licenças por esta ou outras mercês ou titulos honorificos nacionaes ou estrangeiros, recebidos em virtude dos serviços prestados na referida exploração geographica; 3.°, a propriedade, para elles e seus herdeiros, nos termos do direito commum, de cinco mil exemplares da primeira edição portugueza e illustrada, mandada fazer pelo ministerio da marinha e ultramar na imprensa nacional, e bom assim a de quaesquer outras edições da obra em que relatarem os trabalhos, observações e descripções da referida exploração geographica.

2.ª Sobre o orçamento das provindas ultramarinas.

As propostas de lei apresentadas vão adiante a paginas -2011.

O sr. Julio Graça (por parte da commissão da administração publica): - Sr. presidente, mando para a mesa, por parte da commissão de administração publica, o parecer sobre o projecto de lei n.° 69-A.

O sr. Ruivo Godinho: - Sr. presidente, pedi a palavra para manejar para a mesa ura requerimento, em que D. Henriqueta Albertina Correia de Freitas pede uma pensão.

A requerente allega que é filha de um general reformado e neta de outro, e que ambos prestaram grandes serviços ao paiz, fazendo todas as campanhas da liberdade, e perseguindo o Remechido nas serras do Algarve, onde morreu o avô.

Invoca tambem a requerente em seu favor o exemplo do que em identicas circumstancias se tem feito a outras senhoras.

Sr. presidente, é certo o que a requerente allega, isto é, que seu pão e seu avô prestaram grandes serviços ao paiz, que ella está em más circumstancias, que a outras nas suas circumstancias se tem dado uma pensão, e, como a lei deve ser igual para todos, eu julgo e espero que esta senhora seja attendida em sua pretensão, e para isso peço a v. exa. se digne mandar o requerimento á respectiva commissão.

Não preciso fazer mais considerações para mostrar a justiça do pedido, por isso peço a v. exa. se digne permittir-me que continue a usar da palavra agora para tratar um outro assumpto e pedir alguns esclarecimentos ao governo, que eu vejo representado pelo sr. ministro da fazenda.

Ha dias referiu se aqui o sr. Eduardo Abreu a um accordo, que se diz feito entre o governo e a opposição a respeito dos projectos de lei que se hão de discutir ainda n'esta sessão parlamentar. S. exa. pareceu estranhar mais que se d'esse publicidade a este accordo, do que estranhou que elle se fizesse. Eu entendo que o que se não póde dizer e publicar se não deve fazer; por isso, ao contrario do sr. Eduardo Abreu, estranho mais que o accordo se fizesse, do que estranho que se tornasse do dominio publico, e mesmo que a sua existencia fosse solemnemente annunciada ao parlamento pelos srs. ministros.

Por isso, e ao que parece, porque o accordo é que passa a ser a lei que nos ha de governar, vou fazer algumas perguntas para esclarecimento sobre as bases e alcance do accordo, e muito desejava que o membro do governo que está presente se dignasse responder-me, para ficar sabendo a lei em que temos de viver.

Desejo primeiramente saber entre quero foi celebrado o accordo, isto é, se entre o governo só e toda a opposição, ou se entre o governo e a maioria de um lado, e toda a opposição, ou parte d'ella do outro?

Sr. presidente, segundo a lei geral dos contratos, só ficam obrigadas por qualquer contrato as partes que intervem n'elle, um accordo participa da natureza de contrato, deve regular-se pelas mesmas leis, á falta de lei especial, por isso é conveniente saber-se quem entrou no accordo, para se saber quem está obrigado a respeital-o.

Diz-se que o accordo diz respeito á discussão de certos projectos; desejo saber quaes são os projectos de lei que o accordo comprehende.

Vê-se facilmente a utilidade da resposta a esta pergunta, porque, sabendo nós antecipadamente quaes são os projectos que se hão de discutir, sabemos quaes são os que devemos estudar, e no meio da multiplicidade de projectos dados para ordem do dia, evitâmos por este modo muito trabalho, que vinha a ficar inutil, estudando projectos que não virão á discussão, com prejuizo do estudo de outros que têem necessariamente de se discutir em virtude do accordo.

Desejava, portanto, ouvir, para meu governo, e para o dos srs. deputados que não entraram no accordo, a resposta a esta pergunta, para sabermos quaes são os projectos que devemos estudar. (Apoiados.)

Tambem desejava saber qual o alcance que tem o accordo, isto é, só comprehende só a discussão dos projectos, a que se refere, ou se abrange logo a approvação d'elles?

A resposta a esta pergunta tambem é importante; porque, se já estiver incluida no accordo a approvação do certos projectos, escusâmos de estar a gastar mais tempo com elles: dizem-nos quaes elles são, e fica tudo acabado; e nós. vamo-nos embora, e escusâmos de vir aqui todos os

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dias a apanhar calor, que d'aqui a pouco será insupportavel.

Uma Voz: -Isso é que era bom.

O Orador: - Ora veja v. exa., sr. presidente, que até já ha quem ache bom este systema!

Eu acho que, pelo menos, não era inferior ao actual, e se fosse empregado logo no principio das sessões era com certeza mais economico: o que já era uma grande vantagem.

Sr. presidente, talvez pareça estranha a pergunta a quem julgar que ae não póde accordar antecipadamente a approvação de certos projectos sujeitos ao exame do parlamento; mas em ultima analise, sr. presidente, penso que é o que se fez no accordo, a que me estou referindo, porque para a preferencia da discussão de certos projectos, não precisava o governo de accordar com a opposição, bastava accordar-se a este respeito com o sr. presidente da camara; por isso os que julgarem, que a approvação de certos projectos não póde ser assumpto de accordos, fiquem sabendo que o foi, e os que julgam que este systema é bom, não têem mais do que pedir ao governo, que seja bem explicito sobre a natureza e verdadeiro alcance do accordo, e tirar-lhe as legitimas consequencias.

Outra pergunta quero ainda dirigir ao governo: desejo saber que causas impozeram a necessidade de se fazer o accordo, a que me tenho referido, e por quem foi proposto ou lembrado.

A resposta a esta pergunta tambem é muito importante: só ella fosse dada com sinceridade e franqueza, podia até servir para se avaliar a verdadeira situação politica do gabinete, e o seu estado de força.

Alas, fossem quaes fossem as causas, quo impozeram o accordo, fosse elle proposto ou não pelo governo, o quo é corto é quo elles denota uma grande fraqueza da parte do governo, porque o accordo é em ultima analyse uma capitulação, e quem propõe uma capitulação, não se sento com muita força ou coragem para a lucta.

Isto é para o caso de ter sido o governo a propor como julgo que foi; no caso de ter sido a opposição a propor o accordo, não muda muito a situação do governo, porque acceita uma capitulação renunciando ás principaes das suas pretensões, como aqui succede, porque o governo, se renuncia aos principaes dos seus projectos, tambem se não senta muito forte.

Por isso, em qualquer dos casos, o accordo é desastroso para o governo e significa uma victoria para a opposição.

Muito agradeceria ao sr. ministro da fazenda, que é o unico membro do governo presente, se s. exa. se dignasse responder ás perguntas que tive a honra de fazer.

Espero antecipadamente que as respostas não hão de ser precisas a todas as perguntas, mas qualquer resposta me serve, por isso o que desejo é que o sr. ministro responda, seja o que for, e declaro já quo não farei agora observação alguma ao que s, exa. disser, esperando por occasião mais opportuna para o fazer.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Quero todas as perguntas que s. ex.a fez, estão respondidas por si mesmo, pelos factos conhecidos de todos, porque tudo tem sido publico, porque não havia nada que esconder, nem ha.

Unicamente e. exa. me dispensará de entrar em quaes quer considerações sobre a applicação do codigo civil a esta espécie de contratos, embora essa invocação do codigo civil mo dispensasse, em parte, de responder, porque evidentemente o codigo civil não prevê, senão a hypothese de contratos sobre objectos licitos. Se o governo tivesse pedido ou proposto, ou se a opposição tambem tivesse pedido ou proposto, um accordo para se votarem projectos, não era este, um objecto licito.

O sr. presidente do conselho n'um discurso manifestou o desejo de que se chegasse a um accordo com a opposição parlamentar sobre os meios de se encerrar quanto antes as sessões, porque todos conheciam que era uma necessidade publica.

Acrescentára que muitas vezes este accordo se tem feito em particular nos corredores da camara, mas, como não havia nada que esconder, e nada que não fosse licito, achava melhor dizel-o em publico, e d'estas palavras de s. exa. nasceu o accordo celebrado entre s. exa. e grupos da opposição parlamentar.

E o accordo fez-se com uns, porque elles manifestaram o desejo que tinham de que a sessão parlamentar se encerrasse brevemente, e com outros depois de alguma discussão sobre os projectos de lei que tinha de entrar cm discussão.

Depois d'isto assentou-se que entrariam em discussão os projectos constitucionaes, e aquelles que fossem exigidos por imperiosa necessidade publica, e nomeadamente alem dos projectos constitucionaes, a lei dos cereaes, a lei de alcoois, a lei que fixa os addicionaes que as corporações administrativas podem lançar, uma lei sobre fundos de instrucção primaria e a lei de expropriação por zonas.

Mas é claro que por este accordo, que todos fizeram lealmente, e lealmente hão de cumprir, de modo nenhum ficou presa a liberdade de palavra ou a de voto a qualquer deputado, e de contrario seria um accordo illicito.

O sr. Arroyo: - Chama a attenção do governo para o atrazo em que está o pagamento dos honorários dos informadores louvados dos bairros do Porto.

Pede que se tomem providencias a este respeito.

Apresenta um requerimento, pedindo ao governo o processo de creação da conservatoria privativa em Melgaço.

Declara que precisa urgentemente d'este processo, para ver se a creação d'aquella conservatoria privativa foi ou não illegal.

Refere-se ao facto do sr. cardeal patriarcha de Lisboa não dar licença ao dr. Alves Mendes para recitar a discurso por occasião da trasladação dos restos mortaes de Alexandre Herculano, sem que o mesmo doutor retire do requerimento as palavras que indicam o fim para que deseja a auctorisação de pregar, substituindo-as por outras em que diga que é para pregar dentro do patriarchado.

Faz differentes considerações a respeito d'este assumpto e pergunta ao sr. ministro da justiça se está disposto a fazer uma declaração publica que signifique que é compativel a existencia da religião catholica, apostolica, romana com a celebração de festas como aquella que deseja realisar a commissão de trasladação, recitando-se a oração funebre.

Pode que lhe seja reservada a palavra para quando estejam presentes os srs. ministros do reino e das obras publicas.

O requerimento mandou-se expedir.

(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Posso dizer ao illustre deputado, que por ora, até este momento, não tenho conhecimento directo nem official a esse respeito e por consequencia não tenho que responder sobre esse
ponto. Mas, como s. exa. pediu da parte do governo a declaração com respeito ao juizo que formasse do grande escriptor, que é uma verdadeira gloria nacional, o sr. Alexandre Herculano, é inutil dizer que estamos todos de accordo em prestar toda a homenagem e justiça á memoria d'aquelle cidadão, e é convicção minha que se póde harmonisar o culto da religião catholica apostolica romana com o amor pela liberdade. Não tenho duvida em dizer, que tenho tido sempre essas idéas, e não creio que o culto da religião fique dependente d'esta ou d'aquella fórma de governo, d'esta ou d'aquella crença individual de cada um. Portanto essa declaração não tenho difficuldade em a fazer.

Com respeito ao ponto restricto a que s, exa. se referiu

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se for provocada a acção do governo, posso affirmar que tanto n'este ponto, como em todos os outros, que em iguaes circumstancias têem sido sujeitas ao ministerio da justiça, hei de manter todas as leis do reino e os estylos, que têem sido sempre respeitadas n'este paiz. (Apoiados.)

O sr. Arroyo: - Pede que seja consultada acamara sobre se permitte que lhe seja concedida novamente a palavra. A camara resolveu afirmativamente. O sr. Arroyo: - Quanto ao primeiro ponto, espera que venham os documentos para apreciar o procedimento do governo.

Quanto ao segundo ponto, nota que o sr. ministro não respondeu á pergunta que lhe dirigira.

O que desejára que s. exa. declarasse fôra se entendia que se podia fazer a trasladação com a oração fúnebre de um sacerdote portuguez.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Pergunta s. exa. se eu imagino que podo haver um conflicto entre a prestação das honras fúnebres, por occasião da trasladação de Alexandre Herculano, e o proferir-se por essa occasião uma oração funebre?

O sr. Arroyo: - Eu desejo saber só s. exa. entende que deve ser concedida a licença.

O Orador: - Nada tenho com os actos de um poder estranho, emquanto não for provocada directamente a acção do governo; entretanto, se s. exa. quer a minha opinião individual, dir-lhe-hei que, pelo conhecimento da questão e pelas considerações feitas por s. exa., acho perfeitamente harmonico que se prestem todas as honras funebres ao grande historiador, e que por essa occasião se possa proferir um discurso funebre.

O sr. Alfredo Brandão: - Mando para a mesa cinco requerimentos. (Leu.)

Isto tem por fim esclarecer umas questões para ou ficar sabendo até que ponto e com que fundamento o sr. ministro da guerra declara que não faz politica pelo seu ministerio.

Pelos ministerios da fazenda e da marinha peço os seguintes esclarecimentos: (Leu.)

Preciso dar a explicação d'estes requerimentos. O sr. ministro da fazenda acaba de apresentar á camara uma proposta de lei que tem por fim premiar e galardoar os serviços prestados por esses militares.

Preciso tambem saber, por estes documentos que peço, até que ponto a proposta apresentada por s. exa. póde melindrar o desinteresse e o patriotismo d'esses militares, e quanto estamos esquecidos da historia patria para que possamos premiar ou galardoar esses serviços. É preciso averiguar isso, e só o poderei fazer quando me forem remettidos os documentos que peço.

Mando tambem para a mesa uma nota de interpellação concebida n'estes termos: (Leu.)

O sr. Manuel d'Assumpção: - Eu tinha pedido a palavra na esperança de ver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros; como, porém, s. exa. não está presente, vejo-me obrigado a limitar-me a pedir a v. exa. o favor de fazer sciente ao sr. ministro dos estrangeiros que eu desejava dirigir-lhe algumas perguntas, e pedir lhe algumas explicações acerca do estado das nossas relações com a vizinha nação, a Hespanha, que não me parecem estar no ponto de cordialidade, que desejâmos.

Vi que n'um discurso do ministro de estado d'aquella nação, o sr. Moret, pronunciado no dia é d'este mez, elle sentia profunda magua de se ver obrigado a interrompei as relações ácerca do tratado de commercio com Portugal tristeza a que eu pela minha parte me associo, porque decerto o sr. Moret não vence a nenhum de nós nos desejo de entreter as mais cordiaes relações com aquella nação (Apoiados.)

Como, porém, s. exa. declarou que o estado um pouco alterado das nossas relações não provém de factos a que desse causa o governo da nação vizinha, de certo que a alta provem do governo portuguez, e é isso que eu desejava apurar, porque quero saber se em questões de tão grande momento, eu devo collocar o meu voto e a minha palavra ao lado do nobre ministro dos negocios estrangeiros da nação portugueza, ou se tenho de fazer a s. exa. severas censuras pelo estado a que deixou chegar as nossas relações com a Hespanha.

Não entro em mais considerações, e espero que v. exa. cedendo ao meu rogo, faça constar ao sr. ministro que desejo interrogal-o sobre este ponto.

O sr. Francisco José Machado: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da justiça.

O sr. Elias Garcia: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Lisboa, pedindo a approvação do projecto de lei relativo ás expropriações por zonas.

Abstenho-me de ler a representação que é muito extensa, e peço a v. exa. se digne consultar a camara, a fim de que seja publicada no Diario do governo.
Escuso de dizer que me associo ao pensamento d'esta apresentação, porque, tendo ha alguns annos a honra de ser vereador da camara municipal de Lisboa, entendo que indispensavel uma lei para melhoramentos na cidade, de fórma que não fossem lesados os interesses do municipio, e que fossem respeitados os direitos dos proprietarios.

A lei de 11 de maio de 1872 permittiu que se fizessem expropriações por zonas; no entretanto nem os ministros que toem estado desde esse tempo no poder, nem a procuradoria geral da coroa, que tem sido consultada, tem entendido as cousas d'este modo, e a lei tem ficado obsoleta.

Portanto é preciso um novo projecto parlamentar, senão em absoluto, pelo menos em relação ao pedido feito pela camara municipal.

Peço a v. exa. a urgencia da publicação d'este documento.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - No caso da camara concordar em que se publique a representação mandada para a mesa pelo sr. Elias Garcia, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja tambem publicada em separado, a fim de ser distribuida pelos srs. deputados, para assim facilitar o estudo do projecto.

Foi auctorisada a publicação no Diario do governo, e bem assim a publicação em separado, para se distribuir pelos srs. deputados.

O sr. D. logo de Saldanha - Em additamento ao pedido do sr. Antonio Maria de Carvalho, requeiro a v. ex.a que consulte a camara sobre se permitte que a representação da associação dos proprietarios contra o projecto da expropriação por zonas seja tambem impressa em separado.

O sr. Presidente: - Como alguns dos srs. deputados que estão agora na sala não se achavam presentes no principio da sessão, devo dizer, para conhecimento de s. exa. que fui encarregado de apresentar uma representação que me foi entregue por uma commissão da associação dos proprietarios, e a camara resolveu que fosse publicada no Diario do governo.

Agora o sr. D. José de Saldanha pede que essa representação seja tambem publicada em separado para se distribuir pelos srs. deputados. Vou consultar a camara.

Foi auctorisada a publicação em separado.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 77 (lei de meios)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. João Pinto dos Santos.

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2006 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. João Pinto dos Santos: - Começo por ler a minha moção de ordem.

(Leu.)

Na sessão passada fallaram varios oradores dos differentes grupos que constituem a camara, e notou-se que não foi muita a harmonia que entre elles reinou.

Não quero agora apreciar as divergencias que existem entre as opposições: entendo até que não podem deixar de existir, porque cada um dos grupos tem processos especiaes de administração; mas penso tambem que, desde que as opposições visam a combater o governo, devem aliar-se e combinar-se, esquecendo as suas divergencias, para só verem diante de si o ministerio, que é o inimigo commum.

Na questão que se debate, têem as opposições todas um ponto em que se encontram, seja qual for a diversidade dos seus principios governativos, pois que todos os oradores que tomaram parte no debate censuraram o governo pelo facto de apresentar a lei de meios n'esta altura da sessão, em vez de discutir o orçamento geral do estado.

Todos os grupos representados na camara julgavam indispensavel que o governo apresentasse o orçamento para se discutir, tinham-o exigido durante toda a sessão parlamentar. O governo, interrogado sobre este assumpto, tomara até o compromisso de fazer discutir o orçamento; mas a final não honrou o seu compromisso, e entendeu melhor apresentar a lei de meios. Desde o momento em que todos estão de accordo em censurar e combater o governo por esta violação dos principios constitucionaes, parece-me que as opposições têem um ponto commum de combate, em que podem empregar-se para dar batalha ao governo, em vez de perder a força, luctando umas contra as outras.

E, se porventura as opposições se não juntarem no ataque, continuando a deixar perceber as suas mutuas rivalidades, nem por isso teremos muito que estranhar, quando vemos as enormes sessões que se manifestam na maioria.

Se qualquer deputado ministerial formula um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo sobre a marcha governativa, deprehende-se d'elle evidentemente que o seu auctor não está satisfeito com o caminho que as cousas levam.

Ainda ha pouco o meu amigo o sr. Alfredo Brandão mandou muitissimos requerimentos para a mesa, e da audição d'elles conclui que não está de accordo com a administração de todo o ministerio.

Ora, se assim é, se os proprios membros da maioria não estão contentes com os ministros que apoiam, não admira nada que entre as opposições existam algumas rivalidades.

O que era util, porém, é que taes divergencias se extinguissem e que as opposições se dessem as mãos para caminhar contra o governo até o derrubar, separando-se depois e só então para cada grupo defender a propaganda dos seus principios.

Sr. presidente, a minha moção estranhava que o governo durante uma sessão de seis mezes apresentasse á discussão a lei de meios, em vez do orçamento geral do estado, e parece-me muito rasoavel e muita sensata esta minha estranheza.

Se o governo, durante um periodo tão longo, não teve ensejo para discutir o orçamento, em que occasião podo-mos esperar que o faça discutir?

Aguardará ainda o advento de uma sessão que dure mais do que esta?

Pois seis mezes não são bastantes para discutir todas as leis necessarias para a vida de um governo?!

Não teria tempo sufficiente para discutir o orçamento, que é, sem duvida alguma, a medida mais importante para os povos liberaes? (Apoiados.)

Ainda se comprehendia que na sessão do anno passado que durou cinco mezes, o governo não tivesse occasião para fazer discutir o orçamento, por isso que, estando muito tempo na opposição, tinha tido opportunidade para conceber grandes projectos, e redigir muitas leis que desejava fazer passar, a fim de alterar, senão o modo de ser da nossa sociedade, pelo menos as secretarias de estado, em que era necessario collocar os correligionarios e amigos.

Era possivel que, n'essa occasião, não houvesse ensejo para discussões orçamentaes, porque o governo vinha de uma dictadura extraordinaria, e era necessario muito tempo ás opposições para lhe pedir estreitas contas pela violação da lei fundamental.

Contra um diluvio de leis era urgente uma discussão aturada e prolongada.

Mas este anno, depois de tantas leis que na sessão passada se votaram, a camara tinha direito a esperar que não fosse submettida á sua apreciação uma canastrada de leis - permitta se-me a expressão, - nada inferior á do anno anterior, e que houvesse tempo para se discutir o orçamento geral do estado.

Infelizmente repetiu-se em 1888 o que se tinha praticado em 1887. Apresentaram-se propostas e propostas de leis e não houve occasião para se apreciar a maneira como são administrados os dinheiros publicos.

D'estes dois factos induzo eu que não tornâmos a ter discussão do orçamento, emquanto o governo progressista se conservar no poder.

Mas, sr. presidente, isto é extraordinario, isto é anomalo, porque deixar de discutir uma medida constitucional da maior importancia é de certo menosprezar o parlamento e não o ter em nenhuma conta. (Apoiados.)

E depois queixamo-nos todos de que o parlamentarismo entre nós está muito abatido!! (Apoiados.) Diz-se nos jornaes e até n'esta casa que o parlamentarismo está dando fracos resultados!! Mas não notam que, se não dá resultados, é exactamente porque os seus executores são os primeiros que o violam no que elle tem de mais importante. (Apoiados.)

Podem os publicistas discutir se o parlamento será conveniente para fazer leis; podem entender muitos que as leis se devem fazer em pequenos comites, onde haja homens de especialidade, e onde a discussão não esteja sujeita a tantas delongas; mas no que todos os publicistas concordam é em affirmar que os parlamentos são indispensaveis para discutir e fiscalisar a administração dos dinheiros publicos. (Apoiados.) Se esta é uma das suas attribuições mais sagradas, com certeza que se illude entre nós o regimen parlamentar, dando-se-nos apenas uma ficção, umas apparencias exteriores de parlamentarismo.

O governo apresenta o orçamento, deixa decorrer quatro ou cinco mezes de sessão, e traz depois á camará a respectiva lei de meios!

Dizia hontem o sr. Marianno de Carvalho que, n'este procedimento, não havia nada de estranhavel.

Como a camara é soberana, pôde em ultima analyse resolver que o orçamento seja substituido pela lei de meios, sem inconveniente para as opposições, visto que podem apreciar a marcha governativa na discussão d'esta lei.

Invocando-se a soberania da camara para se violarem todos os preceitos constitucionaes, o governo representativo podia transformar-se n'um governo despotico, porque as maiorias entre nós subscrevem a todas as violencias e illegalidades, se os ministerios lh'as exigirem da sua lealdade politica.

E não podem as opposições apreciar a maneira como se administraram os dinheiros publicos, discutindo-se a lei do meios, porque n'esta lei vem as despezas em globo e não verba por verba.

A lei de meios não tem uma discussão demorada como era indispensável, pois representa sempre uma moção de confiança que as maiorias dão aos governos.

E será possivel que alguem se não insurja contra a idéa de uma moção do confiança no actual ministerio?! Se tivesse administrado os negocios publicos de forma a desenvolvel-os com ordem e moderação; se tivesse observado as leis como lhe cumpria, ainda se tornava credor de quo se

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SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2007

lhe votasse a lei de meios pois era uma prova de confiança dada a quem tinha sabido merecel-a. Mas o governo tem tomado taes medidas, tem feito taça reformas na administração, e tem celebrado contratos de tal maneira extraordinarios, (Apoiados.) que deixam todos de sobreaviso com respeito aos seus processos governativos.

Mal chegou ao poder deixou-se obsecar pela vaidade de fazer leis e pela conveniencia de collocar amigos e afilhados.

Desenvolveu os quadros das secretarias e desorganisou os serviços publicos, parecendo que queria reformal-os.

No ministerio da fazenda, atirou para fóra do quadro com mais de cem escrivães de fazenda que ficaram addidos, recebendo uns ordenados que mal chegam para a sua sustentação, a fim de poder dar entrada aos patrocinados do governo.

Na reforma das matrizes não se observaram as leis e os regulamentos: nomeou-se um pessoal partidario, sem habilitações na maior parte dos casos, e recommendou se-lhes que elevassem a materia collectavel de 100, 200 ou 300 por cento, sem se importarem com a crise enorme que a agricultura está atravessando no nosso paiz.

No ministerio das obras publicas alargam-se os quadros o cria-se um funccionalismo immenso; e, para remate de tudo, celebram se contratos que, no parlamento, na imprensa e na voz publica, são considerados como negocios com subscripto.

Não sou eu que o affirmo. É a opinião publica que o propala aos quatro ventos, sem que até hoje tivessem apparecido verdadeiras contestações por parte do governo.

Podia referir-me á gerencia de outros ministerios e de monstrar que as medidas tomadas pouco toem visado a melhorar a situação da fazenda publica.

N'estes termos, depois do governo ter posto as repartições publicas n'uma desorganisação extraordinaria, depois de ter alargado o quadro do funccionalismo para n'elle collocar os seus amigos, depois de ter feito contratos que não são os mais favoraveis para o estado, como é possivel que alguem deposite ainda confiança no ministerio e lhe vote uma lei de meios que não significa senão uma moção de confiança?

Sr. presidente, o sr. Consiglieri Pedroso, esquecido de que o governo se não importa para nada com o cumprimento dos seus deveres, entendeu ainda que devia confrontar as opiniões actuaes dos srs. ministros com as opiniões que tinham defendido n'esta casa em tempos que já lá vão; e, para o fazer, vasculhou os repositorios parlamentares, onde teve a felicidade de encontrar discursos do sr. José Luciano e do sr. Beirão, em que s. exas. se manifestaram claramente contra a apresentação da lei de meios, que consideravam como attentatoria das liberdades publicas, como a sophismação completa do parlamentarismo.

N'esta leitura que o sr. Consiglieri nos fez da prosa opposicionista d'aquelles dois ministros, notei simplesmente a ingenuidade de que s. exa. nos deu prova, ingenuidade que teve logo um prompto correctivo nos sorrisos com que foi acompanhada nas bancadas do ministério a leitura d'esses trechos.

Pois o sr. Consiglieri ainda julga que o ministerio se preoccupa alguma cousa com as idéas que sustentou?!

Já têem sido tantas vezes apontadas no parlamento as contradicções flagrantes entre os seus programmas e principios e o que agora estão fazendo, que causa espanto que o sr. Consiglieri confiasse ainda alguma cousa na efficacia da leitura que nos fez.

Na sua alta sabedoria, os actuaes ministros entendem que é a cousa mais natural d'este mundo estar nos seus actos em contradicção com os seus principios. Acham que pensar hoje de unia maneira e ámanhã de outra, ainda seja sobre assumptos importantes e sem existirem rasões que justifiquem a mudança, é a cousa mais trivial que toda a, gente faz e que não fica mal a ninguem.

O sr. D. José de Saldanha, que se seguiu no uso da palavra, deixou ver claramente o seu espanto, quando notou que o sr. Marianno de Carvalho se não apressou a attenuar o effeito produzido pela prosa dos srs. José Luciano e Beirão, e, lá no seu fôro intimo, affirmou que, se o caso fosse com elle, não o deixaria passar sem justificação.

E tão extraordinario achou o caso, tão mal collocado viu o ministerio, que entendeu do seu dever de deputado da maioria procurar uma defeza, lembrando que o sr. Fontes rio parlamento tinha dito uma vez que não era de estranhar que um homem altamente collocado mudasse do opinião.

A phrase do sr. Fontes é perfeitamente verdadeira e concordo plenamente com ella, pois não é mais nada do que a traducção do proverbio latino: Sapientis est mutare consilium.

Póde-se mudar de opiniões sem que ninguem tenha direito a exprobrar-nos, desde que tenhamos motivos que justifiquem essa, transformação, e não meras rasões de conveniencia de partido ou de interesses pessoaes.

E no presente caso, o governo não tem nada que o possa defender.

Os srs. Marianno de Carvalho, Francisco Beirão e Luciano de Castro, quando n'esta casa eram opposição ao ministerio regenerador, apresentaram as suas doutrinas a proposito da lei de meios: hoje pensam porventura de maneira differente? Não, de certo.

Quando mais tarde vierem para as bancadas da opposição hão de declamar o mesmo que sustentaram em 1884.

O que pensavam então é o mesmo que pensam hoje mas o que a dizem é que é differente, porque differentes são tambem as suas conveniencias partidarias.

N'esse tempo, queriam escalar o poder; hoje querem conserval-o a todo custo, querem ficar, e por isso fogem á discussão do orçamento, que lhes podia crear dificuldades graves.

Resumindo: o que eu censuro não é que se mudo de opinião, pois não devemos permanecer no erro para conservar uma supposta virtude de coherencia.

O que eu censuro é que se conheça a justiça c bondade de certas idéas que se defenderam com enthusiasmo, e que se pratique como se essas idéas fossem condemnaveis e obnoxias.

E é esta ultima hypothese a que se dá actualmente.

O governo reconhece de certo que a discussão do orçamento é das mais importantes nos regimens liberaes, mas procede como se perfilhasse a doutrina opposta, sem se importar para nada com as opiniões aqui manifestadas e com o respeito que devia consagrar ás disposições constitucionaes.

Respeito pelas leis, disse eu?. .. Ainda hontem tivemos aqui uma amostra, quando um membro distincto da commissão de fazenda, o sr. Antonio Maria de Carvalho, se insurgiu justamente contra o facto abusivo de fazerem leis novas e modificarem leis antigas na lei de meios, sem ao menos fazerem ouvir sobre isso a commissão de fazenda!

Deve notar-se que essas modificações não vinham no projecto e foram mandadas como emedas ao começar a discussão. Foi uma verdadeira surpreza para todos.

Estando a camara resolvida a adoptar estes expedientes, peço licença para lembrar um alvitre.

O governo, para se poupar a incommodos, enxerta ainda na lei de meios o porto de Leixões, os caminhos de ferro do sul e sueste, as questões dos alcoois, dos cereaes, etc., etc.; abre depois esta boceta de Pandora, e vota-se tudo de chapelada. Não sei porque se não faz isto. Em vez de se seguirem os processos antigos, que são morosos, é mais simples na lei de meios alterar todas as leis e votar todas as medidas de que o governo necessita para governar. É mais simples e correcto, correcto, já se vê, debaixo do

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ponto de vista do governo. Desde que elle transgride a constituição, desde que para nada absolutamente se importa com as leis, desde que não respeita estes formalismos, pôde fazer tudo quanto quizer, e em vez de muitas leis apresentar uma só á discussão. (Apoiados.)

Repare, porém, que embora os formalismos pareçam valler pouco, em todo o caso são muito importantes nos governos constitucionaes. Desde que se não tenha respeito pelas formulas, desde que se não guardem as conveniencias, desapparece a ordem e em vez d'ella vem a anarchia, como já começa a succeder nas bancadas do ministerio e nas da maioria. (Apoiados.)

Todos os dias se estão levantando vozes contra o pouco respeito que o governo consagra ás leis e Contra a maneira como gere os negocios publicos.

Todos os dias se manifestam descontentamentos contra o governo que atropolla todos os preceitos, tendo apenas' em vista a sua sustentação no poder. (Apoiados.)

Sr. presidente, o sr. Fuschini, n'um discurso importante proferido hontem n'esta casa, referiu-se á paludosa que invade a nossa sociedade e mostrou desejos sinceros, apaixonados até, por uma politica de principios.

Tambem eu penso e sinto como s. exa.

A verdade, pois, é que a politica de interesses mesquinhos se tem propagado tanto, que até o sr. Consiglieri Pedroso, representante do partido republicano, começa já a ter desconfianças, segundo disse hontem, de que está mais ou menos atacado da paludosa. (Riso.)

O mal é enorme e torna-se indispensavel uma reacção igual. Pela minha parte, estou prompto a enfileirar-me n'essa campanha.

Eu tambem quero uma politica alevantuda, uma politica de principios; mas não devemos esquecer-nos de que, no nosso seculo, a politica ha de ser principalmente de negocios.

Conquistaram-se as grandes idéas, fixaram-se os direitos do homem: a liberdade, fraternidade e igualdade que apaixonaram doidamente os nossos avós em 1820, preoccupam-nos mediocremente, pois que gosâmos de tantas liberdades que até pensâmos em abdicar de uma parte d'ellas.

Bem sei que o sr. Fuschini, que é um espirito muito culto, não ficou parado a contemplar as conquistas de 1879; bem sei que os seno estudos sociologicos lhe vão mostrando cada dia novas idéas a realisar. A verdade, porém, é que esses principios estão ainda tão indecisamente delineados no espirito publico, que podem despertar o interesse de qualquer homem superior, mas não conseguem ainda alevantar em seu favor a opinião das massas. São uma idéa, e não se tranformaram ainda n'um sentimento.

O que e incontestavel é que no periodo que atravessâmos, a politica é, em todos os paizes da Europa, mais ou menos politica de negocios. Querer luctar contra esta tendencia, permittu-se-me a expressão, é remar contra a maré.

Pela minha parte acceito uma politica de interesses, de negocios, mas de interesses e negocios legitimos. (Apoiados.) O que quero é que os ministros protejam todos os interesses necessarios para a transformação social.
(Apoiados.) Os interesses que não são legitimos não devem ser attendidos nas bancadas do ministerio. E preciso provocar-se uma reacção contra toda a invasão de syndicatos e de politica pessoal, que matam completamente a verdadeira politica.

E preciso que o estado não seja substituido por uma sociedade particular do interesses illimitados. (Apoiados.)

Sr. presidente, não quero cansar a attenção da camara, não pretendo discutir, fazendo obstruccionismo; mas, se o fizesse, no meu entender, o processo não era condemnavel.

Quando o governo traz ao parlamento medidas que são um mal para o paiz, medidas que, se forem approvadas, representam cortam ente um enorme encargo que vae pesar sobre os contribuintes, não fazem porventura as opposições um eminente serviço, discutindo-as e evitando que ellas passem? (Apoiados.) Ainda que queiram taxar de pouco regulares os processos obstruccionistas, estes processos são legitimos e adoptam-se em todos os parlamentos do mundo. Nem podia deixar de ser assim.

Ás opposições podem não querer recorrer ao emprego de medidas violentas, a fim de evitar que o governo faça passar projectos contrarios aos interesses publicos, o n'esse caso lançam mão da resistencia pacifica, da discussão demorada, que quasi sempre é coroada de bom exito.

As delongas já fizeram celebre um gerenal romano.

N'um dado momento, póde ser de boa politica levantar todas as difficuldades a um governo para obstar a que elle faça leis injustas e prejudiciaes.

Apesar de reconhecer estas verdades, devo declarar que não pretendo fazer obstruccionismo. Unicamente quero, em nome do grupo que represento, fazer a declaração de que não votâmos a lei de meios por entendermos que o governo menospreza os principios legaes, fazendo uma politica ruinosa. Só se devem fornecer meios de vida aos governos que sabem usar d'elles em favor do bem publico.

Tenho dito.

Apresentou a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando anti-constitucional a apresentação da lei do meios n'uma sessão que dura ha quasi seis mezes, protesta contra este systema abusivo do governo, e passa á ordem do dia. = O deputado, João Pinto.

Foi admittida e ficou em discussão.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - (O discurso será publicado um appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

Leu-se, na mesa a seguinte:

Proposta

Emenda ao § 3.° do artigo leu:

Onde se diz "O producto da dita contribuição" dir-se-ha: "Metade do producto da dita contribuição." = O deputado, Antonio Maria de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno do Carvalho):- O illustre deputado encarregou-se no fim do seu discurso de destruir tudo quanto tinha dito a respeito do assucar, porque s. exa. mesmo disse que as disposições que apresentara não eram permanentes e sim transitorias, porque vigoram só até ao anno, e no anno que vem temos de modificar a lei.

Eu não quero desanimar a cultura da beterraba, o que não quero é proteger a industria das fabricas que se possam montar para serem expropriadas, e não me refiro a s. exa. quando digo isto.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

Eu não discuto isso, estou a responder a s. exa. o que é uma prova da consideração especial que por s. exa. tenho.

Eu bem sei que s. exa. é incapaz de defender a industria das fabricas que têem de ser expropriadas ou a industria dos que querem direitos protectores excessivos; está defendendo as suas convicções sinceras, ninguem lh'o póde levar a mal; eu é que não quero proteger essa industria. Se a lei é transitoria, fica só em vigor até janeiro do anno que vem, e até ao anno não ha beterraba em Portugal para tirar assucar.

Não comprehendo a irritação do illustre deputado.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

Amedronta os capitaes dos que querem montar fabricas para serem expropriadas ou dos que querem mantel-as á custa de direitos protectores enormes; a esses é que amedronta.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

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O que eu não quero é a falta de providencias a esse respeito, porque foi a falta de providencias que nos trouxe as difficuldades na questão dos alcoois, e nos tem trazido em muitas outras.

O que eu queria dizer á camara era que o illustre deputado, no final do seu discurso, destruiu tudo quanto dissera, demonstrando que esta lei é transitoria, que dura só até ao anno que vem, e por conseguinte em janeiro havemos de nos occupar da questão dos assacares. Como esta lei não vigora senão até ao anno, como até ao anno não ha nenhum perigo dos que s. exa. apresentou, nada mais digo a este respeito, e vou responder rapidamente aos outros pontos que s. exa. tratou. Primeiro foi da cedencia do augmento de contribuição predial á camara municipal e em que s. exa. disse que, se tivesse tido occasião de fazer na commissão as revelações que veiu fazer aqui, a commissão não teria acceitado esta proposta.

Ora quaes são as revelações que s. exa. fez? Essas revelações foram as que, augmentando muito em Lisboa as construcções, muitos predios ficariam sujeitos á contribuição predial, e a camara municipal haveria de tirar d'ahi grandes rendimentos. Mas isto é claro, não precisava que s. exa. o dissesse; s. exa. fallou nos 36:000 metros quadrados que se construirão n'um anno, fallou nas obras do Tejo que vão dar terrenos no Atterro para novas construcções e que ahi se hão de construir novos predios, que darão ainda maiores rendimentos á camara municipal.

Isto é evidente.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

S. exa. ouve-me até ao fim, e como já pediu a palavra, terá então o ensejo de dizer o que entende.

A respeito da camara municipal e da sua situação relativa á abertura das novas ruas, não são exactas uma grande parte das affirmações de s. exa.

Pois abrem-se novas ruas em Lisboa, e não é a camara municipal quem as calça, quem as canalisa, quem as rega e quem as illumina?

É justo, visto que a camara municipal tem despezas com a abertura de novas ruas, e com as novas construcções, que receba alguma cousa para occorrer ás novas despezas que tem a fazer.

Eu não estou a discutir a situação da camara municipal de Lisboa; não é aqui o logar para isso nem é agora occasião propria; mas o que é certo é que de longa data e por motivos que não vem agora para aqui, a situação financeira da camara municipal não é propicia, é preciso acudir-lhe com recursos.

E sem ir tão longe como o sr. deputado Fuschini, que queria para a camara o imposto do consumo, com o que não concordo, é necessario augmentar-lhe as receitas, sem que isso vá desfalcar as receitas do estado.

Ora não ha inconveniente em que por algum tempo se conceda á camara municipal de Lisboa um acrescimo de receita para que ella melhoro a sua administração financeira, porque para o anno havemos de discutir a organisação financeira da camara municipal de Lisboa, e se houver outros meios preferiveis hão de adoptar-se, a fim de que a camara municipal possa organisar a sua situação financeira.

Mas d'aqui até lá é preciso prover de remedio; é necessario crear-lhe desde já uma receita, porque as suas circumstancias são más.

Na sessão futura trataremos de organiaar a situação financeira da camara, que foi começada em 1880, mas que não foi acabada.

Vamos agora á questão da beterraba, primeiro que tudo eu devo dizer que tenho por costume aconselhar-me com quem sabe; não hei de aconselhar-me com os ignorantes.

Toda a gente sabe que a beterraba se produz em terras frescas, férteis e fundas, e todos sabem que es terrenos da Gollegã toem estas condições.

Apesar do genio pacifico que o illustre deputado ainda agora nos disse ter, ás vezes irrita-se sem motivo.

Fallou s. exa. nos sabios, e eu digo-lhe que estimo muito aconselhar-me com os sabios, porque o illustre deputado não ha de querer que eu me aconselhe com os ignorantes.

Eu estou de accordo com s. exa. em que não só no campo da Gellegã, mas em toda a parte se podo cultivar beterraba.

Não é preciso que os sabios o digam, mas a questão é se a beterraba produzida em Portugal tem a quantidade do assucar sufficiente para admittir um fabrico rasoavel.

Eu o que pergunto á camará é se quer uma cultura em boas condições.

Dar se-ha bem em Portugal a cultura de beterraba? Todos sabem que esta cultura quer terrenos fundos, ferteis e frescos; mas não tanto pelas condições dos nossos terrenos, mas do nosso clima, s. exa. devia lembrar-se que provavelmente a betarraba em Portugal não daria uma percentagem tal de assucar que permittisse uma fabricação industria de alguma valia.

É claro que, se podermos estabelecer em Portugal a cultura da beterraba para produzir assucar, se lhe dermos um direito protector enorme, este que está na pauta ou outro, vale a pena privar o thesouro de dois mil e tantos contos de receita que dá o assucar para estabelecer em Portugal a cultura da beterraba?

N'esse caso seria necessario sabermos aonde haviamos de ir buscar os dois mil e tantos contos.

(Interrupção.)

Lá iremos á Africa e á Madeira; vamos por ora ao continente, e já não é pouco.
É uma questão que poderá discutir-se largamente n'outra occasião, se convirá sacrificar dois mil o tantos contos ou cousa parecida, provenientes da receita do assucar para estabelecer em Portugal a cultura da beterraba, não sendo ella propria do nosso clima.

O que fez o ministerio das obras publicas? Creio que o sr. ministro das obras publicas pensa como eu, que o clima em Portugal não se presta á exploração industrial da beterraba. Mas ha muitas convicções sinceras, como é a do illustre deputado.

Allegava-se que a baterraba que se cultivava em Portugal não era bastante saccharina, porque não tinha havido bastante cuidado na escolha das sementes, e o meio de nos desenganarmos era fazer a plantação das boas sementes.

N'essas condições, o meu collega mandou vir do estrangeiro sementes de beterraba mais proprias para a producção do assucar e distribuiu-as aos lavradores em porções pequenissimas. Fez-se a sementeira, e diz o illustre deputado que se está agora sachando. Mas uma mão cheia de beterraba colhida não é sufficiente nem para alimentar uma decima parte de uma pequena fabrica.

Ainda que o illustre deputado não queira ha de ser preciso recorrer aos sabios para elles determinarem qual a porção de materia saccharina produzida pela beterraba em Portugal, n'essa cultura experimental com sementes perfeitamente escolhidas, emfim nas melhores condições.

De duas uma, ou a analyse da beterraba produzida em Portugal demonstra que a porção de assucar que produz é muito pequena, de maneira que essa cultura não pôde estabelecer-se em Portugal senão com enormes direitos protectores, ou demonstra que ella, pela quantidade de assucar que contém, póde viver sem essa enorme protecção, o sim cora uma protecção moderada.

(Interrupção.)

Não digo 5 réis mais nem menos; o que for.

Pois havemos antes do se examinar qual é a producção de beterraba, qual a parte saccharina que contém, dizer qual ha de ser o direito a estabelecer?

Póde ser que venha a conhecer-se que a protecção seja moderada, e quo valha a pena concedel-a. Mas d'aqui até

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lá, nem se anima a fraudo nem só anima a industria a estabelecer fabricas para serem depois expropriadas, e pedirem-se direitos protectores enormes ou indemnisações que não têem logar.

(Interrupção.)

Ora, o illustre deputado vem fallar na farinha de mandioca.

Eu não estou disposto a trocar o meu pão nacional pela farinha do mandioca.

Mas, eu não vejo rasão para se conceder essa protecção á farinha de mandioca. A lei de 1870 estabeleceu para a farinha de mandioca o direito de 5 réis, que com os addicionaes ficam em 6 réis; a nova pauta estabelece o imposto de 10 réis.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Já vê s. exa. que é um artigo de certa importancia.

O Orador: - Eu não lhe nego a importancia. Como quer s. exa. que eu lhe negue a importancia?

Mas, vamos agora á questão da Africa e da Madeira.

O que se concedeu A Madeira? Uma baixa de direito para o assucar produzido pela cultura da canna, cultura que N'aquella ilha se póde dar, conforme já se provou pela experiencia, e que póde continuar, a não ser que sobrevenha alguma catastrophe. Existe ali a cultura da canna, e produz assucar em grande quantidade; e, em vista d'isso, entendeu-se que se devia conceder uma certa protecção rasoavel a essa cultura.

Com relação á Africa, concedeu-se uma protecção que reputo rasoavel, e direi mesmo ao illustre deputado que as minhas idéas não são de todo favoraveis á protecção concedida, mas, emfim, tive de ceder.

Vamos agora aos grandes resultados praticos que se têem obtido da protecção concedida ás colonias.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

Logo, parece-me que a protecção concedida á Africa é justa, e sendo assim, o illustre deputado não tem rasão de se insurgir contra ella.

(Interrupção do sr. Antonio Maria de Carvalho.)

En só queria ver a consciencia do illustre deputado.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Se s. exa. está discutindo com sinceridade...

O Orador: - Eu tanto estou discutindo com sinceridade, que o illustre deputado não se sente bem. (Riso)

Mas, voltando á questão da metrópole, porque eu só fiz esta excursão pelas colónias, visto que s. exa. lá quiz mandar-me; voltando á questão da metropole, eu digo que a lei que só votou não é senão uma lei transitoria para evitar a fraude, que já se está praticando na ilha da Madeira com a protecção dos alcoois, do assucar e do melaço; e para evitar também a organisação de fabricas que peçam depois avultadas sommas pela sua expropriação, ou enormes direitos protectores, tudo em nome da sua propria existencia.

Não ha era Portugal nenhuma producção de beterraba que permitia produzir assucar, a que existe é simplesmente para fazer analyses, e d'aqui até que se tenham feito todos os estudos necessarios sobre os resultados d'essa plantação, creio que nada mais é preciso fazer, o para janeiro comprometto-mo a trazer á camara uma providencia n'esse sentido.

O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Eu é que me comprometto a que s. exa. não ha de apresentar nada.

O Orador: - Mas eu comprometto me com a camara, visto que o illustre deputado está tão mal commigo por causa da beterraba o da mandioca; eu é que me comprometto perante a camara...

(Interrupção do sr. Arroyo.)

É claro que tomo os compromissos nos termos em que os posso tomar; mas se o illustre deputado quer que eu diga assim, digo-o. Para o anno, se for ministro da fazenda, tomo o compromisso do trazer á camará uma proposta do lei que regule a cultura da beterraba em Portugal e d'aqui até lá não só perde nada, em que se não permitia o estabelecimento de fabricas, sem que se decida a questão e assentemos bem as bases em que deve regular-se essa concessão.

Não terminarei estas considerações sobre a fabricação do assucar, sem lembrar á camara o que se dá com a fabricação do assucar na Allemanha e n'outros paizes; isto é, que essa industria lucta hoje com uma crise tão intensa, que talvez não seja inferior á crise agricola que se está dando em Portugal.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Bandeira Coelho: - Por parte da commissão de guerra, mando para a mesa um parecer sobre una projecto de lei.

O sr. Dias Ferreira: - Tinha pedido a palavra para discutir o assumpto, mais essencialmente politico, que póde vir á tela do debate, a lei do meios, que representa o voto de confiança com que os corpos legislativos habilitam o governo a conservar-se constitucionalmente nas cadeiras do poder; e encontro-me a braços, quando menos a esperava, com uma discussão larguissima e instructiva sobre mandioca e beterraba!

E porque se discute a proposito da lei de meios a mandioca e a beterraba? Por uma rasão muito simples; porque no projecto, sujeito ao debate, se trata de melaço, de assucar, de alteração nas condições de emprestimos anteriores, e de não sei que mais! Se o governo tem pressa de encerrar as cortes, ou por circumstancias politicas, ou para evitar os calores da estação n'uma cidade tão exposta ao sol ardente como Lisboa, melhor era ter reunido n'este projecto todas as providencias, em cuja approvação tivesse interesse, e votava-se tudo de uma vez!

Com o systema adoptado de reduzir todas as leis a um artigo só, e de dividir o artigo em paragraphos, destinava-se um paragrapho para cada assumpto especial!

Todas as provisões annexas á lei de meios são inuteis, como inutil é esse idyllio, que ahi está, chamado projecto dos cercaes.

Emquanto o paiz não tomar uma attitude enérgica não espere remedio para os seus males.

As côrtes continuarão a professar na escola do elogio mutuo, sem se preoccuparem com os interesses do povo.

Não passaremos d'estes cumprimentos banaes, em que o deputado se dirige ao nobre ministro, e o nobre ministro responda ao illustre deputado, seu nobre amigo!

Na linguagem popular mis cortes já não ha ministros plebeus. Tudo sito nobres ministros.

Nem é possivel levar a cabo reformas de alcance sem partidos organisados, e hoje não ha partidos, porque os agrupamentos que ahi existem com a alcunha de partidos, são apenas familias que, segundo a ordem do mundo, tendem a desdobrar-se e a separar se, sobresahindo apenas as individualidades, porque o valor d'essas ninguem o póde apagar.

Com os interesses publicos, e sobre tudo com os da lavoura, não se importam nem os partidos nem o governo.

Eu tambem sou lavrador em varios pontos do paiz, e estou perfeitamente resignado com a sorte que me espera. Em quanto governavam os regeneradores, lá me tomavam conta dos rendimentos, o agora tambem não estou descontento com a substituição. (Riso.) Os rendimentos, que os ministros me deixam, vão para as juntas geraes de districto, para as camaras municipaes, e para as juntas de parochia. Se quizerem deixar por um pouco em descanso os sabios da nossa administração e consultar sobre a questão agraria os saloios, fallando-lhes não nos termos do nobre ministro e o illustre deputado, usados n'esta casa, mas a linguagem da franqueza, (Riso) elles responderão que de algumas terras ainda pagam só contribuição, mas que de outras já pagara renda ao estado!

Em dois concelhos do districto de Lisboa, onde possuo propriedades, que por mim vigio, vi-me na necessidade,

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SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2011

por occasião das novas matrizes, de reclamar contra o excesso do rendimento collectavel attribuido aos meus predios, e offereci-os á fazenda por ametade do rendimento que ella lhes havia attribuido!

Mas não me acceitaram a proposta!

Ninguem pense que os sabios de Lisboa se importam com a situação dos lavradores.

Se alguem lhes disser que a agricultura está perdida, e o lavrador sem meios de vida, elles riem-se, dizendo que isso é impossivel, porque na França a lavoura prospera!

Ora nós tinhamos meio facil e seguro de verificar quem tem rasão, acceitando os poderes publicos o alvitre de uma proposta, em que por vezes tenho fallado, e que agora repito.

A minha proposta contém um artigo só, como agora se usa, (Riso.), com dois paragraphos.

Artigo. E o governo auctorisado a mandar avaliar, ou por inspecção directa, ou por presumpções, ou por capricho, ou como melhor quizer, o rendimento collectavel das propriedades no continente e ilhas adjacentes.

§ l.° A nenhum proprietario ou possuidor é licito reclamar contra esta avaliação, por mais injusta e iniqua que seja.

§ 2.° É unicamente permittido ao contribuinte entregar as propriedades ao governo pelo rendimento collectavel descripto, com o desconto de 10 por cento para as contribuições geraes e locaes. (Riso.)

Pois os illustres deputados imaginam que eu não sei como se fazem as matrizes em quasi toda a parte: escolhe-se para avaliador um pessoal incapaz; e, se este não assigna a avaliação, previamente arbitrada na repartição de fazenda, é logo despedido, e não lhe pagam!

E por estes meios irregulares, para não lhes chamar fraudulentos, que se estão organisando as matrizes.

Em muitos partes arbitra-se o rendimento bruto perfeitamente a capricho.

Entram os louvados n'um olival, e attribuem logo sem mais exame a cada oliveira uns tantos litros de azeite, sem averiguarem se as oliveiras produzem, e se produzem todos os annos a mesma quantidade de fruto, com o mesmo custo, e com o mesmo lucro, qualquer que seja a região em que se ache situado o predio; e então na apreciação do rendimento liquido fazem-se verdadeiras atrocidades.

Mas, abstrahindo por agora d'esta ordem de idéas, e considerando o projecto em discussão, direi á camara que não posso votar a lei de meios, que representa um voto de confiança ao governo, que não póde nem deve manter-se n'aquellas cadeiras, desde que não apresenta uma medida util, nem á liberdade, nem ao commercio, nem á industria, nem á agricultura, nem a qualquer elemento de civilisação.

Eu preferia a discussão do orçamento, não só em homenagem ao preceito constitucional, mas porque poderia levantar discussões que deixassem o paiz respirar emquanto ellas durassem.

Quando todos se queixavam do largo debate, que houve no orçamento rectificado, em, que se discutiram as cinco partes do mundo, só eu me não entristecia, porque sabia que, emquanto funccionassse a rethorica, folgava o contribuinte!

Na quadra, que vamos atravessando, é com o obstruccionismo que a opposição póde restar serviços ao paiz, pois, quando se não faz rethorica, tira-se a pelle ao povo!

É necessario discutir o orçamento do estado, para cumprir os preceitos da constituição, e reduzir as despezas publicas.

Mas rara será a discussão do orçamento, que não augmente em dezenas e centenas de contos de réis as despezas do estado.

Hoje as discussões, que não mirem unicamente ao obstruccionismo, quer tenham por objecto as finanças do estado, quer outro qualquer assumpto, não dão em resultado senão augmentos de despeza; e n'esta parte tem o paiz o governo que mereço!

Ahi está um exemplo bem recente e bem palpitante.

Apresentou o governo ás côrtes nina proposta para construir todos os caminhos de ferro havidos e por haver, isto é, para augmentar a despeza publica em proporções, que não são muito compativeis com os recursos do paiz.

Quando o governo ainda não sabe como ha do fazer face á garantia de juro dos caminhos de ferro de Alfurellos, de Vizeu, de Mirandella, da Beira Beixa, de Ambaca etc. submetto á apreciação do parlamento a construcção de mais vias férreas, que nos custam milhares do contos de réis!

Que imagina v. exa., sr. presidente, que fizeram as estações officiaes, que tiveram de intervir n'este assumpto, e que fez o paiz? Pediram mais caminhos de ferro!!

Em logar de condemnarem una voce similhante attentado contra a pobreza do nosso orçamento, querem mais despezas e mais aggravamento de impostos!!

Eu estou persuadido de que ao sr. ministro das obras publicas mal lhe chegará o tempo para fazer leitura das mensagens de felicitação e agradecimento que recebe de todos os pontos do paiz, que devem ser atravessados por aquelles caminhos de ferro!

O que não sei é se os patriotas, emprezarios d'essas manifestações, tambem clamam contra a revisão das matrizes, e tambem pedem protecção para a agricultura! ('Apoiados.)

A final quem ha de pagar as despezas do todas estas orações ha de ser a agricultura, sobre quem recaem em definitivo quasi todos os impostos descriptos no orçamento.

E os lavradores perdem completamente o tempo, emquanto se entretiverem a organisar congressos, e a dirigir reclamações aos poderes do estado sobre a infeliz situação da industria agraria.

Todos os seus esforços serão inuteis perante os altos poderes do estado, emquanto não tomarem uma altitude energica que os contenha em respeito.

Não é preciso que o povo tome uma attitude aggressiva e ameaçadora, para os governos recuarem, porque elle, completamente divorciado ,da opinião, do paiz, não tem outra força que a da sua maioria, e essa é nulla! A segunda povoação do reino, emquanto se não preoccupava com o crescimento da herva nas ruas da cidade, só por si algumas vezes intimou aos governos mandado do despejo.

Na atmosphera em que respirámos, não soffrerá o paiz grave prejuizo por se não discutir o orçamento, porque essa discussão, ou não seria digna, ou havia de custar cara ao paiz.

Quem discutisse o orçamento para propor reducções de despeza, ficava desacreditado perante os politicos da epocha.

Hoje não se considera notavel o homem que põe as suas faculdades ao serviço das liberdades populares, que vincula o seu nome a instituições civilisadoras, e que trabalha pela felicidade da sua patria. Hoje só é grande, e tem estatua, o hontem que gasta rios de dinheiro á custa alheia, que passa a sua vida a empenhar a sua terra e a gente!

Grande em Portugal hoje é quem emprehendo obras, ainda de utilidade duvidosa, em que se gaste, pelo menos, 10.000:000$000 réis. (Riso.)

Ministro que emprehenda melhoramentos, que não custem sommas fabulosas, por mais uteis e indispensaveis que sejam, não tem auctoridade para se apresentar perante o mundo dos nossos politicos, como estadista de linha!

Emquanto for n'esta direcção a corrente, e emquanto o paiz a não desviar, não merece grandes censuras o governo debaixo do ponto de vista financeiro, por não ter submettido á apreciação da camara o orçamento do estado.

Em todo o caso é curiosissima a proposta em discussão, que o governo apresentou com a maior sem cerimonia, o que não admira, porque o sr. ministro da fazenda está já muito acostumado comnosco! (Riso.)

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2012 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A proposta é encyclopedica. A proposito da auctorisa para a cobrança dos impostos, e applicação dos rendimentos e recursos do estudo ás despezas legaes no exercicio de 1888-1889, comprehende tudo quanto o governo desejava que fosse votado do prompto.

Com tal precipitação foi redigida a proposta e o projecto, que em ambos se encontram erros gravissimos que é preciso emendar.

Logo no § 1.° se faz referencia, tanto na proposta do governo, como no projecto da commissão, á lei de 4 de abril de 1881, quando deve referir-se á lei de 4 de abril de 1861. O § 2.°, tratando da contribuição predial, refere se aos §§ 1.° e 8.° do artigo 6.° da carta de lei de 17 de maio de 1880, quando o artigo 6.° d'essa lei nem paragraphos tem. Quiz provavelmente referir-se ao artigo 7.°

Outros erros contem a proposta e o parecer, que me abstenho de mencionar, porque não escaparão de certo ao zêlo e intelligencia das respectivas commissões.

Tambem no projecto se incluem subsidios para a camara municipal, que são dados á custa da receita geral do estado, sem se desenvolverem as rasões por que não ficou completamente regularisada a situação financeira do municipio de Lisboa com a lei de 1885, comquanto sejam dispensaveis essas rasões para mim, que combati aquella providencia como obnoxia aos interesses do primeiro municipio do reino.

Effectivamente para acudir á camara municipal de Lisboa, que estava em situação difficil, promulgou-se uma lei, que, augmentando-lhe a receita de modo problematico, lhe augmentava os encargos por forma que mal chegaria para os cobrir a metade da receita real do estado: e por isso não podia ter outros resultados que não fossem aggravar mais e mais as finanças municipaes.

A solução definitiva da questão fazendaria da camara municipal de Lisboa fica sempre para o anno! Fica todos os annos para o anno! (Apoiados.) Assim não se resolve nunca, e aggrava-se sempre!

Promettia-se resolvel-a de vez com a lei de 1885, e logo em 18bG ou 1887 o governo apresentou uma proposta ás côrtes para emprestar centenares de contos de réis em inscripções á camara municipal de Lisboa, para lhe servirem do penhor a um empréstimo de centenares de contos de reis, o agora vae entregar-lhe uma parte do rendimento da contribuição predial, que é do estado, sem se dignar sequer dizer ás côrtes qual é a importancia d'este rendimento (Apoiados.) ou subsidio!

Dentro em pouco havemos de ter muitas corporações a avolumar o deficit do nosso orçamento, (Apoiados.) porque algumas já não podem viver senão á custa do estado. Vive em grande parte do estado a camara municipal de Lisboa, como em parta vivem das receitas do thesouro da metropole as possessões ultramarinas.

As nossas possessões de alem mar tambem se resentem do terem sido administradas por estadistas de linha!

Moçambique e Angola já gosam deficits que honram a alta capacidade dos estadistas de linha que têem gerido a pasta da marinha e do ultramar! (Riso.)

Nas ilhas adjacentes a Madeira está em circumstancias quasi desesperadas, de modo que não póde já viver sem o auxilio da metropole. Alguns districtos têem de ser alliviados dos addicionaes, e todavia o governo não pensa senão em sacar aos districtos e aos municipios fundos para occorrer a despezas sem utilidade pratica! (Apoiados.)

Eu não sei onde isto irá a dar. (Apoiados.) Mas ha de seguir a regra - quem gasta mais do que tem a pedir vem.

N'esta proposta até se nos pede mais dinheiro para os serviços agricolas e industriaes.

Bem sei que a situação da agricultura e difficilima. Quem explorar a terra por sua conta e não tiver recursos de outras fontes, ver-se-ha em serios embaraços para occorrer aos encargos da cultura. (Apoiados.)

Mas o lavrador não reclama escolas luxuosas de agricultura, que servem apenas para accommodar pessoal. O que elle precisa é que lhe não tirem para impostos os rendimentos e meios de que carece para occorrer á sua subsistencia o de sua familia. (Apoiados.) Ha dias, li eu em um jornal do Vizeu que tinham ali creado um convento agricola, (Riso.) que se tinha arrendado casa para a escola, e montado o pessoal com empregados todos progressistas, parecendo assim que não tinha lá chegado ainda o accordo, (Riso.) e que só faltavam os discipulos!
Ora, não basta o quo já se está gastando com estes serviços agricolas, ou a pretexto d'estes serviços agricolas. Pede-se ainda a importancia dos depositos feitos e a fazer em concessões para caução de, ele., que eu não sei a quanto monta, (Apoiados.) e pedem-se mais 85:000$000 réis, quantia certa! (Riso.)

Sr. presidente a favor da agricultura voto tudo o que seja preciso. Para estes serviços agricolas e industriaes não voto um real, porque já estão bem luxuosamente montados e organisados. (Apoiados.)

Os serviços agricolas que estio organisados não servem nem á agricultura, nem á industria, servem aos amigos. Ora, fiquemos este anno com o que já temos, porque não convem fazer um jubilou geral no mesmo anno. (Riso.- Apoiados.)

Os illustres deputados riem se, pois creiam que nas provincias os lavradores estão indignados com o luxo com que têem sido organisados estes serviços, não em beneficio da agricultura, mas em beneficio dos empregados. (Apoiados.)

Não confundimos os beneficios á agricultura com a exploração do paiz. (Apoiados.)

Os outros assumptos, que são verdadeiramente estranhos, não os discuto, e voto contra a proposta, porque não esporo do governo cousa util ao paiz.

Vozes: - Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que se elimine da proposta tudo quanto não disser respeito á auctorisação para a cobrança dos impostos e applicações ás despezas legaes. = Dias Ferreira.

Foi admittida.

O sr. Presidente: -Vae dar-se conta de um officio do ministerio do reino.

Leu-se o decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes até ao dia 23 de junho inclusive.

O sr. Sebastião Nobrega: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobro se julga a materia suficientemente discutida.

Consultada a cumaru, foi julgada discutida a materia.

O sr. Tavares Crespo: - Mando para a mesa uma proposta de additamento á lei de meios, e abstenho-me de fazer quaesquer considerações por só ter encerrado o debate.

Leu-se na, mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que na lei de meios se inclua o seguinte additamento:

E o governo auctorisado a restituir ao theatro de S. João o subsidio de 5:000$000 réis annuaes por opera italiana.

E o governo auctorisado a subsidiar extraordinariamente e por uma só vez os theatros que até ao dia 31 de dezembro do anno corrente tiverem feito obras de segurança que dêem garantias de poderem funccionar para o publico.

§ 1.° Este beneficio só é applicavel aos theatros regularmente construidos, e que alem d'isto não tenham o caracter de edificações provisorias.

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SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2013

§ 2.° Para gosarem d'este beneficio é indispensavel que os theatros se apresentem dotados com numero sufficiente de saidas, que possuam palcos isolados, o que tenham varandas exteriores para facilitarem uma rapida saída.

§ 3.° O imposto de subsidio a conceder será sujeito ao informe da auctoridade e peritos respectivos. = O deputado por Leiria, Antonio Lucio Tavares Crespo.

Foi admittida.

O sr. Carrilho: - Peço a v. exa. que seja enviada á commissão, para ser presente ao governo, a proposta apresentada pelo sr. Tavares Crespo a fim de a considerar como julgar conveniente.

Com relação ás propostas do sr. Antonio Maria de Carvalho, parece-me que não podem ser approvadas; assim como tambem não póde ser approvada a proposta do sr. Fuschini por isso que augmenta a despeza do estado.

Emquanto ás outras propostas a camara deliberará como entender.

Passou-se á votação.

As moções de ordem dos srs. Arroyo, Consiglieri Pedroso, Elias Garcia e João Pinto foram rejeitadas.

O artigo 1.° do projecto foi approvado com as alterações apresentadas pela commissão.

O artigo 2.° foi approvado.

As propostas dos srs. Dias Ferreira, Fuschini Consiglieri Pedroso e Antonio Maria de Carvalho foram rejeitadas.

A proposta do sr. Crespo foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - A ordem da noite é, na primeira parte, a discussão das emendas ao codigo commercial, e na segunda parte a discussão da lei dos cereaes.

Está levantada a sessão. Eram seis horas da tarde.

Propostas de lei apresentadas pelos srs. ministro da fazenda c ministro da marinha

Proposta de lei B. 79-D

Senhores. - O orçamento das provincias ultramarinas para 1888-1889, que tenho a honra de sujeitar á vossa approvação, é moldado na actual tabella da receita e despeza do ultramar de 1887-1888, a qual, em virtude do artigo 6.° do decreto de 29 de dezembro de 1887, que a precede, é a lei de quadros do ultramar e correspondentes vencimentos.

No diminuto espaço de tempo decorrido entre a publicação da tabella alludida e a organisação d'este orçamento, não foi possivel colligir novos documentos que servissem de correcção ás receitas, rasão porque encontrareis inalteraveis os algarismos das receitas de algumas provincias do ultramar: n'outras, porém, foram considerados, á proporção que íam sendo recebidos, todos os elementos que podiam concorrer para maior exactidão das futuras receitas, e incluidos na media dos rendimentos dos ultimos tres annos, como é a praxe seguida.

Em obediencia ao preceituado no artigo 63.° do regulamento geral da contabilidade publica, não se fizeram alterações notaveis na despeza.

Todas as differentes verbas se conservaram inalteraveis, com excepção unicamente d'aquellas que as exigencias do calculo, a oscilação do gastos variaveis o a revisão da legislação aconselharam modificar. Nas notas preliminares que precedem o orçamento de cada provincia, podereis ver essas alterações, todas justificaveis.

Não representa, todavia, a presente proposta de orçamento nem o calculo definitivo da receita, nem o computo invariavel da despeza.

Se as finanças de algumas provincias, como as de Cabo Verde e S. Thomé, se conservam estacionarias - se as da Guiné e Macau peioram de um modo visivel - as de Angola e Moçambique dão-nos lisonjeiras e bem fundadas esperanças de que, com a abertura dos caminhos de ferro de Ambaca e de Lourenço Marques, o desiquilibrio financeiro que as opprime, passarei por uma favoravel transformação, e que da rapida circulação dos riquissimos productos do interior de Africa brotarão mais abundantes fontes de riqueza que attenuem os sacrificios da metropole.

A benefica influencia das vias de communicação accelerada transluz já no orçamento do estado da India de modo a desfazer todas as duvidas.

Este paiz, que ainda lia pouco luctava com o deficit do seu orçamento, já apresenta um saldo importante, com. quanto o seu caminho de ferro esteja em exploração apenas ha seis mezes.

Tudo leva a crer que a receita do anno futuro seja superior á calculada.

Chamando a vossa attenção para os traços geraes da proposta de orçamento, offerecida ao vosso exame, notareis, senhores, que os impostos directos e indirectos, comparados com os inscriptos na ultima tabeliã, cresceram 44:000$000 réis, numeros redondos, sendo o augmento dos impostos directos de 17:4004000 réis e dos indirectos de 26:600$000 réis, e que a differença para mais no total da receita é de 57:328$800 réis.

A despeza manteve-se, com pequenas alterações, nos limites da tabella anterior, do que resulta ser menor o deficit 99:387$990 réis do que aquelle que demonstra a mesma tabella.

Na succinta exposição, que submetto ao vosso esclarecido julgamento, não pretendo esconder os graves encargos que têem ainda de pesar sobre a metropole.
Os melhoramentos materiaes encetados nas possessões ultramarinas por meus illustres antecessores, e por mim continuados, representam o futuro das colonias que ainda possuimos, e cuja manutenção nos está a cargo, e por isso ouso esperar, senhores, que dareis a vossa approvação á seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º A receita das provincias ultramarinas é calculada, para o anno economico de 1888-1889, em réis 2.905:637$100, conformo o mappa junto; a saber:

Impostos directos 773:570$700

Impostos indirectos 1.481:219$200

Proprios e diversos rendimentos 404:882$200

Rendimentos com applicação especial 85:965$000

Compensação a pagar pelo governo inglez 160:000$000

Art. 2.° Os impostos e mais rendimentos constantes do mappa junto continuarão a ser cobrados no anno economico de 1888-1889, como receitas do ultramar.

Art. 3.° Continuarão igualmente a cobrar-se os rendimentos que ficarem por arrecadar em 30 de junho de 1888, applicando-se o seu producto ás despezas legalmente auctorisadas.

Art. 4.° A despeza das provincias ultramarinas para o anno economico de 1888-1889 é orçada em 3.889:077$423 réis, na conformidade do mappa junto; a saber:

Governo e administração geral 1.097:528$814

Administração de fazenda 310:502$250

Administração de justiça 152:958$350

Administração ecclesiastica 154:110$418

Administração militar 970:183$710

Administração de marinha 326:703$070

Encargos geraes 353:167$836

Diversas despezas 361:132$975

Deposito para garantia dos encargos dos capitães levantados pela companhia constructora do caminho de ferro e porto de Mormugão 160:000$000

Exercicios findos 2:800$000

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2014 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 5.° A despeza de que trata o artigo antecedente será satisfeita pelos meios que produzir a, receita votada para o exercicio de 1888-1889, até á somma correspondente. O governo, auctorisado por lei especial, providenciará nos termos d'essa lei, relativamente ao excedente da despeza.

Art. 6.° Continuam em vigor as disposições do decreto de 29 de dezembro de 1887, que não foram ou forem alteradas por leis subsequentes.

Art. 7.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 15 de junho de 1888. = Henrique de Macedo:

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SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2015

Mappa geral da receita e despeza das provincias ultramarinas, propostas nos respectivos orçamentos para o anuo economico de 1888-1889

(Ver tabela na imagem)

PROVINCIAS RECEITA (Impostos) (Proprios e diversos rendimentos) (Rendimentos com applicação especial) (Total da receita)

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 15 de junho de 1888. = Henrique de Macedo.

Foi enviada ás commissões do ultramar e do orçamento.

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2016 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Proposta de lei n.° 79-E

Senhores. - Os resultados da exploração africana, realisada nos annos do 1884 a 1886 pelo major Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto e pelo tenente Augusto de Mello Pinto Cardoso podem na conjunctura actual ser melhor do que nunca devidamente apreciados.

Mais uma vez a attenção não só do nosso, mas dos outros paizes está particularmente attendida para as regiões que. foram percorridas por aquelles exploradores, e varios problemas se suscitam com relação ao dominio d'ellas e á politica colonial que mais convenha adoptar para que cilas sejam devidamente exploradas em proveito da civilisação e da humanidade. Nenhum paiz póde interessar-se com mais empenho para prosperidade d'aquelles vastos paizes do que Portugal, que desde seculos ali tem mantido a sua influencia, e em proveito da civilisação d'ellas tem empregado esforços valiosos.

Os trabalhos realisados pelos illustrados exploradores precisam hoje mais do que nunca de serem conhecidos e apresentados ao exame de todos quantos imparcialmente desejarem estudar as questões que ora se ventilam. Bastará dar d'elles um breve summario pura se reconhecer não só a urgencia d'essa publicação, mas a importancia do serviço prestado pelos dois exploradores.

Rectificaram, entre Moçambique e o Ibo, as posições da costa já conhecidas, e determinaram alguns portos e embocaduras de vias, que até hoje não tem sido representados nas cartas, devendo citar-se n'esta parte do seu trabalho o levantamento hydrographico do importante porto Bocage, ao fundo da bahia de Fernão Velloso e o exame das relações possiveis entre o Ibo e a terra firme. Estudaram tambem a importancia commercial de todos estes portos e principalmente a do rio Luli.

Determinaram o regimen hydrographico das regiões comprehendidas entre os rios Zambeze e Rovuma, o lago Nyassa e a costa do mar.

Estudaram a possibilidade de um caminho que ligasse O Ibo com os paizes habitados poios Macuas, Mauas e outros, e estes com o rio Lienda e lago Nyassa.

Conseguiram a vassalagem de dois regulos importantes. Metarica, estabelecido nas margens e nas ilhas do rio Lienda, por onde passa uma parte valiosa do commercio da região meridional do lago Nyassa e Cuirassia, que governa na margem oriental e na extremidade meridional d'este lago.

E, escusado encarecer a importancia d'estas vassalagens, que valem tanto mais quanto é certo que o tenente Cardoso encontrou nos povos que lhe solicitaram collocar-se sob a mais directa e immediata protecção de Portugal testemunhos irrecusáveis de quanto ali é respeitado o nome portuguez.

O estudo das relações commerciaes de toda a vasta região percorrida, a importancia que ali tem as companhias ou os missionarios estrangeiros, a influencia do elemento mahometano na civilisação d'aquelles povos, e sobretudo os meios poderosos de acção que os portuguezes podem pôr em pratica para efficazmente concorrerem, como em grande parte o tem feito já, para a civilisação o progresso d'esta parte do continente africano, não podem deixar do representar capitulos muito valiosos da obra dos distinctos exploradores.

Não nos parece necessario alongarmo-nos em outras considerações para demonstrar quanto é opportuna e urgente a rapida publicação dos trabalhos da expedição a que me tenho referido.

E n'essa publicação parece-nos de inquestionavel justiça que se dêem ao major Serpa Pinto e ao tenente Augusto Cardoso vantagens iguaes ás que por lei foram concedidas aos distinctos exploradores Capello e Ivens, na publicação da obra em que relataram os trabalhos, observações e descri peões da sua importante exploração geographica.

Cremos que a valia da expedição a que ora nos referimos exige, porém, que vamos tão largo na recompensa nacional pelo serviço feito como fomos para com os outros dois benemeritos exploradores.

Por circumstancias especiaes as difficuldades da expedição do major Serpa Pinto e tenente Augusto Cardoso o foram em verdade excepcionaes. Por vezes a sua vida correu serio perigo, e a expedição se viu ameaçada de ser aniquilada pula fome, pelo abandono de todos os elementos de cooperação, pelas contrariedades resultantes do clima ou da hostilidade dos povos.

Ninguem ignora estes pormenores, nem ainda esqueceu por quanto tempo estivemos anciosos ignorando a sorte d'aquelles que haviam patrioticamente tomado o empenho do realisar uma expedição que tinha um interesse excepcional pulos seus intuitos commerciaes, scientificos e politicos.

É justo, pois, que o paiz affirme solemnemente o seu reconhecimento aos que tão zelosamente lidaram por alargar a nossa influencia, por honrar o nome portuguez, por dar ao mundo civilisado mais uma prova de quanto Portugal se empenha pelo progresso não só das suas colonias africanas, mas pelo alargamento da civilisação do continente negro.

São estes os motivos que nos levam a julgar como um dever propor que aos dois valentes e ousados exploradores se appliquem disposições iguaes ás que por lei foram sanccionadas em favor dos exploradores Capello e Ivens.

Proposta de lei

Artigo 1.° Como recompensa nacional pelos serviços prestados á sciencia e á patria na exploração geographica de parte da provincia de Moçambique e da região do Nyassa, é concedida ao major do exercito de Portugal, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto e ao tenente da armada Augusto de Mello Pinto Cardoso:

1.° A cada um d'elles a pensão annual e vitalicia de 600$000 réis, independentemente dos respectivos soldos e de quaesquer outras pensões que anteriormente lhes tenham sido concedidas;

2.° A isenção de pagamento de todos os direitos, impostos e emolumentos respectivos aos encartes e licenças por esta e outras mercês ou titulos honorificos, nacionaes ou estrangeiros, recebidos cm virtude dos serviços prestados na referida exploração geographica;

3.° A propriedade, para elles e seus herdeiros, nos termos do direito commum, de 5:000 exemplares da primeira edição portugueza e illustrada, mandada fazer pelo ministerio da marinha e ultramar na imprensa nacional, e bem assim a de quaesquer outras edições da obra em que relatarem os trabalhos, observações e descripções da referida exploração geographica.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 15 de junho de l888. = Marianno Cyrillo de Carvalho = Henrique de Macedo.

Foi enviada á commissão do ultramar, ouvidas a de fazenda e a do orçamento.

Proposta de lei n.° 79-F

Senhores. - A nossa industria da chapellaria é uma das que menos protegida foi no convenio do commercio e navegação franco-portuguez. O tratado de commercio com a Italia diminuindo de 25 por cento a 20 por cento ad valorem o direito estabelecido n'aquelle primeiro convenio, aggravou ainda as já más condições d'esta industria.

Não é tanto a taxa como a natureza e modo de liquidação dos direitos que colloca os fabricantes de chapeus, e principalmente os de chapeus de feltro, em condições de quasi se verem obrigados a fechar as suas officinas.

Página 2017

SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1888 2017

Os direitos ad valorem liquidados pela fórma preceituada no nosso tratado com a França, ficando sempre, por motivos de todos bem conhecidos, abaixo do que se calcularam, dão, no conflicto dos interesses oppostos do commercio e da industria, interesses que aos governos cumpre manter em equilibrio, vantagens no commercio.

Conseguindo das duas nações em cujos tratados se fixaram direitos convencionaes para os chapeus a substituição do direito ad valorem por uma taxa fixa, favorece-se, pois, uma industria, a qual, pelos capitaes e numero de braços que emprega, assim como pela qualidade dos productos que já hoje fabrica, é digna de toda a protecção, e isto sem prejuizo para o consumidor.

Em troca d'esta concessão feita pelas, alludidas nações podemos fazer-lhes vantagens em que, sem prejuizo da nossa indiustrias, encontrarão o bastante para compensar qualquer inconveniente, se acaso o houvesse, no que a ellas se pede.

Por estas rasões, e pelas que a vossa esclarecida critica vos suggerirá ainda, tenho a honra de sujeitar ao vosso exame a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.º É o governo auctorisado, caso obtenha da Italia e da França a substituição por um direito fixo do actual direito ad valorem que, nos tratados de commercio e navegação com estas duas nações, taxa os chapeus para homem a:

1.° Inscrever na pauta B das alfandegas as seguintes mercadorias:

a) Tela gommada para chapeus de homem;

b) Abas de tela gommada para chapeus do homem;

c) Tiras de pelles para chapeus de homem, com a largura maxima de 8 centimetros.

2.º Modificar os direitos das pellucias, setins e velludos puros ou mixtos, por forma que, sem prejuizo para o thesouro, se reduzam os direitos dos artigos 47.° e 48.° da pauta A; e bem assim a estabelecer uma melhor classificação pautal das mercadorias comprehendidas n'estes mesmos artigos.

Art. 2.° O governo dará conta ás camaras do uso que tiver feito na presente auctorisação.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, l5 de junho de 1888 = Marianno Cyrillo de Carvalho.

Foi enviada á commissão de fazenda.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

Página 2018

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