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N.º 9.

SESSÃO DE 11 DE JUNHO. 1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia e um quarto.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1.ª Do sr. barão de Almeirim, mandada hontem para a mesa, participando que o sr. Passos (Manoel) não podia comparecer á sessão de hontem, nem poderá comparecera mais algumas, por se achar legitimamente impedido. — Inteirada.

2.ª Do sr. Torcato Maximo, participando que o sr. Frederico Guilherme não póde comparecer á sessão de hoje, por justos motivos. — Inteirada.

3.ª Do sr. Pinto d'Almeida, participando que o sr. barão de Almeirim não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do ministerio do reino, acompanhando a cópia da consulta geral do districto de Faro, datada de 10 de maio ultimo, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Para a secretaria.

2.º Do ministerio da justiça, participando que naquella repartição não existem informações algumas sobre a necessidade de se separar as notas dos quatro officios de escrivães do juizo de direito da comarca de Angra, e de crear quatro officios de tabelliães privativos de notas, e que sem ellas não póde o governo declarar a sua opinião sobre este objecto. — Á commissão de legislação.

3.º Do mesmo ministerio dando as informações sobre o titulo ou tabella legal, porque na camara ecclesiastica do Porto se recebem cellas propinas e emolumentos pelas collações, satisfazendo assim a um requerimento do sr. Pinto d'Almeida. — Para a secretaria.

SEGUNDAS LEITURAS.

Requerimento: — Requeiro que seja publicada no Diario do Governo a relação nominal dos accionistas do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha por Santarem, a qual foi remettida pelo governo á camara a pedido meu, e do sr. barão de Almeirim. Peço que a relação seja publicada tal e qual foi remettida pelo governo. — Corrêa Caldeira.

Foi admittida e approvado sem discussão.

O sr. Presidente. — Não sei se a camara quererá discutir desde já o parecer da commissão de poderes, sobre as eleições do circulo da Horta. (Apoiados) Então vai lêr-se:

É o seguinte:

Parecer (n.º 1 F): — A commissão de poderes examinou as actas e mais papeis do circulo eleitoral do districto da Horta, que se compõe das ilhas do Corvo, Flores, Fayal e Fico, e que dá 2 deputados; e verificou que as assembléas primarias das ilhas do Fayal e do Pico foram convocadas, e se reuniram no dia 9 de janeiro deste presente anno, mas que as assembléas primarias das ilhas das Flores e do Pico sómente se reuniram aquellas no dia 30 do mesmo mez, e as do Pico em 30 de abril ultimo: verificou mais que o apuramento geral dos votos se fez no I. de maio, e que fóra o numero de votantes em todas as assembléas primarias de 1335, e que foram votados os srs. Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos com 1:619 votos, Nicoláo Anastacio de Bettencourt 1;207, tendo é immediato sómente 329 votos.

Todo o processo eleitoral correu regularmente; excepto aquella irregularidade notavel da differença de dias, em que se reuniram as assembléas primarias, por não ser auctorisada, segundo parece á commissão, pelo artigo 111 do decreto de 30 de setembro de 11152, e excepto outras irregularidades de menos importancia que constam da acta do apuramento, e contra as quaes comtudo não houve protesto ou reclamação alguma.

Mas a commissão considerando, que as assembléas primarias das ilhas do Pico e Fayal, foram convocadas e funccionaram no mesmo dia 9 de janeiro, e que ahi o numero dos votantes fóra de 1428, quando nas ilhas das Flores e Corvo sómente votaram 4'20 dos 536 votantes que estavam recenseados; considerando mais que os 2 deputados eleitos tem uma grande maioria em relação ao nu meio dos votantes, e ainda mesmo quando se lhes descontassem todos os votos destas 2 ultimas ilhas, onde tambem um dos eleitos foi votado quasi unanimemente. por isso a commissão é de parecer que se deve approvar a eleição pelo circulo da Horta, a que devem ser proclamados deputados os srs. Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos, e Nicoláo Anastacio de Bittencourt, quando apresentarem os seus diplomas.

Sala da commissão 10 de junho de 1853. — Frederico Guilherme da Silva Pereira, presidente — Justino Antonio de Freitas, relator — José Maria do Casal Ribeiro — F. de Paula Castro e Lemos.

O sr. Justino ele Freitas: — Não posso deixar de communicar á camara, que houve no processo eleitoral uma irregularidade notavel, que vem a ser o ter-se procedido, nas ilhas das Flores e do Corvo, á eleição em dias differentes daquelles que estavam designados pelo governador civil, para ter logar a eleição. Não ha duvida que isto era uma nullidade insanavel, por isso a commissão tem muito melindre, e escrupulo em examinar todo o processo eleitoral, a fim de vêr se essa irregularidade podia influir no resultado geral da eleição. Mas como se procedeu á eleição no Fayal, e nas outras ilhas no mesmo dia, e sendo o numero de votos que obtiveram os eleitos, muito superior aos que tiveram nas freguezias em que se procedeu á eleição em dias differentes, ainda que tivessem concorrido a votar todos os cidadãos recenseados nas Flores e no Corvo, não póde essa irregularidade influir no resultado geral da eleição.

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No processo não houve protesto, nem reclamação alguma. Devo tambem ponderar á camara, que escapou mencionar no parecer, que o sr. Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos apresentou o seu diploma, e a commissão o acha legal. Por tanto póde ser proclamado deputado, uma vez que a camara approve a eleição.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, eu presto inteiro assentimento ás conclusões que tirou o illustre relator da commissão de poderes; mas não posso deixar passar esta occasião, sem fazer á camara breves reflexões a respeito do modo como correu o processo eleitoral, tanto no districto do Fayal, como no da Madeira.

Sinto que não esteja presente o sr. ministro do reino, a quem principalmente queria perguntar, se as informações que tenho a respeito do procedimento dos governadores civis, são verdadeiras.

Por documentos que foram presentes á camara pelo meu illustre amigo o sr. deputado Avila, prova-se que o governador civil da Madeira, depois de ler designado dia para se fazer a eleição em todas as assembléas daquella ilha, por seu mero arbitrio, e debaixo do pretexto, para elle plausivel, mas de certo não plausivel para todos os homens sensatos, e conhecedores da lei, alterou de novo este praso, daí mais a um mez; isto, como disse, sobre um pretexto para elle plausivel; mas a verdadeira razão é, que o governador civil, pelas informações que linha, intendeu que não estavam os negocios dispostos de maneira que elle podesse alcançar o resultado que esperava; e ainda bom que a eleição foi tal qual elle receava.

Mas na Horta aconteceu um facto ainda mais notavel, e irregular do que na ilha da Madeira: o governador civil, lendo designado dia para se fazer a eleição, por um alvará revogou a designação do dia, e fixou outro para mais tarde; facto que eu intendo inteiramente alheio ás suas obrigações; e, segundo as informações que tenho, o governador civil designou que as eleições se fizessem em dias differentes, nos diferentes concelhos, o que trazia infallivelmente a nullidade da eleição, tendo assim conseguido o seu fim, como acabou de dizer o sr. Justino de Freitas, se por ventura Os eleitos não tivessem tido um Ião superior numero de votos nos concelhos, em que a eleição se faz no dia marcado.

Se isto é assim; se pelos documentos que foram presentes á camara se prova a verdade deste facto, parece-me que a illustre commissão fazia bem introduzindo no seu parecer a censura devida a esta, infracção do decreto eleitoral, commettida por aquelle magistrado; porque todos sabem que, segundo o nosso systema de eleições, ellas fazem-se simultaneamente em toda a parte. Por isso, repito, se é verdade que o governador civil determinou que a eleição fosse feita nos differentes concelhos em differentes dias, concorreu assim para que o resultado da eleição fosse nullo.

Ha inda mais, sr. presidente; eu sei que a maioria dos portadores de actas do districto da Horta, estiveram por muito tempo na capital do districto, perdendo muito tempo, e com grave prejuizo dos seus interesses, esperando que se acabassem as eleições nos concelhos, onde o governador civil determinou que se fizessem mais tarde. Além disto houve muita demora em constituir-se a assembléa de apuramento, pela ausencia dos portadores das actas das ilhas das Flores, e Corvo; e os illustres deputados sabem, que a navegação entre a Horta e ilhas das Flores, é as vezes difficil, e muito pouco regular, porque não ha relações de commercio, que tornem a navegação activa, e constante; e o governador civil devia manda-los buscar em uma embarcação áquellas ilhas, como tem feito os seus antecessores.

Julguei do meu dever fazer sobre este objecto as observações que deixo expendidas, e espero que a illustre commissão as tomará em consideração, censurando no seu parecer o procedimento daquelle magistrado.

Em quanto ao diploma do sr. Menezes e Vasconcellos, visto que a commissão não faz menção delle no seu parecer, é mais conforme com os precedentes que a commissão apresenta um parecer especial sobre elle, do que fazer um additamento ao parecer.

O sr. Justino de Freitas: — Levanto-me para dizer sómente ao illustre deputado que, das actas e mais papeis que foram presentes á commissão, não consta aquillo que disse; é possivel que seja verdade, e estou propenso a acreditar o que o illustre deputado disso; mas a commissão não podia fazer obra senão pelos papeis que se lhe apresentaram. A respeito do diploma do sr. Menezes e Vasconcellos, a commissão não tem duvida em mandar para a mesa um parecer especial sobre elle,

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu não posso documentar os factos a que alludi; mas foram-me affirmados por pessoa a quem eu presto inteira fé; e por isso intendo que era conveniente, para evitar a repetição de outros similhantes, que no parecer se dissesse — a desigualdade da execução do processo eleitoral nos differentes concelhos de que se compõem o districto, proveiu, não das circumstancias imprevistas a que o illustre deputado alludiu, mas sim da ordem expressa do governador civil — e que este desvio da lei fosso censurado pela commissão, e que o governo desse as suas ordens para que taes factos se não repitam. Eis-aqui o que ou desejo que se faça; entretanto se a illustre commissão julga que não tem base para fazer esta declaração no parecer, proceda como quizer, porque eu pela minha parte intendo que satisfiz ao meu dever.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi o parecer posto á votação, e approvado.

O sr. Presidente: — Agora devia seguir-se a continuação da discussão sobre um incidente que ficou hontem pendente; mas eu devo ponderar que incidentes desta natureza não conduzem a resultado algum. (Apoiados) O facto é o seguinte; interpellou-se uma commissão; e a commissão deu as suas razões, que pareceram justifica-la; depois recalcitrou-se ainda a estas razões, e houve não pequena dicussão a este respeito; e a continuação delle só poderá conduzir á perda de tempo. (Apoiados) Portanto se os illustres Deputados que ainda se acham inscriptos para fallar sobre este incidente, que são apenas dois sobre a materia, o um sobre a ordem, attendendo a estas observações que acabei de fazer, quizerem prescindir da palavra, parece-me que utilisariamos assim melhor o nosso tempo. (Apoiados) Entretanto o sr. Maia é quem tem a palavra sobre a ordem.

O sr. Maio (Francisco): — Sr. presidente, v. ex.ª preveniu-me no que tinha a dizer. Eu tambem in-

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tendo que não se consegue fim algum com similhante discussão, além de que corre-se o perigo da camara presencear alguma scena desagradavel; assim como intendo que segundo o regimento a camara não deve consentir que se gaste tempo com discussões, que não conduzem a resultado algum. Pediu-se a uma commissão que tomasse em consideração um negocio; a commissão respondeu a isto; por consequencia o negocio deve julgar-se terminado. Portanto conformo-me inteiramente com as reflexões que v. ex.ª acabou de fazer, pedindo que consulte a camara, no caso que v. ex.ª se não julgue auctorisado para o fazer, para dar por terminado este incidente.

Consultada a camara, resolveu-se que se desse por terminado o incidente.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta sollicitando a publicação de alguns esclarecimentos, que julgo indispensaveis para o perfeito conhecimento de causa, a respeito de um assumpto importante. Todos sabem que por um decreto da dictadura (que já foi tambem alterado) se determinou que a contribuição predial se fizesse por meio de repartição; houve alguma discussão a este respeito, e esta mesma discussão provou haver uma falla de dados a respeito do objecto que se tractou. Em verdade custa-me a decidir a favor de um systema qualquer, quando a respeito deste mesmo systema se não tem feito os estudos indispensaveis para que se possa estabelecer o termo da comparação sobre a excellencia deste, a respeito de outro qualquer systema.

Confesso que já fui muito mais enthusiasta da decima de repartição do que hoje sou; confesso que desde 1846 até hoje as minhas idéas tem-se modificado um pouco a este respeito e tem-se modificado na presença das occorrencias que teem tido logar, não só neste paiz, mas nos paizes estrangeiros. Se acaso houve um tempo em que não padeceu duvida a excellencia deste imposto, hoje confesso que posso invocar a auctoridade de homens muito competentes nesta materia, que a dizer a verdade, ou mostram uma grande indifferença a respeito da excellencia deste imposto, ou então o combalem. Eu podia citar nomes de auctores francezes, muito competentes, que dão a preferencia ao systema inglez sobre o systema de contribuição de repartição.

Se examinarmos a historia deste imposto, veremos que elle foi estabelecido em França, em 1791; e foi estabelecido para obviar ao estado violentissimo em que existia a Fiança, estado que se póde considerar semi-feudal; foi estabelecido para substituir a grande desigualdade do imposto que existia com uma forma mais viciosa. Todos sabem que nos primeiros annos, bem longe de se obter a igualdade deste imposto, nunca os clamores foram ião fortes como nessa época. Eu podia citar nomes de auctoridades, que tractando deste assumpto dizem — que nunca houve uma desigualdade tão atroz, como aquella que teve logar nos primeiros annos em que se estabeleceu esta contribuição; que nunca houve reclamações tão fortes contra a desigualdade da contribuição do imposto, como houve em Fiança, nos primeiros annos em que se tractou de estabelecel-o alli. E note-se, que lá estabeleceu-se este imposto em uma somma muito inferior áquella em que importava o producto do imposto que a contribuição de repartição devia substituir. Eu tambem podia citar um exemplo que se passou em Hespanha não ha muitos annos, quando em 1845 este imposto foi substituir a alguns cem impostos, e contribuições dê provincia para provincia, e de classe para classe; mas nisto houve um pensamento de igualdade, que a dizer a verdade parece que não existe entre nós. Entre tanto vejo nos jornaes hespanhoes queixarem-se da desigualdade da repartição de impostos.

Ora isto não é querer emittir uma opinião sobre este assumpto na occasião em que elle se não discute; mas o que quero dizer é, que se não póde definitivamente estabelecer um systema, sem primeiro se entrar no estudo que nos leve a decidir por elle; e isto tem relação com o ponto da proposta que vou mandar para a mesa.

Não se diga — que não se obtem a igualdade do imposto entre nós, por isso que avultam as pequenas quotas com violencia para umas classes, deixando as outras classes fóra do imposto. — Em primeiro logar devo declarar, que não se póde estabelecer desde logo que ha violencia, pelo grande numero de quotas que existem a respeito do imposto; e em segundo logar direi, se isto fosse argumento contra o imposto, foi elle o argumento que se empregou em França para demonstrar a grande vantagem que d'aqui resultava, porque isso demonstrava a melhor divisão da propriedade.

Por consequencia se nós desprezarmos as pequenas quotas no nosso imposto de contribuição directa, e se formos procurar outro imposto para o substituir, fiquemos persuadidos que entre nós não ha de succeder o que succedeu em Inglaterra; lá mesmo, segundo o ultimo plano financeiro, tractou-se de fazer descer o imposto, e augmentar o numero de pequenas quotas; naquelle paiz, onde a propriedade está menos dividida, onde a propriedade é mais forte, intende-se que o estado não póde subsistir sem o numero das pequenas quotas. Ainda ultimamente o lord chanceller exchequer Gladstone, propoz que o imposto que estava estabelecido de 150 libras esterlinas, descesse até 100; e comtudo todos sabem como a propriedade está dividida em Inglaterra. Isto é facto que se não póde dar em nenhuma outra nação.

Por consequencia, sr. presidente, eu intendo que quanto maior fôr o numero do factos que nos leve a conhecer o objecto, maior segurança teremos de acertar em assumpto tão grave. Eu mando para a mesa a seguinte proposta. (Leu)

Tambem vou mandar para a mesa uma nota de interpellação sobre um assumpto que julgo muito grave. Ha pouco tempo que em Lisboa foram prezas diversas pessoas, umas por se lhes imputar o fabrico de sabão, e outras por serem accusadas de cultivar erva sancta. Consta-me que estas prisões augmentam de gravidade na presença de um projecto de lei que foi apresentado nesta camara para a rescisão do contracto do tabaco; projecto que foi apresentado ha 3 mezes; por consequencia julgo que é necessario que todo o paiz saiba a resolução que a este respeito se ha de tomar; intendo que esta suspensão, esta especie de reticencia parlamentar a respeito de um assumpto tão grave tem grandes inconvenientes para o paiz. Mando pois para a mesa a seguinte

Nota de interpellação: — Proponho que seja convidado o sr. ministro da fazenda a responder a uma interpellação que desejo dirigir-lhe acêrca da rescisão do contracto do tabaco. — Carlos Bento.

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O sr. Presidente: — Em quanto á interpellação far-se-ha a communicação respectiva. A proposta fica para segunda leitura.

O sr. Bordallo: — Sr. presidente, eu levanto-me para fazer uma pergunta á commissão das obras publicas; mas começarei por declarar que náo desejo fazer-lhe a menor injustiça, nem irrogar-lhe injuria; o meu caracter é inteiramente inoffensivo, por consequencia não posso querer offender ninguem, e muito menos a commissão das obras publicas, porque conheço o seu zelo e muitas outras qualidades que a tornam digna a todos os respeitos. Entretanto passa de um mez que eu apresentei u n projecto de lei ácêrca de algumas estradas na Beira, e principalmente a respeito da estrada da Foz-Dão á Barca de Alva, e ha grandes e fortes Reclamações das camaras municipaes, para que se faça aquella estrada.

Effectivamente na provincia da Beira, apezar das duas grandes vias fluviaes o Douro e o Mondego, está o commercio muito entorpecido, e já aqui se apresentou uma representação da camara municipal de Gouvêa em que se dizia que o alqueire de sal alli custava 16 vintens, e isto que acontece naquella localidade, verifica-se, por assim dizer, em todas daquella provincia. É por esta razão que eu desejava que a illustre commissão das obras publicas dissesse se já se tinha occupado deste meu projecto, ou se vai occupar-se delle, e pedia-lhe que quanto antes désse o seu parecer.

O sr. Placido de Abreu: — A commissão de obras publicas tem-se occupado com assiduidade do trabalho que está a seu cargo, e em poucos dias apresentará á camara, talvez na segunda ou terça feira, um relatorio circumstanciado relativamente aos pontos que a commissão intende que se devem seguir na administração deste ramo importante do serviço publico. Por essa occasião ha de apresentar a commissão um projecto de lei para o governo ser auctorisado a proceder á construcção de differentes estradas do reino, nos pontos em que isso se possa fazer com o movimento que resultar das mesmas estradas, isto é, onde o rendimento dessas estradas seja sufficiente para se proceder á sua construcção; além disso apresentará lambem a commissão a sua opinião relativamente á maneira como deve ser applicado o imposto de 15 por cento, que é consignado para as estradas, objecto a de que a commissão se tem occupado por muito tempo, e sobre o qual ha um accordo unanime na commissão, porque rendendo esse imposto 203 contos, se forem applicados para todas as estradas de que precisa o paiz, fica um real para cada uma, e por consequencia inutilisar-se-ia o imposto. A commissão pois considerando a divisibilidade desse imposto em relação a attender ás precisões mais urgentes dos povos, apresenta a sua opinião, e apresenta-a com franqueza e lealdade, e permitta-se-me dizer, apresenta-a despida para assim dizer de interesses de campanario, não attendendo mais a um districto do que a outro.

(Alguns srs. deputados pediram a palavra.) O sr. Presidente: — Observo que este incidente vai progredindo, sem que se possa chegar a um resultado; de mais a mais tenho razões para crêr que a commissão das obras publicas tem o seu parecer prompto, e na occasião delle se discutir, é que podiam ter logar as reflexões dos srs. deputados.

O sr. Bordallo: — Eu começarei p ir agradecer ao illustre deputado a franqueza com que me informou dos trabalhos da commissão. Eu já disse que fazia justiça inteira á commissão, e continúo a fazer-lha, e para isso não era necessario que ella apresentasse os seus trabalhos; mas permitta-me o illustre deputado que lhe diga, que neste meu empenho não ha interesse de campanario sómente; sou eu e todos os illustres deputados pela Beira que nos interessamos neste objecto (Apoiados) nem podiamos deixar de interessar; e permitta-me ainda o illustre deputado que lhe lembre, que sendo aquella a maior provincia do paiz, é de certo a que mais tem gasto para obras publicas e para estradas; é por esta razão que eu espero que a illustre commissão tenha alguma contemplação com ella.

O sr. Justino de Freitas: — Aproveito a occasião para chamar a attenção da commissão das obras publicas, sobre um projecto que apresentei haverá 3 mezes, para a canalisação e melhoramento dos campos do Mondego, e sobre o do sr. Vasconcellos e Sá, que tambem apresentou outro. Elle negocio é de tal importancia, que já o governo o anno passado intendeu que devia offerecer tambem um projecto sobre esta materia, e eu intendo que a commissão das obras publicas faria um grande serviço, se se occupasse? della, porque tracta-se não só dos interesses de uma grande porção de habitantes que têem as suas propriedades naquelles campos, mas sobretudo da saude publica. (O sr. Pinto de Almeida: — E da vida de muita gente) E sabido que desde Coimbra até á Figueira, a maior parte daquelles campos, pelo alteamento do rio alagam-se, e quasi sempre as colheitas se perdem; mas sobretudo a saude publica soffre. Tem-se reclamado ao governo providencias, o governo apresentou no anno passado um projecto, e eu não fiz mais que modificar o projecto do governo, e sollicitar a attenção da commissão de obras publicas a respeito delle. Eu já tenho fallado com cada um dos seus membros a este respeito; tenho feito valer as relações de amizade que tenho com todos elles; mas como vejo que este negocio se demora, tenho a lembrar novamente II illustre commissão queira dar o seu parecer quanto antes.

Por esta occasião mando para a mesa o parecer da commissão de poderes, que acha legal o diploma do sr. deputado eleito pela Horta, Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos. (Leu-o)

O sr. Placido de Abreu: — Pelo que disse ha pouco, verá V, ex.ª e a camara, que a commissão das obras publicas não se tem descuidado dos trabalhos que lhe estão commettidos; mas ella está hoje occupada com objectos de summa gravidade, que não póde pôr de parte, e logo que os conclua, tractará do projecto a que alludiu o sr. deputado, a quem eu já manifestei que é negocio que tenho muito a peito.

Foi approva-lo sem discussão o parecer da commissão de poderes, julgando legal o diploma do sr. deputado eleito pelo circulo da Horta, Luiz de Almeida Menezes e Vasconcellos e em seguida o sr. presidente o proclamou deputado da nação portugueza.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, pedi a palavra para renovar a iniciativa do projecto de lei n.º 73, apresentado na sessão passada pelo sr. Seabra, quando ministro da justiça, que auctorisa o governo a applicar os bens dos convenios de freiras,

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que forem vogando, para a sustentação de outros conventos, para collegios de educação do sexo feminino, e para outros fins.

De todos os bens nacionaes de que o estado se apropriou em 1831. os unicos que restam ainda são os das freiras, e se á proporção que os conventos forem vagando, os seus bens forem lançados na voragem do thesouro, esses bens desapparecerão, e delles não resultará nenhum proveito para o paiz. Mas é necessario que se tire proveito desses bens; é necessario olhar com attenção para a instrução do sexo feminino, sem a qual não póde haver instrucção na sociedade, porque quando as mais sabem ler, tambem os filhos sabem, e pela educação das mãis é que se deve começar. Para isto é necessario que se estabeleçam no paiz muitos collegios, e não julgo que a instrucção da mocidade possa ser verdadeiramente fecunda, quando não é ligada com a instrucção religiosa. Entre nós a instrucção profana não tem provado tambem como a instrucção religiosa; não ha nunca na instrucção profana nem a disciplina, nem a ordem, nem os principios que ha na religiosa.

Por isso, sr. presidente, eu tenho muitos desejos de que a camara se occupe deste projecto, e nesta idéa é que renovo a iniciativa delle, e peço a v. ex.ª que o faça remetter á commissão de instrucção publica, a fim de que ella dê ácerca delle o seu parecer quanto antes, fazendo-lhe aquellas modificações que julgar de absoluta necessidade.

Sr. presidente, como tenho a palavra, fallarei tambem sobre outros objectos. Quando ha dias mandei para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino e da justiça sobre a segurança publica no districto do Porto, acabava de saber o triste estado em que estavam alguns concelhos daquelle districto, onde se commettiam assassinatos impunemente, onde a auctoridade não tem força nem mesmo vontade de perseguir os criminosos. Ha muito tempo que se presagiava a desgraça que ha pouco alli aconteceu, mas as auctoridades não tractaram de a prevenir, e depois della os seus auctores teem commettido outras tentativas de assassinatos.

É da maior urgencia que se tracte deste negocio, porque sem segurança publica não póde haver ordem nem prosperidade de ramo algum. As pessoas que estão mettidas nas cidades do Lisboa e Porto onde ha guardas municipaes bem organisadas e bem disciplinadas, que podem a toda a hora do dia e da noite correr as ruas sem o mais pequeno risco nem mesmo receio, não avaliam como devem, o estado de segurança publica nas provincias, não sabem os riscos que lá se corre, o susto em que estão os proprietarios vendo todos os dias ameaçadas suas vidas e propriedades. Acredito que o sr. ministro do reino e da justiça não se ha de ter descuidado deste negocio, e que lerá tomado algumas providencias, mas desejo que o paiz saiba que essas providencias se tomaram, e pela minha parte quero que os meus constituintes conheçam que não me esqueço deste negocio, e que diligencio que a camara e o governo o attendam.

Concluo pedindo á commissão de instrucção publica que apresente com a brevidade possivel o seu parecer sobre o projecto que lhe foi devolvido ácerca da jubilação dos professores, e o apresente á camara de maneira que possa ser discutido nesta sessão. Eu não desejo que a commissão apresente um projecto muito desenvolvido porque para isso não haveria tempo, e eu não creio que seja a missão dos parlamentos nos governos representativos entrar nos detalhes; eu creio que a nós nos cumpre votar as theses, e que o mais se deve desenvolver por meio de regulamentos. De outra sorte não póde de maneira nenhuma chegar o tempo; e creio que é porque senão tem entendido assim a natureza dos governos representativos, e se tem querido entrar nos detalhes, que nos não tem chegado o tempo para cousa nenhuma.

O sr. Presidente: — Eu quanto á renovação da iniciativa do projecto de lei a que se referiu, peço ao illustre deputado que mande para a mesa a competente proposta. Agora em quanto á recommendação que fez á commissão de instrucção publica, os membros dessa commissão estão presentes, ouviram o que o illustre deputado disse, e farão o que intenderem.

O sr. Affonso Botelho: — Sr. presidente, em differentes cai las que tenho recebido de diversas partes das provincias se me tem recommendado muito que promova o fazer-se nesta camara uma explicação á lei de 5 de novembro de 1811, relativamente ás dividas dos conventos.

O illustre deputado por Coimbra, o sr. Pinto de Almeida renovou a iniciativa de um projecto que se apresentou na camara passada ácerca deste objecto, e eu peço a v. ex. que recommende á respectiva commissão que quanto antes haja de trazer a camara a solução deste negocio; porque é da maior conveniencia, não deixar por mais tempo os devedores no mesmo estado de embaraços em que se acham; elles desejam pagar, mas não sabem que hão-de fazer.

O sr. Justino de Freitas: — Pedi a palavra por parte da commissão de fazenda para declarar, que a commissão tem tomado em consideração aquelle objecto a que alludiu o illustre deputado, tem já o projecto formulado; mas intendeu que não podia nem devia apresenta-lo á camara sem primeiro ler ácerca delle uma conferencia com o sr. ministro da fazenda, e para essa conferencia já o sr. ministro foi convidado, e logo que ella tenha logar, o parecer respectivo virá com brevidade á camara.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha, indeferindo a pertenção dos officiaes de marinha, e da extincta brigada, que foram reformados em virtude do decreto de -23 de outubro de 1851. O parecer é o seguinte (Leu).

O sr. Placido de Abreu: — No projecto que tive a honra de apresentar nesta camara, relativamente nos bachareis da universidade, e que vem publicado no Diario do Governo, ha um erro de imprensa de que peço a v. ex. que recommende aos tachygrafos que tomem nota para ser emendado, e vem a ser = onde se diz — primarias, deve dizer-se primazias, e isto é no artigo 5.º do referido projecto.

Aproveito tambem a occasião para dizer, que quando teve logar a discussão ácerca dos terrenos occupados pelas linhas de fortificação de Lisboa, no extracto do meu discurso que vem publicado no Diario do Governo, attribuiram-se-me opiniões que eu não proferi; — porque, em quanto aos pontos capitaes não disse o que se me attribuiu, mas sim, que os pontos capitaes eram fixos, que eram sempre aproveitaveis, e por consequencia que eram invariaveis — E quanto aos pontos intermedios tambem não disse, como vem no Diario do Governo, que eram

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Invariaveis; — o que eu disse foi que os pontos intermedios não importavam para nada, e que eram variaveis. — Por tanto faço esta rectificação, para que se me não fique attribuindo opiniões, que eu não emitti.

O sr. Breyner. — Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha, sobre as alterações feitas na camara dos dignos pares ao projecto, relativo á annullação da reforma dos officiaes de marinha indicados no mesmo parecer.

O sr. Macedo Pinto. — Mando para a mesa um parecer da commissão devindes, que conclue por um projecto de lei (Leu).

O sr. Garcia Peres. — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo (Leu).

O sr. Presidente — Tanto o requerimento, como os pareceres que foram mandados para a mesa, ámanhã se dará conta delles, para terem o devido destino.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 17, e parecer n.º 38 da commissão de fazenda.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, espero que não hei de fatigar a camara, porque me não posso fatigar a mim, e até não lei ia vindo á camara, se me não tivesse ficado a palavra reservada, porque O meu estado de saude talvez me não permitta VII a algumas sessões. Por consequencia não entrarei mui largamente na materia; e limitar-me-hei unicamente a fazer breves ponderações em defeza da commissão de fazenda.

Sr. presidente, tem-se querido fazer acreditar, que a commissão de fazenda quer muito mal aos membros do estado ecclesiastico, e ainda muito mais á dos parochos, e até já um amigo meu me avisou, de que fazia muito mal em votar contra o projecto da commissão ecclesiastica, e por consequencia contra os parochos, porque d'ahi resultaria o eu não tornar a ser deputado; porém seria esta unia rasão de mais para votar contra, se não consultasse só a minha consciencia, por isso que não desejo voltai á camara; e hei de fallar á minha vontade, porque a ella não vim para cortejai individuos, nem classes, mas para dizer aquillo que intendo, e conforme o intendo. Nunca fiz o contrario em toda a nimba vida, e espero não mudar. A cadeira de deputado será um rosal para alguem; eu das rosas só tenho encontrado os espinhos

Sr. presidente, estou capacitado que por meio deste projecto não se fez beneficio nenhum á classe que se quer proteger; e alem disso o projecto é injusto, porque estabelece uma desigualdade, e uma desigualdade no systema representativo é uma decepção completa.

Nenhum dos membros da commissão de fazenda, bem como nenhum dos srs. deputados que tem fallado contra o projecto n.º 17, suppõe que o clero esteja dotado como deve estar; nós bem sabemos que já não existem em Portugal canonicatos, abbadias, e beneficios simples; mas tambem nenhum emprego publico está retribuido em relação ao trabalho, ao encargo, e mesmo a certo fausto que é preciso ter na sociedade; isto infelizmente acontece assim, porque não temos meios para retribuir melhor o serviço publico. Os bispos, por exemplo, que tem 2$400 réis nominaes de congrua (porque é tambem congrua, e mais tarde hei de tractar desta materia) não estão dotados de sorte que possam subsistir como devem, e que possam de mais a mais ser esmoleres como o eram os bispos n'outro tempo; e depois das reducções que essa congrua soffre, ficam muitissimo peior dotados, do que o estão alguns conegos; e ha ainda algumas igrejas em Portugal, que rendem para os parochos mais do que todos os bispados, ao mesmo tempo que ha outras que rendem muito pouco, ou quasi nada. E foi em attenção a este facto, que não duvidei assignar o parecer da commissão de fazenda, no qual se dá o conselho, que é verdade que não foi pedido, mas multas vezes se aproveitam conselhos, muito embora não pedidos, de arredondar as freguezias, a fim de que não appareçam, como apparecem aqui mesmo ás portas de Lisboa, freguezias com 40 e tantos fogos, e em Lisboa algumas com 100 e tantos, em quanto outras tem 1:000 e 2:000 fogos. Porque acontece isto, é que a commissão de fazenda commetteu o sacrilegio de aconselhar a conveniencia de arredondar as parochias, arredondamento que tem sido muitas vezes pedido na camara, e que não ha uma junta geral de districto em que não se peça.

Em quanto esteve em discussão da primeira vez o projecto ria commissão ecclesiastica (projecto a que chamarei tambem innocente, usando de uma frase que tenho visto tambem empregar por parte de algum membro da commissão ecclesiastica) nenhum membro da commissão de fazenda disse uma unica palavra a respeito delle, ainda que algum não deixasse de se arripiar de approvar um projecto, cuja extensão era absolutamente desconhecida, mas hoje não o é já, e já se sabe que foram os parochos, não de uma provincia, mas de um concelho, e não todos desse concelho, os que vieram requerer á camara; o vieram porque tendo recorrido ao conselho de listado, alli não acharam provimento. E porque não acharam provimento. Porque a sua pretenção se oppunha o codigo administrativo, e além do codigo, portarias ineditas, pelas (quaes differentes ministros teem sido de opinião que os parochos estão sujeitos as contribuições municipaes directas e indirectas, assim como todos Os outros moradores dos concelhos, em conformidade com a disposição do § unico do artigo 139.º do codigo administrativo.

Eu tenho dado provas de que não gosto de fantasmagorias, e por isso não quero que no orçamento se diga — o empregado tal tem tanto, quando effectivamente elle tem uma quantia muito menor; unis aos parochos não acontece isto, e se elles tivessem sido comprehendidos na regia geral de todo> os servidores do estado, e suppondo que estes apenas soffriam a reducção de 10 por cento, os parochos tambem estariam sujeitos a essa reducção; mas estando elles isentos da decima, computando as congruas pela maneira porque ellas estão actualmente lotadas em todo o paiz, os parochos lucram pelo menos 90 contos de reis cada anno, porque em tanto imporia a decima que leriam de pagar, se della não estivessem isentos, e deste beneficio não gosa nenhum servidor do estado; mas se quando esse beneficio se estabeleceu, eu não teria votado por elle, tambem hoje não votarei porque seja abolido, porque estou persuadido que ha muitos parochos que teem muitissimo menos

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do que o necessario para acudirem á sua congrua sustentação, que quer dizer, o indispensavel para viver: assim como é o indispensavel para viver que querem tambem dizer as congruas de todos os individuos do cléro, pertencentes ás outras jerarchias, as quaes tem sido diminuídas á proposição que aqui nesta casa se tem ido augmentando os tributos. Ora se eu não sou de opinião que se diga — o empregado tal tem tanto, quando effectivamente elle não tem isso, em consequencia das reducções que se lhe fazem, não quero por maneira nenhuma que agora se vá fazer o mesmo relativamente aos parochos; e espero que Deus me dará vida até chegarmos á época em que acabe esta fantasmagoria e as deducções passem a ser reducções. (O sr. Cezar de Vasconcellos: — A reducção é sempre mais justa que a deducção). São os meus principios. Infelizmente outra cousa é o que se faz, por que nesta terra até se dá a seguinte anomalia — para o empregado receber serve a deducção, mas para elle se encartar é como se não existisse — de maneira que se encarta pelo nominal, e recebe pelo real, o que é uma cousa altamente injusta na minha opinião; mas como remediar isto no estado actual das nossas finanças seria ir diminuir consideravelmente uma verba de receita, e nós temos gasto aqui 5 mezes, e devemos ir-nos embora, não é possivel nesta sessão tractar deste objecto; mas quando se quizerem organisar devidamente as finanças, ha de acabar isto de estarem a figurar vencimentos que não existem. Ora o pensamento da commissão de fazenda é que não só a classe dos parochos, mas todo o clero precisa ser dotado convenientemente, e eu ainda que ouvi aqui dizer alguma cousa contra a contribuição directa, não sou inimigo della. A época de ser admittida como regra, póde ser ou já ou mais tarde, mas do principio não sou eu inimigo, nem me acho disposto por ora a revoltar-me contra elle. E se a illustre commissão ecclesiastica apresentasse um projecto para dotar convenientemente o clero, para sei reduzida a area dos bispados, para se reduzirem tambem as freguezias, podia contar com o meu voto, embora se augmentem os fundos necessarios para isso, com tanto que sejam incluidos na contribuição geral, porque é necessario acabar com o estado de dependerem os parochos immediatamente dos seus parochianos, o que é muito inconveniente. Ha 19 annos que se procura organisar os differentes ramos de administração do paiz, e ainda não chegou a verdadeira organisação.

Nós não temos perfeito e cabal conhecimento, especialmente pelo que respeita aos ultimos annos, da importancia dos tributos municipaes. Esses tributos em uns concelhos são lançados por uma fórma, e em outros por outra, e ha mesmo a grande desigualdade dos concelhos velhos serem cotados a favor do estado com a terça do seu rendimento; (Apoiados) imposto contra o qual ha reclamações constantemente. (Apoiados)

Em todas as legislaturas e nesta mesma quasi todas as camaras municipaes teem reclamado, em quanto a mim com razão, porque o facto de serem proprietarias torna-as de uma condição peor do que as outras que o não são. Em sendo os parochos alliviados da contribuição municipal, lá vai o imposto sobrecarregar os outros moradores do concelho. Ora eu perguntarei se é de justiça que isto aconteça? No mesmo concelho cujos parochos viciam trazer a sua queixa á camara, lá foi collectado um official de diligencias que tem 60$000 réis, e foram tributados todos os outros empregados nas mesmas circumstancias.

Mas eu já hontem observei que em toda a parte, onde ha parochos que foram collectados, montam as contribuições municipaes directas e indirectas a 180 contos de réis, por consequencia apenas virá a tocar um cruzado novo a cada um. E quantos são os parochos reclamantes? Nós não vemos o numero, mas ouço dizer que são 7.

Sr. presidente, eu não quero fatigar a camara, vejo que ella reconhece a conveniencia e a necessidade absoluta de se não andar com medidas interinas, pequeninas, e ridiculas, que não curam mal nenhum, que deixam ficar tudo no mesmo pé em que estava, e que só podem servir para cousas que melhor era não se suscitassem.

Eu não preciso dizer como tenho ouvido a alguns dos meus collegas, que sou catholico romano, porque todos sabem que o sou, e tanto como aquelles que o são; e até já ouvi dizer n'um áparte que me chamavam carola; não tenho duvida em dizer que o sou, porque pertenço a uma irmandade, mas não sou levado até ao fanatismo religioso.

Estou capacitado que não são só os parochos que precisam ser convenientemente dotados, são tambem os prelados e são os conegos. Já tenho ouvido fallar nos grandes vencimentos de conegos, mas a isto direi que os da sé têem no anno muito menos do que o que recebiam os da antiga bazilica de Santa Alaria, só nos grossos que era uma historia de uma festa que havia no dia de S. João. Não tem nada isto com a questão, mas eu só queria dizer que me parecia indecoroso (mas quero dize-lo baixinho) que os vencimentos dos conegos estejam reduzidos a tal ponto que alguns delles precisem, e se vejam obrigados a servirem capellas particulares para terem com que subsistir.

Ora se todos nós estamos convencidos disto, se todos os nobres deputados concordam em que o clero não está perfeitamente dotado, qual é o motivo por que não havemos de tomar uma medida importante e real, que é reclamado ha tanto tempo? Vamos a ella, e conte a illustre commissão ecclesiastica com o voto sincero da commissão de fazenda, no menos da sua maioria, que partilha a mesma opinião, e de muitos dos membros da camara.

Para vêr se é possivel conseguir-se este fim, mando para a mesa uma proposta, concebida nos seguintes termos:

Proposta: — Proponho que os projectos n.º 17 e 38 voltem á illustre commissão ecclesiastica, a fim de apresentar á camara uma medida que não só defira, porém melhore a sorte do cléro, e com especialidade a dos parochos. — Santos Monteiro.

Sendo apoiado este adiamento, entrou em discussão.

O sr. Dias e Sousa: — Sr. presidente, eu começo por achar digno de reparo que o illustre deputado que acabou de fallar, tendo entretido duas sessões em debater a materia do projecto, concluisse de um modo que, por assim dizer, parece tirar a palavra áquelles que a tinham para fallarem tambem sobre a materia. Não é isto muito proprio do costume e practicas parlamentares mais regulares, e não esperava que fosse o illustre deputado quem propozesse esta idéa,

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Eu declaro que nunca o faria, nem proporia similhante adiamento.

Alas depois disto devo dizer que o adiamento que se propõe, é para as calendas grega, é um adiamento indefinido, por isso ha uma grande difficuldade, que o nobre deputado de certo na sua intelligencia devia prevenir, em que se apresente um projecto que proveja absolutamente a todas as necessidades do clero, difficuldade que não me demoro em expor. Mas toda a camara póde avaliai no complexo da medida as difficuldades nas circumstancias actuaes; mesmo a quasi impossibilidade de aqui se apresentar um projecto que satisfaça completamente a todas as necessidades da igreja luzitana, desde o ultimo parocho até o primeiro dos ministros que servem o altar.

Por tanto assento que é muito melhor que a camara resolva que este projecto não póde ser approvado, e depois da discussão, rejeita-lo, mas continue-mos esta discussão, e tomemos depois a deliberação que na nossa consciencia considerarmos que é mais justa. Eu declaro que qualquer que seja a resolução que a camara tome, intendo que o voto dos illustres deputados nunca póde trazer nenhuma idéa offensiva á classe de que se tracta (Apoiados de todos os lados) Desde já rejeito completamente toda a idéa de que nesta parte haja um unico deputado que, sendo catholico, como todos nós temos necessidade de o sei, até porque assim o juramos quando entramos nesta casa, em cujo animo entre o mais leve pensamento de offensa a classe dos parochos, e ás idéas religiosas que nós todos lemos obrigação de sustentar. Por consequencia deixemos essas generalidades; são cousas estranhas a todo o nosso sentimento religioso a bondade ou maldade do projecto em discussão; affastemos para longe essas ideas.

Concluo declarando que não approvo o adiamento.

O sr. Alves Martins — Sr. Presidente, eu pouco mais tenho que dizer depois do que acaba de dizer o sr. Dias e Sousa. E para admirar que o sr. Monteiro tendo pedido a palavra para tractar a materia, e havendo declarado que a queria tractar a fundo, isto é esclarecer a camara, usasse largamente da palavra para no fim concluir por um adiamento que importa o não se tractar mais da questão em quanto se não decidisse e melhorasse definitivamente a sorte do clero.

O sr. Santos Monteiro, disse, que ha 10 annos se anda a querer organisar o clero, e que até agora nada se tem feito. A isto responderei que, se ha 19 annos se anda a tractar deste objecto e nada se tem podido conseguir, como e que o illustre deputado quer que a commissão ecclesiastica de um momento para o outro, traga á camara um projecto em que não só se defina a sorte do clero, mas com especialidade a dos parochos? Perguntarei se esta organisação que se propõe, e que na minha opinião tambem intendo se deve fazer, tem alguma cousa com o remediar os males que os parochos de Barcellos estão soffrendo; e de que requerem ser alliviados?

O illustre deputado disse tambem que este projecto não valia nada, porque o que o parocho viria a deixar de pagar, se elle fosse approvado, seria um crusado novo. Pois se isto assim é, então qual é o motivo porque o illustre deputado tanto combate o projecto?

Não sei para que é voltar de novo o parecer á commissão ecclesiastica: a commissão está toda de accôrdo na adopção do projecto, e por tanto, parece-me melhor dizer — não se quer o projecto — do que estar com rodeios que nada servem e de que se não tira proveito nenhum.

A medida geral porque o illustre deputado espera, não é Ião facil de apresentar como se imagina. Não é facil vir a commissão ecclesiastica apresentar á camara um projecto sobre um ponto tão grave, como é a dotação geral do clero. A commissão ecclesiastica sabe as difficuldades que tem de encontrar na apresentação de um projecto, que abranja todas as classes do sacerdocio, e intendo que isto não é tão facil, não só pela altura em que vai a sessão, mas por muitas outras circumstancias, e porque é uma medida que se não póde fazer no parlamento. A organisação do clero portuguez tem circunstancias, e entram nella elementos que não podem VII para a camara, nem se podem fazer agora. Pois se isto é assim, para que adi II o projecto? Para que se ha-de esperar pela organisação do clero, para se fazer justiça áquelles que a pedem? Quando e que essa organisação ha-de vir?

Por todos estes motivos pois, e porque não quero cançar a camara, espero que ella rejeite o adiamento proposto, que na verdade é um tanto celebre.

O sr. Santos Monteiro — O illustre deputado acabou dizendo que o adiamento era um tanto celebre, mas o que me parece mais celebre é o querer-se transtornar tudo quanto eu disse, porque, quando comecei, logo reflecti que não fazia tenção de entrar largamente na materia, olé mesmo porque o meu estado de saude me não permittia.

Este projecto n.º. 38 contém uma substituição offerecida pelo sr. Mello Soares, a que o illustre deputado que me precedeu disse, devia entrar nas medidas geraes; e foi com relação ao pensamento destas diversas propostas que eu propuz o adiamento. Ora eu confesso que fiquei pasmado de vêr que se mandava igualmente para medidas geraes, uma outra substituição do sr. Bordallo.

Intendo que esta substituição não devia ficar para medidas geraes; e que, pelo contrario, ella é que explica aquillo que até agora se não tem querido explicar.

Não sei realmente as grandes complicações e difficuldades que podem haver na organisação e dotação do clero, nem sei tambem onde esse decreto, lei, ou o que quer que é, que se julga indispensavel, se deve fazer, a não ser na camara Eu perguntaria ao illustre deputado o sr. Alves Martins, onde e que deve ser feita a organisação do clero?

Sou muito franco, e por isso não digo que a commissão ecclesiastica confeccione o seu projecto, e o traga á camara para ser discutido ainda nesta sessão; mas o que é certo, é, que a illustre commissão ecclesiastica se se tivesse querido occupar desta maioria, tinha tido tempo para o fazer durante 5 mezes em que a camara se acha aberta, e não me consta que da commissão ecclesiastica viesse á camara outra cousa que não fosse o projecto n.º 17: pelo menos não vi mais nada.

Ora, sr. presidente, se se conhece que é preciso organisar todos os ramos do serviço publico que o não estão; se se reconhece a necessidade absoluta de um projecto que abranja a dotação do clero; se se conhece isto, como é que se ha-de fazer simplesmente uma lei para deferir a um requerimento de

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5 ou 7 parochos de um concelho? Realmente é gastar o tempo inutilmente! Eu queria dar á illustre, commissão ecclesiastica, a gloria de apresentar uma cousa que lhe desse nome, mas o projecto em discussão de certo lho não dá.

Por ultimo direi, que se o adiamento não fôr approvado, como julgo de conveniencia que o seja, então hei-de fazer toda a diligencia para tractar da questão, como ella deve ser tractada. Propuz o adiamento, e já se sabe — o pai não rejeita o filho. —

O sr. Carlos Bento. — Peço que a materia do adiamento se julgue discutida.

Julgou-se discutida, e foi rejeitado o adiamento por 49 votos contra 47.

O sr. Presidente: — Continua por consequencia a discussão sobre a materia.

O sr Tavares de Macedo. — A questão em quanto a mim, sr. presidente, não tem sido tractada debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, porque não se tracta agora de fazer uma lei para a organisação do cicio. Ha uma lei que estabeleceu as congruas que os parochos devem recebei, e ha parochos a quem se tem exigido o pagamento das contribuições municipaes directas; e é desta exigencia, que alguns delles recorrem ao poder legislativo para que laça uma interpretação authentica da lei que lhe estabeleceu as congruas.

É verdade, sr. presidente, que os parochos são cidadãos como todos os outros, e por isso estão sujeitos, ou devem estar sujeitos a todos Os encargos da sociedade; e debaixo deste ponto de vista não ha duvida que elles devem pagar os tributos; mas pergunto se devem pagar os tributos de que se tracta! Parece-me que não.

Pela lei de 1839 as congruas dos parochos foram estabelecidas de uniu maneira summamente mesquinha; o se alguns parochos tem bastante com que viver, a maior parte delles tem apenas o sufficiente. Não direi que o clero esteja hoje em peiores circumstancias do que estava em 1833; é verdade que lhe desappareceram os beneficios, não ha aquellas igrejas rendosas como havia em outro tempo; hoje a maior parte do clero tem melhores congruas do que tinha antigamente, mas na minha opinião ellas não são sufficientes para o que exige a decencia geral e a conveniencia do estado. É verdade que os parochos são propriamente funccionarios religiosos; mas debaixo deste ponto de vista elles são muitissimo importantes para o estado. Os homens não são sómente entes físicos, mas tambem são entes moraes, e os ministros de uma religião, que são encarregados de administrar os soccorros espirituaes dessa mesma religião, são altamente importantes; e devem ser homens muitissimo importantes para a sociedade, ainda mesmo considerados civilmente. Os pai odios não devem ser, nem a camara deve consentir, que sejam homens sómente com principios de latim e theologia; e eu estimaria muito que nós conseguissemos o que em outros paizes se tem conseguido, do que os parochos tenham maior instrucção, porque em alguns paizes ainda que protestantes, os parochos podem-se imitar, sem vergonha para nós. Ha paizes onde Os parochos são altamente instruidos, principalmente em theologia, e o governo lança máo delles encarregando-lhes uma parte da educação publica.

Sr. presidente, eu conheço que as congruas dos pai odios são para o strictamente necessario, e ainda me lembro que, quando se tractou de fazei a lei das congruas em 1841, eu propuz que o minimo fosse muito maior do que aquelle que se votou; votou-se o minimo de 100$000 reis, e eu propuz que fosse de 144$000 réis.

O ia ninguem pode deixar de reconhecer que as congruas dos parochos são tenuissimas, e o pensamento da lei era de certo — que as congruas não tivessem deducção alguma; e agora tractando-se da interpretação da lei, e nada mais, é minha opinião que os parochos não devem pagar contribuições municipaes. Voto por tanto pelo parecer da commissão ecclesiastica.

O sr. José Estevão — Sr. presidente, poucas palavras direi sobre este assumpto, mas quero deixar consignada a minha opinião.

Se a isenção de que se tracta, podesse remediar alguns dos males que affectam a instituição ecclesiastica em Portugal, eu ainda que as isenções são odiosas, talvez não hesitasse em votar por esta; mas esta isenção não remedeia nada, e sinto immenso, maravilho-me, estranho, e custa-me a comprehender como se fizesse similhante exigencia, e como similhante projecto se apresentasse á camara. Eu creio que a intenção da commissão é isentar os parochos de contribuições directas municipaes, porque não os podia isentar das indirectas, alias te-lo-ia feito. O voto da commissão é que os ecclesiasticos fiquem isentos de toda a contribuição para o estado; esta é textualmente a sua doutrina. Ora, os parochos já são por lei isentos da decima, mas das contribuições municipaes directas não é possivel isenta-los.

Eu intendo mesmo que não está nas nossas attribuições votar esta isenção. Eu intendo que é obrigação que tem todos os cidadãos a de contribuir para as despezas publicas; e é isto o que está marcado e declarado solemnemente na carta constitucional, e essas disposições não as podemos nós contrariar com votos de favor, porque esses votos de favor destroem e anniquillam o equilibrio social.

A contribuição municipal é a retribuição dos beneficios que resultam da administração do municipio, de todos os gozos, de todas a» regalias que a essa administração municipal estão incumbidas, e que ella dá ao municipio. Quer-se que o ecclesiastico possa andar pelas mas, que passeie nellas, mas que não pague nada para as suas despezas? Quer-se que o municipio pague para as aulas 50$000 réis, mas que o ecclesiastico não pague nada para as aulas, como pagam os outros cidadãos. Em uma palavra quer-se que o municipio pague ao administrador do concelho e ao seu pessoal, mas que o ecclesiastico não pague? Quer se que partilhe da segurança individual de que deve gozar, e da vigilancia da auctoridade, mas que não pague nada para todos estes beneficios de administração municipal? A questão em cifra é pouca, é nulla, por isso intendo que não merecia a pena de traze-la ao parlamento; mas a questão como pertenção é exorbitantissima, odiosa, e odiosissima. Eu creio que nós votando este parecer da commissão ecclesiastica, votamos o que se não votaria talvez nos concelhos camararios do governo absoluto. Os ecclesiasticos noutro tempo tinham pingues proventos; disfructavam uma grande parte das rendas publicas; tinham quartos, terças, e decimas, em uma palavra, eram senhores da terra, mas n'uma grande difficuldade financeira, n'um transtorno de

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paz domestica, n'um apuro do thesouro, era já sabido que carregavam com a maior parte dos encargos destes embaraços; consentiam que lhos recebessem largamente. Em tempo de paz iam bem; mas em tempo de guerra elles e que pagavam, então tinham duas, tres, cinco, e sete decimas. Por exemplo, os frades Cruzios que o digam; eram, para assim dizer, o banco do estado. Ora, eu não sei se esta medida se estende tambem ás congruas dos bispos... (Uma voz: — Por ora não) O Orador: — Mas vai-se preparando para isso; mas eu voto contra. Esta isenção que agora se pertende, é uma isenção sem fundamento de qualidade alguma. (Apoiado) Isto é uma questão de classe, em que não posso contar os votos por sentados e levantados; mas festejo esta união do sacerdocio com a espada que raras vezes se encontra! A questão como cifra não vale nada; como isenção é odiosissima, fere os principios de todas as finanças, estabelece uma supremacia em favor de uma classe, supremacia que todas as luzes do seculo e todas as instituições condemnam; é contra os nossos habitos, é uma pertenção, que a restauração da carta constitucional e a memoria de D. Pedro repellem.

Se se quizer tractar da questão ecclesiastica, sou de opinião que se tracte, e nesta idéa declaro que sou catholico apostolico romano; sou catholico com dedicação e affecto, porque é a religião de meus pais. Em quanto a romano, esta palavra com applicação a Roma é um accidente. Sinto que não se tracte da questão ecclesiastica nas proporções em que deve ser tractada. Quanto á questão da isenção não devia ser apresentada; considerada no seu valor em réis, admira que aqui fosse trazida; pelo que imporia em significação politica, em proclamação de superioridade com relação a outras classes, com isenção de tributos para os encargos municipaes, isto cheira-me a uma cousa que eu julgava que não tornaria a cheirar mais no systema constitucional. Em nome pois de todos os principios voto contra o projecto da commissão ecclesiastica.

O sr. Dias e Sousa — Sr. presidente, eu não assisti á discussão do projecto na commissão ecclesiastica, nem assignei o parecer, por não estar presente, quando elle foi offerecido; mas declaro que o approvo. E na presença do modo porque tem sido tractada a questão, julguei dever pedir tambem a palavra, para explicar a razão da minha opinião

Pouco terei a accrescentar ao que se tem dicto por parte dos defensores da commissão. Antes porém de entrar na materia, permitta-me a camara uma breve digressão, a que me sinto obrigado pela posição publica que occupo fóra da camara; e que tem por fim rebater algumas asserções que nesta discussão appareceram, desfavoraveis ao credito do actual clero curado, por parte do primeiro orador que abriu este debate.

Sr. presidente, eu faço inteira justiça ás intenções e aos sentimentos do illustre deputado a que me refiro; e attribuo por isto as palavras que soltou, ao estado de excitação do seu espirito no momento em que as proferiu. A camara toda sabe os motivos dessa excitação. Mas as palavras de um deputado não ficam dentro do recinto da camara; o seu éco repercute-se muito longe. Sempre considerei, e considero como um grande abuso da liberdade da tribuna, a invectiva, ou por qualquer modo offender a reputação de classes, ou de pessoas, que não estão na camara para responderem em sua defeza. Dahi só provém inconvenientes, não só para a boa discussão das materias, mas ainda para o credito do systema parlamentar.

Sr. presidente, uma classe não se moralisa, desconsiderando-a, e rebaixando-a no conceito publico. Os máos ou zombam ou irritam-se, não se emendam os bons desgostam-se e desanimam; o zelo mais ardente esmorece e affrouxa, quando se vê injustamente desconhecido. (Apoiados) As arguições genericas são sempre injustas, porque nellas se involvem innocentes e culpados. No caso sujeito a arguição não só foi injusta por esse motivo, mas por assentar em fundamento menos exacto.

Sr. presidente, o clero portuguez distinguiu-se sempre pelo seu espirito de nacionalidade, e por sua adherencia no principio civilisador da religião que professamos. Nos tempos mais revoltos, por dissidencias de diversa natureza, antigos e modernos, o clero, nunca na sua totalidade, se despiu daquelle espirito, nem se arredou daquella adhesão.

Quanto ao clero curado, de que especialmente se tracta, póde dizer-se affoutamente que tem progressivamente melhorado nos sentimentos de paz e de concordia, proprios da sua elevada missão. E se hoje não existe ainda no estado, que é de desejar para bem da religião e da sociedade, póde sem receio affirmar-se, que merece louvor na sua maxima parte. (Apoiados)

Attenda-se bem, sr. presidente, que os culpados dos desvios e fallas, na maior parte das parochias, somos nós todos, homens politicos, que temos por differentes modos piocurado attrahir os ministros do altar ao campo das nossas dissidencias, das nossas ruelas, e das nossas miserias politicas. Somos, pois, não só injustos na nossa arguição generica, mas ainda crueis e ingratos, maltractando a nossa propria victima. Nada mais direi sobre isto, e vou entrar na questão.

Sr. presidente, os oradores que combalem o projecto da commissão ecclesiastica, tem apreciado mal as opiniões e as intenções dos membros da commissão ao apresentar este projecto. O ultimo orador principalmente, meu illustre amigo argumentou sempre ad odium procurando dar corpo ás considerações de exigencias exorbitantes por parte do clero interessado, e de concessões de privilegios odiosos, facilitados pela commissão. Nada disto existe. Ninguem o exigiu; nenhum odioso ha na concessão que se pertende fazer. Houve cidadãos, que se julgaram aggravados, e vieram ao corpo legislativo pedir remedio a seus males: á commissão pareceu que o remedio devia dar se por principio de equidade, e de grande conveniencia publica. Onde está aqui o odioso dos privilegios? Se ha conveniencia publica na concessão, a caria constitucional a favorece, quando falla de privilegios; e se a lei civil a reconhece, desapparece o odioso. A questão é simples.

Tracta-se em primeiro logar de sustentar o espirito manifesto da legislação especial vigente sobre congruas parochiaes; e em segundo logar de não deixar illudir por actos das municipalidades o beneficio feito nessa legislação.

Sr. presidente, a caria de lei de 20 de julho de 1839 no artigo 13.º isentou de decima as congruas dos parochos, e todos os rendimentos computados nellas; a lei de 8 de novembro de 1841 determina,

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que permaneça inalteravel o quantitativo das congruas que então se arbitraram. Algumas municipalidades, fundando-se na auctorisação generica do codigo administrativo, julgaram que podiam impôr ás congruas as contribuições do concelho, e por esse modo cerceal-as. Os parochos collectados julgaram, que tal direito não havia nos municipios, em vista da lei especial anterior, e representaram ao governo, e depois ao corpo legislativo. E á commissão ecclesiastica pareceu, que era mais conforme ao espirito da lei a petição dos parochos, do que a deliberação dos municipios; e apresentou neste sentido o projecto, que se discute. Aqui está a historia ordenada do negocio. O projecto, portanto, póde dizer-se, no sentir da commissão, o complemento da lei existente.

Pois não se conhece claramente, que o espirito do legislador foi que aproveitasse integralmente ao parocho a prestação alimenticia, ou congrua arbitrada; em quanto não se provesse por outro meio, e lei geral, á sustentação do clero? E sendo assim, não fica contrariado esse desejo do legislador, admittindo a faculdade dos municipios para collectar as congruas? Parece-me innegavel.

E deve ler-se aqui presente uma consideração que póde aggravar ainda o uso desta faculdade. E sabido, que infelizmente em muitas freguezias a derrama parochial não se completa, e a cobrança fica só realisada em parte: e todavia a collecta vai affectar o parocho na somma nominal da congrua arbitrada. E será isto conforme ao espirito da lei? E será de justiça e de conveniencia publica? Intendo que de nenhum modo.

Sr. presidente, foge-se para o odioso dos privilegios, e de pretenções exageradas, não sei de quem, nem de que. Eu já disse alguma cousa para destruir este meio de argumentação. Agora devo declarar que os adversarios do projecto são injustos, na apreciação que fazem do trabalho da commissão, e no juizo que parecem formar das opiniões e sentimentos dos seus membros. Os membros da commissão tem bastante illustração para conhecer o direito, saber discriminar as relações do sacerdocio, e do imperio, e até que ponto deve extender-se por direito, por direito proprio a acção de cada um de seus poderes Os membros da commissão sabem que os bens da igreja são ião materiaes, como os bens dos seculares, e que a denominação de ecclesiasticos lhes não lira a materialidade; e que nenhuma immunidade de direito os póde eximir de concorrer para as necessidades da republica.

A commissão sabe que os ecclesiasticos são cidadãos, e como taes sujeitos ás leis da sociedade a que pertencem A commissão não vem ressuscitar pretenções da immunidade exaggerada, a que em tempos de menor illustração se recorreu para isenções absolutas por parte do clero das diversas ordens, isenções por certo absurdas aos olhos dos mais elementares principios de direito publico. A commissão sabe, e acata os deveres de um governo, de um legislador catholico, com respeito á igreja e aos seus ministros. A uma exigencia imperiosa, fundada em immunidades de classes, ou de pessoas por titulos, que direi obsoletos, a commissão responderia: — Não ordeneis, nem exijais — pedi, e sollicitei — Reconhecida porém a competencia da lei civil para deferir por concessão, os membros da commissão, pelos principios que professam, julgam que deve o legislador catholico lêr sempre o braço prompto e a mão aberta e larga para favorecer a igreja, de que é ou deve ser, até por disposição divina, o protector e o defensor.

Affaste-se pois, sr. presidente, esta idéa odiosa de privilegios, e de pretenção imperiosa; por que ella nem está na materia do projecto, nem no animo dos que o confeccionaram.

Sr. presidente, direi ainda duas palavras com relação aos additamentos, que foram mandados para a mesa. Eu intendo que nenhum deve approvar-se. O do sr. Mello Soares iria reprodusir as dissidencias e discordias, a que pela disposição da lei de 1041 se quiz occorrer. Quanto ao additamento do sr. Gomes realmente é muito louvavel, mas é feito debaixo do ponto de vista um pouco fiscal, e foi neste sentido que o meu collega da commissão fallou em alfandegas, e não de maneira nenhuma por querer ferir o illustre deputado; é um meio fiscal, quer acabar em parte com o beneficio da isenção da decima em relação aos parochos; por esse lado é que lhe chamo fiscal, porque não só não admitte a concessão que se propõe, mas quer destruir parte daquella que já está feita por lei; ora nesse ponto é que não póde a commissão nem agradecer nem sustentar a opinião do illustre deputado, e não póde deixar de ver nisto uma providencia fiscal.

Eu não digo mais nada, e concluo dizendo que voto pelo parecer n.º 17 tal qual elle está salva a redacção, ficando intendido que são contribuições directas (Apoiados).

O sr. José Estevão — Sr. presidente, eu sou tão sincero nas minhas opiniões politicas como nas minhas opiniões religiosas; digo opiniões, porque podem haver opiniões e crenças e eu tenho opiniões e crenças; portanto eu não podia pretender que nenhum poder do estado arrogasse a si só a attribuição de dispor as cousas da igreja sem o voto e a concorrencia do poder espiritual, sem cuja concorrencia não se póde intender nem regular definitivamente similhante assumpto; mas o que me parece, sr. presidente, é que os illustres deputados zelosos por que se conservem nas suas devidas raias as attribuições de cada um destes poderes, vão invadi-las, vão estorvar a sua acção, vão cercear os seus direitos n'uma questão de circumstancia, n'uma questão pequena, n'uma lei secundaria; porque se nós encararmos os fados e as doutrinas, os factos debaixo dos quaes esta lei é proposta, as doutrinas com que tem querido sustentada, é melhor reduzir-se o projecto a um principio que é a consequencia natural das doutrinas que aqui tem vogado, e as do mesmo projecto. Então porque não havemos nós dizer com toda a franqueza, com toda a liberdade o que se deduz do projecto? Diga-se aos ecclesiasticos são isentos de concorrer para todos os encargos publicos?!; diga-se isto por que é o que cá está. (Voes: — Não está lai.) Não está? Da decima isenta-os a lei, não ha duvida; da contribuição directa dos concelhos isenta-os este projecto; de concorrer com o seu sangue, isenta-os a candura da estolla e as doutrinas que aqui lemos sustentado. Então que lhes fica? Fica-lhes a obrigação de parochiar, mas a obrigação de classe não tem nada com a obrigação do cidadão, porque então todas as classes seriam privilegiadas, e a nação seria um impossivel. Neste caso a classe militar, por exemplo, diria — a minha obriga-

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ção é combalir; em eu combatendo tenho cumprido o meu dever, portanto não obedeço a lei nenhuma, não pago contribuição nenhuma, não presto nenhum outro serviço; fiz a minha guarda, fui ao campo da batalha, sustentei a independencia do paiz, derrotei o inimigo, nada mais tenho a fazer. Nós mesmo acabada a sessão ficariamos n'um sybaritismo completo, só 3 mezes é que trabalhavamos, e o illustre deputado mesmo que tanto calor tem tomado por gestos nesta questão (O sr. Placido de Abreu) deve abandonar a sua commissão de obras publicas e dizer — acabou tudo — eu sou deputado, e não tracto demais nada!

Ora, sr. presidente, elogiou-se muito a lei que linha dado uma dotação especial ao clero, e tremi mesmo de algumas palavras que aqui tenho ouvido pronunciar. Disse-se que esta lei a respeito do clero e uma lei provisoria em quanto não se fizer uma dotação especial para o clero, uma lei geral. Se a lei geral consiste em dispor das contribuições geraes do estado a consignação propria para sustentar o clero, por isso voto eu, e sinto muito que não se tenha feito; mas se se intende que a dotação especial do clero ha de ter uma condição particular, uma propriedade propria de classe, então a fallar a verdade creio que não se podem sustentar taes idéas sem fazer estremecer a ossada do imperador (Apoiados).

Eu, sr. presidente, intendo que não ha dotação nenhuma a fazer ao cléro, mas sim que ha a pagar ao clero o seu trabalho, e a dar-lhe na sociedade a consideração e distincção que merece pelas augustas funcções de que está encarregado; rejeito a idéa de se fazer uma dotação especial para o clero, de qualquer modo que ella seja; e sinto que esta idéa tenha sido pronunciada por uma boca quasi official.

Eu acho que a lei que o illustre deputado elogiou tanto, propozesse a quem a propozesse, é uma lei inepta, que não foi uma lei a favor dos parochos, mas sim a favor do fisco. Se então se pagasse regularmente, como se tem pago agora, os parochos eram pagos pelos cofres do estado da mesma maneira que são pagas as outras classes: nem vejo que haja inconveniente em levar esta contribuição ás contribuições geraes, e pagar aos parochos como se paga a todas as outras classes. Eu sei que ha resistencia a isto, e que ainda hei-de assistir a resoluções em contrario; mas as minhas idéas que a este respeito são as de todo o mundo, hão-de a final triunfar, porque é impossivel pensar em organisação deste paiz, sem metter uma mão forte no systema das contribuições, reforma-lo completamente, acabar com estas divisões ineptas, com estas designações inuteis, e aproveitar a maior somma que é tirada aos contribuintes, livrar a massa da contribuição de operações ruinosas, e distribui-la equitativamente pelo serviço do estado De maneira que esta contribuição para os parochos foi uma transacção com a desorganisação das finanças; fez-se um cacifo especial para o clero, para evitar que elle estivesse morrendo á mingoa como estavam todas as classes do estado; esse cacifo foi mais ou menos respeitado, mas deve acabar, deve entrar nas contribuições geraes.

Mas esta lei então é de uma desigualdade estupenda! É proposta para pessoas de uma só classe, não a favor da classe inteira, mas a favor de uma parte dessa classe, para certos e determinados individuos; porque se por ventura se quer applicar esta medida com igualdade, como resolver a questão a respeito das contribuições nos concelhos onde as contribuições são indirectas que o são na maior parte 1 Aí acabou a questão, aí já não ha o complemento da legislação vigente, aí a congrua já não é pensão alimenticia!..

Ora, sr. presidente, o que se chama congrua? Esta frase é nova. Não sei porque se chama, á congrua, pensão alimenticia. Creio que a congrua é subsidio, salario, em uma palavra sustentação dos homens que tractam daquelle ramo de serviço publico. Porque se diz congrua sustentação, pensão alimenticia? (Uma vo: — Mantimento) Mantimento do individuo segundo o decóro do seu estado é todo o ordenado; não ha ordenado nenhum do estado que não mereça essa mesma denominação, todos lêem o mesmo fim e a mesma natureza; o ordenado do official de secretaria é manutenção do official de secretaria segundo o decóro do seu estado, e o ordenado do lente o mesmo, o do conego o mesmo, e o mesmo o ordenado do empregado de outra qualquer classe. Mas o que vejo é que esta palavra — congrua — concilia um argumento, diz-se — a lei determinou que se desse aos parochos tanto, e isto é pensão alimenticia, quer dizer, não se póde admittir nenhuma subtracção, porque esta subtracção na congrua alimenticia é cercear o alimento!..

Sr. presidente, o que a commissão vai fazer, é restabelecer todas as luctas, todos os odios, que se quizeram evitar por meio das leis que reformaram a primeira legislação das congruas. Pois que quer dizer fallar no sacerdocio, nas altas attribuições do clero, fallar no officio patriarchal dos parochos, descrever-se as ligações em que estão com as familias, a posição de beneficencia, de fraternidade e de religião em que devem estar no meio das povoações, e ir constituir este individuo, que assim nos representam, como devendo estar em pé e relações de amizade com todos os individuos, na excepção a mais odiosa, e mais injustificavel? Pois que é isto? Não é outra cousa. Tiram ao parocho todo o caracter domestico, todo o caracter de familia, todo o caracter de união de almas, de communhão de interesses. Para o isentarem de pagar uns tantos réis, privam-no de todas as affeições, de todos os affectos das pessoas que vivem em volta delle. Os privilegios tiveram sempre este inconveniente; fortaleceram sempre as classes a quem se quizeram dar, mas tornaram nas odiosas.

Fazem favor de me dizer porque motivo julgaram que os parochos se tinham tomado odiosos, tinham sido mal recebidos pelo publico, ou pelos seis comparochianos? Porque lhes pediam a congrua. Mas agora quando elles virem que tolos concorrem para as despezas do concelho, e que o parocho é exceptuado dessas despezas, despezas das quaes elle lira um beneficio que se estende a todos, fazem favor de me dizer-se isto ha-de trazer-lhes um sentimento de odio ou de amor?..

Sr. presidente, se pensam que é preciso beneficiar os parochos; se elles estão mal pagos: não tenho duvida nenhuma em que se lhes dê mais, em que se tire o minimo das congruas; mas não se offenda o principio saneio e justo de todos concorrerem para as despezas do estado na proporção de seus haveres. Por uma miseria e insignificancia não vão fazer a respeito dos parochos ex-

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cepções que os (ornem odiosos; nada de fazer similhante excepção; dê-se-lhes mais, dê-se-lhes o que é bastante, para poderem contribuir para as despezas do estado.

Pois então a isenção da decima aos parochos é algum favor ou privilegio! Não é favor nem é privilegio. A respeito dos parochos seguiu-se aquillo que se devia seguir a respeito de todos os servidores do estado. Pois que mais importava dizer dou 100$000 réis ao parocho, do que dizer dou lhe 120$000 réis, mas elle destes 120$000 réis ha-de me dar 20$000 reis! Para que querem conservar esta distincção miseravel e absurda? Não ha senão um principio por que se tenha sustentado, é porque se receia que, convertendo-se as deducções em reducções, venha um tempo em que se não pague, e que se ponham novas decimas sobre os ordenados já reduzidos. E só o que sustenta isto. É só o medo do restabelecimento do credito, esse restabelecimento do credito, pelo qual toda a gente anda a suspirar, incule este medo. Todos temem que reputando-se os ordenados na sua verba real depois de feitas as reducções, depois se restabeleça o credito, e lhes ponham novas decimas. Se não fosse este medo, já tinha acabado essa distincção. Não ha nada mais absurdo do que estar a dizer que um empregado tem tanto de ordenado, e estar a tirar deste ordenado tanto de decima. O ordenado dos empregados é aquillo que elles recebem.

Portanto não houve para os parochos favor nem meio favor; disseram-lhes que era aquillo que se lhes dava, e aquillo era o mesmo que dar-lhes mais 20 ou 30$000 réis, mas tirar-lh'os depois na decima. Agora é que se quer fazer favor, mas não é favor á classe, é a 4, 5, 6, ou 7 parochos, é aos parochos dos concelhos onde ha tributos directos municipaes; ora os concelhos onde ha tributos directos municipaes são muito poucos, e n'uns mais que n'outros; não ha nesta isenção nenhum espirito de igualdade, nenhum complemento da legislação vigente, não ha senão um lavor especial dado a certos e determinados individuos; isto é uma lei positivamente pessoal, e eu voto contra ella porque é pessoal. Dêem aos parochos o que quizerem, augmentem-lhes as congruas, se é preciso, mas sujeitem-nos á lei geral do estado.

Sr. presidente, eu voto por tudo quanto fôr beneficiar o clero em geral, elevar a sua profissão, nobilitar as suas funcções; voto portanto que se lhe augmente o ordenado ou congrua se quizerem; mas não voto por estas distincções que são odiosas.

Ou eu não comprehendo bem o que é ser ecclesiastico, ou a comprehender, intendo que o verdadeiro ecclesiastico não pede similhantes isenções. O ecclesiastico deve ser o primeiro contribuinte, deve estabelecer uma admnistração especial para policiar os costumes de seus parochianos, para fazer escólas; emfim deve ser como foi um bispo do Algarve, que -estabeleceu naquella provincia muitas escólas, que creou instituições beneficas, que promoveu a feitura de estradas, em fim é a elle que o Algarve deve muitos bens de que está hoje gozando.

Eu não tenho a menor duvida em isentar de todas as contribuições municipaes a todos os parochos, que tenham manifestado por palavras e por obras desejarem com os seus recursos, e com a sua influencia estabelecer instituições beneficas, estabelecer escólas, e promover os melhoramentos materiaes, civis e moraes dos seus parochianos. Mas pela medida em discussão, voto contra, porque é uma medida de desigualdade.

O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, relativamente ao objecto que está em discussão, ha dois pareceres, um apresentado pela illustre commissão ecclesiastica, e outro pela illustre commissão de fazenda; e sendo ambos sobre o mesmo objecto, contrariam-se comtudo um ao outro.

Isto, prova, sr. presidente, que sobre a mesma materia duas commissões, que são de nomeação da maioria da camara tem parecer differente, pensar diverso, e opiniões encontradas; e prova igualmente que qualquer dos deputados que está nesta casa, póde combater qualquer parecer de commissão, seja ella qual fôr, sem com isso irrogar a menor offensa a nenhum dos membros que compõem essas commissões. A discordancia dos pareceres de que se tracta, prova ainda que as commissões desta casa, quando consideram as materias, a consideram despidas de considerações particulares ou politicas; consideram os negocios em si, taes como elles são e se lhes apresentam; e consideram-nos sem pensamento nenhum reservado, e sem nenhum outro intuito do que o de acertar e concorrer para que as materias se discutam e resolvam conforme fôr mais conveniente á causa publica.

Não se póde dizer tambem que um membro desta casa, quando combate um parecer de uma commissão qualquer, o fuça por nenhum outro motivo que não seja a convicção intima de que esse parecer não póde nem deve passar pelas disposições injustas, ou inconvenientes que contenha em si, e não por ler a mais remota intenção de offender com isso os membros que compõem a commissão, cujo parecer se combale.

Sr. presidente, eu nesta questão de que nos occupamos, separo-me inteiramente da commissão de fazenda, e separo-me porque?. Porque os principios adduzidos pela commissão de fazenda para combater o parecer da commisão ecclesiastica, por negar este acto de justiça que esta commissão quer fazer aos individuos que vem requerer a esta casa, parece-me que não podem ser de fórma alguma admissiveis; e direi até que a propria commissão de fazenda não está de accôrdo entre as razões que addusiu, e a conclusão que tirou. A commissão no seu relatorio abonou ella mesmo a justiça dos requerentes; e eu para mostrar isto, e igualmente para mostrar que é parecer da illustre commissão de fazenda não póde ser approvado, vou indicar as razões que a commissão de fazenda apresenta no seu relatorio, e apresental-as ponderações que intendo dever apresentar em resposta aos seus argumentos.

Diz a illustre commissão de fazenda que desde 1841 que se estabeleceu a congrua dos parochos até hoje, que tem decorrido 12 annos, nunca os parochos durante este tempo requereram contra a injustiça, se injustiça é, que hoje requerem; e que está provado que effectivamente a injustiça não é tão grande como querem indicar. Este argumento da commissão não tem cabimento algum, porque é um facto que os parochos logo que sobre as suas congruas foi lançada uma quota de contribuição directa municipal, requereram ao governo, e até recorreram ao conselho de estado; porém um e outro resolveu que o objecto importava uma interpretação de lei, e que pertencendo só ao corpo legislativo interpretar

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as leis, era a cote que deviam recorrer. Foi nesta conformidade que os parochos recorreram ao corpo legislativo; e aqui está explicada a demora da reclamação perante o corpo legislativo.

Portanto elles começaram a requerer logo que foram tributados; e agora pertence a esta camara, tomando em attenção os motivos allegados pelos reclamantes, resolver este negocio, fazer justiça nos parochos requerentes, e de certo o fará resolvendo este negocio conforme está proposto no projecto n.º 17 em discussão.

Mas diz-se — são 7, 8 ou 9 os individuos que requerem, e portanto este pequeno numero não deve levar n camara a tomar uma medida tal como aquella que a commissão ecclesiastica propõe.

A este respeito direi que por ser pequeno o numero dos requerentes, não é esse motivo para se negar a justiça devida. Aqui não ha a attender se o numero dos requerentes é pequeno ou grande; aqui não se tracta de numero, tracta-se da justiça da causa, da justiça da pertenção. As questões no parlamento não se decidem segundo o numero mais ou menos dos individuos que reclamam ácerca dellas, mas sim pela justiça da cousa a respeito da qual reclamou. (Apoiados) Póde o numero dos reclamantes ser grande, e no entretanto não ser justa a sua reclamação; e ser pequeno o numero e terem os reclamantes justiça, -como effectivamente a tem os parochos, no caso de que se tracta. Se a pertenção de individuos que requerem é justa, justiça lhes deve ser feita, quer essa reclamação venha de 12 ou 100 individuos; se a pertenção é injusta, deve indeferir-se-lhes, quer essa reclamação venha de 100 ou 12 individuos. A justiça deve ser feita, quando a ha, sejam muitos ou poucos os que a requeiram. (Apoiados)

Disse-se tambem, sr. presidente, e isso e de alguma maneira querer tornar odiosa a pertenção dos parochos, que o que se propunha no projecto n.º 17 era um verdadeiro privilegio, que se ía fazer. Eu não o intendo assim; eu intendo que a isenção que se quer conceder aos parochos, a fim de que das suas congruas não paguem contribuições municipaes directas, não é um privilegio, mas sim um acto de justiça, é praticar a respeito delles o mesmo que se practica com todos os empregados do estado, pois que nenhum empregado do estado. seja qual fôr a classe a que pertença, paga contribuição alguma municipal directa dos seus ordenados. Eu declaro francamente que nunca paguei, e peço aos srs. deputados que me digam, se ha algum que pague contribuição directa municipal pelos seus ordenados? Não ha nenhum, absolutamente nenhum; portanto assim como os demais empregados do estado não pagam taes contribuições, do mesmo modo os parochos devem tambem ser isentos de pagar contribuições directas municipaes das suas congruas, que devem julgar-se isentas desse imposto. Portanto no que o projecto n.º 17 estabelece não ha privilegio algum; ha sim a determinação de se practicar a respeilo dos parochos, isentando as suas congruas das contribuições directas municipaes, o mesmo que se practica a respeito dos outros empregados do estado: e colloca-los na mesma regra commum.

Ora ha uma outra circumstancia que me feria tambem gravissimamente, porque a commissão de fazenda diz que o serem elles izentos deste pagamento, iria fazer uma grande falha na recepção das contribuições indirectas. Oh sr. presidente! Pois não se sabe que as contribuições indirectas são sobre o consummo, que são pagas por todos os individuos para assim dizer, sem o sentirem, e que o parocho que as paga igualmente, porque elle quando mandar comprar qualquer coisa, paga as contribuições indirectas, porque as contribuições indirectas são sobre o consummo, e o consummo não soffre deducção. Por consequencia o parocho paga-as igualmente assim como as pagam todos os outros cidadãos.

Disse-se mais por parte da illustre commisão de fazenda, que a classe dos parochos é a mais favorecida do estado ou da sociedade, e por consequencia se é já uma classe favorecida, não se lhe deve fazer mais um favor. Eu já disse que reputava a classe ecclesiastica muito favorecida em outras épocas, mas creiu que hoje ella está reduzida áquillo a que se póde estar reduzido: está muito áquem daquillo que deveria estar; e tanto a illustre commissão de fazenda reconhece isso, que diz que se precisa de uma lei geral de dotação do clero. Se a illustre commissão de fazenda intende que é preciso uma lei geral de delação; se intende isto, então necessariamente tambem deve reconhecer que não é uma classe favorecida. Foi favorecida em outro tempo, mas não o é hoje.

Sr. presidente, longe de virem estes individuos pedir aqui uma excepção, o que veem pedir é que se colloquem na regra geral que se practica a respeito de todos os outros individuos da mesma classe. Não e! privilegio, não é excepção que elles pedem, é um acto de justiça, porque não ha empregado nenhum publico que pague contribuição municipal directa do seu ordenado.

(Umas vozes: — É exacto. — Outras: — Não é exacto.)

O Orador: — Na provincia do Minho não se paga: eu nunca a paguei do meu ordenado, pago-a de alguma cousa que tenho; do meu ordenado nunca paguei contribuição municipal directa. (O sr. José Estevão. — Pagam em toda a parte.)

(Havia muito susurro na sala, e o sr. presidente pediu attenção.).

Disse-se tambem, sr. presidente, e disse isto o meu amigo o sr. José Estevão, que esta medida que se queria tomar, dizia respeito a muito pouca gente, e como dizia respeito a muito pouca gente, não se devia fazer similhante cousa. Pois eu acho nessa razão motivo para intender que se deve fazer porque se ha poucos parochos, que paguem contribuições directas municipaes, e a maior parte delles as não pagam, então intendo que não ha inconveniente nenhum em se fazer uma pequena concessão a respeito de uns poucos de individuos que estão fóra da regra geral, porque se todos estes individuos devem concorrer para as despezas geraes do estado na proporção da sua fortuna, e ha só uns poucos a respeito dos quaes se practica o acto de pagarem a contribuição directa municipal, então esses poucos devem entrar na regra geral, e não a pagarem. Eu intendo que é um acto de justiça, e por consequencia não é uma cousa que se não deva practicar, porque é pôr esses individuos na regra geral em que estão todos os outros.

Sr. presidente, tem-se dicto muitas cousas, e eu tenho visto nesta questão, permittam-me que o diga, da parte de alguns, um espirito mais de querer estorvar, do que de querer practicar um acto que me parece de justiça; e digo que me tem parecido que

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se tem querido fazer isto, porque successivamente se tem pedido adiamentos; porque successivamente se tem dicto cousas que eu intendo que não estão em regra geral de justiça, e porque se tem querido trazer argumentos ad odium querendo-se indicar que se vai dar um privilegio a estes individuos, quando não e privilegio algum, é constituil-os na regra de todos os outros. Mas todas essas cousas que se teem dicto e esses argumentos nada podem, me parece, contra os argumentos que se teem produzido a favor do parecer da commissão ecclesiastica. Por consequencia parece-me que está o parecer da commissão ecclesiastica no caso de ser approvado, fazendo-se-lhe embora um additamento, em que se declare que as contribuições de que se tracta, são as directas e não as indirectas, porque das indirectas nunca foi intenção de ninguem izentar os parochos. No entretanto eu intendo que se deve approvar que se izentem propriamente daquillo que é contribuições directas municipaes, não só porque essas contribuições directas municipaes são pagas por poucos parochos, mas porque effectivamente sendo isso uma cousa pequena, não tem influencia nenhuma nos rendimentos municipaes, e sendo uma cousa tão pequena como é, não merece a pena de fazer della uma questão tão grave como se tem feito, e de questional-a ao ponto a que se tem questionado.

Voto por consequencia a favor do parecer da commissão ecclesiastica.

O sr. Santos Monteiro: — Vou mandar para a mesa um projecto de lei da commissão de fazenda. (Leu-o)

Ficou sobre a mesa para ter ámanhã o competente destino.,

O sr. Rivara: — Sr. presidente, não vejo ainda destruidas as razões que hontem alleguei para fundamentar o meu voto a favor do parecer da commissão de fazenda, e contra o projecto da commissão ecclesiastica, e por isso não posso mudar de opinião; porém direi mais alguma cousa em resposta a alguns dos argumentos que eu julgo que caem por terra diante do argumento fundamental de que me servi, porque tenho visto hoje produzirem-se aquelles a que elle serve de resposta.

A lei de 1839 não concedeu um privilegio aos parochos; igualou os parochos aos outros servidores do estado, izentando-os de decima, porque nesse tempo nenhum servidor do estado pagava decima. De 1849 por diante quando ella foi lançada a todos os servidores do estado, é que effectivamente ficaram os parochos privilegiados com essa izenção da decima.

É verdade que ella póde servir de fundamento a que outras classes ecclesiasticas venham pedir o mesmo, mas não o teem pedido, e de certo o seu bom senso faz-lhes conhecer a differença em que estão dos parochos, porque os ordenados dos parochos são mais tenues do que os dos conegos e dos bispos, posto que estes não sejam sufficientes para tudo aquillo que lhes é mister; e parece-me que alguma cousa se poderia fazer a este respeito, mas talvez elles mesmos reconhecendo as urgencias do estado não queiram entrar nisso, e honra lhes seja!

Tenho visto produzir um argumento que parece ter alguma força, mas que, espremido, nada vale. Diz-se — olhai que as congruas dos parochos foram fixadas em 1841, e não se podem reduzir sem destruir o pensamento dessa lei. Mas em 1841 já se pagavam as contribuições directas municipaes, e o legislador, quando fez a lei das congruas de 1811, já attendeu a essa reducção possivel; o legislador bem sabia que os parochos com os demais moradores dos concelhos não seriam izentos das quotas que lhes pertencessem; e se o legislador quizesse, se fosse a sua mente querer que as congruas dos parochos ficassem izentas das contribuições municipaes directas, como ficaram da decima, tinha-o de certo determinado igualmente. (Apoiados)

O sr. Placido disse que na provincia do Minho nenhum empregado publico paga contribuição directa municipal do seu ordenado. Este facto que póde ser verdade naquella provincia, no meu districto não o é; no meu districto todos os empregados pagam contribuições directas municipaes do seu ordenado. Os empregados de secretaria, e que são puramente empregados de secretaria, que não teem mais nada de que viver, pagam as contribuições directas municipaes, e está claro que hão de ser do seu ordenado, porque não teem outra cousa de que viver. Os pobres empregados da camara municipal que não teem mais que o seu pequeno ordenado, pagam para as contribuições municipaes directas, e pagam-nas pelo ordenado que teem.

Conheço que ha alguns parochos que só vivem de derrama, que sahe das forças dos contribuintes, mas ha outros que vivem dos rendimentos dos bens proprios das freguezias, e que não são os que vivem peor, porque razão estes não hão-de pagar para as contribuições municipaes directas? Pois os parochos gosam de todos os beneficios da municipalidade, e por que não hão-de concorrer tambem com alguma cousa para as contribuições e encargos do municipio, como todos os outros cidadãos?

Em consequencia intendo que não ha razão nenhuma para conceder aos parochos duas isenções quando elles já tem uma. Voto portanto contra o projecto n.º 17.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, eu devia crer que effectivamente a questão, depois de tanto tempo de discussão, tinha chegado á época de apresentar na sua conclusão pouca divergencia; más não acontece assim. Pelo contrario eu vejo que cada um se vai fortalecendo na convicção em que está a respeito della. Em consequencia disso direi eu tambem quaes são as miudas convicções sobre a questão.

Eu declaro que voto contra o parecer da illustre commissão de fazenda, e de passagem direi que tenho a felicitar a mesma commissão por haver desenvolvido no seu relatorio os fundamentos pelos quaes submetteu á deliberação desta camara a sua opinião. Eu sr. presidente, folgo sempre de que as commissões se desviem de uma practica muito pouco regular de calar as considerações, que as levaram a tomar tal ou tal decisão. Ordinariamente o que se tem seguido entre nós, é que quanto mais importante é o assumpto submettido a uma commissão, mais conciso é o relatorio que lhe diz respeito, o que nos faz estar mais longe do que se practica em outras nações, onde não há assumpto nenhum, que não seja largamente esclarecido no seu relatorio. Esta é a verdade dos factos, e como não se apresentou ainda o relatorio da illustre commissão de fazenda relativo aos assumptos financeiros pelo que toca á lei de meios, eu espero que quando se apresente, a illustre commissão seja tão explicita, como póde sel-o, á vista das luzes de cada um de seus dignos membros, e

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que por elle se conheça qual é a verdadeira situação do paiz. A illustre commissão de fazenda e toda a camara sabem muito bem que os relatorios em toda a parte são acompanhados de muitos dados e esclarecimentos importantes, que deixam vêr com clareza o assumpto de que se tracta; e eu por conseguinte tomo por muito bom agouro o relatorio do parecer que se apresenta ácerca da esperança que devemos ter sobre o relatorio da lei de meios.

Sr. presidente, quer-se chamar um favor a respeito de uma classe aquillo que se propõe no parecer da commissão ecclesiastica; e accrescenta-se que esse favor constitue um privilegio odioso, porque se vai collocar essa classe em uma situação, que não póde deixar de ser considerada como uma injustiça a respeito de outras classes. Ora eu creio que não e só a classe dos parochos que goza da vantagem de receber os seus vencimentos livres de toda e qualquer deducção; ha tambem outras classes que gozam desta condição, e para indicar quaes são, perguntarei á illustre commissão de fazenda, se as gratificações teem decima (Uma voz: — Mão tem). Já encontrei uma outra classe que goza deste favor que a illustre commissão de fazenda disse que era unica!

Ora, sr. presidente, ha de vêr-se ainda outra cousa, quando se considere mais sobre este parecer. Ordinariamente quem tem muito que fazer, não póde avaliar tudo devidamente, e ninguem dirá que a illustre commissão de fazenda não tem sobre seus hombros muitos encargos, muito a que attender, e que os poucos homens de que se compõe, não carregam com um trabalho enorme, por isso ninguem dirá que tambem não é para surprehender o não ter dado lo da attenção necessaria ao objecto; a commissão não distinguiu entre o orçamento do estado, e orçamento municipal, que são duas cousas distinctas.

Diz-se — os empregados soffrem os seus vencimentos descontos de decima. E uma verdade, e direi mais é uma irregularidade, porque desde que os ordenados soffrem esse desconto de decima, se o estado não póde pagar senão com menos 25 ou 30 por cento, estabeleçam-se os ordenados com essa deducção no orçamento. Mas isto não é um principio absoluto que possa applicar-se ao nosso estudo. As reducções são reconhecimento de uma força maior, que impede que ellas não se verifiquem, e são a esperança de que essa força maior cesse na presença de um estado de finanças mais prospero, porque só na presença de circumstancias extraordinarias é que os empregados devem soffrer essa reducção, e ninguem diga que a esperança é uma insignificante cousa.

Ora já se vê que a deducção imposta aos empregados publicos, dentro do orçamento tem como razão da necessidade a urgencia da fazenda publica, que impõe o sacrificio; e como compensação desse sacrificio, a esperança de um melhor futuro. Já se vê que os orçamentos do estado formam uma cousa muito distincta dos orçamentos municipaes; são cousas muito distinctas e muito diversas.

Mas é preciso distinguir a receita do estado da receita municipal; e não admira que os parochos não estejam no orçamento da decima, se elles não estão no orçamento da receita que se recebe: e portanto desde logo se explica, porque é que se estabeleceu este favor, e não privilegio odioso, como se tem dicto.

E preciso que a camara note, que em 1835 se pediu que se eliminasse do orçamento do estado a verba de 589 contos que alli vinha destinada para a sustentação do clero, ficando a sua sustentação para ser attendida por meio de uma lei de dotação geral do clero; eliminou-se a verba, mas essa lei nunca appareceu; e o clero esteve por muito tempo orfão da verdadeira dotação, essa classe não leve dotação alguma por muito tempo; até que em 1839 se procurou fazer-se-lhe justiça.

Sr. presidente, é preciso que a camara note tambem que, dentro dos proprios municipios, ha uma auctoridade, ha um corpo collectivo, um parlamento local, um parlamento municipal, que vota o orçamento da parte respectiva á congrua do parocho; que lhe vota os rendimentos, que são indispensaveis para a sua sustentação, e segundo os recursos de que póde dispor a mesma municipalidade: essa corporação saberá ou não a receita, que deve ficar para a receita do municipio? De certo que sim.

Eu creio que deu a hora; e eu preciso continuar nas minhas observações em resposta a outras, que se apresentaram em impugnação ao projecto n.º 17; por isso peço a v. ex.ª, visto já ter havido exemplo de se transferir a palavra para outra sessão, que me seja reservada a palavra para ámanhã.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Aproveito a occasião para advertir a todos os srs. deputados, que quando pedirem a palavra sobre a ordem, e se não restrinjam simplesmente á ordem, eu retiro-lhes a palavra immediatamente (Apoiados).

O sr. Silvestre Ribeiro (Sobre a ordem): — Mando para a mesa o parecer das commissões de administração publica e de legislação sobre a proposta do governo, relativa ao Hospital da Princeza Dona Maria Amelia, fundado na cidade do Funchal por Sua Magestade Imperial A Duqueza de Bragança (Leu-a).

O sr. Presidente: — Manda-se imprimir. A ordem do dia para terça feira é a continuação da que vinha para hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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