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2468 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

esse excesso realista, mas nós devemos deixar bem expressas as nossas opiniões nos annaes parlamentares, a fim de que nos possam ser exigidas as responsabilidades n'esse dies irae, que se chama a eleição. (Apoiados.)
Desejaria eu que o sr. Dias Ferreira tivesse, o que parece que a homem do valor de s. exa. devia occorrer immediatamente, estudado e investigado os principios fundamentaes do projecto, o que aliás não era difficil, porque estavam apresentados na minha exposição de principios, apreciado em summa as idéas fundamentaes que presidiram á elaboração do projecto, e os processos e os meios por que o legislador procura implantal-os na pratica social.
Seria este certamente um trabalho digno de s. exa. e que produziria, quer pelo seu assentimento á doutrina, quer pela sua leal e scientitica rejeição, resultados praticos e uteis para o paiz.
S. exa. não o fez, contentando se em respigar, aqui e alem, idéas e phrases sem ligação para d'ellas concluir o que a sua logica lhe suggeriu; pela minha parte seguirei outro caminho e procurarei defender o projecto de lei pelo processo, por que, s. exa. o devia atacar.
Sr. presidente, na minha exposição de principios digo eu que este projecto de lei é uma tentativa da sociologia moderna, isto é, d'aquella que deriva do methodo experimental da escola positivista.
Mas se é certo que nas sciencias sociologicas se inventa, se cria e se fazem descobertas como nas outras sciencias, o estadista na pratica social deve nos seus projectos de reforma applicar, quanto possivel, principios, que tenham sido corroborados pela experiencia e pela observação.
O sr. ministro é homem de talento para fazer uma organisação municipal completamente nova; não a fez, porém, nem a devia fazer, indo apenas procurar na experiencia dos povos mais cultos os melhores preceitos da administração communal.
Estou relatando quasi as phrases trocadas entre mim e o sr. ministro, quando estudavamos este projecto de lei.
Quantos systemas de administração municipal ha na Europa? Podem classificar-se, os principaes, em dois, o francez e o inglez; cada um com os seus caracteres proprios e especiaes.
O systema francez caracterisado pela symetria das instituições e pela centralisação nasceu nos fins do passado seculo, porque até ahi a França não tinha unidade, nem symetria, nem mesmo centralisação propriamente dita na sua organisação administrativa. Todos sabem que a França do antigo regimen se dividia em muitas provincias, algumas das quaes gosavam tradicionalmente de varias liberdades e privilegios proprios.
O systema moderno da administração franceza nasceu com a republica do 1793, póde assim dizer-se.
Iniciado pela constituinte de 1789 e por ella traçado nas bases geraes, que ainda hoje conserva, o systema francez foi profundamente elaborado e aperfeiçoado pelas assembléas que se seguiram a esta.
A necessidade de dar unidade á França, e sobretudo de cortar bruscamente a tradicção viva do antigo regimen, originaram nas assembléas revolucionarias as idéas de rigorosa symetria nas instituições, em que a unidade territorial se combinava estreitamente com a hierarchia forte e bem centralisada.
A administração franceza é, pois, um systema artificial, emquanto a administração ingleza é um systema historico e tradicional.
E a tal ponto chegou o espirito de symetria e de methodo que a alguem lembrou dividir a França, não em departamentos nem em communas, mas em quadrados iguaes. Não se fez isso, porém, porque um mathematico illustre, cujo nome me não recorda, declarou que esta operação geodesica, embora possivel, deveria gastar muito tempo.
Ora, a assembléa, felizmente, tinha pressa em terminar a sua tarefa, aliás teriamos talvez visto este cumulo de symetria.
A França, que foi, é e ha de ser, sempre, o chefe da raça latina, deu-nos este exemplo ; as differentes revoluções liberaes que n'este seculo têem agitado os povos latinos foram todas beber n'aquella fonte os principios da administração publica, como tambem o fizeram nas constituições politicas, acontecendo assim que Portugal, a Hespanha, a Italia e a Belgica mais ou menos profundamente modelaram as suas instituições administrativas pelas do povo francez.
Se effectivamente esta importação foi boa ou má, occasião não me parece ser esta para o discutir; para mim julgo, porém, que não foi boa, melhor teria sido acceitar a antiga tradição, harmonisal-a com as idéas novas e liberaes, creando assim instituições historicas á similhança da Inglaterra. (Apoiados.)
Hoje, porém, é tarde para uma tentativa d'esta ordem. Não se volta para traz na historia.
Para nos consolarmos podemos mesmo dizer que não tem dado maus resultados o nosso systema administrativo, mas comprehende-se que, se ha uma organisação melhor, a devemos experimentar; ora a administração ingleza tem dado bons resultados.
Todos sabem que a administração ingleza se funda na completa descentralisação, na vida local independente, no governo da communa pelos cidadãos livres, no self-government emfim. Querem alguns que hoje manifeste em Inglaterra uma tendencia pronunciada para a centralisação. E falso. A meia centralisação ingleza, como lhe chamam, não obedece às idéas de centralisação, que nós temos.
As communas inglezas governavam-se a si proprias por tal forma, o grau de independencia era tal, que realmente a descentralisação na Inglaterra merecia o verdadeiro nome de pulverisação. Eram quasi estados independentes.
Os estadistas inglezes procuram hoje apenas dar unidade aos grandes serviços nacionaes.
Ninguem comprehende que a direcção dos serviços geraes de saude e hygiene publica não sejam centralisados; seria um absurdo entregar á vontade e á iniciativa das corporações locaes este serviço, como todos aquelles que têem uma natureza geral e de interesse nacional.
A meu ver, pois, a Inglaterra não retrocede, apenas aperfeiçoa os seus principios administrativos.
E poderão elles acclimar-se entre nós?
Não podemos, certamente, transportar para Portugal as instituições inglezas ; podemos, todavia, ensaiar os seus principios, adequando-os, bem entendido, ao nosso meio social.
Resta apenas conhecer bem estes principios para verificarmos se podem ser applicados á grande collectividade municipal de Lisboa.
Neste ponto vou dar a palavra a um publicista que já anteriormente citei, ao conde Alexis de Tocqueville.
Vou ler no seu bello livro A democracia na America as opiniões d'este publicista, relativas a um dos ramos da administração ingleza, a municipal.
Este livro é tão conhecido que seria quasi escusado fazer esta leitura.
Effectivamente foi a administração americano-ingleza que Tocqueville estudou, mas todos sabem que a America importou da Inglaterra a lingua, os costumes e até as proprias instituições locaes, apenas temperadas, e mais tarde direi em que, pelo espirito democratico e novo das sociedades americanas.
Não podendo estudar a organisação communal de trinta e tantos estados, o publicista dirige as suas vistas para o estado da Nova Inglaterra, como aquelle que a manifesta mais perfeita.
«Vê-se nas communas da Nova Inglaterra, vender e comprar, intentar acções judiciaes, sobrecarregar ou alli-