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SESSÃO NOCTURNA DE 19 DE JUNHO DE 1885 2469

viar o orçamento, sem que qualquer auctoridade administrativa se lembre de intervir n'estes actos.»
Aqui a descentralisação é completa, e perfeita a liberdade da corporação local. O dogma da soberania do povo encontra uma realisação completa.
«As communas em geral não ficam subordinadas ao estado, senão quando se trata de um interesse, que chamarei social, isto é, que ellas partilham com outras.»
Em Portugal, certamente, similhante organisação não podia, ainda hoje subsistir. Este estado de perfeição relativa nas instituições locaes prepara-se por meio de longa e boa educação civica e social. Querer implantar um principio d'esta ordem no nosso paiz que não está, por emquanto, para elle educado, seria uma loucura.
O grande valor do projecto em discussão reside principalmente, a meu ver, no seu espirito positivo e moderno e adequado ao meio proprio, a que elle deve applicar-se, se for approvado.
Idéa nova, sensata, prudente e scientifica, que estuda os melhores principios da moderna sociologia, sem perder de vista a sociedade, que pretende reformar.
Não aquella idéa, que se diz velha, de um chefe de partido, quasi radical, que descobriu haverá mezes, que a nossa formula politica devia ser a de uma monarchia com instituições republicanas.
Singular concepção para aquelles que suppunham que republica e democracia não são, nem foram sempre, a mesma cousa: singular reunião de idéas que essencialmente se contradizem, pois quem diz monarchia diz hereditariedade e quem diz republica diz elegibilidade do chefe.
Sigâmos, porém, com os nossos raciocinios e procuremos os restantes caracteres da administração ingleza.
Chamo a attenção da camara para esse ponto.
«Vêde com que arte, na communa americana, se teve cuidado, se me posso assim exprimir, em espalhar o poder a interessar muitos cidadãos nos negocios publicos. Alem dos eleitores, chamados periodicamente a praticar actos do governo, que funcções diversas, quantos magistrados differentes, os quaes todos, no circulo das suas attribuições, representam a poderosa corporação em cujo nome administram !
«Quantos cidadãos exploram assim em seu proveito o poder communal e directamente só interessam n'elle?
«O systema americano, ao mesmo tempo que divide o poder entre um grande numero de cidadãos, não vacilla tambem em multiplicar os deveres communaes. Nos Estados Unidos pensa-se com rasão ser o amor patrio uma especie de culto, a que os homens se ligam pelas praticas.
«Assim a vida communal faz-se por alguma fórma sentir a cada passo; manifesta-se diariamente pelo cumprimento de um dever ou pelo exercicio de um direito. Esta existencia politica imprime á sociedade um movimento continuo, mas na essencia pacifico, que a agita sem a perturbar.»
São estes exactamente os principios do projecto do lei que se discute.
E para terminar com esta longa citação permitta-me a camara que lhe mostre ainda quaes são os resultados d'esta excellente educação civica, porque já do tempo de Montesquieu se sabe que uma boa legislação actua poderosamente sobre os costumes publicos.
«O habitante da Nova-Inglaterra liga-se intimamente á sua communa, porque ella é forte e independente, interessa-se pela sua administração, porque concorre para a dirigir; ama-a, porque não tem a lamentar-se da sua sorte particular; n'ella põe a sua ambição e o seu futuro; occupa-se de todos os incidentes da vida communal; n'esta esphera restricta, que está ao seu alcance ensaia-se para governar a sociedade; habitua-se aos processos, fóra dos quaes a liberdade procede pela revolução; compenetra-se do seu espirito; toma gosto pela ordem; comprehende a harmonia dos poderes e finalmente collige idéas claras e praticas ácerca da natureza dos seus deveres, assim como sobre a extensão dos seus direitos.»
Eis, sr. presidente, as manifestações de uma religião civica; eis-aqui para os descrentes do velho mundo como procede um povo novo e energico.
É certo que em parte esta actividade politica provem das qualidades de raça, mas innegavel é que deve attribuir-se tambem á longa educação de gerações successivas nos principios da liberdade e nos habitos do self-government.
É uma raça nova, dir-me hão.
Talvez; mas derivada de um bem velho tronco.
Não, sr. presidente, os povos não envelhecem nem morrem; como a mythologica Fenix, renascem das suas proprias cinzas e rejuvenescem pela liberdade.
A nossa raça não se extingue, não caimos ainda de decrepitude; uma reacção vigorosa, que já se manifesta claramente no nosso meio social, ha de dar-nos a legitima e digna posição que merecemos no concerto das nações civilisadas e novas. (Apoiados.)
Para terminar, sr. presidente, com a exposição dos principios geraes da administração ingleza, apenas citarei mais este periodo:
«A communa da Nova-Inglaterra reune duas vantagens, que, em toda a parte aonde se encontram, excitam vivamente o interesse dos homens; a saber: a independencia e o poder. Funcciona, é certo, n'um circulo de onde não póde sair, mas ahi os seus movimentos são livres. Só esta independencia lhe daria já importancia real, quando esta lhe não fosse assegurada pela extensão e pela população.»
É preciso que nos persuadamos bem de que em geral a affeição do homem não se concentra senão aonde encontra a força. O amor patrio não dura muito tempo num paiz conquistado. O habitante da Nova-Inglaterra affeiçoa se á sua communa, não tanto porque esta lhe foi berço, más porque vê n'ella uma corporação livre e forte, de que faz parte e a que vale a pena que alguem procure dirigir.
«Na Europa acontece muitas vezes que os proprios governos lamentam a ausencia do espirito communal, porque todos concordam em que este espirito é um poderoso efemento de ordem e de tranquillidade publica, mas não sabem desenvolvel-o, tornando a communa forte e independente; temem dividir o poder social e expor o estado á anarchia. Ora tirae a força e a independencia à communa, vós não achareis n'ella jamais senão administrados e nenhuns cidadãos.»
Sr. presidente, estas ultimas palavras parecem ter sido escriptas para responder a algumas aggressões dirigidas contra este projecto de lei.
Procurei, como a camara vê, desenvolver as minhas opiniões, não expondo-as com as minhas singelas phrases, mas firmando-as com a eloquencia de um publicista distincto n'um livro escripto haverá cerca de trinta annos.
Parece-me sufficiente o que deixo dito para esclarecer o systema da administração ingleza e para que reconheçam aquelles que conhecerem o projecto de lei, como elle foi organisado sobre os seus melhores preceitos.
São contestaveis esses principios? Não?
São inapplicaveis ao nosso meio social? Não
Por esta fórma comprehendia eu que mu homem do valor do sr. Dias Ferreira attacasse ou defendesse o projecto em discussão; por outro modo, francamente, a discussão não ficou por certo á altura dos seus merecidos creditos parlamentares.
Sr. presidente, disse eu que a legislação americana tinha corrigido a ingleza.
Effectivamente a tendencia da administração ingleza é a de entregar todas as suas funcções às classes ricas; esta tendencia, aliás, manifesta se em tudo, porque o genio mercantil inglez considera as classes pobres como indignas do

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