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1931

Discurso do sr. deputado Santos e Silva, proferido na sessão de 11 de junho, e que devia ler-se a pag. 1886, col. 1.ª, lin. 55 do Diario n.° 134

O sr. Santos e Silva: — Vae alto o debate do orçamento. Placida e serena tem corrido a discussão. Pena é que a tenham vindo marcar desgraçados incidentes, como aquelles que acabâmos de presencear (apoiados). Lembremo-nos do que devemos a nós e ao paiz (muitos apoiados). Isto assim não póde continuar. Podem d'aqui seguir-se lamentaveis consequencias, que todos nós temos obrigação de evitar (apoiados).

Isto não póde ser (apoiados). É necessario não esquecer os recentissimos acontecimentos que nos enlutaram a todos (commoção na assembléa). Não accuso ninguem, mas parece-me que deve haver da parte de alguem a restricta obrigação de pôr um veto a todas as questões pessoaes que aqui se levantam (muitos apoiados). A tribuna parlamentar não póde ser um pugilato de recriminações individuaes. Na tribuna parlamentar não se podem levantar incidentes, que porventura tenham cabida n'outro logar, e que nós aqui por uma mal entendida tolerancia deixâmos progredir, para depois termos a lamentar tristissimas fatalidades, que já se não podem remediar...! (Sensação e apoiados.)

Respeito e estimo todos os meus collegas, não accuso ninguem, nem aggredidos nem aggressores; mas deploro a nossa falta de memoria, e a facilidade com que se esquecem desgraças, que ainda não ha muito dias vieram cobrir de funebres crepes uma cadeira n'esta casa... Está na mão de V. ex.ª e da camara obstar a estes estranhos incidentes. É necessario que de hoje em diante ponhamos um obice insuperavel a questões que nos rebaixam aos olhos do paiz e aos olhos do mundo civilisado (muitos apoiados). O systema parlamentar não se eleva assim.

O sr. Presidente: — O sr. deputado foi testemunha de que foi em consequencia de uma votação da camara que tiveram logar os dois discursos que acabâmos de ouvir.

O Orador: — É essa a rasão por que já disse que não accuso ninguem, e só peço, por Deus e pela nossa dignidade, que ponhamos fim a isto, como eu tambem desde já lhe vou pôr (apoiados).

Não costumo desistir da palavra, e vou entrar no debate quasi forçado. Nem o meu estado de saude, que não é muito bom, nem as actuaes disposições do meu espirito permittem que eu faça um longo discurso. Se não estão esgotadas todas as generalidades para a camara, sobre o orçamento, estão para mim, esgotadas quasi todas as fontes onde podia ir beber inspirações. Não me resta senão respigar um ou outro ponto orçamental, que por menos importante ficou desprezado no vasto campo da refrega parlamentar. Não serei pois longo, porque se não estou animado como nunca estive, de grandes enthusiasmos pelo governo, tambem não me estimula o appetite de lhe fazer uma crua opposição em questões orçamentaes. Nunca me senti com menos disposição para fazer um discurso. Não é precaução oratoria, é a verdade sem rodeios.

Vou pois sem mais preambulos fazer algumas observações sobre o orçamento do estado.

O orçamento da receita e despeza publicas, para o exercicio de 1867-1868, foi calculado na conformidade da lei, segundo diz o relatorio que o precede; e descreve por completo as despezas todas do estado e os rendimentos que se arrecadam no thesouro, sem attenção aos encargos que não são pagaveis, ao progressivo augmento da receita geral, e a varias outras circumstancias que mais ou menos directamente influem na verdadeira apreciação da situação financeira do paiz. São phrases textuaes do relatorio.

É assim que no resumo que acompanha o presente orçamento encontrâmos o seguinte:

Receita............ 15.840:018$699

Despeza............ 22.536:716$663

Deficit............ 6.696:697$964

Acode logo em seguida o relatorio a renegar este resultado, affirmando-nos que o deficit, saído dos preceitos da lei, é um filho illegitimo, bastardo, abstracto, não obstante ter nascido da comparação da receita com a despeza, equação, em cujos membros apparecem 9 e 3 réis, como prova dos sinceros escrupulos empregados por parte do governo pára organisar um orçamento dentro dos estrictos limites da lei. Os numeros redondos tornaram-se este anno suspeitos, apesar de uma certa predilecção mostrada por elles o anno passado, em documento igual ao que estou analysando.

Mas folheemos o orçamento, peregrinemos estes sáfaros e ingratos areiaes de cifras e calculos, a ver se descobrimos algum oasis appetecido, a cuja frescura e sombra descanse, reclinado e sereno, o filho legitimo do nosso orçamento, o deficit verdadeiro, apesar de não ser legal, porque não é o producto dos preceitos da lei, mas da critica justa e rigorosa, que é quem póde apreciar as exagerações para mais ou para menos na receita e na despeza do estado. Não estou expondo doutrina minha; reproduzo apenas as idéas do relatorio e do nobre ministro no discurso que hontem aqui pronunciou.

D'aqui podia eu desde já tirar uma conclusão, e é que, aquelle que se guia pela lei, feita para evitar arbitrios, erra, calcula mal, e avalia pessimamente o estado financeiro do paiz; emquanto que a critica justa e rigorosa de cada um é a pedra de toque das nossas finanças, o escalão por onde se deve medir a verdade da nossa fazenda publica. Cada um de nós está pois muito no caso de coordenar um orçamento seu, e de expor á contemplação do publico um deficit, mais ou menos aprimorado, segundo os gráus de força da sua critica justa e rigorosa.

Não faço censuras a ninguem; o que fez o illustre ministro da fazenda é o que têem feito todos os seus antecessores; mas por similhante caminho nunca chegâmos a ter um orçamento aceitavel. Se o orçamento vale alguma cousa; se é a base das nossas apreciações ácerca da fazenda publica; se é o espelho que deve reflectir o estado das finanças do paiz; se é um livro onde se podem colher ensinamentos sobre a boa ou má organisação dos nossos serviços; assentemos um dia, e por uma vez, nas regras que devem guiar a mão do governo na sua feitura e coordenação. Se os preceitos do regulamento geral de contabilidade são restrictos, escuros ou incompletos, aperfeiçoemo-los ou façamos nova lei. Fallemos verdade ao paiz, tanto quanto é possivel dizer-lh'a. N'um documento tão importante como é o orçamento, não póde o arbitrio do governo amontoar cifras e inventar receitas, ou apadrinhar deficits que apparecem escoltados por mil suspeitas.

Sou o homem publico menos competente para apresentar alvitres, ou indicar reformas, nos serviços publicos. Inhibem-me de similhante tenta-me a minha inexperiencia nos negocios da republica, e a minha curta vida parlamentar. Affigura-se-me porém, que coordenaríamos melhor um orçamento se fundissemos o nosso anno economico no anno civil. As fusões não são antipathicas aos partidos quando vão em decadencia ou estão a expirar (apoiados), se bem que não estão em cheiro de santidade aos olhos do paiz. Tentemos pois uma fusão nos serviços financeiros, a ver te somos mais felizes.

Começando o anno economico em 1 de janeiro, deveria abrir-se o parlamento nos principios de novembro anterior, para discutir exclusivamente o orçamento, até fins de dezembro, depois de constituida a camara, eleitas as commissões e feitos os comprimentos ou prestadas as homenagens ao chefe do estado.

O orçamento não devia entrar no prelo antes do meiado de outubro, e exhibiria todas as notas e esclarecimentos dos nossos rendimentos e despezas relativas aos nove mezes anteriores. Por este methodo estariamos mais conhecedores da verdade, quando discutíssemos aquelle importante documento, o conheceríamos melhor o movimento das nossas finanças.

Por exemplo, para avaliarmos uma das mais importantes fontes da receita publica, como é o imposto do tabaco, calculariamos o seu rendimento pela media dos nove primeiros mezes do anno anterior, e não a uma distancia de sete mezes atrás, como acontece este anno, e ainda assim pela benevolencia do sr. ministro da fazenda, que nos quiz dar o rendimento, dos primeiros cinco mezes do anno economico corrente. Se não fosse benevolencia, que na verdade não foi generosa, porque era necessario a s. ex.ª estender as suas receitas com a media do tabaco, teriamos apenas os elementos do anno economico anterior, quer dizer a uma distancia de doze mezes, como acontece sempre, não obstante estarmos a discutir o orçamento no fim do anno economico, e devermos ter esclarecimentos pelo menos de dez mezes, porque a illustre commissão de fazenda apresentou o seu relatorio com data de 15 de maio. O que succede a respeito do tabaco, dá-se nas mais receitas e em todas as despezas.

A illustre commissão não quiz dar-se ao trabalho de nos fornecer, n'estes pontos, informações ulteriores á coordenação do orçamento, naturalmente para não interromper a tradição das suas antecessoras.

Discutido o orçamento, vinha a discussão de janeiro por diante, de todas as medidas ministeriaes ou da iniciativa parlamentar, e um orçamento rectificativo podia dar-nos no meio do anno ou no fim da sessão, o estado approximado da nossa fazenda publica (apoiados).

Tambem me parece que, para regular melhor a nossa contabilidade, e fiscalisar com mais proveito a nossa receita e despeza, se deveria encurtar o praso dos exercicios. Em logar de vinte e quatro mezes poderiamos ter quinze, como ha n'alguns paizes. Deixemos porém esta questão, e voltemos ao orçamento.

Disse hontem o nobre ministro, que se não deve avaliar o estado da fazenda publica pelo deficit, ou pelo desvio entre a receita e a despeza!!

Pois por onde se deve avaliar? Bem sei que, quando ha diante de nós um horisonte risonho de esperanças, desapparecem, ou devem desapparecer estes receios, de que os espiritos timoratos e melancolicos se possuem. Mas cada poeta tem os seus idylios, e até cada financeiro tem as suas phantasias. As causas são porém o que são, e a riqueza de um paiz não cresce pelos esforços da imaginação de qualquer optimista (apoiados).

Temos lançado, e vamos lançando, algumas sementes para desenvolver a publica prosperidade. Mas os fructos vem sempre tarde; a colheita é sempre lenta, e cortada de mil accidentes e difficuldades; e, ás vezes, a arvore secca-se, ou atrophia-se, porque lhe falta a seiva; e a seiva faltou porque, em vez de aviventarem os mananciaes, sequestraram a agua que regava a arvore. Esta é que é a verdade (apoiados).

Appellar para o tributo exagerado, e dar em resposta aos queixumes do paiz: «ahi tens, em troca, um milhão de leis», póde ser um descargo de consciencia, mas póde tambem ser uma cruel ironia.

Abramos, pelo presente, caminho para o futuro; e o presente manda-nos ser cautelosos na despeza, e severos nas economias (apoiados).

A primeira obrigação do homem d'estado é avaliar bem os recursos do paiz. Não exageremos as fontes da nossa riqueza; se não temos em a nossa agricultura, industria e commercio, os recursos com que a Providencia favoreceu outros paizes, restrinjamo-nos a viver n'uma honesta mediania. Havemos de ser assim mais respeitados, do que se nos lançarmos na vida aventurosa, levados pela ridicula vaidade de querer imitar as grandes nações.

A vida dos cavalheiros de industria, individuaes ou moraes, é seductora e deslumbrante, emquanto lhes sopra uma certa aragem de fortuna; mas não são raros aquelles que vão morrer a um hospital (apoiados).

No relatorio, que antecede o orçamento, e na sua oração de hontem preoccupou-se o illustre ministro com o estado estacionario, em que vê o rendimento das alfandegas de Lisboa e Porto, e regista com prazer o progressivo crescimento da alfandega municipal, que s. ex.ª nos dá como seguro indicio de prosperidade. Permitta-me a camara algumas observações n'este sentido.

Eu não pretendo devassar, nem attribuir ao nobre ministro, intenções, que não sejam as suas, mas póde deduzir-se das suas observações, aliás judiciosas, uma especie de suspeição lançada principalmente sobre o serviço e fiscalisação da antiga alfandega grande de Lisboa. O rendimento d'esta casa, ha tempos a esta parte, parece não acompanhar o desenvolvimento progressivo da prosperidade geral do paiz; mas eu não sei se por ora ha motivos fundados para suspeitar da fiscalisação. Nem as violentas crises financeiras, que assolaram os mercados da Europa, nem as guerras que se têem travado, nem as hesitações e receios, que ha tempos anuviam os horisontes politicos de dois mundos, e como que paralysam as transacções commerciaes, são para o governo causas que expliquem o phenomeno economico, para que chama a nossa attenção. Para o Porto ainda ha uma causal que dê até certo ponto a rasão da quebra no rendimento; é a diminuição na importação da aguardente, derivada da melhor colheita na nossa producção vinicola. Para Lisboa, não ha por ora explicação possivel, e o governo está esperando os resultados de um inquerito, a que mandou proceder, por via de uma commissão, nomeada ad hoc.

Em factos de tanta importancia, não bastam simples phrases de um relatorio; ser-nos-ia mais agradavel de certo, e elucidaria melhor a questão a exhibição de mappas do rendimento das nossas casas fiscaes e especialmente da alfandega de Lisboa, visto ser a que mais prende a attenção do governo; mappas que abrangessem uns poucos de annos, e servissem para marcar as tendencias do estacionamento, da diminuição ou do crescimento, mappas formalisados em vista da ultima reforma por que passaram as alfandegas, e da transformação por que passou a receita do tabaco. Seria conveniente conhecer até que ponto a reforma aduaneira de 7 de dezembro de 1864 tem influido na receita geral da antiga alfandega grande Lisboa. O nobre ministro e a camara sabem, que por aquella reforma se ampliou a outras alfandegas o despacho de certos generos.

No artigo 1.° das instrucções preliminares da pauta gera! das alfandegas do continente de Portugal e ilhas adjacentes de 18 de dezembro de 1861, edição official, contendo as alterações decretadas pela carta de lei de 14 de fevereiro do mesmo anno, era só pelas alfandegas grande de Lisboa e do Porto, no continente, que se admittiam a despacho de importação: 1.°, bebidas fermentadas ou distilladas; 2.°, bijuterias, perolas e gemmas em bruto ou lapidadas; 3.°, tecidos de algodão, de lã, de linho e de seda; 4.°, obras d'esses mesmos tecidos. Exceptuavam se as pequenas quantidades de bebidas fermentadas, que vindo de-