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N.º 11

SESSÃO DE 15 DE JUNHO. 1853

PRESIDEM DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada; — Presentes 82 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1ª. Do sr. Corrêa Caldeira, mandada hontem para a mesa, participando que o sr. Antonio Emilio não podia, por impedimento legitimo, comparecer á sessão de hontem. — Inteirada.

2.ª Do sr. Sousa Cabral, participando que o sr. Pinheiro Ozorio não póde, por justo impedimento, assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

Officios: — 1.º Da camara dos dignos pares, participando que foram adoptadas por aquella camara as proposições de lei que desta camara lhe foram enviadas: — 1.º sobre a construcção de um caminho de ferro — 2.º fixando a força militar do exercito; — e 3.º augmentando os direitos da exportação da praia; as quaes todas depois de reduzidas a decretos das côrtes, vão ser levadas á sancção regia. — Inteirada.

2.º Do ministerio da justiça, acompanhando os pareceres do supremo tribunal de justiça, das 3 relações civis, da associação dos advogados da capital, e relatorios das presidencias das mesmas relações, tudo concernente á organisação e reforma judicial, a fim de ser presente á commissão competente. — Á commissão de legislação.

3.º Do ministerio da fazenda acompanhando o mappa do vinho e aguardente, exportado de Lisboa para as nossas possessões de Africa nos annos de maio de 1847 a maio de 1851; satisfazendo assim a um requerimento do sr. visconde da Junqueira. — Para a secretaria.

4.º Do mesmo ministerio, devolvendo com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento da viscondeça de Jerumenha, sobre o pagamento da sua pensão. — Á commissão de fazenda.

5.º Do ministerio das obras publicas, participando que estão affectas ao conselho de obras publicas e minas as representações das camaras municipaes, que tem sido dirigidas ao governo, pedindo a construcção das estradas, que, começando em Foz-Dão, passem pelo Carregal, dirigindo-se a Mangoalde e a Gouvêa; porém se assim mesmo a camara instar pela remessa destas representações, as remetterá sem demora. — Para a secretaria.

Representações: — 1.ª Da camara municipal da cidade de Penafiel, pedindo que se conceda um gráo academico aos alumnos nas escólas cirurgicas de Lisboa e Porto. — Á commissão de instrucção publica.

2.ª Da camara municipal de Braga sobre o mesmo objecto que a antecedente. — Á mesma commissão.

3.ª Da camara municipal de Santo Thirso sobre o mesmo objecto. — Á mesma commissão.

4.ª Da camara municipal de Sabroza ainda sobre o mesmo objecto. — Á mesma commissão.

5.ª Da camara municipal de Borba, pedindo a extincção das terças dos concelhos. — Á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

6.ª Da mesma camara, pedindo que seja creada uma cadeira de latim na villa de Borba. — Á commissão de administração publica.

SEGUNDAS LEITURAS.

Requerimento: — Requeiro que pelo ministerio dos negocios da marinha e do ultramar seja informada esta camara:

1.º Se é verdade que os inglezes fizeram ultimamente algum tractado com o Regulo de Ambrioz!

2. Se o rei de Cabinda enviou ha pouco ao governador geral de Angola a confirmação do reconhecimento de sujeição á corôa portugueza.

Em caso affirmativo, requeiro que, pelo indicado ministerio, sejam remettido a esta camara os respectivos papeis officiaes, com a declaração das diligencias, que o governo portuguez tem feito, para manter a integridade, e proteger os interesses das nossas possessões de Africa occidental. — Silvestre Ribeiro.

Foi remettido ao governo.

Teve tambem segunda leitura o requerimento apresentado hontem pelo sr. Silvestre Ribeiro, pedindo ao governo a remessa dos papeis officiaes, que expliquem o motivo, por que cessou a interrupção da correspondencia official entre o governo de Portugal e a legação Brazileira na Côrte de Lisboa.

Foi admittido á discussão.

O sr. Arrobas: — Pedia que ficasse adiada a discussão deste requerimento até estar presente o ministro competente. Como é negocio diplomatico, seria conveniente ouvir explicações de s. ex.ª

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu concordo com o adiamento proposto pelo meu collega o sr. Arrobas; mas quizera que se intendesse, que basta a presença de qualquer dos membros do gabinete; porque este negocio não pertence só ao sr. ministro dos negocios ecclesiasticos, não tem sido sómente tractado por s. ex.ª; é negocio de conselho de ministros, e todos os membros do gabinete devem considerar-se igualmente instruidos, e informados a seu respeito, por consequencia approvo o adiamento neste sentido — até estar presente qualquer dos membros do gabinete.

O sr. Arrobas: — Eu concordo com esta idéa do illustre deputado o sr. Corrêa Caldeira.

Ficou adiado o requerimento até estar presente algum dos membros do gabinete.

O sr. Presidente: — Hontem ficou sobre a mesa o parecer da commissão de marinha, que approva a alteração feita pela camara dos dignos pares, em um projecto que desta lhe foi enviado, a fim de ser examinado pelos illustres deputados, e discutir-se sem ser impresso, como resolveu a camara. Quererá a camara discuti-lo agora 1 (Apoiados) Então vai ler-se.

É o seguinte:

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Parecer. (n.º 48. A): — A commissão do marinha examinou as alterações propostas pela camara dos dignos pares do reino, relativas; proposição de lei approvada, por esta camara, em sessão de 3 de maio do corrente anno, sobre a annullação das reformas dos officiaes da armada Thomaz Henrique Valadim, José Alaria de Sousa Soares de Andréa e Antonio José Alves; e reconhecendo que o principio fundamental da referida proposição de lei não se acha alterado, e que penas soffreu modificação em parte o artigo 2., contendo uniu exposição facultativa, cuja execução depende do governo, e não está em desaccordo com o pensamento primitivo desta camara; intende a vossa commissão que a mencionada proposição está nos lermos de ser convertida em lei, pela forma que indica a sobredicto camara dos dignos pares do reino.

Casa da commissão de marinha 11 de junho de 1853. — Frederico Leão Cabreira, Presidente, = Antonio de Mello Breyner =. Antonio Ladislau da C. Camarate = J. F. Pestana = G. J. A. D. Pegado.

Alteração a que se refere o parecer antecedente.

Art. 1.º «É o governo auctorisado a passar, como addidos á 1 companhia de veteranos de marinha, nos postos em que actualmente se acham como reformados, os officiaes de que tracta o artigo 1.º desta lei, na conformidade do artigo 4.º da carta de lei de 28 de agosto de 184-8, aproveitando-lhes o beneficio do decreto de 6 de novembro de 1851.»

O sr. Corrêa Caldeira: — Seria conveniente que algum dos illustres membros da commissão produzisse as razões que tem para approvar a emenda feita na lei.

O sr. Camarate: — Esta camara auctorisou o governo a considerar na effectividade de serviço estes officiaes, a quem se deu a reforma, para que se lhes dessem todos os postos quantos lhes competiam até ao dia 6 de novembro de 1851; e na camara dos dignos purés do reino restringiu-se isto; mas a restricção é mais propriamente de redacção, porque effectivamente a estes officiaes não compete mais do que se lhes vem a dar por essa emenda feita na outra camara; e só ha uma excepção a respeito de um dos officiaes, que esta mais apto para o serviço: comtudo consta-me que elle tem sollicitado por todas as formar, que se approve o projecto com essa emenda, porque antes quer que se lhe dê alguma cousa menos, do que ficar no estado em que está; e se por ventura neste negocio houvesse commissão mixta) elle viria a perder tudo. Por consequencia póde approvar-se o projecto com a emenda que veiu da camara dos dignos purés, que é só de redacção, e não fez differença nenhuma, ou quasi nenhuma.

Não havendo quem mais tivesse a palavra, foi o parecer submettido á votação e approvado.

O sr. Presidente: — Este projecto vai ser reduzido a decreto das côrtes; e pedir-se-ha dia para ser levado á sancção regia, para o que se nomeará a deputação respectiva.

O sr. Secretario (Rebello dr. Carvalho): — Estão muitos pareceres de commissões sobre a mesa; se a camara convem, lerei alguns. (Apoiados)

Foram lidos na mesa os seguintes:

Parecer (n.º 50 B) — A commissão de legislação examinando uma representação, em que a direcção da companhia Auxilio pede que seja approvado

o artigo 32. dos seus estatutos com a modificação feita pela commissão de legislação da camara dos dignos pares do reino em 1848, intende que aquelle artigo nem mesmo com esta modificação deve ser approvado.

O artigo 1.º assim modificado é concebido nos termos seguintes — «Os successores de bens vinculado não obrigados ale onde chegar a importancia da terça parte dos seus rendimentos nos primeiros 10 annos, a pagar por esta terça parte as dividas dos d antecedentes administradores, se bens patrimoniaes não houverem, e sejam quaesquer que forem os credores: provando-se que foram contrahidas para necessaria sustentação dos mesmos administradores, ou de suas familias ou para servir o estado; o nesta conformidade empregadas as quantias devidas. — »

A commissão reconhece a necessidade que ha de libertar a terra para que a agricultura possa prosperar; e que por isso a nossa legislação sobre vinculo precisa ser reformada; mas intende que quaesquer que possam ser os inconvenientes della, se aggravaram, se em logar de serem reformados n'um projecto geral e combinado, de que a commissão se occupa, se tractasse de os remediar com providencias especiaes e deslocadas, que apresentariam um privilegio a outro privilegio.

Os fins, que se tem em vista na providencia, cuja approvação se pede, são justos e sanctos; mas póde-se abusar delles para dar logar a prodigalidade dos administradores dos vinculos, em proveito da agiotagem, e com grave prejuizo dos seus successores; o por isso não seria prudente dar uma liberdade de que se póde abusar, deixando subsistir as restricções que são mais pesadas e menos necessarias.

Portanto a commissão é de parecer que seja indeferida a representação.

Casa da commissão, 21 de abril de 1853. — Bazilio Alberto = Mello Suares = J. A. de Freitas =. F. G. da Silva Pereira — J. F. Soares d'Azevedo — Vellez Caldeira = J. F. Duarte Nazareth = M. J. Cardozo Castello Branco.

Foi approvado sem discussão.

«Foi lido igualmente um parecer da commissão de fazenda sobre o requerimento, em que alguns empregados das repartições extinctas, addidos a differentes repartições do estado, se queixam de terem sido despedidos, ficando assim privados das vantagens que lhes conferia o decreto de 30 de julho de 1844: — a commissão intende que os supplicantes só tem direito ao subsidio que se acha estabelecido por lei; e que as vantagens adquiridas por circumstancias extraordinarias, não podiam privar o governo de adoptar as previdencias que fossem mais conducentes á melhor organisação e economia das repartições publicas; e com quanto seja de desejar que o governo empregue de preferencia estes empregados, não julga a commissão, que possa ser attendida de outra fórma a pretenção dos requerentes.»

O sr. Avila: — Affigura-se-me que este parecer é a questão que aqui se tractou hontem. Não pedi a palavra para combater o parecer da illustre commissão, que me parece regular, até por ser a refutação do que aqui ouvi hontem: entretanto, como intendo que a questão não está ahi muito claramente enunciada, parece-me que elle deve ser discutido na presença do sr. ministro da justiça; porque a idéa que

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eu formo do negocio, em vista da leitura repelida, que ouvi fazer na mesa, é a seguinte.

Havia no ministerio da justiça empregados de repartições extinctas, que, por se acharem alli, venciam uma gratificação. Essa gratificação estava auctorisada pelo decreto de 30 de julho de 1814, que esses empregados invocam, e que serviu de base á resolução que foi combatida aqui hontem, e que eu espero, por honra do governo, e da camara, que não continue. Esse decreto diz (Leu).

Art. 3.º II Os individuos das classes inactivas, que forem chamados, a serviço temporario ou de commissão, terão direito em quanto durar o seu exercicio, a uma gratificação diaria etc.»

A hypothese de que tracta este artigo é a seguinte — aos pensionistas do estado, a quem por aquelle decreto se reduziram á metade as suas pensões, quando pelo governo eram chamados para servir em qualquer repartição do estado, se lhes desse uma gratificação pelos dias em que serviam, por exemplo de 500, 400 ou 300 réis diarios.

Em virtude disto havia em todas as repartições do estado empregados de classes inactivas, que venciam estas limitadas e tenues gratificações. Agora, parece-me que os empregados das repartições extinctas, que estavam no ministerio da justiça, foram despedidos, talvez para se economisar a tenuissima gratificação que se lhes dava: e eu não posso censurar o governo por isso, se elle intendeu que estes empregados não eram lá precisos. Se a hypothese é esta, não ha que fazer senão approvar-se o parecer da commissão: mas póde ser que haja alguma circumstancia que nós ignoremos; então parecia-me melhor, para não denegarmos redondamente justiça a estes empregados, que podem ler justiça, ainda que eu acredite que o sr. ministro da justiça, se podesse conservar estes empregados por mais tempo, para lhes fazer bem com aquella tenue gratificação, o havia de fazer; mas para que nós não fiquemos com escrupulo de lermos, resolvido aquillo que não deviamos ler resolvido, eu propunha que este parecer fosse discutido na presença do sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça.

A camara resolveu que o parecer ficasse adiado até estar presente o sr. ministro do justiça.

O sr. Presidente: — Continua a discussão sobre o requerimento que o sr. Cunha apresentou hontem para que as respectivas commissões sejam convidadas a apresentar os seus pareceres sobre a rescisão do contracto do tabaco, e sobre o contracto do caminho do ferro.

O sr. Avila: — Sr. presidente, o requerimento do, illustre deputado e meu amigo o sr. Cunha Sollo-Maior tem duas partes; na primeira parte pede o illustre deputado, que seja convidada a commissão das obras publicas para — apresentar quanto antes o seu parecer sobre o contracto do caminho de ferro; ena segunda parte pede, que seja convidada a commissão de fazenda para apresentar quanto antes o seu parecer sobre a questão da rescisão do contracto do tabaco e sabão.

Peço licença para começar pela segunda parte. Eu não approvo esta segunda parte do requerimento, não a posso approvar porque os fados que se passaram nesta camara, foram os seguintes.

O sr. ministro da fazenda apresentou um projecto, por virtude do qual pedia um voto de confiança para rescindir o contracto do tabaco, e sabão, e vir depois disto apresentar á camara a substituição dessa receita, não podendo com tudo a rescisão do contracto ter logar senão depois que essa substituição fosse votada. Isto, quanto a mim era a verdadeira idéa do projecto apresentado nesta camara no dia 7 de março deste anno. O governo queria um voto de confiança para rescindir o contracto do tabaco e sabão, e só depois de ter contractado com os contractadores do tabaco esta rescisão, só depois que esta rescisão estivesse convencionada, é que vinha propôr ao parlamento novas receitas que houvessem de substituir as outras; mas não podia ser levada a effeito a rescisão do contracto sem estarem votadas as novas receitas. Depois, não me lembra em que occasião disse o nobre ministro aqui que tinha combinado com a illustre commissão de fazenda em que primeiramente que tudo havia de s. ex.ª apresentar a substituição daquella receita, e por consequencia a commissão não podia dar o seu parecer sobre o projecto primitivo, porque estava dependente desta circumstancia.

A minha obrigação é dizer aqui a minha opinião francamente. Eu disse poucos dias depois da apresentação deste projecto que o reputava uma grande calamidade para este paiz: os meus receios a este respeito bem longe de terem diminuido, augmentaram; e eu pelo bem da causa publica, e pela dignidade do systema representativo e desta camara, de que tenho a honra de fazer parte, espero que O sr. ministro da fazenda haja de pôr de parte aquelle projecto, e que se s. ex.ª insistir nelles, a camara haja de o rejeitar. Mas isto mesmo já eu vejo hoje; porque qual é a traducção literal do facto que acabei de descrever? A traducção literal deste facto é que a commissão de fazenda negou ao governo o voto de confiança que elle lhe pedia, voto de confiança de uma magnitude tal que o sr. ministro da fazenda quando lh'o dessem, não devia acceital-o. Este voto de confiança era pua tractar o governo com os contractadores a respeito do contracto do tabaco e sabão, e dizendo-se que sem indemnisação, indemnisação com tudo que todo o inundo via, que se viu clara e patente em umas portarias que ahi se publicaram. Este voto de confiança nenhum ministro da fazenda o devia acceitar.

Eu vejo que a illustre commissão de fazenda negou esse voo de confiança, e por isso dou os meus emboras á illustre commissão. Se a illustre commissão negou o voto de confiança, se por virtude disso o governo intendeu que precisava trazer a questão a outro terreno, isto é, em logar de pedir esse voto de confiança para a rescisão do contracto, trazer elle governo aqui a proposta de rescisão com as condições da rescisão e a proposta da receita que devia substituir as receitas que se perdiam, e claro que o sr. ministro da fazenda alterou o seu projecto primitivo, e que não ha nada que fazer a respeito delle, que já não ha sobre que dar parecer, que não se póde dar parecer sobre esta questão senão quando o sr. ministro da fazenda segundo as suas explicações cathegoricas e solemnes nesta camara trouxer já a proposta da rescisão com as condições da rescisão, e trouxer já a proposta para a creação das novas receitas que hão-de substituir as receitas provenientes daquelle monopolio. Por consequencia eu não posso votar nesta parte o requerimento do meu nobre ami-

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go, porque torno a dizer, não posso recommendar á illustre commissão que dê um parecer sobre uma cousa que não existe.

Mas ha aqui uma circumstancia a respeito da qual desejaria que a camara se pronunciasse. É verdade que a apresentação daquelle projecto produziu graves inconvenientes, e verdade que o governo reconheceu estes inconvenientes e se viu obrigado por circulares e portarias a dizer — alto lá, não se illudam, a fiscalisação fica em pé, o corpo de fiscalisação ha de continuar a ser empregado, n'uma palavra todo o rigor que até aqui se exercia, ha de continuar a exercer-se, por isso mesmo que esta receita ha de ser substituida provavelmente por direitos de importação, por direitos sobre o fabrico e sobre a venda, ele, e por consequencia ha de haver fiscalisação. Logo intendeu o governo que não havia remedio senão tranquillisar o paiz a este respeito. Mas eu no complexo destas circumstancias todas vejo, repito, a retirada do projecto primitivo, e faço votos pára que nenhum outro projecto tendente a este resultado cá volte, e se a camara intender a questão assim, estou persuadido de que os nossos brados aqui levantados hão de acabar com esses receios, e a conversa provocada pelo requerimento do meu nobre amigo ha de produzir este bom resultado.

Agora vamos á questão do caminho de ferro. A questão do caminho de ferro muda de face, não posso deixar de o notar, pela recommendação feita á commissão das obras publicas. Desgraçadamente muitas vezes se intende, e eu já fiz esta observação aqui, que fazer uma recommendação a uma commissão ou combater um parecer della é fazer injuria aos seus membros; mas declaro que no que vou dizer, não ha nem injuria nem intenção de a fazer. Alguns illustres membros da illustre commissão de obras publicas tomaram hontem a palavra, e disseram que a commissão se linha occupado muito seriamente do projecto do caminho de ferro, e que ella intendia em sua consciencia que não tinha perdido tempo Tambem intendo que sim, mas quero lembrar á illustre commissão a situação em que nos achamos.

Eu, sr. presidente, não sei o que o governo pertende fazer, isso é negocio do governo, o governo é que o sabe; o que sei é que a camara foi adiada até 2 de julho; o que sei é que a todos os nossos collegas com quem fallo, ouço exprimir o desejo de se irem embora; o que sei é que muitos se vão embora, e por consequencia intendo que ainda que o governo queira prorogar a camara, se pertende proroga-la de 2 de julho em diante, esse pensamento não se realisará.

Agora qual é a situação da camara e do parlamento na presença do paiz? Eu a defino. Todo o inundo está convencido de que o governo é o primeiro que não acredita hoje na possibilidade de fazer o caminho de ferro com esta companhia. (Apoiados) O nobre deputado póde ter a opinião que quizer, eu tenho esta, é a minha convicção, exprimo a com franqueza; todo o mundo está convencido de que o governo (quando digo todo o mundo não comprehende o nobre deputado, faço excepção de s. ex.ª) não faz o caminho de ferro com esta companhia. E permitta a illustre commissão de obras publicas que lhe diga que o projecto do caminho de ferro foi apresentado aqui no dia 14 de maio, fez hontem 1 mez. Ha uma circumstancia que deve chamar muito a attenção da illustre commissão, e a nossa. Practicou-se um facto cujas consequencias mais tarde ou mais cedo hão de recair sobre o governo, porque ha erros que são peiores que crimes, e o erro que se commetteu, é daquelles que se expiam sempre. O chefe do estado, sr. presidente, foi inaugurar um caminho que nem estava decretado, nem se sabia se se havia de fazer. Todo o mundo explicou este facto, e ninguem o explicou n'um sentido airoso, favoravel para este negocio. Via-se que a companhia não tinha meios, não havia nem esperança de que a companhia preenchesse o seu deposito, e por consequencia intendeu-se, intendeu todo o mundo que esta inauguração feita pelo chefe do estado na vespera da partida do vapor para Inglaterra, era para fazer crer aos capitalistas estrangeiros que o negocio era serio, e que podiam subscrever na companhia. Esta é a interpretação que se deu, o desgraçadamente não teve resultado nenhum esse facto. Fecha-se a camara, sr. presidente, que é o que eu supponho no dia 2 de julho, fechada a camara no dia 2 de julho não está votado nem o contracto do caminho de ferro, nem está votada lei nenhuma que sirva de base para que o governo nos 6 mezes de intervallo das sessões possa contractar com outra companhia. Que acontece? Acontece que a inauguração apparece como uma comedia indigna de um governo, indigna de um paiz (Apoiados) porque é evidente que a inauguração não se devia fazer a 7 de maio de 1853 para os trabalhos do caminho de ferro só começarem no anno de 1854. Logo a dignidade do governo, a dignidade do parlamento, o respeito que devemos ao chefe do estado, não podem permittir, que se feche a camara neste estado de cousas. E antes que se me possa dizer que trago o chefe do estado; a discussão, digo, que não trago, trouxe-se aqui neste caso por um facto, e por um facto que não quero qualificar, mas que me magôa profundamente como monarchico, e como portuguez (Vozes: — Muito bem)

Fecha-se a camara, não se vota o projecto, não se vota lei nenhuma, que auctorise o governo para fazer o caminho de ferro, isto é, que vote as bases sobre que poderá contractar, e Os meios com que ha de fazer frente a essas despezas. E note a camara que o projecto que aqui trouxe o governo, pecca na base, porque sendo applicado para o caminho de ferro o imposto das notas, e achando-se estabelecido por lei que esse imposto cesse logo que acabem as notas, o sr. ministro da fazenda ainda não veiu aqui apresentar um projecto para que esse imposto continue. E preciso que haja uma lei que diga — a lei que creou o imposto para a amortisação das lutas, é revogada e o mesmo imposto continuará a subsistir depois da extincção das notas para ser applicado ao caminho de ferro. Este projecto ainda cá não veiu. E eu quando se discutisse o projecto que auctorisa o governo a mandar proceder á construcção do caminho de ferro, tencionava apresentar esta idéa o dizer que não vi por ora base nenhuma, sobre que se posa contractar, e não digo agora mais nada, porque quero tracta-se assumpto quando vier o parecer da commissão de fazenda, o se fallei agora a respeito delle foi por ouvir o sr. Cazal Ribeiro dizer hontem nesta casa que a commissão de fazenda tinha já cumprido por sua parte os seus deveres, porque já tinha dado o seu parecer sobre o contracto do caminho de ferro, mas eu não vi que em nenhuma parte do seu relatorio se fallasse nisto. Eu não sei o que há entre o governo e a illustre commissão de fazenda, mas o que digo

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é que não se póde a camara occupar deste assumpto, isto é, decretar o caminho de ferro, sem começar por aqui, sem crear os meios, com que lia de ser feito.

Por consequencia ou acho que a camara não póde fechar-se sem, ou se approvar ou rejeitar cale contracto do caminho de ferro, mas no caso que se rejeite, não deve a camara fechar-se sem se votar uma lei, pela qual o governo fique auctorisado para, no intervallo das sessões, poder contractar o caminho de ferro com outra companhia, ou fazel-o elle governo, porque do contrario, repito, as consequencias são altamente desairosas para o governo e para a maioria da camara, que consentiu em que o Chefe do lotado fosse fazer a inauguração de um caminho de ferro que ficou em nada.

Por tanto, eu não posso deixar de votar por esta parte do requerimento do meu nobre amigo o sr. Cunha. Mas visto que estou de pé, e tinha pedido a palavra para antes da ordem do dia, direi qual era o objecto para que a tinha pedido.

O meu fim ora indicar uma interpellação ao sr. ministro da fazenda, que estimo mais indicar na presença do s. ex. ainda que som exigencia já de resposta da sua parto, e desejo fazer esta interpellação porque é uma questão que está intimamente ligada a este assumpto. E perdoem os meus illustres collegas a rudeza do meu pensamento, ou se empregar alguma frase que por ventura possa feril-os, porque não é minha intenção offender ninguem, mas unicamente deixar bem consignadas as minhas opiniões. A observação que tenho a fazer é a seguinte — eu não acredito nem em caminho de ferro, nem em rescisão do contracto do tabaco, nem em cousa nenhuma destes projectos, que agora se chamam de fomento. apresentados por este ministerio, com que se tem querido embalar a maioria da camara e o paiz: no que acredito é que estamos a 15 de junho de 1853, no que acredito é que a lei do orçamento acaba no dia 30 de junho, e que quando chegar o 1.º de julho, o governo não tem nem auctoridade alguma, nem direito para continuar a cobrar a receita, nem para a applicar ás despezas do estado; no que acredito e que o governo não póde continuar a subsistir em presença desta camara, por isso que não cumpriu nenhuma promessa das que aqui fez, nem a maioria póde continuar a approvar os actos de um governo, que faltou a tudo quanto prometteu no parlamento. E o resultado de tudo é que não se discute o orçamento, discute-se uma auctorisação para cobrar a receita, e applica! a ás despezas publicas, e já não e cedo para isso mesmo: é verdade que póde votar-se n'uma manhã. Eu não quero dizer que não seja dado para ordem do dia o orçamento, mas quando se estiver discutindo, vem o sr. ministro e diz — eu não quero violar a lei, a camara vê que se está discutindo o orçamento, mas esta discussão não ha tempo para se acabar, por consequencia dai-me esta auctorisação para se pôr em execução do 1.º de julho em diante. É isto o que ha-de acontecer, mas eu desde já declaro a s. ex.ª que quando vier esta discussão, conto o governo que hei-de fazer observações muito sérias sobre o estado da fazenda publica, e o governo deve esperar que a auctorisação que pedir, não passe aqui em 3 ou 4 sessões: depois ha-de ir para a camara dos dignos pares, que tem direito para fazer as mesmas observações. Por conseguinte, se o governo, como eu julgo, e como tem dicto aqui muitas vezes, se é sincero, se não quer assumir uma outra vez a dictadura, ha-de vir aqui pedir a auctorisação para a cobrança dos impostos, auctorisação que nós devemos votar, porque eu nunca desejo que o governo se julgue auctorisado para se constituir em dictadura, e depois ou os deputados se vão embora, ou o governo fecha a camara, o acabaram então os felizes projectos, e acabaram todas as difficuldades entre a maioria e o governo.

Ora como eu não quero nunca concorrer para que o governo, este ou outro, se constitua em dictadura no intervallo das sessões, por isso queria mandar para a mesa uma interpellação, e peço licença para dizer o objecto della.

Decretou-se a contribuição de repartição, que não foi levada á execução pelas circumstancias que eu já ponderei na camara, e sobre que o sr. ministro da fazenda se não julgou ião forte, que não fosse obrigado a ceder. Que vai acontecer agora?

O sr. Presidente: — Eu peço licença para dizer ao sr. deputado que já deu a hora de se entrar na ordem do dia, e conviria que este incidente não ficasse adiado para ámanhã, e então seria conveniente que se restringisse a materia, até porque como o objecto é de interpellação, basta por agora lêr-se e mandar-se para a mesa.

O Orador. — Eu vou restringir-me porque estou a acabar, mas o objecto do que estou tractando não é só para o governo, é tambem para a maioria, por que ella é responsavel tambem pelo que o governo fizer, não estando para isso auctorisado. Mas, dizia eu, as juntas geraes hão-de fazer a repartição da contribuição pelos differentes districtos, e se esta camara se fechar sem que lenha votado a lei que auctorise o governo a mandar fazer esta repartição de contribuição em diversos districtos do temo, uma de duas, ou o governo suspende a execução da lei, ou se constitue em dictadura outra vez, porque não sei como se possa proceder n'outros termos.

Agora lerei a minha interpellação, e o sr. ministro da fazenda responderá o que intender. Mas desde já note a camara que as maiorias não são irresponsaveis; se a maioria consentir que a camara se feche sem se votar esta distribuição da contribuição dilecta, é responsavel perante o paiz por todos os actos que necessariamente o governo ha-de seguir assumindo a dictadura.

Interpellação: — O decreto de 31 de dezembro de 1852, combinado com o § unico do artigo 1.º da carta de lei de 1853, determina, que desde o 1 de janeiro de 1851, ficam extinctas varias contribuições dilectas, as quaes suo substituidas por uma contribuição directa de repartição predial. E que a junta geral de districto repartirá pelos concelhos o contingente da contribuição predial, que a lei tiver designado ao respectivo districto.

Desejo saber se o sr. ministro da fazenda pretende apresentar, na sessão deste anno, a necessaria proposta, para que se fixe o contingente da contribuição predial de cada districto no anno civil de 1854, a fim de que os trabalhos da mesma repartição possam começar nos concelhos e bairros, a 2 de janeiro pelo menos, como estava estabelecido para o lançamento da decima. — Avila.

(Continuando). Em conclusão direi, que o requerimento do sr. Cunha lêndea um grande fim, tende a esclarecer duas graves questões, a questão da res

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cisão do contracto do tabaco, e a questão do caminho de ferro. Em quanto á rescisão do contracto do tabaco intendo que em vista do que aconteceu, o governo retira o projecto que apresentou á camara; e que não ha nada a pedir á commissão de fazenda: em quanto ao caminho de ferro não posso deixar de juntar a minha voz á do illustre deputado para chamar a attenção da commissão das obras publicas sobre a situação em que nos achamos.

O sr. Presidente: — Antes de conceder a palavra ao sr. ministro da fazenda, que é quem se segue a fallar, devo recommendar aos srs. deputados, que o objecto restricto da discussão é saber, se deve ou não ser approvado o requerimento do sr. Cunha. Agora em quanto á interpellação annunciada pelo sr. Avila, se o sr. ministro da fazenda quizer, póde responder; mas desde já advirto que os srs. deputados não podem tractar deste objecto, porque, segundo o regimento, qualquer interpellação limita-se ao interpellante e ao interpellado.

O sr. ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello) — Felicito-me de ler entrado na sala na occasião em que se discute o requerimento do sr. Cunha, que versa sobre dois pontos graves, que de certo merecem a attenção da camara e do paiz, e sobre os quaes tenho sempre muita satisfação de dar á camara todas as explicações que exigir.

Em primeiro logar responderei ao illustre deputado que mandou para a mesa a nota de interpellação, que o governo não tem, nem nunca teve intenção de se constituir em dictadura depois de fechada a sessão actual, e que há-de de dar disso provas pela discussão pausada e sincera do orçamento, que ha de ter logar e começar dentro de poucos dias, e pela apresentação da proposta para ser repartida a contribuição directa conforme determina a caria; proposta que, senão vem cedo, tambem não vem tarde, porque a sessão tem que durar ainda alguns dias.

O discurso do sr. deputado leve principalmente por base a supposição de se encerrar a camara no proximo dia 2 de julho; mas o governo tem a intenção de propôr a Sua Magestade a prorogação da camara pelo tempo que fôr indispensavel para se votar o orçamento, o caminho de ferro, a lei sobre a contribuição de repartição, e algumas mais que o governo julgar necessarias na actual sessão legislativa.

Em quanto ao projecto de rescisão do contracto do tabaco o governo não pensou nunca em pedir ao parlamento um voto de confiança para fazer a rescisão; o pensamento do governo foi, que a approvação da camara ao projecto que apresentou, não significava mais de que o seu desejo, absolutamente fallando, de que acabasse o monopolio do tabaco, e que o governo depois de ter contractado a rescisão com os caixas geraes, havia de trazer á apreciação do parlamento essa rescisão. Passado algum tempo, tractando-se na commissão de fazenda deste importante objecto, aí disse, que me parecia ser mui conveniente, para evitar duas discussões (e a mesma declaração já fiz na camara) fazer primeiro o condado da rescisão, e vir depois sujeita-lo á sancção do parlamento; e foi por este motivo que a commissão de fazenda, a pedido meu, deixou de apresentar o seu parecer sobre a proposta do governo apresentada em 7 de março, e não porque a commissão tivesse intenção de negar ao governo um voto de confiança que elle proprio não sollicitava. Intendido assim, sr. presidente, o pensamento do governo, devo dizer, que o governo não desistiu ainda do seu proposito de rescindir o contracto do tabaco; as razões que o aconselharam naquella época a trazer á camara a sua proposta, actuam ainda sobre o seu espirito para o aconselhar a não desistir da questão principal.

O governo está persuadido, que nem prejudica a causa publica, nem compromette a situação das finanças rescindindo o contracto do tabaco, porque tem calculado cem os meios que ha-de propôr á camara para substituir a renda proveniente daquelle monopolio. Neste estado de cousas seria uma leviandade imperdoavel da parte do governo, tendo apresentado aquella proposta, que mudasse agora de opinião. O governo está ainda na firme disposição de levar por diante a rescisão do contracto do tabaco; e comprometteu-se a apresentar na presente sessão legislativa o projecto de rescisão. Como porém a sessão se acha extremamente adiantada, como alguns illustres deputados lêem manifestado o desejo de se retirarem para as suas localidades, porque estão cançados de tantos mezes de sessão, o governo pensa em propôr ao chefe do estado a prorogação da sessão até ao fim do actual anno civil, de a adiar até ao dia 15 de novembro proximo, e nessa occasião ha-de cumprir asna palavra, palavra que ainda não infringiu, nem tem intenção de infringir, de trazer á camara a proposta, ou contracto feito com os caixas geraes para a rescisão do contracto do tabaco.

Declaro portanto a v. ex.ª, que a camara não se ha-de fechar sem discutir o orçamento do estado a respeito de que o illustre deputado pareceu manifestar algumas apprehensões. O orçamento de despeza está prompto; digo isto, porque os illustres membros da commissão de fazenda fizeram-me a honra de me mostrar o relatorio, que acompanha o orçamento, e creio que em 2 ou 3 dias, quando muito, poderá ser apresentado á camara; não sou membro da commissão de fazenda, não posso comprometter-me sobre a occasião em que será apresentado, mas pelo adiantamento em que estão os trabalhos, creio que poderá ser apresentado hoje ou ámanhã. Neste estado de cousas já vê o illustre deputado e a camara que daqui até 2 de julho em que, sem outra prorogação, se encerraria a sessão legislativa, medeia ainda tempo sufficiente para discutir uma boa parte do orçamento; o governo compromette-se a prorogar a camara o tempo necessario para discutir o orçamento, o caminho de ferro e aquellas medidas que julgar mais momentosas, e estou persuadido, que por muito que seja o desejo que os srs. deputados por interesses particulares tenham de regressar ás suas localidades, de certo não se hão de esquivar a assistir no parlamento á discussão do orçamento, que é uma das suas mais importantes missões; estou certo que não hão-de desamparar as suas cadeiras, e deixar ficar o governo na posição difficillima de mandar fazer a cobrança e applicação da receita por um decreto especial do governo, o que é inconstitucional sem questão nenhuma.

Não sei se o illustre deputado ficará satisfeito, mas ao menos fico eu de lhe ter dado todas as explicações, que me parece dever dar-lhe em quanto ao procedimento actual do governo, e em quanto ás suas intenções de futuro.

Eu peço licença para fazer algumas observações

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passageiros sobre aquellas que igualmente fez o illustre deputado ácerca do projecto do caminho de ferro, que disse que peccava pela base. Parece-me que s. ex. disse, que o projecto do caminho de ferro não poderia approvar-se rasoavelmente, creio eu, sem se ter apresentado o projecto de lei para continuar o imposto da amortisação das notas, que era a base do pagamento do encargo que devia trazer o caminho de ferro. O illustre deputado sabe que o imposto para a amortisação das notas não finda ainda nem pode findar segundo a legislação vigente, porque ainda ha notas que amortisar, e quando se approvar a lei de meios, que eu já apresentei ha muito tempo nesta casa, e que breve será sujeita á sua consideração, então se poderá ver qual é a somma que o parlamento destina para essa amortisação durante o actual anno economico. Mas o governo, no contracto que fez com a companhia, acautelou essa hypothese, porque declarou e obrigaram-se a isso os concessionarios, que o governo teria o direito de alterar, ou de eliminar inclusivamente o imposto da amortisação das notas (a companhia não tem nada com isso, nem podia ter) substituindo-o por outro, quando o governo julgasse isto mais conveniente (quando digo governo, quero dizer os poderes do estado, que é ao que chamo governo neste caso). Já vê v. ex.ª e a camara que o governo não se esqueceu desta importanle questão, porque por agora está garantido o imposto das notas, existe por lei; e quando os poderes do estado julgarem opportuno alterar ou eliminar esse imposto, substituindo-o por outro, podem faze-lo. Foi, pelo menos, por esta rasão que eu julguei que não era obrigado a apresentar o projecto para a continuação do imposto das notas como base do pagamento do encargo proveniente do caminho de ferro. Eu reputo aquelle imposto hoje inconveniente e desigual pelo modo porque está lançado, e estou persuadido que é necessario que seja reformado mais cedo ou mais tarde, mas sempre breve, e não podia imaginar que esse imposto devesse continuar indefinidamente, ou pelo menos por tantos annos quantos tem de durar o contracto do caminho de ferro.

Não sei se me falta alguma cousa que responder ao nobre deputado; mas se falla e se s. ex.ª a indicar, eu de muito boa vontade darei todas as explicações, porque capricho em mostrar ao nobre deputado e á camara, que não sou nunca chamado a dar explicações por parte do governo, que não me apresente francamente a da-las como sei e posso.

Nesta conformidade parece-me que o requerimento que está em discussão, não precisa ser approvado, nem mesmo rejeitado; e talvez que o seu illustre auctor, depois das explicações que acabo de dar, convenha em o retirar. Não sei se o fará, nem mesmo ouso pedir-lho; mas declarando eu que o projecto de rescisão do contracto do tabaco não pode ser tractado senão depois do adiamento das côrtes; declarando eu que a commissão de fazenda não retirou voto de confiança, porque tal voto de confiança não pediu o governo, e, pelo menos, não foi sua intenção pedi lo como mesmo se conclue do artigo 2.º da proposta de lei que apresentei; e lendo a commissão de fazenda dado já o seu parecer sobre o contracto do caminho de ferro, e estando muito adiantados os trabalhos da commissão de obras publicas sobre o mesmo objecto, parece-me desnecessario o requerimento; e se elle é uma simples recommendação ás commissões, para similhantes recommendações não é costume promover uma votação de camara, porque essa votação parece-me que importa a consideração de que as commissões são menos sollicitas no cumprimento dos seus deveres. Por consequencia o illustre deputado pode insistir no seu requerimento ou retira-lo; o que me parece é que as minhas explicações o devem ter habilitado a fazer aquillo que julgar mais acertado e mais conveniente.

O sr. Presidente; — Já deu ha muito a hora e meia; em conformidade com a resolução regimental, não se póde hoje terminar este incidente.

O sr. Maia (Francisco): — Eu pedia que o incidente continuasse; creio que A camara concordará nisso.

O sr. Presidente: — Havendo quem requeira a continuação, eu consulto a camara.

O sr. Maia (Francisco): — Requeiro eu.

Decidiu-se que continuasse nesta discussão.

O sr. Maia (Francisco): — Serei muito breve. A commissão de fazenda nem negou, nem concedeu, nem tractou de negar nem de conceder voto de confiança ao governo na questão da rescisão do contracto do tabaco. A proposta do governo foi remettida á commissão de fazenda, que procurou instruir-se neste negocio para apresentar o seu parecer, como tem constantemente apresentado sobre todas as questões que lhe tem sido submettidas; mas vendo uma declaração do sr. ministro da fazenda, que se compromettia a apresentar desde logo o contracto de rescisão, feito entre o governo e os caixas geraes do contracto do tabaco, intendeu que era inutil tractar deste negocio, e resolveu não tractar delle absolutamente até que viesse a proposta do governo A commissão deseja que não se intenda, que por este seu acto foi negar ao governo qualquer voto de confiança, porque nem o governo o pediu, como muito bem declarou o sr. ministro da fazenda.

A commissão de fazenda não se escandalisa que os seus pareceres sejam rejeitados; pela minha parte e pela dos meus collegas não nos julgamos infalliveis; pelo contrario, submettemo-nos da melhor vontade, e sempre intendemos que quando a camara rejeita qualquer parecer da commissão de fazenda, que a camara é que tem razão. Quanto ao orçamento hoje mesmo será apresentado o orçamento da despeza, que só depende da assignatura de alguns membros da commissão.

Em vista do que disse o sr. ministro da fazenda, e do que eu acabo de dizer, na qualidade de relator da commissão, julgo que o sr. deputado Cunha retirará o seu requerimento; mas se o não retirar, votarei contra elle por desnecessario, e por não ter sido feito regularmente.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, vou tomar parte nesta discussão por isso mesmo que, já antes da apresentação da proposta que actualmente se discute, eu tinha annunciado uma interpellação ao sr. ministro da fazenda, sobre a rescisão do contracto do tabaco, existindo para isso, além do motivo de ter sido apresentado ha mais de 3 mezes um projecto sobre o assumpto, a circumstancia de ultimamente terem sido presas algumas pessoas accusadas de contrabando de tabaco; e não se podendo talvez julgar a proposta apresentada, completamente innocente de ter incorrido neste crime, por quanto apresentou fallazes esperanças da abolição do monopolio;

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o a verdade é, que uma proposta desta natureza não se póde nunca apresentar sem que dalli se sigam consequencias graves.

O proprio sr. ministro da fazenda reconheceu em algumas portarias que publicou, que a fiscalisação podia affrouxar com o annuncio da cessação do monopolio. Tambem pediu aos contractadores que não despachassem mais genero do que o indispensavel para o consumo, ao mesmo passo que se póde inferir das circulares dirigidas pelos contractadores aos seus administrados o existir em poder delles uma porção de generos superior ás necessidades do consumo. Deve-se tambem refletir, sr. presidente, que a medida proposta é tanto mais grave, quanto é certo que não ha nação alguma em que o tabaco renda tanto para o estado, em comparação com a somma de todos os outros rendimentos, como Portugal. Na rescisão proposta até se prejudica um dos modos da substituição do natural rendimento, qual póde ser a administração do monopolio por conta do estado, como tem logar em muitas outras nações, e como ultimamente em França se determinou que durasse mais 10 annos; e administrado assim este rendimento em Hespanha, augmentou em 3 annos nada menos do que 40 milhões de reales. A França que é uma das nações que está a leste da civilisação, e a par da qual de certo nos não envergonhariamos de estar em todos os ramos de administração, acaba de prorogar por mais 10 annos o monopolio do tabaco, se bem que administrado por conta do estado: e ninguem dirá que a França está tão atrasada neste ponto, que realmente foi isto uma incutia, e que é merecer todas as accusações dos economistas defensores da franquia e da liberdade, o prorogar por mais 10 annos este monopolio. E note se que a França está na mais brilhante situação financeira (pelo menos apparente), que é quando se podem fazer as glandes reformas; um paiz que está em má situação financeira por isso mesmo está inhabilitado de fazer as grandes reformas, e é isto que representa o dicto de um ministro da fazenda para mim muito respeitavel o barão de Lhuys — de que o difficil é governar um estado, quando ha prosperidade; quando não ha prosperidade, não ha nada tão facil; quando ha pobreza, não ha nada tão facil como ser ministro da fazenda. Isto que parece um paradoxo, não se póde explicar senão por esta fórma, que quando ha prosperidade, quando uma nação tem recursos e tem credito, então é que se podem fazer grandes cousas, economias, reformas. E um pouco methafysico, mas intende-se.

O sr. Presidente. — Eu pedia ao sr. deputado que se restringisse mais á questão do requerimento.

O Orador: — A proposta que foi apresentada á illustre commissão de fazenda de alguma maneira prejudica esta questão da administração por conta do estado; e tanto a prejudica que já se escreveu, e disse altamente — o monopolio está acabado; pódem dizer o que quizerem, o negocio está decidido. Contra isto é que protesto; pela minha parte, com a pouca auctoridade que tem a minha vóz, protesto contra um similhante modo de intender as questões; protesto contra o modo de intender as questões decididas quando chegam ao parlamento. Contra isto e preciso que a camara uma vez se pronuncie; não lemos só a julgar factos consummados. Tem-se dicto ja não ha monopolio, bastou a apresentação da proposta do governo para o acabar. Se isto é verdade, então os parlamentos foram uma triste invenção; deve-se cassar a patente de invenção n quem inventou os parlamentos, porque se os parlamentos não teem a tractar senão de factos consummados, se todas as graves questões apresentadas ao parlamento são factos consummados, então o parlamento é triste cousa! O sr. ministro da fazenda, como esta muito convencido da vantagem da sua medida, não póde vêr da mesma fórma os inconvenientes de estar prejudicada esta questão desde já; elle no intimo da sua consciencia não póde até deixar de estar satisfeito por isso, estando persuadido como está, e não podia deixar de o estar desde que apresentou o projecto, dos inconvenientes da continuação do monopolio; não póde deixar de ler um prazer intimo de que esteja um pouco prejudicada a questão; mas quem pensa diversamente, quem intende que tem inconveniente» a approvação do projecto de s. ex.ª deve reclamar com todas as suas forças contra uma similhante consideração.

Esta camara póde decidir o que quizer (O sr. Ministro da Fazenda: — (Apoiado) póde decidir que o contracto do tabaco deve continuar como está, póde decidil-o sem dar direito nenhum a que os actuaes caixas do contracto venham reclamar, não pela rescisão, mas por se ter annunciado a rescisão, e não se ler effectuado; porque elles já reclamaram ao governo, fazendo ver os inconvenientes que lhes resultaram da apresentação desta medida, para dizerem que independentemente da sua vontade tinha affrouxado a fiscalisação, e que esse affrouxamento resultára da apresentação da proposta pendente desta camara. Já esta camara vê que não foi indifferente a apresentação dessa proposta do governo, que é um facto cheio de consequencias, e que a demora na sua decisão não póde deixar de apresentar cada dia novos inconvenientes.

Sr. presidente, a proposta de rescisão não só compromette a questão do contracto do lábaro quanto á continuação da actual companhia, como compromette outra questão, que é a de administração do monopolio do tabaco ser por conta do estado! E pergunto porque é que desde logo nessa mesma proposta se prejudicou a questão de ser o monopolio do tabaco, administrado por conta do estado?

Mas apesar de tudo a camara póde decidir como quizer. Todavia diga-se, declare-se que a camara póde decidir como quizer. E não pareça um pleonasmo; não o é porque se tem dicto muitas vezes: já não ha outra cousa a decidir senão isto; está prejudicado o negocio, e está consummado. Não ha factos consummados em quanto não ha resolução legal a respeito delles. (Apoiados) Mas não obstante isto todos veem os inconvenientes da demora da resolução; a resolução desse negocio está qual outra espada de Damocles pendente sobre esta camara, a demora póde trazer grandes inconvenientes.

Sr. presidente, a proposta do governo não é ao mesmo tempo a completa abolição de um monopolio, por isso que prohibe a cultura do tabaco no continente do reino, quando, por exemplo, existindo o monopolio -em França por conta do estado, a cultura do tabaco é permittida no continente francez, resultando daqui serem as quatro quintas partes do tabaco consumido, de producção nacional.

Sr. presidente, é necessario ser positivo ácerca deste objecto. É necessario formalmente declarar irrito e nullo o projecto apresentado nesta camara, e que ha

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mais de 3 mezes dorme a somno solio nos archivos da commissão de fazenda. Esta demora é a condemnação do proprio projecto. Em assumptos desta ordem, o adiamento é um grave inconveniente de mais.

Eu intendo que, ou se não propõem medidas destas, sem apparecerem desde logo os meios de as levar a effeito, ou não lendo ellas sido effectuadas tanto tempo depois de apresentadas, se deve confessar que a reflexão não precedeu devidamente á sua apresentação.

Sr. presidente, eu não quero prejudicar companhias ou estabelecimentos commerciaes, e de certo e um prejuizo para interesses particulares apresentar propostas desta ordem sem resolução, mas por outra parte devo declarar, que desde que esses interesses particulares não reclamaram na occasião da apresentação da proposta do governo, perderam todo o direito a reclamarem depois (Apoiados) e nestes termos póde e deve o parlamento votar sobre o assumpto, sem nenhum compromisso ou limitação da sua espontaneidade. (Apoiados) Eu julgo, sr. presidente, tanto mais necessario fazer esta declaração, quando é certo que já se escreveu, e com entono, que o contracto do tabaco e sabão tinha acabado coma apresentação da proposta para a rescisão do mesmo contracto. Eu protesto contra esta violencia moral de querer impôr votações ás camaras, como necessidade de sancção a fartos consumados. (Apoiados)

Se tudo são fados consumados quanto se submette á decisão do parlamento, então fica o parlamento sendo um pleonasmo politico.

Sr. presidente, termino insistindo, em que formalmente se declare o abandono de um projecto que de facto jáz dormente ha mais de 3 mezes em poder da illustre commissão de fazenda; dê-se como não existente esse projecto; dê-se a sua apresentação como não tendo tido logar; declare-se que não ha nada, pela palavra nada sobre rescisão do contracto do tabaco; defina-se bem claramente a situação deste assumpto, para que todos a intendam e comprehendam bem. E isto que peço que se faça, porque me parece que é o unico meio a seguir no estado actual das cousas.

O sr. Presidente: — Não sei como hei de recommendar aos illustres deputados que se restrinjam á questão. Parece-me que as minhas recommendações não são attendidas, e por isso deverei talvez deixar de as fazer.

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Eu, sr. presidente, costumo sempre tomar muito pouco tempo á camara, principalmente quando se tracta de questões como esta, em que por muito poucas palavras se póde dizer tudo.

Ao ouvir-se o illustre deputado, pareceria que se tractava actualmente do projecto para a rescisão do contracto do tabaco (Apoiados) quando eu, ainda não são passados muitos momentos, acabo de dizer que este projecto do contracto do tabaco não devia ler agora seguimento, e que havia na proxima prorogação da camara, a respeito da qual já dei conta, apresentar uma nova proposta para a rescisão do contracto do tabaco, acompanhada da lei que deve supprir os rendimentos que o thesouro recebe do mesmo contracto.

Pois apoz esta declaração tão explicita, ainda o illustre deputado intende que é necessario dar este projecto como não existente?! Mas dar como não existente uma cousa que existe, isso é que eu não posso fazer, nem e possivel a alguem fazel-o. O illustre deputado gosta de ficções, eu não gosto: eu não posso dar como não existente a apresentação do projecto, mas o que posso e o que fiz, foi concordar com a illustre commissão de fazenda em que não desse o seu parecer, a fim de se não repelir em duas vezes, o que se póde fazer de uma só. Parece-me que não é necessario dizer ao illustre deputado outra vez, que este negocio só se póde discutir, visto não haver bazes para esta discussão, quando se apresentar o projecto da receita.

Eu não sei para que é preciso vir o illustre deputado dizer á camara que ella tem direito para rejeitar o projecto! Realmente não comprehendo qual é a intenção do illustre deputado, vindo dizer que é necessario se declare bem que á camara fica o direito de retirar a sua approvação ao projecto! Parece-me não ter dicto nada a este respeito, porque se o fizesse, seria uma injuria que fazia á camara, que não sou capaz de fazer. A camara sabe perfeitamente que tem direito para approvar ou rejeitar as propostas do governo, conforme intender, e não precisa que se lhe lembre uma cousa que ella sabe muito bem.

Por tanto, parece-me que a questão está reduzida a lermos muito simples. A questão do contracto do tabaco intendo que caiu por sua natureza: não póde por ora ser discutida porque não ha que discutir, e julgo que o requerimento do illustre deputado o sr. Cunha não póde ser approvado nem rejeitado, assim como intendo que o illustre deputado fará muito bem se o retirar.

Por conseguinte, não me parece dever-se insistir neste objecto, e não quero entrar em detalhes, que não são convenientes, e que podem comprometter o resultado a que desejo chegar. Intendo que se não deve trazer agora para aqui o que se passou em Hespanha: a questão do contracto do tabaco e examinar todos os pontos e todas as condições da rescisão do mesmo contracto, mas em quanto estas condições não vierem, nada disto se póde discutir.

Ora, sr. presidente, em quanto ao terror da espada de Damocles que se disse estar pendente sobre a nossa cabeça e na dos contractadores, parece-me que ella não ha de ferir ninguem. O governo já mostrou que ha de cumprir, e fazer cumprir por sua parte á companhia do contracto do tabaco, dentro da esfera dos seus direitos, e na conformidade do seu contracto, as obrigações que lhe estão impostas, e manter em toda a integridade os direitos da companhia. Por conseguinte se fôr necessario mais providencias da parte do governo para que esta fiscalisação seja tão efficaz quanto se necessita, o governo ha de dal-as. E devo dizer ao nobre deputado que a portaria a que alludiu, foi uma medida de cautela para que se não dissesse que a companhia do tabaco, pela circumstancia em que se achava da proxima rescisão do seu contracto, podia fazer uma introducção grande de tabaco, introducção superior ás necessidades do consumo; e devo declarar a v. ex.ª que nesta parte a companhia do tabaco, porque é preciso fazer justiça a todos, não despachou mais generos do que pediam as necessidades do consumo; e antes ficou muito á quem. Hoje não o posso dizer, mas nos ultimos dias em que vi a nota das alfandegas, ainda se não tinha despachado maior quantidade de tabaco do que a que era costume nos annos anteriores. Por tanto não ha

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risco, não tem havido, nem lia de haver em quanto o governo estiver na firme disposição de manter os direitos de todos.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, principiarei por declarar que reliro a minha proposta; e estimo ler esta occasião de adherir aos desejos de s. ex. o sr. ministro da fazenda. Mas v. ex. e a camara hão de permittir, visto a liberdade que tem tomado esta dicussão, e visto que os srs. deputados que fallaram nella, tanto se tem alargado, que eu dê algumas explicações, não só para fundamentar os motivos que me levaram a apresenta-la, mas tambem as rasões que me levam a retira-la. Sr. presidente, e verdade que não está em discussão a proposta para a rescisão do contracto do tabaco, mas devia-o estar. O sr. ministro da fazenda veiu a esta camara apresentar a sua proposta para a rescisão do contracto do tabaco, e no seu relatorio diz, que é necessaria a abolição immediata deste contracto, e não podia deixar de chamar sobre ella de um modo especial a attenção do corpo legislativo.

Mas, sr. presidente, as palavras de s. ex. não significam nada, as idéas não tem o menor conceito, as promessas não tem realidade, e quando algum deputado pede o cumprimento dessas promessas, é increpado de uma maneira violenta! Pergunto, quem foi que obrigou o sr. ministro a vir á camara em 7 de março pedir a abolição do monopolio do tabaco, para a 15 de junho vir dizer que esta abolição deve ser adiada até novembro? Quem obrigou a vir em 7 de março propôr nina medida, que dizia dever ser adoptada immediatamente, para em 15 de junho dizer, que essa medida não será levada a effeito, senão para o fim do anno? Na minha opinião, sem intenção de offender os srs. ministros, é este o procedimento mais leviano que qualquer ministro da fazenda podia ter! De maneira que os inconvenientes resultantes da incerteza deste negocio continuam agora n'uma escala muito maior com este adiamento indefinido, e as esperanças de uns, as desconsolações de outros, e o desgosto que tem muita gente pela fallencia do contracto, são cousa de nenhuma consideração para o sr. ministro da fazenda! E apoia esta camara um governo, que tendo apresentado uma proposta para a abolição do contracto do tabaco em 7 de março, e declarando nessa occasião, com grande entono, que visto o contracto isentar todos os individuos nelle empregados, de quaesquer cargos e encargos publicos, visto que os isenta do recrutamento, visto que estabelece visitas domiciliarias, prisões, e que a acção fiscal incommoda e importuna, visto que tem um foro privilegiado, visto que o contracto é o estado no estado, peço por isso a abolição do monopolio, e glorio-me de fazer esta proposta.

A camara acolheu o sr. ministro com applausos frenéticos, e apoiados estrondosos, e até se foi dizer em um jornal que, depois que Vasco da (lama dobrou o Cabo das Tormentas, ninguem ainda tinha commettido uma empreza tamanha! Mas esta mesma camara ouve hoje dizer, que este negocio ha de ficar adiado para lo de novembro! Pergunto, se é por esta fórma, e com esta dignidade que se tractam os assumptos de um paiz? Duvido muito que o imperador Souluque com os seus duques de marmelada e de goiabada procedesse assim.

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda disse que a questão do contracto caiu; e cada vez tenho idéas mais arreigadas, de que não havia a idéa de rescisão do contracto; e já fiz a profecia, de que tudo quanto houve, foi para tapar a bocca pela entrada dos contractadores para o pariato.

Pois quem dirá aos srs. ministros que hão de ser governo a 15 de novembro, para adiarem para então a resolução deste negocio? S. ex.ª o sr. ministro da fazenda está muito mal enganado, quando disse que não tinha pedido um voto de confiança para rescindir o contracto: o artigo 1.º é um voto de confiança, e um voto de confiança é uma auctorisação. S. ex.ª disse tambem, que a unica cousa que ha quanto á rescisão do contracto, é a substituição dos meios, mas esta substituição occupa de ha muito a attenção do governo, que nos veiu dizer que era facil e prompta. Pois como é que se intende isto? O sr. ministro disse, quando apresentou a proposta, que a execução era facil e prompta, e que occupára ha muito tempo a attenção do governo, e hoje vem pedir que este projecto se adie? Se este projecto é adiado, é porque o governo nunca teve o pensamento de rescindir o contracto do tabaco, e na minha opinião a proposta ha de dar logar ainda a desbaratarem-se as ultimas cartilagens do nosso rachitico e enfesado thesouro, porque os contractadores hão de querer indemnisações, em vista da diminuição do consumo da venda que tiveram, resultado desta proposta, e até certo ponto, com muito direito. Os contractadores podem vir dizer á camara — pagai-me indemnisações, porque não vendemos neste anno o que vendemos nos outros.

Estamos no mez de junho, e ainda os srs. ministros não apresentaram os seus relatorios: é a primeira vez que na minha carreira parlamentar vejo acontecer similhante cousa.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que se restrinja á questão...

O Orador: — V. ex. tem muita rasão, mas v. ex.ª tem bastante intelligencia para conhecer que quando se tem sangue nas veias em logar de lama,... não é possivel deixar de responder a certas cousas.

Eu vou concluir. Já retirei a minha proposta, e retirei-a porque o meu fim está conseguido. O meu fim era mostrar a leviandade do governo, e fazer com que a commissão apresentasse o seu orçamento: já consegui portanto alguma cousa, e sobretudo consegui por a todas as luzes, de uma maneira clara, incontestavel e inconcussa, que a rescisão do contracto do tabaco foi uma chimera imaginada para curar um certo escandalo.

A camara permittiu que o sr. Cunha retirasse a sua proposta.

O sr. Presidente: — Está retirada a proposta, e vai-se entrar na ordem do dia.

O sr. José Estevão: — Peço a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: — Segundo o regimento não lhe posso dar a palavra para explicação.

O sr. Cazal Ribeiro (Sobre a ordem) — Vou lêr e mandar para a mesa o parecer, da commissão sobre o orçamento da despeza do estado para o anno economico de 1853 a 1854. (Leu)

(Continuando); — Igualmente vou lêr e mandar para a mesa os pareceres da mesma commissão sobre duas propostas do governo: — 1.º, auctorisando o governo para applicar ao pagamento das prestações correspondentes ás acções com que subscreve para a pri-

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meira secção do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, nos termos do respectivo contracto de 11 de maio do presente anno, as sommas provenientes dos rendimentos que, na conformidade do decreto de 30 de agosto de 1852, foram destinadas a construcção do caminho de ferro do norte. — 2.º, auctorisando o governo para crear até á quantia de 600 contos de réis em inscripções, ou bonds, de juro de 3 por cento a contar do 1.º de julho de 1855 em, diante. (Leu)

Tanto o parecer sobre o orçamento da despeza como as duas propostas mandaram-se imprimir com urgencia, e de tudo se dará conta, quando entrarem em discussão.

O sr. Presidente (Dirigindo-se ao sr. ministro do reino): — Hoje foram approvadas pela camara as alterações feitas na camara dos dignos pares á proposição de lei relativa á annullação da reforma de alguns officiaes de marinha, e tendo de ser submettido o decreto das côrtes geraes á sancção de Sua Magestade, peço a 9- ex. que tenha a bondade de communicar á camara quando poderá ter logar o receber Sua Magestade a respectiva deputação, para apresentar a Sua Magestade o referido decreto das córtes geraes.

O sr. Ministro do Reino (Fonseca Magalhães): — Sua Magestade póde receber ámanha ao meio dia a deputação a que o sr. presidente acaba de se re-; ferir.

Agora mando para a Mesa uma proposta de lei para o governo ser auctorisado a procederá revisão, alteração, ou reforma da divisão judicial no continente e ilhas adjacentes

E a seguinte.

Proposta de lei (n.º 50 A): — Senhores. — A actual divisão judicial do continente do reino e das ilhas adjacentes foi feita pelo governo, em virtude da auctorisação que lhe concedera a carta de lei de 23 de Novembro de 1810.

De então ate agora tem-se descoberto não poucos defeitos nesta divisão, e representado a conveniencia de supprimir, restabelecer, crear, ou arredondar differentes julgados e comarcas, de mudar algumas das respectivas capitaes para outros pontos, de dividir melhor algumas camaras em circulos de jurados, e em districtos de juizes de paz; — de fazer alterações adequadas nos districtos criminaes e nos bairros orfanológicos das comarcas de Lisboa e Porto; — e de proceder em geral aos melhoramentos que as circumstancias locaes forem aconselhando.

É pois manifesta a necessidade que ha de ir reformando successivamente a divisão judicial, não só para se attender á devida commodidade dos povos, senão tambem para que se lhes possa administrar justiça com mais regularidade.

Esta reforma porém nunca satisfará a ião importantes fins, sem que a divisão judicial se vá harmonisando com as divisões, ecclesiastica e administrativa, para as quaes o, governo já se acha auctorisado pelas cartas, de lei do 2 de dezembro de 1840, e do 29 de maio de 1843.

São grave, em verdade, os inconvenientes que necessariamente, resultam de não se combinarem estas divisões; e de se augmentar pelo contrario a confusão e desordem, que já ha, sempre que um concelho, depois de extincto, annexo, ou subdividido para os effeitos administrativos, fica subsistindo, como julgado, para os effeitos judiciaes; ou sempre que se divido, une, ou supprime uma freguezia sem attenção, aos effeitos administrativos e judiciaes.

Nestas circumstancias tenho a honra de offerecer á sabedoria da camara a seguinte

Proposta de lei.

Art. 1.º Fica auctorisado o governo, como já o está quanto ás divisões ecclesiasticas e administrativas pelas cartas de lei de 2 de dezembro de 1849 e de 29 de maio de 1813, para proceder successivamente em harmonia com ellas, á reforma da divisão judicial, assim no continente do reino como nas ilhas adjacentes, tendo em vista as circumstancias locaes, as commodidades dos povos e as necessidades do serviço.

Art. 2.º O governo fica obrigado a dar contarás côrtes annualmente do uso que fôr fazendo desta auctorisação.

Art. 3.º É revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça em lo de junho de 1853 — Rodrigo da Fonseca Magalhães.

Foi declarada urgente, e remettida ás commissões de legislação e estatistica.

O sr. Presidente: — A deputação que ámanhã no meio dia ha de, no palacio das Necessidades, apresentar a sancção de Sua Magestade o decreto das côrtes geraes, a que já me referi, será composta dos srs. Pestana, Affonso Botelho, Pessanha (José), Joaquim Guedes, Cyrillo Machado, Antonio Feyo de Magalhães Coutinho, e Soares de Azevedo.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 40.

O sr. Presidente: — Vai-se dar conta do additamento mandado hontem para a mesa pelo sr. deputado Corrêa Caldeira, a respeito do qual ainda não foi consultada a camara sobre se o admittia ou não á discussão.

É o seguinte:

Additamento (ao n.º 2.º do artigo 2.º) — Não ser pensionista do estado por elle subsidiado por qualquer modo. —. Corrêa Caldeira.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem): — Tendo reflectido mais nos lermos era que está concebido o additamento, que hontem tive a honra de mandar para a mesa, e intendendo que a letra delle, se fosse approvado, II ia mais longe do que o fim a que eu pretendia attingir; pois que o que eu queria, não era propôr que os pensionistas do estado não fossem elegiveis ou nomeaveis membros da junta do credito publico, mas o que queria era que os pensionistas do estado eleitos ou nomeados membros da junta do credito publico não podessem accumular a gratificação que lhes pertence como membros da mesma junta, ou qualquer outro vencimento que recebessem do estado; nestes termos peço licença para retirar o additamento hontem por mim apresentado, e substitui-lo por outro, que é o seguinte:

Art. 3.º — Se algum pensionista do estado eleito ou nomeado membro da junta do credito publico, optará entre a sua pensão, e o vencimento que lhe compete na qualidade de membro desta junta. — Corrêa Caldeira.

O sr. Presidente: — Como o sr. deputado relira o

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additamento, que offereceu hontem ao artigo 2.º, e como elle ainda não foi admittido, julga-se retirado; e depois de votado o artigo 2.º, consultarei a clamara sobre se admitte o artigo 3.º, que apresentou agora o sr. Corrêa Caldeira.

Foi approvado o artigo 2.º

Sendo admittido o additamento dó sr. Corrêa Caldeira, entrou em discussão.

O sr. ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, pelas considerações que eu fiz hontem á camara, penso que o illustre deputado, o sr. Corrêa Caldeira, retirou hoje a sua proposta substituindo-a por outra. Creio que a proposta do illustre deputado se refere principalmente ao facto que hontem se trouxe á discussão, de eu ler mandado abonar a um dos membros da junta do credito publico o vencimento da sua gratificação, como gratificação, álem do vencimento que elle tinha como pensionista do estado, contra as disposições da lei de 8 de junho de 1843.

Eu estou ainda convencido, como estava hontem, de que foi dentro dos limittes das minhas attribuições que procedi; assim vou dar á camara uma succinta explicação, hoje mais habilitado do que então estava, para justificar o meu procedimento; e, talvez que isso possa servir de esclarecer a camara para poder votar contra a proposta apresentada pelo illustre deputado.

E certo que a lei de 8 de junho de 1843 que hontem se citou, prohibe a accumulação aos membros da junta do credito publico de qualquer vencimento que tenham por outra repartição do estado.

A lei exprime-se assim — «cada um dos membros da junta vencerá annualmente 600$000 reis a titulo de gratificação, que não poderá accumular com outro algum vencimento pago pelo estado. Depois desta lei, sr. presidente, promulgou se o decreto de 30 de julho de 1844, que regula o objecto da questão existente, e que revogou o que ate aqui estava determinado a respeito de accumulações. Esse decreto diz no artigo 1.º — que é prohibida a accumulação de dois ou mais vencimentos, sejam de que natureza forem, pagos pelos cofres do estado. E no artigo 3.º diz — que os individuos das classes inactivas, que forem chamados a serviço temporario, ou de commissão, terão direito, em quanto durar o seu exercicio, a Uma gratificação diaria, regulada conforme a natureza e importancia do mesmo serviço. Ora este decreto de 30 de julho de 1844 foi confirmado para ter força de lei, e continuar em vigor, pela caria de lei de 29 de novembro do mesmo anno, isto no artigo 1.º, e no artigo 2.º deita carta de lei diz-se — fica revogada toda a legislação em contrario. Logo sustento eu (pode ser que não intendesse bem a lei) que a lei de 8 de junho de 1813 prohibiu, é verdade, a accumulação da gratificação de membro da junta com outro qualquer vencimento pago pelo estado; porém o decreto, com força de lei, de 30 de julho de 1844, revogou a lei de 8 de junho de 181-?, e precisamente com relação ao negocio de que se tracta; porque aquelle decreto de 1841- dizendo no seu artigo 1.º — que se não pode accumular dois ou mais vencimentos pagos pelo estado, diz, comtudo, no artigo 3.º — que o individuo da classe inactiva, isto é, pensionista do estado, os individuos pertencentes ás repartições extinctas, que forem chamados a qualquer serviço temporario ou de commissão, tem direito, note-se bem, não só diz pode accumular, mas diz terão direito uma gratificação além do vencimento que lhe pertence como pensionista do estado. Ora é precisamente o caso em que se achava o membro da junta do credito publico, a que se tem alludido: portanto em vista da lei intendi, e intendo ainda, que aquelle membro da junta do credito publico não só podia accumular, mas que tinha direito a que se lhe désse uma gratificação, que seria arbitrada pelo governo conforme a natureza e importancia do serviço.

Repito, pois, para que se fique bem sabendo qual é a minha opinião, e a razão porque mandei abonar a gratificação, que a lei de 29 de novembro de 1844 revogou muito expressamente a lei de 8 de junho de 1813 na parte relativa ao objecto que se tracta; e portanto permitte a accumulação da gratificação de membro da junta com outro vencimento pago pelo estudo, porque determina muito explicitamente — que os individuos das classes inactivas chamados a serviço temporario ou de commissão, para qualquer repartição publica, ficam com direito a uma gratificação além do seu vencimento como pensionista do estado, cuja gratificação será arbitrada pelo governo segundo a natureza e importancia do trabalho, de que é encarregado.

Dadas estas explicações á camara, parece-me que não deve approvar a proposta do sr. Corrêa Caldeira; entretanto a camara fará o que julgar conveniente. (Apoiados)

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu quando pedi a palavra, fui movido a isso pela proposta mandada para a mesa pelo sr. Corrêa Caldeira, e declaro á camara com muitissima franqueza, que não me lembrei, de que a proposta do sr. Corrêa Caldeira ía directa ou indirectamente referir-se a esta ou áquella pessoa; não me lembrava do individuo de que se tracta, mas já que o sr. ministro da fazenda, na explicação que hontem deu, se referiu a unia pessoa, e essa pessoa é o sr. Luiz José Ribeiro; apesar de serem questões odiosas as questões pessoaes, comtudo hei-de emittir a minha opinião.

Sr. presidente, a proposta do sr. Corrêa Caldeira tem por principio uma grande idea, uma idea eminentemente constitucional, que está estabelecida, exercida, e practicada no paiz ha muitissimo tempo: ninguem accumula vencimentos em Portugal, e se ninguem accumula, quero eu agora saber porque razão ha-de um membro da junta do credito publico accumular dois vencimentos?

Sr. presidente, o individuo, de que se tracta tem de pensão 1:600$000 réis, e parece-me que o vencimento de 1:600$000 réis é sufficiente para se poder viver menos mal; e além da pensão de 1:600$000 reis vence mais a gratificação de 600$000 réis! E note a camara, que este individuo está já ha uns poucos de annos na junta, pelo menos ha 9 annos, e nunca accumulou. Recebia simplesmente a sua pensão; e foi preciso que na situação presente, e com o actual ministerio, viesse o sr. ministro da fazenda determinar, que este individuo, que já recebia do estado uma pensão de 1:600$000 réis, recebesse mais a gratificação dê 600$000 réis!

Foi preciso que o sr. ministro, por um acto da dictadura, mandasse receber, o que ale aqui nenhum ministro consentiu, que se recebesse. (O sr. Ministro da Fazenda: — Não foi acto da dictadura, é objecto de expediente ordinario).

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O Orador: — É expediente ordinario, é verdade, mas em virtude de circumstancias extraordinarias; e se acaso a más linguas não erram, essa abonação da ratificação foi mandada fazer depois que cessou certa resistencia ao decreto de 31 de dezembro de 1851.

Por ventura esta camara, que está constantemente apregoando que quer economias, não se peja de approvar que ao homem que já tem uma pensão de 1:600$000 réis, se dê mais a gratificação de 600$000 réis? Se a camara approvar isto, approva um grande escandalo, um escandalo que brada aos ceos; approva um desperdicio. Pois quando se estão tirando 25 por cento aos empregados do estado civis e militares, para poder estabelecer um certo equilibrio entre a receita e a despeza; quando se capitalisam 3 semestres de juro de divida interna e externa; quando se lançam mais 5 por cento aos empregados publicos militares e civis; em fim quando se exigem muitos outros sacrificios, é que o governo dá este passo de vir propôr que um certo e determinado individuo lenha, além de 1:600$000 réis, mais 600$000 réis de gratificação? E ha-de a camara approvar isto? É o maior escandalo que se póde practicar! Eu não conheço nos fastos parlamentares, nas grandes aberrações politicas, parlamentares e governamentaes, uma cousa tão indigna como esta! Eu não conheço frases com que exprima a minha indignação ao vêr dar mais 600$000 réis a este homem.

A camara não póde approvar a idéa do sr. ministro da fazenda; a camara póde e deve approvar a proposta do sr. Corrêa Caldeira.

Que é isto, senhores?... Pois não accumulam os deputados, não accumulam os militares, não accumulam os ecclesiasticos, em fim em Portugal ninguem accumula dois ou mais vencimentos pagos pelo estado, e ha-de accumular um membro da junta do credito publico?... Porque?.. Que alta razão de estado, politica ou de conveniencia publica ha para estabelecer uma tal excepção? Eu não vinha preparado para vêr uma proposta igual a esta; isto faz levantar até as pedras das calçadas! De sorte que esta lei de que se tracta, é uma lei especial para um membro da junta do credito publico.

Sr. presidente, a camara póde fazer, o que quizer; a maioria póde ler para com o sr. ministro certas complacencias; mas o que não póde, é approvar na questão que se tracta, as idéas do sr. ministro, e rejeitar a proposta do sr. Corrêa Caldeira.

As nossas leis prohibem as accumulações: o sr. Ministro quer que um certo individuo accumule, com o rendimento de 1:600$000 réis, que tem como pensionista do estado, uma gratificação de 600$000 réis, que o sr. ministro lhe mandou abonar, na qualidade de membro que esse individuo é da junta do credito publico: isto importa uma violação de lei, é um escandalo, é um desperdicio, é uma excepção odiosa, e espero que a camara, por dignidade e honra sua, não a approvará.

Voto pela proposta do sr. Corrêa Caldeira.

O sr. Avila — O sr. ministro da fazenda pediu que a questão fosse tractada com placidez, eu tambem assim o desejo: e maior necessidade tenho de o fazer, porque fui, quem declarou que só se tractava da interpretação de uma lei. (Apoiados.) Eu estimo muito, que estejam presentes os srs. ministros do reino, marinha, que estão perfeitamente comprehendidos na hypothese, que se discute, e parece-me, que s. ex.ª hão-de ter a este respeito uma opinião diversa da do seu collega.

O sr. ministro da fazenda confessa já que a lei de 8 de junho não permitte estas accumulações: mas s. ex.ª sustenta, que esta lei foi revogada pelo decreto de 30 de julho de 184;4-. Vou provar a s. ex.ª, que s. ex. intendeu o contrario, quando redigiu o proprio projecto que serve de base a esta discussão, e que diz o seguinte. (Leu.)

a Continuam em vigor todas as disposições da carta de lei de 8 de junho de 1843, que não forem revogadas por esta lei.»

Logo s. ex.ª intende que todas as disposições daquella carta de lei estão em vigor: logo o sr. ministro da fazenda não intendia nem podia intender que o decreto de 30 de julho de 1814 revogava essa lei. Mas se s ex. lesse com alguma attenção esse decreto, veria, que elle não podia revogar aquella lei.

Diz o decreto de 30 de julho de 1844 — Attendendo á urgente necessidade de diminuir as despezas publicas (note-se bem este pensamento de diminuir as despezas publicas) Hei por bem ele. — e no artigo 1.º lê-se o seguinte — É prohibida a accumulação de dois ou mais vencimentos seja de que natureza forem, pagos pelos cofres do estado — Esta é a regra geral. Logo o proprio decreto que s. ex.ª citou, tem o mesmo pensamento da lei de 8 de junho de 1843: é um pensamento de economia a prohibição da accumulação de diversos vencimentos pagos pelo thesouro. Agora vamos ao artigo que o sr. ministro da fazenda ella (Leu.)

«Artigo 3.º Os individuos das classes inactivas, que forem chamados a serviço temporario, ou de commissão, terão direito em quanto durar o seu exercicio a uma gratificação diaria, regulada conforme a natureza e importancia do mesmo serviço, que lhes será paga conjunctamente com o vencimento da inactividade, que lhes competir conforme o disposto nos decretos de 22 de agosto de 1843, e 30 de maio deste anno.»

S. ex.ª intendeu que este artigo 3.º do decreto do 30 de julho de 1844 revogou completamente o pensamento do decreto exarado no seu preambulo e no artigo 1.º Não podia ser. O artigo 3.º não podia dizer o contrario do artigo 1.º O artigo 3.º não diz o que s. ex. pertende, diz que aquelles empregados de repartições extinctas que só vencem a metade de suas pensões — circumstancia que s. ex.ª omittiu — teem uma gratificação diaria sendo chamados para serviço extraordinario e temporario, como aquelle para que eram chamados nos diversos ministerios, e pelo qual se lhes dava, e continua a dar uma gratificação diaria de 500, 400, 300 réis conforme a natureza e importancia desse serviço. O sr. ministro da fazenda não poderá sustentar, que a gratificação, que concedeu, está neste caso, isto é, que é pelos dias em que se trabalha, e que só se accumula com uma pensão da natureza daquellas, de que tracta o decreto de 22 de agosto de 1843, e o de 30 de maio de 1844.

Agora vamos aos srs. ministros da marinha e do reino, que estou certo hão de deixar s ex. só nesta questão. O sr. ministro da fazenda não ignora que os seus collegas teem uma pensão de ministros de estado honorarios, e sendo o serviço que hoje prestam de ministros de estado effectivos um serviço temporario ou de commissão, s. ex.ª teem direito por este

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Interpretação que o sr. ministro da fazenda deu ao decreto de 30 de julho de 1844, a virem pedir que os seus ordenados de ministros de estado effectivos sejam considerados como gratificação, listou certo que s. ex.ª não procederão desta sorte, mas é esta a consequencia que se tira dos principios que estabelece o sr. ministro da fazenda, porque s. ex.ª, dando a um membro da junta que tem uma pensão paga pelos cofres do estado, uma gratificação annual e não uma gratificação diaria, s. ex.ª podia dar tambem aos seus collegas uma gratificação como ministros de estado effectivos e accumularem s. ex.ª esta «ratificação á pensão de ministros de estado honorarios. Realmente é a interpretação mais violenta que -e póde dar a uma lei: mas é a que lhe deu o sr. ministro da fazenda. S. ex.ª collocou-se n'uma má situação, e não póde saír desta má situação senão reconhecendo, que violou a lei.

A lei de 8 de junho de 1 843 prohibe expressamente a accumulação da gratificação de 600$000 reis, que vencem os membros da junta, com qualquer outro vencimento pago pelos cofres do estado. Esta lei é a lei especial da junta do credito publico, e não póde ser revogada senão por outra lei especial para a junta, como é aquella, que estamos fazendo, ou por uma lei geral, que faça daquella expressa menção. Existe a lei especial, que revogou a lei de 8 de pinho? Não. O decreto de 30 de julho, que é uma lei geral, faz expressa menção da lei de 8 de julho de 1843, e decima a revogada? Não. Como se póde pois sustentar a legalidade de uma accumulação, que é expressamente prohibida pela lei não revogada de 8 de junho de 1843?

Note-se mais, que o decreto de 30 de julho de 1844 está em vigor ha 9 annos, e que de tantos ministros da fazenda que tem havido daquella época até hoje, nenhum intendeu a questão assim, á excepção do sr. ministro da fazenda actual, que foi o unico que teve a fortuna de dar com a verdadeira interpretação daquelle decreto!

Alas o que eu acho mais notavel ainda é que o sr. ministro da fazenda queira ainda que se rejeite a proposta do sr. Corrêa Caldeira. S. ex.ª não se contenta com provar, que deu a verdadeira interpretação á lei: sustenta ainda, que essa doutrina é a melhor, e que deve vigorar, apezar de todas as leis, que existem prohibindo as accumulações. S. ex.ª para ser logico devia começar por propôr a revogação dessas leis, e a eliminação do artigo 4.º do projecto, que se discute, em que se diz, que continuam em vigor todas as disposições da carta de lei de 8 de junho, por que entre essas disposições está a prohibição da accumulação, de que se tracta.

Intendo, que a questão está tão completamente resolvida neste artigo 4.º, que reputo desnecessario o artigo do sr. Corrêa Caldeira, e só o sustento em vista das duvidas do sr. ministro da fazenda, e porque em pontos tão graves não ha clareza de mais. E a camara não póde rejeitar esta disposição, sem se tornar cumplice da abusiva interpretação, que o sr. ministro deu á lei, interpretação que vai continuar com violação flagrante da mesma lei.

O sr. ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — A questão para mim, e para o governo é, se acaso no despacho que auctorisou a accumulação de que se tracta, o governo infringiu a lei. Se acaso pela apreciação das disposições contidas no decreto de 30 de julho de 1844, confirmado para ter força de lei, e continuar em vigor pela carta de lei de 30 de novembro de 1844, a qual pelo seu artigo 2.º revogou positivamente a disposição da lei de 8 de junho de 1843, então o governo não infringiu a lei; mas se acaso a lei de 29 de novembro de 1844 não revogou a lei de 8 do junho de 1843, então o governo infringiu a lei, e ha do acceitar desta violação, se a houve, as suas legitimas consequencias. (Apoiados)

Sr. presidente, as disposições contidas no decreto de 30 de julho de 1844 são terminantes: prohibem a accumulação, e por isso mesmo que é terminante, é que estabelece em outro artigo posterior uma excepção especial para o objecto que se está discutindo.

O artigo 3.º do referido decreto de 30 de julho de 1814, diz: que os individuos das classes inactivas que forem chamados a serviço temporario ou de commissão, que é o caso em que está o individuo de que se tracta, terão direito, não diz que o governo poderá dar, diz: que terão direito, em quanto durar o seu exercicio, n uma gratificação diaria regulada conforme o natureza e importancia do serviço (O sr. Avila: — Note v. ex.ª que a lei falla em gratificação diaria e não annual como se concedeu ao cavalheiro de que se tracta, e essa gratificação diaria refere-se só aos dias uteis de trabalho.)

O Orador: — Oh! Sr. presidente, pois nós havemos estar aqui a discutir se a expressão gratificação diaria quer dizer que se não possa estabelecer a gratificação em relação a um anno, e se essa gratificação diaria se refere ou não sómente aos dias uteis de trabalho? (Apoiados) Pois, mesmo no caso de ser isso assim, não poderia eu calcular, se quizesse dar Os 600$000, de tal modo os dias uteis numa somma correspondente a esses 800$000? A questão é se o governo tem direito, se tem obrigação imposta pela lei, para dar essa gratificação? Se essa gratificação é a arbitrio do governo? Sendo assim, como é, podia calcular tudo de modo que viesse a dar os 600$000? Podia até dar mais em vista da lei. (Apoiados)

O artigo 3.º do decreto com força de lei, de 30 de julho de 1844, não é subversivo da fazenda publica — é, pelo contrario, de grande conveniencia publica, porque desde logo que entre os individuos pertencentes ás classes inactivas houver qualquer especialidade para se encarregar de um ou de outro ramo de serviço publico, com grande proveito para o paiz, é governo deve chamar esse individuo, cuja especialidade é necessaria, e dar-lhe, como a lei determina, uma gratificação por esse serviço que vai fazer, no que o estado lucra muito (Apoiados) e neste caso está o cavalheiro, cujo nome se tem citado (Apoiados); os serviços que este cavalheiro tem feito ao seu paiz, são relevantes e dignos de toda a contemplação. (Apoiados)

O despacho que dei a respeito da gratificação de que se tracta, não O fiz ás escondidas; o governo não faz nada ás escondidas; o governo não tem medo nenhum que os seus actos sejam analysados.

Poderei eu ter interpretado mal a lei; podia ter lido mal a lei; mas em vista della intendo que no que practiquei, não houve violação de lei; portanto a accusação de violador da lei não tem fundamento algum. (Apoiados) A lei é terminante, positiva, cathegorica. (O sr. Avila: — É verdade, mas em sentido contrario ao que v. ex.ª a julga) O Orador: — Pois muito bem; o illustre deputado julga-a de outra

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maneira, e eu julgo-a assim. A lei é terminante e positiva, é precisamente o caso que se discute, que está na lei.

Diz-se — é um escandalo, e um desperdicio. A este respeito direi — que se acaso estivesse ou estiver outro individuo em logar deste, ha-de receber os 600$ réis de gratificação, em quanto este ha-de receber a sua pensão na conformidade das leis, e por tanto não vejo aqui desperdicio algum

Por ventura o governo arbitrou algum vencimento que não esteja auctorisado no orçamento? Não está auctorisada no orçamento a pensão de 1:600$000 réis, e a gratificação de 600$000 réis, que recebe o individuo de que se tracta? (O sr. Cunha: — Mas não recebia até aqui os 600$000 réis) O Orador: — A questão não é de ter recebido ou não, a questão é — se tem direito a receber (Apoiados) esta é que é a questão, tudo o mais é fugir da ordem. (Apoiados)

Mas disse-se — que os meus collegas me hão-de deixar só nesta questão (Os srs. ministros do reino, e o da marinha: — Não deixam, de certo não deixam).

Sr. presidente, o vencimento dos ministros é ordenado, e não é gratificação, os ministros tem no orçamento a designação de ordenado que vencem. (O sr. Avila: — A designação não faz nada para ocaso) O Orador: — A designação faz tudo (Apoiados) Pois a designação faz tudo a favor da opinião do illustre deputado, e não ha-de fazer nada a favor do governo? (Apoiados) Peço perdão ao illustre deputado, mas a lei chama ao vencimento dos ministros ordenado, e o nobre deputado sabe a differença que ha entre ordenado e gratificação as gratificações recebem-se sem deducção alguma de decima, e os ordenados recebem-se com deducções de decimas. (Apoiados)

Os actuaes ministros não querem accumular, não tem querido accumular como o tem feito alguns dos seus antecessores. (O sr. Avila: — Refere-se a mim?) O Orador: — Não senhor, porque v. ex. nunca teve duas pastas. E certo que alguns dos ministros que tem tido duas pastas, tem accumulado ao vencimento de uma, mais um quinto do que é respectivo á outra; fizeram muito bem, não lhe quero fazer censura por isso, podiam faze-lo; havia uma consulta do tribunal do thesouro publico, que assim o auctorisava;

mas o actual governo intendeu, que essa consulta não era sufficiente para os ministros accumularem, e os ministros não accumulam, não quizeram accumular, não quizeram usar desse mesmo direito auctorisado pela referida consulta, direito de que usaram alguns dos anteriores ministros. (O sr. Avila: — No meu tempo nenhum dos meus collegas se serviu delle, nenhum accumulou.)

Repito — não censuro esses ministros que accumularam. Os ministros actuaes é que o não quizeram fazer. Eu, sr. presidente, tenho feito mais, nem um pequeno emolumento que me pertence como presidente do tribunal do thesouro publico, desde muito tempo recebo; não recebo senão escrupulosamente a parte correspondente ao meu ordenado. Por consequencia o governo não é perdulario, o governo não dissipa os fundos da nação, o governo começa as economias por si. Nunca fallaria nisto se não fosse provocado, porque é summamente desagradavel trazer as questões que devem ser questões de principios, para o campo das personalidades... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — E uma porcaria) Qual portaria? Não sabe o que diz; foi um despacho... (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu sei melhor o que digo do que s. ex.ª eu não disse portaria, disse porcaria) Ah! Isso é outro caso. (Vozes: — É peior) Eu fallo como intendo; o nobre deputado falla como intende; a camara é que a juiza, nem mais palavra a este respeito.

Repito, portanto, sr. presidente, e insisto em que a lei me auctorisava a fazer o que fiz, e que não ha desperdicio nem escandalo, e é preciso que me provem que a lei de 29 de novembro não revogou a lei anterior, para eu acceitar a censura que se me quer inflingir, e ao governo, pela disposição que tomou a respeito deste membro da junta do credito publico.

Não sei se tenho mais alguma cousa a dizer.... nem tenho vontade de fallar mais nisto, mas estou prompto a fallar todas as vezes que quizerem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã será leitura de pareceres de commissões depois do expediente, seguindo-se a divisão da camara em commissões. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo.

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