SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNHO DE 1888 2061
raciocinio, que nos guiou para pedirmos um dado imposto para os trigos.
Vamos agora á questão das farinhas.
A questão das farinhas tem duas partes: a parte que se refere á farinha produzida com trigo nacional; e a parte relativa á farinha produzida com trigo estrangeiro, fóra ou dentro do paiz.
A quantidade de farinha obtida com trigo nacional, era conhecida de nós lavradores e não ignoram, de certo, o sr. relator, e tambem o sr. ministro, que antigamente os lavradores estavam intimamente ligados com os padeiros, e eram forçados a isso, porque os padeiros eram uma especie de banqueiros de que muitas vezes elles se soccorriam para se livrarem de certas dificuldades.
Era, portanto cousa corrente entre lavradores portuguezes qual a quantidade de farinha, que correspondia a um dado peso e volume de trigo.
Em harmonia com isso, sabendo qual o preço de uma dada porção de trigo, e sabendo tambem qual a porção de farinha que se podia obter com essa dada porção de trigo, podiam os lavradores affirmar que para que o preço de venda da farinha fosse remunerador era necessario vendel-a por certo e determinado preço.
Por outro lado como a farinha era destinada a fabricar pão, estabelecido o preço do trigo, estabelecido o preço da farinha, restava marcar o preço de venda para o pão, por fórma a este ser vendido por um preço remunerador para o padeiro.
Na pratica sabia-se qual o peso do pão correspondente a um dado peso de trigo, e por isso regulava-se o preço d'aquelle pelo preço d'este.
Logo que, no mercado do trigo, e em Lisboa no Terreiro do Trigo, se vendia o trigo por um certo e determinado preço, a farinha e o pão tambem tinham uns certos e determinados preços e o consumidor, quando pagava o pão por 25, 30, 40 e 45 réis, preços a que o pão attingia conforme as circumstancias do mercado dos trigos, sabia que a esses preços correspondiam certos e determinados preços do trigo e das farinhas.
Por consequencia determinado o preço remunerador para o trigo, estava determinado o preço que devia recair no pão e na farinha.
Repito mais uma vez, eu não faço calculos, mas indico os raciocinios e quem quizer que faça os calculos.
Vamos á questão da farinha estrangeira.
Para a farinha estrangeira procuramos saber quaes as despezas que se fazem lá fóra com a conversão do trigo em farinha e procurámos tambem saber quaes os preços de venda d'essas farinhas estrangeiras lá fóra nos respectivos mercados. Procurámos mais saber quaes as despezas do transporte para Lisboa, e quaes as despezas com a descarga e fretes até aos armazens em Lisboa e dissemos:
«Se estas farinhas podem apresentar-se em Lisboa por um certo e determinado custo, qual o imposto que sobre ellas se deve adoptar para que possam lealmente concorrer com as farinhas produzidas em Lisboa com trigo nacional e com trigo estrangeiro?»
A este respeito direi que tenho sido accusado de chamar direito differencial á differença entre a taxa do imposto do trigo e a taxa do imposto da farinha, e, embora já tenha dado resposta a esse argumento, direi agora que eu tambem poderia criticar o emprego das expressões taxa diffe-rencial, imposto diferencial, que se encontram no inquerito agricola e no relatorio em questão, mas não o faço.
Entendo que o essencial é saber-se quaes as idéas ligadas a essas expressões, e n'esse sentido insisto em que, por mais de uma vez, já expliquei n'esta casa o que é que nós lavradores entendemos exprimir com as palavras direito diferencial.
Mas voltemos á questão.
Se ha uma differença entre o preço da farinha estrangeira e o preço do trigo estrangeiro; se ha differença entre o preço do trigo portuguez e o preço da farinha portugueza; e se ha uma certa relação entre o preço do trigo estrangeiro e o preço do trigo portuguez e entre o da farinha portugueza e o da farinha estrangeira, nós lavradores procurámos determinar qual o imposto, que deveria recair sobre a farinha estrangeira, para proteger a moagem nacional, para obrigar as fabricas de farinha a moer trigos nacionaes, e chegamos á conclusão de que é necessario um certo e determinado imposto sobre as farinhas estrangeiras, e que esse imposto deve, em todo o caso, ser superior ao do trigo nacional e superior em uma quantia, que chamámos direito diferencial.
No projecto propõe-se o imposto de 20 réis para o trigo, e para a farinha o de 30 réis.
O congresso pediu 25 réis para o trigo e 30 réis para a farinha; e a prova de que o pedido do congresso não está fóra da ordem, encontrâmol-a no facto de que, pedindo o congresso 30 réis para a farinha, governo e relator acceitam esse imposto de 30 réis para a farinha.
Ninguem póde pôr isto em duvida, e sendo isto assim, fica provado que eu, sem fazer calculos, respondo á argumentação do sr. relator e triumphantemente.
Eu apresento os meus raciocinios: não tenho necessidade de fazer calculos, porque o governo, o sr. relator, acceitam os meus para a determinação da taxa de 30 réis, que é a taxa que adoptam com o congresso.
Mas o que não se pôde admittir é que, adoptando a taxa de 30 réis, o governo, o sr. relator, não adoptem a taxa de 25 réis para o trigo, quando essa taxa foi determinada pelas mesmas pessoas, guiadas pelos mesmos raciocinios, que serviram para a determinação da taxa de 30 réis para as farinhas.
O que era logico era acceitar a taxa de 25 réis para o trigo, como adoptaram a de 30 réis para as farinhas.
Sr. presidente, a questão dos cereaes resolvia-se facilmente, desde o momento que nós, portuguezes, estivesse-mos em circumstancias economicas boas, em situação normal de commercio de cereaes e de fabricação de farinhas, porque, desde o momento em que o imposto sobre os cereaes fosse elevado, obtinham-se logo preços remuneradores de venda para os cereaes.
Para que assim fosse, sr. presidente, era necessario que a entidade, porque eu não quero fallar de individuos, repito que a entidade, que tem nas suas mãos o monopolio do commercio de cereaes e da fabricação das farinhas, desistisse da continuação d'esses monopolios, mas, como eu sou levado a crer que tal não se dará, sou tambem levado a concluir que a simples elevação do imposto sobre o trigo não póde garantir um preço remunerador de venda para os trigos nacionaes.
Falta a base que os srs. moageiros não querem conceder.
A este respeito contarei um caso, que caracterisa bem a situação.
Quer v. exa., sr. presidente, quer a camara saber o que me tem dito um cavalheiro, intimamente ligado com uma das emprezas commerciaes de commercio de cereaes e fabrica de moagens, o que figura constantemente nos emprestimos para a divida fluctuante, com quantias importantes, ganhas á custa do moageiro, isto é, á custa dos lavradores ? (Apoiados.)
Convém notar que esse cavalheiro é um homem a quem independentemente de tudo o mais eu sou devedor de alguns favores, d'estes que na sociedade se podem prestar sem gastar dinheiro.
Pois bem, o que elle me tem dito é o seguinte:
«Desde o momento em que vocês nas camaras, arranjem as cousas por fórma que sejamos forçados a comprar trigo portuguez, havemos de proteger efficazmente a industria agricola; emquanto as cousas estiverem arranjadas por fórma tal que ganhemos mais dinheiro comprando trigo