2062 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
estrangeiro, não queremos saber de patriotismo.» (Riso.}
Quer isto dizer: «O interesse acima de tudo.»
Em consequencia d'isto, sou levado a affirmar que desde que encontramos gente d'esta ordem pela prôa, (Riso.) os lavradores e nós legisladores temos de procurar saber a que meios se ha de recorrer para não dizer destruir, mas digo, harmonizar os interesses dos lavradores com os moageiros, e obrigar estes a consumir nas fabricas de farinhas os trigos nacionaes.
Nós, lavradores, pensámos muito no caso, mas posso affirmar que é injusta a accusação que nos tem sido feita de que queriamos e queremos dar cabo, destruir as fabricas de moagens.
Nunca quizemos levantar indisposições contra as industrias fabris, nem o podiamos fazer, porque temos a opinião de que a industria agricola só de per si não basta, e que ella carece da industria fabril e do commercio como seus auxiliares.
Pensámos, como já disse, no caso, e occorreu-nos que havia um meio de resolver a questão; esse meio seria prohibir a importação dos cereaes, de maneira que as fabricas não podessem comprar cereaes estrangeiros se não quando já os não houvesse no paiz, ou quando o preço dos cereaes do paiz subisse alem de um certo limite.
Quando assim pensavamos, apresentou se-nos immediatamente uma difficuldade pratica, e eu vou expol-a com toda a franqueza.
Em primeiro logar parece que nas proprias estações officiaes é difficil, se não impossivel saber se, chegado o mez de agosto ou setembro, qual é a quantidade de cereaes colhidos no paiz.
Creio que hoje não ha elementos nas estações officiaes para se chegar a esse conhecimento.
Antigamente estava isso perfeitamente bem regulado, porque as camaras municipaes tinham obrigação de mandar em certas epochas do anno para o Terreiro do Trigo as notas officiaes dos cereaes colhidos, e assim, por meio de uma simples somma, facil era saber qual era o cereal existente para a manutenção do paiz e o que faltava.
Direi a v. exa., sr. presidente, á camara, e em especial ao sr. relator uma outra cousa.
Fazia-se o calculo para a população de uma maneira muito simples.
Estava calculado que 23 a 30 alqueires eram sufficientes para a alimentação de uma pessoa adulta durante um anno; sabia-se qual era o numero de moios nos diversos concelhos; qual a população; e por um calculo simples determinava-se o que nos era preciso deixar entrar de fóra.
Voltemos á questão.
Apresentava-se por um lado uma difficuldade pratica que é esta que acabo de apontar, mas outro argumento mais forte dominou no meu animo e no dos meus amigos.
Esse argumento é que entendemos todos que, nas circumstancias actuaes, que se dão, era perigoso armar o governo com uma lei por fórma a deixar entrar livres de imposto os cereaes.
Considerámos e continuamos a considerar perigoso que o governo ficasse auctorisado a permittir a livre entrada dos cereaes, sempre que o julgasse conveniente, ficando essa admissão d'esses cereaes dependente apenas do voto consultivo do conselho superior de agricultura, ou de qualquer outro conselho de qualquer ordem ou natureza, ou ainda de quem quer que fosse.
Posta de parte essa solução, procurámos descobrir outra.
Vimo-nos obrigados a fazel-o, mas nunca perdemos de vista que era em todos os casos necessario obrigar os moageiros a comprar cereaes portuguezes.
Sr. presidente, eram os consequentes, porque a questão é que nós temos terras, queremos que ellas produzam, queremos vender os fructos que ellas produzem, e não podemos consentir que uma organisação social qualquer inutilise esse instrumento de trabalho, que a Providencia nos deu, e que chamâmos terra.
Desde o momento em que os moageiros, que importam trigo de fóra, fossem obrigados a comprar esses trigos por uns certos preços que entrassem em parallelo com os preços dos trigos portuguezes, ainda assim elles ficariam avantajados, debaixo de certo ponto de vista, por isso que os trigos palhinhas prestam-se mais ao trabalho das fabricas e da panificação, do que os nossos.
É preciso não perder isto de vista, assim como tambem é preciso não perder de vista que, para certos e determinados usos, é indispensavel o emprego de maior ou menor quantidade de palhinha, isto é, trigo molle, emquanto o paiz não produzir os trigos molle e rijo, suficientes para substituir e deslocar do mercado o trigo da America.
É sabido que na fabricação do melhor pão tem de entrar uma dada porção de farinha de trigo molle, de mistura com uma dada porção de farinha de trigo rijo.
Mas creia o sr. relator o seguinte.
Estou de accordo com s. exa. n'esta parte da necessidade da mistura para certas e determinadas qualidades de pão; não estou de accordo com relação á padaria militar.
Para se fazer bom pão para os srs. officiaes..., não é indispensavel a mistura das farinhas de trigo molle e de trigo rijo em proporção de 2 : 1. Posso affirmar á camara, com a pratica de casa, que se faz muito bom pão com essas mesmas farinhas na proporção de l : 2.
Mais adiante tratarei mais detidamente da questão do pão, mas quero agora insistir n'um ponto importante.
Desde o momento em que os moageiros tivessem nas suas mãos e permanentemente o monopolio da venda das farinhas, ficava tambem nas suas mãos o preço do pão, e foi contra isto que nós lavradores tambem quizemos, e queremos reagir.
O nosso desejo é que os padeiros e fabricantes de farinhas encontrem nos mercados internos uma concorrencia effectiva, que nunca permitta que possam levantar o preço do pão alem de certo limite.
Em Lisboa não existe tal concorrencia, e d'ahi provém que o pão não é pesado, e que é vendido ao publico, pelo preço que os srs. padeiros e moageiros querem.
Para impedir a elevação do preço alem de certo limite, occorreu-nos a conveniencia de que, desde o momento em que o farinador ou moageiro procurasse vender a farinha alem de um certo preço, se tornasse possivel, de vantagem, a importação das farinhas estrangeiras.
A commissão e o governo acceitaram essa idéa; mas, como não acceitaram a elevação correspondente ao imposto sobre o trigo, o que fizeram foi dar margem ao moageiro ganhar mais dinheiro, sem vantagem para o lavrador e sem vantagem para o consumidor.
Eu vou mostrar o que succedeu.
O que succedeu foi que os moageiros, os fabricantes de farinhas, estando certos de que, com o imposto de 30 réis sobre as farinhas, ficavam livres da concorrencia das farinhas estrangeiras, e de que não havia risco da elevação do preço do pão, levantaram immediatamente o preço das farinhas !
Já antes do fim do mez de maio tinham as fabricas expedido para o Ribatejo, e para outros pontos do paiz, circulares que declaravam que a contar do primeiro de junho em diante, as farinhas custariam mais dinheiro, mais 4 réis em kilo!
Nós, lavradores, em virtude da lei provisoriamente posta em vigor, ficámos em peiores circumstancias. Pouco ou nenhum trigo se vende, e quando se vende é por baixo preço.
Da America tem continuado a vir mais trigo, e os fabricantes ganham mais 4 réis em kilo de farinha!
O preço do pão ficou o mesmo, e agora pergunto eu:
Têem, ou não, os lavradores rasão para dizer que este estado de cousas não póde existir?