2064 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Foi inclusivamente necessario recorrer á fabrica do Barreiro, que tambem não está perfeitamente montada.
Por esta fórma, o argumento apresentado pelos lavradores e agricultores, quando se queixavam de que os moageiros fugiam ao emprego dos cereaes portuguezes, por isso mesmo que não tinham as suas fabricas convenientemente montadas, fica confirmado.
Mas ha mais.
Entre os varios argumentos que têem sido apresentados, apresentou-se por parte dos moageiros o argumento de que a moagem em Portugal ainda é hoje muito cara. O que eu entendo que era regular era que, á medida que se tivessem aperfeiçoado os systemas de fabrico, as despezas com a fabricação das farinhas tambem tivessem diminuido.
(Interrupção.)
Isto é uma cousa que não se comprehende, porque desde o momento em que todas as fabricas têem procurado aperfeiçoar os seus machinismos, o natural era que o mesmo só desse com relação á moagem.
Eu quiz accentuar bem a idéa de que as fabricas que só apresentaram como perfeitamente montadas em Portugal não o estão, pelo menos as duas a que o governo recorreu para fazer experiencias; e em segundo logar que o trabalho da producção da farinha não é tão barato como o poderia e deveria ser. É essa uma das causas que tambem leva os moageiros a quererem trigos baratos.
A culpa de tudo isso de certo não cabe aos lavradores e agricultores.
Agora referir-me-hei a outros argumentos apresentados pelo sr. relator, argumentos que eu não comprehendo, e para os quaes chamo a sua attenção.
O argumento de s. exa. é o seguinte:
«Ora os resultados d´estas experiencias confirmam os dados em que o governo se baseou para os seus calculos, e portanto legitimam os direitos por elle estabelecidos para as farinhas.
«Com effeito, tomando mesmo o menor dos numeros achados para a quantidade de trigo que produz 100 de farinha, isto é, 121,9, e fazendo o calculo, conforme os direitos de 25 réis para o trigo e de 30 réis para a farinha, pedidos pelo congresso agricola, teriamos 3$047 réis de direitos para o trigo e 3$000 réis para a farinha, portanto ainda n'este caso haveria para a moagem nacional o desfavor de 0,47 réis em kilogramma.»
Já me referi a este argumento e volto á carga contra elle.
Se o sr. relator admittir por um pouco que 100 de trigo produzem 75 de farinha, e multiplicar esses numeros pelos respectivos direitos do trigo e da farinha, encontrará um desfavor não de 0,47 mas de 0,50 réis em kilogramma, e se s. exa. diz «não percebe a vossa commissão como um desfavor ás moagens podesse contribuir, a não ser para a morte d'ellas, morte que se reflectiria de modo desastroso sobre a agricultura», eu respondo:
S. exa. quer provar com o seu argumento que, segundo os pedidos do congresso, ha um desfavor para a moagem nacional de 47 réis e alguns centesimos, mas não reparou em que o seu argumento falha pela base.
S. exa. poz completamente de parte o custo da farinha lá fóra, as despesas a fazer para a trazer até Lisboa e para a pôr nas fabricas ou armazens em Lisboa, quando era indispensavel entrar no calculo com todos esses elementos para saber por quanto sairia a farinha, incluindo tambem as despezas com os direitos.
O mesmo digo do trigo. S. exa. poz completamente de parte os elementos, ou despezas que, juntamente com a importancia do imposto, dariam o preço por que sairia em Lisboa o trigo estrangeiro.
E acrescento: se o sr. relator fizer os calculos nas condições que eu indico, se s. exa. comparar os dois resultados que aponto, isto é, custo do trigo estrangeiro posto em Lisboa, incluindo os direitos, custo da farinha estrangeira posta em Lisboa, incluindo os direitos, e comparar com os preços dos trigos nacionaes em Lisboa e com os preços das farinhas das fabricas de moagem portuguezas, poderá então reconhecer que nós, lavradores e agricultores, não pedimos desfavor para a moagem nacional, mas pedimos uma protecção que a obrigue a moer trigos nacionaes, e não permitia a elevação do preço do pão, partindo do principio de que as fabricas devem estar bem montadas com bom machinismo e boa administração.
Qual a rasão por que as farinhas estrangeiras não concorrem com as produzidas em Portugal?
É muito simples, é porque as farinhas produzidas com trigos estrangeiros nas fabricas de cá podem ser vendidas por muito menor preço do que as estrangeiras sujeitas ao imposto.
Com o aperfeiçoamento do machinismo das fabricas, e vigorando o direito de 30 réis para as farinhas estrangeiras, sáem estas mais caras do que as produzidas em Portugal, e isto, quer vigore o direito de 25 réis para o trigo, pedido pelo congresso agricola, quer o de 20 reis do projecto de lei em discussão. A differença está em que com o direito de 25 réis as fabricas serão obrigadas a moer trigo nacional.
É esta a minha opinião.
Acrescentarei que as farinhas produzidas em Portugal, isto é, a moagem nacional está tão protegida que os srs. moageiros entenderam que, como já disse, podiam elevar em 4 réis o preço das farinhas que produzem com trigos americanos nas fabricas em Portugal, e isto sem perigo da concorrencia das farinhas estrangeiras.
Já se vê que a margem de lucros é grande, apesar da imperfeição do machinismo e da má organisação das fabricas nacionaes.
Por consequencia eu insisto em que se imponha ao trigo o direito de 25 réis, e não de 20 réis como está no projecto.
Servirá isso para obrigar as fabricas a moer trigos nacionaes, e por outro lado tornará effectiva a concorrencia das farinhas estrangeiras, logo que suba o preço das farinhas produzidas em Portugal a ponto de encarecer o custo do pão.
Torno a dizer, as farinhas produzidas em Portugal com trigos estrangeiros saem mais baratas do que as farinhas estrangeiras, carregadas com a importancia do imposto, e com uma margem tão grande, que o moageiro póde elevar o seu preço na importancia de 4 réis, ficando ainda a coberto da concorrencia das farinhas estrangeiras!
Póde isto continuar assim?
Está aqui o ponto principal da minha argumentação, e torno a repetil-o outra vez.
Perguntam me:
Qual a rasão por que não concorda com o projecto do governo ?
Resposta:
Não concordo, não posso concordar, porque as farinhas obtidas cá em Portugal, com trigo estrangeiro, saem muito mais baratas do que as farinhas estrangeiras importadas e sobrecarregadas com o imposto de entrada, e sáem mais baratas com uma grande margem de lucros para o moageiro, que não fica obrigado a moer trigos nacionaes.
A prova de que a moagem é grande está em que com o tal direito de 30 réis para a farinha, conservando-se 20 réis para o trigo, ficaram dispostas as cousas por fórma tal que os moageiros, ao abrigo da concorrencia da farinha estrangeira, ainda puderam elevar mais 4 réis, no preço da farinha, que produzem cá com trigos estrangeiros.
Prova isto que com o regimen dos direitos de 15 réis para o trigo e de 22 réis para as farinhas, os moageiros ganhavam, e que com o novo regimen, embora provisorio, ganham desde o principio d'este mez mais 4 réis em kilogramma, sem o menor receio da concorrencia da farinha estrangeira!