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SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNH0 DE 1888 2053
Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)
Secretarios os exmos. srs.
Francisco José Machado
Antonio Centeno
SUMMARIO
Requerimento de interesse publico mandado para a mesa pelo sr. Avellar Machado.
Ni ordem da noite continúa a discussão sobre o projecto de lei n.° 67, cereaes. - Lê-se na mesa e foi admittida a moção de ordem apresentada pelo sr. Arouca na sessão diurna. .Responde lhe o sr. Mattoso Santos, na qualidade de relator. - Segue-se o sr. D. José de Saldanha, que apresenta uma moção de ordem e discursa largamente, explicando os motivos por que assignou com declarações o parecer. Fica ainda com a palavra reservada.
Abertura da sessão- Ás nove horas da noite.
Presentes á chamada 44 srs. deputados. São os seguintes : - Albano de Mello, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Eduardo José Coelho, Estevão de Oliveira, Feliciano Teixeira, Mattozo Santos, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Francisco Machado, Sá Nogueira, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, José Maria dos Santos, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Santos Reis, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Manuel José Correia, Brito Fernandes, Marianno de Carvalho, Marianno Presado, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Visconde de Silves.
Entraram durante a sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Baptista de Sousa, Antonio Centeno, Fontes Ganhado, Augusto Fuschini, Lobo d'Avila, Elizeu Serpa, Guilherme de Abreu, João Arroyo, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Pinto Mascarenhas, Julio Pires, Lopo Vaz, Pedro Victor, Sebastião Nobrega e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs: - Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Antonio Castello Branco, Campos Valdez, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Conde de Villa Real, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Santa Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Dias ,Gallas, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, José Castello Branco, Pereira de Matos, Eça de Azevedo, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Laranjo, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, Simões Dias, Mancellos Ferraz Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
Não houve expediente.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada sem demora a esta camara a copia da circular expedida, pela direcção geral de contabilidade, às repartições de contabilidade nos differentes ministerios relativa aos subsidios dos deputados, que são funccionarios do estado ou membros do exercito, accumulando com licença da camara as suas funcções legislativas com as dos cargos ou empregos que exercem. = Avellar Machado.
Mandou-se expedir.
O sr. Mattozo Santos (relator): - Sustenta o projecto e pondera que, se os lavradores não tivessem sido tão imprevidentes e o partido regenerador, que esteve no poder, quasi consecutivamente, onze annos, se se tivesse occupado do assumpto, estudando-o e tomando a tempo providencias adequadas, não estaria o problema agricola no estado em que hoje se acha.
Entende, por isso, que não se póde exigir do governo actual, que resolva completamente em pouco mais de um anno uma questão que os governos anteriores não resolveram em onze annos,
Seguindo esta ordem de idéas, expõe o orador varias considerações no intuito de justificar o relatorio que precede o projecto, occupando-se por ultimo das experiencias, recentemente realisadas, com a moagem de diversas especies de trigos.
(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. D. José de Saldanha (sobre a ordem) : - Começo, sr. presidente, por ler a minha moção de ordem, que vou mandar para a mesa. É a seguinte:
«A camara reconhece a necessidade de resolver a crise agricola, e continua na ordem da noite.»
Estão indicados os termos, em que vou encarar a questão, a que se refere o projecto de lei n.º 67, que está em discussão.
Cumpre-me responder desde já a algumas observações feitas pelo relator, o sr dr. Fernando Mattoso Santos, embora na especialidade talvez tivesse ensejo para mais detalhadamente responder a s. exa.
Disse s. exa. que o estado da crise agricola é devido a ter havido por parte dos lavradores imprevidencias de differentes ordens e naturezas.
A este respeito pondero o seguinte:
Em 1886 publiquei eu um opusculo, intitulado Algumas considerações sobre a crise, agricola em Portugal, (primeira parte).
N'esse trabalho, que escrevi, que mandei imprimir á minha custa na typographia de Eduardo Rosa, na rua Nova
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da Palma, em Lisboa, e que distribui gratuita e largamente, quiz eu tambem fazer notar que se tinha perdido muito tempo em Portugal sem se attender á crise agricola, e apontei quaes as circumstancias, a que se não tinha attendido, e quaes aquellas, que, embora attendidas, o tinham sido por fórma a concorrerem para aggravar a crise em vez de concorrerem para a debellar.
Na primeira ordem de circumstancias enumerei estas :
Falta de dinheiro ;
Constituição dos assentos de lavoura;
Mercados ;
Preços remuneradores ;
Falta de protecção;
Aproveitamento e regimen das aguas ;
Representação no parlamento dos verdadeiros interesses agricolas ;
Communicações fluviaes ;
Educação agricola.
Em relação ás circumstancias, que eu dizia que tinham sido attendidas, mas que deram mau resultado, escrevi eu estas palavras :
«Attendeu-se, ou quiz-se attender, á viação publica, mas fez-se isso por uma fórma, na apreciação da qual não entramos agora, limitando-nos a dizer que sacrificar tudo para que haja caminhos de ferro é um erro economico e social.»
Por consequencia fica dada, no que me diz pessoalmente respeito, a resposta á primeira parte das considerações, apresentadas pelo sr. dr. Fernando Mattozo Santos quando s. exa. apontava como causa da crise agricola as imprevidencias por parte dos poderes publicos, por parte dos lavradores e por parte dos partidos.
Em 1882 a 1884 tambem já eu tinha, na qualidade de deputado, procurado defender aqui os interesses agricolas do paiz, e acrescentarei agora que s. exa. não póde lançar á conta d'este ou d'aquelle partido politico, essas imprevidencias, porque as imprevidencias, segundo o meu modo de ver, têem sido geraes e completas por parte de todos os partidos politicos indistinctamente.
O que eu fiz em 1882 a 1884, como deputado da nação, em relação á causa agricola está indicado a fl. 39, 40, e 41 d'esse meu opusculo.
Por outro lado desde o momento em que sr. relator atacou por essas faltas de previdencia mais directamente uma situação politica, á qual está ligado o sr. deputado Frederico de Gusmão Correia Arouca, eu direi que considero a questão de baixo de um ponto de vista mais alto, e digo que se culpas tem havido são de todos os partidos politicos d'esta terra.
Dito isto, vou entrar na discussão do assumpto, não direi empregando grandes phrases, nem mesmo grandes palavras, mas procurando apresentar a minha idéa o mais clara e simplesmente que me seja possivel, porque entendo ser esse o meu principal dever n'esta occasião, solemne para nós todos e para o paiz !
Eu, sr. presidente, pedi a palavra na generalidade e pedi-a principalmente para mandar para a mesa a moção que já li, e para justificar até certo ponto a declaração de vencido em parte que fiz, quando puz a minha assignatura no parecer.
Essa justificação é tanto mais necessaria, quanto é certo que ha n'esta camara amigos meus particulares, que, me têem acompanhado n'esta lucta tremenda a favor da agricultura nacional, e que assignaram o parecer com a declaração peremptoria de vencido!
A esses respondo eu que o facto de ter assignado vencido em parte não me impode de na generalidade votar contra o projecto. E digo isto tanto mais desafogadamente, quanto por parte do governo se tem declarado mais de uma vez que não faz d'este projecto questão politica. (Apoiados.)
Sr. presidente, na occasião em que foi por v. exa. posto á discussão este projecto não estava eu na sala, porque fôra chamado aos corredores para fallar com um distincto facultativo e meu amigo, que desejava dar-me informações de pessoa da minha familia, que está gravemente doente.
Se eu estivesse n'esta sala quando se abriu o debate, tivera eu proposto duas questões previas.
A primeira tel-a-ía levantado, para o governo mais uma vez declarar categoricamente, no seio da representação nacional, que não faz questão politica d'este projecto.
É sabido que succede muitas vezes declararem os governos que não fazem questão politica da approvação ou rejeição de um projecto, e comtudo succede tambem mais tarde um ou outro ministro declarar particularmente a um ou outro sr. deputado ou par do reino, que elle ministro tem no fundo desejos de que a medida passe ou seja rejeitada.
D´esses casos resulta que o deputado ou par, que politicamente deseja ser leal; muitas vezes se vê seriamente embaraçado, como eu tenho presenciado por mais d uma vez, e ainda ha poucos dias
A outra questão, que eu queria ter liquidado com o governo, é esta:
Eu desejaria ter provocado o governo a declarar que não se opporia por fórma alguma a que haja votações nominaes, desde, o momento em que qualquer deputado se levantasse para as pedir.
O regimento da nossa camara n'esta parte é falho, porque exige o concurso ou harmonia de grande numero de votos para que tenha vencimento a proposta de haver votação nominal sobre qualquer materia e direi que espero que, quando esse regimento s já reformado, vingará um principio inteiramente contrario, ficando estabelecido o principio de que haja votação nominal ainda quando poucos deputados approvem o requerimento que se faça para esse fim, quando muito cinco a dez.
No caso sujeito, na votação do projecto em discussão, as votações nominaes têem grande importancia para mim, e vou dizer a rasão.
Desde que estão constituidos os centros agricolas, e que esses centros existem espalhados pelo paiz, corre lhes o dever, a necessidade, de, se constituirem em sentinellas vigilantes dos deputados.
E eu entendo que é concorrer para o vencimento da causa fazer com que haja votações nominaes.
Em todo o caso com votações nominaes mais bem habilitados ficarão os centros agricolas a saberem qual o modo de proceder dos respectivos deputados.
Seguindo uma outra ordem de idéas, direi tambem que o facto de ser discutida a generalidade dos projectos antes de se discutir a especialidade, prejudica a discussão muitas vezes, e quasi sempre colloca o deputado, que quer discutir, em graves dificuldades, no que concordam muitos membros d'esta camara e designadamente o sr. deputado José Elias Garcia.
Fallando eu particularmente com s. exa. ha poucas, horas sobre este projecto, declarei-lhe que me via embaraçado sobre o modo por que eu o analysaria, ao que s. exa. me respondeu, apresentando me uma idéa, que eu tomo a liberdade de expor á camara e que até certo ponto justificará a orientação, que vou dar ás considerações que tenho a fazer sobre o projecto em discussão.
Disse-me s. exa. que muitas vezes succede o orador n'esta casa ver-se embaraçado na fórma de discutir um projecto, porque, discutindo-se a generalidade antes da especialidade, faz-se, o contrario do que se deveria fazer.
Acrescentou s. exa. que o natural é discutir um dado assumpto ponto por ponto, para depois se chegar á synthese, que é o que deve constituir a generalidade.
Em abono da sua opinião lembrou que entre nós se dá exactamente o caso contrario: discute-se primeiro a generalidade, e depois d'ella votada é que se passa á especialidade, do que resulta muitas vezes ficarem mais tarde na
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especialidade, approvados artigos, que vão inutilisar o principio sobre que o projecto foi approvado na generalidade.
Trago isto para, como já disse, justificar a orientação das minhas considerações, e para explicar que, se acaso não for claro na sua exposição, dependerá isso em grande parte da minha posição especial, forçado como sou a discutir a generalidade antes de ser discutida a especialidade, isto é, ter de discutir a synthese antes de apreciar cada um dos pontos, que devem concorrer para a sua formação.
Sr. presidente, parece-me que é escusado encarecer a importancia do assumpto; nós todos estamos tão compenetrados d'isso, que até seria perder tempo procurar fazer ver que assim é.
Eu considero como um facto importante o ter-se já chegado a esse resultado, porque desde o momento em que ha um mal e em que a massa geral do paiz o sente e reconhece que é preciso dar lhe remedio, já se tem conseguido alguma cousa.
Ha um outro ponto, para o qual chamo a attenção da camara, é que, alem da importancia do assumpto, ha a importancia da occasião, do momento.
Nós chegámos ao momento psychologico, seja me permittida a expressão, em que é preciso fazer alguma cousa e tomar uma deliberação.
Essa deliberação deve ser tomada, não só debaixo do ponto de vista do interesse geral do paiz, mas ainda debaixo do ponto de vista de que, até no proprio interesse partidario, o governo deve procurar conseguir que a deliberação tomada agrade ao maior numero.
N'esse mesmo terreno, como poderio surgir resultados não previstos, entendo que o governo deve tambem ser sentinella vigilante, não um ministro mas todos os ministros, para prevenir esses resultados, e fazer o que disse ha pouco o sr. relator dr. Fernando Mattozo Santos, isto é, ser previdente.
A falta de previdencia muito menos desculpavel, muito mais condemnavel é no governo.
Uma das primeiras entidades, que deve ser previdente, é o governo, e parece-me que o sr. relator não póde accusar-me de falta de logica quando affirmo isto.
Accusou o illustre deputado os lavradores de serem imprevidentes: eu digo que, quem primeiro que todos deve ser previdente é o governo.
Resta-me tambem tratar de outro ponto.
Sr. presidente, a responsabilidade das palavras, que vou proferir hoje, na camara, é grande para mim e grande para mim, debaixo de diversos pontos de vista.
Em primeiro logar eu tenho procurado desde 1882-1884 chamar n'esta camara a attenção dos poderes publicos para o estado da agricultura; em segundo logar eu tive o honroso encargo, mas muito grave e espinhoso, de presidir ao congresso agricola, que se verificou em Lisboa em feve- reiro do corrente anno, e em terceiro logar sou o presidente da assembléa geral da real associação central da agricultura portugueza, e o que mais é tenho a minha responsabilidade ligada com os centros agricolas do paiz.
Tudo isto me impõe o dever de ser excessivamente cauteloso nas palavras que vou proferir, e n´esse intuito hei de procurar fazer com que ellas sejam a expressão da verdade, e não representem simples devaneios.
Cumpre-me tambem fazer uma outra declaração, e é que procurarei em todo o decurso da minha oração não irritar o debate, convencido como estou de que não ha vantagem alguma em se irritar o debate.
Quanto mais placidamente se discutir o assumpto, quanto mais sinceramente cada um emittir a sua opinião quanta mais franqueza cada um empregar em apresentar chãmente as duvidas que se offerecerem ao seu espirito, mais isso tudo concorrerá para que o assumpto fique bem esclarecido.
O meu dever na discussão da generalidade é começar por analysar o relatorio que precede o projecto de lei, relatorio que não é só da responsabilidade das commissões, o que o illustre relator, seja dito em abono da verdade, foi o primeiro a francamente reconhecer, quando disse que, embora o relatorio esteja firmado pelos membros das commissões, essa circumstancia em nada diminue a responsabilidade do relator, porque só elle é responsavel pelas palavras que no relatorio se encontram.
Posto isto, eu vou fazer ligeiras considerações sobre o relatorio, como preambulo das outras que, mais tarde, hei de apresentar sobre o projecto.
O sr. deputado Frederico de Gusmão Correia Arouca já se referiu a uma parte importante do relatorio, em que se diz que muitas causas têem concorrido para a crise agricola.
No relatorio diz-se :
«É de todos bem conhecido que a nossa industria agricola atravessa um periodo difficil e está em situação insustentavel. Varias causas têem para isso concorrido : o nosso regimen da propriedade; o nosso systema tributario: a vertigem dos melhoramentos materiaes feitos sem nenhum plano nem a minima orientação economica.»
Estou de accordo com isto.
No opusculo que publiquei em 1886, referindo-me ás causas da crise agricola e aos seus effeitos, enumerei eu quaes as circumstancias a que não se attendeu, quaes aquellas a que se attendeu ou quiz attender, e tudo o que eu escrevi está completamente de accordo com a opinião do sr. relator, compendiada nas palavras que acabo de ler, e felicito-me por ver que s. exa., no proprio relatorio, reconheceu que as causas determinantes da situação vem de longe.
Não podia deixar de ser assim, porque s. exa., esclarecido como é, não podia deixar de reconhecer que no mundo economico, da mesma maneira que no mundo physico, dadas certas e determinadas causas, as consequencias são necessarias e inevitaveis, e que na ordem das questões economicas os resultados tambem nem sempre se podem apresentar logo, por isso que muitas vezes, embora as causas produzam diariamente e sem interrupção os seus effeitos, os resultados d'estes só com o tempo se tornara sensiveis e palpaveis.
Mas se s. exa. concorda n'isso, tambem deve concordar em que a crise agricola, que se dá em Portugal, não é peculiar a este paiz ; dá-se tambem em outros.
Hei de lançar mais tarde mão d'este argumento, quando me referir a alguns meios que, a exemplo do que se tem feito em paizes estrangeiros, são apontados por muitos nossos compatriotas para debellar a crise agricola.
Agora direi que, na minha opinião, esses meios são de duas ordens.
Ha meios promptos de que o governo tem de lançar mão immediatamente ; e, a par d'esses, outros ha, a que deve recorrer, na certeza de, que os effeitos d'estes segundos meios só com o tempo poderão apparecer.
N'esta ordem de idéas direi, de passagem, que sustento e tenho sustentado sempre a elevação dos direitos sobre os trigos e sobre as farinhas como sendo um meio de accudir de prompto á crise; mas longe de mim a idéa, que alguem me tem querido attribuir, de eu suppor que o problema fica resolvido com a simples elevação dos direitos sobre os trigos e sobre as farinhas.
Direi mais que, para que a simples elevação dos direitos sobre os trigos, constituisse uma solução do problema, seria preciso que a solução não estivesse complicada com outras circumstancias, nas quaes têem primeiro logar as que se referem ao facto de o commercio dos cereaes estar monopolisado nas mãos dos moageiros.
Mas ha uma outra cousa curiosa.
Logo no periodo que se segue áquelle, que eu acabo de ler, diz-se o seguinte:
«Se a isto juntarmos medidas fiscaes, umas precipitadas outras contraproducentes, todas occorrendo tão sómente,
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e nem sempre bem, ao momento, sem attender ao futuro, teremos esboçado em larga synthese, o que das nossas considerações sociaes mais tem influido para o mau estado da nossa agricultura, e para a penosa situação actual dos nossos agricultores, os quaes têem, por sua parte, concorrido tambem com largo quinhão de imprevidencia para o mal de que se queixam, e a que urge prover de remedio!!
Vou responder a isto.
Nós não podemos mudar a indole de uma nação com a mesma facilidade com que um individuo muda de fato, ou de camisa. A nação portugueza tem a sua indole especial.
Ha annos atraz, quando ainda não havia a facilidade de transportes e communicações, que ha hoje, quando não havia a concorrencia desenfreada de cereaes estrangeiros que se dá hoje, quando era pouco facil a concorrencia nos mercados internos dos proprios productos agricolas nacionaes entre si, dava-se como assentado e como certo, que um individuo, uma familia, que possuia uma determinada propriedade (ilegivel) , tinha n´ella a sua fortuna garantida, dispunha de um bem estar que, por assim dizer, duraria sempre, enquanto existisse, o individuo, ou a familia.
Quando appareceu, já são passados muitos annos, o mal nos pomares nos arredores de Lisboa, differentes familias, que até então viviam em circumstancias desafogadas, acharam-se em situação triste por lhes faltar, quando menos esperavam, e seu principal ou unico rendimento.
Se isto se dava em relação á cultura, a que me estou referindo, era por outro lado certo que não apparecêra molesta ou circumstancia alguma invencivel, no paiz ou fóra d'elle, que prejudicasse a cultura dos cereaes, e por isso continuou a cultura dos cereaes a ser considerada como uma fonte certa, segura, de prosperidade e de bem estar, para quem chegava a adquirir propriedade, em que elles fossem cultivados.
O sr. relator de certo sabe que na pratica chegou a vingar este principio a ponto de que, para quem comprava uma propriedade destinada á cultura de cereaes, a informação que mais valor tinha era a da medida da superficie da area cultivada.
Adquirida essa informação as compras e vendas faziam correntemente, e para exemplo de que assim era lembrarei o que succedia determinadamente nos campos de Coimbra com as terras de milho.
Veiu depois a febre dos caminho de ferro, veiu a febre dos melhoramentos materiaes, e quando isso se deu os lavradores, agricultores e proprietarios, não deixaram de procurar melhorar os seus productos e de introduzir as modificações aconselhadas pelos estrangeiros, e que eram compativeis com os nossos recursos.
Essas, modificações deram-se principalmente na alfaia agricola, e n'este ponto não podem accusar os lavradores de imprevidentes.
Se o sr. relator quer dizer-me que os lavradores, agricoltores e proprietarios foram imprevidentes em não acautelar os effeitos, que lhes haviam advir dos melhoramentos materiaes, como caminhos de ferro, etc., declaro desde já que n'essa parte estou de accordo com s. exa.
Recordarei um caso, que se deu ha annos, e que correu de bôca em bôca em Lisboa.
Era um homem, um lavrador rico, que andava constantemente entretido com os trabalhos da sua lavoura.
Perguntando-lhe alguem, n'uma dada occasião, como achava elle que os negocios publicos corriam em Portugal, respondeu:
«Não sei nada d'isso, e não admira que não saiba, porque eu passo parte do anno a olhar para o céu a ver o tempo que vem. Fóra d´isso só tenho vagar para comer e para dormir!»
Quer isto dizer que, quando se pediam mais caminhos de ferro, mais melhoramentos materiaes, a generalidade da classe agricola desconhecia quaes os effeitos, que d'ahi poderiam advir á sua industria.
Se o sr. relator quer ver n'isto imprevidencia dos nossos agricultores, concedo que assim tenha sido.
Mal suppunham elles que os caminhos de ferro, que pediam, haviam de concorrer efficazmente para aggravar, se não promover a crise, que hoje atravessamos.
Mais abaixo diz s. exa. o seguinte:
«A par d'estas acções, já de si bastante energicas, para se não poderem remover sem tempo, convem não esquecer que ha, em alguns casos, outras que estão fóra da acção do homem.»
E acrescentou:
«Estamos fora da zona cerealifera».
Eu estou convencido, sr. presidente, de que, se por acaso os scientificos, digo isto sem offensa, podessem ou tivessem meio de indicar aos lavradores uma cultura, que podesse ser empregada em Portugal em substituição da cultura do trigo, a crise ficaria de prompto resolvida, e de certo não teria havido aactividade que se tem manifestado por parte dos lavradores victimas da crise, nem se teriam empregado os esforços que têem apparecido para que o governo attenda a essa questão, que para mim prima sobre todas as mais.
Esta affirmação de que estamos fóra da zona cerealifera, teve, a meu ver, como ponto de partida um trecho de um trabalho do sr. conselheiro João Ignacio Ferreira Lapa, trecho ao qual se tem dado uma interpretação que de certo nunca esteve, nem podia estar, na mente do mesmo sr. conselheiro Lapa.
Lamento que esse trecho tenha servido para se dizer que nós não estamos na região propria para a cultura dos cereaes, o que para o publico ignorante póde envolver a idéa de que não devemos cultivar cereaes, e designadamente o trigo.
(Interrupção.)
Eu peço perdão ao illustre deputado, e sr. relator, mas vou exarando a minha opinião.
Entendo que não se avança uma proposição d'estas, sem a explicar, e felizmente chegou-me aqui a occasião propria para o fazer.
Pela minha parte, se s. exa. me disser que em Portugal será difficil encontrar uma dada região, que apresente todas as circumstancias, em todo o seu conjuncto, na totalidade e na extensão de todas ellas, para o melhor desenvolvimento da cultura dos cereaes, comprehendo isso, mas faço a, seguinte pergunta: poderá s. exa. encontrar esse conjuncto de circumstancias, nas condições que indico, a não ser em uma estufa apropriada?
Mas a questão ainda não é esta.
A questão é que, dado um clima, dada a natureza de um terreno, dadas as circumstancias sociaes de um povo, esse povo, para viver, precisa necessariamente da existencia de uma cultura que o ligue á terra o mais possivel, com a condição de que essa cultura, embora não seja excessivamente remuneradora, dê pelo menos um producto ou resultado medio certo e annual.
Debaixo d'este ponto de vista tenho eu sempre combatido as idéas sustentadas pelo sr. Francisco Simões Margiochi, quando tem pretendido promover o excessivo desenvolvimento da cultura da vinha, e até a conveniencia de substituição da cultura dos cereaes pela cultura da vinha.
Torno a perguntar : dado o clima de Portugal, dada a natureza do seu solo, dadas as condições de vida da população de Portugal, podem os srs. scientificos, póde alguem apresentar me uma cultura, que, com iguaes resultados de produção e de colheita, substitua a cultura de trigo ?
Se é possivel a substituição, se podem indicar o nome da planta, é escusado cansarmo-nos mais, porque está resolvida a crise; mas, se não é possivel essa substituição é necessario forçosamente recorrer a meios até certo ponto artificiaes para crear uma existencia um pouco artificial a cultura dos cereaes, para que essa cultura não só se sus
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tente, mas garanta o bem estar da população e a sua manutenção.
Cousa curiosa é ouvir gritar constantemente contra a emigração, ver empregar todos os meios para difficultar essa emigração, e ao mesmo tempo não se attender a que, para tornar fixa a população, é necessario dar se-lhe que fazer, no proprio solo em que ella viver!
E debaixo d'esse ponto de vista direi ajuda mais, que a agricultura de cereaes reune condições essenciaes e especiaes, porque não só prende ao solo, a massa da população da parte do paiz, onde essa cultura se faz, mas ainda alem d'isso, é um elemento, poderosissimo para o bem estar de uma grande massa de população, que emigra d'uns pontos do paiz para os outros, na occasião das ceifas, e que, sem esse recurso, se veria reduzida, muitas vezes, a pessimas condições de vida e a tristissimas circumstancias!
Vou agora apresentar a s. exa. um argumento curioso, e que naturalmente é completamente novo para esta camara, mas que convem trazer para ella.
Tenho sustentado ha muitos annos, sr. presidente, que em Portugal, debaixo do ponto de vista da estrumação e de adubos de terrenos, não se pode prescindir do estrume de curral, isto é, de azote assimilavel.
Em tempos que vão longe, chegou a epocha da phosphorite, do seu emprego na agricultura, e a este assumpto tive eu muito ligada a minha attenção, porque fui talvez um dos individuos que, em França, concorreram mais para se adoptarem meios praticos, para se fazerem rapidamente os ensaios da phosphorite, empregada como adubo ou correctivo das terras.
Não admira que assim me succedesse, porque eu então occupava-me especialmente de chimica, e não se sabia ainda bem o melhor meio pratico de fazer industrialmente esses ensaios.
Não vem isto agora para o caso, porque a questão é outra, e por isso sigo com o meu argumento.
Como ia dizendo, tenho eu sustentado sempre a indispensabilidade dos estrumes de curral, contra a opinião d'aquelles que me diziam: « Você está enganado, porque nós do que precisâmos é de acido phosphorico e de correctivos !»
E sabe v. exa. o que succedeu com o andar dos tempos?
Vae-se reconhecendo que eu é que tinha e tenho rasão.
Pelas experiencias, a que ultimamente se tem procedido nos laboratorios chimicos, que se encontram espalhados pelo paiz, pelas analyses que ahi se têem feito, tem-se reconhecido, o que a maior parte da gente ignorava, que os nossos terrenos, na maior parte dos casos, contêem os elementos mineraes que são necessarios para a producção, a que elles têem de ser applicados.
Os homens praticos sabiam que ha em Portugal terrenos que nunca deixam de dar cevada, e em condições vantajosas, etc.; mas não sabiam explicar o caso.
Os scientificos, que insistiam em que geralmente os nossos terrenos para bem produzir tinham falta de elementos mineraes, ignoravam talvez este e outros casos.
Entre outros factos, que eu conhecia, para apoiar a minha opinião, existe um de que já o outro dia dei noticia ás commissões reunidas de fazenda e de agricultura d'esta camara, e que cito agora, porque estamos aqui n'um ambiente maior, e é bom que se saibam estas cousas.
Antes de 1882, estando eu doente, fui mandado para os arredores de Lisboa, e nos passeios que dei, dirigi-me um dia a uma povoação chamada Queijas, proximo de Barcarena.
Essa povoação encontrava-se em muito precarias circumstancias. porque tinha tido successivos annos de pessimas colheitas de cereaes.
Estavam todos desanimados, o anno não correra bem desde o principio do anno agricola, e todos os homens antigos do logar diziam que era mais um anno mau.
Os trabalhos das terras tinham sido todos feitos na fórma dos annos anteriores, na maneira costumada, e, como o anno corria cada vez mais irregular, andava toda agente afflicta vendo chegar a epocha da colheita, suppondo que o anno seria pessimo, peior do que os anteriores!
Fizeram se as ceifas, começou a debulha, e qual não foi o espanto geral, a alegria de todos, quando reconheceram que felizmente tinham andado todos enganados, e que a colheita era magnifica!
A colheita, que geralmente regula por nove sementes o maximo, subiu excepcionalmente n'aquella região e n'aquelle anno, a vinte e duas sementes!
Fóra a sorte grande para toda aquella gente!
Eu tomei nota d'isto, porque ficou provado, para mim, que os elementos mineraes não faltam geralmente n'esses terrenos, que muitos têem considerado e continuam a considerar como esgotados, e que com uma pequena estrumação produzem e muito bem, logo que o anno corra de feição.
Em tudo isso entrára em jogo um quid, e esse quid concordo eu com o sr. relator em que elle está fóra da acção do homem.
Esse quid é o clima.
Mas vejamos a questão por outro lado.
É conhecido entre os lavradores, que se deve ligar a maxima importancia ás sementeiras, á epocha e occasião em que são feitas, o que d'ahi provém principalmente o resultado das colheitas, e para este ponto chamo a attenção do sr. relator.
Para o desenvolvimento de uma planta ha duas epochas, ou periodos, importantissimos debaixo do ponto de vista da pratica.
Ha a epocha ou periodo do desenvolvimento da planta, e a epocha ou periodo da maturação.
O que succede em Portugal em relação aos cereaes, é que o periodo do desenvolvimento é mais ou menos curto, conforme o anno; e, por outro lado, succede que o trabalho da maturação se faz muitas vezes não só antes do praso, em que devia fazer se, mas até chega a fazer-se precipitadamente, porque desde o momento em que começa esse periodo a planta não se póde desenvolver mais, e, se por acaso a planta por effeito da sua natureza não póde resistir a todas essas influencias, a todas essas contrariedades, não ha colheita possivel.
Resulta de tudo isto que ha incerteza no começo da epocha e na duração do periodo do desenvolvimento da planta: que o mesmo se dá em relação á maturação dos fruttos, e que, sendo isto assim, e dependendo tambem o resultado da colheita do que succedeu na occasião da sementeira, o que vulgarmente se exprime pelas palavras «sezão da sementeira», a unica planta que em Portugal supporta tudo isso é o cereal. Sendo assim, que ha de fazer o lavrador, quando não possa cultivar os cereaes?
N'esta altura do debate vou responder ao sr. Antonio Maria de Carvalho.
S. exa. queria no outro dia sustentar aqui a substituição da cultura dos cereaes pela cultura da beterraba, mas eu digo a s. exa. que Deus nos livre d'isso. O illustre deputado está de certo nas melhores intenções, mas não se póde avançar uma proposição d'essas em toda a sua generalidade com o clima que nós temos.
Por consequencia já se vê que para mim o ponto principal da questão é este: é que nós não temos cultura alguma, que possa substituir a dos cereaes; e, como não ha nação alguma que possa viver sem uma cultura qualquer, é a cultura dos cereaes aquella que nós somos obrigados a sustentar, recorrendo até, quando seja necessario para esse fim, a meios mais ou menos artificiaes.
Tambem não convem substituir a cultura dos cereaes pela da vinha.
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O argumento apresentado a favor d'esta cultura é que ella remunera muito melhor o lavrador; mas eu, pela minha parte, protesto contra este argumento.
Tenho noticia de escripturas antigas de arrendamentos, feitas em mil quinhentos e tantos, e d'ellas se vê que já então a cultura da vinha era considerada como uma cultura, com a qual não se podia contar com um rendimento certo, por isso que os rendeiros ficavam dispensados do pagamento das rendas das terras nos annos da poeira ou pó.
Já então essa cultura luctava com mil difficuldades.
Por outro lado, como a cultura da vinha tende, infelizmente, a desapparecer, porque, alem das molestias, ha a grande questão dos mercados externos, a falta de consumo, que obriga os lavradores a deixarem as vinhas sem tratamento, rasão tenho eu para defender, para sustentar, a cultura dos cereaes.
Os cereaes têem um mercado certo, que é o mercado interno, e a sua producção media é certa e segura.
Quanto ao ponto de estarmos fóra da zona cerealifera, parece-me que respondi tanto quanto podia responder. Não conclua o publico pouco esclarecido que não devemos cultivar trigo.
Diz n'outra passagem o sr. relator:
«... é ainda rasoavel a sua elevação (do imposto) alem d'esse limite como remedio temporario reclamado pela urgencia das cousas.»
N'esta parte já respondi a s. exa.
Concordo com s. exa. quando diz que o augmento do imposto é uma medida para atacar o mal de prompto, immediatamente. O meu desideratum seria que mais tarde, com o andar dos tempos, nós chegassemos ao ponto de podermos prohibir completamente a importação dos cereaes, o que seria prova de que o paiz colheria os cereaes sufficientes para o seu consumo. Ponho de parte a possibilidade de podermos manter a completa liberdade, porque entendo que a esse estado nunca poderemos chegar pelas rasões que já expuz.
Concordo com a idéa de que o recurso á elevação do imposto é determinada pela urgencia de acudir com prompto remedio á crise.
Desde que ha um mal social, é o governo que tem de lhe acudir, porque o governo é o medico mais proprio para estas enfermidades.
E os governos conhecem-se nas occasiões serias e graves.
Não é em calmaria podre que se podem apreciar os governos. Quando vem uma crise, a que é preciso acudir de prompto, é que os governos mostram o que valem pelas medidas que adoptam.
Diz mais s. exa. o seguinte:
«Não podiam, pois, as vossas commissões, pelo que respeita ao conjunto da proposta, deixar de acceital-a, concordando como remedio temporario na elevação dos direitos e congratulando-se em ver redundar em beneficio da agricultura o acrescimo dos rendimentos publicos d'elle provenientes ... »
Procurarei desenvolver este ponto, porque se liga com a declaração que eu fiz.
Eu já, tive occasião de dizer, na reunião das commissões de fazenda e de agricultura, que não concordo com o principio de que, desde o momento em que ha acrescimo de receita, esse acrescimo seja applicado por leis especiaes a certos e determinados fins.
Não concordo com isso, não posso concordar, desde o momento em que eu sei que o thesouro publico tem necessidade de dinheiro.
A prova de que assim é, de que tem necessidade de dinheiro, é que recorre á divida fluctuante, e n'essa parte leva uma grandissima vantagem aos lavradores. Se n'isto tambem querem ver imprevidencia dos lavradores direi que estes, para recorrer ao credito, têem de seguir uns cer-
tos meios e de lançar mão de umas certas bases, differentes das que servem para os governos.
O governo, quando se vê afflicto, tem sempre o recurso do emprestimo e do imposto, dispõe de mais recursos e vive mais desafogadamente do que os pobres lavradores!
Mas, voltando á questão, direi que, desde o momento em que ha acrescimo nas receitas publicas, nas circumstancias actuaes do thesouro publico portuguez, devem esses augmentos de receita ser applicados ás necessidades do thesouro, e não ser applicados por leis especiaes a certos e determinados fins, a nova ordem de serviços.
No projecto, que está em discussão, esse acrescimo de receita tem tambem uma applicação especial, que se refere ao estabelecimento de uma padaria por conta do estado, com o fim de fornecer o pão á tropa, á armada e a estabelecimentos dependentes dos diversos ministerios. Eu, em harmonia com o congresso agricola, sustento e tenho sempre sustentado, que, desde o momento em que ha de facto o monopolio do commercio dos cereaes ligado com o monopolio da fabricação de farinhas, é necessario atacar esse monopolio, destruil-o, e que para isso a concorrência feita por uma fabrica do estado, pela fórma que está aqui indicada, póde ser effectivamente um auxiliar poderoso, para dar cabo do monopolio.
Não quero dizer arruinar ou destruir as fabricas: digo dar cabo do monopolio.
Mas o facto de eu concordar com esse principio, não invalida a idéa geral, que domina o meu espirito, de que acho um mau precedente, desde o momento em ha falta de dinheiro para occorrer ás despezas publicas correntes, que os augmentos de receita sejam desde logo, preceptiva e especialmente destinados a certas e determinadas despezas, a nova ordem de serviços.
Fica, portanto, por esta fórma tambem justificada a declaração, que fiz. em seguida á minha assignatura.
Agora passarei a tratar da questão do trigo.
Diz o sr. relator que o contrabando dos trigos estrangeiros já foi em nossos dias praticado em tão larga escala, que chegámos a acreditar-nos momentaneamente como um paiz exportador de trigo.
Responderei que em 1882 a 1884 tive occasião de levantar aqui esta questão, porque os lavradores do Alemtejo, principalmente os da raia, foram aqui accusados de fazer em larga escala contrabando de cereaes.
Eu, que n'essa epocha representava aqui o circulo de Evora, entendi, como lavrador e como deputado, que devia protestar contra similhante asseveração.
Para isso recorri a uma affirmativa muito simples.
Desde o momento em que tivesse sido feito esse contrabando era para admirar que, havendo tanta fiscalisação, o contrabando não tivesse sido apprehendido e presos os individuos, que se dedicavam a esse genero de commercio.
O percurso até Lisboa era grande para dar occasião a isso.
Hoje digo a mesma cousa, mas hoje tenho de ir mais longe, porque tenho a obrigação e o dever de me referir á parte em que s. exa. diz que chegámos a acreditar-nos momentaneamente como um paiz exportador de trigo.
Não quero entrar n'um largo debate a este respeito, e por isso resumirei a minha argumentação ao seguinte: Se effectivamente, n'uma dada epocha, exportámos trigo para paizes estrangeiros, se ninguem põe em duvida esse facto, tambem ninguem póde pôr em duvida que nós em Portugal, já produzimos muito mais trigo do que produzimos hoje.
Acrescentarei que, desde que a cultura dos cereaes seja remuneradora, havemos de produzir muito mais trigo do que produzimos em epochas antigas, porque os processos da agricultura se têem aperfeiçoado, e por outro lado, a imprevidencia dos lavradores, se a houve n'essas epochas, está hoje despertada, acabou.
Póde affirmar-se que, desde que a cultura dos cereaes
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seja remuneradora, a agricultura portuguesa ha de procurar desenvolver a o mais possivel.
Emquanto á proposição apresentada pelo sr. relator de nós termos chegado a acreditar-nos como um paiz exportador de trigo, para d'aqui tirar a Conclusão de que nós produzimos pouco, ou não podemos produzir mais, respondo a s. exa. que produzimos pouco pelas circumstancias espe-ciaes que se têem dado, e lembrarei que não está muito longe de mim um nosso collega, o sr. Estevão Antonio de Oliveira Junior, cavalheiro meu amigo, muito respeitavel e entendido em lavoura, que tem extraordinariamente restringido a area da cultura dos cereaes, desde o momento em que essa cultura começou a tornar-se pouco remuneradora, ou antes nada remuneradora.
A este respeito devo mais fazer uma outra observação.
Não se deve concluir do que acabo de affirmar que eu acredito que, desde que haja um preço geralmente remunerador para a cultura dos cereaes, todas as regiões, que antigamente se destinavam á cultura d'elles com vantagem e com proveito, continuarão, ou antes tornarão, a ser aproveitadas para a cultura dos cereaes.
Eu a esta respeito tenho opinião fixa, baseada em factos.
Havia umas certas regiões, umas certas áreas, e nomeadamente nos arredares de Lisboa, que estavam por assim dizer isoladas dos outros centros da producção de cereaes, no paiz pela falta de communicação, e eram aptas para produzir trigos, que eram consumidos nas proprias regiões, onde eram produzidos, obtendo preços de venda remuneradores. Com o desenvolvimento da viação ordinaria e da viação accelerada naturalmente estes centros de producção hão de ser atacados pela producção de outros pontos, como por exemplo do Ribatejo, e por consequencia elles não poderão tão desafogadamente sustentar a concorrencia dos produ-ctos das outras regiões.
Eu estou convencido de que, desde que o preço dos cereaes seja geralmente remunerador, a cultura se ha de desenvolver e tomar grande incremento, mas não julgo que todas as regiões, mais ou menos limitadas, que foram antigamente productoras de cereaes, o hão de forçosamente tornar a ser; pelo contrario, eu sustento que, ainda que venha a haver esse preço remunerador, umas certas regiões, que antigamente produziam cereaes, não ficarão em condições de poder sustentar a concorrencia com a producção de outras regiões do paiz.
Mais adiante refere-se s exa. ao preço do trigo, que torna a sua cultura rasoavelmente remuneradora, e eu vou tratar d'este ponto, que é capital.
Quando eu e os meus amigos, e digo os meus amigos, porque um individuo só nada póde, e a prova é que eu vejo homens intelligentes e trabalhadores que só por si nada conseguem, nada podem, repito quando eu e os meus amigos procurámos encontrar uma solução para a crise agricola, uma das questões, que mais nos preoccupou foi a do quantitativo da elevação dos direitos dos cereaes.
Com a elevação dos direitos consegue-se necessariamente elevar o preço de venda do trigo, em condições normaes e regulares da venda e procura d'esse genero.
Não póde succeder assim quando, havendo o monopolio da fabricação das farinhas e do commercio dos cereaes, como succede em Portugal, a simples elevação do direito sobre o trigo estrangeiro for desacompanhada de outras medidas.
Em todo o caso, seja como for, é certo que, para determinar ou estabelecer qual deve ser esse augmento de imposto, é indispensavel o conhecimento de qual o preço remunerador de venda para o trigo.
Depois de termos luctado com grande numero de difficuldades, chegámos á conclusão de que o preço remunerador é para o trigo de 600 réis.
Era este o mesmo preço remunerador que eu aqui sustentei em 1887, quando foi da discussão das pautas.
Eu conto o que se passou.
Uma das cousas difficeis n'uma exploração agricola é, dia a dia, determinar á risca o preço da producção de cada genero, e quem para isso recorresse a um systema mais ou menos complicado de escripturação, embaraçaria certamente a vida pratica da exploração, havia de gastar muito dinheiro, e poucas ou nenhumas vantagens tiraria de tudo isso.
Eu fui funccionario publico durante muitos annos, dirigi um estabelecimento fabril do estado, e talvez não saibam que a maior difficuldade com que luctei durante os dezeis annos que ali estive, foi convencer os empregados publicos de que a contabilidade é um meio e não um fim.
Quando entrei para aquelle estabelecimento encontrei o trabalho subordinado á escripturação, e eu entendi que se devia fazer o contrario.
Alguem poderá dizer: pois se não têem escripturação da qual conste a que horas entraram os bois para o trabalho, quantas geiras fizeram, quantas séstas houve, quanto ganhou cada operario, como é que podem saber por quanto saiu cada trabalho, cada producto.
A isso respondo que ninguem ignora que ha individuos, que não sabem ler nem escrever, e comtudo fazem contas de cabeça, e inclusivamente passados annos lembram-se dos preços por que venderam um certo numero de cabeças de gado, n'uma certa e determinada feira.
Eu conheci um homem, que não sabia ler nem escrever, e que apesar d'isso' tinha as contas da sua casa todas de cabeça, e, quando lhe perguntavam por que preço vendera em tal dia na feira do Campo Grande, ou em qualquer outra, um certo numero de cabeças de gado, lembrava-se não só da porção de gado que vendera, mas até dos preços por que o vendêra em tal dia na feira do
Campo Grande, ou em qualquer outra, um certo numero de cabeças de gado, lembrava-se não só
porção de gado que vendêra, mas até dos preços por que o vendêra.
Nós, lavradores e agricultores, podemos dizer com mais ou menos certeza qual é o preço remunerador de qualquer producto, mas se nos perguntarem se temos elementos escriptos que o provem, geralmente respondemos que não.
Podemos arranjar os elementos, não temos geralmente os calculos feitos, mas sabemos que vendendo tal genero ou producto por tal preço ganhamos, e que vendendo-os por outros preços perdemos.
Eu ufano-me de ter concorrido para estabelecer o preço de 600 réis.
Talvez s. exas., o sr. ministro da fazenda e o sr. relator se admirem de que nós, lavradores, nos não contentemos com os 580 réis e que peçâmos 600 réis. Pois é exactamente esse vintemsinho que s. exa. não nos querem dar, que nos faz muita falta.
O sr. relator escreveu algures que 580 réis é um preço remunerador, e nós dizemos que esse preço remunerador só póde ser o de 600 réis.
Esse vintem, que s. exa. julga ser uma differença pequena, representa muito para o lavrador, e eu digo porquê.
A maior parte da gente, sobretudo nas regiões officiaes, estava n'outro tempo completamente enganada sobre o modo de viver do lavrador. Hoje parece que as regiões officiaes vão estando sobre esse ponto tambem pouco mais esclarecidas.
N'essa epocha ía-se a casa do lavrador e via-se uma casa farta, comparada com o viver da cidade, apresentando assim um certo bem estar.
Os individuos, que o lavrador recebia em sua propria casa, a quem dava de comer, julgavam que elle nadava em dinheiro! Foi a sua infelicidade porque lhe caíram os impostos em casa, e tem sido um nunca acabar de impostos!
Quer v. exa., sr. presidente, saber o segredo da abelha, como se costuma dizer. (Riso.)
A explicação é muito simples.
Ganhava-se pouco em muitas cousas, e esse pouco, multiplicado, dava para uma familia viver mais desafogadamente do que se vivia nas cidades.
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A par d'essa davam-se outras circumstancias, que convém lembrar.
Á medida que o dinheiro se ia apurando, ía-se enterrando na propria terra para crear materia collectavel. O que tem succedido depois? Que o viver desafogado desappareceu, e a propriedade collectavel tambem vae desapparecendo. (Apoiados.)
Mas tornemos á questão dos 600 réis.
Por mais voltas que o sr. ministro da Fazenda e o sr. relator dêem, nós lavradores declarâmos terminantemente que não podemos prescindir do preço remunerador, e entre outras, rasões, para que seja esse o preço remunerador, existe a de que não podemos deixar de entrar em linha de conta com as eventualidades.
Um distincto membro da camara dos dignos pares, que é conhecido de nós todos, e professor de uma das escolas superiores em Lisboa, tendo uma vez uma conversa commigo ácerca d'esta questão, disse me estas palavras :
«Vocês, os lavradores, são os homens mais felizes que ha. Chegado o fim do anno fazem as suas contas, perdem ou ganham; mas no fim de tres ou quatro annos tiram a media e estão sempre de ganho!»
Respondi-lhe: «Está completamente enganado, porque o lavrador não póde contar com o resultado da cultura senão quando tem o genero enceleirado em casa.»
Hoje direi, que é preciso contar com outro elemento
Chegou a desgraça ao ponto de que se consegue estar o género recolhido no celeiro mas não ha compradores!
É esta tambem uma das causas dos clamores que se levantam.
Desde, o momento que o lavrador não póde contar todos os annos com a venda certa e segura da sua colheita, poderão dizer que é necessario dividir os lucros e as perdas por um maior numero de annos, mas a isso respondo: «De que ha de ir vivendo o lavrador? Com que ha de sustentar a familia ?»
A meu ver o sr. relator não atacou de frente a questão do preço dos 6OO réis ser ou não ser remunerador.
S. exa. escreveu:
«Mas qual é o preço do trigo, que torna a sua cultura razoavelmente remuneradora? Affirma-se ser o de 600 réis por 13,8 litros; mas debalde procurou a vossa commissão os elementos que levaram a fixar estes numeros.»
Se o sr. relator entende e entendia que o preço de 580 réis, ou outro qualquer, é que é remunerador deveria ter apresentado as provas de que assim é, ou deve ser, e é o que não fez.
No relatorio não encontro tal demonstração.
Mais abaixo escreveu s. exa.:
«Poderia o congresso agricola ter para tal calculo reunido os necessarios subsidios; não o fez porém, ou porque os não póde obter, ou porque não quizeram apresental-os os lavradores que o constituiram. No primeiro caso é para lastimar o viver sem conta de tão importante industria, no segundo mal avisados andaram, em ambos o minimo preço indicado perde parto, do seu valor; fica uma simples affirmação de interessados, digna de attender se, mas sem a indiscutivel importancia, e deduzida de numeros apurados de uma rigorosa critica dos factos!»
A isto respondo o seguinte: S. exa. leu de certo o resultado do inquerito agricola, 1887-1888, e lá encontra o preço remunerador de 600 réis, claramente estabelecido.
O sr. Mattozo Santos: - Ha lá differentes preços.
O Orador: - Eu já lá vou.
Quero que s. exa. me diga qual o raciocinio, a que obedeceu um calculo que offerece no seu relatorio a fl. 3, e que eu não comprehendo.
Refiro-me ao calculo que s. exa. apresenta para affirmar que a moagem nacional teria o desfavor de O,17 réis em kilogramma.
Segundo o meu modo de ver o raciocinio que preside ao calculo não é seguro, porque não attende a outros elementos de calculo, e por isso eu affirmo que se em todos os seus calculos o sr. relator obedecer ao mesmo raciocinio ou a outros analogos, eu me julgo no direito de não admittir nem os calculos nem as conclusões do sr. relator.
Direi mais que o inquerito agricola, o relatorio, obedece a uma ordem de idéas, e as conclusões a, outra. (Apoiados.)
Parece me pois que tenho respondido á argumentação empregada pelo sr. relator contra o preço de 600 réis.
Insisto em que s. exa. deve saber, sabe, que os calculos obedecem a raciocinios e que, se o raciocinio é exacto, o calculo dará um resultado certo; mas por mais calculo que haja, se o raciocinio em que elle for baseado for falso, o resultado nunca será verdadeiro.
Para determinar qual o imposto que deve pagar uma dada quantidade de trigo entrado em Portugal, a fim de podermos obter o preço de 600 réis, para o trigo nacional, vamos ver o que é necessario.
Eu apresento o raciocinio, não faço calculos.
Já disse que não quero embrenhar-me em calculos; quero apresentar raciocinios, que servem de base aos calculos, e cada um que faça os calculos.
S. exa. vae ao mercado e quer para o seu trigo o preço de 600 réis. Em consequencia d'isto, é preciso que o trigo que vem de fóra não possa concorrer no mercado com um preço inferior.
(Interrupção do sr. Mattoso Santos.)
Eu hei de ser essencialmente franco com o illustre relator; quero explicar o assumpto, e que s. exa. se compenetre, não digo do rigor, mas da sinceridade com que apresento os meus raciocinios.
Vamos á questão, vamos ao raciocinio.
Procuremos saber qual é o preço do trigo nos mercados estrangeiros; procuremos saber quaes as despezas a fazer com esse trigo até chegar ao porto de Lisboa; procuremos saber a despeza a fazer com a introducção d'esse trigo no mercado dentro de Lisboa, e feita a somma de tudo isso, e tomando a differença para 600 réis, será essa differença o quantitativo do direito, que o trigo estrangeiro deverá pagar, para que ao trigo nacional fique garantido o preço de 600 réis.
Isto é claro.
Direi de passagem que a lei votada em 1882, e que acabou com as alcavalas que se davam em relação ao imposto do consumo dos cereaes, e farinhas, facilitou muito a questão do direito a votar hoje para os cereaes e farinhas, porque, se essa lei não tivesse sido votada, nós hoje não podiamos tratar da questão desafogadamente como estamos fazendo.
Digo isto muito á boa paz e acrescentarei, que n'essa parte o partido regenerador, merece os meus sinceros elogios.
Felicito-me por o ter acompanhado n'essa occasião, e digo francamente que elle prestou um grandissimo serviço á industria cerealifera, porque se não fosse essa lei, a resolução da crise agricola, seria hoje muito mais complicada.
O anno passado, quando foi da questão das pautas, procurei eu saber qual seria o direito que deveria recair na entrada do trigo estrangeiro, para garantir ao trigo nacional, um preço remunerador, e propuz que esse imposto fosse de 20 réis.
Diz o sr. relator que veiu o congresso agricola e pediu 25 réis, e eu respondo que o congresso agricola andou bem, pedindo 25 réis e que eu, no anno passado, quando pedi 20 réis, tambem andei bem.
Desde o momento em que uma base essencial para esse direito é o custo primitivo do trigo lá fóra, e que o custo do trigo lá fóra tinha variado, logico era fazer variar o quantitativo do imposto sobre o trigo estrangeiro.
Com o que deixo dito julgo ter demonstrado qual foi o
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raciocinio, que nos guiou para pedirmos um dado imposto para os trigos.
Vamos agora á questão das farinhas.
A questão das farinhas tem duas partes: a parte que se refere á farinha produzida com trigo nacional; e a parte relativa á farinha produzida com trigo estrangeiro, fóra ou dentro do paiz.
A quantidade de farinha obtida com trigo nacional, era conhecida de nós lavradores e não ignoram, de certo, o sr. relator, e tambem o sr. ministro, que antigamente os lavradores estavam intimamente ligados com os padeiros, e eram forçados a isso, porque os padeiros eram uma especie de banqueiros de que muitas vezes elles se soccorriam para se livrarem de certas dificuldades.
Era, portanto cousa corrente entre lavradores portuguezes qual a quantidade de farinha, que correspondia a um dado peso e volume de trigo.
Em harmonia com isso, sabendo qual o preço de uma dada porção de trigo, e sabendo tambem qual a porção de farinha que se podia obter com essa dada porção de trigo, podiam os lavradores affirmar que para que o preço de venda da farinha fosse remunerador era necessario vendel-a por certo e determinado preço.
Por outro lado como a farinha era destinada a fabricar pão, estabelecido o preço do trigo, estabelecido o preço da farinha, restava marcar o preço de venda para o pão, por fórma a este ser vendido por um preço remunerador para o padeiro.
Na pratica sabia-se qual o peso do pão correspondente a um dado peso de trigo, e por isso regulava-se o preço d'aquelle pelo preço d'este.
Logo que, no mercado do trigo, e em Lisboa no Terreiro do Trigo, se vendia o trigo por um certo e determinado preço, a farinha e o pão tambem tinham uns certos e determinados preços e o consumidor, quando pagava o pão por 25, 30, 40 e 45 réis, preços a que o pão attingia conforme as circumstancias do mercado dos trigos, sabia que a esses preços correspondiam certos e determinados preços do trigo e das farinhas.
Por consequencia determinado o preço remunerador para o trigo, estava determinado o preço que devia recair no pão e na farinha.
Repito mais uma vez, eu não faço calculos, mas indico os raciocinios e quem quizer que faça os calculos.
Vamos á questão da farinha estrangeira.
Para a farinha estrangeira procuramos saber quaes as despezas que se fazem lá fóra com a conversão do trigo em farinha e procurámos tambem saber quaes os preços de venda d'essas farinhas estrangeiras lá fóra nos respectivos mercados. Procurámos mais saber quaes as despezas do transporte para Lisboa, e quaes as despezas com a descarga e fretes até aos armazens em Lisboa e dissemos:
«Se estas farinhas podem apresentar-se em Lisboa por um certo e determinado custo, qual o imposto que sobre ellas se deve adoptar para que possam lealmente concorrer com as farinhas produzidas em Lisboa com trigo nacional e com trigo estrangeiro?»
A este respeito direi que tenho sido accusado de chamar direito differencial á differença entre a taxa do imposto do trigo e a taxa do imposto da farinha, e, embora já tenha dado resposta a esse argumento, direi agora que eu tambem poderia criticar o emprego das expressões taxa diffe-rencial, imposto diferencial, que se encontram no inquerito agricola e no relatorio em questão, mas não o faço.
Entendo que o essencial é saber-se quaes as idéas ligadas a essas expressões, e n'esse sentido insisto em que, por mais de uma vez, já expliquei n'esta casa o que é que nós lavradores entendemos exprimir com as palavras direito diferencial.
Mas voltemos á questão.
Se ha uma differença entre o preço da farinha estrangeira e o preço do trigo estrangeiro; se ha differença entre o preço do trigo portuguez e o preço da farinha portugueza; e se ha uma certa relação entre o preço do trigo estrangeiro e o preço do trigo portuguez e entre o da farinha portugueza e o da farinha estrangeira, nós lavradores procurámos determinar qual o imposto, que deveria recair sobre a farinha estrangeira, para proteger a moagem nacional, para obrigar as fabricas de farinha a moer trigos nacionaes, e chegamos á conclusão de que é necessario um certo e determinado imposto sobre as farinhas estrangeiras, e que esse imposto deve, em todo o caso, ser superior ao do trigo nacional e superior em uma quantia, que chamámos direito diferencial.
No projecto propõe-se o imposto de 20 réis para o trigo, e para a farinha o de 30 réis.
O congresso pediu 25 réis para o trigo e 30 réis para a farinha; e a prova de que o pedido do congresso não está fóra da ordem, encontrâmol-a no facto de que, pedindo o congresso 30 réis para a farinha, governo e relator acceitam esse imposto de 30 réis para a farinha.
Ninguem póde pôr isto em duvida, e sendo isto assim, fica provado que eu, sem fazer calculos, respondo á argumentação do sr. relator e triumphantemente.
Eu apresento os meus raciocinios: não tenho necessidade de fazer calculos, porque o governo, o sr. relator, acceitam os meus para a determinação da taxa de 30 réis, que é a taxa que adoptam com o congresso.
Mas o que não se pôde admittir é que, adoptando a taxa de 30 réis, o governo, o sr. relator, não adoptem a taxa de 25 réis para o trigo, quando essa taxa foi determinada pelas mesmas pessoas, guiadas pelos mesmos raciocinios, que serviram para a determinação da taxa de 30 réis para as farinhas.
O que era logico era acceitar a taxa de 25 réis para o trigo, como adoptaram a de 30 réis para as farinhas.
Sr. presidente, a questão dos cereaes resolvia-se facilmente, desde o momento que nós, portuguezes, estivesse-mos em circumstancias economicas boas, em situação normal de commercio de cereaes e de fabricação de farinhas, porque, desde o momento em que o imposto sobre os cereaes fosse elevado, obtinham-se logo preços remuneradores de venda para os cereaes.
Para que assim fosse, sr. presidente, era necessario que a entidade, porque eu não quero fallar de individuos, repito que a entidade, que tem nas suas mãos o monopolio do commercio de cereaes e da fabricação das farinhas, desistisse da continuação d'esses monopolios, mas, como eu sou levado a crer que tal não se dará, sou tambem levado a concluir que a simples elevação do imposto sobre o trigo não póde garantir um preço remunerador de venda para os trigos nacionaes.
Falta a base que os srs. moageiros não querem conceder.
A este respeito contarei um caso, que caracterisa bem a situação.
Quer v. exa., sr. presidente, quer a camara saber o que me tem dito um cavalheiro, intimamente ligado com uma das emprezas commerciaes de commercio de cereaes e fabrica de moagens, o que figura constantemente nos emprestimos para a divida fluctuante, com quantias importantes, ganhas á custa do moageiro, isto é, á custa dos lavradores ? (Apoiados.)
Convém notar que esse cavalheiro é um homem a quem independentemente de tudo o mais eu sou devedor de alguns favores, d'estes que na sociedade se podem prestar sem gastar dinheiro.
Pois bem, o que elle me tem dito é o seguinte:
«Desde o momento em que vocês nas camaras, arranjem as cousas por fórma que sejamos forçados a comprar trigo portuguez, havemos de proteger efficazmente a industria agricola; emquanto as cousas estiverem arranjadas por fórma tal que ganhemos mais dinheiro comprando trigo
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estrangeiro, não queremos saber de patriotismo.» (Riso.}
Quer isto dizer: «O interesse acima de tudo.»
Em consequencia d'isto, sou levado a affirmar que desde que encontramos gente d'esta ordem pela prôa, (Riso.) os lavradores e nós legisladores temos de procurar saber a que meios se ha de recorrer para não dizer destruir, mas digo, harmonizar os interesses dos lavradores com os moageiros, e obrigar estes a consumir nas fabricas de farinhas os trigos nacionaes.
Nós, lavradores, pensámos muito no caso, mas posso affirmar que é injusta a accusação que nos tem sido feita de que queriamos e queremos dar cabo, destruir as fabricas de moagens.
Nunca quizemos levantar indisposições contra as industrias fabris, nem o podiamos fazer, porque temos a opinião de que a industria agricola só de per si não basta, e que ella carece da industria fabril e do commercio como seus auxiliares.
Pensámos, como já disse, no caso, e occorreu-nos que havia um meio de resolver a questão; esse meio seria prohibir a importação dos cereaes, de maneira que as fabricas não podessem comprar cereaes estrangeiros se não quando já os não houvesse no paiz, ou quando o preço dos cereaes do paiz subisse alem de um certo limite.
Quando assim pensavamos, apresentou se-nos immediatamente uma difficuldade pratica, e eu vou expol-a com toda a franqueza.
Em primeiro logar parece que nas proprias estações officiaes é difficil, se não impossivel saber se, chegado o mez de agosto ou setembro, qual é a quantidade de cereaes colhidos no paiz.
Creio que hoje não ha elementos nas estações officiaes para se chegar a esse conhecimento.
Antigamente estava isso perfeitamente bem regulado, porque as camaras municipaes tinham obrigação de mandar em certas epochas do anno para o Terreiro do Trigo as notas officiaes dos cereaes colhidos, e assim, por meio de uma simples somma, facil era saber qual era o cereal existente para a manutenção do paiz e o que faltava.
Direi a v. exa., sr. presidente, á camara, e em especial ao sr. relator uma outra cousa.
Fazia-se o calculo para a população de uma maneira muito simples.
Estava calculado que 23 a 30 alqueires eram sufficientes para a alimentação de uma pessoa adulta durante um anno; sabia-se qual era o numero de moios nos diversos concelhos; qual a população; e por um calculo simples determinava-se o que nos era preciso deixar entrar de fóra.
Voltemos á questão.
Apresentava-se por um lado uma difficuldade pratica que é esta que acabo de apontar, mas outro argumento mais forte dominou no meu animo e no dos meus amigos.
Esse argumento é que entendemos todos que, nas circumstancias actuaes, que se dão, era perigoso armar o governo com uma lei por fórma a deixar entrar livres de imposto os cereaes.
Considerámos e continuamos a considerar perigoso que o governo ficasse auctorisado a permittir a livre entrada dos cereaes, sempre que o julgasse conveniente, ficando essa admissão d'esses cereaes dependente apenas do voto consultivo do conselho superior de agricultura, ou de qualquer outro conselho de qualquer ordem ou natureza, ou ainda de quem quer que fosse.
Posta de parte essa solução, procurámos descobrir outra.
Vimo-nos obrigados a fazel-o, mas nunca perdemos de vista que era em todos os casos necessario obrigar os moageiros a comprar cereaes portuguezes.
Sr. presidente, eram os consequentes, porque a questão é que nós temos terras, queremos que ellas produzam, queremos vender os fructos que ellas produzem, e não podemos consentir que uma organisação social qualquer inutilise esse instrumento de trabalho, que a Providencia nos deu, e que chamâmos terra.
Desde o momento em que os moageiros, que importam trigo de fóra, fossem obrigados a comprar esses trigos por uns certos preços que entrassem em parallelo com os preços dos trigos portuguezes, ainda assim elles ficariam avantajados, debaixo de certo ponto de vista, por isso que os trigos palhinhas prestam-se mais ao trabalho das fabricas e da panificação, do que os nossos.
É preciso não perder isto de vista, assim como tambem é preciso não perder de vista que, para certos e determinados usos, é indispensavel o emprego de maior ou menor quantidade de palhinha, isto é, trigo molle, emquanto o paiz não produzir os trigos molle e rijo, suficientes para substituir e deslocar do mercado o trigo da America.
É sabido que na fabricação do melhor pão tem de entrar uma dada porção de farinha de trigo molle, de mistura com uma dada porção de farinha de trigo rijo.
Mas creia o sr. relator o seguinte.
Estou de accordo com s. exa. n'esta parte da necessidade da mistura para certas e determinadas qualidades de pão; não estou de accordo com relação á padaria militar.
Para se fazer bom pão para os srs. officiaes..., não é indispensavel a mistura das farinhas de trigo molle e de trigo rijo em proporção de 2 : 1. Posso affirmar á camara, com a pratica de casa, que se faz muito bom pão com essas mesmas farinhas na proporção de l : 2.
Mais adiante tratarei mais detidamente da questão do pão, mas quero agora insistir n'um ponto importante.
Desde o momento em que os moageiros tivessem nas suas mãos e permanentemente o monopolio da venda das farinhas, ficava tambem nas suas mãos o preço do pão, e foi contra isto que nós lavradores tambem quizemos, e queremos reagir.
O nosso desejo é que os padeiros e fabricantes de farinhas encontrem nos mercados internos uma concorrencia effectiva, que nunca permitta que possam levantar o preço do pão alem de certo limite.
Em Lisboa não existe tal concorrencia, e d'ahi provém que o pão não é pesado, e que é vendido ao publico, pelo preço que os srs. padeiros e moageiros querem.
Para impedir a elevação do preço alem de certo limite, occorreu-nos a conveniencia de que, desde o momento em que o farinador ou moageiro procurasse vender a farinha alem de um certo preço, se tornasse possivel, de vantagem, a importação das farinhas estrangeiras.
A commissão e o governo acceitaram essa idéa; mas, como não acceitaram a elevação correspondente ao imposto sobre o trigo, o que fizeram foi dar margem ao moageiro ganhar mais dinheiro, sem vantagem para o lavrador e sem vantagem para o consumidor.
Eu vou mostrar o que succedeu.
O que succedeu foi que os moageiros, os fabricantes de farinhas, estando certos de que, com o imposto de 30 réis sobre as farinhas, ficavam livres da concorrencia das farinhas estrangeiras, e de que não havia risco da elevação do preço do pão, levantaram immediatamente o preço das farinhas !
Já antes do fim do mez de maio tinham as fabricas expedido para o Ribatejo, e para outros pontos do paiz, circulares que declaravam que a contar do primeiro de junho em diante, as farinhas custariam mais dinheiro, mais 4 réis em kilo!
Nós, lavradores, em virtude da lei provisoriamente posta em vigor, ficámos em peiores circumstancias. Pouco ou nenhum trigo se vende, e quando se vende é por baixo preço.
Da America tem continuado a vir mais trigo, e os fabricantes ganham mais 4 réis em kilo de farinha!
O preço do pão ficou o mesmo, e agora pergunto eu:
Têem, ou não, os lavradores rasão para dizer que este estado de cousas não póde existir?
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Lembro me ainda alguma cousa das noções de logica que aprendi, e lembra-me, embora não saiba indicar bem os termos que lhe correspondem, que a argumentação, ou systema de argumentação do governo e do sr. relator, acceitando os 30 réis para a farinha, e desprezando os 25 reis para o trigo, para o qual adoptou o direito de 20 réis, tem uma certa classificação especial e caracteristica,
Talvez o sr. deputado, dr. João Marcellino Arroyo, podesse, querendo, valer-me n'este caso, indicando-me qual a especie, ou classificação d'essa argumentação.
Sr. presidente, desde o momento em que se prova que o sr. relator acceita os 80 réis para a farinha, desde o momento em que está provado que esses 30 réis só servem para favorecer os moageiros, eu pergunto e pergunto bem:
Qual é a obrigação do governo?
Sr. presidente, não ha muito tempo que eu disse aqui n´esta casa, que entendo que o governo é pago para bem servir a nação, e essa é a idéa que eu sustento por toda a parte, e por todos os meios ao meu alcance.
Eu respeito muito os srs. ministros, e a sua posição social, mas entendo que s. exas. na ordem de servidores do estado, são os servidores mais elevados, e para os quaes eu propuz mais vencimento, por entender que o seu vencimento é mesquinho ; mas sendo os servidores que têem mais responsabilidades e mais deveres a cumprir, em consequencia d'isso cumpre lhes attender com mais cuidado á causa publica.
Portanto, debaixo d'este ponto de vista eu entendo que o governo não póde ficar calado n'esta questão, e não póde ficar calado, conservando o que está no projecto e que é sustentar o preço de 30 réis para a farinha e 20 réis para o trigo. Contra isso é que eu reajo, e sustento que é necessario elevar este ultimo imposto de 20 a 25 réis.
Agora pergunta-me naturalmente o ar. relator qual a rasão, por que eu sustento que se deve elevar o imposto a 25 réis.
Sustento a elevação a 25 réis, pelas rasões que apresentei ha pouco, mas vou tambem agora mais longe.
omo estou costumado a ver invocar aqui auctoridades, eu invoco tambem agora a auctoridade do congresso. E á boa paz, eu lembro-me de uma phrase : « a questão é de numero de votos», que muitas vezes ouvi citar ao fallecido Conselheiro Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, com quem eu convivi mais de perto do que muita frente julga, e com quem tratei de assumptos respeitantes á administração publica, e sobre os quaes poucas vezes estavamos de accordo, porquanto s. exa. tinha, uma orientação, com a qual eu não concordava.
Invoco pois o numero de votos, que representa o congresso agricola.
Com isto tudo creio que tenho justificado, tanto quanto em mim cabia, a questão do preço de 600 réis e a da taxa de 25 réis para o trigo.
A taxa de 30 réis para a farinha está tambem justificada pela adopção, que d'ella faz o governo e o sr. relator.
Peço desculpa á camara de ter sido tão minucioso na analyse do relatorio, que acompanha o projecto de lei, mas com o que deixo dito provo que li um e outro trabalho com o maior cuidado. .
E não posso por emquanto deixar de continuar a referir-me ao relatorio.
O sr. relator indica a fl. 2, n'uma nota especial, a quantidade de legislação que tem havido sobre o caso sujeito; e eu a esse respeito, peço licença para fazer uma observação.
A quantidade de diplomas legaes relativos a este assumpto, não póde provar mais, do que a magnitude do assumpto.
Ora agora, se o sr. relator me disser que esta quantidade de diplomas, nem sempre póde provar que o assumpto foi bem estudado, n'esta parte estou completamente de accordo.
E direi de passagem uma cousa muito simples; é que muitas vezes, os individuos que mais concorreram para a promulgação de varios d'esses diplomas a que s. exa. se refere, não eram talvez os mais competentes para tratar d'esses assumptos, seja dito isto tambem á boa paz.
Indico isto. e apresento o porque.
É porque debaixo da minha ordem de idéas, alguns d'elles, que conheci e ainda conheço e com quem tive ou tenho relações de amisade, obedeceram aos principios de liberdade de commercio, contra os quaes me tenho sempre pronunciado, porque na pratica, em Portugal, falham sempre.
E dá-se um caso curioso que s. exa. necessariamente tambem havia de notar; e que ha uma famosa portaria, que inclusivamente revogou um decreto e que depois ficou vigorando como se tivesse sido uma lei, pondo-se de parte completamente o decreto.
É este um dos factos curiosos da nossa legislação.
Parece-me pois, que s. exa. não levará a mal que eu não insista mais n'este ponto, porque vejo que estamos de accordo; quer dizer, que não liga ao facto da quantidade enorme de diplomas legaes, e que tem sido publicada, a idéa, de que o assumpto tivesse sido bem tratado; e que tambem não está longe de concordar comigo, em que essa quantidade de leis prova a magnitude do assumpto.
Diz s. exa. mais abaixo:
« Procedamos, pois, com os elementos, que temos, visto que quem podia não quiz e quem queria não póde.»
Respondo que nós lavradores temos sempre franqueado, para o estudo da questão, todos os elementos, de que temos podido dispor e toda a nossa boa vontade.
Em seguida apresenta s. exa. a tabella das experiencias feitas nas fabricas de moagem, em relação á percentagem do trigo e da farinha, e sobre ellas pondero eu o seguinte.
Quando se tratou aqui da questão das experiencias, tive occasião de dizer que não me oppunha a ellas, pelo contrario, disse que entendia, que havia vantagem em que o assumpto fosse quanto possivel esclarecido e pelos methodos modernos que ha na sciencia, methodos que o sr. relator conhece tão bem ou melhor do que eu.
Sr. presidente, eu entendo que ha sempre grande vantagem para os assumptos, mais ou menos technicos, mais ou menos industriaes, em que o estudo theorico seja quanto possivel acompanhado de estudos praticos; mas do facto de reconhecer isso não se póde concluir que considero indispensaveis, para a resolução do problema a que me estou referindo, as experiencias a que se procedeu.
A rasão d'esta minha opinião está em que eu considero indispensavel para a resolução da crise a elevação dos direitos na proporção que estabeleço, e baseio-me para isso nos dados que tinha já antes d'estas experiencias officiaes.
Mas direi tambem que, desde o momento em que está publicado o mappa das experiencias, será para desejar que mais tarde appareça um trabalho mais completo sobre essas experiencias, desenvolvidamente e com todos os dados sobre o que se fez, sobre o que occorreu, sobre o que se deu emquanto duraram.
Mas se assim é, em todo o caso d'essas experiencias vou tirar uma conclusão para a minha argumentação.
Eu sustentei sempre, como sustento ainda hoje, que uma das difficuldades da resolução da crise agricola em Portugal provinha das más condições das fabricas de moagem estabelecidas no paiz, que não podiam assim empregar com vantagem os trigos rijos nacionaes.
Os factos que occorreram com as experiencias a que acabo de me referir, deram-me tambem rasão.
Fôra dito que para as experiencias a fabrica da Estrella estava perfeitamente montada, e provou-se que não está.
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Foi inclusivamente necessario recorrer á fabrica do Barreiro, que tambem não está perfeitamente montada.
Por esta fórma, o argumento apresentado pelos lavradores e agricultores, quando se queixavam de que os moageiros fugiam ao emprego dos cereaes portuguezes, por isso mesmo que não tinham as suas fabricas convenientemente montadas, fica confirmado.
Mas ha mais.
Entre os varios argumentos que têem sido apresentados, apresentou-se por parte dos moageiros o argumento de que a moagem em Portugal ainda é hoje muito cara. O que eu entendo que era regular era que, á medida que se tivessem aperfeiçoado os systemas de fabrico, as despezas com a fabricação das farinhas tambem tivessem diminuido.
(Interrupção.)
Isto é uma cousa que não se comprehende, porque desde o momento em que todas as fabricas têem procurado aperfeiçoar os seus machinismos, o natural era que o mesmo só desse com relação á moagem.
Eu quiz accentuar bem a idéa de que as fabricas que só apresentaram como perfeitamente montadas em Portugal não o estão, pelo menos as duas a que o governo recorreu para fazer experiencias; e em segundo logar que o trabalho da producção da farinha não é tão barato como o poderia e deveria ser. É essa uma das causas que tambem leva os moageiros a quererem trigos baratos.
A culpa de tudo isso de certo não cabe aos lavradores e agricultores.
Agora referir-me-hei a outros argumentos apresentados pelo sr. relator, argumentos que eu não comprehendo, e para os quaes chamo a sua attenção.
O argumento de s. exa. é o seguinte:
«Ora os resultados d´estas experiencias confirmam os dados em que o governo se baseou para os seus calculos, e portanto legitimam os direitos por elle estabelecidos para as farinhas.
«Com effeito, tomando mesmo o menor dos numeros achados para a quantidade de trigo que produz 100 de farinha, isto é, 121,9, e fazendo o calculo, conforme os direitos de 25 réis para o trigo e de 30 réis para a farinha, pedidos pelo congresso agricola, teriamos 3$047 réis de direitos para o trigo e 3$000 réis para a farinha, portanto ainda n'este caso haveria para a moagem nacional o desfavor de 0,47 réis em kilogramma.»
Já me referi a este argumento e volto á carga contra elle.
Se o sr. relator admittir por um pouco que 100 de trigo produzem 75 de farinha, e multiplicar esses numeros pelos respectivos direitos do trigo e da farinha, encontrará um desfavor não de 0,47 mas de 0,50 réis em kilogramma, e se s. exa. diz «não percebe a vossa commissão como um desfavor ás moagens podesse contribuir, a não ser para a morte d'ellas, morte que se reflectiria de modo desastroso sobre a agricultura», eu respondo:
S. exa. quer provar com o seu argumento que, segundo os pedidos do congresso, ha um desfavor para a moagem nacional de 47 réis e alguns centesimos, mas não reparou em que o seu argumento falha pela base.
S. exa. poz completamente de parte o custo da farinha lá fóra, as despesas a fazer para a trazer até Lisboa e para a pôr nas fabricas ou armazens em Lisboa, quando era indispensavel entrar no calculo com todos esses elementos para saber por quanto sairia a farinha, incluindo tambem as despezas com os direitos.
O mesmo digo do trigo. S. exa. poz completamente de parte os elementos, ou despezas que, juntamente com a importancia do imposto, dariam o preço por que sairia em Lisboa o trigo estrangeiro.
E acrescento: se o sr. relator fizer os calculos nas condições que eu indico, se s. exa. comparar os dois resultados que aponto, isto é, custo do trigo estrangeiro posto em Lisboa, incluindo os direitos, custo da farinha estrangeira posta em Lisboa, incluindo os direitos, e comparar com os preços dos trigos nacionaes em Lisboa e com os preços das farinhas das fabricas de moagem portuguezas, poderá então reconhecer que nós, lavradores e agricultores, não pedimos desfavor para a moagem nacional, mas pedimos uma protecção que a obrigue a moer trigos nacionaes, e não permitia a elevação do preço do pão, partindo do principio de que as fabricas devem estar bem montadas com bom machinismo e boa administração.
Qual a rasão por que as farinhas estrangeiras não concorrem com as produzidas em Portugal?
É muito simples, é porque as farinhas produzidas com trigos estrangeiros nas fabricas de cá podem ser vendidas por muito menor preço do que as estrangeiras sujeitas ao imposto.
Com o aperfeiçoamento do machinismo das fabricas, e vigorando o direito de 30 réis para as farinhas estrangeiras, sáem estas mais caras do que as produzidas em Portugal, e isto, quer vigore o direito de 25 réis para o trigo, pedido pelo congresso agricola, quer o de 20 reis do projecto de lei em discussão. A differença está em que com o direito de 25 réis as fabricas serão obrigadas a moer trigo nacional.
É esta a minha opinião.
Acrescentarei que as farinhas produzidas em Portugal, isto é, a moagem nacional está tão protegida que os srs. moageiros entenderam que, como já disse, podiam elevar em 4 réis o preço das farinhas que produzem com trigos americanos nas fabricas em Portugal, e isto sem perigo da concorrencia das farinhas estrangeiras.
Já se vê que a margem de lucros é grande, apesar da imperfeição do machinismo e da má organisação das fabricas nacionaes.
Por consequencia eu insisto em que se imponha ao trigo o direito de 25 réis, e não de 20 réis como está no projecto.
Servirá isso para obrigar as fabricas a moer trigos nacionaes, e por outro lado tornará effectiva a concorrencia das farinhas estrangeiras, logo que suba o preço das farinhas produzidas em Portugal a ponto de encarecer o custo do pão.
Torno a dizer, as farinhas produzidas em Portugal com trigos estrangeiros saem mais baratas do que as farinhas estrangeiras, carregadas com a importancia do imposto, e com uma margem tão grande, que o moageiro póde elevar o seu preço na importancia de 4 réis, ficando ainda a coberto da concorrencia das farinhas estrangeiras!
Póde isto continuar assim?
Está aqui o ponto principal da minha argumentação, e torno a repetil-o outra vez.
Perguntam me:
Qual a rasão por que não concorda com o projecto do governo ?
Resposta:
Não concordo, não posso concordar, porque as farinhas obtidas cá em Portugal, com trigo estrangeiro, saem muito mais baratas do que as farinhas estrangeiras importadas e sobrecarregadas com o imposto de entrada, e sáem mais baratas com uma grande margem de lucros para o moageiro, que não fica obrigado a moer trigos nacionaes.
A prova de que a moagem é grande está em que com o tal direito de 30 réis para a farinha, conservando-se 20 réis para o trigo, ficaram dispostas as cousas por fórma tal que os moageiros, ao abrigo da concorrencia da farinha estrangeira, ainda puderam elevar mais 4 réis, no preço da farinha, que produzem cá com trigos estrangeiros.
Prova isto que com o regimen dos direitos de 15 réis para o trigo e de 22 réis para as farinhas, os moageiros ganhavam, e que com o novo regimen, embora provisorio, ganham desde o principio d'este mez mais 4 réis em kilogramma, sem o menor receio da concorrencia da farinha estrangeira!
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Na possibilidade do encarecimento do pão nem se falla!
Será isso tudo devido a uma situação legal e anormal?
Respondo:
Legalmente a situação é completamente normal com a lei que está em vigor provisoriamente e que vae ser votada. Moralmente, economicamente, á luz da rasão, a situação creada pelas leis é completamente anormal!
Passarei agora a outro ponto.
Torno a ler:
"Não percebe a vossa commissão como um desfavor ás moagens podesse contribuir, a não ser para a morte dálias, morte que se reflectiria de modo desastroso sobre a agricultura."
Sr. presidente, nada é, nada póde ser mais desastroso para a agricultura do que o estado prospero de uma industria que a mata!
Mas, sr. presidente, saiba-se, não deixarei de o repetir, que nós, lavradores e agricultores, não queremos a morte da industria da fabricação da farinha.
Temos sustentado sempre que queremos que na fabricação do farinhas se empregue o trigo nacional, e temos sustentado que a par da agricultura é necessário que haja a industria da fabricação da farinha, como seu auxiliar, como também o deve ser o commercio.
Mais adiante diz-se o seguinte:
"Quando mesmo assim não fosse, nunca o governo deveria, por acto seu, concorrer para que se substituísse a importação do grão pela da farinha. As falsificações d´estas, difficeis de constatar, e sempre faceis de fazer, seriam por si só motivo bastante para o governo, em vez d'isto favorecer, obstar-lhe por todos os meios ao seu alcance."
Sr. presidente, a este argumento já em parte respondeu hoje o sr. dr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, quando se referiu ás condições em que se fabricam as farinhas.
Pela minha parte respondo que a falta de fiscalisação, a que aqui se faz referencia, admitte correctivos, e posso pela minha parte affirmar que, ainda ha pouco, nas commissões reunidas de fazenda e de agricultura, foi ventilada a questão da fiscalisação a exercer sobre a falsificação de generos que entram na alimentação publica.
As farinhas, pelo facto de virem de fóra, não ficam inhibidas de poderem ser severamente fiscalisadas emquanto ás suas qualidades e proveniencias, ao que acrescentarei que nós lavradores e agricultores não sustentâmos a importação de farinhas estrangeiras com o fim de destruir o moageiro nacional, nós sustentâmos a introdução das farinhas como um correctivo ás demasias das fabricas de moagens, o que é uma cousa completamente differente. (Apoiados.)
Em seguida escreveu o sr. relator:
"A experiência do que resulta do uma não bem calculada relação entre os direitos do trigo e da farinha já está feita. Bastou uma differença na protecção anterior de 1,332 resultante dos direitos estabelecidos na pauta em vigor, para que a importação da farinha augmentasse."
Sr. presidente, chamo a attenção de v. exa., da camara, do paiz, para este ponto.
Não posso, não quero entrar na investigação das causas dos interesses que poderiam, ainda com maiores ou menores sacrifícios pecuniarios mas passageiros, dar logar á importação das farinhas estrangeiras n'esse periodo, em que vigoravam os direitos de 15 réis para o trigo e de 22 réis para a farinha.
Não quero deixar de argumentar de uma fórma clara e franca, e por isso ataco a questão por outro lado e digo:
Não concordo com isto, porque o governo, o sr. relator, o anno passado não satisfizeram ás aspirações aqui apresentadas.
Eu pedi 20 réis para o trigo, 25 réis para a farinha, e s: exas. fizeram vigorar na lei uma outra cousa.
A conclusão é que essa importação de farinha não póde ser attribuida á minha proposta, que não vingou.
Este anno pedimos 20 réis para o trigo e 30 réis para a farinha, e o governo e o sr. relator dão-nos 30 réis para a farinha e conservam 20 réis para o trigo!
Já se vê que, se os resultados foram desastrosos, como o sr. relator quer dar a entender, para os srs. moageiros, o que eu não acredito, é certo que foram desastrosos para os lavradores e agricultores, e também fica provado que esses resultados desastrosos nunca podem ser attribuidos á minha proposta, que não vingou, mas ao que ficou consignado na lei, que é uma cousa completamente differente!
Quer-se lançar a cargo dos lavradores e agricultores os effeitos de uma cousa que não pediram!!!
Pediram 20 e 25 réis, v. exas. deram-lhes 15 e 22 réis!!!
Este anno pedimos 25 e 30 réis e dão-nos 20 e 30 réis!!!
(Interrupção.)
Não digo que o sr. relator tenha tido intenção de dar cabo da cultura dos cereaes em Portugal, mas as cousas são o que são, e francamente é essa a illação que eu posso tirar d'esse periodo, interpretado como deve ser interpretado, e eu procurei interpretar.
(Interrupção.)
Desde o momento era que pedimos um certo direito para o trigo e outro para a farinha, sendo certo que não nos concederam isso, e que depois os factos deram logar a uma certa ordem de acontecimentos, como é que esses acontecimentos podem ser filhos das nossas pretensões do anno passado!!!
O que é feito da logica?
Eu emprego o argumento para provar que não será licito concluir que, do facto de não ficarem satisfeitas as nossas aspirações este anno, e de se repetirem os acontecimentos que se deram o anno passado, ou quaesquer outros, a responsabilidade de tudo isto deverá ser imposta aos lavradores e agricultores.
Vá a responsabilidade para o sr. relator, e para o governo!
Feita a analyse do relatorio o mais de corrida que me foi possivel, passarei agora a uma outra ordem de considerações geraes, em relação ao projecto, que se discute.
Sr. presidente, já insisti no facto da indispensabilidade, da necessidade, de sustentar a cultura dos cereaes, por isso mesmo que não temos outra cultura que a substitua; mas encararei agora esta mesma questão debaixo do ponto de vista das consequencias, que a continuação ou o abandono da cultura dos cereaes póde ter para o paiz.
Sr. presidente, eu entendo que a nossa independência e a nossa autonomia estão intimamente ligadas com o bem estar da população em geral.
N'este modo de pensar envolve-se a idéa de que, desde o momento em que as circumstancias económicas se colloquem em condições de não poderem assegurar o trabalho remunerador para a agricultura, eu entendo que a situação do paiz se não tornará desvantajosa, porque trará como consequência necessária a emigração em massa, o que também pelo lado dos impostos indirectos complicará a nossa situação financeira.
A este respeito direi o seguinte:
Entre as medidas, apresentadas pelo sr. ministro da fazenda, no projecto em discussão, figura o principio da diminuição dos addicionaes.
Eu concordo em parte com a diminuição d'esses addicionaes, por isso mesmo que entendo que elles vieram aggravar a situação da agricultura, mas não se conclua d'ahi que eu concordo em geral com outro principio que já tenho ouvido aqui sustentar, e é que, com o andar do tempo, se deve procurar diminuir o mais possível as contribuições que oneram a propriedade, fazendo recair o máximo dos tributos sobre os impostos indirectos.
Sr. presidente, eu entendo pelo contrario que uma das boas garantias para o estado florescer e para a indepen-
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dencia do paiz consiste em fazer recair directamente sobre agricultura a massa dos impostos.
Alem do que com isto tem tudo a ganhar o estado, porque mais bem garantido fica o imposto.
N'um paiz, como o nosso, desde o momento em que a situação da agricultura muda, muda tambem a situação do consumidor e a da fonte dos impostos indirectos! Isto é fatal.
Tambem ha outra idéa que eu não tenho visto aqui apresentar e que eu entendo que é conveniente esclarecer agora.
Entre as accusações, que se têem feito contra a cultura dos cereaes, existe a de que esta cultura não deve ser considerada como cultura colonisadora, e que pelo contrario a cultura da vinha é que deve ser considerada como cultura colonisadora.
A isto respondo eu que em toda a parte, onde se estabelecem colonias, o primeiro producto agricola que os colonos procuram obter é o cereal, porque sem pão não se póde viver. E se nos recordarmos da historia, vemos que os principaes centros do população furam sempre estabelecidos nos centros das regiões productoras de cereaes
E coutarei uma cousa, que talvez não seja conhecida de todos.
Tendo sido muito ventilada a questão de sabor a causa determinante do estabelecimento da cidade de Madrid na região onde está estabelecida, uns pretendem que foi ali estabelecida por circumstancias economicas e sociaes, para constituir para assim dizer um centro d'onde irradiasse luz para o resto do paiz; outros pelo contrario sustentam hoje que Madrid foi ali estabelecida, principalmente para ficar n'um centro de uma região cerealifera.
Direi ainda outra cousa com relação a um facto, a que já me referi.
Eu affirmei ha pouco, para corroborar a minha argumentação, que a crise agricola não é especial ao nosso paiz mas que é geral. Tem se querido responder a isto, dizendo que é não só geral um todos os paizes, mas que inclusivamente a propria America, na parte que diz respeito a ser exportadora de cereais, está arriscada a deixar de o ser em virtude; de circumstancias que se vão dando.
Sem querer alongar o debate n'este ponto, mostrando o que se dá na America, direi que esto novo modo de encanar o problema não altera a questão em si, porque, se acaso nós tivessemos de contar com a probabilidade de ver diminuir a concorrencia dos cereaes americanos, deviriamos tambem e em todos os casos contar por outro lado com a concorrencia dos cercãos que nos podem vir da India.
É saindo, está apontado a fl. 57 do meu opusculo que, quando a America mandava o trigo por 16 francos posto no Havre ou em Anvers, a India podia já mandar trigo por 6 francos e 50 centesimos o hectolitro!
Isto sem fallar na possibilidade da concorrencia futura do trigo, vindo das nossas colonias africanas.
Em todo o caso o governo deve attender a um facto importante, e é que, em virtude da lei que provisoriamente está vigorando, consta-me que tem entrado uma grande quantidade de cereaes o que dará logar a que, embora fosse votada a alteração na taxa do imposto, que está mareada para o trigo, os lavradores ficarão durante seis ou oito mezes mais sem poderem vencer trigo algum!!!
Da mesma maneira que o governo disse que estava prompto a attender á crise que assoberba os viticultores que não podem vender a colheita do anno passado, e estão em vespera de nova colheita, assim se torna necessario que o governo attenda igualmente a difficuldade com que hão de luctar os lavradores por não poderem vender os seus trigos.
O mercado interno está cheio de trigo entrado com o direito de 15 réis!
Referindo-me á cultura da beterraba, declaro que tenho insistido mais de uma vez em que, desde o momento em que nos apresentassem uma cultura remuneradora, que praticamente podesse de prompto substituir a cultura dos cereaes, a crise agricola que lhes diz respeito ficaria attenuada nos seus desastrosos effeitos, ou pelo menos teria probabilidades de ser debellada ou vencida.
Sr. presidente, tenho eu procurado occupar-me praticamente da cultura da beterraba era Portugal, e posso dizer que nas regiões em que a tenho experimentado, essa cultura não se produz em condições de poder ser aproveitada no fabrico do assucar.
Mas encaremos a questão por outro lado.
A beterraba tem sido largamente cultivada em França e em outros paizes, e em França ha trabalhos curiosos considerando aquella cultura como uma planta providencial, como o fôra a batata e o trevo que, fazendo descer as suas raizes até onde nunca tinham penetrado as do trigo e as dos outros cereaes, produziram nas terras onde já não se davam os outros vegetaes.
Mas se assim foi, sr. presidente, é tambem certo que hoje a cultura da beterraba para a fabricação do assucar lucta com gravissimas difficuldades, e uma das maiores provém de que os productos accessorios da fabricação do assucar eram empregados nu engorda do gado, e que esta industria tambem está em crise n'esse paiz, e não dá resultados satisfactorios.
N'estas condições todas, que acabo de indicar, julgo me auctorisado a declarar que não posso concordar com a idéa de querer substituir a cultura dos cereaes em Portugal pela cultura industrial da beterraba.
Está provado que lá fóra, nos paizes a que ha pouco me referi, essa cultura não é já remuneradora.
Em Portugal, debaixo do ponto de vista de substituir a cultura dos cereaes, quando isso fosse possivel, deixaria ainda mais de o ser, por isso mesmo que os productos accessorios não poderiam ser empregados com vantagem na engorda do gado.
Esta industria dá hoje poucos resultados com os prados naturaes que temos, em virtude, das condições que actuam na nossa exportação de gado vaccum para Inglaterra.
Por outro lado eu entendo que não haveria vantagem em o paiz se entregar á cultura, das plantas industriaes.
Essas culturas podem, por vezes, ser altamente remuneradoras, mas é certo que são sempre acompanhadas de grandes perigos, por isso mesmo que têem do contar com a existencia ou segurança dos mercados externos, e estes, por effeito do quaesquer medidas pautaes, ou de qualquer commoção politica ou economica, podem de repente falhar, collocando em graves embaraços os individuos, os paizes que se entregam ás culturas industriaes.
A este respeito contarei um caso.
Estive ha poucos dias com um cavalheiro brazileiro, residente em Lisboa, e que tinha a sua fortuna ligada á cultura do café no Brazil. O café é uma das culturas industriaes, que concorre poderosa e efficazmente para a força, para o poderio, d'aquelle grande imperio!
Esse cavalheiro, logo que soube que tinha sido votada a lei abolindo a escravidão, foi ter commigo e disse-me que partia para o Brazil, e que não podia deixar de o fazer.
Na sua opinião, desde que tinha sido votada a lei abolindo a escravidão, a cultura do café, que até essa epocha tinha sido remuneradora, deixa de o ser, e n'estas condições, estando imminente uma crise gravissima de trabalho em todo o imperio do Brazil, não podia deixar de partir para junto das suas propriedades.
Na opinião d'esse cavalheiro a rasão da crise será que, com a abolição da escravatura, vae mudar completamente o systema segundo na remuneração do trabalho, no custeamente das despezas da cultura, e n'essas condições os lavradores, que se dedicavam á cultura do café, sendo obrigados a ter em giro um avultado capital circulante em dinheiro para pagamento de ferias, etc,, deixarão de estar
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SESSÃO NOCTURNA DE 16 DE JUNHO DE 1888 2067
em condições vantajosas de cultura do café, e os preços d´este deixarão de ser remuneradores.
Trago isto para se ver como de um momento para o outro uma cultura industrial, que era altamente remunera dora, mas que está intimamente ligada com os preços nos mercados externos, póde deixar de o ser!
N´estas circumstancias entendo que é um mau principio querer lançar um paiz, que póde ter uma cultura sufficientemente, e não excessivamente, remuneradora com os cereaes, n´um caminho tendente a substituir essa cultura, que depende do mercado interno, por outra industrial que precisa contar com os mercados externos.
O que são os marcados externos já nós sabem, pelo que succede com os nossos vinhos.
A hora deu e por isso, se v exa., sr. presidente, m´o concede, eu fico com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é, na primeira parte, a discussão sobre as emendas ao codigo commercial, e na segunda parte, a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessã.
Era meia noite.
Rectificações
No discurso do sr. ministro da guerra, publicado na sessão de 14 de junho, pag. 1977 e 1977, saíram diversos erros e deram se algumas omissões.
Assim, na pag. 1976, col. l º. lin. 50, onde se diz «dispunha de 10:000 recrutas, deve dizer-se «dispunha annualmentee 10:000 recrutas».
Na mesma columna lin. 52, onde se 16 «temos sempre 30:000 homens», deve ler-se «temos sempre nas fileiras do exercito 30:000 homens».
Na col. 2.ª, lin. 19, 20 e 21, onde se diz «passando-se revista aos contingentes, reconhece-se que effectivamente nos ultimos annos não se têem cumprido rigorosamente as disposições da lei e que portanto o numero», deve ler-se «passando-se revista aos contingentes dos ultimos annos reconhece-se que effectivamente não se têem cumprido rigorosamente as disposições da lei, pois que o numero».
Na mesma colamna, lin. 26, onde se diz «a pequena força do espreito», devo dizer-se «os pequenos effectivos dos corpos».
Na mesma columna, lin. 31, onde se diz «nos annos anteriores a 1884», deve dizer-se «nos ultimos annos, antes e depois de 1884».
Na mesma columna, lin. 33, depois da palavra «annos», deve ler-se «tem oscillado entre 22:000 e 23:000 homens».
Na mesma columna, lin. 36, onde se lê «porque nada se consegue, leia se «porque pouco se consegue».
Na mesma columna, lin. 39, depois das palavras «augmentar o effectivoo», deve acrescentar se «porque já excedemos o fixado no orçamento». E na linha immediata, depois das palavras «é altamente conveniente, leram-se tameém as seguintes «é para passarmos á reserva maior numero de praças instruidas».
Na mesma columna, lin. 42, em vez de «3:000 ou pulo menos 2:000», leia-se «5:000 ou mesmo 6:000».
Na lin. 61 da mesma columna supprima-se a palavra «tambem». Na lin. 65, em vez de annos», leia-se «mezes». Na immedrata, em logar de «aos 27:500 homens», leia-se «á media de 27:000 homens», e na lin 68 substitua-se a palavra «reclamações» pela «requisições».
Na pag. 1977, cul l.ª, lin. 23, supprimam se as palavras «com a actual organisação», e na lin. 32 as palavras «ao menos».
Na lin 38, em logar de «passagens», leia-se «subsidios», e na lin. 43, em logar de «contos», leia-se «alguns».
Ao final d´esse periodo acrescentem se as seguintes palavras «dispensar, o mais possivel, o serviço policial e reduzir ainda assim o numero dos soldados».
Redactor = S. Rego.