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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre

Secretarios- os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Approvada a acta da sessão anterior, entra-sE logo na ordem da noite, continuando a discussão dos tItulos X, XI, XII, XIII e XIV do projecto de lei n.° 109 (reforma administrativa do municipio de Lisboa). - O Sr. Fuschini (relator) responde detidamente aos diversos oradores que têem impugnado o projecto. - Segue-se o sr. Pedro Franco que sustenta diversas emendas que manda para a mesa. - A requerimento do sr. Azevedo Castello Branco julga-se a materia discutida. - Mandam ainda propostas para a mesa diversos srs. deputados, sendo todas admittidas. - O sr. J. J. Alves requer e a camara approva que se declarem na acta os nomes dos srs. deputados que estavam insicriptos para usarem da palavra sobre o projecto. - o sr. Roha Peixoto pede que a sua proposta vá sómente á commissão de administração publica. - Os srs. Pequito e J. J. Alves são de opinião que as suas propostas não devem deixar de ser submettidas às duas commissões reunidas. - Assim se resolve em relação a todas as propostas. - Posto á votação cada um dos titulos discutidos, foram todos successivamente approvados. - O sr. Pereira dos Santos apresenta o parecer da commissão de obras publicas ácerca da proposta de lei relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa. - Vae a imprimir este parecer.

Abertura - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada- 58 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, A. J. D'Avila, Lopes Navarro, Santos Viegas, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Firmino Lopes, Mouta e Vasconcellos, Guilherme de Abreu, Costa Pinto, Baima de Bastos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro Franco, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Visconde das Laranjeiras.

Entraram durante a sessão os srs.: - Lopes Vieira, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Correia Barata, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Ferrão de Castello Branco, Coelho de Carvalho, Lobo Lamare, Pereira dos Santos e Manuel d'Assumpção.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Albino Monenegro, Anselmo Braamcamp, António Candido, Pereira Corte Real, António Centeno, António Ennes, Pereira Borges, Cunha Bellem, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Francisco de de Magalhães e Menezes de Lencastre Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, João Arrojo, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Correia de Barros, José Borges, Dias Ferreira, Laranjo, José Frederico, José Luciano, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde de Reguengos, Visconde do Rio Sado, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada sem reclamação.

ORDEM DA NOITE

Continua a discussão dos titulos X, XI, XII, XIII e XIV do projecto de lei n.° 109 (reforma administrativa do municipio de Lisboa)

O sr. Fuschini: - Sr. presidente, não querendo de fórma alguma tomar tempo á camara, deixarei de fazer o resumo ou synthese do que disse na sessão passada, continuando na exposição das doutrinas do projecto em discussão e na apreciação dos argumentos sobre elle apresentados.
Tinha desenvolvido a organisação da camara municipal e demonstrado, que sendo o resultado de um estudo positivo, correspondia às necessidades do nosso meio social.
Ia entrar na apreciação de um ponto, que aliás é importante, a que se referiu o sr. José Dias Ferreira. S. exa. não está presente todavia repito a affirmação feita na passada sessão, não discuto senão as personalidades politicas; julgo-me, pois, no direito de apreciar as suas opiniões, embora s. exa. entendesse não dever comparecer á sessão de hoje.
Affirmei eu que n'este projecto o principio da responsabilidade da corporação se traduz de vários modos e por differentes processos, fazendo notar como a existencia dos vereadores, presidentes das commissões especiaes, constituia um poderoso elemento de fiscalisação e do boa direcção para os actos municipaes.
Comprehende-se effectivamente qual será a responsabilidade moral de qualquer resolução, tomada pela corporação, que for de encontro às opiniões manifestadas pela commissão especial respectiva e sustentadas publicamente pelo vereador seu presidente.
Na organisação proposta pelo sr. ministro havia outro elemento importante de fiscalisação, o fiscal do estado. Não me deterei n'este momento a desenvolver á camara as attribuições d'este fiscal, que são de sobra conhecidas, apenas farei notar que a indicação apresentada pelo sr. Dias Ferreira, sobre ter sido eliminado este agente, não é absolutamente verdadeira, porque, se o seu nome desappareceu do projecto, e deixou elle de ser escolhido entre os eleitos, as

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suas attribuições passaram para o inspector da fazenda municipal, nomeado pelo tribunal de contas. As funcções, aliás importantes, deste agente de fiscalisação subsistem exactamente as mesmas noutro funccionario não se podendo, pois, rigorosamente dizer que tenham, desapparecido.
Póde-se discutir qual a melhor origem d'esta fiscalisação, se a adoptada na proposta ministerial, se a abraçada pela commissão, mas dizer, como s. exa. disse, peremptoriamente que o fiscal desappareceu, é avançar uma proposição falsa.
Os que seguiram a minha exposição de hontem, completada pelo que acabo de expor, dirão se o modo, pelo qual é constituida a corporação municipal, é ou não perfeito e completo.
Estudando-a minuciosa e cuidadosamente conclue-se que na sua constituição os elementos democraticos, e progressivos, que representam a actividade politica, estão largamente representados pelo grande numero de vereadores, pelo systema da eleição e pelas largas funcções da camara; tendo ao seu lado não como impedimento, mas como correctivo, elementos conservadores representados pelas commissões especiaes consultivas, pelos vereadores seus presidentes, pela eleição de classe e emfim pela acção fiscal e vigilante do corpo eleitoral e de alguns agentes especiaes.
N'esta combinação sagaz e habil vejo grandes elementos de excellente administração, porque necessariamente ha de ella ser dirigida por cidadãos conhecedores dos assumptos, sobre que é chamada a deliberar a camara municipal de Lisboa.
N'este capitulo envolvia ainda a proposta primitiva uma disposição, que foi eliminada pela commissão, refiro-mo ao vencimento fixado aos sete vereadores, que fizessem parte da commissão executiva; affirmou o sr. Dias Ferreira que este principio da proposta do governo alterava as nossas tradições de administração, atacava os melhores preceitos da economia e até os usos geraes, que em toda a parte fazem gratuitos os cargos municipaes.
Á primeira parte respondeu brilhantemente o sr. Elias Garcia, como costuma responder sempre quando sobe á esta tribuna.
Parece que s. exa. ignorava a historia de administração portugueza e o sr. Elias Garcia, com os habitos de antigo professor, mostrou-lhe que a nossa tradicção administrativa, não era exactamente aquella que, suppunha o illustre deputado.
Com relação ao segundo ponto, vou demonstrar tambem á camara que a doutrina do sr. Dias Ferreira não é verdadeira.
Comprehende-se perfeitamente a gratuidade, permitta-se-me o termo, quando os cargos são desempenhados por homens ricos; mas nos paizes democraticos e pobres, como o nosso, quando devemos querer, que esses cargos municipaes possam ser desempenhados por todos, e ainda mesmo pelos cidadãos pobres, que não podem por forma, alguma dispensar horas do trabalho, porque d'elle vivem dia a dia, a gratuidade dos cargos ha de tornal-os, sem vantagem para a administração, um privilegio dos ricos, ou um campo de exploração com grave detrimento para os interesses publicos.
D'este dilemma não ha fugir; a experiencia o tem demonstrado em toda a parte, corroborando faceis e claras previsões.
Ora, sr. presidente, não é com phrases mais ou menos graciosas, para não empregar outra palavra mais forte, que teria talvez justo cabimento n'esta occasião, que se atacam principios desta ordem, essencialmente rascáveis e eminentemente democraticos. (Apoiados.)
E acrescentou s. exa., que em parte alguma se admittira ainda tal principio; parece que o illustre deputado, em saindo do âmbito do seu paiz e do seu tempo, não anda bem informado.
Vou mostrar á camara, como s. exa. ignora o que se passa nos Estados Unidos, lendo o que a tal respeito escreve o conde de Tocqueville.
N'esta citação se envolvem o facto que s. exa. ignora e a opinião do illustre publicista; auctoridade por auctoridade prefiro esta, e s. exa. não deve julgar--se melindrado por eu o collocar ao par deste illustre escriptor.
Eis aqui o que diz Tocqueville:
"Contam-se ao todo dezenove funcções principaes na communa (da Nova Inglaterra); todos os habitantes são obrigados, sob pena de multa, a desempenhar estas differentes funcções; mas para esse effeito a maior parte d'ellas são remuneradas, a fim de que os cidadãos pobres possam consagrar-lhes o seu tempo sem se prejudicarem.
"De resto o systema americano não é o de dar um vencimento fixo aos funccionarios. Em geral cada acto do seu mister tem um preço, e são remunerados na proporção do seu trabalho."
Eis aqui o que se pensa em um dos primeiros paizes do mundo, eis aqui os raciocinios de um dos primeiros publicistas deste seculo. Realmente auctoridade por auctoridade a de s. exa. será igual, mas não vale mais do que esta.
Podia ainda citar o exemplo de outros paizes, para demonstrar que a disposição da proposta não foi uma simples phantasia do seu auctor, mas isto seria inutil.
Parece-me prudente, sr. presidente, que, fallando n'estas questões ao parlamento, não supponha alguém que falia diante de homens ignorantes, do que se passa fora do limite da sua cidade ou da sua villa.
Sr. presidente, vou seguindo o mais rapidamente que posso a ordem das doutrinas do projecto, e por isso que desejo ser rápido, não aprecio os argumentos, apresentados pelo sr. Elias Garcia, ácerca da commissão de obras publicas, direi apenas que a doutrina, traduzida nos artigos especiaes referentes a esta commissão, não é uma doutrina peregrina., como s. exa. affirmou, mas não demonstrou; pelo contrario affirmo, e poderia facilmente provar, que esta commissão constituo um dos maiores elementos de fiscalização, que existe no projecto.
Não ignora, por certo, s. exa., como o maior numero das camaras municipaes dirigem uma parte importante das suas despezas, as que se referem a obras publicas?!
Os orçamentos das obras municipaes são elaborados por quem as camaras querem, acontecendo que em alguns pontos do paiz homens incompetentes, sem sciencia, nem experiencia, não só organisam os projectos, mas dirigem as obras respectivas.
É em relação a obras municipaes que o codigo de 1878 manifesta maiores lacunas, não preenchidas ao menos depois pelos regulamentos; todavia da promulgação d'este código data o desenvolvimento rapidissimo das obras municipaes, como aliás era de esperar.
Anteriormente ao codigo de 1878 existia uma commissão de viação, em que entravam o governador civil e os engenheiros das obras publicas do districto e da direcção, a qual approvava os orçamentos das obras e fiscalizava a respectiva applicação dos dinheiros públicos. Agora não ha absolutamente alguém, individuo ou commissão, que fiscalise e corrija a administração das camaras municipaes, perfeitamente soberanas, no que se refere a obras publicas.
Imagina s. exa. que este facto é pouco importante, quando uma camara gasta annualmente 600:000$000 ou réis 700:000$000 em obras municipaes? Um municipio que gasta tanto nas suas obras publicas, como o estado com a conservação de todas as suas estradas reaes!
A idéa do legislador foi, certamente, crear junto da camara municipal de Lisboa uma commissão technica que satisfaça exactamente aos mesmos fins, que preenche junto do ministerio das obras publicas a junta consultiva.
Diz s. exa. que não devia esta commissão preparar as expropriações? E porque?

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Peregrina me parece a argumentação do illustre deputado e engenheiro.
Sr. presidente, não posso entrar em promenores, que prolongariam a minha exposição, quando eu não quero cansar a attenção da camara; affirmo, porém, a v. exa. que a doutrina, desenvolvida n'este projecto, ácerca de obra publicas municipaes, não só me parece sensata, mas que poderá corrigir os abusos que possam tender a manifestar-se n'este ramo de administração municipal.
N'este projecto, como aliás já disse hontem, não se suppõe que os homens, que têem de intervir na administração municipal são exemplos de probidade e de patriotismo, legisla-se para evitar que a pouco e pouco só infiltrem de feitos e se introduzam vicios nesta administração. São medidas preventivas, não repressivas.
Posto isto, tratemos da instrucção publica, em que de vemos considerar duas cousas: uma boa phrase do sr. Elias Garcia e uma péssima doutrina do sr. Dias Ferreira.
A phrase do sr. Elias Garcia é retumbante, quasi de uma eloquencia jacobina: a Antes quero uma escóla do que mil leis".
Notei cuidadosamente esta phrase, porque podia escapar á revisão, e desejo que ella passo á posteridade.
Eu poderia observar a s. exa. que as escolas se criam por meio de leis ; todavia comprehendo perfeitamente que s. exa. se referiu a que era bom substituir a paixão de fazer muitas leis, ou muito extensas e absolutamente inúteis, pela de fazer poucas e pequenas, que possam ser uteis e praticas.
N'isto havia uma referencia maldosa ao projecto que SÊ discute, muito longo, muito variado, e muito inútil e inexequivel na opinião de s. exa.
É conhecido este antigo estratagema dialectico; quando se não póde atacar um principio na sua essencia, declara-se inexequivel.
S. exa. quer escolas? Pois este projecto ha de dar-lhas. porque cria receitas superiores áquellas que tem o actual municipio para desenvolver a instrucção publica.
Será porventura inutil este projecto para o desenvolvimento da instrucção? Que responda a s. exa. a singular doutrina do sr. Dias Ferreira que não quer as escolas profissionaes; mas valha a verdade, não as quer, porque s. exa. quer tudo para o povo menos aquillo que lhe possa tocar nas algibeiras, segundo a pitoresca phrase que s. exa. tantas vezes emprega n'este parlamento.
S. exa. faz-me lembrar repetidas vezes, quando discute n'esta casa, o espirito d'aquelle burguez, chefe da illustre familia Benoiton.
Como elle, s. exa. não vê em tudo senão uma questão de dinheiro! Nada vê senão através do dinheiro! É uma questão de organisação, mas, para mim, de pessima organisação.
Este systema de argumentar cança-me o espirito, mais do que dezenas de horas de trabalho.
Combate s. exa. as escolas profissionaes, e sabem porque?
Porque ellas hão de custar 50 por cento ao estado e 50 por cento á camara municipal!
Effectivamente, ter escolas sem gastar dinheiro com ellas, só na theoria administrativa de s. exa.: "Faça a camara tudo, dinheiro é que não lhe dou para nada".
A questão do ensino profissional é hoje um dos assumptos mais estudados nas nações civilisadas. Todos conhecem a influencia poderosissima d'este ensino sobre, a riqueza da industria e sobre o aperfeiçoamento das faculdades estheticas do povo.
Entro nós já o foi reconhecido na tentativa feita para crear as escolas de desenho industrial, devida a um estadista que vejo presente, e que ha pouco acaba de deixar as cadeiras do governo, aonde desejaria eu muito de o ver continuar. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, a grande lucta da concorrencia industrial moderna tem demonstrado á sociedade a importância do ensino profissional.
O gosto artistico, a perfeição e a simplicidade dos processos, a boa escolha dos materiaes, a economia da producção, taes são os elementos, que exige o moderno consumidor.
A França, porque um momento se esqueceu de curar d'estes assumptos, viu-se rapidamente assoberbada pela industria allemã, creada e desenvolvida por um bom systema de ensino profissional. Todos os paizes procuram arrancar a sua industria e o seu trabalho nacional á ignorância e á rotina de velhos processos, e é n'este momento que s. exa. clama contra a creação das escolas profissionaes!
Em nome da despeza? E o augmento da riqueza publica que produz a perfeição dos productos do trabalho nacional.
Ah! sr. presidente, é que ha gente que não conhece ainda a riqueza, senão quando a vê traduzida no dobrão de D. João V. (Apoiados.)
Emquanto á pessima phrase, a que me referi, foi pronunciada tambem pelo sr. Dias Ferreira.
Disse s. exa.: "não quero dar encargos às populações suburbanas para luxo de civilisação".
Oh! sr. presidente, não me consta que era parlamento algum, que em reunião alguma do homens de pensar e de saber, se tenha pronunciado jamais ou ligado estas duas palavras - luxo de civilisação!! (Apoiados.) Passo rapidamente sobre o assumpto.
Phrases d'estas só podiam ser pronunciadas por um mandarim de bigodes torcidos em crescente, que, envolvido nas suas vestes amarellas e embriagado pelo hachich e pelo fumo do opio, vendo passar ante os olhos amortecidos a actividade de uma civilisação nova, elevasse um cântico ao estacionamento millenario da civilisação chineza: uma phantasia do opio e do hachich. Foi isto o que me fez lembrar a phrase de s. exa.
Que o pobre preto, que em breve ha de ver passar, através dos sertões de Africa, a grande locomotiva, lançando a coluna de fumo, que, no dizer de um estadista d'este paiz, é a grande bandeira do progresso, que esse naturalmente veja em tudo aquillo um excesso de luxo, é tão natural, como achar eu na bandeira defumo um excesso... de estylo. (Apoiados.)
Não, sr. presidente, na civilisação não ha excesso nem luxo, mormente quando se manifesta pela educação popular.
Eu disse hontem ao sr. Elias Garcia que, sendo a instrucção primaria um instrumento necessario ao povo, julgava que lhe devia ser dada em grau sufficiente mas no mais simples possivel, para que possivel abranger todos no mesmo beneficio, e não passássemos pela vergonha do manifestar a triste proporção de 85 por cento da população infantil analphabeta!
S. exa. havia-se indignado commigo por eu dizer, que desejaria apenas que todos soubessem ler, escrever e contar, e declarou, que eu estava ainda em pleno século XVIII.
È precisamente o que desejo ensinar ao povo, mas a todo o povo; mais tarde quando a grande massa popular souber ler, escrever e coutar, então se deverá por todas as formas completar e aperfeiçoar a educação primaria. (Apoiados.)
Disse a s. exa. que emquanto 12:000 creanças pobres em Lisboa carecera da escola, porque as não tem a camara para as receber, e s. exa. só quizer póde corroborar esta minha affirmação, porque sabe que estão na camara municipal 6:000 a 7:000 requerimentos, que não podem ser attendidos por não haver logar nas escolas municipaes, disse eu que n'estas condições deve haver toda a sobriedade, não digo de luxo de civilização, mas em despezas, que concorrem para aperfeiçoar certos individuos e certas classes, com esquecimento de outras. (Apoiados.)
Democrata como sou entendo que a melhor fórma de

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educar nos princípios da verdadeira democracia todas as classes da nação, será a de tornar obrigatoria a frequencia às escolas municipaes a todas as creanças em idade propria, sem distincção de riqueza, de posição, ou de hierarchia social. (Apoiados.)
Assim como julgo que o exercito deve fundar-se sobre o serviço obrigatório pessoal, (Apoiados.) desejo tambem que as gerações successivas vão beber na communidade escolar as mais profundas e indeléveis noções da igualdade social. (Apoiados.) A escola da verdadeira democracia está ali. (Apoiados.)
Vi ainda ha pouco, nas grandes festas infantis do Coly seu, a belleza d'este principio ; nas bancadas d'aquelle circulo apertavam se, umas contra as outras, alguns milhares de creanças, alegres, inquietas e rumorejantes.
Quem viu aquella scena ficou com a sua indelevel recordação, e comprehendeu como a melhor de todas as osculas de democracia é a vida commum e intima nos bancos das escolas. (Apoiados.)
Manifestamente n'aquella multidão havia creanças de varias condições e de differente fortuna, a blusa de riscado roçava-se democraticamente por vestes mais finas e a pobreza conchegava se á regular mediania.
Não são os discreteadores bombasticos, que fazem a boa propaganda democratica; aquella era a verdadeira escola da democracia.
O desideratum de todos os liberaes-democratas deve ser o de verem passar pelas escolas municipaes gratuitas todas as creanças sem excepção.
Sobre as questões de saude publica não se fizeram também, senão muito leves considerações. Unicamente o sr. Dias Ferreira, e sempre o mesmo estadista, condemnou a organisação proposta, não em principio, mas por ser, na opinião de s. exa., luxuosa e dispendiosa.
Responderam-lhe os competentes que a organisação proposta é boa e necessaria, e o que é bom e necessario não é luxuoso nem dispendioso.
Assim lhe respondeu o sr. Agostinho Lucio, medico hábil e muito distincto, o os jornaes do paiz sem discrepancia. "É a primeira tentativa seria e grave, que se faz no paiz a bem da saude publica" eis a opinião geral dos homens e dos jornaes da especialidade.
O sr. Dias Ferreira não vê nem lê nada d'isto, s. exa. apenas calcula 20:000$000 ou 30:000$000 réis, applicados na organisação dos serviços de saude publica.
Descance s. exa. que neste sentido todas as despezas serão largamente compensadas.
Vou citar apenas dois exemplos, e não os cito para a camara que, sendo muito illustrada, facilmente comprehende o que se diz de uma forma geral; mas para demonstrar por uma forma palpavel e accessivel, ainda aos mais ignorantes, a verdade da affirmação de que ao augmento de saúde publica, corresponde a creação de riqueza.
Alem de nós, existe o paiz, ao qual convém esclarecer bem estas questões, visto que não tem em geral as faculdades tão desenvolvidas e tão educadas, como os illustres membros do parlamento.
Vou apresentar, pois, dois factos caracteristicos. O primeiro facto é citado pelo conde de Paris num estudo sobre salários na Inglaterra.
O sr. Luciano Cordeiro:-A situação dos operários em Inglaterra.
O Orador:-Exactamente. O fabrico das sedas tem tido um grande desenvolvimento no districto de Leeks no Staffondshire.
N'este districto em 1860 foi applicada uma espécie de lei de protecção para as creanças e mulheres na industria.
Arranquei esta pagina a um trabalho, que em breve terei occasião de apresentar á camara sobre o trabalho das mulheres e dos menores na industria.
O districto de Leeks tinha em 1860 10:540 habitantes, dos quaes 1:232 especialmente empregados na industria da seda.
Segundo os trabalhos de estatistica demographica a vida media n'aquelle districto, de 1850 a 1860, isto é, antes da applicação da lei, era apenas:

24,7 annos para ambos os sexos.:
Homens.... 23,5 annos
Mulheres.... 25,9 "

Na realidade estas medias parecem-me muito pequenas, mas são exactamente as citadas pelo sr. conde de Paris.
Depois da applicação da lei, e necessariamente pelo seu effeito benefico sobre a saúde das classes operarias, as medias de 1860 a 1867 elevaram-se:

32,7 annos para ambos os sexos.:

Homens....29,1 annos
Mulheres.... 36,3 "

D'aqui se concluo que o crescimento da vida media foi:

8 annos para ambos os sexos.

Homens.... 5,6 annos
Mulheres... 10,4 "

São precisamente estes os dados apresentados pelo illustre publicista, e devo fazer notar a v. exa. que estes estudos estatisticos em Inglaterra são cuidadosamente feitos. A vida media depois de 1860 elevou-se de 24,7 annos a 32,7 annos, isto é, cresceu oito annos; devendo além disso observar-se que o crescimento maior e na vida das mulheres, porque a lei ingleza as comprehende na sua directa protecção, assimilhando-as para este effeito aos adolescentes (young persons).
Este augmento da vida media multiplicado por 10:540 habitantes representa 14:320 annos poupados á sepultura e á morte !
Economia importantissima para aquelles que não andam habituados unicamente a ver tudo n'este mundo atravez de um dobrão de D. João V !

gora calculemos em réis, quanto valem estes 14:320 annos roubados á podridão da sepultura. Como tenho de applicar o mesmo raciocínio a outro caso permitta-me a camara algumas considerações previas.
Como a riqueza nacional se compõe da riqueza dos cidadãos, e a riqueza do cidadão provem da sua economia annual, isto é, da differença entre o que elle produz e o que consome, successivamente capitalisado, é claro que o crescimento da riqueza de uma nação se póde reduzir a uma media annual por individuo.
Admitte-se, hoje, que a media ingleza é do três libras por cabeça: sendo talvez a maior que hoje existe. A media franceza considera-se logo inferior a esta, e por ser importantissima a quantia annualmente economisada pela nação franceza se explica como, depois dos desastres de 1871 que lhe custaram 900.000:000$000 réis, póde ainda em pouco tempo pagar á Prussia a enorme indemnisação de guerra de outros 900.000:000$000 réis, sem completamente destruir a sua organisação economica e abalar o seu credito financeiro. (Apoiados.}
Applicando nós a media ingleza a esta economia de vidas, encontramos 193:360$000 réis.
Aqui tem v. exa. demonstrado com algarismos como um augmento de vida media, isto é, de saúde publica, se traduz por um capital importante.
O segundo exemplo procural-o hei entre nós.
Em 1879 em Londres e no inner-cercle, que comprehende 35:500 hectares com 3.800:000 habitantes, houve 129:705 nascimentos e 84:138 obitos, isto é, um excesso dos primeiro os segundos de cerca de 35 por cento!
Dentro d'este perimetro a mortalidade media é de 20 a 21 por 1:000; descendo nalguns pontos a 18 e no bairro rico de West-End a 16 por 1:000!
Suppondo, pois, em Lisboa, hypotheses que nos são favoráveis

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Mortalidade ....30 por 1 :000
Vida media....32 annos

como a vida media é necessariamente uma funcção da mortalidade, isto é, cresce quando ella diminue e vice versa e claro, que todos os preceitos hygienicos e todas as medidas de salubridade que contribuem para diminuir a mortalidade elevarão a vida media.
Supponhamos agora que conseguiamos equiparar as condições de salubridade de Lisboa às de Londres, o que não parece difficil, sendo n'esta cidade:

Mortalidade .....22 por 1:000
Vida media....40 annos

a vida media cresceria em Lisboa oito annos o que pá uma população de 200:000 habitantes representa 1.600:000 annos!
Somma respeitável de existencia e portanto de trabalho que a morte traga antecipadamente pela nossa incúria desmazelo. Seja a nossa economia media animal apenas 4$500 réis, e a riqueza produzida eleva-se a 7.200:000$000 réis!
É claro que me não responsabiliso pela rigorosa exactidão d'estes algarismos, estes exemplos têem por fim tornar bem frisante a verdade das minhas asserções, fazel-as penetrar lucidamente nos cerebros mais estreitos, e não manifestam a menor pretensão a um rigor difficil sempre e questões d'esta ordem, impossivel sem previos e delicados estudos estatisticos, que entro nós infelizmente se descuram.
Mas perguntar-se-ha, poderemos por ventura fazer descer a nossa mortalidade á cifra da mortalidade de Londres? Singular me parece o contrario. Lisboa, com a sua explendida posição geographica, edificada sobre colinas, lavada pelos ventos puros do Oceano, banhada por um rio larguissimo e sujeito á influencia das marés, está em condições superiores a Londres, para infestar a qual bastaria o Tamisa e as suas docas, com aguas negras e pestilentas.
Em Londres existe uma população enorme, com as mais accentuadas differenças de fortuna, ao lado do lord millionario o irlandez quasi nu, que se alimenta do batatas; e Lisboa, felizmente, nada disto existe; e não hei de eu acreditar que da nossa incuria provem a insalubridade relativa da capital? !
Se a esta rasão eu quizesse juntar outras, podia mostrar, que Lisboa está em condições geraes mais salubres do que Londres, com a diferença de que cá morre--se muito mais que lá, porque se têem descurado todas as medidas de salubridade. É com isto, apenas, poderia responder às considerações apresentadas pelo sr. Dias Ferreira ácerca de dois assumptos, que são dos mais importantes, contem projecto.
Refiro-me á obrigação imposta a todos, os que querem construir casas, de submeterem os projectos d'essas construcções á apreciação do conselho de saude e hygiene do bairro.
Todos sabem que uma das mais graves origens de insalubridade é a péssima construcção das casas de habitação.
Acção continua e lenta de envenenamento, que tem por cortejo a phtysica, as escrophulas e as anemias, quando o typho não lavra rapidamente.
Contra os preceitos, que tendem a evitar esta causa morbifica, se insurgiu o sr. Dias Ferreira em nome dos direitos individuaes ! Como se os direitos individuaes podessem a tepôr-se aos direitos collectivos! E alguns senhorios usurarios podessem ter o direito de envenenar, os que lhes alugam as casas e a pouco e pouco a cidade inteira! Mas direitos individuaes têem-nos tanto os ricos como os pobres. Se uns têem direito ao rendimento do seu capital, outros têem direito, pelo menos, á vida. Creio eu?!
Esta singular doutrina dos direitos individuaes! De fórma que o estado atropella os direitos individuaes, quando obriga, no interesse da collectividade, a construir bem e hygienicamente as habitações, quando impede a formação de focos de infecção permanentes, só porque isto não convém aos proprietarios, que, illegitima e egoistamente, querem tirar de tudo a maior vantagem ?!
E o que pratica o estado, quando consente que familias inteiras, aonde ha mulheres e creanças, vegetem n'umas cloacas? Respeitam-lhes talvez os direitos? Ou não os terão estes desgraçados ?
S. exa. tambem se insurgiu contra a policia sanitaria das casas insalubres; e n'este ponto teve assomos de indignação e phrases sinistras contra o projecto.
D'aqui em diante, se este projecto for convertido em lei, haverá felizmente cautelas com as casas dos habitantes de Lisboa; um parlamentar como s. exa. não poderá declarar n'esta camara, como o fez haverá dias, que nesta cidade não existem duzentas casas salubres!
Isto quando devem existir para mais de 45:000 fogos em Lisboa. (Apoiados.)
Se, como s. exa. disse, numa cidade como Lisboa, existem apenas cinzentas habitações salubres, é preciso sair d'este estado ainda, que seja por meios excepcionaes. (Apoiados.)
O sr. Dias Ferreira chama ao conselho de saude e hygiene do bairro uma alçada, um tyranno, porque, despresando os falsos direitos dos senhorios, não deixa envenenar os inquilinos!
N'este caso, sr. presidente, até os justos direitos da propriedade podem desapparecer, porque estão em face de um direito natural, que é o direito á vida. (Apoiados.)
Querem ver que s. exa. no seu retrogradar para a vida velha acaba por defender a pena de morte e por encontrar o ideal do cidadão no familiar do santo officio?
Elle sempre se vêem cousas...
Sr. presidente, como julgo que o exemplo das nações, onde os direitos individuaes são respeitados e garantidos, póde servir para tranquillisar o animo de s. exa. vou citar o exemplo da Inglaterra.
Haverá porventura no mundo paiz algum em que os direitos individuaes, em todas as suas differentes manifestações, sejam mais respeitados do que na Inglaterra?
Não ha, decerto.
Está nesta camara, e presidindo a ella, um illustre magistrado, a quem disse em tempo o que vou repetir.
S. exa. achou verdadeira aquella minha opinião, e por isso a cito á camara.
A liberdade da nação ingleza provém, a meu ver, d'esta origem principal: o respeito profundo e sagrado que todos n'aquelle paiz manifestam pelos direitos individuaes, e, sobretudo, o auxilio reciproco que se prestam os cidadãos, quando vêem ferido nesse3 direitos qualquer, ainda que seja o mais pobre e mesquinho concidadão.
São estas as origens das liberdades inglezas, e os melhores principies da democracia. (Apoiados.)
O mesmo não succede entre nós, e por isso apenas possuimos uma liberdade vacillante, que poderia talvez morrer facilmente nas mãos de qualquer dictador arrojado.
A nossa falta principal está em que, não só não temos este acatamento pelos direitos individuaes, mas, quando os vemos feridos em alguém, não temos aquella energia que provém das convicções, para prestarmos á victima toda a força que possuimos, nem a audacia de nos collocarmos ao lado do desgraçado, dizendo-lhe: hoje por vós, amanhã por nós; eis-nos ao vosso lado. (Apoiados.)
Pois bem, a livre Inglaterra, a respeitadora dos direitos individuaes, o modelo das instituições parlamentares, tem uma apertada policia sanitaria sobre habitações insalubres.
Permitta-me a camara que leia alguns periodos d'este estudo sobre o regimen municipal inglez, de Valframbert, na parte que se refere á policia das construcções e salubridade publica; "as commissões locaes fazem regulamentos

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para as construcções, a fim de assegurar a solidez, a salubridade e de prevenir os perigos de incendio".
Effectivamente tambem entre nós são necessarios estes regulamentos, porque se fazem construcções que parecem de propósito levantadas para serem devoradas com os seus habitantes pelo fogo. Ha casas construi das de ta forma que; se se desenvolver n'ellas um incendio, infallivelmente morrerá queimado tudo quanto n'ellas habita se os soccorros não forem completos e rápidos, porque as escadas são verdadeiras gaiolas que não podem dar vasão aos inquilinos. (Apoiados.)
"Têem estas commissões o direito de examinar os projectos de todas as construcções ou reconstrucções e de ordenar a demolição d'aquellas que são feitas em contravenção das disposições regulamentares.
"Todas as casas devem ter canos em communicação com a canalisação publica, bem como privadas. Outras disposições particulares e especiaes são tomadas para garantir a salubridade das habitações, ás commissões mostram-se mesmo muito rigorosas a este respeito. Os seus agentes pódem com auctorisação d'ellas, e mediante aviso prévio de vinte e quatro horas ao proprietário ou ao inquilino, ou mesmo sem este aviso em caso de urgencia, entrar nas habitações, inspeccional-as e inquirir quaes os trabalhos necessários no interesse da saude publica. O proprietário é intimado para as executar; no caso de recusa ou de demora incorre em multa, sem prejuizo do direito, que tem a commissão, de fazer executar os trabalhos por conta d'elle."
Pelo que acabo de ler se prova quanto as auctoridades inglezas são rigorossimas nas questões de saúde publica, chegam mesmo em casos urgentes a auctorisarem os inspectores a penetrar nas casas sem aviso previo.
Isto succede n'um paiz em que o habeas-corpus é profundamente respeitado!
Na opinião do sr. Dias Ferreira n'um paiz, aonde isto se consente, não se respeitam os direitos individuaes.
Ora quer o illustre deputado saber até aonde chega em Inglaterra este respeito, é este mesmo livro que nos fornece um valioso facto historico, que por curiosidade relato á camara.
Um pobre sacerdote anglicano ia partir para a America, acompanhado de sua mulher, quando um commissario de policia ingleza o prendeu, como prendem por ahi todos os dias os nossos commissarios de policia.
No dia seguinte os jornaes da opposição e do governo levantavam-se contra a prepotencia da auctoridade, e clamavam, em nome dos direitos individuaes, que esse homem devia ser indemnisado por perdas e damnos.
Sabem o que aconteceu ?
O sr. Gladstone apressou-se a mandar escrever uma carta, que vem aqui transcripta, na qual dizia ao pobre e insignificante padre, depois de lhe communicar que o governo estava prompto a pagar-lhe perdas e danemos, a seguinte phrase:
"O sr. Gladstone encarrega-me, alem disso, de exprimir ao sr. dr. Hessel o desgosto que experimentou pela, desagradável situação em que se achou collocado."
O auctor do livro, onde se cita este facto, diz que isto não se faria em Franca, e eu acrescento que não se pensava mesmo em Portugal, tão mal comprehendida anda infelizmente no nosso paiz a força o a dignidade dos direitos dos cidadãos.
( Vozes: - Muito bem.)
De resto, sr. presidente, poder-se-ha dizer que sejam esquecidos os direitos individuaes, quando todas as deliberações do conselho de saúde e hygiene do bairro estão sujeitas a dois recursos para estacões competentes; restando ainda ao cidadão, ferido nos seus direitos, a faculdade de os sustentar e defender perante os tribunaes ordinarios ?
Pelo que respeita a beneficencia publica tambem o projecto não foi atacado; apenas por parte de alguns collegas se suscitaram duvidas, a que vou rapidamente responder.
Todavia, sr. presidente, não é esta das organisações menos importantes, das que envolve o projecto em discussão; todos sabem perfeitamente que uma boa organisação de saúde e hygiene publica não póde deixar de ser acompanhada, parallelamente de uma boa organisação de beneficencia, porque a miseria e a pobreza são origens de insalubridade e preparam um vasto campo às epidemias.
É o que faz o projecto? Relaciona e liga entre si os serviços de saúde e de beneficencia, de modo que o medico, que aliás funcciona na sua circumscripção como medico de partido, é um dos elementos activos das commissões de beneficencia.
Realmente o medico, que visita quasi diariamente a população pobre da sua circumscripção, que conhece profundamente as suas condições economicas e particulares, constitue um dos mais valiosos elementos para qualquer organisação de beneficencia. (Apoiados.)
A organisação do projecto não foi modelada em regras ou em preceitos alguns de outras similhantes e estrangeiras, como pareceu querer indicar o sr. Elias Garcia.
Compare s. exa. a organisação de beneficencia de Paris, conhecida sob o nome de assistencia publica, poderosa organisação que tem um orçamento de 3.200:000$000 réis; s a da Inglaterra, baseada sobre o principio obrigatório, isto é, sustentada por impostos cobrados em virtude de leis especiaes, poor-laws, com a nossa e concluirá que esta não partecipa da natureza da primeira, nem da segunda, s que nos dá, ácerca d'este problema, uma solução intermedia, que me parece caracterisal-a como melhor.
O sr. Elias Garcia, a meu ver, esqueceu completamente a idéa fundamental do auctor da proposta, quando pediu , eliminação do medico e do parodio das commissões de beneficencia.
Não, sr. presidente, são estes os elementos mais importantes da commissão de beneficencia. (Apoiados.)
Os primeiros porque visitam o enfermo, e conhecem a miseria e a pobreza dos desgraçados nas circumstancias mais penosas e mais tristes - nas da doença; os segundos porque, quando mesmo os seus deveres de caridade religiosa os não obrigassem a visitar os pobres, vão no cumprimento dos seus deveres officiaes levar os soccorros da religião aos moribundos; uns e outros conhecem bem as tristes miserias da vida. (Apoiados.)
Estes dois elementos officiaes deviam ser chamados a fazer parte das commissões de beneficencia, embora, como faz o projecto, não se lhes de predominio, e sejam apenas considerados como agentes activos e conhecedores do meio social.
Para que eliminar o padre?
Sr. presidente, no fim do século XIX a deophobia começa ser irrisoria.
A antiga pose voltariana do seculo passado é actualmente um anachronismo. (Apoiados.) Positivista sou eu, e como tal nada tenho com as origens e as finalidades extranaturaes, sem que me repugne a idéa de Deus, ou a presença do sacerdote de uma religião, que se apresente em nome de um grande principio moral. (Apoiados.)
O sr. Elias Garcia : - Porque os querem membros natos?
O Orador: - Como queria s. exa. entregar a um acto de mero acaso esses elementos que são indispensaveis n'uma organisação de beneficencia publica? E se fossem excluidos?
O sr. Elias Garcia : - Quero que possam ser eleitos como quaesquer outros, mas que não tenham posição definida.
O Orador: - Mas se elles preenchem real e indiscutivelmente um papel importante na beneficencia publica, o que s. exa. não contestou, para que se ha de sujeitar á contigencia, o que se póde obter com certeza? Qual é o fim que se tem em vista, quando se organisa a beneficencia publica? Praticar a caridade era grande escala. O que se pre-

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cisa saber para a praticar? Conhecer os pontos onde elle deve levar o lenitivo, conhecer os desgraçados. E qual o meio mais conducente a esse fim? Constituir as commissões de beneficencia com homens que conheçam bem as condições das classes pobres, e melhores para este fim e que os sub-delegados e os parochos não os ha. (Apoiados.)
Se a lógica existe, isto é lógico. (Apoiados.)
Se nós trouxermos para questões o d'esta ordem idéas preconcebidas, odios de classe, ou repugnancias infundada: perderemos certamente valiosos recursos para à caridade publica.
Não tiremos aos simples certas idéas, que, não sendo já mais nocivas, são nos dolorosos transes da vida um doce suave refugio; nós mesmo, bem mais illustrados, quanta vezes não temos sentido a falta de crença n'um espirito justo e eterno, idéa nascida da nossa propria fraqueza pai nos fortalecer e consolar!
Aspiração obscura, incerta e vaga, talvez para muito; mas que todos que tiveram na vida momentos de soffrimento, sabem pela sua falta como ella é necessaria. (Apoiados.)
N'esta organisação o padre não entra como ministro de uma religião determinada, não foram aqui introduzidos pç serem da religião catholica, mas como uma poderosa força para a organisação, que procurámos constituir por forra que produza o maior effeito e a maxima utilidade.
Sr. presidente, o que se teve em vista n'esta organisação?
Qual é por assim dizer o seu principio fundamental, essencial qualidade d'onde ha a esperar os melhores resultados ?
Ligar, quanto possível, as qualidades insubstituíveis d caridade particular com as da beneficencia official, sem sacrificar uma á outra. (Apoiados.)
Conseguiu-se este desideratum? Parece-me que sim (Apoiados.)
D'aqui ha de provir um grande desenvolvimento da beneficencia na capital com uma despeza municipal relativamente pequena. (Apoiados.)
Eu disse, haverá dias, e repito ainda que em virtude d'esta organisação era natural que os actuaes estabeleci mentos de caridade, quer fossem de simples particulares quer pertencessem a associações de beneficencia, haviam de ter um consideravel incremento.
Uma voz : - Por vaidade.
O Orador: - Ninguem supponha que a organisação na ha de manifestar defeitos, entre outros ha de ter, como illustre deputado diz, uma certa tendencia luxuosa, que desgraçadamente, manifesta a caridade moderna. (Apoiados.)
Havemos de transigir com este defeito; não ha meie conhecidos para combater e debellar rapidamente um vicio social.
Actualmente pratica-se a caridade pelas apparencias (Muitos apoiados.) em todo o caso para nós, positivistas o fim está alcançado; desejamos proteger a miseria se não extinguil-a; venham os meios para tão santo fim quer elles sejam trazidos pela vaidade faustuosa de manifestar uma virtude, que talvez se não possua particularmente, (Apoiados.) quer elles venham em segredo, com manda o Evangelho, dados com a mão direita, sem que esquerda o veja. (Apoiados.)
De uma fórma ou de outra, para mim positivista, é mesmo, logo que haja pão para os que têem fome, remedios para os enfermos e protecção para todos que a sorte adversa atirou para a miseria e para a desgraça. (Apoiados.)
Se o illustre deputado me perguntar de qual das forma do amor do próximo mais gosto, dir-lhe-hei francamente da suave e mysteriosa caridade do christianismo.
As cousas são o que são! Como disse nesta camara digno presidente do conselho, como eu o dissera tambem antes de s. ex.a, e como muito engenhosa e sagazmente o descobriu, muito tempo antes de nós dois, o illustre Joseph Prudhomme.
Passemos agora a um ponto, que tem sido muito ventilado n'esta camara.
Pela minha parte não posso concordar com a idéa de afastar as irmandades e confrarias desta organisação de beneficencia, que a tanto equivaleria isental-as da quota com que para, ella concorrem, porque se quer exactamente aggremiar, reunir, disciplinar, se me permittem a expressão, todos os elementos de caridade e beneficencia, aos quaes falta hoje o nexo, a harmonia e a unidade, que lhes devem dar os melhores meios para attingirem o grande fim, que nos propomos.
As confrarias e as irmandades não toem por fim unico o culto religioso, mas principalmente a caridade; entrando n'esta organisação podem desenvolver os seus recursos e os meios com que a praticam. Para que havemos de exceptual-as?
D'esta forma respondo às indicações que a similhante respeito foram aqui apresentadas.
Peço licença para observar ainda, ao illustre deputado e meu amigo Santos Viegas, que os membros representantes das irmandades e das confrarias fazem parte das commissões de beneficencia da parochia, que exactamente são os agentes principaes da beneficencia publica.
Portanto se contribuem com uma quota para a beneficencia, cuja pratica aliás está nos fins da sua instituição, directamente a fiscalisam e applicam.
Poderia provar a s. exa. que o resultado mais provável desta organisação será o de augmentar os recursos dos actuaes estabelecimentos de caridade, de engrandecer a sua esphera de acção.
Tendo, por exemplo, de ser creado um hospital, um asylo, um albergue, não será mais rasoavel e económico alargar os que existem? Não resultará mesmo isto da existencia nas secções de beneficencia dos membros das administrações ou direcções dos estabelecimentos d'aquella ordem já existentes? Parece-me que sim.
A ordem terceira de S. Francisco, por exemplo, tem um hospital, e por signal consta-me que bem administrado. (Apoiados.) Façamos justiça a todos.
Tratando-se de crear mais hospitaes não será natural que de preferencia se alargue e complete este, que aliás já está organisado e montado?
A ordem terceira de S. Francisco, entrando, pois, para a beneficencia publica não acaba com o seu hospital; pelo contrario, esta é minha convicção, natural é que possa obter recursos para desenvolver as suas faculdades caritativas. (Apoiados.)
O sr. Santos Viegas:-V. exa. dá-me licença que o interrompa.
O Orador:-Pois não.
O sr. Santos Viegas:-Alargando ella (a veneravel ordem terceira) a area do seu estabelecimento para receber mais indivíduos, como é que ha de ir contribuir para a beneficencia publica ?
Farei ainda outra pergunta, já que s. exa. me permittiu que o interrompesse.
Como quer s. exa. que as irmandades, que têem a seu cargo certos actos de beneficencia e actos do culto, a que foram destinados em certos legados, como quer s. exa. que ellas vão contribuir na proporção, que se estabelece, se esses legados não podem ser desviados do fim, a que são applicados?
O Orador: - No primeiro caso o engrandecimento provirá dos subsidios, que no orçamento de beneficencia publica podem ser, como v. exa. sabe, concedidos aos estabelecimentos particulares. Este subsidio pode mesmo ser superior á quantia da contribuição.
No segundo caso poderia ser justo e rasoavel isentar do rendimento das differentes confrarias a parte, que tem uma

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applicação especial dada por testamento ou doação, sendo unicamente applicada a quotisação sobre a differença livre. Isto é uma questão para estudar. S. exa. apresentou a emenda, a commissão depois resolverá.
S. exa. póde ter a certeza que pela minha parte ha o maior desejo de chegar a um resultado justo.
O sr. Santos Viegas: - A minha proposta define esta hypothese, que deixo ao criterio de s. exa., e dá remedio aos inconvenientes, que poderão resultar da approvação do n.° 7.° do artigo 103.° do projecto, como elle se acha redigido.
O sr. Presidente:- Peço ao sr. deputado, que não interrompa o orador.
O sr. Santos Viegas :-Eu não interrompi senão com o consentimento do orador, que teve a amabilidade de me escutar.
Estou justificando uma proposta, visto que não me foi permittido fallar. O sr. Fuschini, no seu discurso, dirigiu-se amavelmente a mim o eu dei alguns avisos, que naturalmente ha de attender e criticar com o brilhantismo da sua intelligencia e com a sua illustração sobre o assumpto.
O Orador:- S. exa. comprehende perfeitamente, que pela minha parte teria o maior prazer em ouvir novamente as suas opiniões. S. exa. mandou para a mesa a sua proposta, que será apreciada maduramente pela commissão, onde apenas domina o espirito de transigencia e o desejo do fazer obra viavel e justa.
Para acabar esta parte da minha exposição, devo dizer que a organisação da beneficencia publica deve ter influencia profundissima sobre a grave questão de pauperismo. (Apoiados.)
A hora vae adiantada e quero resumir quanto possivel a minha exposição, todavia lerei alguns excerptos de um interessantissimo capitulo, intitulado a lei dos pobres e sua influencia sobre o pauperismo, de um livro ultimamente publicado sobre o trabalho e os salarios e escripto pelo fallecido Faweett, director geral dos correios em Inglaterra, logar que n'este paiz é importantissimo.
"Emquanto o auxilio do pobre foi abandonado aos exforços individuaes, e portanto sem organisação, era evidente que resultariam grandes inconvenientes."
O publicista defende, pois, a organisação da beneficencia obrigatoria, que é a usada na Inglaterra, e mais adiante continua:
"Os auctores do seculo passado alludem muitas vezes ao facto de existir, cerca de 1750, menos pauperismo na Inglaterra, do que nos outros paizes. Não parecia inverosimil que, no decurso de alguns annos, o pauporismo desapparecesse inteiramente. A infelicidade foi que, em logar de se continuar numa politica que tão bons resultados manifestara, começasse a prevalecer a opinião de que, vista a pequena escala do pauperismo, não havia perigo algum em administrar a beneficencia parochial com espirito um pouco mais liberal e carinhoso."
Como a camara comprehende cito auctoridades que julgo insuspeitas para todos. N'este caso não é um sonhador socialista (ainda que Fawcett foi um socialista no sentido actual e scientifico da palavra) que discreteia, porque a positiva nação ingleza não consentiria largos annos um homem desta ordem em logar, que, se mo não engano, dá entrada nos conselhos ministeriaes.
Tendo assim respondido às objecções principaes apresentadas a algumas doutrinas do titulo da beneficencia publica, vou succintamente fazer o mesmo na parte mais importante do projecto, que trata da fazenda municipal.
Este titulo foi principalmente apreciado pelos illustres deputados Pequito e Dias Ferreira, mas a exposição e a argumentação d'este ultimo constituio apenas uma paraphrase graciosa da argumentação do primeiro.
Como não desejo, por forma alguma, que se possa considerar como verdadeira a affirmação de que os meus calculos foram do propósito errados para engrandecer o orçamento da futura camara municipal, vou responder aos srs. Pequito e Dias Ferreira -que não vejo presentes - tendo felizmente os presentes argumentos do primeiro e as paraphrases realmente graciosas do segundo.
Devo primeiro observar á camara que, havendo para orçamento da futura camara municipal oito origens de rejeita, algumas muito importantes, nunca se entrou com tolas em linha de conta; unicamente se discutiu uma, tambem importante aliás; a que se refere ao rendimento provável do imposto do consumo na área do futuro municipio.
Effectivamente, se attendermos às modificações introduzidas na proposta de lei pela commissão, o futuro orçamento da camara municipal de Lisboa, passado um certo praso regular para - permittam-me a expressão-se estabelecer bem a lei, elevar-se-ha provavelmente:

Bens proprios....23:600$000
Contribuições municipaes....47:850$000
Receitas especiaes dos pelouros....184:530$000
Receitas da beneficencia....50:000$000
Receitas do serviço dos incendios....18:000$000
Consignações do estado.... 224:000$000
Addicionaes às contribuições directas....161:500$000
Parte que lhe toca do imposto do consumo....480:000$000

Note, pois, a camara que unicamente tem sido contestados os meus calculos para a ultima verba de receita, que os illustres deputados acham apenas exagerada.
Para descançar a camara sobro a importancia dos meus erros lembrar-lhe-hei apenas, que haverá dias o sr. Pebuito exclamara n'esta camara que o projecto não resolvia as difficuldades financeiras, porque s. exa. ía demonstrar que a camara ficaria ainda com um orçamento desequilibrado.
S. exa. começou a calcular a receita, e achou os meus cálculos bons em parte e acceitou-os, e maus noutra e emendou-os; lançou-se depois sobre a despeza e calculou a instrucção, a limpeza, a illuminação do novo municipio crescendo na proporção da área, feze tudo isto, que eu seguia, tomando notas e tremendo ante a enormidade do deficit que s. exa. preparava, quando s. exa. propriamente me evitou o trabalho de uma subtracção, fixando-o em réis 21:000$000! Está escripto.
Ora realmente num orçamento de 1.000:000$000 reis, com serviços dispendiosos, e fácil vencer este enorme obstáculo, ou elevando as receitas (2 por cento addicionaes às contribuições directas produzem quasi a somma) ou reduzindo sem inconveniente algumas despezas.
Sr. presidente, quando na exposição de principios apresentei um calculo sobre o valor provável do imposto do consumo fiz, como sempre se faz em circumstancias desta ordem, um calculo em globo, apresentando apenas os elementos indispenseveis para uma approximação mais ou menos larga.
Errar para mais ou menos em algumas dezenas de contos não tem importância em questões desta ordem, direi mesmo é perfeitamente impossivel evital-o. Geralmente, quer-se um ponto de partida para firmar certos raciocinios, nada mais.
Seguindo estes preceitos, que aliás me eram impostos pela necessidade de não alongar muito a minha exposição de principios; calculei a capitação do imposto de consumo na actual cidade em 7$175 réis e admitti, que pelo projecto, ficaria sujeita a esta capitação uma população de 280:000 almas.
Foram estas duas bases do meu calculo contestadas, principalmente a segunda. Vejamos se com rasão.
Pelo censo de 1878 tinha a cidade 204:000 almas, e os concelhos, que na sua máxima arca e quasi total população terão de ser annexados, nos termos da primeira proposta de lei, 44:000 em numeros redondos.
Eis como raciocinei na minha exposição de principios:

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"se attendermos, porem, ao incremento da população d Lisboa desde 1878, incremento, que não podemos fixar rigorosamente embora, mas que é accusado pelo crescimento das receitas do imposto de consumo; se por outro lado considerarmos que na zona annexada existem as melhores quintas e as povoações para as quaes a populaça mais rica de Lisboa sae nos mezes da primavera e do e: tio, sendo corto que o povo nos dias santificados procura nos campos circumvizinhos distracções e festas, não ser exagerado, certamente, basear os calculos da população sujeita ao imposto do consumo em 280:000 habitantes."
Foi contra estes raciocinios que s. exa. o sr. Pequito s insurgiu; cobrindo-me às vezes de finos epigrammas, temendo outras que eu compromettesse os meus creditos de mathematico, e rindo-se desapiedadamente d'aquella lembrança dos cidadãos das quintas, que comiam por dois.
Ora sr. presidente, vamos então desenvolver os calculos
Todos sabem que os censos da população estão sujeite a varias causas de erro, que principalmente se manifestar nas zonas de população pouco condensada.
Os erros do censo de 1878 manifestaram se necessariamente com maior intensidade na zona limitrophe, do que na cidade propriamente dita, disso eu, e para o demonstra basta expor á camara um simples raciocinio.
Sabe-se que temos escolhido para epocha do censo o dia 31 de dezembro, dia pessimo em todos os sentidos, e que tem a peior qualidade em ser de inverno.
N'esse dia ou nos seguintes, mas rapidamente, todas listas distribuidas pelos domicilios devem ser recolhidas.
Ora aos collectores de listas pagavam-se apenas 5 réis por cada uma; é manifesto que na cidade, em que muitas familias habitam o mesmo predio, vale a pena faze este trabalho, mas nos sitios onde a população está muito disseminada para ganhar quantia igual será indispensavel percorrer kilometros para cobrar as listas, debaixo da chuva do inverno, e sob a agradável temperatura de um dia de dezembro.
Estas rasões só por si demonstram, o que aliás é sabido, a importancia superior dos erros do censo para as povoações menos condensadas.
Se o censo de 1878 nos dava 44:000 habitantes para a zona annexada, tendo em vista por um lado os erros do censo e por outro o crescimento natural da população, sempre mais rápido nas zonas limitrophes das grandes cidades, não duvidei de suppor em 1885 de 60:000 almas.
Vejamos agora a emigração dos ricos durante os mezes de verão, a que dei importancia, e que motivou quasi a hilaridade dos srs. Dias Ferreira e Pequito.
É conhecido o facto que se dá em Lisboa, como em regra nas grandes capitães, das classes ricas, principalmente as industriaes e commerciaes, procurarem nos arredores da cidade vivendas de estio, que, participando do campo, são assas próximas para diariamente poderem cumprir os seus misteres.
É numerosa esta emigração e sobretudo importante, porque são as classes ricas, que mais consomem. Ora não se pagando o imposto do consumo senão em Lisboa é claro, salvo melhor opinião dos srs. Pequito e Dias Ferreira, que os que saem para fora o não pagam.
Poder-se-ha porventura calcular esta emigração? Rigorosamente não, mas existe e é importante em numero e em qualidade.
Como sou um pobre mathematico e apenas sei o que os algarismos provam, não tendo a educação casuistica e dialectica, que faz com que se discutam dados positivos com sorrisos ironicos e phrases graciosas, para provar a s. exas. a verdade da minha asserção, vou mostrar-lhes esta emigração annual das classes ricas de Lisboa para as cercanias da capital, accufada por um indicador infallivel e quasi determinada no seu valor numerico.
No seguinte mappa estão compendiados os direitos de consumo cobrados por mezes, na respectiva alfândega, no triennio de 1882 a 1884:

Annos

1882:

Janeiro....
Fevereiro....
Março....
Abril....
Maio...
Junho....
Julho....
Agosto....
Setembro....
Outubro....
Novembro....
Dezembro....

1883:

Janeiro....
Fevereiro....
Março....
Abril....
Maio....
Junho....
Agosto....
Setembro....
Outubro....
Novembro....
Dezembro....

1884:

Janeiro....
Fevereiro....
Março....
Abril....
Maio....
Junho....
Julho....
Agosto....
Setembro....
Novembro....
Dezembro....

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Vejamos se estes algarismos podem fallar e responder aos sorrisos de s. exas.
A nossa pauta, como todos sabem, póde dividir-se em cinco grandes classes, que correspondem às columnas d'este mappa.
É claro que o consumo em qualquer das classes é proporcional aos direitos pagos; maior direito, maior consumo, é evidente; suppondo não ter havido alteração de taxa, como exactamente acontece.
Ora, o augmento de consumo provém, ou do augmento da população, suppondo o consumo médio por individuo constante, ou do augmento do consumo medio por habitante, suppondo a população fixa.
O primeiro caso ha de dar-se com a classe das carnes, em que não ha rasão alguma para que o consumo medio por habitante se não conserve perfeitamente normal, tanto de verão como de inverno; o segundo, por obvias rasões, com os liquidos.
Isto é, o consumo da carne é um excellente indicador do movimento da população.
Ora, a estatistica dos direitos do consumo das carnes, para os mezes que se podem chamar de inverno e de verão, dá-nos os seguintes resultados:

1882:

Janeiro ....43:704$000
Fevereiro....46:475$000
Março....35:342$000
Outubro....43:231$000
Novembro ....39:119$000
Dezembro....52:710$000
....260:581$000

Abril....37:202$000
Maio....40:502$000
Junho....32:599$000
Julho....38:631$000
Agosto....31:029$000
Setembro....31:425$000
....211:388$000
Differença ....49:193$000

1883:

Janeiro ....47:208$000
Fevereiro....48:493$000
Março ....49:992$000
Outubro....37:616$000
Novembro ....48:642$000
Dezembro ....47:389$000
....279:340$000

Abril....33:669$000
Maio ....34:460$000
Junho ....39:992$000
Julho....32:549$000
Agosto....37:864$000
Setembro....30:580$000
....209:114$000

Differença ....70:226$000

1884:

Janeiro ....44:178$000
Fevereiro....57:194$000
Março ....37:704$000
Outubro....43:338$000
Novembro....40:199$000
Dezembro ....49:354$000
....271:967$000

Abril....38:206$000
Maio....38:188$000
Junho....32:981$000
Julho....31:8260$000
Agosto....36:852$000
Setembro ....30:919$000
....209:017$000

Differença ....62:950$000

Ora, d'estes algarismos tiram-se varias conclusões importantes :
1.ª O consumo é muito menor nos mezes de verão do que nos de inverno.
2.ª Suppondo em 1883 uma população para Lisboa de 214:000 habitantes (a do censo de 1878 mais o crescimento normal annual), os direitos por habitante são:

1882....1$217
1883....1$303
1884....1$271

o que corresponde, tendo em vista as differenças dos direitos do verão para o inverno, á seguinte emigração, das classes ricas principalmente, em seis mezes e em media:

1882....40:200
1883 ....53:700
1884 ....49:500

Equivale isto a uma media de 47:800 habitantes, que durante seis mezes não pagam imposto de consumo, ou a 23:900 durante um anno.
3.ª A população, que pagou o imposto de consumo não foi realmente a normal, mas outra inferior, attendendo á conclusão anterior.

214:000- 47:800/2=190:100

4.ª A capitação dos impostos de consumo, attendendo á conclusão anterior, foi em 1883 de 7$540 réis.
Sr. presidente, o que eu exponho á camara é porventura difficil de seguir pelo emprego de algarismos; todavia, quando houver de se publicar esta minha exposição, compendial-os hei todos para que estas conclusões possam ser rigorosamente apreciadas.
Está ou não provada a emigração das classes ricas de Lisboa?
É ou não importante a sua cifra?
Se eu juntasse todos estes elementos, encontraria mais dos 280:000 habitantes, que s. exa. acha mal calculados. E observe a camara que ainda não attendi aos habitantes, que saem de Lisboa nos dias santificados, o que aliás poderá dar alguns milhares de consumidores annuaes.
Mas os estrangeiros que affluem a Lisboa, os viajantes das provincias, diz o sr. Dias Ferreira? Parece que de Lisboa, na opinião de s. exa., ninguém sáe a viajar, nem visita as provincias.
Mas os navios que se fornecem dos nossos mercados? continua s. exa., parecendo ignorar que nos grandes fornecimentos os proprietarios e consignatários dos navios não vêem patrioticamente engrossar os reditos da alfandega do consumo, quando encontram as mesmas substancias alimenticias para um e outro lado da cidade, nos armazens do Beato e de Belém, não sobrecarregados pelo imposto de consumo.
D'aqui deprehenderá v. exa., sr. presidente, se fui leviano, como me chamaram quasi, no calculo da população, e mesmo no calculo da capitação, da qual em breve me occuparei.
Chamo a attenção da camara sobre estas conclusões para lhe provar que sorrisos ironicos não amedrontam homens que conhecem regularmente estes phenomenos economicos, e que não basta vir para esta casa, com a auctoridade do nome, para offuscar os olhos d'aquelles que, merce de Deus e do seu trabalho, alguma cousa vêem também. (Apoiados.)
O calculo da capitação, que eu apenas apreciei em réis 7$175, tambem está mal na opinião de s. exas.; se não é exagerado para Lisboa, pelo menos é inapplicavel na zona annexada.

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JUNHO DE 1885 2495

O sr. Pequito diz, o trabalhador do campo não consome como o da cidade, o sr. Dias Ferreira paraphrasea e de clara que o saloio de Carnide muito expremido não produz similhante media. Aos dois illustres deputados não occorre que Lisboa tem igualmente classes pobres, talvez relativa mente mais pobres e mais numerosas do que a zona annexada; ora a media de Lisboa foi obtida entrando tambem com os pobres.
Ignoram também, como eu já provei nesta casa comparando-a com a de Paris, que a pauta de Lisboa fere principalmente as classes pobres.
Vejamos, porém, sr. presidente, como ainda n'este caso se poderá desenvolver o calculo.
Rigorosamente deviamos n'elle comprehender dois ele mentos, o crescimento importante manifestado nas estatisticas e o contrabando, que se evita substituindo uma pessima linha de circumvallação por outra construída expressamente para este effeito. E não se supponha que é insignificante esta ultima verba. A entendidos em negocios fiscaes tenho ouvido calculal-a talvez em perto de 300:000$000 réis.
Tendo em vista estes elementos, calculemos com o possivel rigor a capitação do imposto de consumo para 1886, sendo alias claro, que pelos depósitos existentes na zona annexada e pelos que se constituirão, se esta lei passar, o consumo não produzirá n'esse anno o que o calculo nos vae dar, mas que o attingirá logo que os depositos estão exhaustos.

Rendimento dos impostos de consumo em 1883 .... 1.433:000$000
50% do crescimento em 1884 e 1885.... 75:000$0000
Contrabando evitado ..... 192:000$0000
Rendimento provável para Lisboa em 1886....1.700:000$000

População sujeita ao imposto em 1883.... 190:000
Crescimento (1883-1884)....3:800
População em 1886....193:800

Capitação em 1886, 8$760 réis.
Bem superior é esta á que eu admitti.
Servindo-nos, pois, da base do 280:000 habitantes, que provei não ser exagerada, fazendo-lhe apenas a reducção proporcional correspondente às freguezias que a commissão entendeu dever eliminar, teremos :

1886:
Cidade.... 204:000 habitantes
Zona annexada....60:000 habitantes

Se como os illustres deputados querem a capitação não póde ser igual para a cidade e para a zona annexada empreguemos no primeiro caso a capitação de 8$760 réis e no segundo 5$250 réis, bem inferior á primeira, o producto excede ainda 2.100:000$000 réis.
Claro está que isto são hypotheses, mas só com hypotheses se póde chegar nestes problemas a algum resultado; o caso está em que ellas sejam acceitaveis, como julgo que estas são.
Nos termos do projecto teriamos:
Rendimento do imposto....2.100:000$000
Abate-se o de 1885 ....1.500:000$000

80 % Para a camara....480:000$000
20 % Para o estado ....120:000$000

Isto é, apesar da reducção da área feita pela commissão, pela minha parte não vacillo em calcular a verba do imposto pertencente ao futuro município em 480:000$000 réis.
A experiencia da lei, se este projecto for approvado, nos dirá, em poucos annos, quem se engana.
Euganar-me-hei eu? Talvez. Mas como o sr. Pequito corrigiu os meus calculos, n'esta parte, (porque nas outras até me fez elogios que muito me penhoraram) e, chegando a determinar apenas para o rendimento municipal do imposto de consumo a cifra de 150:000$000 a 180:000$000 réis, deparou com um deficit de 21:000$000 réis, as condições financeiras do município são favoraveis, ainda mesmo dado um erro meu.
Para augmentar consideravelmeute a receita bastava remodelar, como me parece necessário, os impostos municipaes propriamente ditos, que não só estão mal lançados, mas que manifestam um rendimento muito baixo.
Podem-se fazer reducções importantes nas despezas. E, para citar uma só, referir-me-hei ao fornecimento do gaz. Em Paris as companhias do gaz pagam o aluguer do sub-solo ao conselho municipal, que d'aqui aufere importantes resultados; no nosso paiz, porém, ha uma companhia poderosa, cujos dividendos são elevadissimos, que nada paga pelo aluguer do sub-solo, e que em virtude de uma clausula do seu contrato impede a concorrencia no fornecimento da illuminação; constituindo-se assim um privilegio indefenido de exploração, com graves inconvenientes para as receitas municipaes e vexame para os consumidores.
Cesse este monopólio e veremos a receita que daqui resulta; ora para o acabar basta que uma camara tenha sufficiente energia para intentar, se necessario for para annullar a clausula leonina, uma acção de expropriação por utilidade publica. (Muitos apoiados.)
A futura camara municipal tem muito que fazer para reorganisar economicamente os seus serviços e póde crear receita, que não fira por forma alguma as classes pobres de Lisboa, por que as ricas podem ainda pagar alguma cousa. (Apoiados.)
Não é preciso certamente dar á camara municipal o monopolio das pompas funebres, na phrase do sr. Pequito, para a salvar do horrendo deficit de 21:000$000 réis. As pompas funebres!
Se o sr. ministro se tivesse lembrado de fazer para a camara municipal de Lisboa o mesmo que pratica o município de Paris, o que se não diria!
Este projecto, para o qual se inventaram tantos epithetos, teria mais um, talvez mesmo dado por s. exa.
É preciso não conhecer a indole nacional, o espirito indigena para ignorar ser entre nós necessario que o estadista se reserve muitas vezes certas idéas, aliás justas e convenientes, para as não ver cair, não diante de uma discussão scientifica, mas crucificadas pelo espirito caustico e ironico, que acompanha quasi sempre a ignorancia. (Apoiados.)
Sr. presidente, uma das disposições do projecto, que tem igualmente soffrido contestação, é o imposto especial para o serviço de incendios, lançado sobre as companhias de seguros.
Oh! sr. presidente!, quem propõe a eliminação d'este imposto ignora certamente os benefícios, que essas companhias vão directa e indirectamente auferir do alargamento da area da cidade, e da organisação muito mais perfeita que ha de ter este serviço de incendios no futuro municipio. (Apoiados.}
Eu podia mostrar com dados positivos a importancia elevada dos dividendos das companhias de seguros, uma das quaes chegou no anno de 1884, a dar um dividendo de 114 por cento sobre o desembolso real primitivo das suas acções; outra 42 por cento e uma terceira, mais modesta, 20 por cento apenas, nas mesmas condições! A hora vae adiantadissima, e portanto, não entrarei em

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2496 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

maiores desenvolvimentos ácerca de uma proposta, que a final nem fundamentada foi.
O que não posso, porém, deixar de lamentar porque, francamente, custa a soffrer pacientemente, e a forma insólita, pela qual os interessados tentam defender as suas idéas e opiniões.
N'uma representação dirigida a esta camara e assignada pelos directores e agentes das companhias de seguros, alem de varias cousas, diz-se que a idéa do imposto foi apresentada apenas em França e desenvolvida num livro publicado por um conselheiro municipal, cujas tendencias communistas eram bem conhecidas.
O fim manifesto dos representantes era o de lançarem sobre o projecto o labeu de communista.
Triste expediente de quem possue poucas idéas!
Ora, sr. presidente, é bom não confiar muito na ignorancia dos outros, pela propria consciencia da nossa ignorancia !
Illudem-se os illustres representantes, não foi este imposto apenas imaginado pelo communista conselheiro municipal de Paris, existe ha annos em Londres, aonde foi creado por lei.
Entendem por lá aquelles communistas inglezes que quanto mais a propriedade esteja garantida contra os incêndios e possa ser efficazmente soccorrida, mais lucram as companhias de seguros, mais crescem os seus dividendos, e portanto julgam justo e equitativo fazel-as partilhar parte da despeza, que directamente lhes aproveita.
E singular que os homens que assignam a representação não tenham senão o triste argumento de chamar communista a este projecto. (Apoiados.)
Comprehendem v. exa. e a camara que me vejo obrigado a resumir consideravelmente o que tenho a dizer, para sustentar e desenvolver as idéas do projecto de lei.
Um só ponto vou ainda tocar - a elaboração dos orçamentos municipaes.
Por quem estes orçamentos são approvados actualmente, como as juntas geraes comprehendem as suas funcções sobre este assumpto, já precedentemente o expuz.
O sr. Dias Ferreira queria que o orçamento da camara municipal de Lisboa fosse approvado pelo governo. O que esta tutela é na essência, o que ella produziu com o codigo de 1842 já em parte o disse, e todos por experiencia o sabemos.
Vejamos se a doutrina do projecto será neste caso superior aos alvitres propostos.
O orçamento elaborado, conforme certas regras descriptas no próprio projecto, deve ser discutido na reunião de novembro, exposto em seguida ao publico, e encerrado definitivamente em dezembro de cada anno, não podendo entrar em vigor emquanto não for publicado na folha official.
Se a camara não publicar o orçamento em tempo opportuno, a acção do poder central manifesta se immediatamente, fazendo pôr em vigor o orçamento do anno transacto e, no praso de um mez, o governo nomeará uma com missão para organisar o novo orçamento e syndicar do actos da mesma camara.
Esta simples exposição, emquanto a mim, mostra a superioridade d'este systema sobre o da approvação do orçamento por qualquer entidade, o que tão incompletos resultados tem produzido.
Effectivamente, sr. presidente, o melhor correctivo par; as administrações, que nascem da eleição, é a fiscalisação directa dos eleitores. Quem administra mal, do que mal se teme é da publicidade dos seus actos.
Depois, é indispensável habituar o eleitor a comprehender que a melhor tutela das corporações electivas, que, mais util vigilancia é a sua. É necessario persuadil-o de que, elegendo usa de uma liberdade, e, portanto, assume uma responsabilidade. Para isto devem ser todos os acto da administração sujeitos a completa publicidade, não com concessão graciosa, mas como preceito taxativo da lei. A isto se attende no projecto.
Por outro lado, é mister que a administração tenha preceitos bem definidos, a fim de que os agentes da fiscalisação possam exercer com clareza e precisão o seu papel.
A isto tambem se attende no projecto, desenvolvendo regras e preceitos de contabilidade geral, que tanto mais úteis convenientes são, quanto no mesmo projecto se cria o inspector da fazenda municipal.
O papel deste agente, é importantíssimo, e só por si substituo com vantagem a antiga tutela. Emquanto a administração se desenvolver regularmente, traduzindo os melhores preceitos da contabilidade, a acção fiscal do inspector sobre a corporação é nulla e sem influencia.
Aconteça, porém, o contrario e o inspector, se quizer cumprir o seu dever, encontra nas suas attribuições elementos poderosos para corrigir todos os abusos. Constituo quasi uma syndicancia permanente.
Ora, o processo da nomeação do inspector deve fazer-nos esperar estes resultados, suggeridos pelo simples raciocinio. Não é provável que um tribunal importante, que aliás tem mais tarde de julgar as contas municipaes, escolha para seu delegado (que outra cousa não é o inspector) um homem incapaz.

e resto devo observar á camara, em relação á epocha em que deve ser publicado o orçamento, e sujeitas ao tribunal as contas de gerencia e exercicio, os dois mais importantes actos da administração financeira, o projecto é intransigente e auctoritario até, se quizerem; sem grandes preâmbulos expressamente obriga (note-se obriga, não deixa facultativo) o governo a nomear sem demora uma commissão de syndicancia para investigar as causas d'estas faltas.
N'este caso, creia o illustre .deputado, o sr. Dias Ferreira, a responsabilidade governamental está claramente definida; deu-se um facto d'aquella ordem, ha de o governo forçosamente syndicar, aliás não cumpriu a lei, o primeiro dever do poder executivo.
Eis aqui, sr. presidente, como o projecto, embora vasado em moldes differentes d'aquelles em que foi feita a nossa actual e passada legislação administrativa, e, portanto, por processos differentes, chega, a meu ver, com maior probabilidade e rigor, a realisar os fins a que deve mirar a boa administração municipal.
Assim os princípios liberaes, representados na constituição larga e autonoma da corporação, na sua formação por um systema eleitoral com representação de minorias, na organisação apropriada e independente de alguns dos mais importantes serviços municipaes, na doutrina da dissolução e na constituição do tribunal administrativo, toem compensação em muitos elementos de fiscalisação e em muitas origens de responsabilidade, que, a meu ver, representam o principio conservador.
Por todas estas rasões disse eu na minha exposição de principios, e, com a plena consciencia da minha convicção, repito á camara e ao paiz, que o projecto do sr. ministro do reino e uma theoria de administração, constituo um corpo doutrinal com unidade e methodo; as differentes organisações da sua reforma, os differentes elementos que n'ella entram, não se sobrepõem ou approximam sem relações intimas; são pelo contrario rodas da mesma machina, componentes de um systema de forças, que se combinam para um único trabalho ou para uma só resultante: a administração regular e scientifica de todos os serviços de uma grande municipalidade.
Uma só phrase define, a meu ver, o espirito do projecto. Supponha s. exa. traçado o grande circulo das attribuições da camara municipal, dentro d'elle move-se a corporação em plena liberdade de acção e no goso de completa iniciativa; a acção do poder central então é nulla o apenas subsiste a vigilância dos eleitores e da opinião publica; logo, porém, que a camara municipal ultrapassar

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este campo definido pela lei, a acção do poder central, como supremo regulador de todos os orgãos do machinismo social, manifesta-se immediatamente e por uma forma decisiva corrige os abusos da administração.
A experiencia, bem começada e dirigida, d'este projecto de lei ha de dar-me rasão, espero em Deus; e se m'a der, a utilidade que daqui advirá para o paiz, compensar-me-ha largamente o modesto trabalho, que me coube em partilha.
Ignoro se expuz com sufficiente clareza e desenvolvimento as minhas idéas, ácerca do projecto, e as respostas, que eram devidas os illustres deputados; comprehende-se que, para desenvolver cabalmente os differentes o interessantes pontos de tão complexa doutrina teria de gastar longo tempo, quando me parece inconveniente protelar esta discussão, porque é indispensável acabar com o estado cahotico da nossa administração municipal. (Apoiados.}
Qualquer que seja a origem e a causa do actual estado é certo que a municipalidade de Lisboa está á beira de uma bancarota, que, se realisasse, gravemente affectaria não só a nossa praça, mas ainda as praças estrangeiras, onde precisámos procurar capitães.
Acabemos, pois, patrioticamente, com esta discussão, completemos o projecto, e evitemos uma catastrophe para o município, o primeiro do paiz, ou gravissimos encargos para o governo que terá de sustentar uma administração vacilante e condemnada pela opinião publica.
Concluindo, agradeço á camara a sua attenção, desejando ter correspondido á illustração dos meus collegas e á delicadeza que as commissões commigo tiveram, quando me nomearam seu relator.
Vozes:-Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por quasi todos os deputados presentes.)
O sr. Pedro Franco : -Quando antes de hontem mandei para a mesa as minhas propostas, não tive occasião de as sustentar e de as defender, porque foi julgada discutida a materia.
Entro essas propostas figura uma que podo parecer um privilegio para o concelho de Belém, mas não é.
Eu propuz que a industria fosse isenta da contribuição directa municipal, e eu dou a rasão por que apresentei essa proposta.
Como v. exa. sabe, o concelho de Belém é considerado terra de terceira ordem, e reunido agora a Lisboa vae passar a segunda ou primeira ordem ; por esse motivo a industria vão ser muito aggravada com essa alteração.
A camara sabe que a riqueza de um paiz provém da industria; e entre outros paizes citarei a França que nos manda para aqui toda a qualidade de artefactos, e nos leva o dinheiro; por isso a França está rica e nós estamos pobres.
Se querem que a riqueza publica augmente, é mister dar protecção á industria, e não aniquilal-a com pesados encargos; pois não basta a passagem do terceira para segunda ou primeira ordem, quanto mais ir aggraval-a com um outro encargo de 50 por cento de imposto directo, como se auctorisa no n.° 20.° do artigo 10.° d'este projecto,, o que eleverá a mais do dobro a contribuição industrial no concelho do Belem.
Isto não póde ser; similhante exigência afugentaria d'quelle território as grandes e pequenas industrias e o novo bairro dentro em pouco estará despovoado.
Mando hoje tambem para a mesa dez emendas e entre ellas uma que diz respeito ao artigo 175.°
Determina este artigo que a eleição para a camara municipal se realise no terceiro domingo de outubro, para os vereadores que tenham preenchido o seu tempo de exercicio.
Ora, tendo-se alargado a área do município, e devendo a eleição ser feita por parochias civis, que cada uma é composta de 20:000 almas, parecia-me conveniente, visto que é maior o numero de eleitores do que aquelle de que se compõem as actuaes assembléas, que a eleição se fizesse no primeiro domingo de outubro, para que o acto eleitoral se podesse concluir no próprio dia.
Outra emenda é a que diz respeito ao artigo 176.°
Diz o referido artigo que, para a eleição da camara municipal, cada parochia civil constituirá uma só assembléa primaria, que se reunirá no edifício da escóla municipal, ou na igreja da freguezia mais populosa.
Assembléas primarias compostas de uma parochia civil, é impossivel.
No anno passado votou-se aqui uma lei eleitoral de que foi relator o mesmo cavalheiro que relatou o projecto em discussão; é a lei de 21 de maio de 1884.

'essa lei determinou-se no artigo 42.° que as assembléas eleitoraes não sejam superiores a mil eleitores, nem inferiores a quinhentos.
No projecto actual propõe-se que as assembléas sejam compostas de 20:000 almas, isto é, de cinco a seis mil eleitores proximamente!
Parece-me impossível reunir-se n'uma só assembléa, n'uma só igreja ou numa escola, municipal, cinco ou seis mil eleitores, donde resulta complicação de serviço, impossível de regularisar, se não tambem confusão e desordem. (Apoiados.)
Parece-me, pois, mais conveniente, que as assembléas primarias fiquem reduzidas a 1:000 eleitores, como se dispõe na lei que actualmente vigora.
Mando tambem para a mesa uma proposta que diz respeito ao artigo 182.° do projecto.
Diz a commissão no artigo 182.° que acceita a proposta do sr. ministro com respeito às listas da votação serem escriptas ou lithographadas em papel branco, sem signal ou numeração externa; mas a commissão rejeita os n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do §. único, em que se declaram nullas as que forem inintelligiveis, e as que pela disposição da nomes não indicarem claramente a preferencia do eleitor.
Eu, sr. presidente, não percebo o intuito da commissão, e desejava que me dissessem se eliminando este paragrapho, como o eliminaram, se consideram validas as listas inintelligiveis, por quanto isto tem uma certa importancia para a contagem das maiorias. (Apoiados.)
Também não sei como a commissão quer que se faça o apuramento, porque passado o artigo 184.° foi tudo eliminado, desde o artigo 108.° da proposta do sr. ministro até ao artigo 244.° da mesma proposta; de fórma que chega-se ao artigo 184.° da commissão, e marca-se até ali a maneira de fazer a votação nas assembléas primarias, e, quanto á forma por que tem de ser regulado o apuramento e proclamação dos vereadores, foi tudo eliminado! Parece que não ha apuramento nem proclamação! Mando, pois, para a mesa, uma emenda, para que do artigo 184.° em diante se siga a legislação em vigor, até serem proclamados os vereadores.
Eu, sr. presidente, apesar de ser deputado da opposição, declaro a v. exa. que votava de bom grado a proposta do sr. ministro do reino, porque era harmonica, e não este projecto, que está todo mutilado, e tão confuso, que poucas pessoas o hão de perceber.
Mando para a mesa mais uma proposta que tem por fim accrescentar um artigo novo ao projecto.
No projecto que se discute não se diz qual o destino que se ha de dar às creanças da misericórdia do concelho de Belém.
Eu sei que, depois de reunido o concelho de Belem a Lisboa, a santa casa da misericórdia desta cidade ha de receber os expostos nascidos n'aquelle concelho, mas no projecto não se diz uma única palavra a respeito dos expostos que existem actualmente, e cujo numero se eleva a cento e tantos. Por isso proponho que no projecto de lei se escreva bem claro que os actuaes expostos do concelho

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2498 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de Belem passam a cargo da santa casa da misericordia de Lisboa.
Mando tambem para a mesa um artigo addicional, para que a camara de Belém seja auctorisada a reformar o seu thesoureiro com metade da verba que actualmente recebe, calculada pela media dos ultimos tres annos, visto ter mais de vinte e dois annos de bom e effectivo serviço.
Como a camara sabe, extincto o concelho de Belém, os empregados ficam, pelo artigo 228.°, com todos os seus vencimentos a cargo da camara de Lisboa.
A camara de Lisboa não póde ter dois thesoureiros, e reformado este, resulta a economia de metade do vencimento a favor da camara.
Mando por ultimo para a mesa uma proposta que constitue mais um novo artigo e que diz respeito á lei eleitoral.
Lisboa é representada actualmente por 6 deputados da maioria e 2 da minoria, e constitue um circulo que tem o n.° 70. Parece-me que creando-se mais um bairro o numero de deputados deve ser augmentado pelo menos com mais 2, attento o augmento de população.
Depois que o novo bairro fizer parte da cidade, não póde ir votar fora do circulo, nem reunir os votos de um bairro ao concelho de Oeiras para dar um deputado como até aqui se fazia, e o concelho de Oeiras tem forçosamente de ser aggregado a outro concelho para dar um deputado.
Entendo, pois, que o governo deve ficar armado com a auctorisação para rever a lei eleitoral na parte da circumscripção do districto de Lisboa, podendo augmentar o numero de deputados no circulo n.° 70 (cidade de Lisboa).
Mando, pois, para a mesa estas propostas ou emendas, e espero que a illustre commissão as attenderá como for de justiça.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Artigo 175.° ... no 1.° domingo do mez de outubro. = Pedro Franco.

Artigo 176.° Cada assembléa primaria compor-se-ha de uma freguezia ecclesiastica.= Pedro Franco.

Artigo 182.° Faço minha a proposta do sr. ministro com respeito ao § unico n.ºs 1.°, 2.° e 3.° do artigo 194.° do seu projecto. = Pedro Franco.

Artigo 185.° As commissões que, nos termos da legislação em vigor, teem de elaborar o recenseamento eleitoral de Lisboa, organisarão conjunctamente com os respectivos recenseamentos tres listas:
1.ª Comprehendendo todos os médicos e cirurgiões residentes no municipio, exerçam clinica ou não.
2.ª Comprehendendo todos os pharmaceuticos residentes no município, exerçam ou não a sua profissão.
3.ª Comprehendendo todos os professores de qualquer grau residentes no municipio, estejam em activo serviço, quer jubilados ou retirados.
(§ 1.° as palavras "n.° 2 deste artigo", passam a ser "n.° 3 d'este artigo".)
§ 2.° Os prasos para a affixação e publicação destas listas, e para as reclamações e recursos, são os mesmos do recenseamento ordinario.
§ 3.° Para este effeito considera-se o primeiro dia da exposição do recenseamento alterado, aquelle em que as commissões de recenseamento, que pelo § 1.° do artigo 312.° são chamadas a funccionar, concluirem os seus trabalhos.
§ 4.° A datar desse dia os prasos para os recursos serão marcados dia a dia, de conformidade com os quadros dos prasos para a elaboração dos recenseamentos eleitoraes a que se refere a lei de 21 de maio de 1884.= Pedro Franco.

Artigo 188.° ... cada freguezia. = Pedro Franco.

Artigo 194.°, § unico:
1.°
2.°
3.°
Faço minha a proposta do sr. ministro, passando o § único a § 1.°
§ 2.° O seguimento de todo o processo eleitoral será regulado pela lei em vigor. = Pedro Franco.

Artigo 217.°:
N.° ... Calçada da Ajuda a Cintra por Queluz. = Pedro Franco.

Art. 228.°:
§ 3.° Logo que seja convertido em lei o presente projecto, fica auctorisada a camara municipal de Belém a reformar o seu thesoureiro com metade da media do vencimento que percebeu nos tres ultimos annos, visto ser supprimido o logar pela extincção do concelho, e ter mais de vinte e dois e annos de bom e effectivo serviço. = Pedro Franco.

Art. 230.° Os expostos e creanças subsidiadas a cargo da camara municipal de Belém passam a cargo da santa casa da misericórdia de Lisboa, = Pedro Franco.

Art. 231.° É o governo auctorisado a alterar a circumscripção eleitoral do districto de Lisboa, podendo augmentar o numero de deputados no circulo n.° 70, cidade de Lisboa. = Pedro Franco.
Foram admittidas.

sr. Azevedo Castello Branco (para um requerimento):- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a matéria sufficientemente discutida.
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que tiverem propostas a mandar para a mesa podem fazel-o.
O sr. Ribeiro Cabral: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Substituição ao artigo 318.° da proposta ministerial o 228.° do projecto da commissão:
Art. 228.° Todos os empregados, quer do estado, quer das camaras municipaes de Lisboa, Belém e Olivaes, cujas condições possam ser alteradas pela presente lei, serão conservados em todos os seus direitos, incluindo os actuaes ordenados e emolumentos, logo que tenham sido nomeados para logares creados até 10 de abril de 1885. = Ribeiro Cabral.
Foi admittida.

O sr. Jalles:-Proponho que o artigo 195.° do projecto seja substituido pelo seguinte:

Em todos os districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes haverá um tribunal ordinario do contencioso administrativo, composto de cinco magistrados.
Que o artigo 196.° seja substituído pelo seguinte:
Os vogaes do tribunal administrativo serão nomeados pelo governo sobre lista tríplice proposta pela junta geral.
§ 1.° No districto de Lisboa será esta lista proposta pela camara municipal e pela junta geral.
§ 2.° Identico ao paragrapho único.
Que o artigo 203.° seja substituído pelo seguinte:
Os vogaes effectivos do tribunal administrativo deverão ter residencia permanente na capital do districto.
No artigo 206.° § 1.° a seguinte substituição:
Estes vencimentos serão pagos pelo cofre da junta geral.

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SESSÃO NOCTURNA DE 20 DE JUNHO DE 1885 2499

§ 2.º Em Lisboa a camara municipal contribuirá com metade da despeza.
Sala das sessões da camara, em 19 de junho de 1880. = Antonio Maria Jalles."
Foi admittida.

O sr. Jayme da Costa Pinto: - Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Proponho no artigo 210.º a substituição seguinte:
Art. 215.° A junta geral do districto de Lisboa compor-se-ha de vinte e um procuradores e conservará todas as suas attribuições, quer administrativas, quer tutelares, mas em ambos os casos a sua acção não abrangerá por forma alguma o municipio de Lisboa, comprehendido pelos limites indicados no artigo 1.° d'esta lei.
§ unico. Cessa na junta geral a representação por Lisboa e Belém. = O deputado, Jayme Arthur da Costa Pinto.

Titulo XII, capitulo I:
Proponho ao artigo 253.° a substituição seguinte:
Artigo 253.° Em substituição ao actual concelho de districto haverá no districto de Lisboa um tribunal ordinario do contencioso administrativo composto do cinco magistrados. = O deputado, Jayme Arthur da Costa Pinto.

Proponho que ao artigo 227.° se acrescente o seguinte:
N.° 4.° A pagar, pelas forças do orçamento, ajunta geral do districto de Lisboa os subsidios em divida pela viação districtal até á publicação da presente lei. = O deputado, Jayme Arthur da Costa Pinto.
Lidas na mesa, foram admittidas.

O sr. J. J. Alves:- Mando tambem as seguintes propostas :

Titulo XIII; ao artigo 228.°:
§ 1.° A nova camara municipal, na reorganisação dos seus serviços, poderá supprimir os empregados que julgar inúteis, collocando estes nos logares de addidos, sendo-lhe expressamente prohibido nomear novos empregados emquanto existirem addidos. = J. J. Alves.

Titulo XI:
Substituo ao artigo 193.°:
No mesmo decreto de dissolução o governo nomeará uma commissão de sete membros para satisfazer ao expediente dos negócios municipaes, em quanto não entrar em exercicio a nova camará, sendo escolhidos de preferencia para esta commissão os individuos que tenham feito parte das vereações transactas, pela ordem dos mais antigos, e que não estejam incluidos nos n.ºs l, 2 e 3 do artigo 189.° = J. J. Alves.

Titulo X, capitulo V:
Proponho a eliminação dos artigos 185.°, 186.°, 187.° e paragraphos, e 188.°. = J. J. Alves.

Titulo X, capitulo I:
Ao artigo 175.° substituo:
A eleição da camara municipal realisar se-ha independente de qualquer convocação no terceiro domingo de cada triennio para eleger trinta e um vereadores. =J. J. Alves.
Foram admittidas.

O sr. Azevedo Castello Branco: - Também tenho propostas a mandar para a mesa. São as seguintes :

Proponho que o § unico do artigo 230.° do titulo XIV, seja substituido da seguinte fórma:
Se algum d'elles, porém, se não quizer sujeitar á incompatibilidade definida no artigo 57.°, ficará fazendo parte do quadro com o vencimento annual de 700$000 réis.
Sala das sessões, em 18 de junho de 1885. = Azevedo Castello Branco= Adriano Cavalheiro = Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Admittida.

Artigo 221.° § 1.°:
Proponho que a parte das freguezias do Beato e Olivaes que ficam de fora da circumvallação do novo municipio de Lisboa fiquem ainda assim fazendo parte do mesmo municipio para os effeitos administrativos.
Sala das sessões, 20 de junho de 1880. = O deputado, José de Azevedo Castello Branco.
Admittida.

Leram-se tambem na mesa as seguintes

Propostas

Proponho que o titulo X do parecer em discussão, formação da camara municipal, seja substituido pelo titulo X da proposta ministerial com as modificações seguintes:
Emenda ao artigo 194.° do capitulo II da proposta ministerial :
As listas de votação, escriptas a lápis ou a tinta de qualquer cor ou lithographadas, hão de ser feitas de papel branco, não transparente, nem riscado, sem que tenham no lado externo, qualquer designação, marca ou signal.
Emendas aos artigos 229.° e 230.° do capitulo IV da proposta ministerial:
Proclamado vereador qualquer cidadão, não lhe serão contados mais votos, nem o seu nome tornará a ser lido, ainda que o mesmo nome seja o primeiro de outras listas.
Se assim não ficar preenchido o numero de vereadores a eleger, proceder-se-ha do mesmo modo em relação aos que occuparem o segundo logar nas mesmas listas, sendo para esta o quociente eleitoral igual às seis sétimas partes desprezadas as fracções do quociente resultante da divisão do numero das listas a escrutinar pelo numero dos vereadores a eleger.
Se tambem assim não ficar satisfeito o numero de vereadores a eleger, do mesmo modo se procederá com os que tiverem o seu nome em terceiro logar, passando para estes o quociente eleitoral, igual a 7/8 do quociente acima indicado.
E assim successivamente segundo a mesma lei (a).
Se algum cidadão obtiver votos em primeiro logar n'umas listas e n'outras em segundo, terceiro e seguintes, serão sommadas as fracções que exprimirem em cada logar a relação entre o numero por elle alcançado nesse logar e o respectivo quociente eleitoral, logo que esta somma seja igual alo mesmo cidadão será proclamado.
Emenda ao artigo 231.° do mesmo capitulo IV:
No caso considerado n'este artigo serão preferidos os cidadãos que tenham obtido maior numero de votos em primeiro logar, depois em segundo, e assim successivamente.
Se ainda houver empate, será a questão resolvida pelas causas de preferencia indicadas, n'outra proposta, pelo auctor d'esta.
Emenda ao capitulo V da proposta ministerial:
O processo da eleição das commissões especiaes, menos a das obras publicas, será o mesmo que o da eleição dos vereadores, que fica prescripto no capitulo IV. = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Foi admittida.

(a) Sejam:
V - o numero dos vereadores a eleger;
l- o numero das listas a escrutinar;
i- o numero de ordem de inscripção dos nomes das listas.

O quociente eleitoral é = 4+i/5+i . l/v

Página 2500

2500 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sendo por este projecto de lei desannexadas do concelho dos Olivaes as tres freguezias que lhe dão maior rendimento, como se vê do mappa do rendimento dos impostos indirectos sobre vinho e carnes seccas, no anno de 1884, em que a parte com que contribuiram essas freguezias se acha representada pela quantia de 2:138$383 réis sobre um total para todo o concelho de 7:273$235 réis; tendo alem disso sido gasto em estradas e outras obras de utilidade publica nessas freguezias uma parte importante do empréstimo de 80:000$000 réis, levantado ha tres annos pela camara, e cujos encargos annuaes são approximadamente de 5:000$000 réis;
Proponho que:
1.° No artigo 220.° entre as palavras "réis e passarão para o municipio de Lisboa", sejam intercaladas as seguintes: "e uma parte dos encargos do concelho dos Olivaes na importancia annual de 1:000$000 réis".
2.° Ao artigo 227.° seja acrescentado integralmente o § único do n.° 3.° do artigo 316.° do projecto apresentado pelo governo que começa deste modo: "para os effeitos administrativos...º etc. = O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.
Foi admittida.

Proponho que as commissões que elaboraram o projecto sejam convidadas a additar os artigos indispensáveis para:
1.° Definir as attribuições das juntas de parochia, indicando explicitamente sob que tutela ficam estas corporações administrativas;
2.° Fixar a séde e denominação do actual districto de Lisboa;
3.° Determinar as modificações indispensáveis na lei eleitoral na circumscripção nos circulos de deputados. = R. A. Pequito.

Foi admttida.

Proponho que o dia da eleição das commissões especiaes seja fixado para quinze dias depois da eleição da camara municipal (artigo 187.°) = R. A. Pequito.

Proponho que o § único do artigo 230.° seja assim redigido :
A incompatibilidade a que se refere o artigo 57.° subsiste apenas para estes funccionarios em relação aos empregos em que foram providos depois de 10 de abril de 1885. = R. A. Pequito.
Admittida.

Titulo II:
Rectificação:
A proposta enviada para a mesa em 15 de junho devia dizer respeito á lei de 11 de junho de 1880 e não á de 2 de maio de 1878: por isso na acta respectiva a pag. 4 onde se lê: "Fica por este modo alterada a disposição do artigo 56.° da lei de 2 de maio de 1878", deve ler-se: "Fica por este modo alterada a disposição do artigo 3.° da lei de 11 de junho de 1880." = Lobo Lamare.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - Todas estas propostas vão às commissões reunidas.
O sr. J. J. Alves:-Peço a v. exa. que tenha a bondade de me dizer quaes os nomes dos oradores que ainda estavam inscriptos.
O sr. Presidente:-Estavam inscriptos os srs.: Adriano Cavalheiro, Rodrigo Pequito, Santos Viegas, Pedro Augusto Franco, J. J. Alves, Rocha Peixoto, Jayme da Costa Pinto, João da Silva Ferrão, Azevedo Castello Branco, Eduardo Cabral, e Franco Castello Branco.
O sr. J. J. Alves (para um requerimento}: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que sejam transcriptos na acta os nomes dos oradores que estavam inscriptos para tomarem parte na discussão.
Consultada a camara, assim se resolveu.
O sr. Rocha Peixoto (sobre o modo de propor):- Não pedi a palavra sobre o modo de propor para solicitar a permissão de mandar para a mesa as minhas propostas, porque me dá esse direito o artigo 84.° do regimento, por isso que eu estava inscripto para fallar sobre o projecto.
O fim para que pedi a palavra foi para lembrar a v. exa. e á camara que me parecia que a minha proposta, relativa á camara municipal, deve ser remettida unicamente á commissão de administração publica, e não a esta e á de fazenda.
O sr. Pequito: - Em virtude da indicação que acaba de fazer o sr. Rocha Peixoto, tomo a liberdade de lembrar que uma das propostas por mim apresentadas, em referencia a um dos pontos do projecto, que é o ensino primário, só póde ser apreciada pelas commissões que se occuparam do estudo do projecto, e portanto não me parece que a commissão de administração seja competente para dar parecer sobre aquella proposta.
O sr. J. J. Alves:-Entre as propostas que estão sobre a mesa ha duas minhas, cujo assumpto prende com o mesmo a que se referiu o sr. Pequito, a instrucção primaria e por isso parecia-me conveniente que ellas fossem remettidas às commissões reunidas.
O sr. Presidente : - O sr. Rocha Peixoto pretende que as propostas que estão sobre a mesa e que referem aos titulos que têem estado em discussão, sejam enviadas á commissão de administração, e o sr. Pequito pediu que, alem da commissão de administração, seja tambem ouvida a commissão de fazenda, e igual pedido acaba de fazer o sr. Alves.
Foram as commissões reunidas de administração e de fazenda que deram parecer sobre o projecto, e portanto entendo que a essas mesmas commissões devem ser remettidas todas as propostas apresentadas durante a discussão. (Apoiados.)
Em vista da manifestação da camará, as propostas serão remettidas às commissões reunidas.
Agora vae proceder-se á votação dos titulos que têem estado em discussão.
Leram-se os titulos X, XI, XII, XIII e XIV que foram approvados, salvas as emendas.
O sr. Pereira dos Santos:- Por parte da commissão lê obras publicas mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre a proposta do governo relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa.
O sr. Presidente: -Vae a imprimir.

Está levantada a sessão.

Eram onze horas e um quarto da noite.

Redactor. - S. Rego.

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