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2540 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

muito tempo a unica de que certos politicos se alimentavam, a de que os estados se governam como as casas particulares, cortando nas despesas sempre que as receitas lhes são inferiores, e tendo como unica preoccupação um equilibrio orçamental, feito á custa do progresso, bem estar e desenvolvimento do paiz.
Não venho fazer a epopéa do credito. Ha muito que ella está feita. Sobre elle tem-se dito e tem-se escripto tanto, os factos pelo seu lado são de tal valor, que hoje já ninguem medianamente illustrado contesta de boa fé a sua necessidade e conveniencia.
É claro que o recurso ao credito deve ser usado com rigoroso criterio, aliás trará como consequencia fatal a ruina e a anarchia.
Mas o mesmo succede com o imposto. Não nos illuda-mos. Se o illustre deputado lançar impostos com que não possa a materia collectavel, chegará tão depressa á bancarota, como se recorrer ao credito constante e exageradamente. (Apoiados.)
E note o illustre deputado que não é necessario fazer a distincção que s. exa. apresentou, de bancarota orçamental e de bancarota economica do paiz.
Não sei mesmo o que é bancarota orçamental. Se é o desequilibrio do orçamento, devo dizer que nunca ninguem lhe chamou d'aquella forma.
Ha cincoenta annos que temos este desequilibrio, o que prova que o mal não é só dos estadistas, mas está antes n'outra parte.
Ha cincoenta annos que os financeiros de todos os partidos se succedem no poder, sem conseguirem fazel-o desapparecer. O que importa saber acima de tudo é o que tem succedido ao paiz n'esse lapso de tempo. Só isso nos dará o verdadeiro conhecimento da nossa situação. Concordo, porém, em que se torna indispensavel não recorrer ao credito por forma que, em logar de se fomentar a riqueza material do paiz, se vá unicamente sobrecarregar o orçamento do estado com novos juros, representantes de novos sacrificios.
O illustre deputado attribue aos emprestimos o nosso mal estar financeiro. Eu considero-os, porém, antes um effeito do que uma causa.
Eu hei de mostrar o que tem sido o recurso ao credito em Portugal. E é facil demonstrar que desde 1834 até hoje os desvarios dos partidos que imaginam poder com os movimentos das ruas e os programmas pomposos de apparencia, mas falsos no fundo, salvar a nação, só tem servido para crear situações as mais prejudiciaes para o thesouro. (Apoiados.)
Já n'esta casa e n'outra discussão mostrei á face de elementos estatisticos, quaes foram os periodos da nossa historia moderna em que a divida publica mais cresceu em Portugal. Por isso o não julgo necessario fazer agora.
S. exa., que é incontestavelmente illustrado, mas que é tambem incontestavelmente faccioso, explicou o avultadissimo crescimento da divida publica nos Estados Unidos pela guerra civil que houve ha annos n'aquelle paiz entre os estados do norte e os estados do sul, por motivo da abolição da escravatura. Esqueceu-lhe porém que tambem nós tivemos uma guerra civil, bem prolongada e custosa.
Pois esse facto serve-lhe para attenuar as responsabilidades dos homens que têem governado os Estados Unidos, e occulta que a liberdade em Portugal foi conquistada á força de armas e que o fermento da guerra civil bem póde dizer-se que durou trinta annos, desde 1820 a 1851? Na nossa avultada divida por quanto figuram aquelles acontecimentos? Já os vi calculados em mais de 100.000:000$000 réis para o total da nossa divida.
Eis o motivo por que eu chamo faccioso a similhante processo de argumentar.
Pois temos a peior de todas as calamidades, a guerra civil, que, alem de nos absorver grossas quantias em moeda, destroe em grande parte a materia collectavel, desorganisa inteiramente os serviços publicos, a ponto de ser preciso crear uma administração inteiramente nova, paralysa as industrias, intimida e aniquila toda a actividade e iniciativa do paiz, e isso que é elemento de ponderação para a critica de administrações estrangeiras, não serve para Portugal? Aqui tudo se explica pelos emprestimos e pela incapacidade ou desleixo dos governantes actuaes!
E o illustre deputado, que é um historiador sabejamente provado, deve saber, que as phases da vida nacional se ligam e encadeiam tão intimamente, que não se póde fazer justiça-a uma epocha, sem conhecer e ponderar bem o caracter das epochas immediatamente anteriores.
Sem isso as relações de causa e effeito ficarão inteiramente desconhecidas. Faça-o porém, e nada lhe dará tanto a medida do muito que o paiz tem progredido e melhorado desde 1834, e mais especialmente desde 1851, como a imagem viva do Portugal do principio do seculo, mendigando nas portarias dos conventos e nos pateos da fidalguia, enervado e embrutecido por 200 annos de um viver esterelisador, imbecil, grosseiramente fanatico, chinez emfim. Recorde ainda, que durante esse tempo as outras nações acompanharam o caminhar das idéas, e o desenvolvimento das industrias. Só nós e a Hespanha ficavamos estranhos a todo o grande movimento do seculo XVIII, aferrados a antigas manias como somnambulos ou idiotas. Talvez alguns me fallem de Pombal. Mas ainda a esses eu responderei, que Pombal é apenas um parenthesis, e antes de vida artificial do que real. Arredado o homem, o artificio foi-se como elle. (Vozes: - Muito bem.)
E visto que fallei de Pombal, vou aproveitar o ensejo para apresentar á camara uma proposição que eu julgo fundamental.
É necessario não confundir a riqueza do estado com a riqueza da nação.
O estado póde ser rico e a nação estar decadente. Ao contrario um estado individado póde representar uma nação riquissima. Mas mediocre financeiro aquelle, que outra cousa vir diante de si além da riqueza da nação. A sua gloria não será duradoura.
Assim no tempo do marquez de Pombal o estado era innegavelmente rico.
Pôde gastar rios de dinheiro na fundação de industrias, que infelizmente não vingaram; póde reconstruir Lisboa, póde crear poderosas companhias monopolisadoras; e póde finalmente sustentar com energia uma guerra com a Hespanha e a França, pagando custosos mercenarios, levantando fortalezas, e equipando um dos melhores e mais numerosos exercitos que o paiz tem visto. E tudo isto se fez sem ruina para o thesouro, que antes deixou uma lenda de millionario.
E o paiz era igualmente rico?
Leiam-se os documentos do tempo, estude-se a vida social de então, e ver-se-ha que o paiz continua definhando amortecido; que as altas classes vivem como o estado principalmente da exploração das minas e riquezas do Brazil, o grande productor de então, e da venda dos empregos ; que o povo, rotineiramente agricola, mal póde com os dizimos, as commendas, e as extorsões do fisco.
Por isso a ruina vem perto, a ruina de todos, do estado como da nação. 1825 será apenas a derradeira agonia do Portugal de 1640.
Vejâmos agora um exemplo contrario.
Em 1815, ao findar das guerras napoleonicas, na Inglaterra, o estado via-se a braços com uma divida prodigiosa, nunca vista.
Durante a guerra os proprios estadistas inglezes apavorados com a enormidade dos sacrificios que ella exigia, mais de uma vez pensaram em se submetter á sua terrivel rival. A tenacidade incomparavel do genio saxonio passou pelas mais rudes provas.
Terminada porém a guerra e analysada a economia da nação, o que se viu?