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N.º 44. Sessão de 18 de JUNHO. 1853.

PRESIDENCIA DO Sr. FREDERICO GUILHERME DA SILVA PEREIRA.

Vice-Presidente

Chamada: — Presentes 79 srs. deputados.

Abertura: — Um quarto de hora depois do meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDÊNCIA A.

Declarações: — 1.ª Do sr. Maia (Francisco) que não pôde assistir á sessão de hontem por motivo justificado. — Inteirada.

2.ª Do sr. Palma — de que faltou ás sessões de 16 e 17, por incommodo de saude. — Inteirada.

3.ª Do sr. Sampayo — de que o sr. Cazal Ribeiro não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

4.ª Do sr. Paredes — de que o sr. Menezes e Vasconcellos não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do ministerio da guerra, devolvendo, com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento do cirurgião que foi do exercito, Manoel José da Rocha. — Á commissão de guerra.

2.º Do mesmo ministerio, devolvendo, com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento do capitão addido ao castello de Matosinhos, Manoel José Ribeiro. — Á commissão de guerra.

3.º Do mesmo ministerio, devolvendo, com as informações que lhe foram pedidas, o requerimento do capitão, governador da praça de Villa-Nova da Cerveira, Tristão de Araujo Abreu. — Á commissão de guerra.

4.º Do mesmo ministerio, acompanhando a relação dos officiaes que pertenceram á guarda municipal de Lisboa e Porto, e que são considerados do exercito, na conformidade do decreto de 6 de junho de 1851; satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Para a secretaria.

Representações: — 1.ª Da camara municipal de Paredes, pedindo que se conceda um gráo academico aos alumnos das escólas medico-cirurgicas. — Á commissão de instrucção publica.

2.ª Da camara municipal da villa do Conde, pedindo o mesmo que a antecedente. — Á mesma commissão.

3.ª Da camara municipal da Povoa de Varzim, pedindo o mesmo que as antecedentes. — Á mesma commissão.

4.ª Da camara municipal da Maya, pedindo o mesmo que as antecedentes. — Á mesma commissão.

5.ª Da camara municipal de Mesão-frio, sobre o mesmo objecto que as antecedentes. — Á mesma commissão.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte

1.º Requerimento: «Requeiro que se poça ao governo, pelo ministerio da marinha, se envie com urgencia a esta camara a informação da inspecção do arsenal da marinha, sobre o seguinte:

1.º Se com os meios de que póde dispor o arsenal da marinha, tanto em pessoal, como em material, machinas, o dias de trabalho, e com as verbas respectivas, propostas no orçamento da marinha, abatendo as importancias do custo de um brigue, que vai construisse em S. Martinho, o do que corresponde á conclusão do pagamento do vapôr Duque de Saldanha

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quantias que tem de pesar sobre a verba para material) será possivel concluir até ao fim do anno economico de 1853 a 1854 os concertos de todos os navios do estado, que precisam e merecem fabricos.

2.º No caso de não serem sufficientes para o referido fim Os meios propostos, qual é a verba supplementar, que será necessaria, além das respectivos do orçamento, para que o arsenal de marinha fique em circumstancias de poder até ao fim de 1853 a 1854 concluir os fabricos dos navios do estado, que os precisam e merecem, lendo em vista o estabelecimento de todos os agentes e meios de operar indispensaveis para o fim indicado — como adoptar um plano inclinado a uma das carreiras do arsenal — preparar um navio para barcaça — comprar as madeiras proprias, e mais material — pagar os trabalhos aos sabbados — as empreitadas, ou quaesquer outros meio, que em logar destes se julguem necessarios» — Arrobas.

Foi enviado ao governo.

2.º Requerimento: — » Requeiro que se peça ao governo, que pelo ministerio da marinha se envie com urgencia a esta camara a informação da maioria general sobre se os seus vapores Aigos e Lince são proprios para o serviço de fiscalisação no ministerio da fazenda na costa do Algarve era todas as estações.

No caso de não serem proprios para esse fim quaes são os motivos, porque são assim julgados, indicando quaes são os inconvenientes, que se podem seguir de os empregar neste serviço, e qual o serviço em que podem com vantagem ser empregados.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

3.º Requerimento: — «Requeiro que se peça ao governo que pelo ministerio da fazenda se envie com urgencia a esta camara uma nota do custo primitivo e mais despezas que se fizeram com os vapôres, Argos, Lince, e Tojal, até armarem promptos para o serviço do ministerio da fazenda.

Qual era a idade do vapôr Tojal quando foi comprado pelo governo portuguez, e em que serviço se empregava. « — Arrobas.

Fui remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

1.º Requerimento: — «Tendo eu pedido que fosse remettido a esta camara um mappa do vinho e agoardente exportada para Africa, acha-se remettido pelo governo, o dicto mappa na secretaria; e por isso roqueiro que seja remettido á commissão do agricultura.» — Visconde da Junqueira.

Foi admittido e logo approvado.

2.º Requerimento: — «Requeiro que o projecto sobre vinculos que apresentei na sessão de 19 de abril passado, seja publicado no Diario do Governo — Visconde da Junqueira.

Foi admittido e logo approvado.

3.º Proposta. — Proponho que o sr ministro da fazenda seja convidado para fazer inserir no Diario do Governo:

1.º A conta do que tem entrado no thesouro, pertencente no producto da propriedade nacional, vendida em virtude do decreto de 30 de agosto de 1852, com designação das especies, e declaração da existencia em cofio.

2.º Uma igual conta do rendimento do contracto do tabaco mandado entrar no thesouro publico por decreto de 9 de Outubro do 1852, com declaração da sua applicação e existencia» — Carlos Bento

Foi admittida e logo approvada.

4.º Requerimento: — Do sr. Silvestre Ribeiro, para que o governo remetta á camara todos os documentos officiaes em virtude dos quaes se restabeleceram as relações entre o governo de Portugal e a legação do Brazil em Lisboa.

Foi admittido.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello) — Sr. presidente, o negocio a que se refere o requerimento do illustre deputado, é da competencia do ministerio dos negocios estrangeiros, e neste momento não está presente o meu collega daquella repartição. Posso dizer a v. ex.ª, e á camara, que o governo não tem duvida em mandar, como se pede, a cópia da correspondencia havida entre o governo de Portugal e o do Brazil, sobre a questão a que se refere o requerimento; mas o que não posso dizer desde já, é se será opportuno mandar o governo immediatamente os documentos, que o nobre deputado deseja. Se s. ex.ª tivesse a bondade de esperar pelo meu collega, que de certo virá aqui hoje, e é mais competente do que eu, elle diria sé neste momento podem mandar-se os documentos n que allude o illustre deputado.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Convenho em que se espere pela presença do sr. ministro dos negocios estrangeiros, quanto á opportunidade de apresentar esses papeis; peço, comtudo, a v. ex.ª que, Jogo que s. ex.ª chegue, se tracte deste negocio.

O sr. Affonso Botelho: — Sr presidente, oa povos do Douro, tendo-me confiado a sua procuração, para os representar no parlamento, no momento em que os decretos de 11 de outubro do 1852 alteraram a legislação que regulava o commercio dos vinhos daquelle districto, offereceram-me um posto de honra, que eu não devia rejeitar; por isso procurarei todas as occasiões de corresponder á confiança que em mim depositaram, e com esse fim tenho a honra de offerecer dois projectos de lei, fazendo algumas modificações no decreto deli de outubro, especialmente substituindo os artigos 4.º e 5.º daquelle decreto. Peço que elles sejam impressos, e os seus relatorios, no Diario do Governo, porque no adiantamento em que está a sessão, já não será possivel tractar desta materia, mas habilitar-se-ha a opinião das pessoas interessadas. Não quero cançar a camara com uma exposição mais longa, só pediria aos meus collegas, que desejam instruir se nesta importante materia, que lessem a discussão que precedeu a lei de 21 de abril, e o ultimo discurso pronunciado na camara hereditaria pelo sr. visconde de Castro, uma das mais solidas intelligencias que eu conheço, e um dos homens mais competentes para ser ouvido nestas importantes questões.

Peço, pois que os projectos sejam impressos no Diario do Governo com a brevidade possivel.

Ficaram para segunda leitura

O sr Vasconcellos e Sá — Todas as nações civilisadas estão fazendo os maiores sacrificios para melhorar as suas vias de communicação para passageiro, e mercadorias; por toda a parte se construem caminhos de ferro, estradas empedradas e canaes; nós desgraçadamente ainda não temos nem estradas empedradas, o os nossos rios navegaveis são os que a natureza fez taes: ainda não conhecemos a primeira

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base da navegação interior — as eclusas — por isso o nosso commercio interno está como se sabe.

Sr. presidente, tenho fé que havemos de ter caminhos de ferro, especialmente o que ha de unir a cidade de Lisboa á do Porto; a este caminho vão unir-se as estradas do interior, e elle ha de atravessar o, rios que já em parte são navegaveis. Entre estes rios o que mais se proporciona para melhorar a navegação, é seguramente o rio Vouga, pela sua pouca quéda: e desde o tempo do marquez do Pombal se tem feito estudos para o tornar navegavel até S. Pedro do Sul; mas estes estudos não tem sido regulares, e estão muito longe de serem como a sciencia do dia exige. É por isso que eu pedi a palavra para, quando estivesse presente o sr. ministro das obras publicas, pedir a s. ex.ª que mandasse, quando possivel, proceder aos estudos technicos no rio Vouga, pura o tornar navegavel até S. Pedro do Sul, e conhecer quaes são as obras que ha a fazer, e o seu custo.

E não se diga que o rio Vouga tem pouca agua, porque á falla de exemplos entre nós, citarei o canal do centro em França que, com o seu grande movimento, apenas dispende 16:000 metros cubicos de agua em 24 horas; e o sr. ministro das obras publicas, não só como homem de estado, porém mesmo como official engenheiro, conhece bem a importancia do melhoramento de que se tracta.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Eu acompanho o illustre deputado nos seus bons desejos em quanto a tornar navegavel até uma maior estensão nas diversas estações do anno o rio Vouga; a navegação deste rio pela sua importancia merece de certo a attenção do governo e do corpo legislativo.

Se o illustre deputado deseja que o governo separe desde já uma somma para se proceder ás obras necessarias no rio, a fim de se tornar navegavel, isso de certo com os escaços meios que estão á disposição das obras publicas, não será possivel; se o illustre deputado, porém, deseja, como parece, que o governo mande proceder aos estudos necessarios, para que habilitado com elles possa propôr o que fôr necessario, eu não terei duvida de mandar fazer esses estudos, e habilitar-me a poder esclarecer a opinião da camara, para ella resolver o que fôr melhor.

Creio que é este o desejo do illustre deputado, e se é, e eu o intendo bem, não terei duvida nenhuma em proceder como disse.

O sr. Vasconcellos e Sá — O meu desejo é que o governo mande proceder aos estudos das obras necessarias no rio Vouga, porque tenho razões para acreditar que depois desses estudos feitos, se a obra não fôr de uma importancia extraordinaria, com algemas concessões do governo, é muito facil formar uma empreza para a levar a effeito.

O sr. Bivar: — Sr. presidente, visto estar presente o sr. ministro da fazenda, eu não posso deixar de chamar a sua attenção sobre os vexames que estão soffrendo os pescadores do Algarve, porque quando não podem lá vender toda a sua pescaria fresca, têem de a salgar e vir a Lisboa procurar-lhe consumo; mas succede que a aqui se lhes exige novamente o pagamento de direitos, que já pagaram no Algarve, e alguns dos pescadores pagam esses novos direitos que se lhes exigem, ou porque não se querem demorar, ou porque não sabem recaleitrar, e áquelles que se oppõem a essa exigencia, diz-se que não pagaram pelo peixe fresco o que deviam pagar, avalia-se-lhes a pescaria, e fazem-lhes pagar a supposta differença de direitos.

Estes vexames são feitos a uma classe numerosa e desvalida; os clamores contra elles são muitos, e por isso pedia eu a s. ex.ª que, tomando este objecto na mais séria attenção, procurasse por uma medida pôr um termo ao arbitrio que se esta exercendo a este respeito, e espero que o sr. ministro se interesse neste negocio, por isso mesmo que s. ex.ª foi tambem eleito, assim como eu, pela provincia para a qual peço remedio.

O sr. ministro das obras publicas: — Sr. presidente, é certo que eu sabia que me fóra annunciada uma interpellação pelo illustre deputado, no intuito de remover alguns vexames de que se queixam os pescadores, especialmente do Algarve; mas creio que tambem de alguns outros pontos do reino. (O sr. Maia (Francisco). — De todo o reino) Este negocio, como v. ex.ª, sr. presidente, e a camara podem perceber, é importante debaixo de muitos pontos de vista, e importante mesmo pelo que diz respeito a uma classe laboriosa, e digna da attenção do governo e da camara; comtudo é certo que para o resolver ha diversas considerações que se devem ter em vista, além do interesse que causam os individuos empregados nas pescarias; e eu julguei que não devia vir trazer á camara uma opinião definitiva sobre este objecto, sem ter examinado o que se informa de um e outro lado pela auctoridades do governo, e pelas pessoas mais conspicuas sobre o assumpto de que se tracta.

Se soubesse que o illustre deputado desejava formular a sua interpellação hoje, eu traria sem duvida os documentos necessarios para poder responder mais cathegoricamente; mas como o illustre deputado deseja por agora chamar a attenção do governo sobre este objecto, eu posso declarar-lhe que o assumpto de que se tracta, me não tem esquecido, que tenho no ministerio da fazenda as representações dos diversos compromissos de alguns pontos do reino, as informações do governador civil do Algarve, as informações mesmo do administrador geral do pescado do reino, e outras que me tem parecido necessario colher para chegar a um resultado definitivo, e creio que as remetti já á illustre commissão de fazenda a requerimento della. (Apoiados) Estão já na camara.

Por isso, terminando, porque mesmo agora não posso, ainda que queira, dar maior desenvolvimento ás minhas respostas relativas ás observações do illustre deputado, direi que o negocio de que se tracta, merece a attenção do governo, e tanto me não descuido deste objecto, que já remetti todos os esclarecimentos que me dizem respeito á illustre commissão de fazenda, onde existem como acabam mesmo de comprovar os membros dessa illustre commissão; e póde o nobre deputado estar certo de que quando o permittirem outras considerações que é necessario attender além daquellas que se apresentam, o governo ha-de fazer justiça inteira, e propôr á camara os meios necessarios pura que ella se faça, se tanto depender da resolução da camara.

O sr. Bivar — Eu estou completamente satisfeito com as explicações que acaba de dar o sr. ministro da fazenda. Conto que s. ex.ª ha de mostrar bastante zelo na resolução deste negocio, como tem mostrado

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em outros; basta para isso a circumstancia de elle dizer respeito a uma classe infeliz; e nestes termos retiro a interpellação que annunciei.

Já que tenho a palavra, aproveito esta occasião para chamar a attenção de s. ex.ª sobre uma necessidade local no Algarve, a que espero que s. ex. com a sollicitude que lhe é propria, providenciará, e tomarei a liberdade de lhe indicar o meio de o fazer sem o menor gravame do thesouro.

Na estrada do litoral do Algarve ha um ponto proximo a Villa-Nova de Portimão, a que convém acudir, a fim de se não difficultar o transito publico. Este ponto é a parte da calçada chamada da Barca, já no concelho de Lagos, mandada construir pelo bispo D. Francisco Gomes de Avellar, a que já alludiu o sr. José Estevão, a fim de que com mais commodidade e facilidade se chegasse ao sitio do embarque, onde vem os barcos de passagem que existem no rio de Portimão. As municipalidades não têem meios; a obra da calçada vai-se deteriorando, e dentro em pouco tempo haverá a mesma difficuldade no embarque que havia antes de se mandar fazer aquella obra, que tendo sido construida ha muito tempo, está quasi arruinada. É verdade que não se tracta agora desta obra; entretanto é uma calçada muito importante, e as camaras não tem meios; porém se o governo fizer caso dos recursos que lhe faculta a lei de 29 de maio de 1843, de certo se lhe proporcionam a elle esses meios: é tornar, como lhe pertence, o exclusivo das barcas de passagem, que ligam as estradas, e que estão hoje em mãos de particulares.

O governo já tem esclarecimentos a este respeito do administrador do concelho de Portimão, e do governador civil de Faro: se fizer caso disto, se chamar a si estas barcas, e mandar applicar os seus rendimentos áquella obra, tem os meios sufficientes para mandar fazer a calçada e concertar as estradas que as barcas ligam. E então pedia a s. ex.ª o sr. ministro da fazenda, que tivesse em vista estas informações, e se prestar um bocadinho de attenção a este negocio, s. ex.ª verá que póde mandar fazer aquella obra sem o menor gravame para o thesouro.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Sr. presidente, esta questão de estradas é agitada por todos os illustres deputados, e reclamada por todas as localidades com igual interesse, com igual empenho, e com igual necessidade.

Eu desejo, o governo deseja, e creio que a camara tambem deseja, que nós occorramos a uma das primeiras necessidades do paiz — á viação publica — mas todos reconhecemos que com os escassos meios que ha para isto, é absolutamente impossivel satisfazer aos desejos dos illustres deputados, e ás exigencias de cada uma das localidades. O governo ou hade dividir o imposto das estradas por todos os districtos e concelhos, e então não se póde fazer mais de um palmo de estrada em cada concelho, o que é absurdo, ou ha-de concentrar em algumas estradas principaes os trabalhos para que possam produzir o resultado que se deseja, e nesse caso ficam descontentes algumas localidades, ou a maior parte dellas.

Reconheço a importancia e a necessidade que ha de pôr em melhor estado a estrada que liga as principaes povoações do Algarve, que é a estrada do littoral, porém tambem é certo que com os meios destinados para as provincias do Alemtejo e Algarve, não é possivel fazer trabalhar na estrada que vem do Algarve para a provincia do Alemtejo, e que ha-de unil-a com o resto do paiz, e trabalhar ao mesmo tempo na calçada, a que o nobre deputado allude, de uma maneira efficaz.

O illustre deputado lembra que se applique para isto o producto das barcas; eu, sem entrar agora nesta questão da maior ou menor difficuldade que ha em se appropriar o estado dessas barcas, direi sómente (e neste ponto não posso responder cathegoricamente, porque nestas cousas não se póde fallar de improviso) que me parece que o producto dessas barcas, hoje em poder de particulares, mesmo quando o estado (ornasse conta dellas, não é sufficiente para fazer esta calçada, com quanto seja sufficiente para sobre elle se levantar um emprestimo, e fazer então a estrada. Mas isto está ligado a outras considerações; ás idéas geraes de credito, de que é necessario uzar em circumstancias opportunas, não só para se levantar o dinheiro sobre esse producto, mas sobre o imposto para as estradas, sendo sem isso impossivel fazel-as. Havemos pois de chegar ao emprestimo quando fôr possivel; mas se acaso se seguir esse alvitre, poderá ser que essa estrada possa considerar-se como fazendo parte do systema geral, applicando para ella alguns fundos, ou que resolvida a questão das barcas se possa levantar uma somma.

O sr. C. M. Gomes — Sr. presidente, em 7 de março eu pedi por via da secretaria da marinha uma serie de esclarecimentos que me eram necessarios, e até hoje ainda não veio resposta alguma. Foi por essa occasião que eu ponderei a necessidade de se adoptarem algumas providencias sobre um assumpto, que é de muito interesse, não só ao ultramar, mas á metropole.

Eu sei, que a nossa agoardente é admittida por excepção nos nossos portos da Africa, em que se faz uma consideravel importação de agoardente do Brazil: chamo a attenção dos legisladores, pára vêr se haveria interesse, em que a agoardente do Brazil deixe de entrar naquellas possessões. Sei alguma cousa a esse respeito, e como essa importação se faz, parecendo-me pelo conhecimento, que já tenho do negocio, que poderia até deixar de existir. No entretanto podendo ignorar ainda alguma cousa, que não está ao meu alcance, pedi alguns esclarecimentos: mas desde 7 de março, ainda não me foi possivel obtel-os.

O sr. Ministro da Fazenda: — Direi ao illustre deputado, que me encarrego de recommendar ao meu collega a maior brevidade em satisfazer aos esclarecimentos que o illustre deputado pediu, e de certo deve acreditar, que não é por má vontade da parte do governo, que não teem sido enviados. (Apoiados) fim quanto o parlamento está aberto, é extraordinario o trabalho nos diversos ministerios para satisfazer aos pedidos das duas camaras, e houve um pedido da camara dos pares para satisfazer, o qual foi necessario, que alguns empregados estivessem occupados 1 mez constantemente só para isso; os pedidos são muitos, é uma cousa extraordinaria, o serviço das repartições precisa não parar, absolutamente: e digo isto só para justificar até certo ponto a demora, que muitas vezes ha em satisfazer aos pedidos dos nobres deputados. Posso assegurar, que não ha nenhum motivo especial para o governo deixar de enviar os esclarecimentos que o illustre deputado pediu, e eu me encarrego de prevenir o meu collega da marinha, para

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que déas suas ordens, a fim de serem remettidos quanto antes.

O sr. Gomes: — Levanto-me de novo para agradecer a s. ex.ª a bondade de se encarregar de lembrar o meu pedido ao sr. ministro da marinha. Faço justiça a este senhor e acredito, que se não tem mandado os esclarecimentos, é isso devido a não poder ter presentes todos os negocios; e tambem reconheço a impossibilidade de satisfazer de prompto a todos os pedidos desta ordem. Mas eu fiz o requerimento, pedindo que fosse satisfeito á proporção que o serviço o permittisse; e alguma cousa se podia talvez ter feito, como a publicação no Diario, das pautas em vigor nas provincias ultramarinas, cuja conveniencia é inquestionavel. (Apoiados)

O st. Paredes: — Sr. presidente, eu pedia palavra para rogar a v. ex.ª que convidasse a illustre commissão de fazenda a dar quanto antes o seu parecer ácerca de um requerimento da camara municipal de Leiria, que pede, a fim de fazer um quartel para o regimento alli estacionado, um edificio arruinado, que era dos frades de Santo Antonio ou de S. Francisco. Parece-me que a pretenção da camara é rasoavel, e mesmo de conveniencia, não só da cidade de Leiria, mas do governo e do regimento ou batalhão, que alli esta estacionado: da cidade, porque pretende arranjar um quartel para a tropa que alli residir; do governo por que lhe convem alli um quartel, em que os soldados tenham mais commodidade, e dos soldados, porque effectivamente ficam mais bem alojados do que estão.

Parece-me que este objecto não é de grande importancia, e pediria á illustre commissão, que com a brevidade possivel apresentasse o seu parecer sobre elle.

Aproveito a palavra tambem, se v. ex.ª me der licença, para agradecer ao sr. ministro da fazenda a declaração, que leve a bondade de fazer, de que tem a peito o encanamento do rio Vouga em beneficio da provincia da Beira. Eu, sr. presidente, sou filho daquella provincia e tenho obrigação de advogar a causa da minha mãi; e pedia licença ao sr. ministro da fazenda para trazer-lhe á memoria a grande conveniencia que resultará do encanamento do Vouga, de que ha tantos annos se tem tractado, mas infelizmente nunca se pôde concluir. A provincia da Beira lavra já grande porção de vinho, mas ainda que queira transportal-o para alguma parte, não tem por onde, porque a estrada de Foz-Dão por onde algum tempo se transportava, está arruinada e com muita difficuldade póde transitar por ella um carro; pelo Vouga seria muito facil transportal-o até Aveiro, e hoje principalmente que naquella barra se tem feito consideraveis melhoramentos, é de uma grande vantagem para toda a provincia, porque tornando-se navegavel o Vouga até S. Pedro do Sul, distam apenas 3 legoas á capital da provincia, que é Vizeu, onde se faz o commercio; ficam 3 legoas apenas de distancia e n'um terreno que não é demasiado montanhoso, p onde seria muito facil arranjar uma estrada que favorecesse esse transporte, dando se assim um grande merecimento á agricultura e ao commercio daquella provincia. Como s. ex.ª tem a peito, segundo eu julgo, promover os. interesse» geraes do paiz e por consequencia daquella provincia, eu uno os meus votos aos do sr. Vasconcellos, para rogar a s. ex.ª que dê a este objecto, a consideração que costuma dar aos de interesse publico.

O sr. Santos Monteiro: — Pedi a palavra por parte da commissão de fazenda para responder ao sr. deputado Paredes. Os papeis a que s. ex.ª se refere, foram remettidos ao governo para elle dar esclarecimentos, e creio que ainda não chegavam; mas o sr. ministro da fazenda teve a bondade de dizer á commissão que hoje havia de assistir a uma conferencia onde se hão de tractar negocios da mesma natureza, e nelles será comprehendido tambem aquelle a que o sr. deputado allude.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma proposta que me parece justificada pella sessão de hoje. É a seguinte:

PROPOSTA. — «Proponho que do dia 20 em diante, a ordem do dia e siga logo á leitura da acta, ficando o expediente para a ultima meia hora.» = Santos Monteiro.

Eu requeiro a urgencia deste objecto. O orçamento está já a distribuir-se, vamos entrar na questão mais importante que aqui nos trouxe, e não são só os srs. deputados das provincias que se querem ír embora, são tambem os de Lisboa. (Apoiados)

A proposta foi declarada urgente.

O sr. Vasconcellos e Sá: — Eu vou mandar para a mesa a seguinte

Proposta: — Proponho que do dia 20 em diante as sessões terminem ás 5 horas. — Vasconcellos e Sá.

(Vozes: — Nada, nada).

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Pedi a palavra para observar que na sessão do anno passado tambem se fez uma proposta similhante a esta, e a camara reconheceu os seus inconvenientes, porque os srs. deputados retiravam-se, e ficavam sobre a mesa os requerimentos e propostas por não haver numero para votar. Parece-me que a mesa não é que gasta muito tempo com o expediente, e Se a camara quizesse que ainda gastasse menos, eu deixaria de ler os officios que vem dos differentes ministerios e mais expediente, assim como se fez O anno passado, submettendo-se só ao conhecimento e resolução da camara os requerimentos e propostas. Se se adoptasse este systema, a mesa não gastaria mais de um quarto de hora ou meia hora com a leitura do expediente; mas em quanto a ficar isso para a ultima hora, ha estes inconvenientes que já o anno passado se reconheceram, e pelos quaes a camara tornou a resolver que se desse conta do expediente no principio da sessão.

O sr. Santos Monteiro: — O meu fim é que nós façamos alguma cousa que dê resultado; porque destas interpellações improvisadas apparecem quasi todos os dias, e não dão resultado nenhum, só levam tempo.

Em quanto á proposta do sr. Vasconcellos para que a sessão acabe ás 5 horas, acho-a muito boa, mas com tanto que todos venham a uma certa hora; fóra disso é prejudicial para aquelles que veem ás 11 ou 11 e meia, e em grande vantagem dos que veem á meia hora.

O melhor é que fiquem as conversas para o fim, muito embora se leia o expediente ao principio; depois da leitura do expediente, ordem do dia, e todas estas palavras para apresentar requerimentos ou outras cousas para o fim da sessão.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu não concordo em que uma resolução destas que transtorna a natureza dos nossos trabalhos, seja tomada assim. O que se ganha ficando para depois O expediente? Deixa

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por isso de tirar o tempo? Tira o tempo da mesma sorte. Ora, sr. presidente, isto são pieguices. (Riso) O que significa consumir o tempo antes e não depois ou depois e não antes? Não e o mesmo? Realmente não estejamos dando todos os dias estes espectaculos pueris. Se a camara quer que se leia o expediente, leia-se mas que significa ficar o expediente para o fim, ou para o meio, virem os deputados cedo ou virem tarde? Todos os parlamentos teem êstes inconvenientes que se notam aqui; foi sempre, e ha de ser sempre assim. Alem disso resoluções destas não as póde v. ex.ª tomar sem consultara camara. Estando ha ordem dos nossos trabalhos marcada a leitura do expediente no principio, porque se ha de mudar? Diz-se: consome-se muito tempo e este tempo que se consome, fique para depois; em logar de se consumir ao meio dia, consuma-se ás 3 horas e meia. Mas ás 3 horas e meia vão-se muitos embora, e não ha numero: ahi teem o resultado.

O sr. Santos Monteiro! — Eu modifico a minha proposta, ficando redigida da seguinte maneira.

Proposta: — Proponho que do dia 20 em diante se entre na ordem do dia á 1 hora da tarde — Santos Monteiro.

E pondo-se logo á votação esta

Proposta do sr. Santos Monteiro — foi approvada.

Proposta do sr. Vasconcellos e Sá — foi rejeitada

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 39 (V. sessão de hontem).

O sr. Pegado: — Sr. presidente, nunca ouvi pronunciar o nome da ilha da Madeira, que me não recordasse pungentemente da minha patria; porque as circumstancias actuaes de ambas suo as mesmas. Esta identidade da sorte faz que ella tome o maior interesses pelo presente estado da nossa ilha, que bem se póde chamar o estado de desesperação, porque os seus habitantes, uns vão-se e deixam o torrão natal; os que ficam, não teem para subsistirem. A ilha da Madeira, a flor do Atlantico como lhe Chamam os navegantes, tem sido a inveja dos estrangeiros, e a vergonha de Portugal; porque tudo quanta ella tem de bom, deve-o á natureza, pouco ao homem, menos aos governos. Os viajantes admiram tanto a sua belleza, a sua magnificencia natural, e a portentosa variedade das suas zonas, como o desleixo da nação a que pertence. Fóra ella dos americanos, ou dos inglezes, que de ha muito teria sido o paraizo terreal; qual lhe cabia por aquellas qualidades, e pela sua posição no globo. A ilha da Madeira é, como todas as nossas possessões de além do Oceano, o testimunho vivo, a prova visivel, ostensiva, e perante do pouco que se tem sabido entre nós governar e administrar. A ilha de Hong-Kong é ingleza, ha menos de 10 annos tem já cáes, planos inclinados para a subida e revista dos navios, docas que os abrigam: os nossos desfazem-se no Tejo sob a acção continua dos ventos, das chutas, e das correntes; tem quarteis espaçosos, hospitaes, armazens, escriptorios officinas, ruas amplissimas: ilha de terreno infecundo, de atmosfera ventosissima, e mal sã, cortada hoje de estradas! A 5 horas de viagem desta ilha está o nosso Macáo, sadio e risonho, que possuimos ha 300 annos. Nada disso tem! Nestes ultimos recentissimos annos alguem, por dedicação ou por curiosidade, tem cuidado de algumas construcções do estado. Os seus habitantes entregaram-se a um só ramo de industria, a uma só occupação, ao commercio, e a um só ramo do commercio. Dahi provieram ás riquezas publicas é particulares. Mas dos seus thesouros nenhuma parte saiu para a formação de uma flotilha, que poderia estender os nossos dominios, nesses tempos, em que Portugal era mais rico, mais poderoso, mais respeitado e temido. N'um dia escapou-lhe aquelle commercio, tudo caiu em desgraça; porque ninguem sabiá outro officio, nem alli se conhecia outro modo de vida. Era uma só a fonte dos recursos dos particulares e do estado. O mesmo aconteceu á ilha da Madeira. A natureza produziu como espontaneamente as vinhas: invadili-as a molestia da videira: foram-se as vinhas, e não havia outra fonte de rendimentos.

E não havia em todos estes acontecimentos alguma especie de improvidencia governativa? O que se pertende agora? Que se varie em culturas, que o sólo dê aos seus habitantes o seu sustento. A cultura do milho começou ha pouco, e promette progredir, é forçoso fomental-a, animal-a por todos Os meios, para que se generalise. Nem se póde e-perar por este expediente ou outro.

Quer-se vêr sé a cultura do tabaco convem mais, ou alguma outra? Examine-se, averigue-se; em quanto se espera pelos resultados deste exame, adopte-se esta medida; porque é certo que alliviando a cultura do milho de um onus que linha, póde generalisar-se mais Se assim não acontecer, derogue-se a legislação; porque no que eu não posso convir, é que haja demora em acudir áquella possessão por todos os meios possiveis, ainda mesmo que nos custem sacrificios. E necessario reflectir sobre Uma cousa. Providencias desta ordem não são unicamente um dever humanitario, mas do decoro e pundonor nacional. As miserias no interior do reino ainda se occultam; mas nas nossas terras, que são todos os dias visitadas pelos estranhos!, é necessario fazer cessar o triste espectaculo do nosso desleixo, da nossa indifferença, inacção, ou ignorancia.

Nenhum districto da monarchia está hoje como a ilha da Madeira. Não se deve, pois, dizer que igual medida se estenda aos mais districtos; ou que sé espere por medidas geraes. Convem-nos ser menos egoistas.

A minha opinião é, que para a Madeira, faça-se o que se puder, por pequeno bem que seja; porque lhe dá alguns recursos, e alimenta a esperança, e a não desanima, e provoca o abandono da ilha. Cuide-se já, já da Madeira, e cuidar-se-ha depois dos outros districtos: a excepção está justificada pela necessidade, pelo principio da humanidade, e pelo brio e decóro nacional. Os proprios estrangeiros têem concorrido com donativos para o soccorro de madeirenses: não é possivel que o parlamento deixe de concorrer tambem para tudo o que tende a melhorar a sua sorte.

Voto não só pelo projecto, mas tambem pelo additamento dó digno e zeloso representante da Madeira, pelo procurador incansavel daquelles povos; porque eu sei sentir como se sentem os fieis interpretes de um povo em desgraça.

O sr. Tavares de Macedo: — Antes de entrar na exame dá materia, devo fazer algumas observações

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obre uma assersão que avançou o illustre deputado que acabou de fallar. O illustre deputado disse — a ilha da Madeira deve tudo á natureza, pouco aos homens, e nada ao governo — Que a ilha da Madeira deve muito á natureza, é proverbial; basta lembrar que se lhe chama — a flor do Oceano — que ella deve pouco aos homens, não sei como similhante cousa se possa dizer. (Apoiados) A ilha da Madeira foi descoberta pelos portuguezes, foi por elles colonisada, foi por elles levada a um alto gráo de prosperidade; é muito povoada, e os seus habitantes estão sendo muitos civilisados; e se se diz que a ilha da Madeira nada deve aos homens, isto, na minha opinião, é desacreditar a raça portugueza.

Disse-se — que a ilha da Madeira nada deve ao governo. Peço licença para lançar um rapido golpe de vista sobre a politica portugueza acêrca da ilha da Madeira, não a politica antiga mas a politica actual. Aquella ilha tem uma pauta de alfandega aonde se estabeleceram direitos que se julgaram rasoaveis; mas acontece que na ilha da Madeira apenas se pagam 40 por cento, em relação ao que pagam os contribuintes do continente europeu, quer dizer, que em 1842 tomou-se uma providencia, a qual existe ainda em vigor, em virtude da qual quando o contribuinte do continente paga 100 réis pelos generos que importa do estrangeiro, o contribuinte da Madeira paga só 40 réis. O contribuinte da Madeira tem sido mais favorecido que o do continente; porque o da Madeira tem sido isento de certos tributos que se tem pago no continente, como, por exemplo, o tributo para amortisação das notas, e muitos outros. £ no entretanto diz-se que a ilha da Madeira não deve nada ao governo!..

Eu perguntarei — se o governo abandona ou tracta mal a ilha da Madeira, quando lhe faz beneficios desta ordem!.. E estes beneficios poderia eu dizer, que eram injustos, porque é necessario haver igualdade, visto que todos são subditos portuguezes.

Eu intendo que quando ha uma circumstancia especial, e extraordinaria, póde e deve fazer-se uma excepção qualquer; mas adopta-la como regra geral, como medida constante e permanente, com isso é que eu não posso concordar.

Todos sabem que para se favorecerem os cereaes portuguezes, se impozeram altos direitos quanto á importação de cereaes estrangeiros, e que depois se estabeleceu um direito diminuto, como premio á exportação dos nossos cereaes. Parece natural que um territorio portuguez qualquer consumisse generos portuguezes, mas a ilha da Madeira tem gosado da vantagem de admittir generos estrangeiros. Paga, é verdade, um direito, mas esse direito é municipal. E note-se que em quanto o contribuinte do continente paga grandes tributos municipaes, lá paga-se um imposto municipal muito diminuto lançado sobre estes generos. E não deverá nada a ilha da Madeira ao governo?..

No continente as congruas dos parochos são pagas pelos povos, na ilha da Madeira são pagas pelo thesouro, allivio que têem os povos da ilha da Madeira em relação aos povos do continente do reino (Uma voz; — Mas lá ha os dizimos). Lá vou aos dizimos. Quanto aos dizimos fallam-me alguns esclarecimentos, mas eu fiz o seguinte calculo. Examinei o producto dos dizimos naquella ilha e comparando-o com u decima predial paga no continente, vi em resultado desta comparação que a haver alguma differença, era a favor dos povos da ilha da Madeira. Portanto por este lado, em proporção, os habitantes da ilha da Madeira estão mais favorecidos

Ha mais — A contribuição para as estradas foi addicionada á decima, e na ilha da Madeira fazem-se obras importantes de estudos á custa do thesouro sem alli se pagar o imposto addicional para estradas. E depois de tudo isto ainda se ousa dizer — que a ilha da Madeira não deve nada ao governo!..

A ilha da Madeira é a cousa mais elastica que eu tenho visto. Umas vezes é summamente fertil, e deve tudo á natureza, outras vezes é summamente esteril, e não produz nada, para pedir-se medidas taes como a que está em discussão.

Custa-me fallar nestas cousas, custa-me trazer estes factos; mas se o faço, é por achar realmente desagradavel o dizer-se que a Madeira não deve nada ao governo!.. E note se que quando digo governo não me refiro a este ou áquelle ministerio, refiro-me ao governo da nação; sendo fóra de duvida que todos os ministerios tem favorecido, o favorecido altamente a ilha da Madeira. (Apoiados)

Ora depois de feitas estas observações em resposta á asserção do illustre deputado a quem me referi, passarei a dizer alguma coisa em geral ácerca da materia do projecto.

Sr. presidente, disse-se — que a ilha da Madeira estava em grande afflicção, que ha gente que tem fome e precisa de soccorros, e que é necessario accudir, de alguma maneira á miseria e desgraça em que se acham os povos daquella ilha — Eu, sr. presidente, se isto assim é, reputo de toda a justiça que se lhe dêem soccorros; e serei até o primeiro a votar por que o governo soccorra os habitantes da Madeira; mas venha o governo pedir esses soccorros.

A isenção do pagamento do dizimo com relação ao milho que fôr produzido na ilha da Madeira pelo tempo de 5 annos, ainda que possa trazer algum bem áquelles povos, não é um bem que se sinta desde já, não é um beneficio de que gozem immediatamente, não é um soccorro de que tirem logo vantagem; e quem tem fome, não póde esperar muito tempo — Se os habitantes da Madeira teem fome, precisam ser soccorridos desde já, e com este projecto de certo que o não são.

Já se vê pois que não é minha intenção negar, de modo algum, os soccorros precisos e indispensaveis para acudir aos habitante da Madeira; mas será a isenção do pagamento do dizimo por espaço de 15 annos como primeiro se propôz, ou o de 7, ou 5 como está no projecto, e isto com relação ao milho que se produz daqui por diante na Madeira, que vai desde já dar de comer a quem tem fome?..

Logo, quanto a mim, o pensamento do projecto não é soccorrer desde já os habitantes da Madeira que tem fome, é unica e simplesmente promover a cultura do milho e nada mais — E pede-se isto, pede-se esta isenção de tributo por que n'uma calamidade, a das vinhas, teve logar na ilha da Madeira; mas a este respeito lembrarei eu á camara, que no continente quando tem havido differentes calamidades, não se tem isentado, por isso, os lavradores de pagarem tributos; por exemplo quando os nossos olivaes em algumas partes do reino estiveram sem produzir cousa alguma por espaço de muito

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tempo, os lavradores apesar de não terem meio» pura se sustentarem, com tudo não foram isentos do pagamento dos tributos. No Ribatejo, por exemplo, ha uma cheia que arruina as sementeiras todas, que traz grandes desgraças, que obriga os lavradores a fazerem despezas extraordinarias, ficando muitas vezes arrastados, e com tudo não deixam de pagar a decima, não são isentos de tributo algum geral ou local (Apoiados).

O que se conclue de tudo quanto se tem dito é, que o projecto não tem por fim dar soccorros immediatos, como se quer inculcar, aos habitantes da Madeira, e sim todo elle tendente a desinvolver uma industria que não reputo conveniente nem necessaria naquella ilha, e como eu não vejo razão para que se practique, com relação á Madeira, e ponto verdadeiro da questão, aquillo que se não tem practicado a respeito de outros pontos da monarchia, por isso não me conformo com o projecto.

Quanto a Macáo, não sei como o illustre deputado trouxe esta possessão para a discussão: trouxe-a unicamente, creio eu, para mostrar o abandono e descuido do nosso governo para com aquella parte da Monarchia Portugueza; mas eu podia lembrar ao illustre deputado que Macáo foi um municipio quasi independente, e que por muito tempo disputou sobre o não querer receber ordens do governo.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, lamento sinceramente que a apresentação deste projecto que actualmente se discute, suscitasse difficuldades da parte de alguns illustres deputados, pelos quaes tenho muito respeito e consideração, e lamento isto tanto mais quanto estou persuadido que os favores que pelo projecto se concedem, estão muito á quem de satisfazer ao que intendo, que uma parte da Monarchia Portugueza collocada em circumstancias milito especiaes, tinha direito a esperar do governo e do corpo legislativo (Apoiados).

O projecto que se apresenta, parece-me fundado em principios de uma incontestavel applicação; e que na situação especial da Madeira, a invocação destes principios não póde deixar de ser victoriosa, nem póde por tanto tempo soffrer a menor objecção. De que se tracta? De isentar do pagamento dos dizimos por um certo espaço de tempo, o milho que fôr produzido na Madeira, isto em attenção á miseria que aflige os habitantes daquella ilha, e á crise desgraçada por que tem passado. Mas os illustres deputados que teem combalido o principio do projecto julgam ver nelle o desenvolvimento e progresso de uma certa industria, e não tiveram duvida de attender á insignificante quota que o thesouro deixaria de receber, sendo elle adoptado.

Não posso porém deixar dizer que, attentas as circumstancias que se dão, attenta a desgraça em que se acham os habitantes desta ilha portugueza, o paiz devia em todo o caso a irmãos nossos, favores de uma ordem muito superior áquelles que actualmente se concedem. O sacrificio que o thesouro faz com o beneficio que se concede, é muito pequeno com relação aos soccorros que os habitantes desta ilha tem direito a esperar de nós. Não se póde desconhecei que o descredito desta nação seria immenso, e estaria mais que altamente comprovado, desde o momento em que se visse que portuguezes que tem fome, recebem soccorros dos estrangeiros, ao mesmo tempo que no seu paiz se adiam medidas importantes, e que lhes pódem minorar o seu mal, unicamente por contestações pueris, e sem nenhuma aplicação Não ha nada que possa fallar mais alto do que o sentimento do coração, e isto é um caso de sentimentalismo!... E o pão, todas as vezes que ha irmãos nossos que teem fome, e morrem de fome.

E peço á camara que note mais que os habitantes da Madeira teem tido fome verdadeira, fome sem poesia, fome descarnada, fome prosaica; e por que uma auctoridade tomou providencias extraordinarias n'uma occasião destas, esse funccionario carrega ainda com a responsabilidade de ter lido um coração compasivo na presença de uma miseria de similhante natureza. Isto de certo é um caso de sentimentalismo!

Sr. presidente, quero conceder que a Madeira errasse; quero conceder que entregue só á cultura de um certo genero que lhe dava glandes recursos, não attendesse aos perigos que lhe poderiam resultar, quando tivesse de abandonar a cultura desse mesmo genero; mas quando lhe falta o vinho para comprar o pão, havemos de dizer-lhe — não queremos conceder-vos favor nenhum para que não cesse essa cultura, e deixai-vos morrer á fome? — Não é possivel. E neste ponto não pertenço á escóla de economia politica, que diz — são vicissitudes que passam. — Não concordo com estes principios, porque para estas vicissitudes é que é o governo, e se o governo não serve para estas crises (O sr. Corrêa Caldeira: — Onde está elle?) então não conheço a ordem natural das cousas.

Desde o momento que na ilha da Madeira faltar o vinho, falta o pão. E tem faltado o pão; e então, sr. presidente, não me parece esta a occasião mais propria de se suscitarem rivalidades quanto á protecção que se quer conceder.

Ora o illustre deputado que me precedeu, disse, que na Madeira havia uma lei de pautas que lhe era muito favoravel: eu peço licença para observar a este illustre deputado que a conclusão que daqui quer tirar, é summamente contraria aos principios que defende. A ilha da Madeira acha-se n'uma situação especial, por isso que rende mais do que aquillo que gasta. Pois esta pauta não terá sido de vantagem para o paiz, visto que esta provincia não custa o que custam todas as outras? Esta provincia além de costear as suas despezas, não pagará tambem despezas pertencentes ao continente?

O mesmo illustre deputado disse tambem, que os parochos eram pagos pelo thesouro, e que não havia imposto para os parochos; mas ao mesmo tempo que isto se dizia, uma voz se fez soar dizendo que havia os dizimos O illustre deputado então leve a facilidade de achar logo um defeito, que foi a desigualdade que ainda existe entre o dizimo para os parochos na Madeira, e a congrua no continenti». Porém este argumento parece-me que não colhe, porque desigualdade se encontra no continente, de districto para districto.

Tambem se disse que na Madeira se não pagava para estradas; mas a isto responderei, que ha um imposto, e um imposto desigual, qual é o exigirem-se 5 dias de trabalho aos habitantes da Madeira, para trabalharem nas estradas publicas. Ha, portanto, um encargo pessoal, e um encargo bastante desigual.

Mas, sr. presidente, perguntarei á camara, se por uma fatalidade qualquer cessassem, para o districto

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Do Douro, os recursos que lhe dá, a venda do seu vinho; se a Inglaterra passasse sem vinho, se as videiras do Douro fossem atacadas de uma doença, pergunto eu, esta camara ouviria sem afflicção esta noticia? Não leria de adoptar um remedio para os males que sem duvida teriam de soffrer Os habitantes do Douro, e na falta de todas as outras medidas não se adoptaria aquella de os alliviar das contribuições?

Ora, sr. presidente, os nossos visinhos hespanhoes, onde o imposto directo e lançado, deixam de exigir ao contribuinte, quando apparece alguma calamidade em qualquer provincia, o imposto nesse anno, ou pelo menos não se exige com o rigor dos annos antecedentes; e ate mesmo entre nós já tem tido logar o fazer-se emprestimos aos lavradores, como aconteceu em 1834 ou 1835, sendo então ministro da fazenda o sr. José da Silva Carvalho... (O sr. Avila: — É verdade; foram 600 contos.) E isto em consequencia dos prejuizos que os lavradores tiveram por causa da guerra civil.

O que eu intendo não conveniente é que o illustre deputado que combate o projecto, fosse involuntariamente fazer suscitar rivalidades; porque onde ha um portuguez que tenha fome, as circumstancias são especiaes. Nem se diga que isto é um privilegio: aqui o privilegio exclusivo é a fome. E não se tracta de examinar se uma parte da monarchia é mais favorecida do que outra; mas tracta-se de evitar que essa parte morra á fome.

Sr. presidente, ainda se deve attender a outra razão: não hão de ser só os estrangeiros que matem a fome aos portuguezes: repare bem a camara no grande favor que ha pouco fez á ilha da Madeira, decidindo que não pagassem impostos os generos que os estrangeiros mandam para aquella ilha, para sustentar os habitantes que se acham em estado de miseria!!... Aqui está um grande favor que a camara fez, o de não se receberem os impostos daquellas esmolas.

Sr. presidente, este projecto não tem outro fim se não o de collocar a ilha da Madeira nas circumstancias em que deve estar — terem de comer os seus habitantes. — II não será este pensamento digno da camara, e de todos os homens de estado? Parece-me que sim. Perguntarei o que foi que salvou a ilha da Madeira da ultima desgraça? Foi a batata, cuja rama rasteira se via apparecer debaixo das cepas ressequidas. Se a Providencia lhes não houvesse acudido comeste alimento, leriam de escolher entre a alternativa, ou de irem morrer de febre amarella em Demerara, ou de morrer de fome na ilha da Madeira. E deverá a camara ficar impassivel diante destes factos?

Sr. presidente, admira-me que nas circumstancias em que nos achamos, quando dizemos que havemos consagrar tudo ao fomento (eu não gosto muito da palavra progresso) que devemos ter professores que ensinem os ferreiros a forjar, eos torneiros a tornear; se apparece n'uma parte da monarchia certa tendencia para o augmento e desenvolvimento da nossa agricultura, admira-me, digo, que haja quem queira negar os meios para esse progresso. Eu desejava muito que as distincções e as condecorações fossem para aquelles proprietarios, para aquelles individuos que trabalham a favor dos verdadeiros interesses do paiz, e cito para exemplo o sr. Luiz Ornellas, da ilha da Madeira, que tem concorrido muito para a sustentação e civilisação daquella ilha, cito-o por achar que é uma justiça que devo fazer a este honrado e benemerito cidadão.

Mas, sr. presidente, disse tambem que á ilha da Madeira não se devia conceder este privilegio, por que a Madeira não paga para o imposto das notas. Peço licença ao sr. deputado que citou este facto, para lhe perguntar onde é que se paga o imposto das notas fóra do continente de Portugal? E como hade a pobre ilha da Madeira pagar um imposto para fazer cessar um mal que ella não sentiu, imposto que só é destinado áquelles a quem esse mal affecta? Pois porque a ilha da Madeira não paga o imposto das notas, não lerá direito a merecer a attenção do corpo legislativo? Precisará a ilha da Madeira apresentar-se com este titulo do imposto das notas para poder obter remedio a seus males?

Sr. presidente, tambem se apresentou um meio que se julga muito plausivel para os habitantes desta ilha poderem melhorar a sua sorte; fallo da plantação e fabricodo tabaco, idéa com que eu concordo; mas simplesmente tenho a notar que se para um objecto tão pequeno como era a plantação do milho, se apresentaram tantas difficuldades, o que seria se se tractasse de lhe conceder a livre plantação e fabrico do tabaco? Demais intendo que não é só conceder a plantação e fabrico do tabaco, é necessario ter os meios sufficientes para se fazer este fabrico, e é necessario achar-lhe mercado, porque do contrario não serviria de nada. Não digo que o tabaco que se cultivar na ilha da Madeira, não venha a ser tão bom como o de Maryland e Virginia, mas por ora não se sabe qual será a sua qualidade. E em quanto elle não tiver extracção, os habitantes da Madeira continuam a morrer de fome. Sou o primeiro a declarar que estou disposto a associar-me a todos os pensamentos que possam ser vantajosos ao meu paiz; e sou mesmo de opinião que os contractadores tentassem a experiencia da plantação e fabrico do tabaco naquella ilha. Julgo tambem do meu dever prestar a homenagem do meu respeito áquelles que concorrem quanto pódem para o melhoramento e commodidade dos povos que estão sujeitos á sua administração; e por esta occasião sem me importar com a côr politica do sr. Silvestre Ribeiro não posso deixar de lhe prestar a minha homenagem de consideração e respeito, e estimarei que chegue um dia em que se attenda e faça justiça aos homens de merecimento.

Tributo pois os meus agradecimentos ao sr. José Silvestre Ribeiro, pelos esforços que empregou em beneficio dos povos da Madeira, e pelos resultados que se vão colhendo da creação de um estabelecimento, tendente a fazer desapparecer dos olhos de estrangeiros illustrados, que visitam aquella ilha, o espectaculo vergonhoso de enxames de individuos que os assaltam a pedir-lhes esmola. Foi por certo um serviço muito importante, que teve um pensamento politico além do alcance humanitario.

Antes de concluir, peço licença para observar em resposta ao meu illustre amigo o sr. Nogueira Soares, com quem sinto não estar de accordo, quando disse que esta protecção era para os ricos e não para os pobres — que nesta occasião parece-me que não deu o necessario curso á sua sensatez. Pois o favor que tem por fim augmentar uma industria e a producção de generos alimenticios será um favor concedido ao rico? Todos os meios que tendem ao desenvolvimento

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de uma industria, que teem por fim satisfazer as primeiras necessidades da vida são mais favoraveis aos pobres do que aos ricos.

Em conclusão digo que não posso deixar de votar pelo projecto, reservando-me ainda a sustental-o, se acaso fôr combatido pelos illustres deputados que teem a palavra.

O sr. Placido de Abreu. — Por occasião do ter vindo este projecto á discussão declarei eu, que votaria contra, se effectivamente reconhecesse que ia causar uma diminuição nos rendimentos publicos. Eu leria muito prazer em poder votar pelo projecto, não só pela consideração que me merece a pessoa que o apresentou, mas porque nelle são interessados os nobres deputados pela Madeira, que com tanta coragem civica defendem os interesses daquella ilha, e mesmo porque tenho por norma nestes questões de localidades votar sempre a favor das idéas dos illustres deputados seus representantes, desejando que me façam igual favor quando me seja necessario sustentar qualquer providencia a beneficio da provincia da minha naturalidade; mas estes desejos são sempre subordinados ao interesse geral do paiz, e do modo que seja compativel com o estado da fazenda publica.

Este projecto de que se tracta, não está pois no caso de ser approvado, não só porque importa uma diminuição de direitos com prejuizo da fazenda publica, mas ainda por outras considerações. Logo á primeira vista se reconhece uma contradicção manifesta no parecer da illustre commissão de fazenda com relação a uma disposição identica que ha poucos dias foi tractada, e acêrca da qual a mesma illustre commissão leve uma opinião diametralmente opposta — era sobre a reclamação de uma isenção de tributos dos parochos de uma provincia. A commissão intendia nessa occasião que era um máo precedente, e que daí resultava prejuizo á fazenda publica; e agora vem estabelecer esse mesmo precedente que então condemnou, e não diz as razões que a levaram a mudar de opinião, e a receita porque esta isenção ha de ser substituida.

Por consequencia eu não posso votar pelo projecto. Acho que é uma verdadeira isenção de contribuição que vai unicamente favorecer a classe rica e não a pobre; e se esta enfermidade que deu na vinha, tem affectado tanto, como se diz, a pobreza na ilha da Madeira, então com o projecto em discussão, nenhum beneficio se faz a essa classe, porque o rico que tem meios de monopolisar o genero, ha-de vendel-o no merendo pelo melhor preço que lhe convenha, e não lhe imporia nunca que o pobre soffra com isso. Por tanto se se póde achar outro meio melhor de occorrer á desgraça nu Madeira, bem; este não importa nada.

Disse-se tambem que era uma medida de fomento. Na verdade é uma idéa que me surpreende. Não sei a que venha aqui a cultura do milho como idéa de fomento. Se se tractasse por ventura de minorar o mal da vinha, ou de favorecera sua cultura, então intendo eu que poderia dizer-se era uma medida de fomento aquella que conduzisse a este resultado; mas agora para a cultura do milho não ache meio nenhum, pelo qual se possa considerar que o projecto seja medida de fomento

E se, como já disse, a camara ainda o outro dia tomou a resolução de não isentar de contribuição a uns parochos do Minho (e eu sou tanto menos suspeito quanto que votei a favor delle) não sei como hoje vamos adoptar uma medida contraria ao que ainda ha pouco se resolveu em um caso identico.

Por todas estas considerações voto contra; o projecto.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. Presidente, entrarei na materia sem preambulos, protestando que não será já mais por culpa minha que a camara gaste muito tempo na discussão dos negocios.

Um dos oradores, que na sessão antecedente combateu o projecto, disse que este tinha como consequencia prejudicara fazenda em uns poucos de contos de réis. Peço licença ao illustre orador para lhe observar que está enganado completamente. Se a isenção pedida durasse 5 annos, como propunha a commissão, a fazenda não viria a ficar desembolsada senão do valor de 100 moios de milho; e facil é fazer essa conta, pois que, dando de barato que a producção chegasse a 200 moios por anno, é incontestavel que seria o dizimo correspondente de -20 moios, os quaes, multiplicados pelos 5 annos, dão o total de 100 moios; e ainda quando o prazo se alargasse aos 7 annos, viria o desembolso a importar em 140 moios. E seria acaso proprio da generosidade desta camara recusar um grande beneficio aos lavradores pobres da ilha da Madeira, á custa de um sacrificio tão diminuto para a fazenda? Ainda suppondo que á proporção o augmento da producção nos 5 annos fosse crescendo, nem ainda assim viria o prejuizo da fazenda a ser consideravel. Já na sessão antecedente apresentei a estatistica da producção do milho nos annos de 1817 a 1810, sendo a de 1847 de 22 moios; de 1848 de 46; e de 1849 de 132; apresentarei agora a de 1851, a qual foi de 173 moios.

Disse-se que o projecto tem unicamente por fim favorecer os ricos proprietarios da Madeira, e não os lavradores pobres. Não foi essa, por certo, a minha intenção, mas sim, e muito particularmente, favorecer os lavradores pobres da ilha da Madeira. Segundo o systema de colonia que existe na Madeira, metade dos productos da terra é para os colonos, e dessa metade pagam elles o dizimo, do mesmo modo que os proprietarios pagam a meiado que lhes cabe. E claro pois que muito favorecidos ficam os cultivadores immediatos da terra, por isso que do milho que houverem de colher á sua parte, não pagarão o pezado tributo do dizimo, durante os annos da isenção proposta, e em quanto não se familiarisam com uma cultura nova e até ha poucos annos desconhecida. Admittindo, porém, que o projecto tendesse a favorecer os proprietarios ricos, não poderia daí argumentar-se contra o projecto, por quanto se tracta de animar uma cultura, apenas em ensaio, e favorecendo-se a producção de um genero de primeira necessidade para a alimentação da classe pobre da Madeira, indirectamente se beneficia esta interessante classe.

Deu-se a intender que se abusa um tanto da calamidade da Madeira; que o paiz inteiro está desgraçado; que tambem na ilha de S. Miguel houvera uma calamidade, a do coccus hesperidum, e comtudo não se decretara a isenção dos tributos. Mas perguntarei: que se tem feito de extraordinario nesta camara em beneficio da Madeira? Dispensaram-se os direitos de entrada na alfandega do Funchal aos generos que a caridade estrangeira tem

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enviado aos infelizes moradores daquella ilha Grande beneficio na verdade! Ainda bem que ha todo o fundamento para acreditar que o governo procurára acudir áquelle povo com providencias de vasto alcance, e proprias para combater os funestos effeitos de uma calamidade fatal, que não só peza hoje sobre a Madeira, mas ameaça a sua destruição, se acaso se repetir neste anno a molestia das vinhas, como o fazem recear seriamente as ultimas noticias dalli recebidas. O paiz inteiro está desgraçado? Pois acuda-lhe o governo pelo modo possivel, apresentem os nobres deputados que o sustentam, a indicação das providencias necessarias; mas em todo o caso perguntarei se, por se fazer uma concessão mesquinha á Madeira, ficamos impossibilitados de acudir ao reino? Se não se decretou a isenção de tributos para a ilha de S. Miguel, por occasião do coccus hesperidum, foi todavia creado um tributo especial. Mas em todo o caso não ha paridade entre as circumstancias daquella ilha na indicada época, e a situação actual da Madeira.

Tambem se disse que em presença da calamidade da Madeira era mais proprio isentar do dizimo o vinho do que o milho, visto ter a molestia accommettido as vinhas e não o milho. Responderei antes de tudo, que o vinho está actualmente isento de impostos, porque Deos o isentara, quando permittiu que a Madeira fosse visitada pelo flagello da doença das vinhas. Attenda-se bem á consideração de que a cultura da vinha não precisa de animação, por que é velha na Madeira, está arreigada nos habitos daquelle povo, data de tempos muito remotos, e foi alli introduzida pelos cuidados do principe immortal que promoveu o descobrimento daquella terra. A vinha é uma cultura quasi exclusiva na Madeira, não precisa de animação, a não ser hoje a do beneficio da providencia que a livre da fatal molestia. E por ventura não deverá ser isenta a nova cultura do milho, por não se dever isentar a do vinho?

Desejava que os illustres deputados se collocassem no verdadeiro ponto de vista, e não encarassem a questão com prevenção. Peneirados da idea de que em Portugal é muito conhecida, muito trivial, muito facil, a cultura do milho, imaginam que se dão as mesmas circumstancias na Madeira. Em Portugal data esta cultura de longo tempo, o lavrador conhece-a profundamente, e só lhe basta o incentivo do interesse particular para se dar a ella. Mas na Madeira, só começou a ser conhecida no anno de 1847; e tamanha era a ignorancia a similhante respeito, que em 23 de fevereiro de 1848 me foi necessario, sendo governador civil daquelle districto, dirigir uma allocução aos lavradores, transmittindo-lhes instrucções sobre todos os pormenores da cultura do milho, já sobre o modo de preparar a terra, sobre o modo de a adubar, já sobre o tempo e circumstancias da sementeira, sacha, etc, etc. Foi por esse tempo que o cavalheiro cujo nome já citei hontem com louvor, o morgado Laureano da ilha de S. Miguel trouxe para a Madeira os lavradores açorianos para ensinarem os rudimentos da lavoura especial de que se tracta. Vê-se portanto que esta cultura está por em quanto em ensaio, é recentissima, e precisa indispensavelmente de ser animada e favorecida, a fim de que os lavradores se vão acostumando a ella: ao depois, e quando reconhecerem practicamente as vantagens, elles obedecerão muito naturalmente ás inspirações do interesse.

O nobre deputado equivocou-se, quando attribuiu a mim o facto de ter apresentado um projecto, no qual propunha o imposto de 20 reis nos cereaes, em beneficio do asylo de mendicidade. Peço no nobre deputado que tenha a bondade de recorrer ao Diario n.º 107, de 9 de maio ultimo, onde está publicado o projecto a que alludiu, e então se desenganará de que lai cousa não propuz. O que ha a similhante respeito é, que a commissão do asylo de mendicidade do Funchal me enviou uma lembrança do estabelecimento de tal tribulo; mas eu não inseri tal prescripção no meu projecto, porque achei melindroso tributar cereaes, e para descargo de consciencia offereci, como elemento de informação, a um dos illustres membros da commissão de administração publica aquelle papel sem todavia perfilhar o alvitre que me fôra suggerido.

O outro illustre e talentoso deputado censurou-me de algum modo, por não ler este projecto o alcance e as proporções das largas providencias que fôra mister adoptar em beneficio da Madeira, em vez de uma medida mesquinha e apoucada; e disse me que fôra, por exemplo, necessario propôr a livre cultura do tabaco, a respeito da qual sabia já a opinião dos madeirenses, mas ignorava a minha. Observarei primeiramente que o meu projecto não tem por fim remediar os males da Madeira na sua generalidade, mas beneficiar os lavradores pobres; as providencias de larga esfera compete ao governo apresenta-las, como já prometteu. A questão do tabaco é muito ponderosa, e a esse respeito vou dizer alguma cousa ao nobre deputado. Essa questão nunca me foi indifferente, mas sim me mereceu toda a attenção. No anno de 1850 agitaram-se na Madeira duas questões importantes, sendo uma relativa aos vinculos, e a outra relativa ao tabaco. A opinião geral era muito pronunciada a favor da liberdade de cultura daquella planta, e pela maior parte cria-se que seria essa uma providencia salvadora da Madeira. A auctoridade é por vezes obrigada a associar-se á opinião geral, quando muito decidida e apaixonada, embora não tenha uma profunda convicção como os povos. Neste sentido intendi que devia acompanhar a opinião publica, e em 9 de abril daquelle anno officiei ao governo, dizendo-lhe: — não posso deixar de associar desde já os meus votos aos das pessoas que desejam e sollicitam a liberdade da cultura da planta do tabaco. A imprensa periodica do Funchal tem nestes ultimos tempos apresentado calculos, que demonstram as consideraveis vantagens e lucros da cultura do tabaco; mas quando esses calculos não fossem exactos, nenhum inconveniente resultaria da introducção de uma lai cultura, por isso que o interesse dos particulares a abandonaria, se a experiencia os viesse desenganar, etc.

Já vê pois o illustre deputado que a minha opinião era favoravel á liberdade da cultura do tabaco na ilha da Madeira. Haja a liberdade de cultivar o tabaco, e lá está o interesse particular para regular com prudencia e discrição o uso que deve fazer-se dessa liberdade. Se a cultura fôr vantajosa, o lavrador proseguirá; se não fôr vantajosa, dar-lhe-ha de mão. Mas eu sou homem essencialmente practico, como quem segue ha 20 annos cargos administrativos, e por isso não me dou por muito forte nas theorias, ao passo que alguma cousa supponho ter-me ensinado a experiencia do governo. Com quanto tivesse intendido dever seguir a opinião geral, julguei

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todavia mais prudente a resolução que tomara a sociedade agricola micaelense, a qual pediu ao governo a permissão de fazer um ensaio de cultura de tabaco em terrenos diversos de uma dada extensão, e com as cautelas que os contractadores recommendassem. Queria aquella benemerita sociedade verificar por meio da experiencia, se uma tal cultura viria ou não a ser proveitosa ao lavrador. O mesmo queria eu a respeito da Madeira, pois que só deste modo poderia conhecer-se a qualidade da planta, se ella poderia compelir no mercado com a dos outros paizes, e se fazia conta ao lavrador uma tal cultura. Desgraçadamente a sociedade agricola de S. Miguel nada conseguiu: talvez porque os contractadores recearam que desse ensaio resultasse occasião e facilidade de contrabando, e viessem por esse modo a ser prejudicados os seus interesses. (Apoiados)

Sr. presidente, o illustre deputado perguntou por que razão não apresentava eu um projecto para a livre cultura do tabaco na Madeira? A isto respondo ao illustre deputado, que tomei assento nesta camara no dia 27 de abril ultimo, e já a 7 de março antecedente tinha o governo apresentado a proposta para a rescisão do contracto do tabaco, no artigo 3.º da qual, § unico, muito expressamente se diz: — «A cultura do tabaco será prohibida no continente do reino, e será permittida no districto administrativo do Funchal, e nos 3 districtos dos Açôres.»

Já o nobre deputado vê a razão porque eu não tinha necessidade de apresentar similhante projecto, nem é minha culpa, se essa proposta não tem lido seguimento.

Sr. presidente, desejava o mesmo nobre deputado saber, que porções de terreno seriam proprias para a cultura do milho na ilha da Madeira. É difficil responder a essa pergunta. Em algumas freguezias ha terrenos accommodados para tal fim, como em S. Jorge, Santa Anna, S. Vicente, e outras, mas o solo da ilha não é todo proprio para a semente do milho: a camara não levara a mal que eu lêa um trecho de uma memoria, escripta por um illustre portuguez, cuja perda lamentarei sempre, o sr. Mouzinho de Albuquerque, competente nesta materia. Aquelle cavalheiro, de tão notavel talento, e de tantas sympathias entre portuguezes, informando o governo sobre a structura geologica da Madeira, fez conhecer a formação volcanica antiga da ilha, e concluia nestes termos:

Mas assim como as fendas do basalto permittem a facil infiltração das aguas, tambem a dureza delle, e a sua pouca adherencia, quando convertido em terra movel, facilitam a evaporação, e tornam a maior parte dos terrenos da ilha improductivos, sem o soccorro das regadias na estação quente, a qual «dura nella ao menos as tres quartas partes do anno.»

Vê-se, pois, que se em grande parte não são proprios os terrenos para a cultura do milho, ainda assim existem alguns, onde com proveito se póde semear aquelle grão, sem que essa cultura se possa chamar contrafeita, como se quiz dizer. E accrescento nesta parte, que nunca a producção do milho na ilha da Madeira ha-de vir a prejudicar a agricultura em Portugal. Por consequencia, desde o momento em que demonstro que a producção do milho na Madeira (que sempre ha-de importar uma consideravel quantidade de moios) não prejudica nem a agricultura de Portugal, nem o seu commercio, intendo que o projecto está nas circumstancias de ser approvado por esta camara.

O mesmo nobre deputado, a quem me estou referindo, quiz de alguma maneira estabelecer um paralello entre os Açôres e a Madeira, em quanto a constituição da propriedade: esse paralello não é exacto: parece-me que o illustre deputado, quando alli esteve, não olhou aquelle paiz como elle realmente o. Tanto nos Açôres, como na Madeira, a maior partidas terras são vinculadas; mas só isso têem de commum. Nos Açôres ha os arrendamentos e os alforamentos: na Madeira ha o fatal systema da colonia, segundo o qual o colono que cultiva e bem feitora a terra do proprietario, é obrigado a partir com este metade dos fructos della, seja qual fôr a qualidade dessa terra. Se ha arrendatarios na Madeira, só servem para se porem entre o desgraçado colono e o proprietario, e para despojarem aquelle de todas as vantagens, como quem quer não só conseguir o preço que ha-de pagar ao senhorio, senão de mais a mais perceber grossos lucros.

Sr. presidente, eu vou terminar o que tinha a dizer, mas é mister fixar bem o pensamento do meu projecto. Não tenho em vistas propôr um remedio contra os effeitos da calamidade que hoje peza sobre a Madeira: o meu projecto não póde ter tão vasto alcance; e tanto assim que já em differentes legislaturas, e muito antes das circumstancias actuaes, foi apresentado. O meu fim é dar animação e incentivo ao lavrador pobre, e por um limitado numero de annos, para o acostumar a uma cultura proveitosa, ainda nascente. Eu intendo que a camara deve approvar esta proposta, que, como disse, não prejudica a agricultura nem o commercio de Portugal e Açôres, porque a producção do milho na Madeira nunca poderá chegar a 1:000 moios, nunca, em quanto importa annualmente 10:000 daquelle genero, a maior parte do qual lhe vai dos portos de Portugal e dos Açôres. O prejuizo que a fazenda terá nos 5 annos de isenção, é insignificante e diminuto; ao mesmo tempo que passado um praso virá a ler uma boa fonte de receita no augmento da cultura daquelle genero.

A camara resolve já como intender na sua sabedoria. Se rejeitar o projecto, hei-de respeitar a sua decisão; mas ficarei tranquillo e satisfeito, porque cumpri com o meu dever, advogando a causa dos meus constituintes com todo o interesse, e segundo as inspirações da minha consciencia. (Muito bem — Apoiados.)

O sr. Alves Martins — Tem-se já prolongado muito a discussão, por consequencia não cançarei mais a camara, e limitar-me-hei a dar o meu voto, e mesmo quasi tudo que se tem dicto, tem sido fora da questão.

Eu li o projecto da commissão de fazenda, e vi qual é a sua conclusão, mas não vi appenso o projecto do sr. deputado pela Madeira, e por isso não posso saber qual é. Porque razão está a Madeira nesse estado desgraçado que os srs. deputados dizem, e que ninguem nega? Porque o anno passado uma molestia atacou as suas vinhas, e a Madeira padece por isso, porque o vinho é a sua maxima cultura. Na camara passada pediram-se providencias ao governo a este respeito, e o governo mandou todos os esclarecimentos que tinha para a academia, para esta vêr o remedio que se podia dar a este mal, e quando o governo tractava disto, a mesma molestia veiu tambem visitar as quintas de Lisboa, e todas as vinhas em roda de Lisboa, e fez os mesmos estragos

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que tinha feita na Madeira. O governo deu providencias em relação á Madeira, mandou 520 contos de reis para os seus habitantes que tinham fome. O governo auctorisou commissões de auxilios e soccorros na Madeira, e em todas as partes da monarchia portugueza, e mesmo fóra della, para soccorrer os habitantes da Madeira. A camara ainda ultimamente alliviou do encargo das contribuições da alfandega todos os donativos que fossem para a Madeira. O governo prometteu que havia de dar outras providencias que estivessem ao seu alcance, e de propôr á camara aquellas que o não estivessem para soccorrer a ilha da Madeira; por consequencia que mais querem do governo? Não se póde dizer que o governo olhe com olhos de indifferença para a Madeira, nem tambem a camara, e mesmo os srs. deputados pela Madeira não se queixam disso, mas são tantas as presunções a favor da Madeira, que eu confesso que já estou cançado de ouvir tanto sentimentalismo a respeito da Madeira. Nós estamos promptos a tornar todas as providencias que estiverem ao nosso alcance a favor daquelles povos, são nossos irmãos, são portuguezes; que mais querem de nós? Dizem os illustres deputados pela Madeira — queremos uma medida que acuda aos males daquella ilha; ora vamos a vêr qual é o remedio que os illustres deputados, e a commissão, propõem que se applique á Madeira. E eu não estou indisposto com a Madeira, pelo contrario sou portuguez, sou homem, tenho sentimento como os outros tem, e não obstante eu vêr neste projecto uma excepção á regra geral, excepção anti-economica e contra a doutrina, comtudo attendendo ao caso especial em que está a Madeira, faria excepção ás doutrinas, faria excepção á legislação para acudir a Madeira; esta é a minha disposição; mas eu voto contra o projecto, não por elle ser contra as doutrinas, porem por ser contraproducente, por não acudir ao mal que se quer remediar, porque me parece mais.....nem eu quero dizer o que me parece. Ora eu vou provar á camara como o projecto não acode aos males a que a commissão de fazenda quer que se acuda, eu vou provar como não serve para cousa alguma, senão para occupar tempo á camara, e eu se fosse deputado pela Madeira não queria a gloria de o ter conseguido da camara. (Leu parte do relatorio do projecto)

A commissão de fazenda, attendendo que o anno passado grassou uma molestia nas vinhas da Madeira, e que, segundo as ultimas noticias, ainda este anno ameaça a cultura do vinho, propõe este projecto; logo a causa que determinou esta medida é a molestia que grassa nas vinhas da Madeira. «A commissão julga... (Continuou a ler)

Logo vê-se, que a commissão, e os illustres deputados pela Madeira, baseavam os seus trabalhos na molestia que as vinhas padecem, logo deviam remediar esta molestia.

Diz-se que o projecto quer proteger a cultura do milho; mas eu devo notar, que a cultura propria da ilha da Madeira é o vinho fino, e que os terrenos para a cultura do vinho repugnam á cultura do milho; na maxima generalidade dos terrenos da Madeira e impossivel a cultura do milho, ella é só propria para a cultura do vinho. Se se conhecer, que a molestia que hoje alli grassa, continua, e que ella dará cabo de todas as vinhas, então a cultura destas póde ser substituida pela cultura da oliveira e do tabaco.

Sendo só uma pequena parte de terrenos a que é propria para a cultura do milho, não sei porque razão se deve fazei uma excepção a favor dessa pequena parte, quando de mais a mais dahi não vem resultado nenhum favoravel em relação a que se possa attender aos males daquella ilha.

E para admirar que se apresente na camara um projecto de lei para dar um premio a quem cultive milho, quando esta cultura está generalisada por toda a parte, tanto nos Açores como no continente, quando toda a gente sabe cultivar milho — homens, mulheres, rapazes — emfim tudo sabe cultivar milho!

Pois será preciso conceder um favor, ou um premio a quem cultiva milho? Que grandes trabalhos, que grandes preparos, que grandes capitaes, que grande numero de braços, que grandes esforços é preciso empregar para cultivar milho? Pois para uma cultura tão facil é preciso fazerem-se excepções? Parece-me que não.

Portanto, pelo que tenho exposto, declaro que não posso votar por esta medida, porque tenho a consciencia de que ella não vai remediar o; males que se tem em vista querer remediar.

O sr. Luz Pitta: — Sr. presidente, não serei extenso nas considerações que vou fazer, porque a camara de certo está já cançada da larga discussão que tem tido logar.

Estou maravilhado de ver as dimensões que se tem dado na camara a um projecto que me parece summamente simples e justo a todas as luzes.

Alguns srs. deputados teem com effeito dado a este objecto um desenvolvimento, e um lai alcance, que parece que se tracta duma questão de summa transcendencia, e altamente importante para o estado!... Tracta-se unica e simplesmente d'um beneficio de 17 moios de milho para a ilha da Madeira: porque são 17 moios de milho, em que importará a parte correspondente ao dizimo, que cada anno, durante um curto espaço de tempo, se quer dar aos habitantes da ilha da Madeira que teem fome!... A ilha da Madeira, que recebe como esmola do estrangeiro — milho, trigo, arroz e dinheiro... que recebeu effectivamente por este titulo, no anno passado, talvez o valor de uns 30 contos de réis, de generosos e philantropicos estrangeiros! Terá um parlamento portuguez a coragem de recusar áquella ilha, pobre e desgraçada como está, a pequena e justa concessão que se lhe pede?

A cultura do milho na ilha da Madeira é uma cultura nova, que principiou em 1840, e que ainda hoje é desconhecida a uma grande parte dos habitantes da ilha. O nobre deputado que acabou de fallar, disse — que toda a gente sabia cultivar milho; que lá estavam os Açores, e cá o continente, onde elle se cultivava, e onde toda a gente — homens, mulheres e crianças, sabiam cultivar milho. Pois o nobre deputado ignora porventura, que as ilhas dos Açores não ficam muito proximas da ilha da Madeira, e que o continente lhe fica tambem muito distante? Na ilha da Madeira não se sabia cultivar milho até 1848, apenas nalgum quintal havia um ou outro pé de milho. Foi preciso que um benemerito portuguez, o sr. Laureano Falcão, da ilha de S. Miguel, fosse á ilha da Madeira ver umas terras que alli possue, e mandasse vir alguns agricultores daquella ilha para a da Madeira, a fim de principiar a cultivar o milho nas suas terras, e animar esta cultura aos lavradores

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da Madeira, tendo isto logar principalmente em duas freguezias, que são a de S. Jorge e Sant'Anna; na maior parte da Madeira mal se conhece ainda esta cultura; os homens de S. Miguel são chamados a um e outro ponto da ilha da Madeira para ensinarem a cultura do milho; e para isto fazem-se despezas de transporte, pagam-se salarios altos; tornando-se assim a cultura dispendiosa, e, alem de dispendiosa, difficil, porque os terrenos são asperos, pedragosos e muito inclinados; o arado náo os rompe facilmente, os animaes não se prestam a este trabalho pela desigualdade e grande declive dos terrenos, que não preparados á enchada e á fórça de braços, empregando-se previamente a sementeira do tremoço.

Parece fóra de duvida, que é mister animar esta cultura, e não é crivel que esta camara deixe de concorrer para que esta cultura possa prosperar.

Sr. presidente, esta cultura não é, como se disse, uma cultura inutil para a ilha da Madeira, pelo contrario é uma cultura summamente util, talvez mais util que o vinho, mais util que o tabaco, porque delle resulta o sustento immediato do povo.

Repetindo a molestia das vinhas, a Madeira náo tem que comer para os seus habitantes; era o vinho que dava o comer, porque o vinho dava dinheiro para comprar o trigo e o milho; o milho, principalmente, que é o pão do pobre — os ricos geralmente não comem milho. O nobre deputado que disse, que o beneficio era só para os ricos, está enganado: o beneficio não é só para os ricos, ao contrario e para os pobres. Por quanto sendo, como e sabido, que o consumidor e que paga os tributos do genero consumido, o beneficio da isenção do tributo reverterá em favor dos pobres; e o milho não póde tornar-se barato, se se não tornar livre de certos impostos, que, lançados elles, 1 ornam necessariamente os generos mais caros.

Um illustre deputado disse — e tambem o disse a illustre commissão de fazenda — que o projecto prejudicava a fazenda pública. Eu intendo, pelo contrario, que o projecto e de vantagem para a fazenda, porque, se a camara conceder ela pequena vantagem aos povos da Madeira sobre a cultura do milho, acontecerá que ha de augmentar a producção delle, ha de duplicar e triplicar a ponto, que no fim de alguns annos o estado ha de interessar pelo rendimento que dahi poderá colher. Esta concussão será como uma semente lançada á terra, que ha de ler fructos, e destes o Estado ha de tirar não pequenos proveitos, de modo que virá a resarcir este pequeno adiantamento que faz agora.

Sr. presidente, o estado em que presentemente se acha a ilha da Madeira, ameaçada da maior calamidade que póde cair sobre aquelle povo, a perda do seu principal producto agricola, do producto de que tirava a sua subsistencia, e lhe servia para satisfazer todas as suas necessidades, e na verdade lastimoso.

Tendo cessado de existir este producto subitamente de um anno para o outro quasi na sua totalidade, os ricos que delle viviam, estão mais pobres do que os que já o eram, porque estes lá vão cultivando as suas batatas, e vão vivendo; e os ricos que viviam de rendimentos do vinho, vendo acabar a origem ou fonte desses rendimentos, estão reduzidos á maior miseria relativamente fallando.

Não estranhe a camara que eu lhe diga, que a ilha da Madeira está desgraçadissima, e que se perderá

de todo, se se não acudir com providencias promptas; mais tarde, será muito tarde. A emigração alli cada vez é maior, e espantosa, e isto resultante da falla de subsistencia; a população alli cada vez vai diminuindo mais, por falla de proporcional alimentação.

Os illustres deputados não ignoram, que as populações augmentam ou diminuem, segundo as subsistencias. Na ilha da Madeira havia lia muito tempo 125:000 habitantes; hoje, segundo as ultimas estatisticas publicadas, tem 106:000 habitantes — menos 19:000 habitantes!... Se as cousas continuam como vão, uma terça parte da sua população ha de emigrar.

Sr. presidente, eu estou convencido, que se continuasse a molestia das uvas, como todas as cartas que recebo, annunciam, a mudança que aquella ilha fará na sua existencia agricola e commercial, será incalculavel; a sua grande decadencia, senão total ruina, será inevitavel por muitos annos. As casas de commercio tanto nacionaes como estrangeiras, alli estabelecidas, que não fazem outro negocio senão o do vinho, hão de fechar-se; ainda que estabelecidas ha muito tempo, não tendo outra cousa sobre que negociar, não podem subsistir, hão de fechar as portas e retirarem-se. os seus donos ou agentes, para formarem n'outra parte novos estabelecimentos.

Ora á vista deste quadro tão lastimoso, ha de esta camara rejeitar este pequeno beneficio, que se pede para os habitantes da ilha da Madeira? Hão de levantar-se vozes no meio deste parlamento contra uma medida tão miseravel — miseravel, porque se reduz a uma esmola de 17 moios de milho cada anno, a uma provincia que está recebendo contos de reis dos estrangeiros, e que nunca foi pesada, antes tem ajudado a metropoli com quantiosas sommas l Estou admirado do ver que um illustre deputado do lado esquerdo da camara, (o sr. José Estevão) que tantos e tão repetidos documentos tem dado, tanto na imprensa como no parlamento, das suas idéas humanitarias, das suas idéas a favor do povo, combata uma medida que é toda a favor do povo... Não posso acreditar n'uma similhante opposição.

Direi duas palavras a respeito de uma asserção lançada na camara por um illustre deputado, que advogando os interesses da ilha da Madeira, o que muito agradeço, em nome dos meus patricios, foi comtudo um pouco severo para os governos portuguezes, dizendo, que estes nada tem feito a favor da Madeira.

Eu sou obrigado a dizer o contrario, e combater de algum modo a increpação feita aos governos pelo illustre deputado. Effectivamente é fóra de duvida, que os differentes governos, ou ministerios, que tem havido em Portugal, tem sempre attendido á Madeira, tem proposto algumas leis, que a protegem e beneficiam; seria ingratidão se não dissesse isto; os madeirenses não desconhecem os beneficios que tem recebido dos governos e dos parlamentos portuguezes.

Em resposta a um illustre deputado, que disse — que a ilha da Madeira não pagava tributos, ou pagava poucos tributos, em comparação com os que se pagavam no continente — devo dizer — que na Madeira pagam-se os dizimos, o subsidio litterario, o imposto dicto das estufas, o da exportação de vinhos — imposto pessoal remivel a dinheiro para estradas — o finto, os direitos de alfandegas, e, além disto, impostos municipaes mui avultados. Portanto, não se póde dizer, que a Madeira não paga tributo; paga tributos, e paga muitos.

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Para não renovar os argumentos que se tem apresentado a lavor do projecto, termino agradecendo á illustre commissão de fazenda a bondade que teve de dar o seu assentimento á emenda apresentada, para que, em logar de 5, fossem 7 annos de isenção deste tributo de que se tracta; agradeço-lhe, por parte dos habitantes da ilha da Madeira, tudo quanto a illustre commissão fez em beneficio daquella ilha. Sinto ver desertas e abandonadas, nesta occasião, as cadeiras dos srs. ministros, porque desejava provocar da parte delles alguma explicação a este respeito; desejava saber se os srs. ministros approvam ou não esta medida; estou comtudo convencido, que a opinião dos srs. ministros seria em apoio do projecto, porque!. ex.ª não se podem esquecer das promessas que fizeram no discurso da abertura desta camara.

E para tornar a redacção do artigo 1.º mais clara, e po-lo em harmonia com a emenda do meu illustre amigo, o sr. Silvestre Ribeiro, peço licença para mandar para a mesa a seguinte

Substituição: — O milho que fôr produzido na ilha da Madeira, durante 7 annos successivos, depois da publicação da presente lei, não será obrigado ao pagamento do tributo do dizimo.» — Luz Pitta.

Foi admittida.

O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Eu desejo fazer todo o beneficio á ilha da Madeira, mas beneficio aberto e claro, e por isso mando para a mesa a seguinte proposta, como substituição ao artigo 1.º do projecto, que sustentarei, depois de me chegar a palavra:

Substituição; — 11 Proponho que sejam isentos por espaço de 10 annos, de todo e qualquer imposto os productos tropicaes, cuja cultura fôr introduzida de novo na Madeira.» — José Estevão.

Foi admittida.

O sr. Luz Pitta (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu não me opponho á proposta do illustre deputado, pelo contrario acceito-a: porque conhecendo que por ora na ilha da Madeira não pagam tributos os productos tropicaes, porque os não ha lá; no entretanto poderiam vir a ser introduzidos em larga escalla, e por isso podem vir tambem a pagar tributos,

e para desde já prevenir este caso, acceito a proposta, mas peço com tudo que ella seja considerada como additamento ao projecto, e não como substituição. (Apoiados)

O sr. Tavares de Macedo (Sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte

Proposta: — «Proponho que o milho produzido na ilha da Madeira seja izento do dizimo, em quanto as circumstancias daquella ilha forem taes que careça de receber soccorros.» — Tavares de Macedo.

Não foi admittida.

(Vozes: — Votos, votos.)

O sr. Arrobas: — Peço a v. ex. que consulte a camara, se a materia está sufficientemente discutida. Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — Vou propôr a materia á votação em dois quantos:

1. — O milho que se produzir na ilha da Madeira, depois da promulgação desta lei, fica isento do dizimo? — Decidiu-se affirmativamente.

2.º — Esta isenção deve ser por espaço de 5 annos? — Affirmativamente.

O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu mandei para a mesa uma substituição, mas não quero que se vote por uma razão; porque a Madeira arranja perfeitamente os seus negocios com as leis e sem as leis. E attendendo, a que os srs. deputados da Madeira declaram que naquella ilha não ha productos tropicaes, ou que se os ha, não pagam dizimos, e attendendo a que a Madeira fica entregue á sua prudencia governativa, peço para retirar a minha proposta.

Concedeu-se-lhe que a retirasse.

E pondo-se logo á votação o

Artigo 2.º do projecto — foi approvado.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda leira e a mesma que já está dada, isto e, os projectos n.º 14, 43 e 42. Está levantada a sessão. — Passava das 4 horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. GASTÃO.

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