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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discursos proferidos, o primeiro na sessão nocturna de 17 de junho, inserta no Diario n.° 140, e o segundo na sessão do dia 18, inserta no Diario n.° 141

O sr. Sá Nogueira: — Sinto que um projecto d'esta importancia entre em discussão n'este momento, em uma sessão nocturna, em que se não dá tanta attenção ao que se discute como n'uma sessão diurna, e quando só está presente um pequeno numero de srs. deputados.

Não posso deixar passar sem observação o facto do sr. secretario dispensar a leitura do contrato, lendo comtudo as duas propostas do sr. Fradesso da Silveira, que tratam de modificar as suas condições.

O assumpto de que se trata é importante, a questão é uma daquellas a que os inglezes chamam open question, não é uma questão politica. A questão é da maior ou menor utilidade publica, da conveniencia da adopção ou não adopção d'este projecto.

Eu tinha muitas reflexões que fazer a este respeito, mas não sei se terei tempo de as apresentar.

A primeira cousa que ha a notar, e sobre que é necessario pedir explicações é ácerca do cumprimento da ultima condição do contrato, a condição 29.ª Esta condição diz:

«Este contrato ficará de nenhum effeito se dentro de trinta dias da sua data se não mostrar ratificado, ou por maioria de votos dos accionistas da antiga companhia das aguas, que para esse fim se reunirem em assembléa geral, ou por metade e mais um dos accionistas inscriptos nos livros respectivos, ou por tantos d'esses accionistas que representem mais de metade do capital emittido pela referida companhia.»

Não analyso, nem quero, nem me é preciso analysar agora se esta condição era a que se deveria aqui exarar; mas o que é preciso saber é se ella se executou já, porque no caso negativo o contrato caducou, por isso que se faz depender a apresentação d'elle ao corpo legislativo da ratificação que já li por qualquer das formas estipuladas, dizendo-se no segundo periodo da condição 29.ª o seguinte:

«Ratificado que seja por qualquer d'estes modos, será submettido á approvação do poder legislativo, do qual fica dependente.»

Não consta, nem o sr. ministro no seu relatorio nos diz uma só palavra a este respeito, nem as illustres commissões tambem se encarregaram de nos dizer se se cumpriu ou não esta clausula.

Uma voz: — Cumpriu, sim, senhor.

O Orador: — É preciso que isto se saiba officialmente, e é o que não consta. Desejava que o sr. relator das commissões, ou o sr. ministro das obras publicas nos dissesse se esta clausula se cumpriu.

(Breve pausa.)

Nem o sr. ministro das obras publicas se presta a dar esta explicação, nem o sr. relator das commissões!

Quando o parlamento tem de se occupar de um negocio d'esta natureza, devem ser-lhe presentes todos os esclarecimentos necessarios para poder com conhecimento de causa adoptar ou deixar de adoptar a proposta que se submette á sua deliberação.

Não vejo pelo parecer das commissões nem pelo relatorio do sr. ministro que taes esclarecimentos fossem presentes á camara. Onde é que está o relatorio das pessoas competentes que examinaram a quantidade e a qualidade da agua do rio Alviella? Onde está elle? Não nos dizem se d'essa quantidade de agua se deve distrahir alguma para outros usos. Tudo isto era necessario saber-se.

Mas não basta isso, ha alguma cousa mais natural a observar, e é que em 1863, me parece que foi, encarregou o governo de Sua Magestade uma commissão d'estudar esta questão das aguas. Os quesitos principaes que se fizeram a esta commissão foram os seguintes:

«1.° Que novas aguas se poderão e deverão aproveitar sem prejuizo da agricultura e da industria, para o abastecimento de Lisboa nos termos do contrato celebrado entre o governo e a companhia;

«2.° Que meios se devem adoptar para abastecer Lisboa de agua, attendendo ao seu estado actual, ao futuro desenvolvimento da sua população, commercio e industria, e ás instantes exigencias da salubridade publica.»

O governo nomeou esta commissão. Foi membro d'ella um dos homens mais distinctos do nosso paiz pelos seus conhecimentos geologicos, o sr. Carlos Ribeiro.

V. ex.ª e a camara sabem que este cavalheiro e o seu collega o sr. dr. Costa são duas notabilidades que nós temos; dois geologos que honram a nação e são conhecidos nos paizes estrangeiros como homens de grande illustração, que muitos serviços têem feito á sciencia (apoiados).

O sr. Carlos Ribeiro trabalhou diligentemente, empregando as suas luzes e a sua actividade para poder responder ao governo.

O resultado dos seus trabalhos foi publicado pela imprensa: d'elle devem ter conhecimento os srs. deputados e o governo.

O sr. Carlos Ribeiro publicou uma memoria sobre o abastecimento de Lisboa, com aguas de nascente e aguas de rio.

Esta memoria, que tenho presente, é muito interessante e mostra os longos e numerosos estudos que este distincto academico fez.

Elle pretende que se façam e emprehendam diversos estudos e diversas obras.

Nenhuma das indicações d'este engenheiro foram attendidas, que me conste; não se faz menção d'ellas; não se diz se se fizeram alguns dos estudos que elle recommendou.

Não posso attribuir isto senão ao desejo que o sr. ministro das obras publicas tinha de que esta questão se resolvesse quanto antes, e ao receio de não ter tempo para mandar proceder aos estudos que o sr. Carlos Ribeiro tanto tinha recommendado na ultima parte da sua memoria.

Parece-me que o sr. Carlos Ribeiro se inclina a que o fornecimento das aguas de Lisboa devia principalmente derivar do Tejo, tomando-se as aguas d'este rio na Barquinha ou na Cardiga; e dá rasões que são muito attendiveis.

Propunha que se fizessem todas as experiencias para se conhecer bem a qualidade das aguas, não por duvidar de que fossem boas, mas para tirar todos os escrupulos, queria que se fizessem todas as experiencias necessarias para se verificar se eram ou não apropriadas para o abastecimento de Lisboa.

O sr. Carlos Ribeiro tambem queria que se aproveitassem as aguas do bairro oriental d'esta cidade, o que seria de grande conveniencia para a sua defeza quando se desse o caso de ser sitiada.

Entretanto no contrato não são comprehendidas essas aguas, e o que é peior ainda é que o governo fica inhibido de as poder aproveitar, porque a empreza não se obriga a explora-las, ao passo que se lhe dá o privilegio exclusivo d'ella só introduzir agua em Lisboa. Por consequencia dependerá da sua vontade explora-las ou não, o que ella fará ou deixará de fazer segundo lhe convier. Entendo que o contrato não póde approvar-se n'esta parte.

Ha outras condições que tambem não são aceitaveis. E uma d'ellas é, por exemplo, a condição 22.ª que diz:

«Se a empreza não começar as obras ou as não tiver em meio, ou as não concluir dentro dos prasos que respectivamente lhe estão fixados na condição 7.ª, pagará de multa réis 5:000$000 por cada mez de demora. E incorrendo em doze mezes successivos ou vinte e quatro interpolados de multa, poderá o governo rescindir o contrato e entregar á camara municipal de Lisboa a posse, administração e usufruição de todas as aguas aproveitadas, obras feitas e materiaes fornecidos.»

E estatue no § 2.° o seguinte:

«Effectuada porém a rescisão, a empreza receberá da camara municipal de Lisboa por unica indemnisação o valor que por justa avaliação tiverem então as obras feitas e as aguas adquiridas, tanto por ella como pela antiga companhia ou empreza das aguas de Lisboa, de que se deduzirão para o governo 60:000$000 réis equivalente do deposito que a actual empreza deveria fazer, e é representado nas obras existentes.»

A empreza usando do direito que lhe dá esta clausula póde muito bem deixar de fazer obras durante um anno, perde 60:000$000 réis é verdade, mas póde convir-lhe mais perder esta quantia do que faze-las, porque d'esse facto lhe póde resultar ser indemnisada do que tiver despendido e de tudo que a antiga companhia desembolsou, o que depende de avaliações, que todos nós sabemos como se fazem.

Ha ainda outra condição, a 23.ª, pelo qual a empreza poderá talvez deixar de perder os 60:000$000 réis, é a seguinte:

«No caso de interrupção total ou parcial no fornecimento das aguas, conforme o presente contrato, o governo proverá por sua propria auctoridade a que o fornecimento continue, podendo para esse fim assumir a administração e posse de todas as obras e agua da empreza até que esta se mostre habilitada a continuar por si o fornecimento.

«§ 2.° Se dentro de um anno a empreza se não mostrar habilitada a continuar o fornecimento, entender-se-ha que abandonou a concessão, e o contrato se haverá como rescindido para os effeitos da condição precedente.»

Note-se bem que o § 2.° diz — para os effeitos da condição precedente —. E quaes são os effeitos da condição precedente? São a avaliação das obras que se entregam á camara municipal e que esta tem de pagar. É um presente que se lhe faz de um encargo de 1.000:000$000 réis ou mais. Quando se diz que ella não tem meios para fazer as obras por sua conta, espera-se que os tenha no fim de um anno, para indemnisar a empreza d'esta somma, porque não se marcando os prasos dentro dos quaes ella deve pagar, a empreza fica com o direito de exigir da camara municipal que lhe pague immediatamente a quantia em que forem avaliadas as obras feitas e as aguas adquiridas tanto por ella como pela empreza anterior.

Parece-me por consequencia que esta condição precisava de ser modificada.

Eu vejo que tudo são facilidades n'estes contratos, mas depois é que vem as difficuldades.

Oppuz-me n'esta casa ha muitos annos (permitta-me V. ex.ª, sr. presidente, que eu percorra tambem um pouco a historia do parlamento) a que se approvasse um celebre contrato que se fez para a construcção de estradas na provincia do Minho, assim como me tinha opposto a outro para a construcção de uma estrada de Lisboa ao Porto. E não era porque não quizesse as estradas; era porque não via que se dessem garantias de que o contrato se havia de cumprir, e porque presentia que atrás do contrato haviam de vir reclamações para indemnisações.

Éramos tres ou quatro os deputados que mais impugnávamos aquelle projecto. Um era o illustre general Costa, ha pouco fallecido. Outro, se não me engano, era o sr. barão de Lazarim, que então não era ainda barão.

Mas o facto é que, passados annos, segundo um calculo que se publicou, attribuido a um engenheiro bem conhecido, o governo tinha pago setecentos e tantos contos, em virtude do tal contrato que se fez, e que só produziu a construcção de 13 ou 14 leguas de estradas em differentes pontos.

Eis-ahi o resultado de todas aquellas facilidades e desejos de termos immediatamente estradas.

Assim como não approvei aquelle contrato, não approvo o que se discute.

Quero o abastecimento feito convenientemente, isto é, quando haja a certeza de que são de boa qualidade e abundantes as aguas, e de que as obras se hão de fazer com as condições convenientes.

Já disse que deviam ter sido presentes a esta camara os estudos que se fizeram para reconhecer a quantidade e a qualidade da agua do rio Alviella, que devia ser trazida a Lisboa, sem prejuizo das applicações que tem actualmente e das que poderá vir a ter, porque devemos esperar em Deus que não nos conservemos em um estado estacionario, que a agricultura melhore os seus processos, e que por consequencia empregue as aguas quando o poder fazer com vantagem, como se pratica em outros paizes. Ha muitos terrenos que hoje não as aproveitam e que hão de ter necessidade de as aproveitar d'aqui a alguns annos.

Ora, esses estudos não foram presentes, nem se sabe que estudos se fizeram, quem foi encarregado d'elles, e em que tempo se realisaram.

Se me disserem que se fizeram dentro de um anno ou dois, não acredito n'elles pelo que respeita á quantidade da agua, que só se póde determinar com a possivel exactidão por meio de observações feitas por engenheiros ou por outras pessoas competentes durante uns poucos de annos, para se chegar ao conhecimento de que o rio póde fornecer nas aguas baixas ou na estiagem, como hoje se diz.

Calculou-se esta? Os resultados dos calculos que se fundam em dados que não são exactos, são errados.

Vou agora tratar de outra questão que é tambem muito importante.

As illustres commissões dizem-nos o seguinte: «Havia tres caminhos a seguir para realisar este grande e urgentissimo melhoramento. Faze-lo por conta do municipio, por conta do estado ou por meio de uma empreza. Faze-lo por conta do municipio seria o melhor, e mais conveniente, mas nas circumstancias actuaes a camara de Lisboa não póde tomar sobre si tão pesado encargo. Convenceu-a d'isso o mau exito das diligencias que empregou, e por isso aceitou de bom grado o contrato feito pelo governo.

«O estado tambem não o podia, nem o devia fazer. Não o podia fazer, porque as circumstancias do thesouro lh'o não permittiam na actualidade, não o devia fazer, porque seria injustiça lançar sobre o paiz inteiro os encargos de um beneficio todo local, havendo como ha, outro meio de o conseguir. Restava pois como solução unica a formação de uma empreza, solução difficil para attender ás conveniencias publicas debaixo do ponto de vista economico, administrativo e hygienico, sem esquecer os principios de equidade, difficil para combinar os meios de equidade, difficil para combinar os meios de garantir ao capital o seu juro e amortisação com os menores encargos para os habitantes de Lisboa, sem onerar o thesouro; difficil para combinar tudo isto, sem esquecer os interesses e os direitos do municipio.»

Restava pois o terceiro meio que o governo adopta e que as illustres commissões approvam, o da empreza.

Ora, eu concordo com as illustres commissões em que o meio mais conveniente seria que o municipio fizesse esta obra por sua conta; e sinto que o abastecimento de aguas da cidade não seja feito pela camara municipal, além de outras rasões, porque ella ficava com a faculdade de introduzir nos seus aqueductos agua de melhor qualidade, quando o podesse fazer, porque poderia dar a agua pelo minimo preço, e porque obteria um grande rendimento de que fica privada por este contrato durante um seculo. Por consequencia não póde haver duvida em que o meio mais conveniente seria a municipalidade encarregar-se de fazer esta obra; n'isso estou de accordo completamente com as illustres commissões. Não estou porém em relação á camara não ter meios para isto. Que diligencias empregou a camara para os alcançar? Isso é que é preciso saber. Empregou as que em taes casos se costumam empregar em outros paizes? Não consta; não sei, póde ser que sim; mas nada consta officialmente. É um negocio muito grave. Não basta só dizer a camara — nós não os achámos; é necessario saber como os procuraram.

(Interrupção.)

Peço perdão; mas esta é a verdade. Negocios d'esta natureza devem tratar-se com toda a seriedade.

O sr. Severo de Carvalho: — Peço a palavra.