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2604 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

transacção ou transigencia é possivel, se se quer conservar a dignidade do poder, que se vê obrigado a transigir!
Comprehendo por consequencia que na questão de meios, de processos praticos, e até de opportunidade para levar a cabo uma reforma qualquer, possa haver transigencia; no que não se transige, porem, sr. presidente, é nos principios!
Transaccione-se muito embora nos meios, quando assim seja necessario, para que uma idéa possa n'um momento dado triumphar; mas quando o governo tem de transigir, renegando os proprios principies, que serviam de base á reforma por que se empenhava, então não é pelo caminho das concessões que elle deve resolver as difficuldades, mas abandonando as cadeiras do poder, que não lhe é já licito d'ahi por diante occupar, sem prejuizo da causa publica e sem grave desprestigio da sua propria auctoridade!
E a posição do ministerio perante a ultima exigencia da camara dos pares está exactamente n'este caso!
Sinto, depois de uma tão longa ausencia do sr. presidente do conselho d'esta casa, vêr-me forçado, logo no primeiro dia em que s. exa. aqui comparece, a ser-lhe desagradavel !
Sinto ter de dirigir ao governo, e especialmente ao sr. Fontes, n'esta occasião, palavras, que, embora verdadeiras, hão de ser duras!
A culpa, porém, não é minha, é de s. exa.!
Já que dentro em pouco este desastrado, e não sei se desastroso, additamento vae ser convertido em lei do paiz, que ao menos fique, como commentario, junto ao novo artigo em que a maioria d'esta camara a si propria se exautora, o protesto de quem não está disposto a curvar-se perante tal subserviencia! E quem sabe? Talvez que no futuro este protesto possa salvar a dignidade da camara!
Como estamos longe, sr. presidente, d'esses exemplos, que os grandes estadistas da Europa tem dado por mais de uma vez áquelles que sabem comprehender os altissimos deveres da posição de ministro de um paiz governado por instituições parlamentares!
Como estamos longe de Salmeron, ex-chefe do poder executivo da republica hespanhola, descendo, como um verdadeiro espartano, do eminente logar, a que tinha sido elevado pela confiança do seu paiz, só para não transigir com relação ao principio que tinha proclamado durante toda a sua vida,- o principio da inviolabilidade da vida humana!
Como estamos longe de Gambetta, o chefe opportunista do «grande ministerio» pedindo com todos os seus collegas a demissão, indo mesmo ao encontro d'ella, quando viu que se levantavam obstaculos aos seus projectos mais queridos e que ia achar-se na situação ou de ter de os abandonar, salvando-se, ou de continuar no poder abandonando-os!
Como estamos longe de Bright, deixando o seu companheiro de trabalho e de lucta, Gladstone, logo que os primeiros tiros do bombardeamento de Alexandria vieram dizer á sua consciencia honrada de quaker, que não era no ministerio d'ahi por diante o seu logar, pois se tornava preciso escolher entre os principies austeros do seu credito politico-religioso e a sua permanencia no poder!
Como estamos longe de Cavour saindo do ministerio e abandonando a Lamarmora a direcção da politica da sua estremecida Italia para não reconhecer os resultados da paz de Villa Franca!
Como estamos longe de Thiers, sacrificando sem saudade e com a maior abnegação a presidencia da republica, para ser fiel á promessa que a si mesmo fizera de não mais contrariar a França nas suas aspirações!
Assim procedem os grandes estadistas, sr. presidente, assim procedem os homens que acima do interesse injustificavel de se conservarem a todo o custo no poder, preferem a integridade do seu credo politico e a pureza immaculada do ideal a que elles ligaram as mais bellas paginas da sua vida e a maior parte da sua existencia!
Aqui entre nós o espectaculo é tristemente bem diverso !
O sr. presidente do conselho, respondendo ha pouco ao sr. Barros Gomes, dizia que os parlamentos estrangeiros são um exemplo frisante de como lá fora o parlamentarismo é comprehendido de uma maneira muito distincta d'aquella por que se comprehende em Portugal.
Pois, sr. presidente, não é somente o modo de proceder do parlamento portuguez que destôa do modo de proceder dos parlamentos estrangeiros; é tambem o procedimento do governo portuguez, que infelizmente se destaca e muito das normas seguidas pelos verdadeiros governos de opinião, que são os governos modernos!
Por isso, em quanto que a Hespanha republicana, a França, a Italia e a Inglaterra nos dão os nobilissimos exemplos que acabamos de expor, como uma eterna lição de coherencia e hombridade politica, apresentam-se os ministros, que gerem actualmente os negocios publicos em Portugal, transigindo com o sorriso nos labios e com uma revoltante indifferença a respeito dos principios mais solemnemente affirmados e dos compromissos mais formalmente contrahidos!
Os nossos homens d'estado contemplam a mutilação das suas reformas, tão radiosos e tão cheios de orgulho, como se assistissemos á propria apotheose!
Assim, um dia vemos o sr. Hintze Ribeiro propor certo imposto, que a commissão de fazenda supprime summariamente, e no dia seguinte, com grande espanto nosso, apresenta-se esse mesmo ministro risonho e prasenteiro a defender o projecto com as alterações feitas pela commissão!
Vemos o sr. Barjona uma noite, porque ao menos a transigencia de s. exa. esconde-se, como que envergonhada, na discreta sombra das sessões nocturnas, (Riso.) vir recommendar com amor e enthusiasmo um projecto de organisação municipal, e depois proh pudor! defender não menos calorosamente essa pobre sombra a que a crueldade das commissões reduziu o seu projecto primitivo!
Outro dia chega a esta camara o sr. presidente do conselho, altivo, com o forte de um triumphador romano, e levanta-se para annunciar que á sua voz potente, novo quos ego intimado aos mares da politica portugueza, a hereditariedade cessara de existir na camara dos pares. Pois passam-se dois escassos mezes, e o mesmo estadista vem dizer-nos com ares não menos victoriosos, que a hereditariedade resurgiu outra vez com o seu assentimento, e que á reforma já votada se torna mister juntar o novissimo paragrapho redemptor!
Pergunto, sr. presidente, é isto serio?! E isto decoroso?! É isto moral?! E isto digno?!
São estes os exemplos de coherencia politica que dá o governo de Portugal ao mundo?!
Com quem transigiu o sr. presidente do conselho para fazer inscrever, como appendice às reformas politicas, este tristissimo paragrapho? Transigiu, srs. deputados, com essa mesma camara, que elle não ha muito sacrificou, no seu decoro, e feriu nos seus melindres a um capricho de vaidade!
De modo que, sr. presidente, o impavido dictador de 19 de maio tem que passar hoje submisso e contricto por debaixo das forcas caudinas, que lhe levantaram os que elle ainda ha bem pouco humilhara!
Merecida expiação, que nos regosijaria a nós todos, se porventura tal castigo não importasse um desprestigio para o ramo do poder legislativo, que vae ter que revogar as suas deliberações!
É uma verdadeira retractação para o sr. presidente do conselho; é uma completa exautoração para o governo a que elle preside. Não condemno por forma nenhuma, na hypothese que se discute, o procedimento da camara dos