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2606 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

e este mesmo deputado, que é um distinctissimo jurisconsulto, assignou o respectivo projecto de lei com declarações. Entrou-se na discussão, e o debate, que se referia a um assumpto de interesse palpitante, foi acalorado e como v. exas. sabem levantou, e justamente, grande agitação no paiz. Pois, o mesmo sr. deputado não se dignou dizer n'esta casa quaes as rasões por que divergia da opinião dos seus collegas!
Proseguindo nas minhas considerações, direi que para em tudo este projecto ser extraordinario até se torna notavel pelo avaro laconismo com que está redigido o relatorio que o precede.
Que differença, em verdade, entre as tres ou quatro linhas seccas e contrafeitas do projecto actual, e aquella eloquencia luxuriante e sonora, que se espraiava em redundantes brincados pelas columnas do relatorio, que fez a apresentação das primeiras reformas n'esta camara?!
Pois não era justo, que se nos explicasse os motivos por que tão cedo o governo e a commissão variaram de parecer ?!
Pois não era indispensavel que se nos dissesse que altissimo interesse de salvação publica tinha inspirado tá o subita quanto inesperada resolução?!
Pois os deputados da nação portugueza, para se pronunciarem sobre a opportunidade da inserção d'este novo paragrapho na constituição do estado, não mereceram ao governo e á commissão algumas palavras em que se lhes revelasse o motivo de tão extemporanea exigencia ?!
Ah! Sr. presidente, começo a comprehender agora que não se procedeu assim, porque, quaesquer que fossem as rasões que, para justificar tal exigencia se adduzissem contra ellas, haviam de levantar-se implacaveis as palavras do sr. Julio de Vilhena!
A simples sombra de s. exa., porque elle não está aqui, fez emmudecer o sr. relator, que se não atreveu a luctar com uma opinião, embora já lançada ao olvido pelo seu proprio auctor !
A emenda votada pela camara dos pares e acceita pelo sr. presidente do concelho significa, pois, a um tempo, conforme eu disse no começo do meu discurso, a exauctoração do governo, a exauctoração da maioria da camara dos deputados e a exauctoração da propria reforma! E esta a synthese das minhas considerações.
No entretanto, antes de terminar, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu exponha uma duvida que assaltou o meu espirito ao ler as breves palavras do § 7.° do artigo 6.°, segundo a modificação projectada.
Peço a attenção da camara e especialmente a attenção do sr. presidente do conselho para este paragrapho.
Diz-se ahi, com effeito:
«Os immediatos successores dos pares fallecidos e dos actuaes, que existirem, á publicação d'esta lei, terão ingresso na camara dos pares pelo direito hereditario, satisfazendo às condições da lei de 3 de maio de 1878. Esta disposição em nada altera o que fica disposto no § 4.° d'este artigo.»
Como v. exa. sabe, sr. presidente, em diversos casos de interpretação de leis propriamente politicas ou administrativas se tem recorrido às disposições do direito civil.
Quando se tratou, por exemplo, de fixar a maior idade para a lei eleitoral, não foi a maioridade politica, estabelecida na carta, que era de vinte e cinco annos, mas a maioridade civil, estabelecida no codigo, isto é, vinte e um annos, a que se foi buscar para inserir na lei o limite minimo do direito de votar.
No paragrapho, proposto na mensagem da camara dos pares, diz se:
«Os immediatos successores dos pares fallecidos e dos actuaes, que existirem á publicação d'esta lei, terão etc.»
Como na mesma lei não se encontra disposição alguma que esclareça ou explique o que deve entender-se por existencia no paragrapho citado, eu pergunto ao sr. presidente do conselho se é mister n'este caso recorrer ao codigo civil, onde tal palavra tem um significado juridico bem conhecido ?
Desde que se trata, com effeito, de um direito que vae ser concedido a individuos, que por esse facto serão dentro de alguns annos legisladores no nosso paiz, não é indifferente fixar o sentido e a significação precisa dos termos em que está redigida a lei, onde tal privilegio se funda.
O artigo 6.° do codigo civil diz o seguinte:
«A capacidade juridica adquire-se pelo nascimento; mas o individuo, logo que é procreado, fica debaixo da protecção da lei e tem-se por nascido para os effeitos declarados o presente codigo.»
No artigo 1776.° diz-se ainda mais terminantemente o seguinte:
«Só podem adquirir por testamento as creaturas existentes, entre as quaes é contado o embryão.
«§ unico. Reputa-se existente o embryão, que nasce com vida e figura humana dentro de trezentos dias, contados desde a morte do testador».
Estes dois artigos são além d'isso confirmados pelos artigos 177.° e 157.° que são do teor seguinte:
«Será, comtudo, valida a disposição a favor dos nascituros, descendentes em primeiro grau de certas e determinadas pessoas vivas ao tempo da morte do testador, posto que o futuro herdeiro ou legatario venha á luz fóra do praso dos trezentos dias.
«Se, ao tempo da morte do marido, a mulher ficar gravida, fará constar dentro de vinte dias, ou logo que conheça a gravidez, o seu estado ao juiz dos orphãos competente, para que este nomeie curador ao ventre, que tome provisoriamente conta dos bens, que houverem de pertencer ao nascituro.
«§ unico. Esta curatella dura só emquanto durar a gestação».
Eis aqui o que preceitua o direito civil.
São estas disposições applicaveis ao caso presente? É o que eu pergunto.
Vae votar-se o restabelecimento temporario da hereditariedade, e dentro de algumas horas todos os filhos primogenitos existentes dos actuaes pares ficam com direito ao pariato.
Todos os existentes realmente, segundo o direito civil, ficarão com este direito?
Por outras palavras, devem considerar-se existentes para os effeitos da presente lei, só os nascidos ou tambem os nascituros ?
E v. exa. comprehende bem que não é indifferente, uma ou outra das interpretações, porque, se a segunda vae ser a authentica, n'estas poucas horas que nos separam da votação do projecto ainda se podem acrescentar á lista dos futuros pares do reino mais alguns legisladores em embryão! (Riso.- Apoiados.)
A duvida ahi fica, e espero que a ella responderá terminantemente o sr. presidente do conselho.
Como pedi a palavra, antes para protestar do que para discutir este projecto, que de resto está absolutamente discutido e julgado pelas mais altas e insuspeitas auctoridades d'esta casa, vou terminar, por isso que já cumpri com o meu dever.
Não me illudo, sr. presidente, sei que as minhas considerações provocarão, quando muito pro fórma, uma replica, ou do sr. presidente do conselho de ministros, ou do sr. relator da commissão, e que depois as cousas seguirão
o seu caminho, esquecendo o governo em breve as palavras, que n'esta sessão proferi.
A gloria do sr. presidente do conselho poderá contar dentro em pouco mais um capitulo nos seus annaes!
E a mal disfarçada alegria da maioria da camara, por e ter visto livre d'este mau passo, completará o côro da apotheose do sr. Fontes!