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SESSÃO DE 25 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

Summario

Approvada a acta, dá-se conta de um officio do ministerio da marinha enviando esclarecimentos pedidos pelo sr. Ferreira de Almeida. - Lê o sr. ministro da marinha um telegramma de Moçambique, expedido n'este mesmo dia, dos dois exploradores Capello e Ivens. - Congratulam-se com esta noticia os srs. Barros Gomes, Luiz de Lencastre, Consiglieri Pedroso e Ferreira de Almeida, approvando a camara por acclamação uma proposta do sr. Lencastre, convidando o governo a communicar a Capello e Ivens o voto da camara e o applauso com que foi recebido o seu telegramma. - Apresenta o sr. Francisco Beirão uma representação de differentes capitalistas, commerciantes, artistas e lavradores da comarca de Braga. - Apresenta o sr. Carlos du Bocage uma representação da camara municipal de Alter do Chão. - Refere-se o sr. Luiz José Dias á prohibição da pesca no rio Minho e às violencias que estão soffrendo os povos pelo estabelecimento do cordão sanitario. - Responde o sr. ministro da marinha. - Queixa-se o sr. Elvino de Brito de lhe não terem sido enviados differentes esclarecimentos que tem pedido, e bem assim da não comparencia do sr. ministro do reino no parlamento depois das occorrencias policiaes da Avenida, na noite do banquete republicano.- No mesmo sentido se manifesta o sr. Carlos Lobo d'Avila.- Responde o sr. ministro da marinha, justificando a falta do sr. ministro do reino, e dizendo que não podia n'este dia comparecer por se achar doente. - Tem segunda leitura uma proposta do sr. Beirão, apresentada na sessão anterior. - Por occasião d'esta proposta levanta-se um pequeno incidente, em que tomam parte os srs. Francisco Beirão, Luiz de Lencastre, ministro da marinha, Barros Gomes e presidente do conselho, concluindo por ser approvada em votação nominal uma moção do sr. Luiz de Lencastre, para que a proposta do sr. Beirão fosse enviada á commissão do regimento para a considerar com urgencia. - Justificaram as suas faltas às sessões os srs. Cunha Bellem, João Antonio Pinto, Joaquim Antonio Neves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, João Augusto Teixeira, Filippe de Carvalho, Torres Carneiro, Fontes Ganhado, visconde de Balsemão, Miguel Tudella, Silva Fevereiro, Adolpho Pimentel, Avelino Calixto, Manuel da Rocha Peixoto, Manuel Pedro Guedes, Antonio Ennes e Albino Montenegro.
Na ordem do dia entra em discussão o parecer n.° 155, que approva a emenda feita na camara dos pares ao projecto das reformas politicas. - Usam da palavra os srs. Consiglieri Pedroso, presidente do conselho, Dias Ferreira e Bernardino Machado. - A requerimento do sr. Consiglieri Pedroso approva-se que a votação sobre o parecer fosse nominal. - Fez-se a chamada, e como não houve votos sufficientes para o vencimento, ficou a votação para a sessão seguinte.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada- 45 srs. deputados.

São os seguintes: - Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. d'Avila Fontes Ganhado, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Seguier, Pereira Leite, Sanches de Castro, Lobo d'Avila Conde de Thomar, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Baima de Bastos, Scarnichia, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Jalles, Carrilho, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Melicio, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Correia de Barros, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Lopo Vaz, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro de Carvalho, Santos Diniz, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Visconde de Ariz.

Não compareceram á sessão os srs.:- Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Antonio Candido, Pereira Corte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Cunha Bellem, Moraes Machado, Santos Viegas, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, José Borges, José Frederico, Lobo Lamare, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Ferreira de Almeida, nota dos operarios provisorios que serviram no arsenal da marinha no anno economico de 1883-1884.
Á secretaria.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos capitalistas, commerciantes, artistas e lavradores proprietarios da comarca de Braga, pedindo que não seja approvado o projecto de lei que tem por fim dividir em duas a conservatoria d'esta comarca.
Apresentada pelo sr. deputado Francisco Beirão e enviada á commissão de legislação civil.

2.ª Da camara municipal do concelho de Alter do Chão, pedindo que lhe seja permittido desviar do cofre de viação até á quantia de 1:500$000 réis, que serão applicados exclusivamente á sustentação dos enfermos necessitados, no

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caso de alguma das freguezias do concelho ser invadida pelo cholera-morbus.
Apresentada pelo sr. deputado Carlos Bocage e enviada á commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica,

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

l.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja enviada, com urgencia, a esta camara, a nota detalhada das dividas á fazenda nacional, por adiantamento ou outro qualquer titulo, que tenham os empregados de qualquer cathegoria, dependentes d'aquelle ministerio, quer da metropole, quer do ultramar, data da divida em adiantamento, valor primitivo, e estado actual com respeito a funccionarios que sirvam ou tenham servido no ultramar, ainda quando pertençam a outros ministerios. = J. B. Ferreira de Almeida.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, seja enviada a esta camara, com urgencia, uma nota das quantias arrecadadas em cada provincia da Africa occidental, desde 1 de janeiro de 1881 a 31 de dezembro de 1884, no cofre especial do fundo da colonisação, creado pelo decreto de 30 de dezembro do 1852, e a que se refere a portaria d'aquelle ministerio de 2 de dezembro de 1880.= O deputado, Barbosa Centeno.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. e á camara que os meus amigos e collegas os srs. Cunha Bellem, João Antonio Pinto, Joaquim Antonio Neves e Joaquim José Coelho de Carvalho têem faltado às sessões por motivo justificado. = O deputado, Pereira dos Santos.

2.º Participo a v. exa. e á camara que os deputados visconde de Balsemão e Miguel Tudella não têem comparecido às sessões por motivo justificado. = Visconde de Reguengos.

3.ª Participo a v. exa. e á camara que por motivo justificado não tenho podido comparecer às ultimas sessões. = Albino Montenegro.

4.ª Justifico as minhas faltas por motivo de doença. = Filippe de Carvalho.

5.ª Declaro que têem faltado por motivo justificado a algumas sessões, e terão de faltar a mais outras pelo mesmo motivo, os srs. deputados Agostinho Nunes da Silva Fevereiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Avelino Augusto Maria Calixto, Manuel Bento da Rocha Peixoto e Manuel Pedro Guedes.= O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

6.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que o meu collega o sr. Antonio Ennes tem faltado às ultimas sessões por motivo justificado. - Goes Pinto.

7.º Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que o sr. deputado Joaquim Teixeira de Sampaio tem faltado a algumas sessões, por motivo justificado. = Pereira Leite.

8.ª Declaro que o meu collega João Augusto Teixeira, deputado pela Madeira, não tem podido comparecer às ultimas sessões por motivo justificado.= Henrique Sant'Anna e Vasconcellos, deputado pela Madeira.

9.ª Participo a v. exa. e á camara que por motivos justificados tenho faltado a algumas sessões. = Antonio Alberto Torres Carneiro.

10.ª Declaro que não tenho assistido a algumas sessões por motivo justificado. = Fontes Ganhado.

O sr. Beirão:- A minha proposta não tem segunda leitura?
O sr. Presidente (Luiz Bivar): - Eu declarei que estavam na mesa duas propostas, mas como não ha numero para deliberar, reservo-as para quando houver.
O Orador: - Eu fiz por essa occasião um requerimento para que entrasse já em discussão e que fosse dispensado o regimento, mas v. exa. respondeu que a remetteria á commissão do regimento.
O sr. Presidente (Luiz Bivar):- Não remetti porque v. exa. reclamou.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Pedi a palavra simplesmente porque me parece que a camara desejava ter conhecimento de um telegramma que recebi assignado por Capello e Ivens. O telegramma é o seguinte.
(Leu.)
Eu creio que traduzirei o pensamento da camara, pedindo que se consigne na acta um voto de louvor pelos serviços prestados por aquelles briosos officiaes, e que se auctorise o governo a communicar por telegramma a resolução da camara. (Apoiados.)
O telegramma que se leu é o seguinte:
Moçambique, 25, 3h e lm - Ministro da Marinha, Lisboa. - Exito completo; cumprimento ordens recebidas; viagem região Lagos; origens Luaba Luapula, caminho commercial entre nossas provincias; seguimos Loaça. = Capello, Ivens.
O sr. Pereira dos Santos: - E para participar a v. exa. que na reunião da commissões de fazenda e obras publicas, em que se tratou do projecto de melhoramentos do porto de Lisboa, os srs. deputados Luciano Cordeiro e Almeida Pinheiro approvaram as conclusões do respectivo parecer, não o tendo assignado por não terem podido assistir á leitura do respectivo relatorio.
O sr. Barros Gomes: - Foi com a maior satisfação que ouvi a leitura do telegramma que acaba de ler o sr. ministro da marinha.
Entre os que se interessavam, e que são muitos n'este paiz, por aquelles briosos e destemidos officiaes, conto-me eu, e por isso é que hoje experimento a maior satisfação, sabendo por aquelle telegramma, que a vida d'aquelles officiaes está salva, continuando a levantar bem alto os seu nomes pelo seu civismo e dedicações dos seus valiosos serviços.
O nome portuguez ainda hoje vale, e temos o direito, apesar de ser pequeno, de o vermos respeitado pela Europa, porque ainda temos quem pugne pelas suas glorias, e as suas velhas tradições.
Foi, pois, com a maior alegria, e a mais intima satisfação, que eu, e os meus amigos, recebemos noticias d'aquelles benemeritos.
O sr. Luiz de Lencastre:- Fui precedido por o sr. ministro da marinha e tenho tenção de fazer tambem uma proposta á camara.
O sr. ministro da marinha pediu que fosse consignado na acta um voto de louvor pelos relevantes serviços que estão prestando aquelles cavalheiros, e que fosse communicada esta manifestação da camara a esses cavalheiros.
O meu amigo e collega o sr. Barros Gomes acaba tambem de fazer uma manifestação que é propria do seu caracter. Quando se trata de patriotismo, não ha partidos n'esta camara. O sr. ministro da marinha associou se por parte do governo, o sr. Barros Gomes por parte da opposição, e eu como membro da maioria mando para a mesa uma proposta.
É a seguinte:

Proposta

A camara recebeu com particular agrado a noticia que

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lhe acaba de ser communicada e applaude o esforço e dedicação dos nossos illustres exploradores os srs. Capello e Ivens, convidando o governo a communicar-lhes este voto de applauso.= Luiz de Lencastre = Sousa Machado = Luciano Cordeiro.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, acamara ouviu o sr. ministro da marinha pedir para que na acta se consignasse um voto de congratulação e jubilo, pelos relevantes serviços, que acabam de prestar ao nome portuguez, dois briosos officiaes da nossa marinha de guerra, os srs. Capello e Ivens.
O sr. Barros Gomes, por parte da opposição progressista, associou-se já a este voto. Cabe-me a vez, em nome da opposição republicana d'esta camara, de calorosamente secundar as palavras do sr. Pinheiro Chagas, pois quando se trata de glorias da patria não ha, não póde haver, distincção de partidos. (Muitos apoiados.) Todos somos portuguezes! (Apoiados.)
Tanto mais calorosamente, sr. presidente, eu me associo a esta manifestação, quanto é certo que, no meio dos males que affligem o nosso paiz, no meio da decadencia das nossas instituições e do ruir da maior parte das nossas glorias, é ainda a marinha nacional, uma das forças mais vivas do paiz, uma das que mais dignamente sabe conservar as velhas recordações e os brios tradicionaes do Portugal de outrora! (Muitos apoiados.)
Os galões dos nossos valentes officiaes de marinha representam, a par de uma grande honra e de uma merecida recompensa ao valor militar e ao saber, um acrisolado patriotismo, que lhes inspira os actos de nobre heroismo e sacrificio, que por toda a parte onde fluctua a bandeira portugueza exaltam o nome respeitado e querido da nossa armada! (Apoiados.)
Faço, por isso, os mais sinceros votos para que os illustres exploradores regressem á Europa a salvo da sua arrojada empreza, e oxalá que a camara tenha muitas occasiões de se rejubilar por haver recebido noticias d'esta natureza.
Vozes:- Muito bem.
O sr. Presidente:- Á vista dos apoiados de todos os lados da camara, parece-me que não será necessario consultal-a a este respeito. Serão lançados na acta os votos a que se referiram os srs. ministros da marinha e Luiz de Lencastre. (Apoiados.)
O sr. Ferreira de Almeida: - Tendo pedido a palavra para mandar para a mesa um requerimento, filicito-me por ter occasião de agradecer as amaveis referencias feitas pelo sr. Consiglieri Pedroso á marinha portugueza a que tenho a honra de pertencer, e ao mesmo tempo fazer votos para que o enthusiasmo com que a camara recebeu a noticia da chegada de Capello e Ivens a Moçambique se traduza mais tarde para estes benemeritos servidores do paiz no voto de uma remuneração condigna com os serviços prestados, e a que tão legitimamente têem direito, e que se não levantem os embaraços que se suscitaram pela primeira vez.
Sinto profundamente não ter auctoridade para propor qualquer distincção áquelles cavalheiros, e se o governo entender dever conferir-lhes um posto de accesso, pela minha parte, apesar de ficar lesado, sou o primeiro a declarar desde já que dou o meu voto a qualquer proposta n'esse sentido, porque, tanto os serviços já conhecidos, como os que acabam de prestar, só pela sua significação e opportunidade devem merecer o applauso publico e a condigna remuneração em honras e beneficios. (Apoiados.)
O sr. Luiz José Dias: - Ainda ha poucos dias foi organisado o cordão sanitario e já os povos se queixam dos empregados do cordão sanitario que prohibem a pesca em todo o rio Minho.
Não sei se esta medida foi tomada pelo governo, ou se pelos empregados do cordão.
Eu entendo que é prejudicialissima aos povos d'aquella localidade, e, portanto, peço a attenção do governo para este ponto, e renovo o pedido que fiz na sessão passada para se estabelecer postos de desinfecção em Monsão e Melgaço.

hamo tambem a attenção do governo para o facto da importação de peixe e gado, porque áquelles povos não podem prescindir d'aquella importação.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - É simplesmente para dizer ao illustre deputado que transmittirei ao meu collega do reino as observações feitas por s. exa., e que pelo ministerio da marinha não foi dada ordem nenhuma a esse respeito.
Não sei, porém, se foi pelo ministerio do reino.
O sr. Francisco Beirão: - Para mandar para a mesa uma representação contra o projecto de lei, que estava dado para ordem do dia, relativo á divisão da conservatoria de Braga.
Abstenho-me de fazer considerações a esse respeito, reservando-me para quando se discutir o projecto.
Peço a v. exa. se digne dar a esta representação o destino conveniente.
O sr. Carlos Lobo d'Avila:- Eu peço licença para pedir ao sr. ministro da marinha que faça o obsequio de me dizer se communicou ao seu collega o desejo que eu tinha manifestado de que s. exa. viesse a esta casa dar explicações que lhe foram pedidas, com respeito aos acontecimentos da praça dos Restauradores, na noite do banquete republicano. (Apoiados.)
Espero, portanto, que s. exa. fará o favor de lhe communicar novamente, a fim de s. exa. vir a esta casa dizer quaes as providencias que adoptou.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas):- Eu transmittirei ao meu collega do reino o desejo manifestado pelo illustre deputado, e estou certo que elle se apressará a vir á camara dar as informações que o illustre deputado deseja.
Está já dado para ordem do dia um projecto que corre pela sua pasta, e quando s. exa. vier tratar d'este assumto, terá occasião de responder ao illustre deputado.
O sr. Elvino de Brito:- Disse que, tendo ouvido com muita attenção as palavras proferidas pelo sr. ministro da marinha, não podia deixar de notar que essas palavras estivessem em contradicção com os factos de todos os dias.
O sr. ministro faz bem em defender o seu collega do reino; cumpre mesmo n'isso um dever do cargo. O que porém não soffre contestação é que o sr. Barjona de Freitas tem faltado até aqui ao que a elle, orador, tem promettido, por vezes, e de modo categorico. Citaria dois factos os mais recentes.
Toda a camara estaria de certo lembrada que elle, orador, levantara no parlamento a questão relativa aos successivos concursos havidos para o fornecimento do lazareto do porto de Lisboa.
Pedira sobre este assumpto, que reputava grave e serio, pela feição que tem ultimamente tomado, alguns esclarecimentos que julgara precisos para chamar o respectivo ministro á responsabilidade que porventura lhe coubesse.
O sr. Barjona de Freitas promettêra-lhe de modo o mais positivo que remetteria ao parlamento os documentos pedidos, e que estava prompto para responder á interpellação que o orador julgasse dever-lhe dirigir, depois de examinados esses documentos.
Infelizmente, nem apparecem os documentos, nem appa-rece o proprio ministro.
Parecia-lhe este procedimento do sr. ministro pouco proprio do decoro do governo, e desrespeitoso pelo parlamento.
Protestava mais uma vez contra o facto, lamentando que por tal forma estivessem decaidos entre nós os costumes parlamentares.

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Um outro facto, e este mais recente, pois tem relação com as occorrencias da noite do banquete republicano.
Pedira com urgencia o relatorio do governador civil, ou quaesquer participações policiaes, que fizessem luz sobre as violencias praticadas n'aquella noite contra individuos inoffensivos que passeiavam na avenida.
Elle, orador, discordara em tempo de alguns dos seus amigos politicos, e levantara logo a questão politica mandando para a mesa uma moção de desconfiança ao governo.
Os factos vão-lhe dando rasão, e está convencido de que os seus proprios amigos se sentem n'este momento arrependidos de não haverem votado unanimemente aquella moção.
Não tem confiança nenhuma no governo, e mais uma vez declara que nunca votará uma moção que mais ou menos envolva benevolencia ao ministerio.
O sr. ministro do reino, não só não tem providenciado, como promettêra, sobre aquellas occorrencias, como se recusa a fornecer quaesquer elementos que possam elucidar a opposição parlamentar ácerca das vergonhosissimas scenas praticadas pela guarda municipal e pela policia civil no principio do corrente mez.
E triste tudo isto, e denota bem a decadencia a que entre nós tem chegado a comprehensão do dever, da lei e da justiça.
Só lhe restava o meio de protestar contra estes actos de desconsideração do ministro, e por isso fazia-o com toda a energia.
Aproveitava o estar com a palavra para perguntar ao sr. ministro se o concessionario do caminho de ferro de Lourenço Marques tem procurado cumprir as clausulas do respectivo contrato, e se o governo conta que a construcção d'esse caminho esteja concluida em tres annos, a contar da data da concessão, que é de 14 de dezembro de 1883.
Constava-lhe que ainda não começara essa construcção, e sendo assim impossivel lhe parecia que podesse concluir-se no praso imposto ao concessionario. Aguardava as explicações do sr. ministro para sobre ellas pautar as considerações que sobre o assumpto faria em occasião opportuna.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
O sr. Presidente: - O sr. ministro da marinha pediu me a palavra, e eu tenho a ponderar-lhe, que a hora está muito adiantada, e como ainda tenho duas propostas sobre a mesa, que devem ter segunda leitura, pedia a s. exa. para ser breve nas suas considerações.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Eu não podia deixar de insistir para tomar a palavra nesta occasião não tanto para responder às perguntas do sr. Elvino de Brito, porque o poderia fazer em qualquer outra occasião, mas simples e unicamente para protestar com a maior energia contra os termos de que se serviu o sr. Elvino de Brito, com relação ao meu collega o sr. ministro do reino.
Toda a camara sabe, que o sr. ministro do reino não foge das discussões parlamentares. A sua brilhante carreira como orador e parlamentar attestam que elle não foge, nem póde fugir, a qualquer discussão.
O sr. deputado sabe que o sr. ministro do reino veiu aqui a todas as sessões em que se discutiu o projecto que se refere ao municipio de Lisboa, e que s. exa. podia então pedir a palavra para um negocio urgente, não lhe seria negada e assim tinha ensejo de tratar do assumpto a que se referiu ha pouco.
Se s. exa. não sabe ou não quer cumprir com os seus deveres como deputado da opposição, não lance á conta do ministro a culpa que é simplesmente sua.
Vozes: - A opposição não precisa que se lhe ensinem os seus deveres.
O sr. Elvino de Brito: - Protesto contra as palavras do sr. ministro. A culpa é do governo, e eu não careço de que me ensinem os meus deveres.
(Susurro.)
O Orador:- Tambem eu não preciso que s. exa. ensine ao ministerio os seus deveres.
O sr. deputado vem aqui lançar á conta do governo o facto da sua moção ter sido approvada unicamente por s. exa., queixe-se dos seus collegas da opposição.
O sr. ministro do reino ha de vir, e vem sempre quando é necessario. (Apoiados.)
Porventura não tem estado aqui s. exa. durante as sessões nocturnas?
O sr. Lopes Navarro: - O sr. Barjona está doente.
O Orador: - Acabo de saber uma cousa que ainda não sabia, e que mais aggrava a situação do sr. deputado. O sr. ministro do reino está doente.
(Interrupção.)
Exposta esta consideração, vou responder mui brevemente às perguntas do illustre deputado.
Todas as condições do contrato foram cumpridas; foi a Lourenço Marques estudar o traçado um engenheiro muito distincto; foi reforçado o deposito, e já está na caixa geral de depositos a quantia de 67:500$000 réis pelo deposito total; e foi constituida a sociedade anonyma nos termos da lei.
Não começou, porém, ainda a construcção; e portanto todas as condições a que a companhia tinha de satisfazer com dependencia d'esse começo...
(Áparte do sr. Elvino de Brito.)
Mas s. exa. não é que vae construir o caminho de ferro.
Pois um caminho de ferro de oitenta e tantos kilometros não ha de estar construido no praso de tres annos?!
Se não o estiver, o governo cumprirá o seu dever rescindindo o contrato.
(Áparte do sr. Elvino de Brito.)
O illustre deputado não póde estar a dizer como os engenheiros hão de construir o caminho de ferro.
A responsabilidade é d'elles, e o governo cumprirá o seu dever.
O sr. Luiz de Lencastre:- Levanto-me para combater a urgencia da proposta do sr. Francisco Beirão; e parece-me que ella não póde deixar de ser rejeitada pela camara.
O regimento manda que se nomeiem commissões, as quaes devem apreciar os negocios que são commettidos á camara.
A proposta do sr. Beirão é um negocio commettido á camara, que tem a sua commissão de regimento, exactamente para tratar dos assumptos a que a mesma proposta se refere, e por isso parece-me que a camara, sem passar por cima da commissão, não póde tomar desde já uma resolução a este respeito.
Só o poderá fazer, se quizer dispensar o regimento; mas creio que não ha motivo para isso.
A proposta do sr. Francisco Beirão refere-se a um assumpto importante, e parece-me que um assumpto importante deve ser tratado pela respectiva commissão.
Eu não rejeito nem approvo por emquanto a proposta do sr. Francisco Beirão; apresento outra proposta, de que peço a urgencia, e que mando para a mesa.
Parece-me que é esta a unica forma conveniente que a camara tem de resolver ácerca do assumpto.
Leu se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara resolve que a proposta do sr. deputado Veiga Beirão seja enviada á commissão do regimento para ser por esta considerada com urgencia, e passa á ordem do dia = Luiz de Lencastre.
Foi admittida.
O sr. Francisco Beirão: - Acabo de ter mais uma desillusão.

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Quando apresentei a minha proposta, disse que não tinha por fim senão zelar os direitos do parlamento, que estavam sendo todos os dias atropellados pelo governo, e que contava, por isso, com os deputados de todos os lados da camara, para me auxiliarem.
Infelizmente, vejo que o meu illustre amigo, o sr. Luiz de Lencastre, representante da maioria, acaba de votar a minha proposta ao limbo da commissão.
Sinto o facto, e não posso deixar de protestar contra elle.
A rasão apresentada pelo sr. Luiz de Lencastre, para justificar a sua proposta, não colhe.
S. exa. disse que a minha proposta alterava o regimento, e que, por isso, devia ir á commissão de regimento.
Se não foram estas as suas palavras, foi esta a sua idéa.
Assim será em regra, mas esta regra tem sido alterada este anno, muitas vezes, porque, muitas vezes, tem sido dispensado o regimento, até por proposta do sr. Luiz de Lencastre.
Se tratassemos de negocios importantes e complicados, para os quaes precisassemos das luzes da commissão de regimento, eu seria o primeiro a propôr que essa commissão fosse ouvida sobre a minha proposta.
Mas, a minha proposta é muito simples.
A minha proposta o que quer é que, quando um projecto de lei, com um artigo só, approve bases, condições, estipulações, paragraphos, numeros, e até letras, porque temos já uma grande diversidade de classificações, tenha uma discussão na generalidade e outra na especialidade.
Ora, para isto creio que não são necessarios nenhuns estudos especiaes.

e mais a mais a proposta do sr. Luiz de Lencastre não dará os resultados que devia dar, porque os projectos que estão no caso a que se refere a minha proposta, acham-se já dados para ordem do dia e vão entrar em discussão.
Eu queria salvar os direitos da camara.
Disse eu, e repito, que nós devemos tomar o nosso logar e protestar, por todos os modos, contra esta acção absorvente que o governo exerce sobre nós.
Levantar-se o sr. ministro da marinha e ter a ousadia de dizer que um deputado da opposição faltou ao seu dever!
Nego ao sr. ministro o direito de dirigir similhante affronta á opposição. (Apoiados.)
Disse s. exa.:
«Por que rasão o sr. Elvino de Brito não interpellou o sr. ministro do reino na sua presença?»
Pois se s. exa. não apparece aqui senão, nas sessões nocturnas, em que, apenas ha tempo para a discussão da lei municipal, como ha de ser interpellado?
Protesto contra esta affronta do sr. ministro da marinha dizer a qualquer deputado que não cumpriu o seu dever; e sinto que v. exa., sr. presidente, não o tivesse chamado á ordem, porque um ministro não tem direito de offender um deputado. (Muitos apoiados.)
Dizer-se que um deputado da opposição faltou aos seus deveres, quando os srs. ministros nunca apparecem aqui senão quando a sua presença é absolutamente indispensavel!
É chegada a occasião do parlamento tomar o seu logar.
A minha proposta é tendente a esse fim. Não faço d'isso questão politica.
Peço aos meus collegas, que são da maioria, que votem a minha proposta, por isso que ella não tem por fim senão zelar os direitos de todos os membros d'esta camara, quer sejam da maioria, quer da opposição, e espero que ella seja approvada; e se o não for, cada um tomará a sua responsabilidade.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Desejo unicamente dizer ao sr. Beirão que está completamente enganado se imagina que da minha parte houve intenção de ferir a opposição.
O illustre deputado esqueceu-se de que eu alem de ser ministro sou deputado, e tenho pois a honra de ser seu collega.
Parece-me que não se póde negar a ninguem o fazer uso do seu legitimo direito de rebater de um modo energico as accusações tambem energicas do sr. Elvino de Brito, que não foi chamado á ordem pelo sr. presidente apesar de dizer que o sr. ministro do reino fugia das questões d'esta camara.
A presidencia teve a tolerancia que devia ter e que eu louvo.
Mas tambem me parece que a opposição não devia mostrar-se tão irada, porque um deputado que é ministro usou de algumas phrases em defeza do seu collega ausente, phrases que não ferem ninguem, porque eu apenas disse que o sr. deputado Elvino de Brito não tinha chamado a attenção do meu collega do reino, quando tinha tido occasião para o fazer no cumprimento dos seus deveres.
O sr. Elvino de Brito: -Não foi bem essa a phrase.
O Orador:- No meu espirito, repito, não houve intenção de offender pessoa alguma, mas sim de defender o sr. ministro do reino que estava ausente.
Com relação á proposta que se discute nada tenho com ella.
O sr. Lencastre:- Não desejo protelar a discussão.
O sr. Beirão pediu á camara que não votasse a minha proposta, mas sim a de s. exa.
Eu tenho toda a consideração pelo illustre deputado, mas agora não posso acceder ao seu pedido.
O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra para declarar que me associo inteira e completamente a todas as considerações que tão bem e dignamente acaba de expor o meu illustre collega e particular amigo, o sr. Veiga Beirão. (Apoiados.)
A linguagem do deputado ainda admitte uma certa liberdade que sempre se lhe tolerou, porém, não é admissivel por igual quando parta dos bancos dos ministros. (Apoiados.)
Não quero n'este momento fazer distincções.
Se qualquer dos meus collegas se levantasse para dizer que um ministro não sabia cumprir com o seu dever, eu ciaria rasão ao ministro que procurasse defender-se, mas nunca da forma que s. exa. fez. (Apoiados.)
S. exa. tambem notou que o meu illustre collega se tenha afastado de uma parte dos seus correligionarios.

ós não pretendemos impor as nossas opiniões a ninguem. (Apoiados.)
Se o illustre deputado entende, e s. exa. entendeu muito bem, que os acontecimentos vieram até certo ponto dar-nos rasão, e seguindo o caminho que a sua consciencia lhe indicava se se afastou de nós, fel-o no uso do seu direito e portanto cumpriu o seu dever votando segundo a sua consciencia. (Apoiados.)
De mais a mais os acontecimentos estão dando-nos rasão. (Apoiados.)
Não comprehendo a rasão por que tendo sido interpellado um ministro sobre uma questão de ordem publica relativamento às providencias tomadas para um determinado caso, quando de mais a mais esse ministro tinha encontrado a melhor disposição de todos os lados da camara a fim de dar força á auctoridade, esse ministro que só hoje está doente não se tenha apressado em vir ao parlamento dar conta de si, da maneira como procederam as suas auctoridades e se as suas ordens foram ou não bem interpretadas. (Apoiados.)
Hoje o que estamos vendo é este espectaculo. (Apoiados.)
Passam-se mezes e mezes sem que tenhamos a satisfação de ver n'esta casa o sr. presidente do conselho.
Creio que s. exa. está já tão alto que julga talvez bai-

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2600 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

xar-se entrando na casa onde se reune a representação nacional. (Apoiados.)
D'aqui resulta que os, projectos mais importantes, aquelles que envolvem sacrificios importantissimos para os contribuintes como o que diz respeito ao caminho de ferro de Ambaca cuja despeza anda por uns 6.000:000$000 réis, de que o estado garante o juro, são aqui discutidos estando unicamente presente o ministro da respectiva pasta, não apparecendo mais nenhum dos seus collegas, assistindo discussão apenas 5, 6 ou 12 deputados.
O que é mais triste ainda é que encargos d'esta ordem sejam assim, discutidos e que os srs. deputados sejam chamados para a sala ao som de uma campainha para virem votar projectos a cuja discussão muitas vezes não assistiram. (Apoiados.)
Cito com sentimento este facto sem fazer historia.
Desejo apenas que elle fique consignado na acta da nossas sessões. (Apoiados.)
Desejo que o contribuinte saiba que estamos actualmente no fim da sessão, depois de termos perdido tanto tempo, por culpa, na maior parte, do governo, a discutir diariamente projectos muito importantes cuja despeza sobe muitos a milhares de contos.
(Entrou o sr. presidente do conselho.)
Felicito-me de ver entrar o sr. presidente do conselho.
Eu estava n'este momento dizendo que s. exa. raras vezes nos felicitava com a sua presença, e nós careciamos do chefe do governo para nos dirigirmos a quem tem mais responsabilidade na actual situação politica. (Muitos apoiados.)
Eu dizia que o parlamento carece de que aqui esteja presente o chefe do governo, e que s. exa., comparecendo na camara, estando no seu posto para responder a todos os deputados que entendam dever dirigir-se ao governo para lhe exigir a responsabilidade dos seus actos, não desce da sua posição, cumpre simplesmente com o seu dever.
Sr. presidente, nos ultimos dias de sessão, e quando todos estão causados, estamos a accumular discussões d'esta ordem, dando as respectivas commissões, n'uma unica sessão, pareceres sobre projectos, que importam despezas de mais de 6.000:000$000 réis!
Isto é baixar o systema representativo e o parlamento ao ultimo nivel, (Muitos apoiados.)
N'estes termos, a proposta do meu illustre amigo, sr. Beirão, é perfeitamente justificada, porque realmente não sei como qualificar este procedimento.
Com os projectos mais importantes, divididos em dezenas de artigos, segue-se o costume permanente do os reduzir a dois artigos unicos, dizendo-se n'um «ficam approvadas taes e taes bases annexas, taes e taes numeros paragraphos», e no outro «fica revogada a legislação em contrario ».
Protesto contra isto. (Muitos apoiados.)
A redacção da proposta do meu illustre amigo importa a defeza, para todos nós, dos nossos direitos.
Por consequencia, esta proposta devia ser favoravelmente acolhida pelos illustres deputados da maioria, porque não defende só os direitos da opposição, defende os direitos de nós todos e do systema parlamentar, que tão baixo tem caido. (Muitos apoiados.)
(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Entrei na sala na mesma occasião em que era victima de apostrophes violentas do illustre deputado que, saindo da ordem e dos seus habitos de bonomia, me accusava por eu faltar constantemente, e tão acintosamente, a occupar o meu logar na camara dos deputados!
O illustre deputado foi injusto, porque ninguem tem mais consideração pelos representantes do paiz do que eu. (Muitos apoiados)
Eu, sr. presidente, que devo o pouco que sou á liberdade de ao systema constitucional e á camara dos senhores deputados, de que fui membro tantos annos, devia ser o ultimo homem a ser accusado por essas faltas aqui, e, sobretudo, acintosamente!
Eu, sr. presidente, tenho diversos deveres a cumprir. Tenho o dever de assistir às sessões do parlamento, que se compõe tambem da outra camara, e não é unicamente na camara dos senhores deputados, onde tenho de prestar com a minha presença representação ao governo: todos sabem que tenho estado quasi constantemente occupado em questões importantes na camara dos pares.
Alem d'isso, tenho deveres fora do parlamento que preciso tambem de satisfazer.
Agora mesmo cheguei um pouco tarde, porque tive de assistir ao conselho d'estado, d'onde pude sair apenas com o tempo necessario para chegar aqui.
Por consequencia nunca faltei quando a minha presença é reclamada pela urgencia dos negocios ou pelos assumptos que dependem immediatamente da minha responsabilidade. (Apoiados.)
Não póde ninguem exigir, nunca se exigiu, que um presidente de conselho de ministros em tempo nenhum, e apello para o illustre deputado que de certo a sua memoria não o desacompanhará n'esta occasião, estivesse constantemente e sempre presente na camara dos srs. deputados, mesmo porque era impossivel que o fizesse, nem são esses os costumes. (Apoiados.)
E diga-se tambem a verdade, não é costume, sobretudo da parte de um homem tão cordato e respeitavel como o illustre deputado, fazer estas accusações ao presidente do conselho, que não deu motivo de certo, para que a camara dos srs. deputados podesse desconfiar da consideração que elle tem por ella. (Vozes): - Muito bem.
Dito isto, não entro na apreciação da proposta que se está discutindo; não estava na sala quando ella se apresentou e não sei por isso bem, quaes são os termos em que é concebida.
Permitta-me, porém, a camara, que deite, para fora da responsabilidade do governo a accusação, que se lhe fez, de promover na ultima hora, como se costuma dizer, a discussão de tantos e tão importantes projectos. Não quero aqui disputar a quem pertence essa responsabilidade, porque não quero irritar o debate; a minha missão é toda de paz, sou um homem naturalmente pacifico, e por consequencia não quero saber quem tem a responsabilidade d'isso; mas se todos nós mettermos a mão na consciencia, acho que havemos de reconhecer ao menos, que a temos todos. (Apoiados.) E isto não offende ninguem; temol-a todos.
O sr. Beirão: - Apoiado.
O Orador: - Apoiado, temol-a todos, mas como a temos todos, tem-n'a tambem o illustre deputado.
O sr. Beirão: - Apoiado.
O Orador: - Ora bem, se todos a temos, sejamos pelo menos justos uns para com os outros, e não vamos imputar unicamente ao governo a circumstancia, que aliás deploro, de que nos ultimos dias da sessão se accumulem projectos, aliás importantes, para se discutirem.
A camara dos deputados está comtudo no seu pleno e absoluto direito de discutir ou não esses projectos, de approval-os ou não, de demorar ou não demorar a sua discussão.
Mas, diga-se a verdade, nós que estamos sempre a apellar para os parlamentos estrangeiros, e o illustre deputado, que fallava quando tive a honra de entrar n'esta casa, mais de uma vez tem citado n'esta casa os precedentes dos outros parlamentos e com rasão, o que nem o illustre deputado nem ninguem me cita é o precedente de n'esses parlamentos, sobretudo em negocios de uma certa importancia, os deputados prolongarem os seus discursos por dois, tres e quatro dias; ou que fallem mesmo durante tres, quatro ou cinco horas a seguir. Isso é que o illustre deputado

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Não cita; e agora provavelmente estou eu sendo réu do mesmo crime, e talvez peccando pelo mesmo que accuso os outros; que accuso, não digo bem, porque não accuso ninguem, mas peccando pelo mesmo motivo que os outros têem peccado.
O que é certo, porém, e com isto termino, é que o modo por que as leis se fazem corresponde ao modo por que as leis se discutem. (Apoiados.)
Vozes:- Muito bem.
O sr. Francisco Beirão:- O sr. presidente do conselho é um homem de paz... excepto quando prega a guerra santa.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello):- A guerra santa prégou-a a opposição não fui eu.
O Orador:- Diz o sr. presidente do conselho que não tem dado prova alguma de desconsideração para com o parlamento!
Pois não vejo outra cousa.
Eu já disse aqui n'uma discussão que os actuaes ministros dando provas de pouca consideração pelo parlamento não só faziam mau serviço às instituições constitucionaes, mas davam até prova de ingratidão pessoal, pois que devendo o que são ao parlamento, cumpria-lhes, ao menos ser-lhe gratos.
O sr. presidente do conselho ratificou completamente as minhas palavras, porque disse ha pouco, que tudo quanto é, deve-o ao parlamento.
Ora é em nome d'esse sentimento que pedia a s. exa. como chefe da actual situação tivesse mais consideração para com o parlamento.
A falta de consideração de s. exa. pelo parlamento não está só em não comparecer às sessões d'esta camara.
E, a este respeito, devo dizer que a opposição nunca exigiu que s. exa. estivesse aqui sempre; entre porém não estar sempre e não estar nunca, ha uma grande differença ha um meio termo, e esse é que s. exa. não tem adoptado. (Apoiados.)
Mas não é só n'isso que consistem as provas de desconsideração dadas pelo governo, para com o parlamento, e pelas quaes é principalmente responsavel o sr. presidente do conselho.
A tornar de futuro impossivel uma d'essas manifestações, que se vão repetindo como systematicas, tende a minha proposta:- obstar, parlamentarmente, ao systema adoptado pelo governo de apresentar propostas, só com dois artigos com o fim de encurtar, visivel e evidentemente discussão. (Apoiados.)
Se se desse isto só em relação a uma proposta, poderia tornar-se como um caso extraordinario.
Mas não é assim; o facto dá-se em relação a todas as propostas, ainda as mais importantes.
Ainda agora estão pendentes de discussão dois projectos importantes, como são o da lei eleitoral para a camara dos pares, e o que diz respeito aos melhoramentos do porto de Lisboa, que tem muitas clausulas, bases e artigos.
Pois estes dois projectos têem só dois artigos, e as respectivas propostas foram, assim, apresentadas pelo governo com o fim de terem cada uma dellas uma só discussão. (Apoiados.)
Pergunto á consciencia da camara se isto não é desconsiderar o parlamento. (Apoiados.)
Foi em nome do parlamento, em nome do direito que assiste a todos nós, maioria e minoria, que apresentei a minha proposta, tendente a obstar a esta desconsideração premeditada e accintosa, dos nossos direitos. (Apoiados.)
Não sei o que a maioria fará, mas ahi fica lavrado o meu protesto, o protesto da opposição parlamentar. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho, que não desconsidera o parlamento, compara as discussões do parlamento portuquez com as discussões nos parlamentos estrangeiros para as amesquinhar, dizendo que lá as discussões não correm como entre nós, onde ellas são prolixas.
Mas esqueceu dizer-lhe que ali os negocios são apresentados pelo governo, e apparecem muito mais desenvolvidamente acompanhados, e estudados do que entre nós.
E, se a prolixidade das discussões é uma resultante do nosso temperamento meridional, parecia-me, pelo menos, conveniente, que, o presidente do ministerio portuguez, não nos lançasse em rosto esse defeito nacional.
A minha proposta não representa uma idéa politica contra o governo, representa apenas um protesto pelos direitos do parlamento, e não tem outro fim senão zelar o bom desempenho do nosso dever.
A maioria que faça o que entender.
Vozes :- Muito bem.
O sr. Presidente:- Na conformidade do regimento a proposta do sr. Lencastre deve votar-se antes da proposta do sr. Beirão, e se ella for approvada a proposta do sr. Beirão vae á commissão do regimento.
O sr. Barros Gomes (sobre o modo de propor): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja votada nominalmente a proposta do nosso collega o sr. Luiz de Lencastre.
Consultada a camara, resolveu afirmativamente.
Fez-se a chamada.
Disseram approvo os srs.: Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Garcia de Lima, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Sousa e Silva, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Carrilho, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Poppe, Pereira Leite, Neves Carneiro, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, conde de Thomar, Cypriano Jardim, Sousa Pinto Bastos, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Scarnichia, Franco Castello Branco, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Azevedo Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Guimarães Camões, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, visconde de Ariz, visconde das Laranjeiras, visconde de Reguengos, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos, Bivar.
Disseram rejeito os srs.: Albino Montenegro, Torres Carneiro, Pereira Borges, Lobo d'Avila, conde da Praia da Victoria, conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Francisco Beirão, Barros Gomes, Simões Ferreira, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Luiz Dias, Vicente Pinheiro, Consiglieri Pedroso.
Foi portanto approvada a moção do sr. Lencastre por 58 votos contra 20.
O sr. Presidente:- A proposta do sr. Beirão vae ser enviada á commissão do regimento.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 155, que approva a emenda feita na camara da pares ao projecto das reformas politicas

Leu-se na mesa. É o seguinte:

PARECER N.° 155

Senhores.- A commissão especial de reformas politicas, examinando a proposição de lei enviada pela camara dos dignos pares, tendente a additar ao artigo 6.° do projecto de lei de reforma de alguns artigos da carta constitucional, um paragrapho em que se estabeleça que ficam manti-

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dos aos successores dos actuaes pares do reino, que existirem á data da presente lei, o direito de herança nas funcções do pariato, respeitadas as prescripções da lei de 3 de maio de 1878, é de parecer que a referida proposição de lei merece a vossa approvação.
Sala da commissão, 20 de junho de 1880.= Julio de Vilhena = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Luiz de Lencastre = Antonio José d'Avila = Rodrigo Affonso Pequito = Antonio Maria Pereira Carrilho = Ignacio Francisco Silveira da Motta = Antonio M. Jalles = João Ribeiro dos Santos = Moraes Carvalho = Manuel d'Assumpção, relator.

N.º 151-A

Alteração feita pela camara dos pares na proposição de lei que tem por fim reformar alguns artigos da carta constitucional da monarchia

Ao artigo 6.° acrescenta-se:
«§ 7.° Os immediatos successores dos pares fallecidos e dos actuaes, que existirem á publicação d'esta lei, terão ingresso na camara dos pares pelo direito hereditario, satisfazendo às condições da lei de 3 de maio de 1878. Esta disposição em nada altera o que fica disposto no § 4.° d'este artigo.»
Palacio das cortes, em 18 de junho de 1885.= João de Andrade Corvo = Eduardo Montufar Barreiros = Joaquim de Vasconcellos Gusmão.

Projecto de lei n.° 18

Artigo 1.° Os pares e deputados são representante das nação, e não do Rei que os nomeia, ou dos collegios e dos circules que os elegem.
§ unico. A constituição não reconhece o mandato imperativo.
Fica d'este modo interpretado e additado o artigo 14.° da carta constitucional.
Art. 2.° Cada legislatura deverá durar tres annos, e cada sessão annual tres mezes.
§ unico. A sessão que durar menos de tres mezes não será contada para o acto da duração da legislatura, salvo havendo no mesmo anno nova sessão que dure o tempo preciso para completar aquelle praso.
Fica d'este modo substituido o artigo 17.° da carta constitucional.
Art. 3.° Nenhum par vitalicio, ou deputado, desde que for proclamado na respectiva assembléa de apuramento, póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva camara, menos em flagrante delicto, a que corresponda a pena mais elevada da escala penal.
Igual disposição é applicavel aos pares temporarios desde a sua eleição até que termine o mandato.
Fica por este modo substituido o artigo 26.° da carta constitucional.
Art. 4.° Se algum par ou deputado for accusado ou pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva camara, a qual decidirá se o par ou deputado deve ser suspenso e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado ou indiciado.
Fica d'este modo substituido o artigo 27.° da carta constitucional.
Art. 5.° Os pares e deputados poderão ser nomeados para os cargos de ministro d'estado ou de conselheiro distado sem que por isso percam os logares que occuparem nas respectivas camaras, accumulando as duas funcções.
Fica por este modo substituido o artigo 28.° da carta constitucional.
Art. 6.° A camara dos pares é composta de cem membros vitalicios nomeados pelo Rei, de cincoenta membros electivos, e dos pares por direito proprio a que se refere o § 2.° d'este artigo e o artigo 40.° da carta constitucional.
§ 1.° Os pares do reino, que ao tempo da promulgação d'esta lei compozerem a respectiva camara, continuarão a fazer parte d'ella na qualidade de pares vitalicios.
§ 2.° Fazem tambem parte da camara dos pares, como pares vitalicios, o patriarcha de Lisboa, e os arcebispos e os bispos continente do reino.
§ 3.° A parte electiva da camara dos pares terá seis annos de duração, mas poderá ser dissolvida, simultanea ou separadamente, com a camara dos deputados.
§ 4.° Emquanto o numero de pares vitalicios não estiver reduzido a cem, não contando os pares por direito proprio o Rei poderá nomear um por cada tres vacaturas que occorrerem, devendo depois estar sempre preenchido aquelle numero.
§ 5.° Só poderão ser eleitos pares os individuos que estejam comprehendidos em determinadas categorias, que não poderão ser differentes d'aquellas de entre as quaes sairem os pares de nomeação regia.
§ 6.° Será indirecta a eleição dos membros temporarios da camara dos pares. Uma lei especial regulará tudo quanto diz respeito á sobredita eleição.
Fica por este modo substituido o artigo 39.° da carta constitucional.
Art. 7.° O Rei exerce o poder moderador com a responsabilidade dos seus ministros:
§ 1.° Nomeando pares vitalicios, de modo que nunca excedam o numero de cem, salva a disposição do § 4.° do artigo 6.° da presente lei.
§ 2.° Prorogando ou adiando as côrtes geraes, e dissolvendo a camara dos deputados e a parte electiva da camara dos pares, nos casos em que o exigir o bem do estado. Quando assim seja, as novas côrtes serão convocadas e reunidas dentro de tres mezes, e, sem ter passado uma sessão de igual periodo de tempo, não poderá haver nova dissolução.
§ 3.° Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condemnados por sentença, á excepção dos ministros d'estado por crimes commettidos no desempenho das suas funcções, a respeito dos quaes só poderá ser exercida a prerogativa regia, tendo precedido petição de qualquer das camaras legislativas. Ficam por este modo alterados o artigo 74.° da carta constitucional e os §§ 1.°, 4.° e 7.° do mesmo artigo.
Art. 8.° O Rei não póde estar ausente do reino mais de tres mezes, sem o consentimento das côrtes.
Fica d'este modo substituido o artigo 77.° da carta constitucional.
Art. 9.° Se passados quatro annos depois de reformado algum artigo da constituição do reino se conhecer que esta merece nova reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na camara dos deputados, e ser apoiada pela terça parte d'elles.
Fica por este modo substituido o artigo 140.° da carta constitucional.
Art. 10.° Todo o cidadão poderá apresentar, por escripto, ao poder legislativo e ao executivo, reclamações, queixas ou petições e expor qualquer infracção da constituição, requerendo, perante a competente auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores. O direito de reunião é igualmente garantido, e o seu exercicio regulado por lei especial.
Fica por este modo substituido o § 28.° do artigo 145.º da carta constitucional.
Palacio das cortes, em 6 de maio de 1885.= Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, é verdadeiramente constrangido e com a maior repugnancia que eu me levanto para tomar a palavra sobre este projecto.

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SESSÃO DE 25 DE JUNHO DE 1885 2603

Ao cabo de uma longa sessão de sete mezes estou casado e começo a achar-me desanimado e descrente! Estou cansado, porque não é sem grande sacrificio que alguns homens apenas, para obedecerem ao mandato, que trazem dos seus eleitores, tentam oppor-se dia a dia, hora a hora, ao que elles reputam funestissimo para o seu paiz.
Começo a achar-me descrente e desanimado, sr. presidente, porque presinto que governo e maioria cerraram os ouvidos aos conselhos da prudencia e da rasão e que não ha vozes n'esta casa, por mais auctorisadas ou por mais sinceras que sejam, capazes de os arredarem do perigoso caminho, que teimam em seguir.
Não é, pois, sem sacrificio que um deputado, a fim de zelar os interesses que lhe foram confiados, sobe todos os dias a esta tribuna para condemnar severamente projectos, que elle reputa prejudiciaes para o paiz e attentatorios da dignidade dos poderes publicos.
E depois, sr. presidente, tudo, absolutamente tudo, concorre para que no momento actual seja bem triste a posição de um deputado no meu caso.
Esta camara aborrecida ou despreoccupada, esta assembléa meio bocejante, estas cadeiras quasi desertas, esta invencivel indifferença em todos os semblantes e principalmente e acima de tudo esta unica preoccupação de cada um de nós se libertar o mais depressa possivel do resto da tarefa que lhe foi imposta, todas estas circumstancias desfavoraveis pôem na minha palavra tal hesitação, incutem-lhe tal desanimo, imprimem-lhe os tons molles e arrastados de tal cansaço, que somente me atrevo a arrostar com estas quasi insuperaveis difficuldades para prestar homenagem aos desejos dos que aqui me trouxeram!
Quantas vezes, sr. presidente, ao subir pelas escadarias que conduzem a esta sala, me tem passado pelo espirito o celebre verso que Dante inscreveu na portada do seu inferno:

Per me si vá nella cittá dolente.

(Interrupção do sr. Vicente Pinheiro.)
Não fallarei na perduta gente para não melindrar as susceptibilidades parlamentares dos meus collegas, mas parece-me que a primeira citação é bastante, para que a camara comprehenda o estado pouco invejavel em que me encontro ao começar o debate.
Sr. presidente, quando se discutia ha tres dias n'esta casa o projecto de lei de meios, disse eu que aquelle projecto era o digno remate da obra d'esta constituinte que, tendo começado as suas sessões sob tão tristes auspicios, ia terminar de um modo não menos triste, prescindindo os deputados das garantias mais importantes, das regalias mais valiosas que póde ter um parlamento, as de discutir e analysar as receitas e as despezas publicas! (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, nos tempos que vão correndo e no seio do parlamento portuguez é difficil prophetisar até que ponto se ha de no dia seguinte descer! (Apoiados.)
Ha alguma cousa que melhor caracterisa a missão d'este parlamento, do que a lei de meios ha pouco votada; são estas linhas contidas na mensagem da camara dos dignos pares á camara dos senhores deputados, e que se referem á admissão temporaria do principio da hereditariedade na constituição da camara alta!
Estas poucas linhas, sr. presidente, realçadas ainda pelo laconismo eloquente e significativo do relatorio, que as precede, são a um tempo a exautoração do governo, a exautoração da maioria d'esta camara e a exautoração das famosas reformas, com que ha mezes se tem estado a embahir os incautos!
É uma triplice exautoração, que ficará assignalando na historia os reformadores e a reforma!
E assim vae acabar esta tarefa ingloria em que temos estado empenhados ha tantos mezes, e da qual apenas será relembrada a ultima peripecia, que é este episodio profundamente comico a que estamos assistindo!
O governo póde rever-se na sua obra, e os illustres deputados da maioria devem sem receio apresentar-se aos a eleitores para mostrar-lhes os altos serviços que acabam de prestar ao paiz !
Vou ser breve, sr. presidente, porque não desejo fatigar a attenção da camara, que está impaciente, bem o sei, por livrar, quanto antes, do mau passo em que a metteu o sr. presidente do conselho !
E ao menos bom symptoma é este da pressa da maioria!
Significa que ella tem a consciencia do acto a que ha de sujeitar-se, por disciplina partidaria, dentro de algumas horas!
O paragrapho contido na mensagem da camara dos pares para ser acrescentado ao artigo 6.° das reformas politicas é, como já tive occasião de dizer, a exautoração do governo.
N'uma das ultimas sessões nocturnas, em que tomei a palavra, manifestei a estranheza que me causava ver o sr. ministro do reino concordar com as alterações profundas, póde dizer-se mesmo com as mutilações que tinham sido feitas ao seu projecto. Nunca comprehendi, effectivamente, a como um governo póde chegar a tão extraordinarias transacções, que ultrapassam tudo quanto é licito suppor para limite de uma decorosa transigencia!
Eu bem sei, sr. presidente, que ninguem mais do que eu, ao fallar n'este assumpto, precisa de ser cauteloso e prudente nas suas affirmações.
Milito em um partido que é constantemente accusado de ser apenas theorico e de assentar as suas normas ideaes de governo sobre principios meramente abstractos, que não tiveram ainda de experimentar o rude embate da realidade. Preciso, pois, deixar o meu pensamento bem expresso com relação a este ponto, para que não continue a ser considerado como uma irrealisavel utopia o que é a opinião assente, reflectida e circumspecta de um deputado, que procura sem exagerações doutrinarias ter uma noção exacta dos negocios publicos e das suas multiplices exigencias.
Portanto, sr. presidente, o que vou dizer com relação às transigencias do actual ministerio, não representa a opinião de um theorico, mais ou menos enamorado do seu ideal politico, significa, pelo contrario, o parecer bem assente e reflectido de um deputado que se colloca no ponto de vista pratico do opportunismo governamental.
Comprehendo por isso, sem a minima reluctancia, que , um governo, ao esboçar o delineamento geral de uma reforma qualquer, possa ter ido porventura mais longe do as que as necessidades do paiz ou as circumstancias de momento reclamavam, devendo n'este caso fazer o sacrificio de transigir com obstaculos que não poderia de outro modo superar. Comprehendo ainda a hypothese contraria, em que a opinião publica, manifestada pelos seus orgãos legitimos, força um governo a transigir com aspirações que de principio se lhe afiguravam menos dignas de attenção, ou menos credoras de respeito.
Assim não serei eu quem, n'este caso, em nome das conveniencias publicas, venha systematicamente censurar qualquer governo porque transigiu, com o louvavel intuito de resolver difficuldades que de outra forma lhe teria sido impossivel aplanar!
Infelizmente, a recta inflexivel, sou o primeiro a reconhecei o, não é, não póde ser, a linha dos governos!
Se eu presto, porem, homenagem às necessidades imperiosas, que tantas vezes fazem curvar diante da sua tyrannica imposição os que se sentam n'aquellas cadeiras, (apontando para as cadeiras dos ministros) tambem sei, não só porque o tenha aprendido em livros, pois, conforme já disse, a theoria n'este ponto fica de parte, mas pelo exemplo dos grandes estadistas, dignos d'este nome, que ha uma determinada linha divisoria, para alem da qual nenhuma

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2604 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

transacção ou transigencia é possivel, se se quer conservar a dignidade do poder, que se vê obrigado a transigir!
Comprehendo por consequencia que na questão de meios, de processos praticos, e até de opportunidade para levar a cabo uma reforma qualquer, possa haver transigencia; no que não se transige, porem, sr. presidente, é nos principios!
Transaccione-se muito embora nos meios, quando assim seja necessario, para que uma idéa possa n'um momento dado triumphar; mas quando o governo tem de transigir, renegando os proprios principies, que serviam de base á reforma por que se empenhava, então não é pelo caminho das concessões que elle deve resolver as difficuldades, mas abandonando as cadeiras do poder, que não lhe é já licito d'ahi por diante occupar, sem prejuizo da causa publica e sem grave desprestigio da sua propria auctoridade!
E a posição do ministerio perante a ultima exigencia da camara dos pares está exactamente n'este caso!
Sinto, depois de uma tão longa ausencia do sr. presidente do conselho d'esta casa, vêr-me forçado, logo no primeiro dia em que s. exa. aqui comparece, a ser-lhe desagradavel !
Sinto ter de dirigir ao governo, e especialmente ao sr. Fontes, n'esta occasião, palavras, que, embora verdadeiras, hão de ser duras!
A culpa, porém, não é minha, é de s. exa.!
Já que dentro em pouco este desastrado, e não sei se desastroso, additamento vae ser convertido em lei do paiz, que ao menos fique, como commentario, junto ao novo artigo em que a maioria d'esta camara a si propria se exautora, o protesto de quem não está disposto a curvar-se perante tal subserviencia! E quem sabe? Talvez que no futuro este protesto possa salvar a dignidade da camara!
Como estamos longe, sr. presidente, d'esses exemplos, que os grandes estadistas da Europa tem dado por mais de uma vez áquelles que sabem comprehender os altissimos deveres da posição de ministro de um paiz governado por instituições parlamentares!
Como estamos longe de Salmeron, ex-chefe do poder executivo da republica hespanhola, descendo, como um verdadeiro espartano, do eminente logar, a que tinha sido elevado pela confiança do seu paiz, só para não transigir com relação ao principio que tinha proclamado durante toda a sua vida,- o principio da inviolabilidade da vida humana!
Como estamos longe de Gambetta, o chefe opportunista do «grande ministerio» pedindo com todos os seus collegas a demissão, indo mesmo ao encontro d'ella, quando viu que se levantavam obstaculos aos seus projectos mais queridos e que ia achar-se na situação ou de ter de os abandonar, salvando-se, ou de continuar no poder abandonando-os!
Como estamos longe de Bright, deixando o seu companheiro de trabalho e de lucta, Gladstone, logo que os primeiros tiros do bombardeamento de Alexandria vieram dizer á sua consciencia honrada de quaker, que não era no ministerio d'ahi por diante o seu logar, pois se tornava preciso escolher entre os principies austeros do seu credito politico-religioso e a sua permanencia no poder!
Como estamos longe de Cavour saindo do ministerio e abandonando a Lamarmora a direcção da politica da sua estremecida Italia para não reconhecer os resultados da paz de Villa Franca!
Como estamos longe de Thiers, sacrificando sem saudade e com a maior abnegação a presidencia da republica, para ser fiel á promessa que a si mesmo fizera de não mais contrariar a França nas suas aspirações!
Assim procedem os grandes estadistas, sr. presidente, assim procedem os homens que acima do interesse injustificavel de se conservarem a todo o custo no poder, preferem a integridade do seu credo politico e a pureza immaculada do ideal a que elles ligaram as mais bellas paginas da sua vida e a maior parte da sua existencia!
Aqui entre nós o espectaculo é tristemente bem diverso !
O sr. presidente do conselho, respondendo ha pouco ao sr. Barros Gomes, dizia que os parlamentos estrangeiros são um exemplo frisante de como lá fora o parlamentarismo é comprehendido de uma maneira muito distincta d'aquella por que se comprehende em Portugal.
Pois, sr. presidente, não é somente o modo de proceder do parlamento portuguez que destôa do modo de proceder dos parlamentos estrangeiros; é tambem o procedimento do governo portuguez, que infelizmente se destaca e muito das normas seguidas pelos verdadeiros governos de opinião, que são os governos modernos!
Por isso, em quanto que a Hespanha republicana, a França, a Italia e a Inglaterra nos dão os nobilissimos exemplos que acabamos de expor, como uma eterna lição de coherencia e hombridade politica, apresentam-se os ministros, que gerem actualmente os negocios publicos em Portugal, transigindo com o sorriso nos labios e com uma revoltante indifferença a respeito dos principios mais solemnemente affirmados e dos compromissos mais formalmente contrahidos!
Os nossos homens d'estado contemplam a mutilação das suas reformas, tão radiosos e tão cheios de orgulho, como se assistissemos á propria apotheose!
Assim, um dia vemos o sr. Hintze Ribeiro propor certo imposto, que a commissão de fazenda supprime summariamente, e no dia seguinte, com grande espanto nosso, apresenta-se esse mesmo ministro risonho e prasenteiro a defender o projecto com as alterações feitas pela commissão!
Vemos o sr. Barjona uma noite, porque ao menos a transigencia de s. exa. esconde-se, como que envergonhada, na discreta sombra das sessões nocturnas, (Riso.) vir recommendar com amor e enthusiasmo um projecto de organisação municipal, e depois proh pudor! defender não menos calorosamente essa pobre sombra a que a crueldade das commissões reduziu o seu projecto primitivo!
Outro dia chega a esta camara o sr. presidente do conselho, altivo, com o forte de um triumphador romano, e levanta-se para annunciar que á sua voz potente, novo quos ego intimado aos mares da politica portugueza, a hereditariedade cessara de existir na camara dos pares. Pois passam-se dois escassos mezes, e o mesmo estadista vem dizer-nos com ares não menos victoriosos, que a hereditariedade resurgiu outra vez com o seu assentimento, e que á reforma já votada se torna mister juntar o novissimo paragrapho redemptor!
Pergunto, sr. presidente, é isto serio?! E isto decoroso?! É isto moral?! E isto digno?!
São estes os exemplos de coherencia politica que dá o governo de Portugal ao mundo?!
Com quem transigiu o sr. presidente do conselho para fazer inscrever, como appendice às reformas politicas, este tristissimo paragrapho? Transigiu, srs. deputados, com essa mesma camara, que elle não ha muito sacrificou, no seu decoro, e feriu nos seus melindres a um capricho de vaidade!
De modo que, sr. presidente, o impavido dictador de 19 de maio tem que passar hoje submisso e contricto por debaixo das forcas caudinas, que lhe levantaram os que elle ainda ha bem pouco humilhara!
Merecida expiação, que nos regosijaria a nós todos, se porventura tal castigo não importasse um desprestigio para o ramo do poder legislativo, que vae ter que revogar as suas deliberações!
É uma verdadeira retractação para o sr. presidente do conselho; é uma completa exautoração para o governo a que elle preside. Não condemno por forma nenhuma, na hypothese que se discute, o procedimento da camara dos

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pares; fez exactamente o que era logico fazer na sua posição. Foi apenas crudelissima na desforra! (Apoiados)
Mas essa desforra não surprehendeu ninguem, porque estava prevista por todos, menos pelo sr. Fontes! (Apoiados.)
Quando se discutiu n'esta casa o projecto das reformas politicas, disse eu, com effeito: - O governo de accordo com a maioria da camara electiva passada, admittiu a camara dos pares a collaborar na reforma constitucional contra a expressa determinação do espirito e da letra da carta, e contra a simples indicação do mais trivial senso politico. - E perguntei então ao sr. presidente do conselho: se a segunda camara chamada a collaborar, illegalmente emquanto a mim, n'esta reforma, se oppozer com o seu voto áquillo que deliberar a camara dos deputados, qual será o meio de resolver constitucionalmente o conflicto?
Respondeu-se-me que tal conflicto não era possivel, porque estava feito um accordo que todos respeitariam.
O accordo já sabe a camara qual foi!
E agora pergunto eu novamente, como se resolve o conflicto?
Resolve-se, transigindo o sr. presidente do conselho, isto é, o governo, e transigindo a camara dos deputados!
Quer dizer, desprestigiam-se, para a reforma ser viavel, dois poderes, cuja auctoridade era indispensavel para que essa mesma reforma podesse ser acceita pelo paiz, como a expressão de uma deliberação consciente e reflectida da sua representação legitima!
O governo foi exautorado pela camara dos pares; mas por seu turno exautorou, sem ella lh'o merecer, a maioria da camara electiva! A minha opinião é, n'este ponto insuspeita, sr. presidente, por isso que sempre me tenho apresentado como adversario, embora leal, em todo o caso decidido e intransigente da maioria, que me escuta. Permitta-se-me, pois, que com toda a imparcialidade eu diga ao sr. presidente do conselho que a maioria, que tão dedicadamente o apoia, não era digna de similhante desconsideração! (Apoiados.)
Sr. presidente, eu posso discordar, e tenho discordado sempre, como a camara tem visto, do procedimento politico da maioria.
Não tenho duvida hoje, como não a tenho tido até aqui, em me levantar para atacar vehementemente a responsabilidade que lhe cabe pela má direcção dos negocios publicos. Mas não posso deixar de reconhecer a disciplina a toda a prova, a verdadeira servidão partidaria que a traz acorrentada a um simples aceno, ao mais leve capricho, do sr. presidente do conselho!
Este procedimento pedia, da parte de s. exa., alguma consideração; pedia principalmente da parte de s. exa. a justa deferencia de não levar os seus leaes amigos politicos a collocarem-se na triste, difficil e desairosissima posição de virem negar hoje, in limine, aquillo a que hontem tinham entoado enthusiasticos córos de louvor!
Eu tenho curiosidade de ver, sr. presidente, como votam os meus illustres collegas da maioria que se desentranhavam em calorosos elogios a uma reforma que abolia a hereditariedade da nossa constituição politica!
Estou com curiosidade de ver o que fazem das invectivas que sobre mim deixaram cair, quando eu declara á camara que a projectada reforma constitucional não passava de uma comedia de mau gosto, que levantaria a opposição de quem tivesse o desejo sincero de melhor a constituição do estado!
Eu acceito agora provisoriamente a definição das reformas politicas, tal como foi dada aqui mesmo ha mezes pelos mais illustres oradores da maioria.
Acceito, sobretudo, a affirmação de que bastava a abolição da hereditariedade para tornar essa reforma um monumento de fecunda e ao mesmo tempo prudente transformação do nosso direito publico!
Mas então a que fica hoje reduzida a tão decantada reforma, depois que perdeu o talisman, por virtude do qual se devia impor ao nosso respeito e á nossa admiração? (Apoiados.)
Vem ou não o paragrapho, exigido pela camara dos dignos pares, supprimir o logar de honra que, na historia da nossa epocha, devia occupar a figura do sr. presidente do conselho?!
Porventura vae essa historia ser implacavel, arrancando-lhe da frente os louros, que já o recompensaram pelo seu exito? Ou compadecida a posteridade pelas angustias opportunistas do sr. Fontes, decretar-lhe-ha ainda assim a corôa de carvalho das grandes virtudes civicas?
Não sei, sr. presidente, porque para mim é difficil ler o horoscopo dos tempos!
Estas interrogações, no entretanto, que eu entrego á maioria, talvez possam, em parte, ser por ella respondidas ! E já que mais uma vez eu me dirijo á maioria, permitia v. exa. que a proposito da falta de alguns cavalheiros d'aquelle lado da camara eu extranhe especialmente a ausencia de um, que por todos os titulos devia estar hoje aqui. Refiro-me ao sr. Julio de Vilhena.
E esta minha extranheza sobe de ponto quando vejo que no projecto a assignatura de s. exa. figura sem declarações.
S. exa. que, em 30 de janeiro de 1883, fulminava sobre o principio da hereditariedade na hypothese actual, na hypothese portugueza, os seus mais acerados raios, assignou sem declarações, sequer, este projecto que vem outra vez restabelecer principio tão eloquentemente condemnado no preambulo da celebre proposta de lei n.° 13-B.
A hereditariedade do pariato, dizia com effeito o sr. Julio de Vilhena no documento a que acabo de referir-me:
«A hereditariedade do pariato, trasladada para a nossa constituição da carta franceza de 4 de junho de 1814, e consagrada pela tradição secular da Inglaterra, parcellando acamara alta em pequenas dynastias de incerta successão, transmittindo no primeiro grau da linha recta descendente a funcção de fazer leis como se fosse uma parte do espolio do par fallecido, concedendo pelo vinculo de sangue ao primogenito a faculdade que o pae exercia por delegação indirecta do paiz, póde justificar-se e tem sido justificada por publicistas eminentes em nome das conveniencias politicas de uma determinada occasião, mas nunca poderá defender-se em face dos principios liberaes que fazem emanar todos os poderes da soberania da nação. Ao lado de uma jurisprudencia civil que permitte aos paes desherdar os filhos em certas circumstancias, e lhes dá o direito de dispor livremente de uma porção de herança, extinctos os morgados e proclamada portanto, conforme as leis successorias, a igualdade entre todos os membros da mesma familia, a transmissão obrigatoria de uma funcção insusceptivel de encorporação na propriedade domestica, e por isso de natureza puramente pessoal, revela indubitavelmente uma dissonancia no systema ma geral da legislação do paiz.»
Sr. presidente, não sei nem posso suspeitar que haja n'esta camara voz bastante auctorisada para contrapor-se á auctorisadissima opinião do sr. Julio de Vilhena. E comtudo s. exa. não está aqui hoje, a fim de explicar os motivos por que assignou sem ser vencido o projecto em discussão!
Como tenho uma grande sympathia pessoal por este illustre deputado, lastimo que s. exa. não esteja presente para pugnar pelos principios a que o seu nome está para sempre ligado num documento official.
O sr. Julio de Vilhena nunca devia ter assignado este projecto de lei e muito menos devia ter faltado na occasião em que elle se discute. S. exa. devia ter vindo aqui dizer as rasões por que havia mudado de parecer e de opinião, em tão curto espaço de tempo.
Mas não me admira este procedimento de s. exa., porque já tem precedentes!
Tratava-se effectivamente da reforma do codigo penal

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e este mesmo deputado, que é um distinctissimo jurisconsulto, assignou o respectivo projecto de lei com declarações. Entrou-se na discussão, e o debate, que se referia a um assumpto de interesse palpitante, foi acalorado e como v. exas. sabem levantou, e justamente, grande agitação no paiz. Pois, o mesmo sr. deputado não se dignou dizer n'esta casa quaes as rasões por que divergia da opinião dos seus collegas!
Proseguindo nas minhas considerações, direi que para em tudo este projecto ser extraordinario até se torna notavel pelo avaro laconismo com que está redigido o relatorio que o precede.
Que differença, em verdade, entre as tres ou quatro linhas seccas e contrafeitas do projecto actual, e aquella eloquencia luxuriante e sonora, que se espraiava em redundantes brincados pelas columnas do relatorio, que fez a apresentação das primeiras reformas n'esta camara?!
Pois não era justo, que se nos explicasse os motivos por que tão cedo o governo e a commissão variaram de parecer ?!
Pois não era indispensavel que se nos dissesse que altissimo interesse de salvação publica tinha inspirado tá o subita quanto inesperada resolução?!
Pois os deputados da nação portugueza, para se pronunciarem sobre a opportunidade da inserção d'este novo paragrapho na constituição do estado, não mereceram ao governo e á commissão algumas palavras em que se lhes revelasse o motivo de tão extemporanea exigencia ?!
Ah! Sr. presidente, começo a comprehender agora que não se procedeu assim, porque, quaesquer que fossem as rasões que, para justificar tal exigencia se adduzissem contra ellas, haviam de levantar-se implacaveis as palavras do sr. Julio de Vilhena!
A simples sombra de s. exa., porque elle não está aqui, fez emmudecer o sr. relator, que se não atreveu a luctar com uma opinião, embora já lançada ao olvido pelo seu proprio auctor !
A emenda votada pela camara dos pares e acceita pelo sr. presidente do concelho significa, pois, a um tempo, conforme eu disse no começo do meu discurso, a exauctoração do governo, a exauctoração da maioria da camara dos deputados e a exauctoração da propria reforma! E esta a synthese das minhas considerações.
No entretanto, antes de terminar, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu exponha uma duvida que assaltou o meu espirito ao ler as breves palavras do § 7.° do artigo 6.°, segundo a modificação projectada.
Peço a attenção da camara e especialmente a attenção do sr. presidente do conselho para este paragrapho.
Diz-se ahi, com effeito:
«Os immediatos successores dos pares fallecidos e dos actuaes, que existirem, á publicação d'esta lei, terão ingresso na camara dos pares pelo direito hereditario, satisfazendo às condições da lei de 3 de maio de 1878. Esta disposição em nada altera o que fica disposto no § 4.° d'este artigo.»
Como v. exa. sabe, sr. presidente, em diversos casos de interpretação de leis propriamente politicas ou administrativas se tem recorrido às disposições do direito civil.
Quando se tratou, por exemplo, de fixar a maior idade para a lei eleitoral, não foi a maioridade politica, estabelecida na carta, que era de vinte e cinco annos, mas a maioridade civil, estabelecida no codigo, isto é, vinte e um annos, a que se foi buscar para inserir na lei o limite minimo do direito de votar.
No paragrapho, proposto na mensagem da camara dos pares, diz se:
«Os immediatos successores dos pares fallecidos e dos actuaes, que existirem á publicação d'esta lei, terão etc.»
Como na mesma lei não se encontra disposição alguma que esclareça ou explique o que deve entender-se por existencia no paragrapho citado, eu pergunto ao sr. presidente do conselho se é mister n'este caso recorrer ao codigo civil, onde tal palavra tem um significado juridico bem conhecido ?
Desde que se trata, com effeito, de um direito que vae ser concedido a individuos, que por esse facto serão dentro de alguns annos legisladores no nosso paiz, não é indifferente fixar o sentido e a significação precisa dos termos em que está redigida a lei, onde tal privilegio se funda.
O artigo 6.° do codigo civil diz o seguinte:
«A capacidade juridica adquire-se pelo nascimento; mas o individuo, logo que é procreado, fica debaixo da protecção da lei e tem-se por nascido para os effeitos declarados o presente codigo.»
No artigo 1776.° diz-se ainda mais terminantemente o seguinte:
«Só podem adquirir por testamento as creaturas existentes, entre as quaes é contado o embryão.
«§ unico. Reputa-se existente o embryão, que nasce com vida e figura humana dentro de trezentos dias, contados desde a morte do testador».
Estes dois artigos são além d'isso confirmados pelos artigos 177.° e 157.° que são do teor seguinte:
«Será, comtudo, valida a disposição a favor dos nascituros, descendentes em primeiro grau de certas e determinadas pessoas vivas ao tempo da morte do testador, posto que o futuro herdeiro ou legatario venha á luz fóra do praso dos trezentos dias.
«Se, ao tempo da morte do marido, a mulher ficar gravida, fará constar dentro de vinte dias, ou logo que conheça a gravidez, o seu estado ao juiz dos orphãos competente, para que este nomeie curador ao ventre, que tome provisoriamente conta dos bens, que houverem de pertencer ao nascituro.
«§ unico. Esta curatella dura só emquanto durar a gestação».
Eis aqui o que preceitua o direito civil.
São estas disposições applicaveis ao caso presente? É o que eu pergunto.
Vae votar-se o restabelecimento temporario da hereditariedade, e dentro de algumas horas todos os filhos primogenitos existentes dos actuaes pares ficam com direito ao pariato.
Todos os existentes realmente, segundo o direito civil, ficarão com este direito?
Por outras palavras, devem considerar-se existentes para os effeitos da presente lei, só os nascidos ou tambem os nascituros ?
E v. exa. comprehende bem que não é indifferente, uma ou outra das interpretações, porque, se a segunda vae ser a authentica, n'estas poucas horas que nos separam da votação do projecto ainda se podem acrescentar á lista dos futuros pares do reino mais alguns legisladores em embryão! (Riso.- Apoiados.)
A duvida ahi fica, e espero que a ella responderá terminantemente o sr. presidente do conselho.
Como pedi a palavra, antes para protestar do que para discutir este projecto, que de resto está absolutamente discutido e julgado pelas mais altas e insuspeitas auctoridades d'esta casa, vou terminar, por isso que já cumpri com o meu dever.
Não me illudo, sr. presidente, sei que as minhas considerações provocarão, quando muito pro fórma, uma replica, ou do sr. presidente do conselho de ministros, ou do sr. relator da commissão, e que depois as cousas seguirão
o seu caminho, esquecendo o governo em breve as palavras, que n'esta sessão proferi.
A gloria do sr. presidente do conselho poderá contar dentro em pouco mais um capitulo nos seus annaes!
E a mal disfarçada alegria da maioria da camara, por e ter visto livre d'este mau passo, completará o côro da apotheose do sr. Fontes!

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Pois a alegria da camara é que me faz entristecer sr. presidente!
Lendo ainda ha pouco um livro celebre, dos mais celebres mesmo, do immortal Edgard Quinet, d'esse brilhantissimo poeta-philosopho, que ensinou Portugal a ler a assombrosa epopêa de pedra, que se chama Santa Maria de Belem, feriram-me profundamente algumas paginas em que elle se refere ao caracter do nosso povo e á feição pecuhar da nossa nacionalidade.
Diz o grande escriptor, descrevendo a physionomia, que esta casa lhe apresentava, quando ha já bastantes annos, (na epocha em que n'este recinto se feriam as grandes batalhas politicas, como um echo das luctas que dividiam o paiz), elle assomou a uma d'estas tribunas, para presenciar os debates do nosso parlamento:
«O povo portuguez parece que ainda tem no coração o lucto dos grandes desastres que soffreu, ao descer do logar proeminente, que por algum tempo occupou na historia!»
E Edgard Quinet, ao notar essa tristeza sympathica, a que elle chamava a seriedade melancholica de uma nação abatida no seu orgulho, affirmava com convicção que «ao menos este povo tinha a consciencia da humilde posição a que chegara, mas que essa mesma consciencia era porventura o signal de uma proxima e bem vinda regeneração»!
Oh! sr. presidente, se hoje Edgard Quinet podesse levantar-se da sua gloriosa tumba e assistir ao espectaculo que o parlamento portuguez está dando, elle teria achado mais apropriada para nós a censura que dirigiu ao povo hespanhol, de que «com o sorriso nos labios, e quasi louco de alegria, está n'uma festa permanente sobre as ruinas da sua passada grandeza e da sua perdida liberdade»!
Nós temos, não ha duvida, no momento actual a alegria inconsciente de um povo que caminha sem poder deter-se para uma ruina certa! Nada nos preoccupa! Nada nos commove! E com indifferença e quasi com desdem, que as mais graves questões que interessam o paiz são tratadas n'esta casa. Tudo enfastia, tudo aborrece. Nem se estudam as questões, nem se escuta os que procuram estudal-as.
Continuará por muito tempo esta crise, sem uma violenta reacção que lhe ponha termo? Não sei, sr. presidente, mas o estado que atravessamos é de verdadeira agonia do systema parlamentar!
Disse-se aqui, não ha muito, apreciando os estadistas portuguezes, cujo nome anda ligado às differentes reformas da nossa constituição, que Fernandes Thomás era academico, que Passos Manuel foi um ingenuo, que Rodrigo da Fonseca foi um habil, e que a respeito do sr. Fontes só mais tarde a historia poderá dizer como elle deve ser appellidado.
No meu entender, sr. presidente, têem-se passado, apesar da estreiteza do tempo, tantos factos, depois que o sr. Julio de Vilhena lançou á responsabilidade da historia similhante interrogação sobre o valor politico do sr. Fontes, que me parece poder bem prever desde já qual ha de ser o juizo d'essa posteridade, para que se appellou, quando ella tenha de apreciar a significação do estadista que actualmente preside aos destinos politicos do nosso paiz.
Um futuro muito breve deverá dizer, com effeito, que o sr. presidente do conselho, perdoe-me s. exa. o vaticinio, é o homem destinado por uma fatalidade superior para presidir às exequias do parlamentarismo portuguez!
E não nos illudamos, srs. deputados! Temos descido tanto que só espero ver chegar áquella porta um novo Cromwell para pôr escriptos n'este «longo parlamento», que como o seu homonymo do seculo XVII merece bem ter na historia um destino assim! Disse. (Apoiados.)
Vozes : - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - O illustre deputado, que acabou de fallar, começou dizendo que estava cansado e descrente.
Eu não estou descrente, porque ainda tenho fé nos principios, ainda tenho fé na liberdade, ainda tenho confiança ele no systema representativo, e porque creio ainda e firmemente que de todos os systemas que modernamente se têem inventado e dos que antigamente têem existido é este o que mais em harmonia está com as conveniencias de em administrar e dirigir os homens. (Muitos apoiados.)
Estou cansado e devo-o estar, mais do que o illustre deputado, porque as minhas multiplicadas obrigações, e os que deveres dos cargos que sobre mim pesam, naturalmente me obrigam a muito maior serviço, a muito maior concentração de espirito e a muito maior trabalho, absoluta e relativamente fallando, do que as funcções propriamente parlamentares do illustre deputado. (Apoiados.)
Mas esteja eu cansado ou não, visto que não estou descrente, permitta-me o illustre deputado que eu, levantando algumas das considerações com que s. exa. adornou o seu discurso, possa mostrar á camara, ou pelo menos procurar mostrar á camara, que da parte do governo não houve nem humilhação nem desconsideração á maioria, nem desrespeito pelos principios constitucionaes, e que o governo procedendo, como procedeu, não fez mais que dar um passo n'um caminho já encetado por elle, no caminho de transacção politica, para chegar a um resultado definitivo.
Sr. presidente, eu não sei se o illustre deputado está assistindo às exequias do systema representativo, ou se eu estou predestinado para presidir a estes actos funebres apontados por s. exa.; o que sei é que eu sou talvez o mais velho parlamentar dos que aqui se sentam e que em toda a minha vida desde o primeiro dia até agora tenho sempre ouvido dizer a mesma cousa, que eu era o predestinado para assistir às exequias do systema representativo, e que dentro em pouco o paiz se despenharia num abysmo que todos reputam insondavel, mas graças a Deus ainda até hoje não vimos as causas ou as rasões por que elle haja de precipitar-se. (Apoiados.)
Isto, sr. presidente, é uma flor de rhetorica. Exequias do systema representativo! Porque? Porque estamos discutindo uma emenda feita na outra casa do parlamento a um projecto que lhe foi remettido d'esta camara. E porque ao- esta emenda está em desharmonia com as idéas do illustre deputado, e póde estar em desharmonia com as idéas de alguns membros d'esta camara, e porque esta emenda na sua opinião contraria um principio, eu hei de mostrar logo que não contraria, entende o illustre deputado que estamos assistindo às exequias do systema representativo e que sou um eu o homem predestinado para presidir a essas exequias! (Apoiados.)
Evidentemente isto é rhetorica. Exequias! E falla-nos em Cromwell! (Apoiados.) Pois no meio de uma liberdade completa e absoluta, que a não póde haver maior em parte alguma do mundo, (Muitos apoiados.) no uso mais liberal, e o e mais largo da palavra e da imprensa, (Muitos apoiados.) na falla-se em Cromwell e em exequias do systema representativo ! (Muitos apoiados.)
Onde está a oppressão e a tyrannia? (Apoiados.) Onde ido estão os tyrannos? Eu quero vel-os; e se sou eu o tyranno em miniatura, microscopico, quero olhar para mim, e offerecer-me às iras dos meus adversarios.
Isto é rhetorica e mais rhetorica. E eu não a contesto porque é muito apreciavel, serve para adornar os discursos e para amenisar as discussões. Mas esta rhetorica tetrica que faz arripiar os corpos, dizendo-nos que está imminente o abysmo que nos ha de sorver a todos, e que estamos assistindo às exequias do systema representativo, essa rhetorica parece-me fora de tempo, de logar e de proposito para o caso de que se trata.
O governo está exauctorado na minha pessoa, a maioria fica exauctorada e desconsiderada pelo governo, o systema representativo fica aniquilado e perdido. Isto disse o illustre deputado. E porque? Porque a camara dos pares votou uma emenda ao projecto das reformas politicas. Pergunto,

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desde que se resolveu que a camara dos pares não podia ser privada do direito de cooperar na lei de que se trata, era ella obrigada a subscrever a tudo quanto fosse da camara dos deputados ? Evidentemente que não; e eu levanto-me contra a pretensão que alguem possa ter de que a camara dos pares seja unicamente chancella do que faz esta camara. A outra camara podia dizer que não queria ser chancella desta camara, (Apoiados.) e desde que ella intervém, e desde que é chamada a cooperar nas reformas politicas, póde fazer uma emenda a um artigo que julgue menos conveniente á causa publica. Até aqui não ha nada que possa ferir os melindres da camara dos senhores deputados.
Mas diz-se que é um acto addicional á carta. Transpor temos-nos pois um pouco ao passado, porque o passado é a historia, e o illustre deputado é muito versado n'ella para estranhar que eu invoque quaes são os precedentes que temos em casos d'esta natureza.
Houve um acto addicional á carta, e o que aconteceu? Aconteceu mais alguma cousa do que na occasião actual. Aconteceu que a camara dos deputados rejeitou uma emenda da camara dos pares; esta camara restituiu-a e a camara dos deputados acceitou a emenda da camara dos pares, apesar de ter rejeitado antes a proposta apresentada ao seu julgamento. Pois alguem póde julgar-se desconsiderado porque se acceita uma emenda da outra camara, mesmo quando essa emenda tivesse já sido rejeitada, que o não foi? Pois isto exauctora alguem? O que exauctora são as más acções, é a pouca fé nos principios, é a falta de tino politico, é a subserviencia a uma theoria implacavel, quando é necessario que os governos se inspirem das circumstancias e se convençam de que muitas vezes é necessario applicar um coeficiente a essas theorias para que possam ser productivas.
Se lançamos os olhos pela Europa, o que vemos? O que se está passando em Inglaterra? Não vemos darem-se transacções constantemente entre o governo e os seus amigos, entre o governo e os seus adversarios? Querem com uma inflexibilidade absoluta estabelecer uma theoria que não admitta transacção alguma senão entre os que governam?
E quando se sae d'esta vereda diz-se que estamos assistindo às exequias do systema representativo!
É preciso que tenhamos olhos para ver, e para ler ao menos, quando não vejamos, o que se passa nos outros paizes; vejamos todos os dias o que se faz em todos elles. Não é n'um só, em que se não póde de maneira nenhuma collocar o governo, nem os homens que dirigem os partidos politicos, n'uma situação de invariabilidade tal que não se admitta a transacção.
Mas esta transacção fere os principios ? Nós que viemos aqui sustentar o principio que condemna a hereditariedade como meio de governo, como fonte de legisladores futuros, vimos agora derrogar, destruir, negar esse principio ? Onde rã é que n'este projecto se declara que a hereditariedade fica subsistindo? Pois a hereditariedade porque ficou transitoriamente subsistindo em relação a um numero limitado de individuos quer dizer, que fica absolutamente subsistindo, que o parlamento ou o governo revoga o principio em nome do qual sustentara a conveniencia de acabar com o principio da hereditariedade?
D'esta maneira todos os artigos transitorios das leis, que são a negação, em parte, dos principios estabelecidos nos outros artigos das mesmas leis, são a negação desses principies, são a exauctoração de quem os propoz e votou. Isso não é assim. (Apoiados.)
Que fez a lei dos vinculos, que tem grande analogia com esta?
A lei dos vinculos acabou com elles por uma vez ? Não, senhor; estabeleceu excepções na propria lei, excepções que salvaguardaram os direitos dos immediatos successores. Porventura era isto a negação do principio da lei? Era uma excepção necessaria imposta pelas circumstancias, que homens d'aquelle tempo julgaram conveniente acceitar no interesse da medida que queriam fazer prevalecer. (Apoiados.)
Quando se diz no artigo 1.°- ficam abolidos os vinculos - quer dizer que ficam abolidos totalmente? Onde está estabelecido isso ? Entende-se que tem excepções, e são os mediatos successores exceptuados. E isso exauctorou alguem? Os homens d'esse tempo que votaram a lei ficaram desconsiderados ? Certamente que não. Houve uma transacção que se julgou conveniente para atacar principios que reputaram radicados pelo tempo e que para os destruir a preciso empregar uns certos meios mais evidentes a se fim do que a simples referencia do artigo 1.° Esta é que é a verdade.
E permitta-me o illustre deputado que lhe diga que o governo não passou pelas forcas candinas, o governo, eu, porque aqui quando se trata do governo tudo se dirige a mim; eu consubstancio todo o governo, todos os males, erros, crimes, crimes não, porque não se commettem crimes, mas erros todos os commettemos, todos os meus amigos e collegas commettem erros, mas eu sou responsavel por tudo. Tudo quanto se faz de bom, de conveniente e de agradavel é d'elles; e o que é mau é da minha responsabilidade.
Pois bem, o que é verdade é que na camara dos pares projecto já estava votado, e eu pensava que era por ahi que o vinham atacar; mas não, ataca-se dizendo que eu passei pelas forcas caudinas. As forcas caudinas foram armadas para fazer passar por baixo d'ellas alguem. Quem armou? Ninguem; porque o projecto estava votado, e do que se tratava era de um additamento, que se não fosse acceite por mim e votado pela camara a lei ficaria mo estava, nem tinha que soffrer mais discussão. Por esse lado podia eu ser combatido. Mas porque a camara dos ditos pares me impozesse uma solução, fazendo-me passar por baixo das forcas candinas, isso é que eu não esperava vir do illustre deputado, porque o fiz expontaneamente (Apoiados.) Posso ser condemnado por isso, mas não porque vergasse diante d'uma imposição feita por qualquer camara, ainda que não fica mal a nenhum ministro, a nenhum governo, o ter em attenção a opinião d'uma camara legislativa para diante d'ella modificar as suas opiniões, (Apoiados.)
E se na opinião do illustre deputado eu devia ser implacavel e inexoravel diante da outra camara, pergunto-lhe se elle, a respeito da camara dos senhores deputados, de que é membro, entende que eu posso constitucionalmente sobrepôr-me a ella e impôr-lhe a minha vontade. (Apoiados.)
Noto que s. exa. quando falla suppõe que o parlamento só esta camara. O parlamento compõe-se de duas camaras, e o governo tem de estar entre uma e outra, procurando harmonisal-as e conduzir os negocios a melhor termo. (Apoiados.)
Quando o projecto estava para ser votado na outra camara, appareceu uma proposta de additamento. Essa proposta não condemnava o principio da hereditariedade, mas reforma não se reduz unicamente a isso. Quem ouvisse s. exa., e não soubesse o que era a reforma, havia de pensar que a reforma da camara dos pares se reduzia a acabar com a hereditariedade. Como essa disposição se póde considerar como artigo transitorio para exceptuar a hereditariedade em relação a um certo e determinado numero de individuos, poderia parecer uma revogação até certo ponto, mesmo provisoriamente, do principio estabelecido na lei. Mas não é.
A reforma da camara dos pares vae muito mais longe, ao valerá nada a introducção do principio electivo na outra casa do parlamento? Não valerá nada a introducção ! cincoenta pares eleitos pelos collegios eleitoraes? (Apoiados.)

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Pois isto não opera no animo e no espirito de s. exa., para só dizer que o facto de acceitar essa proposta é a condemnação completa, é a exauctoração do governo e das camaras? Aqui não ha exauctoração, ha uma disposição limitada a respeito de um unico ponto, para que tende legislar o projecto da reforma.(Apoiados)
Mas a prova mesmo de que a hereditariedade acabou de que o principio da lei não está de modo algum contrariado, nem revogado por esta disposição que estamos
discutindo, é que, se amanhã nascer um filho a um membro da outra casa do parlamento, esse filho não é par. Aqui está a hereditariedade, que na opinião do illustre deputado continua a manter-se como d'antes, e torna esta reforma uma ficção, como s. exa. disse, mas é uma ficção que dá este resultado.
Agora quanto á questão de ser ámanhã ou depois, em relação ao praso fixado pelo código civil, isso, que é propriamente uma questão juridica, os jurisconsultos que a tratem. Para elles estas questões, quando apparecem, são magnificas. Eu sou hospede na sciencia do direito. Sou hospede?... Sou ainda menos do que hospede.
O que eu quero é accentuar de uma maneira clara e positiva que o principio estabelecido na lei não fica revogado de modo algum; fica apenas n'ella uma disposição transitoria, como em muitas outras leis.
É isto simplesmente.
Eu, que sou leigo, tenho a ingenuidade de o confessar e nem era preciso, já todos o sabem; mas é notável, nem sempre os que são leigos n'aquillo de que eu sei alguma cousa, o confessam.
Estou a ouvil-os todos os dias fallar em assumptos que são da minha especialidade, e nunca confessam que são leigos! E eu agora estou a imital-os.
Entretanto, peço licença para dizer uma cousa; quando a lei de 19 de maio de 1863 quiz comprehender a especie a que se referiu o illustre deputado, disse-o expressamente, e se s. exa. a quizer ler, lá verá que não só se resalvavam os immediatos successores já existentes, mas aquelles que estivessem para nascer.
Disse-o expressamente; e aqui diz-se exactamente o contrario.(Apoiados.) Aqui diz-se: aquelles que existirem agora, na actualidade.
Eu bem sei que se poderá discutir, se existe, ou não uma creança que ainda não nasceu; isso é uma questão de obstetrícia, é uma questão de medicina legal.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Essa disposição era indispensável na lei dos morgados, porque então não existia ainda o codigo civil.
O Orador: - Mas existiam as leis do reino. O codigo civil em muitos pontos não fez mais do que copiar as lei do reino.
Mas que seja assim, ou de outro modo, para a minha questão é a mesma cousa; é demora de mais ou menos uns mezes...
S. exa. de certo não imagina que os pares hão de ir agora nascer a toda a pressa...(Riso.)
Sr. presidente, como o illustre deputado disse que não queria demorar a discussão, nem fazer obstruccionismo o que é muito louvável da parte de s. exa., com s. exa. disse isso, não hei de ser eu que o vá fazer, porque isso seria contra a natureza.
Agora o que eu vou dizer, é única e simplesmente uma cousa, para defender um amigo ausente. São duas palavras apenas para defender o sr. Júlio de Vilhena.
S. exa. não merecia a accusação que o illustre deputado lhe fez por causa da supposta incoherencia que resulta d'elle ter estabelecido um principio no relatório de 1883 e de ter assignado este projecto.
Este projecto não quebra esse principio, estabelece uma excepção temporária, e nada mais.(Apoiados.)
O sr. Júlio de Vilhena não carece, aliás, de que o defenda.
Todos sabem que o sr. Júlio de Vilhena é um caracter honrado e respeitável, (Apoiados.) que é um homem de idéas novas, e não agarrado aos preconceitos antigos, sabendo defender as suas opiniões e o seu modo de pensar.(Apoiados.)
Se elle julgasse, e para mim é este um argumento de auctoridade que eu não tinha e que o illustre deputado me deu; se elle, que é muito competente, e eu sei aprecial-o, porque foi meu collega, julgasse que era isto uma exauctoração, tinha bastante hombridade e bastante dignidade para não se prestar a ella. (Apoiados.)
Tenho dito.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas do seu discurso.)
O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, a minha assignatura não figura no parecer da illustre commissão de reformas politicas que está sujeito ao debate, porque na occasião em que a commissão se reuniu para este trabalho, estava eu usando, nesta casa, da palavra que me tinha ficado reservada da sessão anterior; e não podia accumular os dois serviços ao mesmo tempo.
Dada esta explicação, que reputei necessária, entro no debate.
A questão das reformas políticas, para mim, está finda e fechada com a votação que teve logar n'esta assembléa.
Combati em quanto pude e como pude o projecto de reformas constitucionaes, que foi submettido ao exame do parlamento. Mas desde que elle foi votado na camara popular, a minha missão parlamentar a este respeito expirou; e não tinha mesmo que preoccupar-me com o resultado da votação na outra casa do parlamento.
Reconheço á camara dos dignos pares o direito plenissimo de examinar as proposições de lei, que lhe são enviadas da camara electiva, e de fazer as alterações que entender convenientes.
Nas poucas palavras, pois, que vou proferir, ácerca da emenda sujeita á apreciação parlamentar, com quanto sejam todas em desfavor ao voto d'aquella assembléa, não ha a menor falta de respeito, nem menos consideração pelos membros que compõem aquelle ramo do poder legislativo.
Não tenho diante de mim na discussão d'esta emenda senão a illustre commissão de reformas politicas da camara electiva, e o governo. A outra casa do parlamento não vem para nada á discussão.
Também não levanto a propósito d'esta emenda um debate politico.
Que se armassem ou que se não armassem as forcas caudinas, a fim de vingar esta emenda, que alguém passasse ou que ninguém passasse por debaixo d'ellas, é facto para mim completamente indifferente, n'este momento.
Por agora quero simplesmente expor o que é a emenda sujeita á nossa apreciação.
Sr. presidente, se não fora tão partidária como é a maioria da nossa assembléa, a emenda feita na outra casa do parlamento poderia ser um salvaterio das instituições politicas vigentes.
Esta emenda imprime tal cunho de favoritismo politico e de arranjos pessoaes no projecto de reformas politicas, que com outra maioria menos acostumada do que esta a votar em tudo, e por tudo, com o governo, seria rejeitada in limine. Assim ficaríamos sem o projecto, que é mil vezes peior que a carta, e que, a pretexto de melhorar as instituições politicas, deixa tudo desorganisado, ou antes, só organisado para governo puramente pessoal.
Não me alongo n'este assumpto. Já d'elle me occupei largamente nesta casa.
Levanto-me unicamente para sondar os meus collegas e o paiz pelo ingresso de uma idéa nova na constituição do estado, idéa que não só é absolutamente nova, mas que é absolutamente desconhecida das constituições do mundo.
Bom ou mau principio, tinha, segundo os tempos, a sua

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justificação no interesse publico a hereditariedade do pariato.
Mas achar má a hereditariedade do pariato como instituição politica, e declaral-a boa com respeito aos filhos dos pares, que votaram as reformas constitucionaes, é, permitta-se-me a expressão, que não a encontro mais doce para significar o meu pensamento, o cumulo da extravagância.
Era mais decoroso ter deixado de pé o principio da hereditariedade, como estava na carta, do que ir estabelecer a hereditariedade temporária, isto é durante vinte e seis annos, para servir unicamente aos filhos dos pares actuaes. Nem havia inconveniente em manter o que estava em homenagem ao decoro publico. Com esta emenda teremos ainda a hereditariedade do pariato durante vinte e seis annos; e n'este largo espaço de tempo Deus sabe o que teremos ainda de presencear em matéria de reformas políticas!
É tão afrontosa das liberdades populares, e tão contraria ao prestigio dos poderes públicos, a emenda introduzida no projecto pela outra casa do parlamento, aliás no uso plenissimo do seu direito, que ou eu me engano muito, ou essa emenda ha de servir de base ao primeiro período do novo relatório que ha de preceder as novas reformas políticas, se de relatório ellas forem precedidas.
A emenda importa uma grande novidade para o direito politico portuguez. Dá-nos pares do reino em duas vidas!
Já tínhamos condes, viscondes, e barões em duas vidas, verificando-se n'alguns casos a segunda vida só pela morte da primeira.
Temos agora tambem pares do reino em duas vidas, verificando-se a segunda pela morte da primeira!
Esta instituição de pares do reino em duas vidas não é perpetua. Ha de durar só vinte e cinco ou vinte e seis annos, isto é, o tempo preciso para aproveitar aos filhos dos pares do reino, que votaram n'este anno as reformas políticas.
É uma lei com o cunho accentuado de lei pessoal, como de caracter exclusivamente pessoal são as reformas constitucionaes.
A julgar pelas estatísticas publicadas na imprensa, esta nomeação de pares em duas vidas aproveita a perto de quarenta indivíduos desde já; e Deus sabe ainda a quantos mais aproveitará!
Por occasião de se discutir na outra casa do parlamento o projecto tendente a reconhecer a necessidade da reforma da carta, ouvi eu a um distincto orador, que condemnava a abolição da hereditariedade, sustentar sem contestação de ninguem, que o principio da hereditariedade hoje não aproveitava já senão a um indivíduo que elle designou pelo seu nome, e que n'aquella occasião entrava na respectiva camara.
Pois o principio da heriditariedade, que no praso de um anno passou de aproveitar um indivíduo para ir aproveitar a quarenta, a quantos irá aproveitar ainda no longo periodo de vinte e cinco ou vinte e seis annos! (Riso.)
A questão em todo o caso não é de grande importância para os interesses públicos.
Desde que a nova reforma tem o cunho de uma reforma puramente pessoal, e não o cunho de uma reforma constitucional, pouco póde a emenda aggravar os males do novo acto addicional á carta. O que eu estranho é esta guerra implacável aos celibatários da outra casa do parlamento.
A emenda parece que representa um acinte contra os pares celiberatarios sem filhos.
Não percebo a rasão porque hade dar-se este bonus só aos dignos pares, que têem já filhos nascidos, ou a nascer dentro de trezentos dias, e porque se não ha de dar a todos os dignos pares, que venham a casar ou a ter filhos fora d'aquelle praso, igual remuneração.
O certo é que o projecto de reformas politicas tem artigos de vantagem para todos, e com sobrescripto para todos menos para a pobre camara dos deputados! N'este projecto ha artigos para todos os poderes do estado, que intervem na formação das leis, não só para os que já intervieram, mas para os que têem ainda de intervir.
Escuso de apontar esses artigos. São obvios á rasão de todos.
Só a camara dos deputados não foi contemplada, nem em vida, nem por morte!
Pelo contrario, até agora lhe tiram, á ordem da outra casa do parlamento, o direito de eleger 25 dos 50 pares, que hão de fazer parte d'aquella assembléa!
A camara dos dignos pares com a emenda, que lhe dá o pariato aos filhos, portou-se principescamente!
O amor de família, e sobretudo o amor de pae, nunca foi um crime!
Pelo contrario, todos conhecem aquella regra de moral, que «a caridade bem ordenada principia por nós!»(Riso.)
Estabeleceu-se na lei dos morgados de 30 de julho de 1860 e a regra geral da extincção de todos os vinculos e capellas, que não tivessem de rendimento liquido annual 400$000 réis; e logo ao pé se consignou a excepção, eminentemente patriotica, de que tal preceito não abrangia os vinculos, de que fossem administradores ou immediatos successores os pares do reino, salvo se elles assim o reclamassem!
É gravíssima a responsabilidade do sr. presidente do conselho, acceitando esta proposta, que não póde ter outras consequências politicas, senão importar humilhação e exauctoração para a outra casa do parlamento, exauctoração e desprestigio de que a historia ha de tomar severas, contas ao governo. (Apoiados.)
É obrigação de todos nós velar pelo prestigio dos differentes poderes do estado.
Votei contra o projecto das reformas politicas, porque desorganisa a constituição do estado, e porque só serve para affirmar cada vez mais a influencia do governo pessoal.
Mas desde que o parlamento portuguez, com a sancção da corôa, der força de lei a qualquer reforma, o meu desejo é que a lei produza bons resultados, e que todos os corpos do estado mantenham o prestigio, que é necessario á estabilidade das instituições e aos interesses do paiz.
Em que situação fica agora a outra casa do parlamento com esta emenda, que o governo acceitou?
N'uma situação deplorável.
Pois vae um projecto de tão alta importância, como é a reforma da constituição do estado, ao debate na camara alta, e a única falta que aquella assembléa politica encontra num projecto, tão vasto e tão complexo, é não se dizer que os filhos dos pares do reino, ou já nascidos, ou que venham á luz dentro de trezentos dias, serão pares do reino tambem! Esta situação é impossível e inexplicável para uma assembléa, que não póde viver senão do prestigio e da auctoridade que lhe dão os seus actos patrióticos. (Muitos apoiados.)
A emenda, introduzida no projecto na outra casa do parlamento para dar o pariato aos filhos dos pares actuaes, produz ainda o resultado extraordinário e estravagante, de com as vacaturas poder augmentar, em vez de diminuir, o numero dos pares, que ficam a mais. Quer v. exa. saber como póde dar-se o caso do numero de pares augmentar, em vez de diminuir, pela morte de alguns?
Figuro uma hypothese, que se não realisa todos os dias, mas que póde realisar-se. Eis o caso.
Morrem três pares do reino que deixam todos immediatos successores, que lhes hão de succeder no pariato.
Entram logo mais três, por direito de herança; e, como em caso algum a corôa deixa de nomear um por cada três vacaturas, em logar de três, que faltam, entram quatro para substituir os três!
Realmente valeu a pena andar a gastar tempo para fazer umas reformas políticas que conduzem a tão extravagantes resultados!

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Para que havia de o governo transigir por fórma que prejudicava o pensamento fundamental do projecto que visa á diminuição do numero dos pares actuaes até ficarem reduzidos a cem, e de transigir quando o projecto já esta votado, segundo declarou o próprio sr. presidente do conselho, quando elle próprio confessa que, senão tivesse aceitado a emenda, o projecto teria ficado sem ella?
Quaes foram os motivos que determinaram tão cerebrina transacção ?
Nós o saberemos mais tarde.
Em todo o caso a emenda nem melhora nem peiora uma reforma inteiramente subversiva dos bons princípios constitucionaes. A emenda serve apenas para prejudicar o prestigio e offender a dignidade dos indivíduos que actualmente constituem um dos ramos do poder legislativo.
O projecto está redigido por fórma, que até póde entrar em duvida, se as vacaturas por morte dos bispos que fazem parte da camara dos dignos pares, como pares vitalicios, tambem se hão de contar para o effeito de a cor nomear um por cada três vacaturas se se lhe der esta interpretação a camara ficará como está durante vinte ou trinta annos!
Repito que não reputo crime o amor de família, e nada teria que observar, se os legisladores que compõem a outra casa do parlamento, fazendo desde já legisladores seus filhos também, não ferissem de desprestigio a assembléa a que pertencem, e não viessem transformar a augusta profissão de legislar numa espécie de resurreição dos antigos prazos de vidas.
Acabámos com os prazos de vidas, e portanto com o direito de renovação; e acabámos com os morgados, que eram instituições puramente civis. Mas vamos restaurar os morgados e os prazos de vidas, como instituição politica, applicada ao direito de legislar, direito que n'um paiz livre não póde emanar senão do voto popular!
Custa realmente a comprehender esta guerra sem treguas aos pares celibatários, cujo voto não tem menos merecimento nem menos valor do que o dos pares com filhos nascidos ou por nascer!
Aos pares celibatários podia e devia dar-se outra compensação para ficarem num verdadeiro pé de igualdade!
Em todo o caso ficâmos com os pares actuaes, com doze bispos pelo menos, com os infantes, com os pares electivos e com os mais pares que Deus der!!
N'este assumpto o que sobresáe, o que sobreleva a tudo é a responsabilidade gravissima que pesa sobre o sr. presidente do conselho, de ter acceitado uma emenda que importa a maior exautoração para a outra casa do parlamento, cujo prestigio é preciso manter.
Estas poucas palavras significam apenas o meu protesto, não contra uma assembléa politica a que de mais a mais não pertenço, mas contra o procedimento do governo, que acceitou uma emenda que vem aggravar as condições tão más da reforma, e lançar o desfavor publico sobre outra casa do parlamento, cuja dignidade todos devem zelar no interesse das instituições e no interesse do paiz.
Á camara dos senhores deputados digo unicamente que rejeitando a emenda em discussão, dá cabo d'este simulacro de reformas que representam a desorganisação da carta e a affirmação do governo pessoal, e por esta fórma presta homenagem aos bons princípios, e faz relevante serviço ao paiz. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Não me levanto para defender o parecer em discussão, porque não foi atacado, nem para combater uma certa ordem de idéas apresentadas pelo illustre deputado que acaba de fallar. Levanto-me unica simplesmente para defender a camara dos dignos pares. Apesar de todas as precauções oratórias que s. exa. tomou foi naturalmente collocal-a n'uma posição pouco invejavel, quando disse que aquella assembléa politica depois de ter examinado a lei e achado muito boa apenas julgou que merecia modificação um ponto em virtude do qual resalvava o direito presumível dos pares existente.
A questão posta n'este terreno não é agradável para a camara dos dignos pares. Embora eu não possa aqui fallar como membro d'aquella camara, comtudo pela harmonia que eu entendo que o governo deve manter sempre entre os dois corpos collegislativos, não parecerá mal á camara que eu diga estas poucas palavras em defeza d'aquella alta corporação politica. (Apoiados.)
Eu comprehendi e comprehendo que na camara dos dignos pares podia ter passado o projecto como estava; mas não me parece que o direito politico adquirido possa ter a força e a importância que s. exa. lhe attribue.
Os direitos politicos, todos os direitos, ainda mesmo os naturaes, precisam estar sanccionados por uma lei politica para poderem ser respeitados devidamente pela sociedade.
A lei politica existe não só em relação a outros direitos, mas em relação aos direitos politicos, como aquelles a que se referiu o illustre deputado.
Creio que nós podiamos ter feito uma reforma mais radical como desejavam outros partidos e não aquelle que está actualmente á frente do poder, e a respeito da qual s. exa. se enganou redondamente quando disse que julgava que eu era o único homem que podia fazer a reforma e por isso...
O sr. Dias Ferreira: - Peço a palavra.
O Orador: - S. exa. pediu a palavra. Pensou talvez que eu o estou aggredindo.
O sr. Dias Ferreira: - Eu pedi a palavra só para uma explicação.
O Orador: - A fallar a verdade dizer que s. exa. se engana parece-me que não é mais do que repetir o que todos os dias os illustres deputados dizem com respeito á minha pessoa; e não só que eu me engano, mas que pratico actos extraordinariamente contrários ao senso commum e á felicidade do paiz, coduzindo-o a uma ruina certa e inevitável.
Quando se diz isto de mim, parece-me que tambem posso dizer que os meus adversários se enganam, e s. exa. parece-me que tambem se enganou quando disse que eu era o único homem capaz de levar ávante a reforma politica.
Eu estou respondendo ao illustre deputado por deferência com a sua pessoa. Podia ter-me callado e creio que a proposta se ía votar; mas costumo ter essa deferência com homens da importância de s. exa., que alem d'isso é meu amigo pessoal...
Mas se ella póde ser tomada em conta de um ataque dirigido ao illustre deputado e se ella vae provocar retaliações da sua parte, estou com vontade de me sentar para não dizer mais nada.
Sustentar s. exa. que a hereditariedade continua durante um certo numero de annos, parece-me que não é asserção que represente a verdade dos factos.
A hereditariedade continua em relação a um certo numero de indivíduos, mas não com relação a todos os pares, porque muitos dos pares actuaes, se se for examinar a situação de cada um d'elles em relação ao modo de constituir família, ver-se-ha que a maior parte d'elles não deixa successão; e quando daqui a quatro, seis ou oito annos, dentro dos vinte e seis annos, qualquer destes pares constituir família não deixa aos seus herdeiros o pariato. (Apoiados.)
Por consequência, não se póde dizer que continua o principio da hereditariedade; continua por medida transitória em relação a uns certos e determinados individuos.
Portanto a questão está aqui.
A reforma podia ser mais radical, mais importante; a reforma podia acabar com a camara dos pares como está actualmente, a reforma podia tudo, podia até acabar com os pares existentes.

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Pois o que se fez reformando a camara dos pares não foi o reconhecimento de certos direitos adquiridos?
Levar mais longe esse reconhecimento podia ser um erro, debaixo do ponto de vista do illustre deputado, mas não era quebra de doutrina e do principio estabelecido na lei. (Apoiados.)
A respeito dos bispos não digo nada.
Elles são pares por direito próprio e com relação a elles não ha a intervenção da corôa.
Eu não quero cansar mais a attenção da camara; e se me levantei foi por consideração pelo illustre deputado, e porque julguei que respondendo-lhe fazia uma cousa agradavel.
O que posso, porém, assegurar é que eu desejo tanto como elle que os corpos legislativos se elevem á altura em que devem estar collocados, por honra d'elles e da nação.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Dias Ferreira: - Não tenho que escandalisar-me, e antes que agradecer ao sr. presidente do conselho a deferencia com que veiu responder ás minhas observações. Nem eu esperava resposta, porque comecei por declarar que não vinha levantar discussão com ninguém, e apenas lavrar o meu protesto contra a doutrina da emenda que eu julgava subversiva dos bons principios, e attentatoria da dignidade dos altos poderes do estado.
A mim não me são nunca desagradáveis as replicas parlamentares, que partem de oradores de verdadeiro talento, porque o talento é incompativel com a injuria. (Apoiados.)
Até o sr. presidente do conselho, com umas expressões equivocas de que usou, me preparou uma explicação que ha de deixar a nossa posição perfeitamente clara.
Ha longos annos que sustento n'esta casa a necessidade das reformas politicas; e ninguém nunca me ouviu decerto opiniões differentes sobre este assumpto.
Também eu disse diversas vezes que a pessoa mais competente para se collocar á frente das reformas politicas era o sr. Fontes.
Repito hoje a mesma cousa.
Dou agora a rasão do meu dito; ou antes, repito agora a rasão do meu dito, porque não é hoje de certo a primeira vez que eu tenho declarado á camara as rasões por que entendo que o sr. presidente do conselho é actualmente o mais competente para se collocar á frente das reformas politicas.
Não é só pelos seus merecimentos que eu julgava o sr. Fontes o homem publico mais asado, para pôr hombros á empreza das reformas politicas. É também, e sobretudo, porque as circumstancias politicas o favorecem, no momento actual, como a ninguém.
N'este momento, com esta engrenagem política, em que se move a nossa administração, e com as forças que influem; actualmente na vida politica da sociedade portugueza, é o sr. Fontes quem póde dispor de mais influencia no paiz para levar a uma solução pacifica o problema das reformas politicas. Demais, o sr. presidente do conselho é, por muitas rasões, que agora não ha necessidade de explicar, quem offerece mais garantias aos interesses conservadores, que não se assustam nem julgam em perigo as liberdades da velha carta, tomando s. exa. a iniciativa das reformas.
Mas esta posição, que o seu talento e varias circumstancias lhe crearam, não o habilitam para fazer reformas de phantasia, formulando projectos a seu arbitrio, sem contemplação com os programmas dos differentes partidos, com as exigencias do espirito publico, e com os interesses mais vitaes da nação.
Se o sr. presidente do conselho, em vez de adoptar exclusivamente as suas opiniões, e sem seguir tambem precisamente as opiniões dos outros partidos, se mantivesse n'um meio termo, ou antes se conformasse com a vontade da nação e com os interesses do paiz, tinha prestado um grande serviço ás instituições.
Era o mais competente para lhes prestar esse serviço. Não quiz, porém, seguir esse caminho. Abusou, em vez de usar, da influencia que as circumstancias lhe proporcionavam.
Era effectivamente o sr. presidente do conselho, o mais competente para emprehender as reformas politicas; mas, desde que entrou no caminho das reformas, não em harmonia com as aspirações da opinião publica, mas unicamente para fazer reformas politicas por sua conta e risco, as quaes poderão ser úteis a quem quer que seja, mas não ao paiz, eu continuo a dizer que s. exa. era o mais competente para promover a reforma da constituição: e tenho apenas a acrescentar, que lhe fica a responsabilidade de não querer aproveitar essa competência em beneficio do paiz.
Com esta breve explicação, fica perfeitamente esclarecida a referencia que me fez o sr. presidente do conselho.
O sr. Bernardino Machado: - Sr. presidente, tomarei pouco tempo á camara.
O meu nome não assigna este projecto, porque o convite para a sessão da commissão me chegou tarde.
Creio que estamos todos de accordo em que esta emenda é má: discute-se apenas se é mais ou menos má. Esta emenda parece-me tambem inconveniente. Não devia
apparecer na occasião em que um partido tem andado a propalar que as reformas politicas são insignificantes. Parece-me ainda que esta emenda póde tomar-se como menos airosa para a camara dos deputados, desde que, por parte do governo, nenhuma das idéas que se apresentaram aqui foi acceita.
Mas eu não terei duvida em votar a emenda, apesar de entender, como toda a gente, que ella é má, apesar de a reputar menos conveniente, se acaso for convencido do valor do sacrifício.
Das palavras do sr. presidente do conselho deprehende-se que esta emenda não era necessaria para fazer vingar a reforma, e que foi acto expontaneo seu. Se a não acceitasse, o projecto, que já tinha voto da camara alta e da camara dos deputados, iria á sancção regia.
Eu comprehendia que o governo e a maioria cedessem para fazer vingar uma parte ao menos do projecto das reformas politicas; mas visto que esta emenda não foi para salvar as reformas politicas, o novo acto addicional, cuja efficacia demonstrei, e na qual ainda creio, careço de que o sr. presidente do conselho me diga qual a necessidade que a aconselha.
Esta emenda torna-se necessaria para que o ministerio se conserve? (Apoiados da extrema esquerda.)
Eu entendo que não; e agora talvez que a opposição me não apoie. O actual gabinete tem o apoio leal da sua maioria, (Apoiados,) mas tem tambem a seu favor a fraqueza da opposição.
A opposição ou não o combate, ou os seus combates são são meramente de apparato.
(Interrupção.)
Eu não me referi a s. exa., refiro-me ás opposições que têem maior representação parlamentar.
Não ha governo nenhum que não procure nobilitar a sua iniciativa trazendo ao parlamento projectos bons; em regra os projectos que os ministros trazem á discussão do parlamento têem sempre um fundo de utilidade; por isso a funcção essencial da opposição é fiscalisar a administração do governo, e eu vejo que a opposição está satisfeita com a nossa administração.
Uma voz: - Está enganado.
O Orador:-Ella está tão satisfeita que é voz publica que ha luctas internas na opposição progressista só para ver quem ha de merecer melhor as boas graças do governo. (Riso.)
Portanto não creio que fosse por o governo se receiar da opposição que cedeu a esta emenda.

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Mas supponhamos que foi, supponhamos que elle quiz satisfazer a certos elementos dispersos da opposição para tornar ainda mais fácil a sua marcha politica.
Pergunto: qual é o seu fito ?
Eu tive occasião de dizer aqui quando o sr. presidente do conselho não estava presente, e repetil-o-hei hoje, que considero s. exa. o primeiro vulto da politica portuguesa n'este momento da nossa historia; e estou disposto a votar esta emenda se effectivamente, como espero, o sr. presidente do conselho me convencer de que é necessario para que as reformas que s. exa. tem em mente e que devem ser proveitosas para o paiz, se realisem.
Mas essas reformas, já defini o que devam ser. Entendo que nós hoje não carecemos senão parcamente de melhoramentos materiaes. Estes melhoramentos constituem apenas os instrumentos, a ferramenta nas mãos de uma nação; torna-se necessario que o operario cultive a sua intelligencia para trabalhar com utilidade e produzir.
Por isso eu que admiro no sr. presidente do conselho estadista que soube fomentar o desenvolvimento material do paiz sob a auctoridade de Rodrigo da Fonseca Magalhães, desejaria que hoje uma politica no sentido do desenvolvimento da instrucção publica achasse o apoio e a protecção de s. exa.
Termino. Preciso saber qual o valor d'esta emenda para poder dar-lhe o meu voto. Estou, porém, certo de que o sr. presidente do conselho com o seu alto tino politico não podia acceitar uma proposta que não fosse de interesse publico, e espero por isso que as explicações que peço a s. exa. me hão de satisfazer completamente.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello: - Eu não precisava de proposta para fazer votar a lei, mas quando ella se apresentou pareceu-me que significára o assentimento da camara e como entendo que não sou ministro absoluto, mas parlamentar e me pareceu tambem estar de accordo com o sentimento da maioria das duas camaras, julguei conveniente parte do governo acceitar essa proposta uma vez que commissão a examinasse.
Na commissão a proposta tinha o assentimento da maioria, e n'esses termos já parecendo-me que tinha tambem approvação da maioria da camara, julguei que não haveria na inconveniente para a causa publica em a acceitar.
Aqui tem portanto as rasões que me levaram a acceitar essa proposta.
Não ha outra rasão nem occulta nem expressa que seja esta.
Eu posso ter commettido um erro, mas entendi que devia fazer o que fiz. (Apoiados.)
O sr. Consiglieri Pedroso (para um requerimento - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre sente que este parecer seja votado nominalmente.
(Apoiados.)
Consultada a camara, decidiu que a rotação sobre o parecer fosse nominal.
O sr. Luciano de Castro: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O sr. Presidente: - Vae votar-se nominalmente sol o parecer.
Os srs. deputados da opposição progressista saem da sala.
Feita a chamada:
Disseram approvo os srs.: Garcia de Lima, Alfredo Peixoto, Silva Cardoso, A. J. da Fonseca, Avila, Lopes Navarro, Ganhado, Jalles, Carrilho, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão do Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Cypriano Jardim, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, João Ferrão, J. J. Alves, Azevedo Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, M. Borges, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Guimarães Camões, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Diniz, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Baracho, Tito de Carvalho, Visconde das Larangeiras, Visconde de Reguengos, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos e Luiz de Bivar.
Diseram rejeito os srs.: Sousa e Silva, Almeida Pinheiro, Bernardino Machado, Germano de Sequeira, Dias Ferreira, Elias Garcia e Zophimo Pedroso.
O sr. Presidente : - Não houve vencimento por isso que votaram a favor 45 srs. deputados e 7 contra.
Em vista das disposições do regimento, que diz que quando no acto de qualquer votação se verificar não haver numero sufficiente de srs. deputados na sala para a camara deliberar se levante a sessão, vou encerrar os trabalhos.
A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, na sessão de 25 de maio, e que devia ler-se a pag. 1781,

O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Sr. presidente, em conformidade com o regimento vou mandar para a mesa a minha moção de ordem.
É a seguinte:
«A camara, considerando que o projecto de lei em discussão tende a aggravar um imposto que já em muitas das suas disposições prejudica a manifestação regular de actos importantes da actividade civil e o desenvolvimento da riqueza publica, legalisa receitas provenientes de origens, que, pelo seu caracter immoral e anti-economico, devem ser excluidas do orçamento e torna o recurso aos tribunaes inaccessivel ás classes menos abastadas; lamenta que, com o intuito de regularisar a fazenda publica, se lance mão de tal expediente e passa á ordem do dia.»
Vou ser muito breve, não só porque falta apenas uma hora para terminar a sessão, e não desejo ficar com a palavra reservada para a sessão de amanhã; mas porque um certo numero de considerações, que aliás poderia ter feito á camara, se fosse o primeiro a fallar, já foram apresentadas pelo meu illustre collega o sr. Eduardo José Coelho.
Em todo o caso, evitando tanto quanto

E desde logo ponto sobre o que tenho de chama, a relação da camara, ao tomar parte no debate, é a inexplicavel precepitação com que um assumpto tão grave, como desde aquele que diz respeito a aggravamento de impostos, ou a lançamento de novas contribuições, foi anteposto a muitos outros que ha mais tempo estão sujeitos á nossa apreciação, e submettidos ao nosso estudo, podendo e esperando por esse motivo entrar primeiro em discussão!
Ha quatro ou cinco dias apenas que foi distribuido este projecto, e já hoje entra na ordem do dia; emquanto que em dois mezes que eu recebi os projectos relativos á reorganisação da caixa economica e á creação de uma caixa de aposentações, etaes projectos ainda esperam o dia de poderem ser discutidos!
O que dizer tanta pressa n'um caso e tanta morosidade no outro?
Porque é que, tendo a camara tido tempo de examinar, durante mezes, dois projectos que não levantariam a opposição que este necessariamente deve levantar; porque é, digo, que esses projectos não foram dados para ordem do dia, e pelo contrario o foi um projecto mais importante do

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que qualquer d'aquelles, pois representa consideravel aggravamento de algumas taxas existentes, que nós não poderemos votar sem um reflectido exame, para, que não nos deram o tempo indispensável?
Não comprehendo, sr. presidente, tão injustificada precipitação, a não ser que mais uma vez se queira furtar á opposição o ensejo de cumprir com o seu dever, roubando-lhe por uma violência os meios de ella se poder occupar de uma questão d'esta ordem, com todo o conhecimento de causa.
E esta violência torna se ainda mais condemnavel se nós considerâmos que o projecto da commissão modificou em pontos importantes a proposta do governo.
Só porventura a proposta primitiva do sr. ministro da fazenda se reproduzisse apenas no projecto da commissão, como acontece a tantas outras, poder-se-ia ao menos dizer que o estudo que deviamos ter feito da proposta inicial aproveitaria para o estudo do projecto. Mas a proposta foi alterada profundamente. Sabia-se de ante-mão que a commissão tinha desfigurado, com bastante crueldade, o pensamento principal das medidas tributarias do governo, o assim foi, com effeito. Pois é n'estas condições que se nos dá para o confronto e para o exame das modificações introduzidas na proposta, muito menos tempo do que se nos concede para examinar os projectos mais insignificante. Preciso frisar bem este ponto, sr. presidente, e hei de insistir n'elle tanto mais, quanto é certo, ainda que pelo que me diz pessoalmente respeito, nem ao menos attenderam á pouca experiência que por ora eu tenho das questões que aqui se debatem, não só porque a direcção dos meus estudos até hoje era bem difirente dos assumptos a que me vejo obrigado a prestar attenção por dever do meu cargo, mas tambem porque é esta a primeira vez que entro no parlamento.
Ora no mesmo caso estão muitos dos meus collegas, tanto da maioria como da opposição; e francamente não posso comprehender o que lucra o governo em tornar impossível o debate para um grupo numericamente importante de representantes da nação. Mas não são sómente os deputados novos que se queixam. Idêntico protesto parte dos homens da opposição mais experimentados, o que prova bem que o capricho do governo vem por fim a prejudicar todos os que entendem dever estudar a serio as questões que na camara se ventilam.
Em três capítulos principaes podem aggrupar-se as disposições do novo projecto do lei tributaria, visto que foi eliminado pela commissão o que dizia respeito ao imposto do 1 por 1:000 nas heranças de paes para filhos, imposto a que mais tarde terei de referir-me.
O primeiro d'esses capitulos representa o aggravamento de diversas verbas das tabellas annexas á lei do sêllo; o segundo refere-se á legalisação de um jogo, que até hoje por differentes leis, decretos e inclusive prescripções claras e terminantes do código penal, era severamente prohibido; o terceiro, emfim, diz respeito ao regimen adoptado para a fabricação das cartas de jogar.
Esta ultima disposição, depois de mutilada na, commissão, não tem evidentemente sob o ponto de vista das suas consequências financeiras e económicas, a importância, que teria se o projecto do sr. ministro da fazenda se votasse na totalidade, tal qual foi redigido.
No entretanto, apesar de muito attenuada, affirma disposição um principio que eu combato tenazmente, porque significa assumir o estado funcções que podem ser desempenhadas, com vantagem, pela industria particular.
Mas entremos muito rapidamente no exame de cada um dos três capítulos a que acabo de fazer allusão.
Sr. presidente, o capitulo do aggravamento das diversas verbas das tabellas do sêllo, já aqui foi tratado e tratado proficientemente pelo meu illustre amigo, o sr. dr. Eduardo José Coelho.
É evidente, que este aggravamento do imposto vem a recair em actos da vida civil ou em manifestações de riqueza publica, o ainda em actos forenses, que relevam do dominio da justiça.
O sr. dr. Eduardo José Coelho, examinando, uma por uma, as verbas relativas a esta ultima classe, que foram aggravadas pela proposta do ministro o pelo projecto da commissão, mostrou quanto é impensado, quanto é iniquo e quanto póde ser prejudicial, sob o aspecto financeiro o expediente do governo.
Eu acrescentarei que tal expediente é sobretudo vexatório com relação ás acções judiciaes, tanto áquellas que mais ou menos expontaneamente são promovidas pelas partes, como principalmente áquellas em que as partes soffrem as despezas de processos que não podem evitar.
Mas não são simplesmente as cultas dos actos forenses que vão ser aggravadas.
Ha uns artigos, o 3.° e o 4.°, da proposta do governo e do projecto da commissão, aos quaes me parece não se ter alludido ainda n'este debate, e que para mim representam um obstaculo a transacções, que deveriamos proteger em vista do atrazo da nossa economia social.
Por exemplo o artigo 3.° diz:
«As escripturas de constituição de sociedades anonymas e de parcerias mercantis ficarão sujeitas, alem dos sellos que actualmente lhes competirem, ao sêllo proporcional do 2 por 1:000 (1/2 por cento pela, proposta do governo) sobre todo o capital nominal das mesmas sociedades ou parcerias; igual percentagem do imposto de sêllo pagarão as sociedades ou parcerias já existentes, ou que de futuro venham a existir, quando reforçarem o seu capital, com relação á importância do respectivo augmento.
«§ único. São isentos do imposto fixado n'este artigo as sociedades em commandita.»
Este artigo já foi modificado e muito, relativamente ao modo como elle fôra redigido na proposta do governo; mas ainda assim, num paiz onde o capital é tão medroso, tão tímido, e onde tem ainda tanta difficuldade em se associar, havendo colhido bem tristes resultados de algumas recentes experiências, um imposto lançado nestas condições, não póde deixar, creio eu, de ser prejudicial para os progressos da nossa economia.
O artigo 4.º diz:
«Os pertences de acções ou titulos e obrigações de banco; e companhias, ou associações mercantis de qualquer natureza, e dos districtos, camaras municipaes e de outros estabelecimentos publicos; os pertences das apólices de seguros; as acções ou titulos e obrigações de bancos, companhias ou associações mercantis estrangeiras; e os títulos de divida publica emittidos por governos estrangeiros, pagarão segundo o seu valor nominal:

Até 10$000 réis............................... 20
De 10$000 réis até 50$000 réis ................50
De 50$000 réis até 10$000 réis ...............100
De l00$000 réis até 200$000 réis............. 200

e assim successivamente, augmentando 100 réis por cada 100$000 réis ou fracção do 100$000 réis.
«§ unico. Ficam por esta fórma modificadas as disposições da tabella 2.ª, classe 5.ª, nos. 1.° e 2.° do regulamento de 14 de novembro do 1878.»
A este artigo applico, sr. presidente, a mesma ordem do considerações.
Entendo que elle vae crear um embaraço para a circulação da nossa riqueza publica.
Eu sei que o sr. ministro da fazenda no seu relatorio aponta os exemplos da Allemanha, da França e da Inglaterra paizes em que a economia nacional está perfeitamente garantida por uma bem organizada circulação, e onde sem embargo documentos analogos pagam imposto superior áquelle que se propõe no projecto da illustre commissão.

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Mas s. exa. sabe que estes simile de nação para nação, só colhem quando de parte a parte as circumstancias economicas são perfeitamente identicas; e ninguém poderá provar que o estado e a intensidade da circulação da riqueza na Allemanha, na França e na Inglaterra são iguaes ao estado e á intensidade da circulação da riqueza em Portugal.
Que importa que n'aquelles paizes os pertences de acções ou titulos de obrigações de bancos e companhias ou associações mercantis de qualquer natureza, sejam tributados com um imposto maior, se esta fórma da circulação da riqueza entrou ha muito nos habitos economicos d'aquelles paizes, que em muitos casos lhe dão mesmo uma bem conhecida preferencia? Entre nós, o desenvolvimento econo- mico está por assim dizer ainda na infância e onde os mais adiantados instrumentos de circulação são ainda empregados com desconfiança e a medo, póde o imposto que se propõe ter como consequência difficuldades e embaraços ser ao augmento da riqueza nacional.
Infelizmente os srs. ministros costumam pensar pouco no paiz ao lançarem novas contribuições. Os effeitos préjudiciaes dos impostos, a influencia nociva de um systema financeiro sem plano e sem unidade de pensamento vão entretanto depauperando dia a dia os fontes da prosperidade publica, impedindo que nova riqueza se crie proporcionalmente, e attenuando a progressão da riqueza já criada. Ninguem cuida do dia de ámanhã, por mais annuviado que elle se apresente. E agora vem a propósito referir-me às palavras proferidas n'esta camara pelo sr. ministro da fazenda, quando alludindo as considerações que eu fiz sobre o orçamento rectificado me respondeu, mas sem que destruisse nenhuma das considerações por mim apresentadas.
Disse o sr. ministro por essa occasião que o meu plano era o de um financeiro ingenuo, porque se por um lado eu pedia reducções nos impostos, por outro lado entendia que se devia entrar no campo das despezas da civilisação, e acrescentou que eu tinha fallado mais com o coração que com a cabeça.
Eu fallo effectivamente com o coração, sr. ministro, por que estou convencido do que digo; porque sou um crente apaixonado pelas idéas que defendo; porque acredito que os principios que advogo são os principios da verdade da justiça, porque creio finalmente que procedendo do modo como procedo, não faço mais do que cumprir com os deveres do meu cargo!
Fallo com o coração, é certo, porque prefiro a sinceridade, ainda que possa ser alcunhada de simpleza ingenua, á compostura artificial e fingida dos nossos politicos, sem fé nas doutrinas de que se dizem os defensores, sem convicções, sem ideal!
Sou representante da nação, e por isso entendo que meu paiz devo dizer a verdade toda. Se isto, sr. ministro da fazenda, é fallar com o coração, confesso que não estou disposto a fallar aqui de outro modo.
Mas eu fallei tambem com a cabeça, porque pretendi apenas fazer a critica do plano financeiro do sr. ministro, sem querer por modo algum contrapor-lhe plano meu.
Procurei mostrar sobretudo, que não devia ser pintado com tão primaveraes cores o estado do thesouro, como alguns o faziam impensadamente, por quanto muitas das nossas receitas assentavam em bases falsas, ameaçando mesmo um futuro decrescimento; emquanto que por outro lado muitas das nossas despezas eram impreteriveis, mostravam uma fatal tendencia para augmentarem, sem se poder evitar tal augmento, porque eram as exigencias inadiaveis da civilisação que o impunham.
Disse mais que, collocados os nossos estadistas na difficil e perigosa situação, de preverem receitas com tendencia a diminuirem e despezas com tendencia a augmentarem, necessario se tornava para elles recorrer a outros meios differentes dos expedientes financeiros, até hoje apresentados como remédio aos nossos males.
Esta opinião póde ser combatida, sou o primeiro a confessal-o, mas não me parece que deva ser classificada de ingenua! Quem sabe, srs. deputados, se um futuro bem proximo não se encarregará de dar uma triste confirmação a estas minhas prophecias?! Quem sabe se a derrocada financeira, que não vem longe, não se converterá bem cedo em funesta realidade para todos estes meus presentimentos?! Quem sabe?!...
E depois, note-se bem, o que eu disse então e digo ainda hoje, tem-n'o dito muitos dos homens que passaram pelo poder, ou que com elle mais de perto privam!
N'estes assumptos sou apenas um discipulo que começa; e, sempre que posso, repito a lição dos mestres auctorisados e insuspeitos.
E quer v. exa. certificar-se como as palavras que eu proferi aqui, quando se discutia o orçamento rectificado, a respeito de um grande numero das nossas receitas, têem sido repetidas por diversos membros da maioria?
Pois não vimos nós, ha quatro ou cinco dias, o sr. Fuschini declarar categoricamente, e com um tom profundamente convencido, que a taxa que pesa sobre o sal devia ser reduzida de 2 réis a 2 décimos de real, quer dizer a dez vezes menos, para ficar supportavel e não continuar a arruinar uma industria tão importante, como é a industria da pesca?
E o que disse eu?
Disse exactamente a mesma cousa.
Affirmei que havia receitas que eram excessivas, que muitas d'ellas representavam um grande aggravamento de encargos para o contribuinte, e que, por consequencia, era bem de receiar que o orçamento se resentisse da má base em que assentavam muitos dos seus redditos.
Não ouvimos nós tambem, ha algumas sessões, o sr. Pinto de Magalhães levantar a sua voz para condemnar o exagero do imposto sobre o bacalhau, a que eu me referi nos mesmos termos por occasião da discussão do orçamento rectificado ?
Não disse s. exa., com a sua competencia especial no asumpto, que era horrivel e de uma enorme iniquidade que um genero de primeira necessidade, como este, quasi o unico alimento das classes pobres entre nós, pagasse de imposto 50, 6O e 70 por cento do seu valor?!
Se estes factos são verdadeiros e incontestaveis quando citados pelos deputados da maioria, porque o não hão de ser tambem quando apresentados pelos deputados da opposição?
O imposto sobre os cereaes está ameaçado de identica diminuição.
Portanto, com testemunhos insuspeitos foram corroboradas muitas das affirmações do meu discurso a proposito do orçamento.
Com relação á these que eu então defendi, de que não era o excessivo aggravamento dos impostos, que os fazia mais productivos, pois tornava-se mister attender ás forças economicas do paiz, tenho tambem por mim uma auctoridade de todo o ponto opportuna, pois as palavras que d'ella vou citar exactamente se applicam ao imposto do sêllo.
Permitta-me o sr. ministro da fazenda que eu cite as apropositadas considerações de um ministro da fazenda de Hespanha, que não é republicano, nem sequer do periodo revolucionario, como Figuerola, que já foi louvado n'esta casa.
Pertence á restauração bourbonica o financeiro a que vou referir me. É o sr. Camacho, que foi ministro da fazenda no gabinete Sagasta em 1881.
A proposito da reforma do imposto do sêllo diz este ministro, no lucidissimo e admiravel relatorio, apresentado ás côrtes hespanholas em 24 de outubro de 1881, relatorio que todos os ministros da fazenda deviam ler e meditar, porque n'elle se encontra um plano financeiro assente em

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solidas bases, e ao mesmo tempo o criterio de uma prudente e previdente administração dos dinheiros publicos; diz assim o referido relatorio:
«É axiomatico que a barateza (da contribuição do sêllo) multiplica os actos sujeitos ao imposto; de sorte que este augmento compensa, e com vantagem, o rebaixamento da taxa, afugenta sobretudo o desejo da defraudação e permitte seguramente evitar as falsificações, por desgraça tão frequententes.»
Eis o que diz um dos mais distinctos economistas financeiros do paiz vizinho, exactamente a respeito de um imposto que o sr. Hintze Ribeiro vae sobrecarregar com novos e excessivos augmentos.
Em Hespanha tem-se como maxima tributaria, que impostos menos pesados, multiplicando os actos a elles sujeitos, produzem mais para o thesouro, evitando as fraudes que são a consequência fatal dos tributos exagerados, e poupando-se cuidadosamente a materia collectavel, de cujo estado depende a crescente elasticidade do imposto.
Entre nós, sr. presidente, faz-se o contrario, ou antes apenas se pensa em augmentar immediatamente a receita do thesouro, importando-se pouco o governo com a perturbação que os seus expedientes possam produzir no paiz. Por isso os nossos orçamentos de previsão differem tanto dos orçamentos rectificados, e ainda mais das contas dos exercicios findos. Calcula-se a receita, como se ella podesse ser normal e regularmente cobrada; o paiz não supporta os encargos votados; e o equilibrio orçamental fica apenas no papel, continuando o deficit no seu caminho triumphante!
É esta a nossa administração financeira de ha muitos annos.
E no entretanto, o paiz merecia, até por interesse dos próprios governos, que com elle tivessem alguma consideração.
Tem-se fallado aqui muito no distincto financeiro italiano Agostinho Magliani, ao qual tenho por todos ouvido tecer os mais merecidos elogios. Pois vou ler um trecho da exposição financeira apresentada á camara dos deputados de Italia na sessão de 7 de dezembro de 1884 por este distincto homem d'estado, e por esse trecho se verá como pensa uma das grandes auctoridades financeiras da Europa a respeito das exagerações do systema fiscal.
Diz o sr. Magliani a pag. 79 do seu relatorio:
«A exageração do systema fiscal é tanto mais digna de ser condemnada, quanto maior é a necessidade de diminuir os obstaculos que se oppõem á reconstituição economica de uma nação recente; é erro prejudicial o esquecer que a base de umas boas finanças é uma boa economia nacional.»
Folgo, sr. presidente, que n'este ponto a minha palavra humilde tenha a dar-lhe relevo a palavra auctorisada de um homem conhecido em todo o mundo financeiro. É porque a asserção do ministro da fazenda de Italia passou á categoria de um axioma de senso commum, apenas ignorado pelos ministros portuguezes e pela commissão de fazenda!
Com effeito, mal posso eu comprehender como se lê na ultima columna do relatorio da commissão de fazenda o seguinte periodo:
«As circumstancias da fazenda publica, comquanto não devam causar receios injustificados, reclamam o augmento das receitas ordinarias do estado. Inspirada n'este pensamento, é a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei.»
De modo que a illustre commissão, inspirada apenas na necessidade da creação de nova receita, não tem duvida em approvar impostos, que vão servir de obstaculo á reconstituição economica do paiz, circumstancia tão altamente attendivel para o sr. Magliani, com o inconveniente certo de diminuirem os actos a esses impostos sujeitos e o perigo não menos certo de darem origem ás numerosas fraudes, que tanto preoccupavam o sr. Camacho!
Quer dizer que em Portugal, ainda mal e infelizmente, a unica consideração que se tem em vista, quando devia; tratar-se da economia do paiz, é o simples equilibrio do orçamento.
Nivele-se muito embora o orçamento; é essa a missão do governo. Mas não se desequilibrem para isso as forças economicas da nação, porque então o mal é irremediável! São estes os principios que devem dirigir os srs. ministros da fazenda.
Como prometti ser muito breve e como ainda tenho de tratar de outros assumptos, nada mais direi com relação a este primeiro capitulo das minhas observações, passando desde já a examinar o imposto sobre as loterias e o monopolio ou o semi-monopolio das cartas de jogar, pois assim ficou depois das modificações introduzidas pela commissão.
O illustre relator, a quem deve attribuir-se evidentemente a responsabilidade do relatorio, que precede o projecto em discussão, não podia de certo fornecer-me melhor arma para eu combater o imposto sobre as loterias, do que as palavras que a tal respeito escreveu n'este documento.
Ao tratar da questão das loterias, que já foi largamente apreciada pelo meu illustre collega, o sr. Eduardo Coelho, não virei compendiar contra a proposta do governo todos os argumentos que poderemos chamar de ordem sentimental.
Não repetirei aqui um axioma bem conhecido de todos os que se occupam destes assumptos, axioma que affirma que a economia politica carece de ter por base a moral.
No entretanto, não posso deixar de recordar-me n'este momento de um livro notavel, escripto por um eminente ministro italiano, o sr. Minghetti, e intitulado As relações entre a economia politica e a moral.
N'este livro bem claramente se accentua o principio, de que não basta para a sua legitimidade que uma certa e determinada receita, não vá depauperar a economia nacional; mas que é necessário, alem d'isso, que essa receita não estabeleça um conflicto com os costumes públicos e com as regras mais elementares da moralidade, para que, sem escrupulo, se possa inscrever no orçamento do estado.
Não ignora, de certo, a camara que existe entre nós um imposto, o da prostituição, que, por isso mesmo que é cobrado de uma fonte infelizmente bem immoral, nenhum financeiro ainda, até hoje, se atreveu a descrevel-o no orçamento. Todos os ministros da fazenda em Portugal, têem sido concordes n'este ponto, e um facto análogo se dá lá fóra, num grande numero de paizes, creio que apenas com excepção da Itália.
Este imposto, entrando, póde dizer-se, a occultas no cofre do governo civil, sáe d'ali, não menos occultamente, para ser applicado a despezas tão pouco moraes como elle. Não se atreve a apresentar-se á luz do dia, transitando das infelizes que o pagam, como o preço do vicio, para a policia que o despende nas mysteriosas funcções da sua vigilancia secreta.
Longe de mim, sr. presidente, a intenção de querer identificar exactamente os dois tributos. Em todo o caso, se foi em homenagem á moralidade do imposto, que a contribuição das prostitutas foi excluida do orçamento, creio que não podem ter-se como futeis, as rasões que, em nome d'essa mesma moralidade, se levantam contra o imposto dos jogadores!
Mas, não é só com relação a este aspecto da questão, que eu terei de combater o imposto sobre as loterias. O ponto de vista economico em que especialmente devemos collocar-nos, condemna ainda mais severamente a proposta do governo.
Numa estatistica colligida de fontes officiaes, vejo que a somma que todos os annos é enviada, só de Lisboa, para Hespanha, em virtude da compra de bilhetes da loteria d'aquelle paiz, ascende a 600:000$000 réis!!
Creio bem que não ficará muito longe da verdade, calcular sobre esta base para o resto do paiz em 400:000$000

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réis a importancia despendida annualmente com a mesma loteria.
Não sei se porventura o governo, tem alguns elementos para saber ao certo a somma total a que se eleva, em todo o paiz, a compra dos bilhetes da loteria hespanhola; inferior a 1.000:000$000 réis por anno com certeza não é
Posto isto, eu pergunto ao sr. ministro da fazenda num paiz onde a capitalisação é tão pequena, onde a riqueza publica consolidada é tão insignificante, comparada com a capitalisação e com a consolidação das grandes nações da Europa, como a França, a Inglaterra ou a Allemanha, póde consentir-se ou animar-se uma drenagem anual de 1.000:000$000 réis?
Não valia a pena envidar todos os esforços para que o depauperamento da nossa capitalisação não tivesse logar por esta fórma, principalmente sobre a acção protectora das leis do estado?
Não é porventura uma extraordinaria incoherencia da parte do sr. ministro da fazenda, a apresentação de medidas, que tendem a tornar uma realidade entre nós a instituição das caixas economicas, e simultaneamente a apresentação de medidas que tendem, não a restringir, peço licença ao sr. relator, a area do jogo das loterias, mas, pelo contrario, a amplial-a? Com effeito, as loterias estrangeiras, que até hoje eram severamente prohibidas por diversas leis, agora, debaixo de protecção do estado e com a sanção legal, vão entrar sem embaraços no paiz e podem chegar livremente até espheras de onde se tem mantido cuidadosamente affastadas, com receio das cominações do nosso codigo penal.
Mas repito, não será extraordinaria a inconsequencia illustre ministro da fazenda, que louvavelmente, e n'este ponto não tenho senão a render-lhe justiça, procura tornar uma realidade entre nós a instituição das caixas económicas, e ao mesmo tempo vem submetter ao parlamento uma medida que tende a dar fóros de cidade tornar normal para o nosso regimen financeiro o estabelecimento de um jogo, que é negação completa e formal preceitos de sã economia e previdencia que constituem a base da prosperidade de um povo, o qual se não enriquece porque se entrega aos acasos de uma loteria, mas porque se dedica ao trabalho de todos os dias, cujos resultados são, não ha duvida, mais modestos mas tambem incomparavelmente mais productivos?!
Não comprehendo tão estranha inconsequência! Como póde o mesmo ministro ser partidario da previsão, alimentada pelas caixas economicas, e defensor das loterias que são a negação completa d'este principio salutar de moralidade publica? Mysterio! Sr. presidente, mysterio!
O que esta frisante antinomia em todo o caso manifesta é a ausencia de um plano ou pensamento financeiro e a substituição por uma serie de expedientes de occasião que mais tarde hão de ser, e já hoje o são, uma arma de dois gumes, a voltar-se constantemente contra aquelles que a empregam!
Como se tudo n'este projecto devesse ser contradictorio, muitas das disposições propostas pelo sr. ministro como as providencias que devem tomar-se para tornar official a fiscalisação com relação ás loterias são a condennação do que se propõe a respeito da industria das cartas de jogar.
E depois nova contradicção se manifesta entre parte das disposições que dizem respeito á venda d'essas mesmas loterias consentidas e parte das disposições que tratam de combater exactamente a venda d'essas mesmas loterias, logo que se
realise fóra das condições permitidas pela lei.
Antes, porém, de mais largamente me occupar d'este ponto, recordo-me agora, porque olhei para o relatorio que tenho presente, das rasões que imperaram no animo do sr. ministro da fazenda para não apresentar este anno á camara um plano financeiro, contentando-se com os expedientes que estamos discutindo.
Diz o sr. Hintze Ribeiro a pag. 24 do seu relatório, as seguintes palavras que eu vou ler á camará, palavras que se me afiguram uma atroz ironia á opposição progressista, e já vou dizer a rasão porque.
Diz assim o alludido documento:
«Não julgo que na actual situação politica do paiz, aproppositado ensejo se dê para alterar substancialmente as leis, que regulam o lançamento e a cobrança das nossas contribuições directas, no proposito de assim alcançar um valioso acrescimo nos rendimentos do estado.»
Detenhamo-nos por um momento n'este paragrapho.
Evidentemente, esta asserção do sr. ministro da fazenda, que de ordinário costuma ser tão cuidadoso nas suas affirmações, foi intencional.
Vejâmos, n'este caso, como ella deve ser apreciada pelo partido progressista.
S. exa. diz que não julga na situação politica do paiz ensejo apropositado para se alterar a legislação tributaria, especialmente pelo que diz respeito ás imposições directas.
Note a camara que estas palavras se referem á epocha; que medeiou entre a ultima sessão legislativa e a actual.
Se o sr. ministro da fazenda dissesse que não achava que as circumstancias economicas actuaes do paiz fossem um apropositado ensejo para se fazer a remodelação da nossa legislação tributaria, eu pediria licença para discutir
tal affirmativa, mas em todo o caso achava que era uma opinião que tambem se podia apresentar e defender.
Mas que s. exa. diga que não julgou a situação politica do paiz propria para emprehender uma reforma do nosso; systema de impostos é que eu não comprehendo, porque muito ao contrario me pareceu sempre essa a occasião mais azada para se realisar entre nós uma transformação que principalmente exigia, como condição de exito, o paiz tranquillo e a harmonia dos partidos.
E eu julguei sempre que a maior garantia da profunda tranquillidade do paiz era o accordo dos partidos.
Pois exactamente no periodo a que se refere em especial o relatório do sr. ministro da fazenda estavamos em pleno accordo.
O templo de Jano, da nossa politica interna, tinha-se fechado como que por encanto. Não havia a mais leve indicação de que podessem importunas rivalidades politicas perturbar a obra reorganisadora do sr. ministro da fazenda.
E como haviam de surgir embaraços?
Cansados de luctar os dois partidos monarchicos, sob o benefico influxo de algum outro aspecto, tinham esquecido passados ódios.
Parecia um verdadeiro Aquille Gerssner!
Nunca velhará, srs deputados, á politica portugueza uma epocha assim!
Era profundamente enternecedor ver como, inspirados apenas na base da patria, os mais irreconciliaveis inimigos da vespera fraternisavam.
Carecia que a idade de oiro, cantada como um sonho por tantos poetas illustres, tinha por fim raiado para este pobre Portugal!
E o sr. ministro da fazenda ingrato!
Grande ingrato!
Elle, um dos felizes noivos d'estes esponsalicios universaes, vem cruamente dizer-nos que o estado politico do paiz não era para largas reformas!
Per Dio! como dizem os italianos.
Pois, sr. ministro da fazenda se v. exa. não aproveitou o ensejo favoravel do accordo para lançar as bases da nossa reorganisação financeira, agora com a vida nova ao norte está bem servido! (Riso.)
Escusa de pensar n'isso, que é tempo inutil! (Riso)
Se nada fez com o accordo dos partidos, decerto nada fará agora com o desaccordo d'elles!
Se conseguir salvar-se a si e aos seus collegas de alguma nova Maria da Fonte dê-se por muito feliz, porque os

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2618 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

hymnos da guerra já resoam por essas serras abaixo! (Riso.)
Tinha eu dito, antes de me perder um pouco n'este incidente...
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - E é verdade que se perdeu.
O Orador: - É possivel, mas hei de encontrar algum fio de Ariadna, que me reconduza ao caminho.
Dizia eu, porém, que no imposto sobre as loterias havia uma contradicção entre o expediente para esse imposto adoptado e o expediente que se estabelece como regimen para as cartas de jogar.
Diz-se no primeiro caso que o contrabando não se póde evitar, e por isso transige-se com elle.
E, a proposito, é notavel que o sr. ministro quando aqui se discutia a auctorisação para a reforma das alfandegas, viesse sustentar uma doutrina diametralmente opposta.
Então acreditava s. exa. na efficacia da fiscalisação para evitar o contrabando, apesar dos valiosos argumentos, que por parte da opposição foram adduzidos em sentido contrario.
Agora já o sr. ministro não acredita nas virtudes do systema prohibitivo, por isso que o abandona com relação ás loterias, dando-se por vencido, capitulando perante o contrabando, e declarando que só permitte e tributa esse immoral e anti-economico jogo de azar, por não poder supprimil-o!
Mas então, desejo eu saber se o sr. Hintze Ribeiro prescinde da auctorisação que a camara lhe votou ha mezes para modificar a fiscalisação das alfandegas, porque me parece que o argumento contra a efficacia d'essa fiscalisação deve ser absolutamente o mesmo, tendo pelo contrario ainda mais importancia a objecção relativa a este ponto, visto que a prohibição das loterias se exerceria em condições bem mais favoraveis e n'uma area muito mais restricta, e sendo relativamente á fiscalisação aduaneira a efficacia d'esta fiscalisação especial muito maior.
Não ha que hesitar, sr. ministro da fazenda.
Ou v. exa. confia no systema fiscal para prohibir as loterias, ou se não confia, não póde acceital-o para reprimir o contrabando!
Esqueçamos comtudo por um momento estas contradicções do sr. ministro da fazenda, devidas não sei a que má influencia, que pesou sobre o seu lucido criterio e prosigamos nas nossas considerações.
Infelizmente novas contradicções apparecem á medida que nos adiantâmos no exame do projecto.
O contrabando dá-se, por confissão do proprio ministro, nas cartas de jogar e nas loterias.
E a proposito das cartas de jogar tenho a chamar a attenção da camara para uma curiosa theoria do sr. ministro da fazenda.
Quer v. exa., sr. presidente, saber o que diz o sr. ministro para justificar o expediente que tomou de o estado assumir o monopólio das cartas de jogar?
Depois de citar o numero de baralhos que em 1883-1884 tinham sido impressos ou dados ao sêllo e os que deviam lançar-se á conta da importação estrangeira escreve s. exa. estas palavras.
Note a camara, peço-lhe encarecidamente, a theoria economica do sr. ministro, porque em verdade é curiosa... e peregrina. O p aiz e as suas industrias que lho agradeçam!
Diz assim :
«O valor das cartas de jogar, importadas do estrangeiro em 1881, foi apenas de 569$000 réis; os direitos pautaes, cobrados nas alfandegas, não foram além de 52$295 réis, o que mostra quanto a importação é insignificante; e isto mesmo é confirmado pelas contas de gerencia de 1883-1884, que só accusam a apresentação na casa da moeda de 7:534 baralhos de cartas, enviados pelas alfandegas de Barca de Alva, Lisboa e Porto, em que se apposeram sellos na somma de 301$360 réis. A conclusão é toda em favor de uma larga producção no paiz.»
Depois d'este ultimo periodo, tão claro e tão terminante, quer a camara saber o que propõe o sr. Hintze Ribeiro? Que o estado assuma e reserve para si o monopolio das cartas de jogar!! Credite Posteri! Que parece a v. exas. este Mecenas das industrias portuguezas? (Riso.) Existe uma industria larga e prospera no paiz. Que ha de fazer governo? Rouba-a á iniciativa particular em nome dos interesses do estado, lançando na miseria alguns contenares de
familias!! Nada mais logico, em verdade. É certo que a illustre commissão de fazenda entendeu e bem, dever acalmar um pouco os enthusiasmos monopolistas do sr. ministro, não lhe acceitando, senão mutilado, o seu plano primitivo. Mas a culpa não foi de s. exa. e deve caber-lhe inteira a gloria de tão memorável proposta!
Depois o caso ainda é mais curioso, porque se complica com uma nova contradicção.
A respeito das loterias justificava o sr. ministro da fazenda no seu relatorio o imposto, dizendo que esse imposto não ía vexar nenhuma industria productiva; pois com relação as cartas de jogar declarava que havia uma larga producção no paiz, e que por consequencia devia o estado assumir o monopolio da respectiva fabricação.
É notavel que pela segunda ou terceira vez o lucido espirito do sr. Hintze Ribeiro tenha sido victima de uma contradicção assim! Não admira que em face d'esta nova theoria economica e d'esta amor paternal pelas fontes de riqueza publica, a commissão de fazenda tenha reduzido o monopolio ministerial a um semi-monopolio, um pouco acanhado, é certo, mas menos prejudicial á industria particular por lhe devolver a parte mais lucrativa ou a mais principal d'ella. Mas as contradiccções continuam a accentuar-se entre as principaes disposições do projecto que se discute.
Assim, ha o contrabando com as cartas de jogar e com os bilhetes de loterias.
Com relação ás cartas de jogar como resolveu o sr. ministro a questão? Pelo monopolio e depois pela prohibição. Quer dizer, acreditando novamente na efficacia da fiscalisação.
Como resolveu o mesmo ministro a questão a proposito das loterias? Á primeira vista não acreditando na efficacia da fiscalisação, por isso que, conforme confessa, sómente por esta circumstancia transige com o que não póde impedir!
Mas as disposições que se referem ás loterias, são quasi todas fundadas numa prohibição rigorosa!
O sr. ministro acreditando na efficacia da fiscalisação ira evitar a venda de bilhetes fóra dos logares concedidos, acredita ipso facto na efficacia da prohibição. Logo póde fazer essa prohibição. E se a póde fazer com relação aos bilhetes não auctorisados, póde fazel-a com relação a todos os bilhetes. Prohiba pois as loterias! (Apoiados)
Insisto novamente no argumento que é capital e não sofre contradicção.
O sr. ministro da fazenda diz que transije com as lotarias, quer dizer, que transije com um jogo, que é immoral ruinoso para a economia do paiz, porque se declara vencido e não póde por fórma nenhuma prohibil-o! Mas na proposta do mesmo sr. ministro, encontram-se exactamente no artigo 7.° outros tantos paragraphos, que se fundam todos em rigorosas prohibições; e estas prohibições têem de ser levadas a effeito, para não cair por terra todo esse castello financeiro em que o sr. ministro da fazenda funda a sua proposta. (Apoiados.)
Mas então, de duas uma, pois que o dilemma é absolutamente fatal, ou o sr. ministro tem meios para exercer na fiscalisação effectiva sobre os vendedores das cautelas não selladas, e em tal caso, applique essa fiscalisação a todos os estabelecimentos, prohibindo com rigor as loterias estrangeiras; ou o sr. ministro da fazenda não tem meios de fiscalisar as fraudes, e n'essa hypothese torna-se irrea

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lisavel o imposto, que devia melhorar o estado das nossas finanças!
Pela minha parte inclino-me para o primeiro termo do dilemma. Creio que se o governo quizer póde prohibir as loterias! (Apoiados.)
Não direi que algum contrabando não possa nos primeiros tempos escapar ás malhas da fiscalisação.
Não se sáe de uma tolerancia, que póde chamar-se vedadeiramente relaxista, para um regimen de completo extremo rigor, sem que a transicção apresente algumas difficuldades. Mas a culpa é dos que devendo ter applicado a lei, a infringiram constantemente para lisongear altas influencias.
Não sou eu que o digo. Quer v, exa. saber quem o affirma, dando assim rasão ás minhas palavras? É o sr. relator com aquella franqueza, com aquella sinceridade e com aquella boa fé, que guia sempre aquelles que trabalham com consciencia, e não têem tido ainda tempo de se habituarem ás conveniencias da politica partidaria, que de ordinario é para os agrupamentos monarchicos a arte de encobrir as convicções, ou antes, de simular convicções que não existem!
O Sr. Moraes Carvalho ha pouco affirmou que, se os agentes policiaes subalternos quizessem exercer com demasiado escrupluo uma rigorosa fiscalisação sobre a venda das loterias, não sabia elle como certas auctoridades collocadas em alta posição olhariam este zêlo dos seus subordinados!...
Diz se isto em plena camara, sr. presidente! E diz-se isto precisamente no momento em que o sr. ministro da fazenda declara não poder luctar com o contrabando!
Aqui está uma confissão importante, e uma preciosa revelação!
E sustente-se depois que não é verdade o que ha pouco eu affirmava á camara, isto é, que se o governo não prohibe as loterias é porque não quer?!...
O sr. Teixeira de Sampaio: - Os governos.
O Orador: - Os governos, de accordo. Eu estou dirigindo-me ao sr. ministro da fazenda, e por isso fallava singular, mas não tenho duvida de acceitar a correcção s. exa., de que todos os governos são réus do mesmo crime.
Demais, concordo tanto melhor na rectificação, quanto é certo que o meu partido não tem responsabilidade alguma com relação a este ponto, ou a outro qualquer.
Esse systema de retaliações póde convir como meio de defeza ou ataque aos differentes partidos monarchicos, mas eu nada tenho que ver com isso!
A opposição de hoje quando for ámanhã governo, Ter-me-ha, como o actual ministério, sempre por irreconciliavel adversario.
Hei de atacal-a com a mesma violencia e com a mesma sinceridade com que actualmente estou atacando o sr. ministro da fazenda.
Como republicano tenho por missão combater sem treguas todos os governos da monarchia, e fal-o-hei, esteja s. exa. certo, exactamente como...
(Interrupção do sr. Teixeira de Sampaio.)
Estou perfeitamente de accordo, e já sabia de antemão que s. exa. não podia suppor o contrario. No entretanto talvez não fosse inteiramente inopportuna esta declaração porque, se algum illudido poderia haver, esse que se desengane!
Com relação ás cartas de jogar a commissão entende e muito bem, que não devia acceitar o monopolio proposto pelo governo, e por isso deixou apenas subsistir meio monopolio.
Mas, sr. presidente, como o sr. Barros Gomes podia responder aos illustres deputados d'aquelle lado da cama quando lhe lançam em rosto que elle deixou mutilar na commissão as suas propostas de fazenda!
Como o sr. Barros Gomes podia apontar em sua propria defeza a sorte que teve este projecto do sr. Hintze Ribeiro?
O regimen estabelecido pela commissão para as cartas de jogar não foi tão vexatorio como teria ficado se fosse approvada integralmente a proposta do governo; mas ainda assim não posso deixar de notar a explicação dada pela mesma commissão para justificar o seu procedimento.
Com effeito, diz o sr. relator que se o governo prescindiu do monopolio foi em virtude da representação dos fabricantes de cartas, reclamando contra a injustiça da proposta do sr. ministro da fazenda.
Fez bem a commissão em attender o pedido dos fabricantes.
Eram interesses valiosos que se tornava mister não sacrificar, pois, representavam uma larga producção industrial no paiz, como o proprio sr. ministro da fazenda o confessou no seu relatorio. Mas esqueceu á illustre commissão que por esta fórma e com o meio monopolio que fica vigorando, ha uma industria que tambem se sente prejudicada. É a das lithographias. Esta industria não representou, o por isso o governo entendeu dever attender só os interesses d'aqueles que os tinham sabido fazer valer.
Fez bem, procedendo por esta fórma? Não o creio.
Mas a minha principal objecção a respeito da fabricação pelo estado das cartas de jogar é principalmente pelo principio vicioso que vae inscrever-se na nossa legislação.
Todos sabem que é hoje condemnada pelos economistas das differentes escolas, e mesmo por aquelles que pertencem á escola dos socialistas de cathedra não é completamente acceita como normal, a interferencia do estado com relação á producção de artigos, que póde ser deixada com mais proveito á iniciativa particular.
Não defendo o ponto de vista dos economistas orthodoxos, que julgavam dever o estado conservar-se absolutamente neutral perante as aspirações ou as necessidades do corpo social.
Eu mesmo já apresentei um projecto de lei n'esta casa em que se propõe a creação de um serviço para o estado conhecer das circumstancias economicas das classes operarias, estudando ao mesmo tempo os meios de melhorar as condições do proletariado portuguez.
Inspira-se este meu projecto na idéa de que o estado não deve ser um espectador impassivel, diante do qual desfilem em funebre cortejo todas as miserias sociaes, e ante cuja indifferença devam ficar desattendidas as solicitações dos que padecem! Sei que o estado moderno em certas e determinadas condições tem por missão restabelecer o equilibrio social, que póde, por causas estranhas a esse mesmo estado, ter sido perturbado violentamente. Mas, uma cousa é esta legitima intervenção dos poderes publicos na sociedade, outra cousa é a injustificada e injustificável absorpção pelo estado de faculdades que pertencem ao individuo, porque significam a expansão da iniciativa particular!
O socialismo do estado não vae, não póde ir até ao ponto de tentar restabelecer os princípios velhos, anachronicos e condemnados hoje por todas as escolas, do monopolio official da producção!
Seria a tyrannia governamental mais insupportavel, por que conduziria o paiz, que a tolerasse, a um verdadeiro cahos economico!
Um estado productor! Pois não se sabe o que é um producto industrial, realisado pelo estado, principalmente quando esse producto vae estabelecer concorrencia com a industria particular? (Apoiados.)
É este principio absurdo e reaccionario, que eu condem-no e que não desejaria ver inscripto na nossa legislação. (Apoiados.)
D'este modo e a continuar-se assim, um grave perigo ameaça a producção do paiz.
Ámanhã vê-se que uma industria qualquer é productiva e o sr. ministro da fazenda em nome das conveniencias da nação este go-

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verno nada significam, expropria por conta do estado essa industria, o que representa a perturbação violenta do regimen da riqueza nacional.
Vou terminar, pois, demasiadamente tenho abusado da attenção da camara.
Não o farei, porém, sem lastimar que o sr. ministro da fazenda tivesse consentido que se eliminasse da sua proposta o imposto de 1 por 1:000 sobre a transmissão da propriedade, por titulo gratuito, quando isenta de contribuição de registo, isto é, de paes para filhos.
Eu comprehendo, sr. presidente, que se negue em these a legitimidade do imposto de transmissão, quando especialmente applicado ás heranças. Hoje, por exemplo, na Allemanha, onde os assumptos economicos são a grande preoccupação dos fundadores do imperio, discute-se muito se tal imposto é uma simples contribuição fiscal ou uma contribuição social destinada em principio a impedir o crescimento indefinido da riqueza transmittida de uma para outra geração. A opinião dos mais insignes financeiros, como Wagner, Schaeffle, Geffcken, etc., divide-se neste ponto, acceitando uns a significação meramente contribuitiva dos direitos de transmissão, querendo outros ver ne'lles o intuito social de servirem de correctivo ás grandes desigualdades de fortuna, e portanto sendo partidarios de uma forte progressão.
Collocada a questão n'estes termos, comprehende-se o debate, e o antagonismo das escolas contrarias não é illogico.
Mas no caso actual a questão de principios está fóra da discussão.
Desde que se admitte, com effeito, o imposto de transmissão para as heranças, não comprehendo que principios economicos ou de justiça social se possam invocar para ser isenta d'este imposto a transmissão do paes para filhos!
Tenho ouvido em favor da excepção adduzir rasões de sentimento; tenho ouvido chamar a tal imposto, um acto attentatorio da integridade da familia, sem se lembrarem, os que similhante proposição sustentam, que n'esse caso quasi todos os impostos de transmissão por titulo gratuito vão attentar contra a mesma integridade!
Reconhecida ao imposto a sua legitimidade na totalidade das incidencias, menos uma, não comprehendo a rasão porque se eliminou exactamente esta ultima, em nome de principios que, a serem verdadeiros, constituem uma objecção a todos os direitos de transmissão nas heranças, qualquer que seja o grau que se considere.
Demais este imposto que em relação á percentagem significava muito pouco, porque era insignificantissimo, promettia ser para a avaliação de parte da riqueza publica um valioso elemento estatistico.
N'este ponto é o sr. ministro da fazenda quem tem rasão. Pena foi que s. exa. não tivesse defendido melhor a sua proposta!
Pois esta contribuição racional e equitativa, sob o pretexto de que ía ferir a integridade das familias, não foi acceita pela commissão!
Eu sei que uma camara, cujos membros têem todos mais ou menos que herdar de seus paes ou que deixar a seus filhos, ha de olhar com má vontade o imposto de que se trata. Mas então não são principios que só defendem, são interesses! Portanto sejamos n'este caso imparciaes e equitativos e consideremos que aqui dentro não estão representadas proporcionalmente todas as classes da sociedade, porque se se podesse aqui attender a outras reclamações decerto não teriam sido votados, nem o imposto do sal, nem differentes impostos mais que são iniquamente esmagadores da miséria!
Tenho visto, com effeito, sr. presidente, votar sem repugnancia, de coração leve, quasi com o sorriso nos lábios, e em todo o caso com uma verdadeira indifferença, impostos que vão sobrecarregar, esmagar mesmo, aquelles que nada mais têem, senão o seu salário, tornando-lhes bem amargo o negro pão com que a custo entretêem os dias da sua triste existencia!
Por isso me revoltam os escrupulos e as resistencias que se levantam nesta camara, porque se pede um imposto de 1 por 1:000, a quem?! Aos que têem alguma cousa que perder, aos que no seio d'este parlamento representam uma classe previlegiada!! Pois bem, sr. presidente, eu apesar de ser pae e de ter um pae de quem ainda posso herdar, ponho a minha palavra ao serviço da causa dos que n'esta casa não têem voz, protestando em nome da justiça distribuitiva e da equidade contra uma deliberação que visa a isentar do imposto uma classe de cidadãos, pelo simples facto d'esses cidadãos serem relativamente ricos, quando todos os dias se estão ferindo os pobres, os proletarios com as mais duras contribuições! Por isso não tenho duvida em declarar que n'este momento estou do lado do sr. ministro, contra o sr. relator, e contra a maioria dos membros da commissão! (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem.
(O orador foi comprimentado pela opposição.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Albino Montenegro, na sessão nocturna de 6 de junho, e que devia lêr-se a pag. 2128, col. 1.ª

O sr. Albino Montenegro: - Não me foi possivel, por falta de tempo, estudar todo o projecto, apenas o pude ler.
Esta declaração é bastante para mostrar á camara que me não julgo habilitado para sobre elle emittir opinião, quando mesmo tivesse, que não tenho, competencia para discutir assumpto de tão grande importancia.
Pelo estudo, porém, que fiz do capitulo I do titulo II parece-me poder affirmar que o projecto precisa de muitas alterações e modificações para dever ser convertido em lei.
Concordo, é certo, com o seu pensamento geral, mas o que não posso é approval-o tal qual está formulado.
Primeiramente considero-o deficiente, e preferia que n'elle se inscrevessem todas as disposições do código administrativo que ficam sendo applicaveis ao municipio de Lisboa, a dizer-se vagamente, que ficam em vigor as disposições que sejam applicaveis.
V. exa. e a camara sabem quanto é sempre difficil resolver qualquer negocio, por insignificante que, seja, quando seja necessario consultar a nossa legislação. É indispensavel recorrer a muitas leis (que se acham dispersas na collecção da nossa legislação), porque n'umas se fazem referencias a outras, e de todas estão em vigor alguns artigos.
Quando se trata, por exemplo, de impostos, é que se conhece a exactidão do que digo.
É por isso, pois, que eu desejava que no projecto se inscrevessem as disposições das leis a que n'elle se faz referencia, e ficam sendo applicaveis ao municipio de Lisboa, e se por ventura isso se não póde fazer em relação a todas, ao menos em relação ao codigo administrativo.
A substituição a todo o capitulo I do titulo II que tenho a honra de mandar para a mesa satisfaz, em quanto a elle, a deficiencia que accuso.
Passarei a expor algumas considerações a respeito do capitulo.
Diz o artigo 3.°
(Leu.)
Eu proponho que o numero de vereadores seja reduzido de 31 a 25, numero, a meu ver, sufficiente.
As grandes corporações não dão geralmente os melhores resultados, e a prova d'este meu asserto está sendo dada por esta camara que, reunida ha tanto tempo, não tem feito cousa alguma util para o paiz, e apesar de muito nu-

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merosa tem sido, muitas vezes, difficil conseguir numero para abrir as suas sessões.
Diz o artigo 4.°
(Leu.)
Em primeiro logar, na minha substituição a este artigo elimino as palavras secretario e vice-secretario, porque entendo que deve continuar a existir a entidade escrivão da camara.
Depois trato de prever a hypothese, que póde dar-se, da eleição se não effectuar no dia 2 de janeiro.
No caso da camara ser dissolvida, quando é que se ha de reunir e constituir a camara que substituir a dissolvida?
Parece-me que o projecto não se occupa d'essa hypothese.
Tambem proponho a eliminação do § único d'este artigo podendo o empate, a que elle se refere, dar-se tambem em relação á eleição de que trata o § 1.° do artigo 5.° do projecto, parece-me que a disposição do § unico do artigo 4.º deve passar para artigo, collocado depois dos artigos 4.° e 5.° ou correspondentes, e ser redigido do modo seguinte
«Art... Sempre que nas eleições a que se referem os dois artigos precedentes se der igualdade de votação, preferirá o mais velho.»
O § 1.° do artigo 5.° diz.
(Leu.)
Ácerca d'este paragrapho já o illustre deputado, o sr. Souto Rodrigues, fez algumas considerações, mostrando as difficuldades que a sua redacção póde trazer na pratica.
Se for acceita a minha substituição, creio que essas difficuldades desapparecerão.
Em vez de se dizer «pela ordem da votação», deverá, a meu ver, dizer-se «pela ordem da maior votação». Este modo de dizer não dá logar a equivocos e a duvidas.
Em quanto ao artigo 6.° parece-me que se deve acrescentar a palavra «uteis» depois da palavra «dias».
A illustrada commissão entendeu dever alterar o § l.º d'este artigo reduzindo de oito a três dias a prorogação das sessões da camara, quando por ella deliberadas.
Não sei de rasões que levassem a commissão a essa alteração.
Uma corporação, que fica tendo as attribuições que lhe confere o projecto em discussão, parece-me que sem inconveniente poderia prorogar as suas sessões por mais oito dias.
Voto, portanto, pelo paragrapho como estava no projecto do governo, e n'esse sentido apresento a emenda.
Proponho tambem a eliminação do artigo 7.° que substituo por outro, redigido, porém, de fórma a evitar a repetição das mesmas disposições, como se dá no projecto. Entendo dever fundir n'um só artigo os artigos 7.° e 20.° de projecto.
No artigo 8.° do projecto é conveniente acrescentar depois da palavra «publicada» na folha official.
Não julgo conveniente deixar ao arbitrio da camara a escolha dos jornaes em que devem ser publicadas as actas das suas sessões.
Na substituição que mando para a mesa addiciono alguns artigos que têem intima relação com o artigo 8.° do projecto.
É conveniente que se diga como devem ser tomadas as deliberações da camara, quaes os vereadores que n'ellas podem intervir, etc.
São disposições que se encontram no codigo administrativo, mas que convem sejam aqui inscriptas.
Tambem apresento uma substituição ao artigo 9.° e seus paragraphos.
O § 2.° d'esse artigo diz.
(Leu.)
Creio que a substituição dos vereadores, a que elle se refere, depende unicamente das commissões que os elegem.
Ora, tendo ellas de proceder a essa eleição biennalmente, é claro que o sorteio é desnecessario.
Tambem proponho a eliminação do § 3.° do artigo 9.° Julgo-o autiliberal.
Se qualquer individuo se não desempenha, como deve, do seu mandato, aos eleitores cumpre não o reeleger. Privar, porém, o municipio da cooperação de um individuo que lhe presta dedicada e patrioticamente os seus serviços, não me parece que deva ser preceito da lei.
Se o vereador é bom devem ter os eleitores o direito de o reeleger, e elle é que deve ter a faculdade de recusar o encargo; se é mau, os eleitores por interesse proprio não o elegerão.
No artigo 6.° do projecto diz-se, que todas as quatro sessões ordinarias poderão ser prorogadas, não me parece que a ultima, a que tem logar em dezembro, possa ou deva ser prorogada, porque essa prorogação póde difficultar a reunião a que se refere o artigo 4.° do projecto.
Tambem julgo conveniente que no projecto se declare que os vereadores antes de entrar em exercicio prestarão juramento.
Devo dizer a v. exa. e á camara que sou contrario aos juramentos politicos, e não teria duvida em approvar uma lei que os acabasse. E melhor não haver juramentos, do que haver perjuros.
Mas se é essa a minha opinião, não me conformo que se estabeleça a excepção para os vereadores da camara de Lisboa. Ou acabar para todos, ou continuar para todos.
Chamo a attenção do sr. ministro e do sr. relator para um ponto que me parece importante. Refiro-me ao facto de que, segundo o projecto, os individuos que elegem as commissões a que se refere o § 2.° do artigo 3.° do projecto podem na mesma eleição ter dois ou três votos.
Podem ser eleitores em uma ou duas commissões, e alem d'isso ser eleitores dos outros vereadores.
Parecia-me que cada cidadão deveria ter unicamente um voto. Não julgo que um cidadão pelo facto de ser, por exemplo, medico, deva ter mais prerogativas do que qualquer outro que, como elle, tambem poderá ter um curso superior.
O que eu desejava é que na lei se prevenisse o facto de nenhum cidadão poder na eleição da camara ter mais do que um voto.
Tambem na minha substituição estabeleço o principio de que sempre que cinco vereadores requeiram a substituição da commissão executiva se proceda a nova eleição.
O facto do requerimento não é motivo para se considerar exonerada a commissão.
O requerimento só motiva nova eleição, da qual ficará dependente a substituição da commissão.
Eram estas as observações que tinha a fazer, pedindo desculpa á camara do tempo que lhe tomei.
No correr da discussão apresentarei outras emendas.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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