O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1885 2653

ras sagradas, inultrapassaveis para quem não fosse especialista n'ellas; são hoje um vasto campo aberto e luminoso, de que nenhum homem medianamente instruido póde ignorar a natureza propria e a topographia geral. (Muitos apoiados.)
Mas se não discuto minuciosamente a reforma do exercito, se não critico a nova constituição dos quadros do exercito e da armada, se não noto a desproporção que ha entre o numero de officiaes e de soldados pertencentes a cada corpo, se não friso os defeitos da administração militar, não deixo comtudo passar o ensejo de dizer, com magua, que n'essa reforma não estão reconhecidos e sanccionados os principios que deviam, ao meu modo de ver, presidir a uma reorganisação d'esta ordem.
A reforma do exercito terá algum valor sob o ponto de vista technico e restrictamente especial; mas nos seus artigos, que li e reli, não penetra a luz clara e brilhante da sciencia social como eu a estudei com as minhas limitadas faculdades e esta convicção mais se radicou no meu espirito pela defeza que se fez d'ella, do que pelas accusações que se lhe dirigiram. (Apoiados.)
O recrutamento subsiste nas suas antigas bases, continuando a fazer do exercito uma especie de açougue nacional, consoante a indignada e eloquentissima phrase de Alexandre Herculano. (Apoiados.) A remissão a dinheiro, esta prova insolente de que o oiro dos ricos ainda vale o sangue dos pobres, (Muitos apoiados.) volta á legislação do paiz occupando individamente o logar que pertence de direito ao principio do serviço obrigatorio. (Apoiados.) O código militar não foi revisto, subsiste como documento de comica ferocidade e, em repetidos lanços, como flagrante negação dos principios que a sciencia criminal formula. (Apoiados.) E, recordando agora o que li ha pouco na imprensa periodica, se soubesse que havia nos depositos do ministerio da guerra muitos exemplares d'esse codigo, eu pediria ao governo que os mandasse vender a peso, e, com o producto, levasse algum conforto a esse esquecido e desgraçado Antonio Coelho, que ahi está a agonisar lentamente, miseravelmente, n'uma enxovia tenebrosa e humida, em holocausto á piedade publica, que se não quiz commover com o espectaculo de uma execução capital, infinitamente menos cruel que isto do apodrecer dia a dia, hora a hora, com todas as molestias do corpo, com todas as doenças do cerebro, desde a prostração do idiotismo até á furia do desespero, n'uma d'essas tremen das e infernaes situações que só poderiam ser comprehendidas e descriptas pelo genio do Daate ou pela penna de Victor Hugo. (Sensação. Vozes: - Muito bem, muito bem.)... A qualidade de militar, que deve pertencer a todos os cidadãos e a todos os estados, segundo a lei scientifica e indiscutivel da lucta pela vida, lucta fatal e necessaria a todos os organismos, desde os mais simples e rudimentares, que a biologia descreve, até aos mais complexos e mais perfeitos, que a historia ostenta; a qualidade militar, facil e gostosamente acceite por todos os cidadãos na Suissa, nos Estados Unidos, na Prussia, e ainda n'outras nações, embora por processos variados e com intuitos differentes; a qualidade militar não fica pertencendo ao cidadão portuguez depois da ultima reforma do sr. Fontes, de modo que se um dia for necessario defender o torrão sagrado da patria, só podemos contar com a força irresistivel e indomita dos nossos denodados sentimentos, e com a coragem e o heroismo que esmaltam, as tradições do povo portuguez. (Muitos apoiados.)
Mas ainda quando se provasse que nada d'isto era assim, ainda que eu me convencesse de que a reforma militar era de todo o ponto perfeita e impeccavel, ainda que me demonstrasem á mais irresistivel luz que o sr. Fontes era não sómente um Bismarck na politica, mas um Moltke na arte de organisar e disciplinar exercitos, resumindo assim na sua pessoa as culminantes faculdades politicas estrategicas da velha raça teutonica, ainda assim, a dictadura de 19 de maio nunca podia contar com a consagração da minha palavra, nem com o serviço do meu voto. (Apoiados.)
Simplesmente porque foi uma dictadura? Não.
Eu sou menos hostil ás dictaduras que muitos dos eloquentes oradores que me precederam neste debate. Comprehendo a sua indignação, que é sincera, que é verdadeira, que é flammejante de todos os affectos, que a paixão pela liberdade inspira e merece; mas penso que esta nobre sentimentalidade recáe em factos e doutrinas, que a melhor critica d'este momento não acceita, não justifica. N'esta hora adiantada da sciencia, parece-me a mim que, em vez do subirmos á origem metaphysica dos systemas, puro nimbo em que nada se distingue e só se vê o que se quer ver, devemos antes baixar á analyse das condições positivas em que assenta toda a moderna politica. (Apoiados.)
As dictaduras são violações directas da soberania nacional, e, considerada esta como um poder real, verdadeiro, permanente, as dictaduras são crimes gravissimos, e não ha pena que seja para ellas castigo bastante. São como aquelles crimes que o legislador grego deixava fora da lei, por serem monstruosas, por serem impossiveis. (Apoiados.)
Mas a soberania popular tem ainda hoje o caracter que se lhe attribui no fim do seculo passado e até meiado do seculo actual? Mas a soberania popular, de que não fallo sem o respeito devido a uma cousa augusta, feita de illusões e de verdade, de poesia e de realidade, de sonhos e de factos, consagrada nos melhores livros, que teem sido escriptos pela penna dos homens, santificada pelas revoluções mais redemptoras, que têem sido determinadas pela aspiração de justiça e pela paixão da liberdade; mas esta soberania tem hoje, na consciencia humana, a mesma comprehensão radical das escolas de ha trinta annos?
Não. Não tem.
O que é positivo é que a soberania popular, inspiração e fundamento de todo o direito publico moderno, está enredada, compromettida, esterilizada pelos processos que a servem e pelas instituições que a rodeiam. E, cousa singular! foi o espirito burguez que estabeleceu este notavel progresso humano, e foi elle, depois, que o preverteu e o inutilisou! Creou o e perdeu-o!!... E que a burguezia, a gloriosa burguezia que, desde a idade média, agitou e moveu todos os grandes ideaes da consciencia humana, rompendo as resistencias do poder, atravessando as fogueiras do fanatismo, pondo na arte e na sciencia intenções moraes e revolucionarias, levando a sua coragem até ao heroismno e o seu heroismo até ao martyrio, erguendo pacientemente e levantando, apesar de tantas dificuldades, a grandiosa fabrica dos ultimos seis seculos da nossa historia; é que esta burguezia, depois de ser, por tanto tempo, protestante, divergente, aspiradora do melhor, tornou-se no que hoje se vê, uma classe de ficções e privilégios, conservadora de todos os seus interesses, que mantem acima de tudo, que sustenta apesar de tudo! (Muitos e repetidos apoiados.)
Consagra o voto universal, mas sujeita a todas as dependencias a consciencia do eleitor; (Apoiados.) funda a liberdade politica, o que se chama liberdade politica, o cerca generosamente de honras e dignidades a representação parlamentar, mas... não se esquece de lhe prender uns certos fios occultos, que, em determinados momentos, a desconcertam e paralysam! (Vozes: - Muito bem.- Muitos e repetidos apoiados.)
Isto é assim. Todos o sabem, embora nem todos o digam. Eu digo-o, porque a mim a hypocrisia repugna-me sob qualquer fórma, e tenho a franqueza de affirmar em voz alta o que penso, importando-me pouco que as minhas idéas sejam adversas aos interesses dogmaticos do poder, ou destoantes das paixões inflammaveis do povo...
A utilidade positiva dos povos deve evidentemente prevalecer sobre o culto das ficções, e hoje essa utilidade po-