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SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos srs.
Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Um officio do ministerio da fazenda. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Affonso Geraldes e Souto Rodrigues. - Um requerimento de interesse publico apresentado pelo sr. visconde do Rio Sado, e outro de interesse particular pelo sr. Goes Pinto. - Justificações de faltas dos srs. Barros Gomes, Lamare, Castro Côrte Real, Adriano Cavalheiro, Wenceslau de Lima, Soares de Mascarenhas, Martinho Montenegro, Ferreira Freire, Pavão, Agostinho Fevereiro, Lourenço Malheiro e Affonso Pequito. - Mandam para a mesa, um parecer da commissão de fazenda o sr. Carrilho, e projectos de lei os srs. Germano Sequeira e Adriano Cavalheiro. - O sr. Luciano de Castro pede explicações ao sr. Bernardino Machado sobre umas phrases proferidas por este sr. deputado, na sessão anterior, em referencia ao partido progressista. - Responde-lhe o pr. Bernardino Machado, e sobre este incidente ainda usam da palavra por duas vezes os mesmos srs. deputados, intervindo tambem na questão o sr. ministro da marinha. - O sr. Souto Rodrigues faz algumas considerações ácerca das duas representações que mandou para a mesa.
Na ordem do dia procede-se á votação nominal do parecer relativo ao additamento feito na outra camara ao projecto de reformas politicas, ficando approvado por 66 votos contra 4. - O sr. Manuel d'Assumpção apresenta o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto relativo ao escriptor, o sr. Camillo Castello Branco. - Dispensado o regimento, entra em discussão. - É impugnado pelo sr. Simões Ferreira, a quem responde o sr. Antonio Candido. - De novo usa da palavra o sr. Simões Ferreira, seguindo-se-lhe o sr. Elvino de Brito, tambem contra o projecto; o sr. Franco Castello Branco, que o defende, e do mesmo modo os srs. Manuel d'Assumpção e Vicente Pinheiro. - A requerimento do sr. Carrilho julga-se a materia discutida. - Sobre o modo de propôr usa da palavra o sr. Arroyo, declarando-se favorável ao parecer. - Approvado o requerimento do sr. Carrilho, e seguidamente votado e approvado o mesmo parecer. - O sr. Azevedo Castello Branco agradece a resolução da camara. - O sr. Avellar Machado apresenta um parecer da commissão de obras publicas. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 156, relativo ao pariato electivo. - Manda para a mesa quatro propostas o sr. Moraes Carvalho, relator. - Resolve-se, sob proposta do sr. Consiglieri Pedroso, que se discuta o projecto por titulos. - Sobre a generalidade fallam os srs. Alfredo Peixoto e Sebastião Centeno, que apresentam propostas, algumas das quaes a commissão acceita. - É approvada a generalidade e entra em discussão o titulo I, ácerca do qual expõe algumas considerações o sr. Dias Ferreira. - São approvadas as propostas do sr. relator, a de sr. Centeno, e uma do sr. Rocha Peixoto, salva a redacção, sendo em seguida approvado o titulo I, sem prejuizo das propostas. - Entrando em discussão o titulo II, usa apenas da palavra o sr. Arroyo, senão em seguida approvado o titulo com a proposta do sr. relator. - É posto em discussão o titulo III, e approvado com a emenda do sr. relator. - Approva-se sem discussão o titulo IV.- O sr. Bocage apresenta o parecer relativo ao districto do Congo.- Entra em discussão o projecto n.° 45, que fixa o contingente para o exercito e armada. - Apresenta uma moção de ordem o sr.
Albino Montenegro, que é rejeitada depois de combatida pelo sr. Lamare, relator. - Approva-se o projecto. - É tambem approvado sem discussão o projecto n.° 46. - Entra em discussão o projecto n.° 129, que é igualmente approvado, depois de algumas considerações feitas pelo sr. Ferreira de Almeida. - Sobre proposta do sr. A. J. d'Avila, é aggregado á commissão de guerra o sr. José Maria Borges.

Abertura - Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada - 73 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Alfredo Barjona de
Freitas, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca A. J. d'Ávila, Fontes Ganhado, Carrilho, Santos Viegas Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Avellar Machado, Correia do Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Pereira Borges, Jalles, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Correia Barata, Costa Pinto, João Arroyo, Ribeiro dos Santos, Ferrão de Castello Branco, Simões Ferreira, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, José Luciano, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Osorio, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Santos Diniz, Visconde de Ariz, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Cunha Bellem, Moraes Machado, A. M. Pedroso, A. Hintze Ribeiro, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Ribeiro Cabral, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, José Borges, José Frederico, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pe-quito, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da fazenda, participando, que em 20 de junho corrente se expediram as ordens necessarias para que o terceiro official da alfandega do Porto, Francisco de Mello Sampaio, se apresente á commissão parlamentar de inquerito ácerca da crise cerealifera, a fim de prestar a coadjuvação que ali for precisa.
A secretaria.

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REPRESENTAÇÕES

1.º Da camara municipal do concelho de Castello Branco, adherindo á representação em que a sociedade agricola de Santarem pede protecção para a industria agricola.
Apresentada pelo sr. deputado Affonso Geraldes e enviada á commissão de inquerito agricola.

2.ª Da camara municipal e dos escrivães e tabelliães do concelho e comarca de Penella, contra o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Torres Carneiro, estabelecendo que o tabellião do julgado ordinario de Condeixa seja competente para lavrar as notas e exercer os mais actos do seu officio nas freguezias de Bemdafé, Furadouro, Villa Secca, Zambujal e Ega.
Apresentadas pelo sr. deputado Souto Rodrigues e enviadas á commissão de legislação civil.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que pela mesa se mande dar andamento ao requerimento de José de Lima e Silva, major reformado, informado já pelo governo em 1883, de que trata o requerimento do referido major, e que mando para a mesa. = O deputado, Visconde do Rio Sado.
Enviado a commissão de guerra ouvida a de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De António Joaquim do Rego, segundo sargento da companhia de reformados, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Goes Pinto e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que por motivos justificados deixei de comparecer a algumas sessões da camara. = O deputado, Barros Gomes.

2.ª Declaro a v. exa. e á camara que me não foi possivel comparecer á sessão de hontem por motivo de serviço publico inadiavel. = Lamare.

3.ª Declaro que tenho faltado ás sessões d'esta camara por motivo justificado. = O deputado, A. de Castro P. Côrte Real.

4.ª Declaro que tenho faltado ás ultimas sessões por falta de saude. = Adriano Cavalheiro.

5.ª Declaro que os srs. deputados Wenceslau de Lima, Pinto Soares de Mascarenhas e Martinho Montenegro têem faltado ás sessões por motivo justificado. = Vieira das Neves.

6.ª O sr. deputado José Luiz Ferreira Freire tem faltado e continuará a faltar a algumas sessões por incommodo de saude. = Souto Rodrigues.

7.ª Mando para a mesa a declaração de que não pude comparecer á sessão de hontem por incommodo de saude. = Athaide Pavão.

8.ª Declaro que por motivo justificado tenho faltado ás sessões da camara. = Agostinho Fevereiro, deputado por Portalegre.

9.ª Declaro que o sr. deputado Lourenço Malheiro não tem podido comparecer a algumas sessões e não poderá ainda comparecer a mais algumas. = A. Poppe.

10.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que o sr. deputado Rodrigo Affonso Pequito não tem podido comparecer e faltará ainda a algumas sessões por motivo de doença. = Luciano Cordeiro.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer das commissões de fazenda e de administração publica, sobre a representação da camara municipal de Castello Branco, pedindo a concessão do terreno, que ficou das ruinas do antigo lyceu nacional, estabelecido n'aquella cidade, para no mesmo terreno fazer uma praça arborisada.
A imprimir.
O sr. Germano de Sequeira: - Mando para a mesa um projecto de lei estabelecendo que as disposições legaes que concedem o terço do ordenado por diuturnidade de serviço, aos juizes do supremo tribunal de justiça, sejam extensivas aos vogaes do supremo tribunal administrativo e aos do tribunal de contas.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Adriano Cavalheiro: - Mando para a mesa um projecto de lei, estabelecendo que sejam considerados empregados administrativos, para o effeito de aposentação, os medicos dos partidos municipaes.
Este projecto vae tambem assignado pelo meu amigo e collega, o sr. Azevedo Castello Branco.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Luciano de Castro : - Tinha pedido a palavra para um requerimento quando se ia votar o projecto sobre a hereditariedade dos filhos dos pares do reino.
Referia-se o meu requerimento a algumas palavras proferidas durante a discussão d'aquelle projecto, e porque o meu partido resolveu abster-se d'essa discussão, esperei que esta concluisse para então pedir explicações d'aquellas palavras.
Por isso pedi a palavra para um requerimento antes de encerrar a sessão, e pedia-a quando tinha findado a discussão e se ía proceder á votação.
V. exa. entendeu que não devia dar-me a palavra, e todavia eu não tinha declarado qual era o objecto do meu requerimento! E limitou-se a declarar que estava encerrada a sessão, quando eu novamente reclamei o uso da palavra!
Sr. presidente, tenho por v. exa. o maior respeito e a mais profunda consideração, e não ha n'esta casa quem professe mais estima e veneração por v. exa. do que eu. (Apoiados.)
Lamento só que fosse tão cruel para commigo. Nem vale a rasão de que já a camara não estava em numero para votar, pois bem sabe v. exa. que para se discutir não é preciso numero, como muitas vezes se tem praticado. Por isso me parece que v. exa. foi injusto commigo.
Sr. presidente, eu já disse e repito, tenho muita consideração por v. exa., mas é necessario que v. exa. respeite tambem os meus direitos e prerogativas como deputado. Por isso estranhei a demasiada severidade de v. exa.
Agora direi á camara o objecto e o fim do meu requerimento.
Sr. presidente, o illustre deputado o sr. Bernardino Machado, pessoa por quem esta camara tem a maior consideração, homem sisudo, cortez e de apreciaveis qualidades, (Apoiados.) proferiu aqui algumas palavras que muito me magoaram a mim, e que não podiam deixar de magoar o meu partido.
S. exa. disse, alludindo á situação em que o governo se achava em frente das camaras, que do partido progressista não havia que receiar, porque andava dividido em grupos disputando entre si qual merecia melhor as graças do governo.
Esta phrase importa uma insinuação desairosa contra um partido inteiro. (Apoiados.)

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Eu não posso deixar de reclamar perante o paiz e a camara as mais categoricas explicações da parte de s. exa e da parte do governo.
É necessario que um e outro dêem claras explicações por interesse de todos e por decoro do parlamento.
Em nome do nosso direito exigimos promptas e categoricas explicações.
Esta insinuação desde que foi trazida ao parlamento não póde deixar de ser claramente explicada. É indispensavel para todos que se diga tudo sem hesitações nem reserva. (Apoiados.)
É preciso que o illustre deputado, com a mão na consciencia, e rendendo preito á verdade, diga tudo quanto sabe.
Que diga, se sabe, quem é que no seio do partido progressista se venda e se deixe corromper pelos favores ministeriaes. Isto não só para que o partido progressista se acautele, mas para que se acautele tambem o paiz.
Se ha no partido progressista amigos do governo que illudem e exploram o seu partido, é necessario que isso se saiba o que se diga.
Eu não faço uma insinuação, faço um pedido, em nome da auctoridade que me dá a minha situação politica n'esta casa, como membro de um partido que se prezou sempre das suas dignas e honradas tradições.
A insinuação não é feita a um homem, é feita a um partido inteiro. Eu sou talvez o menos competente para a levantar, mas por tal maneira me maguaram as palavras e s. exa., que não pude deixar de tomar a palavra para pedir a s. exa. explicações categoricas, em nome e no interesse de todos nós, aggravados com aquella sigular e não provocada insinuação.
Espero que v. exa. me reservará a palavra para responder ao illustre deputado.
O sr. Presidente (Luiz Bivar): - Agradecendo ao ilustre deputado as phrases amaveis que me dirigiu, tenho a explicar o meu procedimento na parte em que s. exa. extranhou.
Hontem, quando se ia proceder á votação do projecto que estava em discussão, pediu o illustre deputado a palavra para antes de se encerrar a sessão.
Eu tenho muita consideração pelo illustre deputado, d'isso me parece ter dado bastantes provas; mas por maior que seja o meu desejo de ser agradavel ao illustre deputado, nunca elle me poderá fazer afastar das prescripções regulamentares. (Apoiados.)
Diz o artigo 156.°, o seguinte:
«Quando no acto de qualquer votação se verifique que não ha numero sufficiente de deputados na sala para a camara deliberar, o presidente levantará a sessão, publicando-se no Diario da camara os nomes dos deputados então presentes.»
Foi o que succedeu. (Apoiados.)
Tinha-se procedido á votação e verificando-se que não havia numero sufficiente para se deliberar, o meu dever era desde logo encerrar a sessão; foi o que fiz. (Apoiados.)
Mas ha mais. O illustre deputado, como distincto e illustre parlamentar que é, conhece perfeitamente o preceito do artigo 149.° que não permitte que o presidente dê a palavra a um deputado para explicações de facto ou de discurso, depois de finda uma discussão, sendo a camara que a póde conceder excepcionalmente, e ainda assim só em hora de prorogação da sessão.
Ora, eu estava informado de que era para pedir explicações ao sr. Bernardino Machado que s. exa. queria usar da palavra, mas não sendo da minha competencia conceder-lh'a, como já mostrei, nem podendo eu já recorrer á camara para esse fim, por isso que tendo-se verificado pela votação não haver numero para se votar o projecto, tambem não havia para se votar a prorogação da sessão, ou tomar outra deliberação torna-se evidente, ao que parece, que meu procedimento não podia ser mais correcto, levantando a sessão. (Muitos apoiados.)
Já vê, pois, o illustre deputado que se eu não lhe concedi a palavra não foi por menos consideração para com s. exa., mas unicamente em obediencia ás disposições do regimento que acabo de citar. A minha consideração é igual para todos os membros d'esta casa, seja qual for a sua posição politica. (Apoiados.)
Deixo, portanto, á consciencia do illustre deputado a apreciação do que se passou depois de fechada a sessão, o que ou muito lamento.
Se a camara permitte que se altere a inscripção vou conceder a palavra ao sr. Bernardino Machado para dar as explicações pedidas pelo sr. Luciano de Castro.
A camara annuiu.
O sr. Bernardino Machado : - Eu resumirei perante a camara o meu discurso de hontem em muito poucas palavras.
Quando hontem se tratava da emenda que veiu da camara dos pares, declarei que apesar de a achar má, como toda a gente, não teria duvida em votal-a se valesse a pena o sacrifIcio; não sabia se valia a pena, esperava pelas explicações do sr. presidente do conselho.
Que aquella emenda não fôra necessaria para que se completasse a reforma politica da camara dos pares, dissera-o o sr. presidente do conselho.
Então aquella emenda seria necessaria para o governo viver? e, a este proposito, disse que não me parecia que o governo devesse receiar da opposição, e referia-me mais especialmente á opposição progressista, porque ella da opposição é a maioria, e que não me parecia que o governo devesse receiar da opposição progressista, porque no seu gremio havia quem lhe estivesse roubando forças, solicitando as boas graças ministeriaes. Acrescentei ainda que, se era necessaria a emenda, a final, apesar de tudo, para vencer dificuldades parlamentares, eu queria saber qual o programma do governo, qual o seu pensamento politico, porque, se estivesse completamente de accordo n'esse pensamento, votaria a emenda, se não, não a votaria.
Eis muito simplesmente o resumo do meu discurso.
Podia ficar por aqui, mas quero dizer a v. exa. e á camara que eu tanto como o sr. Luciano de Castro, a quem muito préso, e a quem agradeço as palavras benevolas que ha pouco lhe foram dictadas pela sua fina educação e pela sua generosidade de animo, eu mais que o sr. Luciano de Castro senti que s. exa. hontem não tivesse podido usar da palavra, porque me apressaria em satisfazer aos seus desejos.
Quando aqui n'esta casa o meu amigo, o sr. Antonio Candido, aventou uma vez que entre os partidos politicos da nossa terra não havia differença de principios, mas unicamente de processos, e que os processos adoptados pelo partido regenerador eram immoraes, eu não protestei contra essa phrase, porque sabia evidentemente que não se podia dirigir aos homens que no partido regenerador têem toda a vida pugnado pelo cumprimento do dever.
Parece-me, pois, que hontem, quando me referi ao partido progressista e disse, como ha pouco resumi, que no seu gremio havia alguns membros que não sabiam manter escrupulosamente a sua posição politica, parece-me que não se deviam interpretar estas palavras, como acabo de ver que as interpretou o sr. Luciano de Castro, e como já hontem previa, porque quaesquer que sejam as accusações que recaiam sobre um partido que tem por chefe o sr. Anselmo Braamcamp, nunca essas accusações podem converter-se em ultraje para cada uma das suas individualidades.
Eu censurei o partido progressista pelo que fazem alguns, não cada um dos seus membros, e censurei o partido progressista, como ha pouco disse, porque esse partido constitue a maioria da opposição monarchica. Exprimindo-me assim, julguei que não desacatava absolutamente os cara-

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cteres honrados, que respeito n'esse partido, mas muito pelo contrario provava a minha confiança n'elles, porque appelava para a sua força moral dentro do seu partido.
Mas seria porventura injusta a minha arguição? Porque é então que um partido, ao qual preside o sr. Anselmo Braamcamp, que tem ao lado do seu chefe um estadista tão instruido como o sr. José Luciano de Castro, que conta só nesta camara, reputações tão merecidas como os do sr. Barros Gomes, Veiga Beirão e Ennes, que dispõe da penna do sr. Emygdio Navarro, que é o nosso mais possante jornalista e da palavra do sr. Antonio Candido, que é o nosso mais eloquente orador, porque é que um partido que possuo illustrações, como o sr. Alves Matheus, Simões Dias, Thomás Bastos, Laranjo e Eduardo José Coelho, e tantos outros homens tão distinctos, porque e que o partido progressista, ao qual pertence o sr. Marianno de Carvalho, que só por si é uma notabilidade, porque é que este partido que devia ser forte o o paiz esperava que o fosse, que devia exercer uma acção parlamentar sufficientemente energica, para cohibir os abusos sempre possiveis da auctoridade e garantir á nação um bom governo, porque é que veiu a dar unicamente n'uma opposição de parada, espectaculosa, inefficaz, que n'esta camara só tem palavras desoladas, de tristeza, de dor e de lucto, para chorar a decadencia do regimen parlamentar? Porque é que este partido dia a dia parece arredar-se cada vez mais do poder? O parlamentarismo decae, dizem os seus oradores; mas porque?
Quanto a mim, a causa principal é que dentro dos partidos opposicionistas, alem da parte sã que eu respeito mais que ninguem, ha elementos dissolventes, que os illaqueiam e enfraquecem continuamente, elementos que só por si não valerão muito, mas que produzem damno incalculavel pela acção enervante que exercem sobre os próprios partidos, pela acção deleteria que exercem na politica portugueza. Elles perturbam immensamente as funcções dos poderes publicos do estado.
Foi contra esses elementos que por incidente fallei, dizendo que elles andavam requestando as boas graças ministeriaes. São esses os elementos que eu condemno, foi por causa d'elles que censurei o partido progressista.
Quem são, onde estão? não tenho de o dizer. Basta que eu avise se o meu aviso póde merecer consideração.
Direi unicamente aos homens honrados do partido progressista que os procurem, e se os encontrarem que os arredem de si, e se os não encontrarem que mo digam: achar-me hão prompto a confessar o meu erro e a penitenciar-me da minha involuntaria injustiça. Mas, por emquanto, não cubram, por quem são, com a sua auctoridade moral individuos que a opinião publica aponta como indignos da sua camaradagem .
Termino dizendo que é necessario empenharmo-nos todos, membros de uns e de outros partidos, n'uma cruzada para expurgarmos a nossa sociedade politica da escoria que a envilece e desacredita, porque só assim se poderá realçar o prestigio tão empanado das instituições representativas, fóra das quaes não ha salvação para a nossa cara pátria.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. José Luciano: - Com a mais profunda tristeza tenho a declarar a v. exa., que as explicações que me deu o sr. Bernardino Machado não me satisfizeram. (Apoiados.)
Sr. presidente, aqui, no partido progressista, não ha senão homens honrados. Affirmo-o eu. E se ha alguém que diga o contrario, e que possa apresentar provas empraso-o para que o faça. (Apoiados.)
Não acceitâmos a benevolencia do sr. deputado, porque no partido progressista não ha senão homens honrados, homens de bem, porque eu, o sr. Anselmo Braamcamp, o sr. Barros Gomes e tantos outros que temos uma vida publica limpa e immaculada, não estariamos associados a quem o não fosse.
Pedimos, exigimos que nos indiquem quaes são esses homens indignos de pertencer ao nosso gremio. (Apoiados.)
Pedimol-o, exigimol-o em nome da nossa honra partidaria, e do decoro parlamentar. (Apoiados.)
Quaes são esses camaradas indignos que andam deshonrando a nossa bandeira?
Venham já os nome, que os queremos conhecer.
Venham, em nome do nosso direito, em nome do decoro de um partido inteiro, que se sente aggravado com as palavras vagas proferidas pelo sr. Bernardino Machado.
S. exa. poz a questão n'um terreno deploravel.
A nós, chefe e soldados de um partido, membros da mesma communidade politica, cumpre-nos repellir a offensa, um por todos e todos por um; prende nos a todos a solidariedade da honra e da dignidade partidaria.
Portanto, pedimos a v. exa. e á maioria que não deixe encerrar este debate sem que o illustre deputado apresente as provas, in continenti da sua asserção.
Sr. presidente, não acceitâmos, não queremos o aviso vago, que o illustre deputado nos offerece; requeremos, exigimos de v. exa. e da camara que obriguem s. exa. a expor os motivos das suas affirmações, e apresentar immediatamente as provas das suas asserções. (Apoiados.)
É preciso isto. (Apoiados.)
Direi mais. Nos bancos do governo está um dos ministros.
Entendo que, por decoro proprio, elle deve declarar se alguem do partido progressista tem andado pelas antecamaras ministeriaes solicitando as boas graças do governo, e, se assim é, quem tem sido os que assim têem procedido. (Apoiados.)
É necessario que se saiba tudo.
É necessario que saibamos, um por um, quem são os corruptos e quem são os corruptores. (Apoiados.)
Faço este requerimento verbalmente, porque creio que não será necessario fazel-o por escripto.
Nós, no partido progressista considerâmo nos todos homens de bem.
Nós não acceittâmos distincção entre gente sã e honesta, e gente que o não é.
Por isso, em nome do partido progressista, requeiro a v. exa. que intime o illustre deputado a que apresente as provas das suas affirmações. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Sr. presidente, acabo de entrar na sala, como v. exa. e a camara viram, e encontro-me no meio de um debate que quasi não conheço e que me parece ter assumido um aspecto um pouco importante.
S. exa. o sr. Luciano de Castro appellou para o testemunho do governo, e eu, quasi sem saber do que se trata, mas vendo que se falla de se haver posto em duvida a honra de um dos partidos que se degladiam no paiz, não posso deixar do fazer uma declaração.
Eu, que pecco, talvez, por excessiva vehemencia; eu, que ás vezes tenho sido adeusado de n'estes bancos, conservar o temperamento nervoso do antigo deputado da opposição; eu, que por consequencia não posso ser taxado de benevolo, declaro que nunca, nem por sombras, tive o pensamento de pôr em duvida a honra do partido progressista.
O sr. Luciano de Castro, que conhece bem as luctas parlamentares, porque é um dos nossos mais antigos e brilhantes luctadores, e que portanto sabe até onde podem levar a vehemencia da palavra e os acasos da improvisação, deve dar um desconto a tudo quanto se disse, e deve comprehender facilmente que, no que se avançou, a intenção do sr. Bernardino Machado e a de todos nós não foi, nem de longe, ferir a honra e o decoro do partido progressista.

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Eu posso dizer mais ainda.
Tenho-me encontrado por vezos ao lado do partido progressista, e outras tenho sido seu adversario, mas, quer como amigo, quer como inimigo politico, tenho achado sempre n'elle a mais perfeita o completa lealdade e dignidade. (Apoia- dos.)
O partido progressista não precisa do meu testemunho mas, visto que se appellou para mim, devo dizer que considero todos os membros que compõem esse partido perfeitamente dignos e honrados, (Apoiados.) nas luctas politicas, como em tudo. (Apoiados.)
Creio que o illustre deputado se deve dar por satisfeito porque o pensamento de toda a camara, quaesquer que fossem as palavras que, no ardor do debate, podessem ter escapado a um membro d'esta casa, que tem tão finos dotes de coroação e de espirito, e que é tão delicado, (Apoiados.) não podia ir por fórma alguma melindrar a honra partido progressista, a quem todos prestâmos a maior consideração.
(S. exa. não revia as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao sr. Bernardino Machado, que a pediu de novo, não posso deixar de manifestar o desejo de que as explicações de s. exa. sejam satisfactorias.
Tem o illustre deputado a palavra.
O sr. Bernardino Machado : - Tenho pena de que as minhas explicações não satisfizessem completamente sr. Luciano de Castro; mas não sei acrescentar mais nada.
O sr. Pinheiro Chagas disse, por parte do governo, ainda que por outras palavras, o que eu já dissera.
Creio que comecei o meu discurso por affirmar que nunca podia ter querido affirmar individualmente uma aggremiação que tem por chefe o sr. Braamcamp, que respeito profundamente.
Não sei, nem devo dizer mais nada.
(S. exa. não reviu)
O sr. Presidente : - Tem a palavra o sr. Goes Pinto
O sr. Goes Pinto : - V. exa. comprehende que, no momento em que está inscripto para, fallar sobre este incidente o sr. Luciano de Castro, eu não posso deixar de ceder a palavra a favor de s. exa.; v. exa. me fará a fineza do me inscrever depois novamente.
O sr. Luciano de Castro: - Peço a v. exa. que dar a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos, porque eu fallarei quando me competir.
O sr. Presidente: - Visto o sr. Goes Pinto ter cedido por agora da palavra, e o sr. Luciano de Castro estar inscripto em seguida, tem s. exa. a palavra.
O sr. Luciano de Castro : - Agradeço ao nobre ministro da marinha as palavras leaes e verdadeiras com que s. exa. respondeu ao convite que lhe fiz.
Agradeço-as, não porque ellas signifiquem um favor parte do governo, mas porque significam a verdade, e provam que n'aquellas cadeiras nem sempre as paixões politicas fazem esquecer o amor e o respeito á verdade. (Apoiados.)
Portanto, agradeço as palavras com que o nobre ministro da marinha respondeu ao convite que lhe dirigi.
Mas não posso do mesmo modo agradecer as palavras que o sr. Bernardino Machado proferiu depois das palavras nobres e d'umas do sr. ministro. Verdade é que s. exa. declarou que fazia suas as expressões do nobre ministro mas acrescentou que não dizia mais do que tinha dito.
As expressões do nobre ministro dizem clara e evidentemente o contrario das do sr. Bernardino Machado.
O sr. Bernardino Machado affirmou que no partido progressista havia homens honrados; e o sr. ministro affirmou claramente que no partido progressista, não havia homens indignos. (Apoiados.)
Ha, portanto, manifesta contradicção entre as palavras proferidas pelo nobre ministro e as do sr. Bernardino Machado.
Se o sr. Bernardino Machado proferiu aquellas palavras imprudente e precipitadamente, no calor da improvisação, e declara que faz suas as palavras do sr. ministro, então retire as suas, e ficâmos satisfeitos,
Aqui não póde haver meio termo.
Ou o illustre deputado sabe que ha no partido progressista homens indignos, que exploram e mercadejam á sombra dos homens honestos, ou não sabe.
Se sabe, desde o momento em que levantou esta questão, corre-lhe o dever de apresentar as provas, indicando os nomes dos membros indignos, para, não só nós, mas todo o paiz se acautelar; e se s. exa. não tem as provas das accusações que fez, a sua obrigação, como homem de bem, é declarar que as suas phrases foram alem do seu pensamento, e retirar o que disse.
Aqui não ha meio termo.
Não podemos acceitar favores n'esta questão.
É preciso que apuremes quem são os homens de bem e quaes os que não são. (Muitos apoiados.)
Exige-o a nossa honra e o nosso decoro.
Convido novamente o illustre deputado a indicar precisamente quem são os homens indignos, que ha no seio do partido progressista, e a apresentar provas, ou a rectificar ou retirar o que disse.
N'estes termos está collocada a questão, e a camara ha de dar lhe uma solução.
Peço a v. exa., que dirija a discussão de modo que esta explicação se dê; porque sem esta satisfação, não podemos continuar a estar n'esta casa. (Muitos e repetidos apoiados.)
O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao sr. Bernardino Machado, e confiando nas intensões de s. exa., espero que retirará as palavras, que melindraram os cavalheiros, que pertencem ao partido progressista. (Muitos apoiados.)
O sr. Bernardino Machado: - Se alguma das minhas palavras foi offensiva para a camara, v. exa., pela sua auctoridade, retire-a.
Sr. presidente, das minhas palavras podia-se concluir que havia no partido progressista alguns individuos suspeitos. Mas no meu espirito estava o reconhecimento da honra e do brio de um grande numero de membros d'esse partido e dos seus illustres caudilhos. Já hoje o declarei.
Quer o partido progressista que eu me incumba da disciplina e da politica interna do seu partido? Não de certo. Essa attribuição compete ao seu chefe e aos seus homens de mais consideração.
Eu, sr. presidente, entendo que a honra do partido progressista está bastante salva pelos altos serviços por elle prestados ao paiz e pela dignidade inconcussa de tantos s seus membros, a alguns dos quaes já tive o prazer de
me referir, por varias vezes, com a devida justiça, na minha, vida parlamentar.
Não julgo que o partido progressista precise levar a sua defeza a todos os seus membros. Julgo que, possuindo no seu seio muitos caracteres que o nobilitam, não precisa mesmo de fazer o inventario dos seus membros para provar que todos, um por um, são tão puros como o seu chefe. Estimaria, porém, muitissimo, que esta prova se podesse dar. Pela minha parte só quiz fazer um aviso. É o que significam as palavras que entendi do meu dever pronunciar n'esta casa; ellas não podem transformar-se n'uma delação de ninguém. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Tenho a fazer uma observação ao sr. Bernardino Machado. Já declarei, que faço inteira justiça ás intenções de s exa. mas, desde o momento em que as explicações dadas pelo illustre deputado ainda, não as satisfizeram os cavalheiros, que pertencem ao partido progressista; e desde que as phrases que offendem este partido, que está representado na camara, offendem a propria camara, eu não posso deixar de convidar de novo o sr. Bernardino Machado a retiral-as.

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O sr. Bernardino Machado: - Cedo aqui á imposição de v. exa.; estando prompto em outra qualquer parte a reproduzir as palavras que pronunciei n'esta casa. (Apoiados.)
Vozes : - Muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Para que a questão levantada no parlamento fique logo aqui liquidada, acho conveniente que o sr. deputado elimine da sua resposta a restricção que me pareceu ouvir.
Vozes:-Não póde ser, não póde ser.
(Sussurro.)
(Apartes.)
O sr. Presidente: - Pelo que observo, as phrases que s. exa. proferiu, que podiam melindrar a camara, foram já retiradas.
Póde-se, portanto, considerar terminado o incidente. Vae por isso passar-se á ordem do dia. (Muitos apoiados.)

ORDEM DO DIA

Parecer sobre a emenda feita pela camara dos dignos pares ao projecto de lei n.° 155 (reformas politicas)

O sr. Presidente: - Quando hontem se procedeu á votação do parecer que estava em discussão, verificou-se que não havia numero na sala.
Em vista do regimento vae hoje repetir-se a votação, (Apoiados), que tem de ser nominal em virtude da resolução da camara. (Apoiados.)
Feita a chamada.
Disseram approvo os srs.: Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Alfredo da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Castro Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Antonio Joaquim da Fonseca, Ávila, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Santos Viegas, Athayde Pavão, Pinto de Magalhães, Seguier, Poppe, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Cypriano Jardim, Estevão de Oliveira, Affonso Geraldes, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Baima de Bastos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, João Ferrão, Sousa Machado, Ponces de Carvalho, Joaquim José Alves, Azevedo Castello Branco, Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Manuel da Assumpção, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Martinho Camões, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Diniz, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde das Laranjeiras (Manuel), Visconde de Reguengos, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos, Luiz Bivar.
Disseram rejeito os srs.: Torres Carneiro, Almeida Pinheiro, Fuschmi, Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Está portanto approvado o parecer por 66 votos contra 4.
O sr. Manuel d'Assumpção : - Por parte da commissão de fazenda mando para a mesa o parecer relativo ao projecto que dispensa o escriptor portuguez Camillo Castello Branco do pagamento de emolumentos e direitos de mercê pelo titulo com que foi agraciado.
O parecer é resumido e breve e por isso pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se dispensa o regimento para entrar desde já em discussão. (Apoiados.)
Leu-se na mesa o seguinte

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de fazenda considerou o presente projecto de lei, destinado a dispensar o escriptor portuguez Camillo Castello Branco do pagamento de emolumentos direitos de mercê e sêllo, pelo titulo de visconde de Correia Botelho, com que foi agraciado, como um testemunho de preito nacional pelo formosíssimo talento do brilhante escriptor. Bom é que nos vamos costumando a glorificar o talento e o trabalho, sem esperarmos que a desgraça e a morte os venham santificar.
N'estes termos, é de parecer a vossa commissão que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É dispensado o escriptor portuguez Camillo Castello Branco do pagamento de emolumentos, direitos de mercê e sêllo, pelo titulo de visconde de Correia Botelho com que acaba de ser agraciado.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Pedro Augusto de Carvalho = Luciano Cordeiro = Correia Barata = Marçal Pacheco = Frederico Arouca = Antonio Maria Pereira Carrilho = A. C. Ferreira de Mesquita = Pedro Roberto Dias da Silva = Filippe de Carvalho = Augusto Poppe = João Ferreira Franco Pinto de Castello Branco = Antonio J. Lopes Navarro = João Marcellino Arroyo = José Maria dos Santos = Manuel d'Assumpção, relator.
Dispensado o regimento, entrou em discussão.
O sr. Simões Ferreira: - Tenho a convicção de que o pouco que vou dizer não influe absolutamente nada na votação que ha de ter este projecto. E não tomaria a palavra se houvesse de recair sobre elle votação nominal, porque n'este caso limitava-me a votar expressamente contra elle.
Não a havendo, como todas as conveniências aconselham, entendi do meu dever não ficar silencioso, não só para fazer declaração de voto, mas para dizer a rasão que em mim impera para assim proceder.
Sr. presidente, o facto de serem agraciados com mercês honorificas alguns homens de letras não é novo entre nós, e eu não tenho nada a estranhar que o governo agraciasse com o titulo de visconde de Correia Botelho o sr. Camillo Castello Branco. É novo, porém, que a essa graça, de pura iniciativa e responsabilidade ministerial, se acrescente outra, a que este projecto significa, a qual involveu a responsabilidade do parlamento, e por consequencia a da nação que elle representa.
Eu tenho pelo sr. Camillo Castello Branco a minha opinião formada ha muitos annos. Sou admirador dos seus escriptos, e quasi posso dizer que fui creado com elles; mas, desde que n'este paiz homens tão distinctos, como Almeida Garrett e António Feliciano do Castilho, foram agraciados com titulos iguaes ao que acaba de ser concedido a Camillo Castello Branco, e não tiveram esta distincção, eu não posso votar o projecto que se discute, sem que esta minha resolução deprima em cousa nenhuma o merecimento litterario de Camillo Castello Branco. Não comparo, mas approximo.
Nós não estamos aqui para apreciar o merecimento litterario de ninguém, e já outro dia um illustre deputado da maioria, tratando-se de Victor Hugo, disse que nós não constituimos uma academia onde se aquilatem merecimentos litterarios.
Que as academias dêem ao sr. Camillo Castello Branco todas as distincções, de accordo; mas nós, representantes da nação, só podemos dar distincções aos homens que tenham concorrido para melhorar o estado moral e intellectual da sociedade, e, para mim, o merecimento de Camillo Castello Branco está, sob este ponto de vista, abaixo do valor que reputo indispensavel para justificar esta prova publica da gratidão nacional. Para se abrir um precedente d'estes, é preciso que haja rasão superior para o fazer. E penso que não ha.
Alem de que Camillo Castello Branco é bastante brioso para acceitar o favor que se lhe vae fazer, e que para muita gente póde significar apenas um favor de dinheiro.
Por estas rasões declaro que voto contra o projecto, sem

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querer significar com isto, repito, que tenho em menos conta o merecimento litterario de Camillo Castello Branco.
Tenho dito.
O sr. António Cândido: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Azevedo Castello Branco: - Peço a v. ex que me reserve a palavra para quando terminar a discussão d'este projecto.
O sr. Simões Ferreira: - Não esperava, sr. presidente, que a simples manifestação do meu voto levantasse discussão. Parecia-me melhor que a não levantasse. Um voto de mais ou de menos não influe, agora, na resolução a tomar.
Tenho toda a certeza de que este projecto não será rejeitado pela camara, mas, tendo dito um meu prezadissimo collega e amigo, homem que estimo e que é uma das mais robustas intelligencias do meu paiz, que eu não comprhendia o alcance do projecto, preciso de accentuar com mais firmeza e inteira clareza o meu pensamento.
Ha pouco foram aqui apresentadas umas moções para que o parlamento portuguez inscrevesse na acta das suas sessões um voto de sentimento pela morte de um dos vultos mais brilhantes da França. (Apoiados.)
N'essa occasião quasi todos os meus collegas abandonaram esta sala, conservando-se apenas presentes os auctores das propostas e aquelles que as apoiavam. (Apoi dos.)
Eu fui dos que ficaram.
Perguntando-se a rasão por que não havia vontade de votar essas propostas, disse-se que o parlamento não era logar para se apreciar o merecimento litterario de ninguem.
Vejo que a maioria está hoje disposta a fazer exactamente o contrario do que sustentou então. (Apoiados.)
É ou não o parlamento o logar competente para aquilatar o merecimento litterario de qualquer individualidade nascida n'este ou n'aquelle logar?
Se muito bem cabida era a distincção que nós faziamos a Victor Hugo, porque eu não conheço no seculo actual homem cujos escriptos abranjam horisontes tão largos sob o ponto de vista, não só litterario, mas social e humanitario, já não tenho igual opinião a respeito de Camillo Castello Branco, cujos escriptos não visaram nunca a levantar o espirito publico, propagando as grandes idéas, ou os grades sentimentos que nobilitam os homens e a sociedade. Os seus escriptos têem muito merecimento, mas merecimento restrictamente litterario.
Pergunto a mim mesmo, na serenidade da minha consciencia, se, dos livros que Camillo Castello Branco tem escripto, alguns d'elles têem concorrido para levantar o espirito ou o sentimento nacional, e a consciencia responde-me que, pelo contrario, elles não têem concorrido sem para infundir a tristeza e o desalento.
A mim tem-me succedido, e não sei o que succede a outros, que ao ler um livro d'este escriptor, aliás bem escripto, me sinto tão desalentado, e, deixem-mo dizer, a aborrecido, que o fecho e largo com a tenção formada nunca mais o abrir.
Eu prefiro o escriptor cujos livros deixem uma boa impressão a quem os ler.
Será opinião unica, mas é a minha e antiga.
Por isso entre os livros de Camillo Castello Branco e de Julio Diniz prefiro estes, porque dispõem melhor a alma do povo, dando-lhe impressões serenas e boas. Sem comparar meritos litterarios, tenho por superiores, socialmente fallando, os de Julio Diniz.
E entendo que o parlamento, como representante da sociedade civil e politica, só deve apreciar os livros e os escriptores sob este ponto de vista. O merito litterario que apreciem as academias.
Por isso neguei e nego o meu voto ao projecto, não por que não seja muito o merito litterario dos livros de Camillo Castello Branco, merito que não aprecio aqui, nem deprimo em cousa nenhuma, mas porque esses livros não têem valor social de tal modo notavel e proeminente, que explique e justifique o precedente que vae abrir-se em nome da sociedade.
Pelo contrario, os livros de Camillo Castello Branco, se alguma influencia têem exercido na sociedade portugueza, é uma influencia deprimente e demolidora. São livros para destruir, não são livros para edificar ou engrandecer.
E nada mais digo, sr. presidente, para não dizer o muito mais que sinto. Não me propuz combater o projecto, mas só pensei em manifestar o meu voto. A camara tomará a resolução que tiver por mais justa e a mais sensata, ou a que mais se combinar com o seu modo de ver as cousas e as pessoas, e a opinião do paiz nos julgará a todos. Eu cumpro o meu dever como o entendo, e a camara procederá como quizer, no pleno uso do seu direito de resolver. Respeito a opinião de todos, mas não estou obrigado a seguil-a, quando é opposta á minha propria opinião.
E nada mais direi sobre o assumpto.

sr. Franco Castello Branco: - Pouco tempo tomarei á camara. Mas, tendo assignado, e muito espontaneamente, o projecto que se discute, visto o caminho que as cousas levam, entendo do meu dever confessar os motivos por que o fiz.
Não nos alonguemos em dissertações quanto á missão que aos parlamentos incumbe desempenhar. Lamentemos antes cheios da mais profunda tristeza, que n'esta manifestação de respeito e admiração por um dos mais prestantes cidadãos d'este paiz, se tenham feito ouvir discordancias censuraveis. (Apoiados.)
Nunca me passou pela lembrança, que tal podesse succeder. (Apoiados.)
Eu disse «um dos cidadãos mais prestantes do paiz, e muito intencionalmente, porque considero a lingua um da elementos mais primordiaes e fundamentaes para a existencia de uma nacionalidade. (Apoiados.)
E eu sei que na actualidade nenhum dos nossos escriptores, mesmo dos mais distinctos, se póde julgar offendido ou aggravado com a affirmação de que entre elles nenhum existe, que tanto haja feito pela lingua patria, como Camillo Castello Branco. (Apoiados.)
Para mim, repito, a lingua e um factor e uma força social de primeira ordem. E por isso de ha muito considero, que João de Barros e frei Luiz de Sousa não foram menos no desenvolvimento e na vitalidade da sociedade portugueza do que os conquistadores da África e da India. (Apoiados.)
E por esta fórma o facto recae legitimamente sob a missão do parlamento, que não póde ter expressão mais honrosa, nem emprego mais nobre da sua actividade e da sua força, do que decretando a glorificação de um homem tão eminente como Camillo! (Apoiados.)
O parlamento aproveita assim a occasião, em que outro poder do estado julgou do seu dever honrar e distinguir, por um dos meios em uso no nosso tempo, o maior dos escriptores portuguezes da actualidade, e collabora com elle em tão merecida homenagem.
Eis o fim a que visava o projecto de lei em discussão.
Só este intento moveu os signatarios e apresentantes.
E lembrando ao parlamento esta obrigação, porque o é, ao parlamento em que mais directamente deve palpitar o sentimento da nação, pareceu-me e parece-me ainda que somos antes credores de agradecimento do que de censuras. (Apoiados.)
Por isso não me arrependo do que fiz, e bem ao contrario penso, que decorridos vinte ou trinta annos, arrefecidas as crenças e mortas pelos desenganos as paixões politicas, quando eu perpassar pela imaginação tudo o que n'esta minha primeira campanha parlamentar hei passado e hei feito, talvez nada me dê tanto orgulho nem tamanha consolação, como o haver iniciado esta gloriosa mani-

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festação, e ter combatido pela grandeza nacional do maior escriptor do meu tempo.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Elvino de Brito : - Não desejo discutir o projecto, e pedi a palavra simplesmente para declarar que, não concordando com a doutrina n'elle consignada, voto contra.
Nem a brilhante oração do meu illustre collega e eloquente orador o sr. Antonio Candido, nem a habil defeza produzida pelo illustre deputado o sr. Franco Castello Branco, poderam demover-me do proposito que sempre tive de não lhe dar o meu voto.
É possivel que eu não tenha a verdadeira comprehensão da politica e da administração, como o meu amigo o sr. Antonio Candido disse ao sr. Simões Ferreira; mas é em nome da verdadeira politica e da verdadeira administração, como eu as comprehendo, que votei contra a dispensa do regimento para o projecto entrar já em discussão e voto agora contra elle.
E disse.
O sr. Manuel d'Assumpção : - Direi poucas palavras e tão só por me parecer necessario affirmar a idéa que, na commissão de fazenda, determinou a approvação d'este projecto. Claramente a expressei no curto relatório que redigi; mas, as observações dos illustres deputados obrigam-me a declarar de novo perante a camara que no projecto se viu unicamente um ensejo propicio para a nação manifestar pelo voto dos seus representantes o elevado apreço em que tem o talento brilhante de Camillo Castello Branco.
E a homenagem prestada ao talento e ao trabalho de um escriptor já hoje aureolado por immorredoura e illustre fama; o testemunho de que principia a nação portugueza a não esquecer os seus homens illustres; a affirmação de preito nacional por as nossas modernas glorias. (Apoiados.)
Longe estava de imaginar tivesse impugnação o projecto no parlamento; pois n'esta idade alta a que chegámos é tempo já de não trazer a eternidade de Zoilo atrelada á immortalidade de Homero.
Convençamo-nos de que o talento, atravéz das luctas cruciantes da vida, acaba por levantar a fronte onde irradia impondo-a á veneração dos povos; e resolvamo-nos a não mais esperar tambem no sepulchro, alanceados pela inveja, os cidadãos illustres de quem a pátria ha de orgulhar-se, para só então, calando o tumultuar das paixões, corrermos á levantar estatuas que perpetuem os seus nomes e a nossa ingratidão. (Apoiados.)
Ainda ha poucos mezes os redactores de um distincto jornal, publicado em Coimbra, convidaram portuguezes e brazileiros para em original mas gentil plebiscito decidirem qual era actualmente o primeiro escriptor de Portugal: feito o apuramento foi proclamado Camillo Castello Branco, nome festejado em toda a parte onde é conhecida a lingua portugueza. Orgulhemo-nos com isto.
Eu sei, sr. presidente, que é difficil alcançar justiça dos contemporaneos; especialmente quando as paixões turbam a vista e os ciumes desnorteiam os entendimentos. Difficil, muito difficil, avaliar o trabalho de um homem quando elle está ainda na lucta, e assoberba e affronta os que procuram vencei o, ou se imaginam superiores. Sempre assim foi; para reconhecer a superioridade do homem a quem o genio illumina a fronte é necessario que a morte o derrube; só então e á vontade se lhe mede a estatura: emquanto afadigado com seus trabalhos e estudos anda na terra, todos se creem da mesma altura; a estatua avulta depois que está no pedestal. (Apoiados.)
Demais, ha tão boas rasões para amesquinhar, especialmente quando se trata de trabalhos litterarios; é tão fácil, e está tanto na nossa indole, que me parece ficaremos sempre legitimos descendentes d'aquelles que deprimiam Camões para exaltar Caminha. Verdade é que ficou eterno o nome de Camões e de Caminha já ninguém se lembra. (Apoiados.)
Respeito muito os moralistas, almas pudibundas que fecham os olhos diante da Magdalena de Canova, e constantemente tremem da influencia nefasta que poetas ou artistas podem ter na sociedade. São de todos os tempos; em Roma applaudiam o desterro de Ovidio; mas emquanto o poeta nas solidões do exilio conquistava a immortalidade desappareciam no pó do esquecimento todos esses moralistas. (Apoiados.)
Tácito incommodava; e quando o enorme historiador, que ainda hoje assombra, com o estillete de aço gravava em laminas de bronze a condemnação das tyrannias do seu tempo, havia prudentes que julgavam perigosa a commemoração de taes horrores e talvez o accusassem de calumniar a Nero. (Apoiados.)
Sr. presidente, não tenho relações pessoaes com Camillo Castello Branco, nunca tive a honra de lhe fallar; mas li todos os seus livros, todos. E têem-me elles dado tantos momentos de suave entretenimento, tantas horas de instructivo recreio, tantos ensinamentos da historia e vida do meu paiz; tanto contentamento por ver como florece, falla e canta a famosa linguagem de fr. Luiz de Sousa e de Vieira, que o estimo e prezo como se preza e estima um mestre e um bom amigo. Concorrendo hoje com humilde voto para esta manifestação, sinto ufania de que na minha patria haja ainda escriptores de tão subido merecimento.
Não quero amesquinhar ninguém, nem ousaria insano deslustrar com palavras a gloria dos que passaram, pois só glorias desejava para a terra onde nasci. Lastimo, se não aproveitasse ensejo para se darem iguaes manifestações de consideração publica a Herculano, o grandissimo historiador, e a Castilho o já immortal poeta; a culpa não foi nossa nem se nos póde levar em conta. Mas, se o pejo nos assoma ás faces, quando nos recordam como temos sido mesquinhos com os nossos homens illustres; entremos em novos usos, e convençamos os estrangeiros de que Portugal envergonhado queimou a enxerga de Camões, e sabe reconhecer e honrar o merito onde elle está! (Apoiados.)
Ainda uma observação. Camillo Castello Branco não precisa de esmolas; tem o seu trabalho honrado. (Apoiados.) Se de prompto carecesse realisar a quantia necessaria para os chamados direitos de mercê, bastava-lhe lançar mão da pena, e com duas paginas que escrevesse tinha do sobra que atirar aos cofres do estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Vicente Pinheiro: - Sr. presidente, eu quasi que vou fazer uma simples declaração do que desisto da palavra.
Vejo que felizmente a camara no seu claro entendimento está de bom grado resolvida a approvar o projecto de lei, que me honro de ter assignado.
A sua defeza está feita muito mais brilhantemente do que eu a poderia fazer.
As nações vivem sobretudo pela sua lingua.
O tempo e as lutas da vida destroem mais facilmente os outros caracteres ethnographicos.
Os povos desapparecem, as raças extinguem-se no transcurso dos seculos, só os monumentos de arte e litteratura que de si souberam legar á humanidade lhes conservam na historia os nomes e os feitos.
Os que vivem estudando e engrandecendo, na pureza das suas formas, a lingua da patria são benemeritos.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Carrilho: - Roqueiro a v. exa. que consulte a camara se julga sufficientamente discutida a materia d'este projecto.
O sr. João Arroyo: - Pedi a v. exa. que me inscrevesse sobre o modo de votar, porque a minha qualidade de

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apresentante do projecto em discussão me impunha o dever de escalar por qualquer fórma a palavra, depois de votado o requerimento do sr. Carrilho. Só tarde me inscreve pois a delicadeza me obrigava a deixar fallar antes de mim os outros signatarios do projecto.
A camara acaba de ouvir a sua justificação plena, feita por vozes eloquentes e prestigiosas.
Eu felicito o paiz, e mais particularmente o parlamento portuguez, por ver que no seu seio abundam as intelligencias cultas e os corações prestimosos, promptos a honrar com os fulgores da sua palavra seductora a obra de Camillo Castello Branco, a maior gloria litteraria portugueza na actualidade.
Vozes : - Muito bem.
Posto o requerimento do sr. Carrilho á votação, foi e approvado e em seguida o parecer que estava em discussão.
O sr. Avellar Machado: - Por parte da commissão de obras publicas, mando para a mesa o parecer sobre proposta de lei auctorisando o governo a proceder á or nisação do pessoal technico do ministerio das obras publicas, commercio e industria.
Enviado á commissão de fazenda.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobra se me permitte n'este momento usar da palavra.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Azevedo Castello Branco,: - Agradeço v. exa. o ter consultado a camara, e á camara o ter-me concedido a palavra para fallar n'este momento.
Direi muito pouco pela inconveniencia em prolongar mais o debate. Entretanto cumpre-me agradecer á camara a subida honra que ao escriptor Camillo Castello Branco, cujo nome e cuja familia tenho a honra de representar n'esta casa, acaba de conferir, concedendo-lhe a faculdade de solver por meio d'este projecto de lei o encargo que sobre elle pesaria com o titulo com que a munificencia regia o agraciou.
Devo dizer á camara que estou certo que ao espirito d'aquelle distincto escriptor será tão grata a honra concedida pelo poder moderador, como a que esta camara acaba de lhe dispensar, e que no espirito cheio de tão finas qualidades ha de certo agradecimento para cada um que e pregou a sua iniciativa n'esta obra, e generosidade bastante para esquecer o que de injusto houve nas palavras do sr. Simões Ferreira.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei sobre a eleição dos membros temporarios da camara dos pares.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 156

Senhores. - O novo acto addicional á nossa constituição politica, de certo em breve lei constitucional do paiz, preceitua que uma lei especial regulará tudo quanto disse respeito á eleição dos membros temporarios da camara dos pares.
É sobre a proposta d'essa lei reguladora, submettida pelo governo á apreciação do parlamento, que a vossa commissão de reformas politicas tem de dar hoje o seu parecer.
Na organisação da lei eleitoral da camara dos pares não é completamente livre a acção do legislador; antes tem se subordinar aos principios fundamentaes, consignados na reforma constitucional.
Não é só o numero dos pares electivos e a duração do seu mandato, que essa reforma determinou. O principio de que a eleição será indirecta, e a sujeição da elegibilida á inclusão em determinadas categorias, que não podem ser differentes d'aquellas de entre as quaes sairem os pares de nomeação regia: são elementos a que se não póde deixar de attender, que têem de servir de base á nova or-ganisação eleitoral.
Mesmo subordinados a estes principios, muitos seriam ainda sem duvida os systemas eleitoraes a imaginar.
Seria longo, e inutil para a vossa illustração, o expôr todos esses systemas, que se poderiam encontrar, ou nos codigos politicos das nações estranhas, ou nos livros dos publicistas, ou nas concepções dos homens d'estado.
A vossa commissão limitar-se-ha á exposição do systema da proposta governamental, e das rasões por que o adoptou com as modificações, que n'elle julgou dever introduzir, de accordo com o governo.
A proposta estabelecia a eleição de 25 pares pela camara dos deputados, de 21 pelos districtos administrativos e de 4 pelos estabelecimentos scientificos.
Não era uma offensa, ou uma desconsideração para a camara alta, que uma parte, a mais consideravel é certo, dos pares temporarios, fosse buscar o seu mandato a um collegio eleitoral composto dos mais auctorisados representantes do suffragio popular.
A vossa commissão, porém, não acceitou n'esta parte a proposta do governo, não, repetimos, porque ella envolvesse qualquer desaire para alguma das camaras legislativas, o que não poderia caber nas intenções do poder executivo, mas por motivos identicos aos que levaram o parlamento francez a rejeitar um systema similhante proposto pelo gabinete, de mr. Ferry.
A ingerencia directa de uma das duas camaras na composição da outra implica uma contradicção formal com o modo de organisação do poder legislativo; as rasões que justificam a existencia de duas assembléas legislativas exigem que, debaixo do ponto de vista da sua formação, ellas sejam completamente independentes uma da outra.
A suppressão da eleição pela camara dos deputados permitte dar maior e mais equitativa representação aos districtos administrativos. A commissão acceita e applaude a idéa da proposta governamental de constituir no districto a unidade do collegio destinado a eleger os pares, no concelho a unidade do collegio destinado á escolha dos delegados, que maior influencia devem ter n'aquella eleição.
O districto, do mesmo modo que o municipio, não é só uma agglomeração de cidadãos; é uma comumnhão de interesses, de affinidades, de relações e de aspirações. Tudo quanto contribuir para dar cohesão e unidade a estas agremiações administrativas, a transformal as em centros de vida politica, é um serviço e um progresso, sobretudo num paiz em que a centralisação da administração e da politica ainda existe mais arreigada nos habitos e nos preconceitos do que nas leis.
Estas mesmas considerações levaram a vossa commissão a admittir, em geral, a igualdade de representação, para o districto: dois pares para cada um.
Duas excepções, porém, estavam naturalmente justificadas. Lisboa e Porto importam n'uma nação pequena como Portugal, duas tão grandes massas de superior população, de mais avultada riqueza, e de muito maior iilustração, que bem e comprehende que se lhes dê maior numero de representantes na camara dos pares. Estabelecendo para o districto de Lisboa a eleição de quatro pares, e para o do Porto a de três, não se excederam os limites de uma equitativa proporção.
A organisação dos collegios municipaes, proposta pelo governo, para a escolha dos delegados ao collegio districtal, parece corresponder aos fins, que se deve ter em vista na formação do corpo eleitoral para uma segunda camara.
A reunião n'esses collegios dos membros da camara municipal, isto é, dos escolhidos do suffragio popular em cada concelho, com os representantes da propriedade e da agricultura, do capital, do commercio e da industria, allia, á soberania do numero, as forças sociaes, os interesses legitimos do municipio.
Supprimindo a eleição directa pela camara dos deputa-

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dos, era de justiça, que os deputados, não na sua qualidade de membros de um corpo legislativo, mas como os mais auctorisados representantes do suffragio e da soberania popular, votassem no seu respectivo districto, fazendo parte do collegio districtal. Não se oppõe a esta solução a independencia das duas camaras, como não obsta a que o par do reino vote na eleição dos membros da camara electiva. Demais, e não é esta a menor vantagem da innovação proposta pela vossa commissão, o comparecimento dos deputados nos collegios eleitoraes do seu districto, o tracto com os delegados dos municipios e da junta geral do districto leval-os-ha a palpar as necessidades locaes, a uma comprehensão mais completa dos justos interesses o aspirações do paiz.
O collegio districtal composto dos deputados do districto, dos delegados da junta geral, dos escolhidos pelos collegios municipaes, representará por certo um corpo eleitoral que, inspirando-se de sentimentos liberaes, marchando estreitamente unido á massa da nação, não se esquecerá dos interesses legitimos que lhe compete defender, nem da prudencia e da circumspecção com que deve proceder á escolha dos membros temporarios da camara alta.
Os pares assim eleitos pelos districtos administrativos são em numero de quarenta e cinco.
A vossa commissão propõe que os cinco, que faltam para completar o numero dos pares electivos, sejam eleitos pelos estabelecimentos scientificos, em logar de quatro que propunha o governo. Inutil é encarecer a utilidade de serem escolhidos alguns dos membros da camara dos pares por um collegio eleitoral, que se deve suppor composto de grandes summidades scientificas do paiz.
Os homens que tenham votado a sua vida á sciencia, ou á litteratura, homens eminentes, a cujo caracter podem repugnar as competencias ardentes e apaixonadas das luctas locaes, poderão encontrar n'esse collegio o meio de alcançarem um logar nos conselhos da nação, e prestarem assim ao seu paiz o auxilio dos seus talentos e dos seus conhecimentos.
Nem se diga que mal se comprehende a diversidade de origem ou de proveniencia entre os pares electivos. A presença nos mesmos bancos dos pares de nomeação regia e dos pares de direito proprio, com os pares de eleição, já importa a não uniformidade na composição da camara alta. E os homens de estado devem olhar mais para os dados da experiencia, para a utililade dos preceitos a legislar, do que para a symetria das concepções.
A politica não se faz com idéas absolutas ou formulas mathematicas. A sociedade é complexa, os interesses são numerosos e variados, as necessidades são multiplas, os direitos e os caracteres são differentes, por vezes antinomicos. Um só modo de eleição póde dar uma representação infiel ou incompleta do paiz. Esta, que é uma das rasões da existencia de duas camaras, póde justificar n'uma só camara sobretudo na que não é a emanação directa do suffragio popular, a diversidade de origem para os membros que a compõem.
Eis, senhores, em breves traços, os lineamentos geraes do projecto, que propomos ao vosso exame e aprovação. O resto é, por assim dizer, apenas a applicação dos principios postos, a explanação do processo eleitoral; ha ahi por certo ainda muitas disposições importantes a considerar, muitas questões de valor a discutir e resolver. Com o vosso esclarecido critério examinareis o que ha de bom a conservar, ou de mau a expungir.
A lei eleitoral da camara dos pares é o complemento necessario das reformas politicas, tão sensata e prudentemente iniciadas pelo governo que está á frente dos negocios publicos, com o apoio das duas casas parlamentares, e por estas quasi levadas a cabo no meio de uma paz profunda. Obra de transacção entre idéas e interesses oppostos, a reforma constitucional e este projecto, que a completa, podem não representar o ideal da philosophia politica, mas satisfazem ás aspirações da grande massa os espiritos sensatos. Obra de concordia e pacificação, nenhum interesse de politica mesquinha dominou a confecção da lei eleitoral da camara dos pares; com ella podem viver os governos de todos os partidos politicos, quando tenham a apoial-os a consciencia nacional.
Em virtude d'estas considerações e das que supprirá a vossa illustração, é a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° É approvada a organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares, nos termos e pela fórma determinada na presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

TITULO I

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo 1.° Haverá cincoenta pares electivos: quarenta cinco eleitos pelos districtos administrativos e cinco pelos estabelecimentos scientificos.
Art. 2.° São elegiveis os cidadãos portuguezes, que, estando no goso dos seus direitos civis e politicos, e tendo mais de trinta e cinco annos de idade, se acharem comprehendidos n'alguma das categorias mencionadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, salvo o disposto no artigo 7.° da presente lei.
Art. 3.° Os pares dos districtos administrativos serão eleitos por collegios eleitoraes, reunidos nas capitaes dos districtos.
§ 1.° Em cada districto haverá um collegio districtal.
§ 2.° O collegio districtal de Lisboa elege quatro pares, o do Porto tres pares, cada um dos outros districtos dois pares.
Art. 4.° Os collegios districtaes serão compostos:
1.° Dos deputados eleitos nos circulos comprehendidos na area dos respectivos districtos;
2.° Dos delegados das juntas geraes;
3.° Dos delegados dos collegios municipaes.
Art. 5.° Os delegados das juntas geraes serão eleitos quatro por cada districto.
§ 1.° Nas cidades de Lisboa e Porto as respectivas camaras municipaes reunidas com as juntas geraes elegerão sete delegados.
§ 2.° Alem dos delegados effectivos serão eleitos outros tantos supplentes, que substituirão os primeiros no caso de falta ou impedimento.
Art. 6.° Os collegios municipaes serão constituidos:
1.° Pelos membros effectivos ou substitutos em exercicio da respectiva camara municipal, salvo o disposto no § 1.° d'este artigo;
2.° Pelos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial;
3.° Pelos quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuária e de renda de casas, domiciliados no concelho, computando-se para cada contribuinte a somma das collectas d'estas tress contribuições
§ l.° Em cada concelho constituir-se-ha um collegio municipal, excepto nas cidades de Lisboa e Porto, onde haverá um collegio em cada bairro constituido pelos eleitores mencionados nos n.ºs 2.° e 3.° deste artigo.
§ 2.° Nos concelhos de menos de tres mil fogos cada collegio elegerá um delegado ao collegio districtal; nos de mais de tres mil fogos e nos bairros de Lisboa e Porto dois delegados.
§ 3.° Alem dos delegados effectivos serão eleitos outros tantos supplentes, que substituirão os primeiros no caso de alta ou impedimento.

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§ 4.° Os quarenta maiores contribuintes da contribuiç ão industrial, sumptuaria e de rendas de casas serão recenseados em cada concelho ou bairro pelas respectivas commissões de recenseamento, com as mesmas formalidades com que o são pela legislação vigente os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, e com os mesmos recursos para os tribunaes, abrindo-se mais uma casa no livro do recenseamento.
§ 5.° O cidadão recenseado como maior contribuinte contribuição predial não poderá ser recenseado como maior contribuinte das outras contribuições.
Art. 7.° Não poderão ser eleitos pares pelos districtos administrativos:
1.° Os governadores civis nos respectivos districtos;
2.° Os juizes dos tribunaes de segunda instancia no districtos da sua relação;
3.° Os commandantes de divisões militares nos districtos das suas divisões.
Art. 8.° A eleição de pares pelos estabelecimentos scientificos verificar-se-ha por um collegio especial, reunido capital do reino e composto de delegados dos seguintes estabelecimentos: universidade de Coimbra, escola polytechnica de Lisboa, academia polytechnica do Porto, escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, curso superior letras, escola do exercito, escola naval, instituto geral agricultura, institutos industriaes de Lisboa e Porto e academia real das sciencias.
§ l.° A universidade de Coimbra elegerá dez delegados dois por cada faculdade; a escola polytechnica de Lisboa, academia polytechnica do Porto elegerão cada uma quatro delegados; a academia real das sciencias elegerá tambem quatro delegados, dois por cada classe, todos os outros estabelecimentos scientificos elegerão cada um dois delegados.
§ 2.° Poderão tomar parte na eleição de delegados os socios effectivos na academia real das sciencias e os lentes e professores effectivos e substitutos nos outros estabelcimentos scientificos.
§ 3.° Alem dos delegados effectivos serão eleitos outros tantos supplentes, que substituirão os primeiros no caso de falta ou impedimento.
Art. 9.° Nenhum cidadão poderá votar em mais de um collegio, ou estabelecimento scientifico, para eleição de delegados.
§ unico. O direito de votar nos collegios primarios é regulado pelo domicilio politico. No concelho do domicilio do eleitor o direito de votar no estabelecimento scientifico prefere ao direito de votar na junta geral, e este ao direito de votar no collegio municipal.
Art. 10.º- Nenhum cidadão poderá votar em mais de um collegio para eleição de pares.
§ 1.° A eleição de delegado ao collegio especial prefere á eleição de delegado da junta geral, e este ao de delegado do collegio municipal.
§ 2.° O direito de votar como deputado prefere ao direito de votar como delegado.
Art. 11.° O deputado que for eleito par do reino deverá, no praso de oito dias depois de communicada a eleição á camara dos pares, optar entre um e outro logar.
Art. 12.° O par eleito poderá ser privado da sua dignidade de par ou suspenso do exercicio das suas funcções pelos mesmos motivos designados na lei para o par de nomeação regia.
§ unico. O par eleito perderá tambem o seu logar pelos mesmos motivos por que o perderia qualquer deputado.
Art. 13.° A eleição de par pelos estabelecimentos scientificos preferirá á eleição pelos districtos administrativos.
Art. 14.° O par eleito poderá renunciar o seu logar antes de tomar assento na camara, fazendo-o assim constar por escripto á mesma camara.

TITULO II

CAPITULO I
Da eleição pelos districtos administrativos
Art. 15.° A eleição de pares pelos collegios districtaes verificar-se-ha no dia que for fixado em decreto do governo, publicado com antecedencia pelo menos de trinta dias, de modo que a eleição se realise antes da terminação do mandato dos pares anteriormente eleitos, ou dentro do praso de tres mezes no caso de dissolução ou de declarada a vacatura pela respectiva camara.
§ único. No caso de eleição conjuncta da camara dos deputados e da parte electiva da camara dos pares, a eleição de pares só poderá realisar-se passados quinze dias depois da eleição de deputados.
Art. 16.° A eleição de delegados aos collegios districtaes verificar-se-ha dez dias antes do fixado para a eleição de pares.
Art. 17.° Poderão ser eleitos delegados dos collegios municipaes todos os cidadãos elegiveis para deputados no respectivo concelho. Poderão ser eleitos delegados das juntas geraes todos os cidadãos elegiveis para deputados no respectivo districto.
Art. 18.° Os collegios districtaes serão presididos pelo delegado que a junta geral indicar para este cargo; os collegios municipaes pelo presidente da camara municipal, ou por quem suas vezes fizer.
§ unico. Nas cidades de Lisboa e Porto os presidentes dos collegios municipaes serão escolhidos pelas commissões de recenseamento entre os eleitores do respectivo collegio.
Art. 19.° As commissões de recenseamento enviarão, cobrando recibo, aos presidentes dos collegios municipaes, pelo menos três dias antes d'aquelle em que deve verificar-se a eleição dos delegados, uma lista em duplicado dos oitenta maiores contribuintes, que podem votar nos respectivos collegios.
§ unico. Estas listas serão fielmente trasladadas do recenseamento encerrado em 30 de junho immediatamente anterior ao dia da eleição e rubricadas pela commissão, podendo tambem sel-o pelo respectivo administrador do concelho.
Art. 20.° O collegio municipal reunir-se-ha pelas dez horas da manhã no edificio da camara municipal, constituindo-se a mesa, alem do presidente, com dois escrutinadores e dois secretarios.
§ 1.° Constituida a mesa definitiva, e votando primeiro esta e depois os membros da camara municipal, serão chamados para votar todos os eleitores pela ordem indicada nas respectivas listas.
§ 2.° Serão admittidos a votar, embora não estejam incluidos nas listas, os cidadãos, que se apresentarem munidos de sentenças do poder judicial, mandando-os inscrever como maiores contribuintes.
§ 3.° Cada lista deverá conter em separado, e com a competente designação, os nomes dos cidadãos escolhidos para delegados effectivos e os nomes dos escolhidos para delegados supplentes.
§ 4.° Uma hora depois de feita a chamada dos eleitores proceder-se ha á contagem das listas.
§ 5.° A votação assistirão o administrador do concelho e o escrivão de fazenda para informar sobre a identidade dos votantes.
§ 6.° A acta da eleição mencionará a declaração de que os cidadãos, que formam o collegio eleitoral, outorgam ao delegado ou delegados eleitos, e aos seus substitutos na falta ou impedimento dos primeiros, os poderes necessarios para que, reunidos com os outros membros do collegio districtal, procedam á eleição dos pares do districto.
§ 7.° A acta da eleição far-se-ha em duplicado, ficando, um exemplar no archivo da camara, e sendo outro remettido pelo seguro do correio com todos os mais papeis da eleição ao presidente do collegio districtal.

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§ 8.° A cada um dos delegados eleitos se entregará copia authentica d'essa acta, que lhe servirá de diploma; e, se algum não estiver presente, ser-lhe-ha enviada com carta de aviso da mesa.
Art. 21.° A constituição da mesa e á eleição serão applicaveis as disposições dos artigos 46.°, 48.° a 52.°, 54.° a 61.°, 64.° a 73.°, 75.°, 76.°, 78.° e 79.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, na parte não modificada pelo disposto no artigo precedente.
Art. 22.° As juntas geraes do districto reunir-se-hão, no mesmo dia e á mesma hora que os collegios municipaes, em sessão extraordinaria, e independentemente de convocação, a fim de procederem á eleição dos seus delegados, em escrutinio secreto, esperando-se meia hora antes de se proceder ao apuramento, quando não estejam todos os membros presentes.
§ 1.° Da eleição se lavrará acta em duplicado, ficando um exemplar no archivo da junta, e entregando-se ou remettendo-se o outro ao presidente do collegio districtal.
§ 2.° São applicaveis as disposições dos §§ 3.°, 6.° e 8.° do artigo 20.°
Art. 23.° O collegio districtal reunir-se-ha na sala das sessões da junta geral do districto, ou, quando não tenha a precisa capacidade, no edificio que para esse fim for destinado pelo respectivo governador civil.
Art. 24.° O delegado effectivo, que por motivo justificacado não possa comparecer ás reuniões do collegio districtal, deverá participal-o immediatamente ao presidente d'este collegio e aos respectivos delegados supplentes.
Art. 25.° Os delegados supplentes só farão parte do collegio districtal na falta ou impedimento dos respectivos delegados effectivos, os quaes substituirão pela ordem da maior votação.
Art. 26.° Tres dias antes do designado para a eleição dos pares, reunir-se-ha o collegio districtal pelas dez horas da manha, a fim de proceder á constituição da mesa e á verificação dos poderes dos delegados eleitos.
§ único. O delegado supplente, que tiver recebido a participação a que se refere o artigo 24.° e a quem compita substituir algum delegado effectivo, deverá comparecer á reunião.
Art. 27.° Na formação da mesa os collegios districtaes observarão o que vae disposto para os collegios municipaes, na parte que for applicavel.
Art. 28.° Constituida a mesa definitiva o presidente apresentará fechadas e lacradas as actas e os mais papeis, que nos termos do § 7.° do artigo 20.° e § 1.° do artigo 22.° lhe devem ter remettido os collegios municipaes e a junta geral. Os delegados eleitos apresentarão igualmente os seus diplomas.
Art. 29.° Proceder-se-ha em seguida á eleição de duas commissões de verificação de poderes, composta cada uma de cinco membros.
§ 1.° Os processos serão distribuidos com igualdade pelas duas commissões, de modo que a verificação dos poderes dos membros de uma commissão pertençam sempre á outra.
§ 2.° Os poderes dos deputados, quando não haja duvida na identidade da pessoa, suppor-se-hão verificados com a simples apresentação dos seus diplomas.
Art. 30.° As attribuições das commissões limitar-se-hão a verificar:
1.° A identidade dos delegados;
2.° A authenticidade dos seus diplomas, confrontando-os com as actas originaes;
3.° Se os diplomas dos delegados foram conferidos pelas juntas geraes ou pelos collegios municipaes aos mais votados;

.° Se os delegados mais votados são absoluta ou respepectivamente inelegiveis aos termos dos artigos 10.° e 17.°;
5.° A ordem pela qual os delegados supplentes deverão substituir os effectivos nas suas faltas ou impedimentos.
§ unico. Qualquer dos eleitores do collegio poderá apresentar documentos para elucidar as commissões nas suas investigações.
Art. 31.° Os pareceres das commissões serão lidos e approvados ou reformados pela assembléa.
Art. 32.° É absolutamente defezo aos collegios districtaes annullar as actas ou a eleição dos delegados com o fundamento de que houve alguma nullidade no recenseamento, na formação das mesas, ou no processo eleitoral, ou com qualquer outro que não seja a falta de authenticidade ou genuinidade expressamente especificados nos n.°s 2.° e 3.° do artigo 30.°
Art. 33.° Se o collegio districtal reconhecer que o portador do diploma passado pela junta geral ou pelo collegio municipal não é o próprio, ou que o seu diploma não é authentico, ou lhe não competia por não ser o mais votado, mandará passar novo diploma, que será remettido pelo presidente ao delegado eleito.
Art. 34.° Se o collegio districtal reconhecer que o delegado elleito é absoluta ou respectivamente inelegivel, o presidente mandará telegramma ou carta de aviso ao respectivo delegado supplente para o substituir.
Art. 35.° De todas as decisões tomadas pelo collegio districtal cabe recurso para a camara dos pares, sem effeito suspensivo.
§ unico. Este recurso poderá ser interposto por qualquer dos membros do collegio, ou na acta, ou em separado, em fórma de protesto, que se juntará ao processo eleitoral.
Art. 36.° Terminada a verificação dos poderes, organisar-se-ha uma lista de todos os eleitores do collegio districtal e dos respectivos supplentes, a qual será feita em duplicado, affixando-se um exemplar na porta do edificio e entregando-se o outro, que será assignado e rubricado pela mesa e pelos eleitores que assim o requeiram, ao presidente do collegio districtal.
Art. 37.° Da constituição da mesa e da verificação dos poderes se lavrará acta, mencionando todas as circumstancias que tiverem occorrido.
§ 1.° A acta far-se ha em duplicado, ficando um dos exemplares no archivo da junta geral do districto e o outro em mão de um dos secretarios do collegio districtal.
§ 2.° De todos os outros papeis recebidos dos collegios municipaes, ficará depositario o presidente do collegio districtal.
Art. 38.° No dia marcado para a eleição de pares reunir-se-hão os eleitores do collegio districtal á mesma hora e no mesmo local, a fim de procederem á votação.
Art. 39.° O presidente apresentará a lista a que se refere o artigo 36.° e por ella se fará a chamada dos eleitores para darem o seu voto.
§ 1.° Terminada a chamada dos eleitores inscriptos na lista, se algum dos delegados effectivos tiver feito as participações, a que se refere o artigo 24.°, será chamado a votar o respectivo supplente.
§ 2.° A votação é por escrutinio secreto. Das listas que tiverem mais nomes do que os dos pares a eleger só se conta o primeiro.
§ 3.° Recebidas as listas de todos os eleitores presentes, esperar-se-ha meia hora se faltarem ainda alguns eleitores a votar.
§ 4.° Finda a meia hora, sem terem ainda votado todos os delegados effectivos, serão admittidos a votar, em logar dos que tiverem faltado sem fazerem as participações a que se refere o artigo 24.°, os respectivos delegados supplentes, se estiverem presentes.
§ 5.° Terminada a votação seguir-se-ha o apuramento dos votos, observando-se o disposto para os collegios municipaes.
Art. 40.° Só poderá ser eleito par o cidadão que reunir a maioria absoluta dos votos.
Art. 41.° Se do primeiro escrutinio não resultar para algum nome a maioria absoluta, proceder-se-ha a segundo

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escrutinio; e, se n'este ainda não houver maioria absoluta a terceiro escrutinio, no qual só poderão ser votados os cidadãos que tiverem tido maior numero de votos no escrutinio anterior, em numero duplo ao dos pares que faltar a eleger.
§ único. No segundo e terceiro escrutinio guardar-se-hão as mesmas formalidades do primeiro, só podendo votar os eleitores que n'este tiverem votado.
Art. 42.° Concluida a eleição, publicar-se-hão por edital os nomes dos pares eleitos.
Art. 43.° Da eleição lavrar se-ha acta em que se declare:
I. Os nomes dos eleitores que faltaram por motivo jusficado ou sem causa legitima, ou se ausentaram antes de concluida a eleição;
II. Os nomes dos supplentes, que votaram sem estar inscriptos na lista dos eleitores;
III. Quantos escrutinios correram e o numero dos votantes em cada um;
IV. O nome de todos os votados e o numero de votantes que cada um teve;
V. A declaração de que os eleitores, que formam o collegio districtal, outorgam aos pares eleitos os poderes necessarios para que, reunidos com os outros pares do reino, façam dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.
Art. 44.° D'esta acta se entregará copia assignada por toda a mesa a cada um dos pares eleitos, se estiverem presentes; estando qualquer d'elles ausente, enviar-se-ha com participação official do respectivo presidente.
Art. 45.° A acta original do collegio districtal, conjunctamente com as actas e mais papeis, que tiverem vindo dos collegios municipaes, serão immediatamente remettidos ao ministro e secretario d'estado dos negocios do reino para serem presentes á camara dos pares.
Art. 46.° Ao par eleito por mais de um districto se applicavel, quanto á opção, o disposto na legislação eleitoral para deputado eleito por mais de um circulo.

CAPITULO II

Da eleição pelos estabelecimentos scientificos

Art. 47.° A eleição de pares pelos estabelecimentos scientificos realisar-se-ha no mesmo dia, que for designado para a eleição de pares pelos districtos administrativos.
Art. 48.° A eleição de delegados ao collegio especial verificar-se-ha á mesma hora e no mesmo dia em que são eleitos os delegados aos collegios districtaes.
Art. 49.° Os delegados serão eleitos em sessões extraordinarias das congregações, conselhos ou secções das respectivas corporações, sob a presidencia dos seus respectivos decanos, directores ou presidentes, em escrutinio secreto, esperando-se meia hora, antes de se proceder apuramento, quando não estejam todos os membros presentes.
Art. 50.° Da eleição se lavrará acta em duplicado, ficando um exemplar no archivo do estabelecimento e remettendo-se o outro ao presidente do collegio especial.
§ unico. A cada um dos delegados se entregará uma copia authentica d'essa acta, que lhe servirá de diploma.
Art. 51.° Aos delegados effectivos e supplentes será applicavel o disposto nos artigos 24.° e 25.°
Art. 52.° O collegio especial reunir-se-ha na sala da academia real das sciencias, devendo comparecer os delegados effectivos e os supplentes, que tenham recebido participação a que se refere o artigo 24.°
Art. 53.° O collegio especial é presidido pelo presidente da academia real das sciencias, observando-se quanto á constituição da mesa, verificação de poderes e eleição, mais o mais que vae regulado para os collegios districtaes, salvo disposto nos paragraphos seguintes:
§ 1.° Os delegados supplentes eleitos por qualquer estabelecimento scientifico só substituirão os effectivos do mesmo estabelecimento.
§ 2.° A carta de aviso, a que se refere o artigo 34.°, sómente será enviada aos delegados supplentes residentes em Lisboa, ou que n'esta cidade tenham escolhido domicilio para a receber por officio dirigido ao presidente do collegio.

TITULO III

Da verificação dos poderes dos pares eleitos

Art. 54.° Os pares eleitos não tomarão assento na camara dos pares, sem que por esta sejam verificados os seus poderes.
Art. 55.° Á camara dos pares competirá a decisão definitiva de todas as duvidas e reclamações, que se suscitaram, tanto durante a eleição de pares como durante a eleição dos delegados.
Art. 56.° São causas de nullidade as infracções de lei, que affectem a essencia do acto eleitoral e podessem ter influido no resultado da eleição.
Art. 57.° Se a camara dos pares annullar a eleição feita pelos collegios districtaes ou pelo collegio especial, só n'esses collegios se repetirá a eleição com os mesmos delegados anteriormente eleitos.
Art. 58.° Se a camara dos pares annullar as eleições de delegados feitas em mais de um collegio primario ou em mais de um estabelecimento scientifico, repetir-se-ha a eleição de todos os delegados, que compõem o collegio districtal ou o collegio especial.
§ unico. Se a annullação apenas comprehender um collegio primario ou um estabelecimento scientifico, só n'esse collegio ou n'esse estabelecimento só repetirá a eleição de delegados.
Art. 59.° A annullação da eleição de delegados feita em qualquer collegio, importará sempre a repetição do acto eleitoral no respectivo collegio districtal, ou no collegio especial.
Art. 60.° A camara dos pares não poderá resolver sobre questões de recenseamento, em contrario das decisões das respectivas commissões de recenseamento ou das sentenças dos tribunaes, que as confirmarem ou modificarem.
§ unico. A camara dos pares não póde resolver sobre a eleição dos deputados, que tiverem votado no collegio districtal, em contrario das decisões da camara dos deputados ou do respectivo tribunal da verificação de poderes.
Art. 6l.° Na verificação dos poderes, ou no julgamento das vacaturas, observar-se-hão as formalidades, que a camara decretar no seu regimento.

TITULO IV

Disposições penaes e transitorias

CAPITULO I

Disposições penaes

Art. 62.° Os factos ou omissões, puniveis pelas leis que regulam a eleição de deputados, serão punidos com igual penalidade quando respeitem á eleição de pares do reino.
Art. 63.° Os delegados effectivos, que deixarem de comparecer ás reuniões do collegio districtal ou do collegio especcial sem motivo justificado, pagarão uma multa de réis 50$000 a 100$000 réis.
§ unico. Se tiverem feito as participações a que se refere o artigo 24.° a multa será de 10$000 réis a 30$000 réis.
Art. 64.° O delegado que, tendo motivo justificado para o não comparecer, não fizer as participações a que se refere o artigo 24.° pagará uma multa de 5$000 réis a 20$000 réis.

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Art. 65.° Aos delegados supplentes será applicavel o disposto no artigo 63.°, quando, avisados a tempo para substituir os effectivos, não comparecerem sem motivo justifificado.
Art. 66.° Aos presidentes dos collegios municipal, districtal e especial será applicavel o disposto no artigo 124.° do decreto de 30 de setembro de 1852 para os presidentes das assembléas primarias ou de apuramento.
Art. 67.° Aos membros dos collegios districtaes e do collegio especial, quando infringirem o disposto no artigo 32.°, será applicavel a penalidade prescripta no artigo 134.° do decreto de 30 de setembro de 1852 para os membros da assembléa de apuramento.

CAPITULO II

Disposições transitorias

Art. 68.° Em execução d'esta lei o governo publicará um decreto mandando reunir as commissões de recenseamento e fixando, nos termos do artigo 39.° da lei de 21 de maio de 1884, os prasos para, em recenseamento supplementar, se inscreverem os quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas.
Art. 69.° A primeira eleição de pares pelos districtos administrativos e pelos estabelecimentos scientificos verificar se-ha dentro do praso de tres mezes depois de encerrado o recenseamento supplementar.
Sala das sessões da commissão, 19 de junho de 1885.= Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Manuel d'Assumpção = Marçal Pacheco = Antonio M. P. Carrilho = Luiz de Len-castre = Antonio José d'Ávila = João Arroyo = João Ribeiro dos Santos = Antonio Maria Jalles = Julio de Vilhena = Urbano de Castro = Rodrigo Afonso Pequito Moraes Carvalho relator = Tem voto do sr. Frederico Arouca.

Proposta de lei n.° 65-A

Artigo 1.° É approvada a organisação eleitoral da parte electiva da camara dos pares, nos termos e pela fórma determinada na presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

TITULO I

CAPITULO I

Disposições geraes

Artigo l.° Haverá cincoenta pares electivos : vinte e cinco eleitos pela camara dos deputados, vinte e um pelos districtos administrativos e quatro pelos estabelecimentos scientificos.
Art. 2.° São elegiveis os cidadãos portuguezes, que, estando no gosto dos seus direitos civis e politicos, e tendo mais de trinta e cinco annos de idade, se acharem comprehendidos n'alguma das categorias mencionadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, salvo o disposto no artigo 6.° da presente lei.
Art. 3.° Os pares dos districtos administrativos serão eleitos por collegios eleitoraes, reunidos nas capitaes dos districtos.
§ unico. Em cada districto haverá um collegio districtal, que elegerá um par.
Art. 4.° Os collegios districtaes serão compostos:
1.° De quatro delegados eleitos pelas juntas geraes no mesmo dia em que se fizer a eleição dos delegados municipaes.
2.° Dos delegados dos collegios municipaes.
§ unico. Nas cidades de Lisboa e Porto as respectivas camaras municipaes reunidas com as juntas geraes elegerão sete delegados.
Art. 5.° Os collegios municipaes serão constituidos:
1.° Pelos membros effectivos ou substitutos em exercicio da respectiva camara municipal, salvo o disposto no § 1.° d'este artigo;
2.° Pelos quarenta maiores contribuintes da contribuição predial;
3.° Pelos quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas.
§ l.° Em cada concelho constituir-se-ha um collegio municipal, excepto nas cidades de Lisboa e Porto, onde haverá um collegio em cada bairro constituido pelos eleitores mencionados nos n.ºs 2.° e 3.° d'este artigo.
§ 2.° Nos concelhos de menos de tres mil fogos cada collegio elegerá um delegado ao collegio districtal; nos de mais de tres mil fogos e nos bairros de Lisboa e Porto dois delegados.
§ 3.° Alem dos delegados effectivos serão eleitos outros tantos supplentes, que substituirão os primeiros no caso de falta ou impedimento.
§ 4.° Os quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas serão recenseados em cada concelho ou bairro pelas respectivas commissões de recenseamento, com as mesmas formalidades com que o são pela legislação vigente os quarenta maiores contribuintes da contribuição predial, e com os mesmos recursos para os tribunaes, abrindo-se mais uma casa no livro do recenseamento.
§ 5.° O cidadão recenseado como maior contribuinte da contribuição predial não poderá ser recenseado como maior contribuinte das outras contribuições.
Art. 6.° Não poderão ser eleitos pares pelos districtos administrativos:
1.° Os governadores civis nos respectivos districtos;
2.° Os juizes dos tribunaes de segunda instancia nos districtos da sua relação;
3.° Os commandantes de divisões militares nos districtos das suas divisões.
Art. 7.° A eleição de pares pelos estabelecimentos scientificos verificar-se-ha por um collegio especial, reunido na capital do reino e composto de delegados dos seguintes estabelecimentos: universidade de Coimbra, escola polytechnica de Lisboa, academia polytechnica do Porto, escolas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto, curso superior de letras, escola do exercito, escola naval, instituto geral de agricultura, institutos industriaes de Lisboa e Porto e academia real das sciencias.
§ 1.° A universidade de Coimbra elegerá dez delegados, dois por cada faculdade; a escola polytechnica de Lisboa e a academia polytechnica do Porto elegerão cada uma quatro delegados; a academia real das sciencias elegerá tambem quatro delegados, dois por cada classe, todos os outros estabelecimentos scientificos elegerão cada um dois delegados.
§ 2.° Poderam tomar parte na eleição de delegados os socios effectivos na academia real das sciencias e os lentes e professores effectivos e substitutos nos outros estabelecimentos scientificos.
Art. 8.° O deputado, que for eleito par do reino, deverá no praso de oito dias depois de communicada a eleição á camara dos pares, optar entre um e outro logar.
Art. 9.° O par eleito poderá ser privado da sua dignidade de par, ou suspenso do exercicio das suas funcções, pelos mesmos motivos designados na lei para o par de nomeação regia.
§ unico. O par eleito perderá tambem o seu logar pelos mesmos motivos por que o perderia qualquer deputado.
Art. 10.° A eleição pela camara dos deputados preferirá á eleição pelos estabelecimentos scientificos, e esta á eleição pelos districtos administrativos.
Art. 11.° O par eleito poderá renunciar ao seu logar antes de tomar assento na camara fazendo-o assim constar por escripto á mesma camara.

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TITULO II

Da eleição

CAPITULO I

Da eleição pela camara dos deputados

Art. 13.° A eleição de pares pela camara dos deputados verificar-se-ha na primeira sessão legislativa seguinte á terminação do mandato dos pares anteriormente eleitos ou á dissolução da parte electiva da camara dos pares.
Art. 14.° A eleição realisar-se-ha, n'um dos primeiros tres dias depois de constituida a camara, por escrutinio de lista e á pluralidade absoluta dos votantes.
§ unico. Na eleição de pares pela camara dos deputados poderão tomar parte os que tiverem já verificados os seus poderes.
Art. 15.° Se depois do segundo escrutinio ainda não estiverem apurados os 25 pares, far-se-ha terceiro escrutinio em que prevalecerá a maioria relativa.
Art. 16.° No caso de renuncia, fallecimento ou perda de logar, o par eleito pela camara dos deputados será substituido, nos termos do artigo antecedente, dentro de tres dias depois de declarada a vacatura pela camara dos pares.
Art. 17.° A eleição feita pela camara dos deputados não poderá recair em nenhum dos seus membros.

CAPITULO II

Da eleição pelos districtos administrativos

Art. 18.° A eleição de pares pelos collegios districtaes verificar-se-ha no domingo, que for fixado em decreto do governo, publicado com antecedencia pelo menos de trinta dias, de modo que a eleição se realise antes da terminação do mandato dos pares anteriormente eleitos, ou dentro do praso de tres mezes no caso de dissolução ou de declarada a vacatura pela respectiva camara.
Art. 19.° A eleição dos delegados pelos collegios municipaes verificar-se-ha quinze dias antes do fixado para a eleição de pares pelos collegios districtaes.
Art. 20.° Nem a eleição de pares, nem a dos delegados se realisarão no dia em que se verificar a eleição de deputados.
Art. 21.° Poderão ser eleitos delegados aos collegios districtaes todos os cidadãos, elegiveis para deputados no respectivo concelho.
§ 1.° Não poderão ser eleitos delegados em Lisboa e Porto os membros da camara municipal, e em todos os districtos administrativos os membros da junta geral do districto.
§ 2.° O logar de delegado ao collegio districtal será incompativel com o de delegado ao collegio especial, preferindo a eleição para este ultimo logar.
Art. 22.° Os collegios districtaes serão presididos pelo presidente da junta geral do districto; os collegios municipaes pelo presidente da camara municipal, ou por quem suas vezes fizer.
§ unico. Nas cidades de Lisboa e Porto, os presidentes dos collegios municipaes serão escolhidos pelas commissões de recenseamento entre os eleitores do respectivo collegio.
Art. 23.° As commissões de recenseamento enviarão, cobrando recibo, aos presidentes dos collegios municipaes, pelo menos tres dias antes d'aquelle em que deve verificar-se a eleição dos delegados, uma lista em duplicado dos oitenta maiores contribuintes, que podem votar nos respectivos collegios.
§ unico. Estas listas serão fielmente trasladadas do recenseamento encerrado em 30 de junho immediatamente anterior ao dia da eleição e rubricadas pela commissão, podendo tambem sei-o pelo respectivo administrador do concelho.
24.° O collegio municipal reunir-se-ha pelas dez horas da manhã no edificio da camara municipal, constituindo-se a mesa, alem do presidente, com dois escrutinadores e dois secretarios.
§ 1.° Constituida a mesa definitiva e votando primeiro esta e depois os membros da camara municipal, serão chamados para votar todos os eleitores pela ordem indicada nas respectivas listas.
§ 2.° Serão admittidos a votar, embora não estejam incluidos nas listas, os cidadãos, que se apresentarem munidos de sentença do poder judicial, mandando-os inscrever como maiores contribuintes.
§3.° Cada lista deverá conter em separado e com a competente designação os nomes dos cidadãos escolhidos para delegados effectivos e os nomes dos escolhidos para delegados supplentes.
§ 4.° Uma hora depois de feita a chamada dos eleitores proceder-se-ha á contagem das listas.
§ 5.° A votação assistirão o administrador do concelho e o escrivão de fazenda para informar sobre a identidade dos votantes.
§ 6.° A acta da eleição mencionará a declaração de que os cidadãos, que formam o collegio eleitoral, outorgam ao delegado ou delegados eleitos, e aos seus substitutos na falta ou impedimento dos primeiros, os poderes necessarios para que reunidos com os outros membros do collegio districtal elejam um par do reino.
§ 7.° A acta da eleição far-se-ha em duplicado, ficando um exemplar no archivo da camara, e sendo outro remettido pelo seguro do correio com todos os mais papeis da eleição ao presidente do collegio districtal.
A cada um dos delegados eleitos se entregará copia authentica d'essa acta, que lhe servirá de diploma; e se algum não estiver presente ser-lhe-ha enviada com carta de aviso da mesa.
Art. 20.° A constituição da mesa e á eleição serão applicaveis as disposições dos artigos 46.°, 48.° a 52.°, 54.° a 61.°, 64.° a 73.°, 75.°, 76.°, 78.° e 79.° do decreto eleitoral de setembro de 1852 na parte não modificada pelo disposto no artigo precedente.
Art. 26.° O collegio districtal reunir-se-ha na sala das sessões da junta geral do districto, ou, quando não tenha a precisa capacidade, no edificio que para esse fim for destinado pelo respectivo governador civil.
Art. 27.° O delegado effectivo, que por motivo justificado não possa comparecer ás reuniões do collegio districtal, deverá participal-o immediatamente ao presidente d'este collegio e aos delegados supplentes do seu concelho.
Art. 28.° Os delegados supplentes só farão parte do collegio districtal na falta ou impedimento dos effectivos do seu concelho, os quaes substituirão pela ordem da maior votação.
Art. 29.° No domingo immediato ao da eleição dos delegados, reunir-se-ha o collegio districtal pelas dez horas da manhã, a fim de proceder á constituição da mesa e á verificação dos poderes dos delegados eleitos.
§ unico. O delegado supplente, que tiver recebido a participação a que se refere o artigo 27.° e a quem compita substituir algum delegado effectivo deverá comparecer á reunião
Art. 30.° Na formação da mesa os collegios districtaes observarão o que vae disposto para os collegios municipaes, na parte que for applicavel.
Art. 31.° Constituida a mesa definitiva o presidente apresentará fechadas e lacradas as actas e os mais papeis que nos termos do § 7.° do artigo 24.° lhe devem ter remettido os collegios municipaes. Os delegados eleitos por estes collegios apresentarão igualmente os seus diplomas.
Art. 32.° Proceder-se-ha em seguida á eleição de duas commissões de verificação de poderes, composta cada uma de cinco membros.
§ l.° Os processos serão distribuidos com igualdade pe-

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2638 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

las duas commissões, de modo que a verificação dos poderes dos membros de uma commissão pertençam sempre á outra.
§ 2.° Os poderes dos membros da junta geral do districto suppor-se-hão verificados, logo que a sua qualidade e identidade sejam certificadas pelo presidente do collegio districtal.
Art. 33.° As attribuições das commissões limitar-se-hão a verificar:
1.° A identidade dos delegados;
2.° A authenticidade dos seus diplomas, confrontando-os com as actas originaes;
3.° Se os diplomas foram conferidos pelos collegios municipaes aos mais votados;
4.° Se os delegados mais votados são absoluta ou respectivamente inelegiveis aos termos do artigo 21.°;
5.° A ordem pela qual os delegados supplentes deverão substituir os effectivos nas suas faltas ou impedimentos.
§ unico. Qualquer dos eleitores do collegio póderá apresentar documentos para elucidar as commissões nas suas investigações.
Art. 34.° Os pareceres das commissões serão lidos e approvados ou reformados pela assembléa.
Art. 35.° É absolutamente defezo aos collegios districtaes annullar as actas ou a eleição com o fundamente de que houve alguma nullidade no recenseamento, na formação das mesas, ou no processo eleitoral, ou com qual quer outro que não seja a falta de authenticidade ou genuinidade expressamente especificados nos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 33.°
Art. 36.° Se o collegio districtal reconhecer que o portador do diploma passado pelo collegio municipal não é o proprio, ou que o seu diploma não é authentico, ou lhe não competia por não ser o mais votado, mandará passar novo diploma, que será remettido pelo presidente ao delegado eleito.
Art. 37.° Se o collegio districtal reconhecer que o delegado eleito é absoluta ou respectivamente inelegivel, o presidente mandará carta de aviso ao respectivo delegado supplente para o substituir.
Art. 38.° De todas as decisões tomadas pelo collegio districtal cabe recurso para a camara dos pares, sem effeito suspensivo.
§ unico. Este recurso poderá ser interposto por qualquer dos membros do collegio, ou na acta, ou em separado, em fórma de protesto, que se juntará ao processo eleitoral.
Art. 39.° Terminada a verificação dos poderes organisar-se-ha uma lista de todos os eleitores do collegio districtal e dos respectivos supplentes, a qual será feita em duplicado, affixando só um exemplar na porta do edificio e entregando-se o outro, que será assignado e rubricado pela mesa e pelos eleitores que assim o requeiram, ao presidente do collegio districtal.
Art. 40.° Da constituição da mesa e da verificação dos poderes se lavrará acta, mencionando todas as circumstancias que tiverem occorrido.
§ 1.° A acta far-se-ha em duplicado, ficando um dos exemplares no archivo da junta geral do districto e o outro em mão de um dos secretarios do collegio districtal.
§ 2.° De todos os outros papeis recebidos dos collegios municipaes, ficará depositario o presidente do collegio districtal.
Art. 41.° No domingo immediato, marcado para a eleição do pares, reunir-se-hão os eleitores do collegio districtal á mesma hora e no mesmo local, a fim de procederem á votação.
Art. 42.° O presidente apresentará a lista a que se refere o artigo 38.º e por ella se fará a chamada dos eleitores para darem o seu voto.
§ 1.° Terminada a chamada dos eleitores inscriptos na lista, se algum dos delegados effectivos tiver feito as participações, a que se refere o artigo 27.°, será chamado a votar o respectivo supplente.
§ 2.° A votação é por escrutinio secreto. Das listas que tiverem mais do um nome só se conta o primeiro.
§ 3.° Recebidas as listas de todos os eleitores presentes, esperar-se-ha meia hora se faltarem ainda alguns eleitores a votar.
§ 4.° Finda a meia hora sem terem ainda votado todos os delegados effectivos, serão admittidos a votar, em logar dos que tiverem faltado sem fazerem as participações a que só refere o artigo 27.°, os respectivos delegados supplentes, se estivessem presentes.
§ 5.° Terminada a votação seguir-se ha o apuramento dos votos, observando-se o disposto para os collegios municipaes.
Art. 43.° Só poderá ser eleito par o cidadão que reunir a maioria absoluta dos votos.
Art. 44.° Se do primeiro escrutinio não resultar para algum nome a maioria absoluta, proceder-se-ha a segundo escrutinio; e, se n'este ainda não houver maioria absoluta, a terceiro escrutinio, no qual só poderão ser votados os dois cidadãos que tiverem tido maior numero de votos no escrutinio anterior.
§ unico. No segundo e terceiro escrutinio guardar-se-hão as mesmas formalidades do primeiro, só podendo votar os eleitores que n'este tiverem votado.
Art. 45.° Concluida a eleição publicar-se-ha por edital o nome do par eleito.
Art. 46.° Da eleição lavrar-se-ha acta em que se declare:
I. Os nomes dos eleitores que faltaram por motivo justificado ou sem causa legitima, ou se ausentaram antes de concluida a eleição;
II. Os nomes dos supplentes que votaram sem estarem inscriptos na lista dos eleitores;
III. Quanto escrutinios correram e o numero dos votantes em cada um;
IV. O nome de todos os votados e o numero de votos que cada um teve;
V. A declaração de que os eleitores, que formam o collegio districtal, outorgam ao par eleito os poderes necessarios para que reunido com os outros pares do reino, faça, dentro dos limites da carta constitucional e dos seus actos addicionaes, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.
Art. 47.º D'esta acta se entregará copia assignada por toda a mesa ao par eleito, se estiver presente; estando ausente, enviar se ha com participação official do respectivo presidente.
Art. 48.° A acta original do collegio districtal, conjunctamente com as actas e mais papeis, que tiverem vindo dos collegios municipaes, serão immediatamente remettidos ao ministro e secretario de estado dos negocios do reino para serem presentes á camara dos pares.
Art. 49.° Ao par eleito por mais de um districto será applicavel quanto á opção, o disposto na legislação eleitoral para o deputado eleito por mais de um circulo.

CAPITULO III

Da eleição pelos estabelecimentos scientificos

Art. 50.° A eleição de pares pelos estabelecimentos scientificos realisar-se-ha no mesmo dia, que for designado para a eleição de pares pelos districtos administrativos.
Art. 5l.° A eleição de delegados ao collegio especial verificar-se-ha á mesma hora e no mesmo dia em que são eleitos os delegados aos collegios districtaes.
Art. 52.° Os delegados serão eleitos em sessões extraordinarias das congregações, conselhos ou secções das res-

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pectivas corporações, sob a presidencia aos seus respectivos decanos, directores ou presidentes, em escrutinio secreto, esperando-se meia hora, antes de se proceder ao apuramento, quando não estejam todos os membros presentes.
Art. 53.° Da eleição se lavrará acta em duplicado, ficando um exemplar no archivo do estabelecimento o remettendo-se o outro ao presidente do collegio especial.
§ unico. A cada um dos delegados se entregará uma copia authentica d'essa acta, que lhe servirá de diploma.
Art. 54.° Aos delegados supplentes será applicavel o disposto nos artigos 26.° e 27.°
Art. 56.° O collegio especial reunir-se-ha na sala da academia real das sciencias, devendo comparecer os delegados effectivos e os supplentes, que tenham recebido a participação a que se refere o artigo 26.°
Art 56.° O collegio especial é presidido pelo presidente da academia real das sciencias, observando-se quanto á constituição da mesa, verificação de poderes e eleição o mais que vae regulado para os collegios districtaes, salvo o disposto nos paragraphos seguintes:
§ 1.° A formação da mesa e a verificação dos poderes realisar-se-ha dois dias antes do marcado para a eleição, reunindo -se para esse fim o collegio especial.
§ 2.° Os delegados supplentes eleitos por qualquer estabelecimento scientifico só substituirão os effectivos do mesmo estabelecimento.
§ 3.° A carta de aviso, a que se refere o artigo 36.°, sómente será enviada aos delegados supplentes residentes em Lisboa, ou que n'esta cidade tenham escolhido domicilio para a receber por officio dirigido ao presidente do collegio.

TITULO III

Da verificação dos poderes dos pares eleitos

Art. 57.° Os pares eleitos não tomarão assento na camara dos pares, sem que por esta sejam verificados os seus poderes.
Art. 58.° A camara dos pares competirá a decisão definitiva de todas as duvidas e reclamações, que se suscitaram tanto durante a eleição de pares como durante a eleição dos delegados.
Art. 59.° São causas de nullidade as infracções de lei, que affectem a essencia do acto eleitoral e possam influir na eleição do par.
Art. 60.° Se a camara dos pares annullar a eleição feita pelos collegios districtaes ou pelo collegio especial, só n'esses collegios se repetirá a eleição com os mesmos delegados anteriormente eleitos.
Art. 61.° Se a camara dos pares annullar as eleições de delegados feitas em mais de um collegio municipal, de um districto ou em mais de um estabelecimento scientifico, repetir-se-ha o acto eleitoral em todos os collegios municipaes ou em estabelecimentos scientificos, que compõem o collegio districtal ou o collegio especial.
§ unico. Se a annullação apenas comprehender um collegio municipal ou um estabelecimento scientifico, só n'esse collegio ou n'esse estabelecimento se repetirá a eleição de delegados.
Art. 62.° A annullação da eleição de delegados feita em qualquer collegio importará sempre a repetição do acto eleitoral no respectivo collegio districtal, ou no collegio especial.
Art. 63.° A camara dos pares não poderá resolver sobre questões de recenseamento em contrario das decisões das respectivas commissões de recenseamento ou das sentenças dos tribunaes, que as confirmarem ou modificarem.
Art. 64.° Na verificação dos poderes ou no julgamento das vacaturas observar-se-hão as formalidades, que a camara decretar no seu regimento.

TITULO IV

Disposições geraes e transitorias

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 65.° Os factos ou omissões puniveis pelas leis que regulam a eleição de deputados serão punidos com igual penalidade quando respeitem á eleição de pares do reino.
Art. 66.° Os delegados effectivos que deixarem de comparecer ás reuniões do collegio districtal ou do collegio especial sem motivo justificado pagarão uma multa de 50$000 réis a 100$000 réis.
§ unico. Se tiverem feito as participações a que se refere o artigo 27.° a multa será de 10$000 a 30$000 réis.
Art. 67.° O delegado que, tendo motivo justificado para não comparecer, não fizer as participações a que se refere o artigo 27.° pagará uma multa de 5$000 a 20$000 réis.
Art. 68.° Aos delegados supplentes será applicavel o disposto no artigo 66.°, quando, avisados a tempo para substituir os effectivos, não comparecerem sem motivo justificado.
Art. 69.° Aos presidentes dos collegios municipal, districtal e especial será applicavel o disposto no artigo 124.° do decreto de 30 de setembro de 1852 para os presidentes das assembléas primarias ou de apuramento.
Art. 70.° Aos membros dos collegios districtaes e do collegio especial, quando infringirem o disposto no artigo 35.°, será applicavel a penalidade prescripta no artigo 134.° do decreto de 30 de setembro de 1852 para os membros da assembléa de apuramento.

CAPITULO II

Disposições transitórias

Art. 71.° A primeira eleição de pares pela camara dos deputados verificar-se-ha na primeira sessão da mesma camara depois da promulgação d'esta lei.
Art. 72.° Em execução d'esta lei o governo publicará um decreto mandando reunir as commissões de recenseamento e fixando, nos termos do artigo 39.° da lei de 21 de maio de 1884, os prasos para em recenseamento supplementar se inscreverem os quarenta maiores contribuintes da contribuição industrial, sumptuaria e de renda de casas.
Art. 73.° A primeira eleição de pares pelos districtos administrativos e pelos estabelecimentos scientificos verificar-se-ha dentro do praso de tres mezes depois de encerrado o recenseamento supplementar.
Presidencia do conselho de ministros, em 11 de maio de 1885.= Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello - Augusto Cesar Barjona de Freitas = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Manuel Pinheiro Chagas = Jose Vicente Barbosa du Bocage.

O sr. Moraes Carvalho : - Por parte da commissão mando para a mesa tres propostas de emendas ao projecto que acaba de ser lido.
Leram-se na mesa.São as seguintes:

Propostas

Proponho que no titulo I se supprima a epigraphe: «Capitulo I».= Moraes Carvalho.

Proponho que no titulo I ao artigo 10.° se acrescente um § 3.° nos seguintes termos:
§ 3.° O delegado eleito por dois ou mais collegios districtaes representará:
1.° O districto da sua naturalidade;
2.° O de sua residencia;
3.° Aquelle em que tiver sido mais votado. = Moraes Carvalho.

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Titulo II:
Proponho que no titulo II o § 2.° do artigo 29.° redija d'este modo:
§ 2.° Em relação aos deputados só se procederá á verificação da identidade das pessoas. Se os deputados não tiverem ainda os poderes verificados pela sua respectiva camara, devem apresentar no collegio districtal os seus diplomas. = Moraes Carvalho.

Titulo III:
Proponho que o § único do artigo 58.° passe a § 1.° e se acrescente um § 2.° n'estes termos:
§ 2.° Se a camara dos deputados anaullar a eleição de qualquer deputado, cujo voto podesse ter influido no resultado da eleição de algum par, não se repetirá só por esse facto a eleição dos delegados. = Moraes Carvalho.
Foram admittidas.

O sr. Consiglieri Pedroso : - Pedi a palavra para uma questão previa, e, portanto, não vou já entrar na discussão do projecto que acaba de ser lido.
A questão previa, que não fundamentarei, porque já o foi por occasião da discussão que teve logar sobre uma proposta identica do sr. Beirão, é a seguinte:

«Proponho que a discussão do projecto n.° 156 seja por titulos. = Consiglieri Pedroso.»

Escusado é fundamentar esta proposta, repito, porque, alem do que já disse, creio que a opportunidade da sua apresentação está no espirito tanto dos que approvam esta idéa como dos que a combatem.
Leu-se na mesa a
Proposta
Proponho que se discuta o projecto de lei n.° l56 por titulos. = Consiglieri Pedroso.
Admittida á discussão.

O sr. Moraes Carvalho: - Por parte da commissão declaro que não tenho duvida em acceitar a proposta do sr. Consiglieri Pedroso para que haja duas discussões, uma na generalidade, e outra na especialidade por titulos.
A proposta do sr. Consiglieri Pedroso foi approvada.
O sr. Rocha Peixoto: - (O discurso será publicado, se s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Dos 50 pares temporarios serão eleitos :
6 pela camara dos senhores deputados da nação;
8 por todos os cidadãos comprehendidos na quarta categoria da lei de 3 de maio de 1878, deputado da nação em oito sessões legislativas;
4 pelas faculdades de medicina, mathematica e philosophia da universidade de Coimbra, escolas de medicina de Lisboa e Porto, escola polytechnica de Lisboa, academia polytechnica do Porto, escola do exercito, escola naval, instituto geral de agricultura, instituto industrial e commercial de Lisboa, instituto industrial do Porto, real observatorio astronomico de Lisboa, e 1.ª classe da academia real das sciencias de Lisboa;
3 pelas faculdades de theologia e direito da universidade de Coimbra, curso superior de letras, e 2.ª classe da academia real das sciencias de Lisboa;
2 por todos os cidadãos comprehendidos na ll.ª categoria da lei de 3 de maio de 1878, proprietario ou capitalista com rendimento não inferior a 8:000$000 réis annuaes, provado pelas respectivas matrizes de contribuição predial, ou por titulos de divida publica fundada, devidamente averbados com tres annos de antecipação, pelo menos, sendo liquido e livre de quaesquer onus ou encargos;
2 por todos os cidadãos comprehendidos na 20.ª categoria da lei de 3 de maio de 1878, industrial ou commerciante que em cada um dos tres ultimos annos tenha pago ao estado 1:400$000 réis de contribuição industrial ou bancaria;
28 pelos districtos administrativos com collegios organisados conforme a proposta ministerial, sendo:
3 pelo districto de Lisboa;
3 pelo do Porto;
2 polo de Braga;
2 pelo de Évora;
2 pelo de Vizeu;
1 por cada um dos outros.
A eleição dos pares temporarios será feita pelo systema Andrae-Hare com as modificações que tive a honra de propor para a eleição dos vereadores do municipio de Lisboa, na reforma administrativa que ainda está pendente n'esta camara.
Os pares temporarios, emquanto forem membros da camara dos dignos pares do reino, terão os mesmos direitos e privilegios que têem todos os pares vitalicios. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Foram admittidas.

O sr. Moraes Carvalho: - Declarou acceitar, por parte da commissão, a proposta que dá aos pares temporarios o direito de gosarem emquanto forem pares os mesmos direitos e privilegios que têem os pares vitalicios.
(S. exa. não restituiu as notas tachygraphicas, não podendo por isso ser publicado o discurso n'este logar.)
O sr. Barbosa Centeno : - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de substituição ao n.° 2.° do titulo VII.
V. exa. conhece bem a disposição da lei eleitoral de 1852, no artigo 12.°, com respeito á inelegibilidade dos juizes.
Se ella ficasse em vigor, juntamente com a lei que discutimos, resultaria que um juiz de direito podia ser eleito deputado por um dos circulos administrativos que compunham a relação judicial a que pertencesse, mas não poderia ser eleito par do reino pelo mesmo circulo.
Isto é uma anomalia que se deve corrigir, e n'esse proposito é que mando para a mesa a minha proposta, que satisfaz a uma exigencia logica. (S. exa. não reviu.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o n.° 2.° do artigo 7.° do projecto seja assim redigido:
Os juizes dos tribunaes de segunda instancia nos districtos administrativos em que estiver a séde das suas relações. = O deputado, Barbosa Centeno.
Foi admittida.

O sr. Rocha Peixoto: - (Não restituiu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Visto não haver mais ninguem inscripto, vae votar-se a generalidade do projecto.
Posto á votação o projecto, foi approvado na generalidade.
O sr. Moraes Carvalho (relator): - Parece-me mais conveniente que as emendas fiquem para serem votadas na especialidade, por occasião dos artigos a que dizem respeito.
Assim se resolveu.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o titulo I para entrar em discussão.
Leu-se na mesa.
O sr. Dias Ferreira: - Vou expor á camara a minha opinião sobre o pensamento geral do projecto, que está verdadeiramente desenvolvido no titulo I, sem me envolver na apreciação das outras disposições, que são apenas o complemento das doutrinas contidas n'este titulo.

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SESSÃO DE 26 DE JUNHO DE 1885 2641

A minha aspiração é que a camara alta seja eleita exactamente nas mesmas condições da eleição do senado belga, salvas as modificações reclamadas pelas nossas circumstancias.
Como transacção, porém, indiquei já a conveniencia de serem eleitos alguns pares pelas altas corporações, e por isso approvo o projecto na parte em que entrega aos estabelecimentos scientificos a eleição de alguns membros da camara dos pares.
Porém a idéa geral do projecto, pelo que respeita á organisação dos collegios eleitoraes, é absolutamente inadmissivel.
Pela reforma constitucional, cincoenta pares apenas são electivos. Mas d'estes cincoenta pares só eu reputo escolhidos pelos eleitores os cinco eleitos pelas corporações scientificas. O resto, os quarenta e cinco, com a organisação dada aos collegios eleitoraes, hão de sair do chapéu do governo.
Os maiores contribuintes são divididos em duas series e vem ainda como contrapeso os delegados de corporações, cuja eleição costuma ser feita pelo governo, do modo que a acção do eleitor independente ha de ser completamente annullada pela influencia do governo.
(Sussurro.)
Sr. presidente, uma vez que a camara não quer discussão, dou por concluido o meu discurso.
O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto e por isso vae votar-se.
O sr. Rocha Peixoto (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire as minhas duas primeiras propostas que o sr. relator declarou que não acceitava.
A camara permittiu que fossem retiradas.
O sr. Moraes Carvalho (relator): - É simplesmente para declarar a v. exa. e á camara que a commissão acceita a proposta do sr. Barbosa Centeno. Acceita tambem a ultima proposta do sr. Rocha Peixoto, unicamente no sentido de que os pares temporarios, durante o tempo do seu mandato, terão as mesmas honras e os mesmos privilegios dos pares vitalicios.
Se o illustre deputado deu outra interpretação á tua proposta, então a commissão não a póde acceitar.
O sr. Presidente: - Votam-se em primeiro logar as propostas do sr. relator.
Leram se successivamente as seguintes:

Propostas

Proponho que no titulo I se supprima a epigraphe: «Capitulo I». = Moraes Carvalho.
Foi approvada.
Proponho que no titulo I ao artigo 10.° se acrescente um § 3.° nos seguintes termos:
§ 3.° O delegado eleito por dois ou mais collegios districtaes representará :
1.° O districto da sua naturalidade;
2.° O de sua residencia;
3.° Aquelle em que tiver sido mais votado. = Moraes Carvalho.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Segue-se a proposta do sr. Centeno.
Leu-se. É a seguinte:

Proposta

Proponho que o n.° 2.° do artigo 7.° do projecto seja assim redigido:
Os juizes dos tribunaes de segunda instancia nos districtos administrativos em que estiver a séde das suas relações.» = O deputado, Barbosa Centeno.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Ha ainda a emenda do sr. Rocha Peixoto, que a commissão acceita.
Leu-se. É a seguinte:

Proposta

Os pares temporarios, emquanto forem membros da camara dos dignos pares do reino, terão os mesmos direitos e privilegios que têem todos os pares vitalicios. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Foi approvada, salva a redacção.
Seguidamente foi lido e approvado o titulo I, salvas as emendas já approvadas.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o titulo II para entrar em discussão.
Leu-se na mesa.
O sr. João Arroyo: - Tomo a palavra, sr. presidente, para dizer á camara qual o motivo por que assignei o projecto sem declarações, não obstante haver avançado, por occasião da discussão do projecto da reforma constitucional, que a camara dos deputados deveria collaborar na eleição dos senadores temporarios em numero não inferior á metade de cincoenta. A commissão alterou a proposta governamental que se harmonisava com o parecer por mim exposto n'essa occasião, negou completamento á camara popular a collaboração na eleição dos senadores, e deu voto aos deputados nos collegios districtaes que têem a eleger quarenta e cinco, isto é, nove decimas partes do numero dos pares electivos.
O motivo por que me conformei com a alteração introduzida pela commissão de reformas politicas é o seguinte: advoguei a eleição de vinte e cinco pares pela camara dos deputados como meio do garantir a accentuacão politica da camara dos pares em conformidade com a cor politica da maioria da camara popular, o que melhor se conseguirá ainda em virtude da modificação proposta pela commissão de reformas politicas. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Ninguem mais está inscripto. Vae votar-se, começando-se pela proposta do sr. relator.
Leu-se. É a seguinte:

Proposta
Titulo II:
Proponho que no titulo II o § 2.° do artigo 29.º se redija d'este modo:
§ 2.° Em relação aos deputados só se procederá á verificação da identidade das pessoas. Se os deputados não tiverem ainda os poderes verificados pela sua respectiva camara, devem apresentar no collegio districtal os seus diplomas. = Moraes Carvalho.
Foi approvada.

Seguidamente foi approvado o titulo II do projecto, salva a emenda.
O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o titulo III.
Leu-se na mesa.
O sr. Presidente: - Ninguem pediu a palavra. Vae votar-se. Ha uma emenda do sr. relator, que vae ler-se.
Leu-se. É a seguinte:

Proposta
Titulo III:
Proponho que o § unico do artigo 58.° passe a § 1.° e se acrescente um § 2.° n'estes termos;
§ 2.° Se a camara dos deputados annullar a eleição de qualquer deputado, cujo voto podesse ter influido no resultado da eleição de algum par, não se repetirá só por esse facto a eleição dos delegados. = Moraes Carvalho.
Foi approvada, e do mesmo, modo o titulo III
Approva-se por ultimo, sem discussão, o titulo IV.

O sr. Bocage: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de fazenda e ultramar ácerca da organisação administrativa do novo districto do Congo.
A imprimir.

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O sr. Presidente: - Passa-se á discussão de outro projecto
Leu-se. É o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 46

Senhores. - A vossa commissão de guerra examinou detidamente a proposta de lei n.° 25-B, apresentada pelo governo em obediencia ao preceito constitucional, para a determinação dos contingentes que n'este anno devem ser entregues, mediante as operações do recrutamento, ao exercito, á sua segunda reserva e á armada, e é de opinião que a referida proposta seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O contingente para o exercito e armada é fixado no anno de 1885 em 12:611 recrutas, sendo 12:000 para o exercito e 611 para a armada.
Art. 2.° O contingente da reserva auctorisada pela carta de lei de 9 de setembro de 1868, para completar o effectivo do pé de guerra é fixado no anno de 1885 em 2:400 mancebos.
Art. 3.° A distribuição d'estes contingentes pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes será feita na conformidade da tabella que faz parte da presente lei.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de guerra, em 9 de abril de 1885. = Caetano Pereira Sanches de Castro = Carlos Roma du Bocage = José Pimenta de Avellar Machado = José Frederico Pereira da Costa = Antonio José d'Avila = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas = Cypriano Jardim = Antonio Joaquim da Fonseca = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Joaquim José Coelho de Carvalho = A. M. da Cunha Bellem = José da Gama Lobo Lamare, relator.

Tabella a que se refere o artigo 1.º d'esta lei

[Ver Tabela na Imagem]

Sala as sessões da comissão de guerra, em 9 de abril de 1885. = Caetano Pereira Sanches de Castro = Antonio Joaquim da Fonseca = Carlos Roma du Bocage = José Frederico Pereira da Costa = José Pimenta de Avellar Machado = Antonio José d'Avilla = José Gregorio Figueiredo Mascarenhas = Cypriano Jardim = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Joaquim José Coelho de Carvalho = A.M.da Cunha Bellem = José da Gama Lobo Lamare, relator.

A comissão de marinha conforma-se com o parecer da illustre commissão de guerra. Sala das commissões da camara dos senhores deputados, 14 de abril de 1885. = L. Cordeiro = S. R. Barbosa Centeno = José da Gama Lobo Lamare = A. B. Ferreira de Almeida = João Eduardo Scarnichia = Pedro G. dos Santos Diniz = Joaquim José Coelho de Carvalho.
N.º 25-B
Artigo 1.º O contingente para o exercito e armada é fixado no anno de 1885 em 12:611 recrutas, distribuido pelos districtos admnistrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, sendo 12:000 recrutas destinados para o serviço do exercito e 611 para o da armada.
§ único. Do mesmo modo e nos mesmos termos serão distribuidos mais 2:400 recrutas para serem alistados na Segunda reserva do exercito.
Art.2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios de guerra, em 17 de março de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Manuel Pinheiro Chagas.

O sr. Albino Montenegro: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
Leu-se na mesa a seguinte
Moção de ordem
A camara, affirmando que a força do exercito só póde, por obediencia constitucional, ser fixada annualmente pelo parlamento, declara insubsistente e como não escripto o § 4.º do artigo 1.º do decreto de 19 de maio de 1884, e continua na ordem do dia. = Albino Montenegro.
Admittida.

O sr. Lobo Lamare (relator): - É realmente notavel a fórma por que procede o illustre deputado, encarando a questão que n'este momento se discute sob um ponto de vista inteiramente differente d'aquelle por que tem sido apreciada.
O contingente proposto pelo governo e acceite pela respectiva commissão está perfeitamente de accordo com os principios que serviram de base á reorganisação do exercito ha pouco levada a effeito e já largamente discutida n'esta casa quando se apreciaram as responsabilidades assumidas pelo poder executivo no intervallo das sessões parlamentares.
A camara applaudiu então o sentimento patriotico que levára o governo a attender as circumstancias por extremo criticas em que se encontrava a força publica, e legalisou com a votação do bill de indemnidade os actos da dictadura por elle praticados.
Essa lei de reorganisação parcial do exercito teve principalmente em vista o assegurar de uma maneira clara e precisa o effectivo normal do pé de guerra.
Entendeu-se que 120:000 homens eram indispensaveis para a defeza do paiz, determinaram-se os quadros das di-

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versas armas e fixou-se o tempo de serviço em doze annos.
Desde que se fixava a força normal do exercito mobilisado e o tempo de serviço a que eram obrigadas as praças, estava muito facilmente determinada a força de cada um dos contingentes annuaes que a deviam manter. O trabalho consistia apenas em resolver uma formula em extremo facil e bastante conhecida e a applicar-lhe os coefficientes de correcção que são recommendados.
O governo, em obediencia ao preceito constitucional, veiu apresentar á camara uma proposta para a distribuição dos contingentes, e o illustre deputado estranha esse facto e parece desejar assim que sejam esquecidas as disposições da constituição do estado! Julga tambem uma duplicação da auctorisação perfeitamente escusada. N'estes pontos continua mos a não estar de accordo.
Se a proposta do governo, ou o parecer da respectiva commissão, apresentasse differenças sensiveis da resolução que esta camara tinha tomado, havia então rasão da parte do illustre deputado, porque assim existia uma contradicção de principios que era indispensavel ser explicada; mas, accusar o governo por uma coherencia d'esta natureza e pelo respeito que merece a constituição, é o que não posso de nenhum modo comprehender.
E note o illustre deputado que o projecto que se discute se não refere á força do exercito de que trata a sua moção.
O n.° 10.° do artigo 15.° da carta diz que compete ás côrtes o fixar annualmente sobre informação do governo as forças de mar e terra ordinarias e extraordinarias; mas ainda não estamos tratando d'esse assumpto, que se refere a um outro projecto. Agora, tratâmos apenas da fixação do contingente annual e da sua distribuição pelos diversos districtos. É o imposto do sangue e a sua regular distribuição que está submettida á apreciação da camara em virtude de outro preceito constitucional. N'estas condições não me parece haver motivo para impugnação.
E com respeito á admiração do illustre deputado pela antecipação com que se fixava o effectivo do pé de guerra do exercito dir-lhe-hei que é precisamente assim que procede o paiz que póde ser tomado como modelo nas suas instituições militares. É claro que me refiro á Allemanha. Em 14 de abril de 1874 votava-se no reichstag o artigo 1.° da lei militar fixando por um periodo de sete annos o effectivo de paz do exercito em 401:659 homens; antes de começar o anno de 1881 prorogava-se esse praso por mais sete annos, e agora tornou-se a renovar por igual periodo a despeito de se estar ainda muito distante do seu termo que era em 1888.
Estes numeros que representam os effectivos dos exercitos não devem estar sujeitos a variações que trazem a incerteza em assumptos que devem ser regulados com muita antecipação.
Isto é o que se faz na Allemanha sem embargo da sua constituição determinar que a fixação annual das forças publicas seja feita pelo poder legislativo. E não se entende a duplicação inconveniente como a considerou o illustre deputado.
Creio ter respondido n'estas breves considerações á objecção apresentada pelo illustre deputado a quem muito considero pelo seu talento e vou terminar para não cançar a attencão da camara.
Tenho dito.
O sr. Albino Montenegro: - Fez ainda algumas considerações, sustentando a sua proposta.
(O discurso não é publicado n'este logar, porque s. exa. não restituiu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Como ninguém mais está inscripto, vae votar-se.
Foi rejeitada a moção do sr. Montenegro e seguidamente approvado o projecto.
O sr. Presidente : - Vae ler-se outro projecto para se discutir.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 16

Senhores. - A vossa commissão de guerra examinou com a devida attencão a proposta de lei n.° 22-A, apresentada polo governo em cumprimento do § 10.° do artigo 15.° da carta constitucional, que fixa em 24:000 as praças de pret, que no corrente anno devem constituir a força do exercito em pé de paz.
Considerando que a proposta está conforme com a organisação do exercito, e ao mesmo tempo satisfaz á necessidade de realisar as economias possiveis sem prejuizo do serviço, é a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no corrente anno em 24:000 praças de pret de todas as armas.
Art. 2.° Será licenciada toda a força que podér ser dispensada sem prejuizo do serviço.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 17 de abril de 1885.= Sanches de Castro = J. P. de Avellar Machado = A. M. da Cunha Bellem = Antonio José d'Avila = José da Gama Lobo La-mare = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Alfredo Barjona = Antonio Joaquim da Fonseca = Joaquim José Coelho de Carvalho = Cypriano Jardim = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, relator.

N.º 22-A

Artigo 1.° A força do exercito, em pé de paz, é fixada no corrente anno em 24:000 praças de pret de todas as armas, conforme o orçamento.
Art. 2.° Será licenciada toda a força que póder ser dispensada sem prejuizo do serviço.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 10 de fevereiro de 1880. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

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Mappa da população legal dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, apurada do censo de 1 de janeiro de 1878

[Ver Tabela na Imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, em 10 de feveriro de 1885. = O director geral, Caetano Pereira Sanches de Castro.

Approvado sem discussão na generalidade e na especialidade

O sr. Presidente: - Ha ainda um projecto que vou pôr em discussão.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 129

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de marinha, a proposta do governo n.° 108-A, fixando em 3:063 praças a força da armada para o exercicio de 1885-1886.

É incontestavel a necessidade do augmento, tanto no pessoal, como na parte material da nossa marinha de guerra, a cujo cargo se acha frequentemente o desempenho de importantissimos serviços nas nossas possessões ultramarinas; mas não póde, ao mesmo tempo, deixar de reconhecer a vossa commissão a impossibilidade de se conseguir sem o decurso de algum tempo, a transformação que seria para desejar.
N'estes termos, e confiada em que este assumpto continuará sempre a merecer a attenção do governo, tem honra de submetter á vossa approvação o seguinte proje- cto de lei:

Artigo 1.° É fixada a força naval para o anno economico de 1885-1886 em 3:063 praças, distribuidas por navio couraçado, 3 corvetas e 10 canhoneiras de vapor, 2 vapores, 1 lancha, 2 transportes, 1 fragata, escola pratica de artilheria naval, 2 corvetas, escolas de alumnos marinheiros, e 1 rebocador.
Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço comtanto que a despeza não exceda a que for votada para força que se auctorisa.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 9 de maio de 1885. = S. R. Barbosa Centeno = L. Cordeiro = Joaquim José Coelho e Carvalho = Tito Augusto de Carvalho = Joaquim José Alves = Carlos Roma du Bocage= J. B. Ferreira de Almeida = Pedro G. dos Santos Diniz = José da Gama Lobo Lamare = João Eduardo Scarnichia, relator = Tem voto dos srs. deputados José Frederico Pereira da Costa = Dr. Cunha Bellem = Urbano de Castro.

N.° 108-A

Artigo 1.° A força naval para o anno economico de 1885-1886 é fixada em 3:063 praças, distribuidas por navio couraçado, 3 corvetas e 10 canhoneiras de vapor, vapores, 1 lancha, 2 transportes, 1 fragata, escola pratica de artilheria naval, 2 corvetas, escolas de alumnos marinheiros, e 1 rebocador.
Art. 2.° O numero e qualidade dos navios armados podem variar, segundo o exigir a conveniencia do serviço, comtanto que a despeza não exceda a que for votada para a força que se auctorisa.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 27 de abril de 1885. = Manuel Pinheiro Chagas.

O sr.Ferreira de Almeida: - O projecto em discussão, que fixa a força naval para o proximo anno economico, tem a minha assignatura sem declarações; e as considerações que tenho a fazer não importam a impugnação do projecto, que pertence á categoria dos projectos constitucionaes.
É certo, todavia, que eu deveria ter assignado com declarações, desde o momento em que tenho de fazer referencias, relativamente á força naval, para mostrar que o pessoal não está em relação com o material de que dispomos; e desde que nos occupamos em dilatar o nosso dominio colonial e em consolidal-o, é urgente dar todo o desenvolvimento de força á nossa marinha, desenvolvimento de que ella carece para satisfazer aos fins a que é destinada.
Se me tivesse sido permittido entrar na discussão da lei de meios poderia ter feito então as considerações que presentemente não posso fazer em toda a sua latitude, mas que restrictamente sobre a força naval têem cabimento, pelas rasões que acabo de expor, e pela falta de relação entre o pessoal e o material.
Sr. presidente, o orçamento do ministerio da marinha que em 1867 e 1868 era de 1.564:000$000 réis baixou a 1.045:000$000 réis em 1872-1873 não só pelas reducções que houve na dotação dos serviços, mas porque deixaram de pesar n'esse orçamento os subsidios de navegação.
De 1873 em diante começou a crescer estando hoje em 1.774:000$000 réis.
Eu já disse n'outra occasião, que comparados os encargos do nosso ministerio de marinha com os de outros paizes, a utilidade que d'elle tiramos, não é proporcional, sendo mais onerosos para nós.
Sem querer remontar ao seculo passado direi que a nossa marinha de guerra é ainda hoje o principal meio de acção de que os nossos governos dispõem nas nossas pendencias no ultramar, taes como as que se têem dado em Angola e na Guiné, onde principalmente a força naval tem tido occasião de intervir.
Quem considera a força naval de que em tempos dispozemos, e vê a decadencia a que ella chegou a ponto de re-

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unirmos apenas 13 navios em regulares condições, conhece quanto é urgente e necessario tratar com o devido criterio do desenvolvimento da força naval para que ella entre e se mantenha nos seus devidos termos. (Apoiados.)
Para a camara fazer uma idéa rapida dos meios navaes, tanto militares como mercantes que possuiamos ainda no principio deste seculo, vou ler a relação das forças expedicionarias que mandámos ao Brazil.
Em fevereiro de 1816 enviavamos ao Rio de Janeiro 1 nau, 1 fragata e 1 charrua, comboyando 18 navios mercantes dos quaes 4 estrangeiros, conduzindo 4:800 homens de tropa.
Em 1818 enviámos 1 fragata comboyando 25 navios mercantes conduzindo para a Bahia e Rio de Janeiro 3:630 homens dos quaes 165 officiaes.
Em julho de 1821 comboyavam para a Bahia, 2 charruas de guerra, oito navios mercantes dos quaes dois estrangeiros, conduzindo a legião lusitana.
Em 1822 uma esquadrilha de 1 nau, 1 fragata e 2 charruas protegiam 4 transportes mercantes que conduziam para o Rio de Janeiro os batalhões de infanteria l, 3 e 4 e artilheria; esta força não chegou a desembarcar, sendo aprezada a fragata de nome Real Carolina.
Em abril de 1822 enviámos a Pernambuco uma expedição de 2 corvetas e 1 escuna de guerra com dois transportes mercantes conduzindo infanteria 12.
No mesmo anno em junho seguia para a Bahia uma corveta acompanhando 4 navios mercantes com tropa: e ainda em setembro d'esse mesmo anno mandávamos ao Rio de Janeiro 1 nau, 2 corvetas e três charruas comboyando 4 navios mercantes com tropa, e logo a 15 de fevereiro 1823 enviavamos á Bahia 1 fragata protegendo um comboyo de 9 navios mercantes que conduziam infanteria 5 e 6 e caçadores l, 2 e 4.
No tempo em que dispunhamos d'estes meios de acção não hesitávamos em mandar os corpos do nosso exercito ao Brazil que não offerecia melhores condições climatericas do que offerece hoje a nossa Africa. (Apoiados.)
Hoje temos apenas um simulacro de tropas ultramarinas, uma imitação da infanteria de marinha franceza e dos marinheiros inglezes, sem nos resolvermos a mandar corpos do nosso exercito para fazer valer e manter o nosso dominio nas provindas ultramarinas. (Apoiados.)
A camara vê ainda n'este rapido esboço das forças navaes e do pessoal do exercito que mandavamos á America do Sul, que então tinhamos energia bastante, para aproveitar os meios de acção de que dispunhamos não só em relação ás forças navaes mas ás terrestres.
Agora - escusado é recordar, o que está na memoria de todos, as dificuldades, e pessimos elementos, que se reunem para enviar ao ultramar em caso urgente, e como têem sido deploraveis e lastimosos os resultados.
Já avancei aqui a proposição de que careciamos que a nossa força naval se mantivesse no numero de 32 navios, que o decreto do sr. Latino Coelho estabeleceu, e que tivessemos 4 navios dos chamados de primeira ordem, 2:500 a 3:000 toneladas de deslocamento, etc.
Esta opinião não é exclusivamente minha, mas, deduzida do parecer de distinctos officiaes da armada, como consta do famoso relatorio do inquerito ás repartições de marinha.
O barão de Lazarim queria 21 navios ao serviço e os indispensaveis para os render, o que podemos computar em 11, e, portanto, o seu total em numero de 32, como estabeleceu o sr. Latino Coelho, e devendo, pelo menos, 3 ser fragatas de vapor.
O sr. Carlos Testa, cuja auctoridade deve ser insuspeita por todos os titulos ao governo, pede para a nossa marinha 36 navios, dos quaes 6 fragatas.
O sr. Soares Franco queria que na força naval entassem, como navios de l.ª classe, 3 fragatas.
O sr. Cardoso pretendia 4 fragatas em 30 navios guerra propriamente ditos, pronunciando-se o sr. Paulo Centurini tambem por 4 grandes navios, mas da categoria de naus: finalmente, o sr. Marques Pereira queria 28 navios, dos quaes 8 naus e fragatas.
É subordinado a estas opiniões que eu propuz em meio dia que tivessemos 4 grandes navios de primeira ordem.
Sr. presidente, ainda em 1851 figuravam na lista naval 68 navios; verdade é que alguns se achavam em pessimo estado.
A categoria d'estes navios era: 2 naus, 6 fragatas, 10 corvetas, 3 charruas e 15 brigues.
Os mais eram escunas, hiates e cahiques, havendo apenas 4 vapores de pequena tonelagem.
Em 1862 este numero de navios estava reduzido a 33, sendo 1 nau, 1 fragata, 8 corvetas, das quaes 4 de vapor, 5 vapores menores, 4 brigues, e o restante escunas, hiates e cahiques.
Actualmente menciona a nossa lista naval 30 navios, comprehendendo 1 couraçado pequeno, 1 fragata de véla, 6 corvetas a vapor, 15 canhoneiras como navios de guerra propriamente ditos, sendo alguns dos ultimos de insignificante força.
Por aqui vê a camara rapidamente, as phases por que tem passado a força naval, e vê tambem, que as condições em que ella hoje está não são satisfactorias, ou as mais convenientes, para as condições de preponderancia politica e militar, que a metropole tem de exercer nas nossas possessões coloniaes.
Occupando me agora mais especialmente do projecto que está em discussão, chamo a attenção da camara para as condições em que se acha o pessoal, com relação ao material da força naval.
Acompanha o orçamento de 1885-1886 o mappa detalhado do numero de navios e pessoal correspondente á força naval, que se pede para este anno, e na lista da armada publicada este anno, referida a 31 de dezembro de 1884, vem mencionados todos os navios da nossa marinha de guerra, com o correspondente pessoal.
Com a força naval que vae votar-se dá-se o seguinte: que os 27 navios que a compõem absorvem quasi todo o pessoal que ha.
Uma marinha que tem 30 navios, ou deve ter 32, não é para todos estarem em serviço; e desde que esses navios tiverem de ser todos armados, o pessoal não chegará, e eu não sei onde o governo irá buscar pessoal para render o que regressa das estações.
O mais justo é que haja o pessoal correspondente para a força total dos navios, para assim poder ser rendido o que regressa das estações, como se faz com os navios.
Se os navios carecem de ser em numero sufficiente para serem rendidos, repararem e refrescarem, o pessoal não carece menos; e se não póde deixar de merecer a consideração do governo o material, tambem o pessoal a devo merecer.
Para a camara ver que a proposição que avancei de falta de pessoal é exacta vou ler algumas das sommas em relação ao pessoal.
Por exemplo, no corpo de engenheiros machinistas navaes.
As lotações dos nossos navios pedem 7 primeiros machinistas, e havendo 10 no quadro, dos quaes 2 em serviço indispensavel no arsenal, sobra 1.
Dos de 2.ª classe são precisos 16, sendo o quadro de 12; e de 3.ª são precisos 33, sendo o quadro de 20.
D'esta ultima classe nem sequer ha o pessoal preciso para a força naval que vamos votar, por quanto ali se pedem 24.
Na classe de fogueiros e chegadores pede-se quasi todo o pessoal das respectivas companhias, por quanto a parte que se menciona ficando no quartel, é a indispensavel para o tratamento e conservação das machinas dos navios desarmados, etc.

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De maneira que temos o pessoal restrictamente necessario para os navios que pede a força naval, mas falta para render o serviço quando forem revesados, sobretudo no que diz respeito a machinistas, fogueiros e chegadores.
E ha porventura trabalho mais violento do que este de estar no fundo dos porões dos navios á frente de uma fornalha incandescente, de ordinario em climas excessivamente quentes, para resistir aos quaes quasi que é preciso ter uma constituição physica especial?! e não haver o pessoal indispensavel para lhe dar descanço, quando se rendem os navios, obrigando-o, pela sua stricta exiguidade de numero, a deixar o navio em que regressou da estação para seguir logo n'outro para ali ?!
Não ha.
Reclamando as nossas colonias a manutenção de uma força naval importante, agora acrescida pelas exigencias do cordão sanitario, que nos faz ter armados não os 27 navios do mappa da força naval, mas 30, sendo os 3 que acrescem a Mindello, a Bengo e o Lidador, e não tendo pessoal para desempenhar o serviço, parece-me que em grandes difficuldades se ha de ver o governo para a manter nos termos convenientes, porque então faltará o pessoal ainda de outras classes, e terá de lançar mão do pessoal que regressa, para ir completar o pessoal de armamento dos navios que têem de enviar para as estações navaes!
Para demonstrar o que avanço analysemos o pessoal do corpo de marinheiros.
Começo pelos corneteiros.
Parecerá o menos necessario; em fim é uma classe, consignada na organisação, e precisa, e o seu numero de 24 é absorvido pela força naval do mappa, não ficando portanto nenhum no quadro do respectivo corpo, como se póde ver do mappa que está junto ao orçamento.
Se se pretender armar mais navios, não póde fornecer-se-lhes pessoal d'esta categoria, porque a organisação do corpo apenas lhe dá 24.
Analysemos agora a situação com respeito ao pessoal de marinhagem; se a força naval se mantiver tão sómente no restricto numero de navios consignado no mappa, o pessoal chega como se vê da parte que fica no quartel, se porém o numero de navios augmentar, como já succede, ou se devermos considerar, como justo e indispensável, que o pessoal deve corresponder á totalidade dos nossos navios, não só pelo seu limitado numero, mas pelas exigencias do serviço, bastará então conferir a força de marinhagem da lista da armada, com o pessoal das companhias do corpo de marinheiros, para se ver que das respectivas categorias, de marinheiros gageiros, artilheiros e fuzileiros, e dos grumetes correspondentes, vem a faltar mais de 300 praças.
Da classe de inferiores do mesmo corpo, exigindo o armamento total 63 praças, e devendo ter o quartel 13 d'estas, um por companhia, tambem o pessoal não chega, por que a organisação dá apenas 71.
Com relação aos fogueiros, chegadores e machinistas, tambem não ha o pessoal necessario para o armamento completo, e d'esta forma os principaes elementos da força naval são difficientes, o que é prejudicial para o serviço, e altamente lesivo para o pessoal existente.
E para chegar a estes resultados, estreou a sua iniciativa reformadora o sr. conselheiro Pinheiro Chagas, reorganizando o corpo de marinheiros sem o completar com o pessoal correspondente ao material então fixado da nossa força naval, e apenas desvanecido com a idéa de equiparar de novo a organisação das nossas equipagens á organisação aperfeiçoadissima das equipagens estrangeiras, como no relatório se diz; não inquirindo que a respeito da constituição do corpo nenhuma reclamação havia, e que o ensaio que em tempo se fez sobre as mesmas bases, teve de ser annullado: por este motivo, e porque me tenho occupado em demonstrar que ha deficiencia no pessoal, sou obrigado a entrar na apreciação d'essa reforma.
Para mostrar á camara que não podia moldar se a nossa organisação do corpo de marinheiros na franceza, farei a comparação dos elementos da organisação franceza com aquelles de que dispomos, e ver-se-ha que não havendo paridade de elementos fundamentaes não póde equiparar-se a organisação como se diz no relatório.
A organisação franceza tem:
Pour les officiers du corp de l'état major de la flotte.
Le vaisseau-école navale le Borda, dépendance de l'arsenal de Brest. - E respectivamente temos nós a escola naval no edificio do arsenal de marinha em Lisboa.
Pour les officiers et les equipages, le vaisseau-école de cannoniers dépendant du port de Toulon. - A que corresponde para o mesmo fim a nossa fragata D. Fernando, escola pratica de artilheria naval em Lisboa.
L'école des defenses sous marines établi á Boyardville, dépendence de Rochefort. - A que póde corresponder a nossa escola de torpedeiros, organisada em 1876-1877 e estabelecida em Paço d'Arcos.
L'école de pyrotechnie à Toulon. - As praças da nossa armada adquirem a instrucção correspondente ao ensino de similhante escola na fabrica de armas em Lisboa e nas officinas de pyrotechnia em Braço de Prata, sendo ambos estes estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra.
Le vaisseau-école de mousses à Brest pour des garçons de trèize à seize ans, et destinés à recruter la maistrance des équipages. - Tendo nós as escolas de alumnos marinheiros a bordo da corveta Palmela em Lisboa e da Sagres no Porto, que podem e devem fornecer identico pessoal.
Como annexo á escola de moços em Brest tem a França - L'etablissement des pupilles de la marine pour les orphelins de gens de mer de 7 à 11 ans. - Nós não possuimos cousa alguma que se pareça com isto, podemos, porém, emquanto ao pessoal que aquella instituição póde fornecer, tomar para parallelo a casa de detenção das Monicas, tanto mais quanto o illustrado director d'esse estabelecimento fez ali arvorar o apparelho de um brigue para instrucção dos reclusos; e por aqui verá a camara que longo de eu querer depreciar a organisação do corpo de marinheiros feita pelo sr. Pinheiro Chagas, trato de lhe achar tantos quantos elementos do analogia se possam encontrar no paiz, que justifiquem a asserção de s. exa., quando diz, pretender equiparar a nossa organisação á franceza, diminuindo portanto os meus elementos de critica, mas ainda assim, sendo a differença tal, que o pensamento da reforma não teve base nem justificação em relação aos fins que se propunha.
Continuando na apreciação parallela dos elementos de organisação franceza e dos nossos temos:
Le vaisseau-école la Bretagne, en rode de Brest pour les especialités profissionelles. - Nada possuimos de igual ou equivalente.
Deux navires à voiles écoles de gabiers et de timoniers. - Nada temos.
Deux batiments écoles de pilotage pour les pilotes de la flotte. - Não sei se poderemos assimilhar a esta instituição a escola de pilotagem estabelecida no seminario-lyceu de Faro e a de S. Bartholomeu do Mar?
Le bataillon-école de fuzilier marins à Lorient.
L'école de mecaniciens à Toulon.
L'école des instituteurs de la flotte à Rochefort.
L'école de application du génie maritime.
Cours de administration des élèves commissaires à Brest et Lorient.
Que temos que se assimilhe a isto? Nada.
École de medicine navale à Brest, Rochefort et Toulon. - Os facultativos da nossa armada são formados pelas escolas, medicas de Coimbra, Lisboa e Porto.
Já vê a camara por estas notas que, comparada a organisação franceza com a nossa, falta a esta muitos elementos; reconheço que tem alguns pontos bons, como é o de

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militarisar algumas classes, satisfazendo a este desideratum sem augmento de despesa, e supprimindo as classes apaizanadas que havia a bordo, taes como escreventes.
Uma das classes, porém, que se quiz militarisar foi a do fogueiros e chegadores.
Eu não encontro no regulamento de serviço a bordo do navios da nossa marinha de guerra, modelado tambem pelo francez, e que é um excellente regulamento, assim elle fosse executado, não encontro condições de serviço, em que seja necessaria a militarisação para os fogueiros e chegadores
Permitta-me a camara que eu faça uma divagação a este respeito: - ou o navio está em combate com outro navio ou bombardeando uma praça, fortaleza ou povoação, etc.
Em ambos os casos precisa ter as suas machinas ou funccionando ou em condições de funccionar, não só para mudar de posição, para manobrar a sua artilheria no campo de tiro mais favoravel, ou porque tenha de evitar ou de procurar dar abordagem, prestar soccorro a qualquer navio que faça parte da esquadra a que pertence, pôr-se fóra do alcance de artilheria em consequencia da avaria recebida, etc., etc., em caso nenhum, pois, tanto os fogueiros, como os chegadores, não têem que intervir em manobra ou funcção alguma pessoal militar; poderá dizer-se que n'uma abordagem deveriam vir oppôr-se na luta corpo a corpo á invasão do navio, mas ainda n'essas condições, quer dando, quer recebendo, a abordagem, é indispensavel mais que nunca ter as machinas em condições de funccionar rapidamente ou para atracar ou para largar, alem de poderem ter que utilisar-se para acudir a quaesquer accidentes tão prejudiciaes, como o de um veio de agua.
Mas se a reforma do corpo teve em vista a militarisação das classes, esqueceu-lhe militarisar uma que por lei tem funcções militares, como e a dos taifeiros ou cerados que pelos artigos do regulamento do bordo n.ºs 505 e 508 tem de armar-se de sabre e revolver ou só de sabre, e serem empregados na passagem de projectis e da polvora.
Como é que este pessoal que não foi incorporado na organisação do corpo dos marinheiros ha de saber manejar e fazer uso das armas que lhe distribuem, e reforçar por ventura a taifa, em caso de abordagem, como do seu nome tradicional se infere?
Pelas rasões que deixo expostas ácerca do corpo de marinheiros, primeiro elemento da nossa força naval, verá a camara, que a sua reorganisação, não lhe dando o pessoal preciso para as necessidades navaes lhe introduziu, sob o ponto de vista da militarisação, elementos que d'ella não carecem, deixando outros de fóra, em que por ventura essa militarisação se justificava.
E tudo isto, sr. presidente, devia dar uma certa economia, como diz o relatorio, não havendo nem a mais leve miragem financeira, e entretanto o orçamento d'este anno diz-nos, na sua nota preliminar, que ha um augmento de mais de 17:000$000 réis, o que aliás é fácil de deduzir.

[Ver Tabela na Imagem]

Antes da reorganisação custava o corpo de marinheiros segundo o orçamento de 1884-1885....
E as classes que lhe foram incorporadas de officiaes marinheiros....
Fogueiros e chegadores....
Fieis, artistas e escreventes supprimidos....
O que tudo prefaz o total de....
O orçamento de 1885-1886 consigna para o
corpo de marinheiros....
Ou mais....

E nem póde dizer-se que esta differença provém das classes addidas, como são os antigos guardiães que continuando a vencer como tal passaram á classe de contramestres graduados, o que importa uma despeza de pouco mais de 7:000$000 réis, nem pela classe dos escreventes, que segundo a lei, ou deviam ter passado já á classe de sargentos, ou ter sido demittidos: considerando porém que a classe dos ajudantes de manobra não deveria ser preenchida senão á proporção que os contra-mestres graduados passasem a effectivos, o augmento era o apontado, mas preenchida a nova classe, temos a abater então apenas 7:000$000 réis, tanto quanto importam os trinta e três contra-mestres graduados como embarcados, e o augmento de despeza será ainda assim de mais de 10:000$000 réis, quando o relatorio promettia economias!
Não posso deixar, n'este momento, de chamar a attenção da camara para um assumpto importante, e que na reforma a que tenho alludido se diz fóra tratado sob o sentimento da justiça e da egualdade; quero fallar dos veteranos.
As praças d'este corpo recebiam desde o tempo da sua organisação o subsidio para pão e massas e mais tarde auxilio para rancho.
A reorganisação do corpo arbitrou que os veteranos tivessem no quartel o mesmo abono de ração que as demais praças, cessando para estes os abonos que recebiam a titulo de pão, melhoria de rancho e de massas. (artigo 90.°)
A execução da lei, porém, tornou-se vexatoria, porque, ao passo que as praças com residencia effectiva no corpo melhoravam, aos que ali não residem por faculdade dos regulamentos, ou por não ter e quartel accommodação, foi-lhes tirado o abono que até ali recebiam, ficando por consequencia em peiores condições do que até então, quando o espirito do legislador era melhoral-as, como claramente se infere do relatorio, quando diz: «Actualmente os veteranos tinham um rancho muito inferior ao dos seus camaradas em activo serviço. Representa esta desigualdade uma inspiração egoista e parece que o estado assim que póde dispensar os serviços, de quem tantos lhe prestou, passa a consideral-o quasi como um mendigo, etc.»
Ha em Lisboa uma grande quantidade de veteranos navaes da categoria das classes que compõem os estados menores, para quem não ha accommodação no quartel, e se o legislador deu ao veterano residente no quartel ração igual á da praça activa por justiça e equidade, pelos mesmos principios, desde que não queira dar aos que podera viver fóra a mesma ração, deve ao menos conservar-lhes os antigos abonos, tanto mais, que a letra da lei é expressa em dizer, cessando para estes, os que tiverem residencia no quartel, todos os abonos que a titulo de pão, etc., têem actualmente, e ainda porque os que vivem fóra do quartel têem o onus da renda das casas, da luz e da agua que disfructariam no quartel se ali podessem residir.
Chamo pois a attenção do governo para este assumpto, confiando em que o mesmo sentimento da justiça e equidade que presidiu á melhoria de uns, conserve ao menos aos demais, em igualdade de circumstancias, os abonos que em bom direito recebiam e agora com melhoria de rasão se lhes devem manter.
Como o projecto que se discute se occupa da força naval, que é constituida pelo pessoal e pelo material, permitta-me a camara que eu faça tambem uma referencia a uma parte do material que corresponde esta força que vae votar-se, e vem a ser a artilheria.
O orçamento rectificado de 1884-1885 que a camara votou ha pouco tempo, comprehendia 60:000$000 réis para nova artilheria, e o parecer da lei de meios para o actual anno economico consignava na dotação da despeza extraordinaria mais 25:000$000 réis para o mesmo fim.
Sonma, em dois annos economicos, 85:000$000 réis.
Dei-me ao trabalho em tempo de fazer um estudo comparativo da artilheria de que dispunham os nossos navios de guerra e da artilheria de que dispõem os navios de
guerra de outras nações, e achei, salvo erro, porque este jogo de numeros tem seus riscos, os seguintes resultados.
Que os typos de artilheria em relação ao calibre estão

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para os navios na seguinte proporção: Allemanha, 1 : 7,7; Inglaterra, 1 : 19,8 ; Austria, 1 : 8,7; Dinamarca, 1 : 7,5; Hespanha, 1:24; Hollanda, 1:21; Italia, l:12,5; Russia, 1:35,6; Suecia, 1:18; Noruega, 1 : 7,1; Turquia 1 : 34; Estados Uunidos, 1 : 19; França, 1 : 36; Portugal 1 : 3.
Por aqui se vê que Portugal é o paiz que dispõe de maior variedade de calibre alem de nos typos do mesmo calibre variar ainda o systema já por ser de carregar pela bôca ou pela culatra e por estar montado ainda, o mesmo typo de artilheria, de diversa maneira.
Parece-me, que este facto não carece de commentarios.
Quando se consideram as exigencias do ensino, e eu tive occasião de o experimentar por que fiz parte da escola pratica de artilheria naval, a camara comprehende de certo quanto é mau similhante estado de cousas.
Temos um typo de artilheria por tres navios.
Somos a nação onde esta proporção é mais desfavoravel debaixo (d'este ponto de vista.
Eu bem sei que os typos de artilheria têem nos ultimos tempos variado muito com notavel progresso, mas a final tudo póde reduzir-se a dois typos principaes: a peça de aço a peça de ferro forjado, de carregar pela bôca ou de carregar pela culatra.
Estes typos podem ter umas pequenas variantes em relação ao calibre conforme a posse do navio.
Nós, porém, mesmo em relação ao calibre temos uma variedade extraordinaria.
Temos o typo de carregar pela culatra, mas montado de maneira diversa, de modo que exige logo modificações no regulamento do exercicio, o que complica a instrucção de praças que realmente não podem ter noções scientificas bastante desenvolvidas, e que não têem nem tempo nem aptidão para se collocarem a par das diversidades que se encontram de navio para navio, e ainda no mesmo navio.
Chamo a attenção do sr. ministro da marinha para a necessidade de fazer definir por uma commissão technica um typo de artilheria a que possa subordinar-se num periodo de tempo mais ou menos longo o armamento naval; e bem assim para a necessidade de fazer com que as verbas ultimamente pedidas para artilheria sejam applicadas em vantajosas, condições económicas, e nas vantajosas condições de regularidade, quanto ao armamento naval que resultam da adopção de um typo do artilheria tão uniforme quanto possivel.
Não se prende, em absoluto com o projecto que se discute, um outro assumpto, para que vou chamar a attenção do governo e diz respeito á escola de torpedos.
Começo por não concordar em que este serviço seja dependencia do ministerio da guerra, e muito menos que pelas modificações successivas que esta escola tem tido, esteja ,nas condições, que passo a apontar.
Tem a escola actualmente cinco officiaes de marinha dos quaes quatro officiaes superiores, sendo tres capitães tenentes e um capitão de fragata, isto para um pessoal de setenta praças!
Parece-me luxo extraordinario de patentes superiores para tão pequena força, tanto mais quando me consta, que alem d'esses officiaes, ha ainda um official superior de artilheria dos dois que fazem parte do estado maior da mesma escola.
De maneira que temos nada menos de cinco officiaes superiores para setenta praças, isto é, mais do que o pessoal superior de um regimento para um pessoal total menor do que o de uma companhia!
E o mais curioso é que parece, que por uma lei fatal, o pessoal que se escolhe para ali, é exactamente aquelle, que não tem tirocinio de embarque, que sem duvida é mais necessario para aquelle serviço do que para qualquer outro.
O serviço de torpedos e torpedeiros, pelo seu risco e condições de manobra, é o que careço ser dirigido por um pessoal com a maior noção do que é a vida do mar em todas as suas condições, a final escolhe-se de preferencia para este serviço o pessoal que porventura póde ter estudado no gabinete todas as questões de serviço e de manobras de navios, mas que não tendo o uso, a pratica e a vista exercitada nas evoluções nauticas, não conhece por certo a melhor opportunidade de fazer avançar o barco torpedeiro de encontro a um navio.
Não basta ter material regular e convenientemente montado, não basta ter o pessoal na devida proporção das exigencias d'esse material e d'esse serviço, é necessario, sobretudo, ter-se educado esse pessoal nas condições do serviço a que elle se destina.
E o que se diz a respeito de torpedos e torpedeiros só entende igualmente a respeito de navios, continua o serviço de embarque a carregar sobre os desprotegidos e nem se quer, o insignificante tirocinio que se exige aos primei-ros tenentes, se faz observar; procuram-se mil pretextos para pôr os officiaes a coberto dessa exigencia da lei, e ou andam desviados do serviço illegalmente, ou ainda illegalmente se duplicam nas commissões, deixando as estações navaes com faltas, tanto mais sensiveis quanto o nosso regimen colonial está mais do que nunca reclamando a acção e assistencia constante dos nossos navios de guerra.
No anno passado o sr. Mariano de Carvalho chamou a attenção do sr. ministro da marinha para este assumpto, e s. exa. prometteu attender a esta situação, mas são passados seis mezes de sessão e até hoje ainda não apresentou medida alguma a esse respeito.
Aos segundos tenentes não exige a lei tirocinio de embarque de especie alguma, porque dos quatro annos era que se deve estar no posto do segundo tenente, apenas dois devera ser do commissão activa, que póde ser em terra, donde resulta uma enorme desigualdade para a distribuição dos encargos do serviço: o proprio tirocinio de embarque que se exige a um primeiro tenente, é tambem diminuto, desde que se limita a seis mezes apenas fora dos portos do continente.
Estamos a cada momento a appellar para as organisações estrangeiras, e com muita rasão para a da França, que é uma das mais perfeitas, mas não queremos ver que em França as exigencias em relação ao tirocinio de embarque são o dobro d'aquellas que se exigem na nossa marinha: mas sobre o que eu não posso deixar de insistir, é n'esta situação excepcional, de haver uma companhia escola
de torpedeiros com setenta praças no seu total, e que sendo o seu estado maior composto de sete officiaes actualmente, cinco sejam officiaes superiores!!!...
Isto não se commenta, é um exemplo frisante de como os serviços se organisam para apanagio de personalidades; mal se podendo admittir perante a força da companhia e fins a que se destina o enormissimo pessoal que tem, sobretudo em relação ás proprias categorias, dando-se mais a circumstancia flagrantemente injusta d'esse pessoal ser tirado exactamente da classe que não tem tirocinio de embarque, e expressamente para o dispensarem d'elle.
A lei de tirocinio que houver de fazer-se deverá ter um artigo, que determine, que nenhuma commissão, seja de que especie for, poderá ser exercida por officiaes da armada, senão depois de terem satisfeito as condições de tirocinio de embarque que a lei exigir.
No mappa da força naval, e bem assim na que se contem na lista da armada, torna-se bem frisante a necessidade de pessoal do corpo de facultativos navaes.
Sinto que a proposta do governo, que se refere á organisação d'esse pessoal, e que teve parecer favoravel das e commissões, sem que nenhum dos seus membros tivesse assignado vencido, esteja ainda sobre a mesa sem andamento, quando é tão necessario e indispensavel fornecer á armada facultativos devidamente habilitados sobretudo para as commissões a que o pessoal da armada tem de desempenhar nas nossas colonias. Espero v er brevemente discu-

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tido esse projecto, e que não ficará jazendo nos archivos da camara, para o anno seguinte, tanto mais que já está votado o projecto sobre a organisação do quadro dos facultativos do exercito, porventura, menos urgente do que este.
Findam aqui as considerações que tinha a fazer sobre o projecto que foi submettido á apreciação do parlamento como disse, não para o impugnar, mas unicamente para fazer uma determinada ordem de reflexões que me pareciam indispensaveis, chamando a attenção do governo para a situação em que se encontra o material e o pessoal naval as necessidades do serviço, que reclamam o augmento d'esse pessoal.
Sinto não ter podido usar da palavra por occasião discussão da lei de meios, para mais uma vez reclamar do governo a reforma da tabella das comedorias, cujo augmento de despeza, em consequencia das circunstancias do nosso thesouro, póde ser atenuada n'outras dotações, alguma das quaes eu tive já occasião de mencionar.
Faço votos para que o governo tome na devida consideração a necessidade de reorganisar o pessoal de alguns quadros, como no dos machinistas navaes o do commissariado, tanto mais quando a questão colonial vae reclamar de nós um esforço maior n'este ramo de administração publica, e de que muito importa a conservação, se não exaltação, dos nossos bons creditos. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Scarnichia (relator): - Como o projecto não foi impugnado, nada se me offerece a responder, achando todavia judiciosas as reflexões feitas pelo illustre deputado.
O sr. Presidente: - Vae votar-se, visto que ninguem mais se inscreve.
Lido o projecto foi approvado na generalidade, e na especialidade.
O sr. Presidente: - Está sobre a mesa um requerimento do sr. Antonio José d'Avila por parte da commissão de guerra.
Vae ler-se.
É o seguinte:
Requerimento
Por parte da commissão de guerra roqueiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja aggregado á commissão o sr. deputado José Maria Borges.= Antonio José d'Avila.
Approvado.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanha é a continuação da que estava dada, começando-se pela discussão do projecto relativo aos melhoramentos do porto Lisboa.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Antonio Candido, sesão de 20 de junho, e que devia ler-se a pag. 2483, col. 2.º

O sr. Antonio Candido: - Sr. presidente, por poucos momentos tomarei a attenção da camara. Não venho discutir doutrinariamente este projecto de lei, nem exibir todas as justas considerações politicas que a materia d'elle inspira.
Por felicidade propria, e por felicidade de quem me ouve posso dizer resumidamente o que penso, e, n'este momento, a minha intenção é apenas marcar, com o stygma uma reprovação sincera e justa, este documento em que se prendem, n'uma solidariedade irritante, a responsabilidade do governo e a da illustre commissão do orçamento. (Muitos apoiados.)
Não me passa pela cabeça a idéa de fazer um discurso; não sinto no coração a necessidade do uma indignação vehemente. Não podendo reagir efficazmente contra o que faz, contra esta falta de caracter politico que se nota em tudo, contra a sophismação permanente é ousada de todos os principios constitucionaes, limito-me a não cooperar nas cousas parlamentares, ou a cooperar n'ellas, como agora, sem prevenção, sem alento e sem esperança ... E sinto o que o meu espirito não seja grande, que o meu pensamento não seja fecundo e luminoso, e que a minha palavra; não seja prestigiosa e eloquente, para que a subtração e, das minhas faculdades ao interesse do governo e á commodidade do parlamento podesse valer como um castigo, ou, pelo menos, como protesto do alguma valia!
Não, não é conveniente que se opponha aos desatinos d'esta situação, que se atreve a tudo e que não respeita nada, palavras de sciencia, argumentos de doutrina, textos de lei, conselhos de prudencia, ou movimentos de paixão! (Muitos apoiados.) Para que? Qual seria, a final, o resultado util?...Cada processo tem o seu tempo; e hoje, seguramente, n'esta hora triste da politica portugueza, a eloquencia grave, demonstrativa, inspirada por um patriotico ardor, moldada pelos melhores exemplares da arte parlamentar, seria quasi um anachronismo, e, em todo o caso, uma prova de mau gosto... E eu, pela minha parte, digo que já me ha de ser muito difficil levantar ainda uma vez as ondas vivas e puras da minha consciencia contra estas cousas falsas, hypocritas, desacreditadas e impudentes, a que se chama, por ironia, as instituições parlamentares do paiz! (Muitos apoiados.)
Não digo isto de coração leve; digo-o com sincero, profundo e entranhado pesar.
Outra tribuna que tive, e a que me não refiro nunca sem palavras de muito respeito e de muita sympathia, deixei-a quando, em minha consciencia, entendi que era dessa honra usar d'ella contra o espirito da sua instituição, ou
exploral-a em proveito proprio, sem convicções e sem lealdades. (Vozes: - Muito bem.) Esta, para que vim com tanta fé com tantas convicções, com tão sincero e fervoroso enthusiasmo... esta, presinto que ma não servirá por muito tempo, porque ou é demasiadamente estreita para os ideaes do meu espirito, ou é excessivamente ampla para o pequeno volume dos meus interesses e das minhas ambições.
Na sessão de hontem o sr. Franco Castello Branco, n'uma illusão que lamentei, fez aqui o elogio dos costumes politicos da nossa terra.
Que bello talento o seu! Que eloquente palavra, facil, prompta, viva! Desde a sua estreia, que foi brilhante, até ao ultimo discurso, exhibiu aqui as mais raras provas de um alto merecimento, que não póde ser discutido. (Muitos apoiados.) Eu applaudi-o sempre, com intimo gosto, por que o estimo desde que o conheço, e porque uma das poucas cousas que ainda fazem vibrar a minha sensibilidade, na politica, é a manifestação do verdadeiro talento na arte e na sciencia da palavra!
Mas fez-me tristeza o que lhe ouvi ante-hontem. O meu illustre amigo considera bons os costumes politicos; da nossa terra, e adduz, prova, o facto de conservarem sempre os seus logares os srs. deputados, dentro dos respectivos partidos, não havendo deserções a notar, em quantidade e qualidade apreciavel, desde os ultimos annos.
Já hontem o illustre e talentoso deputado, meu querido amigo, o sr. Carlos Lobo d'Avila, combateu o principal argumento do sr. Franco Castello Branco, mostrando que similhante theoria contradiz os principios do regimen parlamentar, e reduz, ao minimo valor, a missão d'aquella tribuna; e recordando a proposito, factos recentes da Inglaterra e da Allemanha, provou que, n'estas duas grandes nações, as cousas eram entendidas muito diversamente da opinião do eloquente deputado da maioria.
Gladstone, o velho e glorioso Gladstone, viu-se ainda ha pouco desamparado dos seus amigos, dos que o auxiliaram na sua grande campanha eleitoral contra Disraeli, dos que o sustentaram na difficil e perigosa questão da Irlanda, e

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só agora não poderam apoiar a sua politica internacional, generosa, bem intencionada, mas hesitante, pouco decidida. O principe de Bismarck póde tudo; é quasi omnipotente; só não póde nada quando lança a sua vontade de ferro contra à consciencia do parlamento allemão. Isto disse, e melhor do que eu, o sr. Carlos Lobo d'Avila. E poderia acrescentar que, desde muito, na Italia, os ministerios não podem contar com o dia seguinte, se não põem todo o cuidado na boa administração do paiz, a qual, para os deputados italianos, é alguma cousa mais que a vontade de Cairoli ou de Depretis... (Apoiados.) E poderia tambem lembrar que, na França, a previsão das votações parlamentares não é muito facil de fazer, e que o mesmo succede n'outros paizes, que só um egoismo nacional, muito optimista e muito exagerado, julgará inferiores a nós em dignidade moral e em civilisação politica! (Apoiados.)
Mas como se explica o facto, notado pelo sr. Castello Branco, de se prever a votação das nossas camaras com mais certeza do que se calcula a producção de quaesquer phenomenos meteorologicos, os mais frequentes, os mais simples?
Já que esta these de moral politica foi proposta, respondo, pela minha parte: É porque em Portugal os deputados se devem aos seus partidos muito mais do que ás suas consciencias e ao seu paiz. (Apoiados.) Os partidos são tudo; o paiz, nada, ou quasi nada. (Apoiados.)
Do mesmo modo que cada corpo tem uma sombra, cada regimen tem tambem a sua, e a sombra do regimen actual é a servidão partidaria, é esta forçada obrigação que nós temos de acceitar factos, que, directamente, não praticamos, e de sopesar responsabilidades que, pessoalmente, nos não pertencem. (Muitos apoiados.) E esta sombra, que se desenha em toda a parte, é aqui mais profunda e mais espessa, porque quem está dentro de um partido, ainda que queira abrir um conflicto de justiça, não tem para quem appellar, não tem para onde recorrer.. . Por isso succede que sob a apparencia de uma perfeita unidade, lavram muitas vezes dissensões gravissimas... e tambem que o corpo dos deputados está de um lado desta camara, e o espirito está do outro... (Sensação.)
Se as cousas são assim, e não ha coragem para as definir, é melhor o silencio de que meia palavra: e em todo o caso não me parece bem que estejamos aqui a coroar-nos de rosas, como se fossemos virgens sem macula, e de folhas de carvalho, como se fossemos cidadãos exemplares, sem nota nem suspeita. (Apoiados.)

Sr. presidente: Este projecto é uma transgressão violenta dos principios da politica e dos preceitos da lei. Por isso mesmo, é immoral.
O sr. Luciano de Castro, na sessão de ante-hontem, e n'um movimento de sincera e honrada eloquencia, disse que se o parlamento portuguez estava definitivamente despojado de todas as suas immunidades e de todos os seus direitos, melhor seria que se fizesse a economia da representação nacional, como já muitas vezes se tem feito a da moralidade e a da justiça.
Não gostou o sr. Hintze Ribeiro, e fazendo ostentação de um brio pessoal, que lhe fica bem, que todos respeitam, e ninguem mais do que eu, mas que não vinha a proposito, disse que a insinuação era impropria de quem a fazia e indigna do ministro a quem era dirigida, e que, por isso a não levantava á consideração de qualquer resposta. Esta ultima phrase, tão contraria ao espirito da constituição e as relações dos dois poderes, representados no parlamento, acaba de ter á pena condigna na palavra vehemente do sr. Luciano de Castro; por isso não me metto eu n'essa questão, que ficou muito bem entregue. Mas quero dizer tambem a comprehensão que tenho dos meus direitos de critica parlamentar, e, para os exemplificar, o ensejo não poderia ser mais feliz.
Attenda-me o nobre ministro da fazenda:
Uma parte do paiz entende que a actual situação regeneradora não é bem intencionada, que é desastrosa nos seus effeitos, que é prejudicialissima, por tudo, aos interesses geraes do paiz. Eu pertenço a esta parte, (Apoiados.) e não abdico por cousa alguma, nem diante das intimativas do sr. Hintze Ribeiro, nem diante dos calorosos applausos dos seus amigos politicos, do direito de qualificar essa administração que eu julgo, com os termos que me parecem mais proprios, e que são os mais bem soantes com a minha consciencia e com a verdade dos factos. (Apoiados.)
O sr. Hintze Ribeiro é muito honrado, muito limpo. (Apoiados.) A sua linha é correcta, o seu aceio é impeccavel, as suas maneiras são cortezes e urbanas, o seu talento é superior, e o merecimento do seu trabalho distinctamente notavel. (Apoiados.) Aperto-lhe a mão com muito gosto, e teria verdadeiro prazer de o receber em minha casa, se a minha pobreza me permittisse o luxo de receber ministros da corôa... Mas, por isso mesmo, parece-me que s. exa. faz muito mal em envolver a sua dignidade pessoal nos lances e artificios da politica corrente. Creio que não lucra absolutamente nada em querer ser julgado como homem pelos seus actos como politico. (Apoiados.)
A actual confusão das consciencias não permitte identificar n'uma formula a honra particular e a honra civica. Esta anarchia moral ha de acabar; mas não me parece que os ministros portuguezes devam ser os mais apressados para que ella acabe...(Apoiados.)
Eu disse que o projecto era uma trangressão violenta e immoral da politica e da lei.
Sustento o que disse.
Não ha rasão que absolva o governo de não ter apresentado, a tempo de ser discutido, o orçamento geral do estado.
Não ha, nem se tentou invental-a. E dá-se ainda a circumstancia aggravante de ser esta camara uma camara constituinte, e de se ter tratado n'ella, segundo se diz, da reformação da nossa lei fundamental. (Riso.)
O parlamento está aberto ha quasi sete mezes; houve ferias excedentes a todo o periodo legal e a toda a praxe anterior; ahi por janeiro ou fevereiro, quando ainda se não tinha desatado a fecundidade dos srs. ministros, gastou-se nuito tempo em arrastados e longos discursos inuteis; o partido republicano, que, sem culpa nem vontade sua, tem sido muitas vezes um grande achado para os arranjos do sr. Fontes, foi invocado como rasão principal do prolongamento de um debate, que por sua natureza estava findo; o partido progressista absteve-se das reformas politicas, e como é sabido, a maioria deu então o estranho espectaculo de se dilacerarem a golpes de palavra, com torvo aspecto e furia insana, os amigos da situação, para depois se harmonisarem na paz santissima de uma voz uniforme, som immenso gaudio de quem assistia a esta comedia, que, por isso e pelo que se fez depois, está a pedir verso barato e exhibição de cordel... (Riso e muitos apoiados.)
Bom foi que, a final, se congraçassem os illustres deputados da maioria. (Riso.)
Eu estimei. Emquanto se batiam com tanto odio e tanta valentia, davam-me a impressão d'aquelle ser da fabula, que a si mesmo devorava os pés e as mãos sem dar por isso... (Riso.)
O orçamento apresentou-se a 11 de junho e passados quatro dias apparece logo a lei de meios. O sr. Lobo d'Avila já d'isto tirou hontem todo o partido com a verve abundante e o alto criterio da sua palavra.
Eu não acompanharei o meu amigo no seu estudo dos calculos da receita e da despeza feito sobre as tabellas a que se refere o § 5.° d'este projecto. Entendo, como o sr. José Luciano, que a inclusão d'este § 5.° na lei de meios e contra todas as conveniencias administrativas, e uma insidia transparente, que nem sequer acredita, pelo engenho, o seu auctor.

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Por isso não a discuto.
(Interrupção que não se ouviu.)
Limito-me a protestar; abster-se é um velho preceito moral, muitas vezes necessario, e indicado n'este momento.
Uma voz: - E muito commodo.
O Orador: - Não é muito commodo; é menos do que parece, quando ha sincero desejo de servir o paiz.
No decorrer d'esta discussão, tem-se dito e repetido que, tendo a questão de fazenda sido tratada muitas vezes, estava perfeitamente dispensado o exame do orçamento.
Esta rasão impressionou-me extraordinariamente.
A questão de fazenda estava tratada, sim, mas não sob o aspecto orçamental,que é o mais util, o mais pratico, o mais analytico; a questão de fazenda estava tratada, mas não ha inconveniente em que seja versada muitas vezes, porque é difficil, porque é embaraçosa, porque está num ponto gravissimo, porque ella é o verdadeiro problema capital e momentoso da nossa dignidade politica e da nossa conservação nacional; (Apoiados.) a questão de fazenda estava tratada, mas a lei manda que se discuta o orçamento, e quando a lei não é cumprida, sem que a sua violação seja imposta pelos interesses da justiça, que lhe é superior, toda a confiança politica desapparece, toda a moral publica se desfaz e resolve em fumo, o prestigio das pessoas e das cousas deixa de existir, e não ha nada que suspenda a decadencia dos povos, que soffrem isto. (Apoiados.)
Ia faltando ao meu programma... Estava quasi a indignar-me. (Riso.) Tive tentações de citar os artigos da carta, de ler o regulamento de contabilidade, de trovejar aqui umas grandes ameaças, que ficariam sem echo, de reproduzir citações de auctores celebres, que já ninguem respeita...
Havia de arrepender-me, com certeza...
Vou concluir.
O sr. Eduardo José Coelho, meu illustre correligionario e bom amigo, tão notavel pelo seu talento, pela tenacidade do seu trabalho e pela sua invejavel fé politica, (Riso.) offereceu outro dia á camara o exemplar de uma mensagem, que deveria ser dirigida a Sua Magestade El-Rei, no caso de continuarem assim os attentados contra o regimen parlamentar do paiz.
Não sei, sr. presidente, se virão dias em que seja necessaria essa mensagem, ou cousa similhante. Oxalá que não venham! Mas, emquanto não vierem - se têem de vir, emquanto não chegam, desejo indicar a um dos mais distinctos apologistas da administração financeira do actual gabinete, o sr. João Arroyo, que hontem com a sua palavra alegre desfiou galhardamente aqui todo o rosario das bellas obras d'esta sessão parlamentar, desde a lei das alfandegas até á votação, que vem ahi, do caminho de ferro de Ambaca, e desde a proposta das reformas politicas até á reforma d'essa proposta, que está em gestação adiantada; desejo indicar ao meu illustre collega e amigo um facto da historia parlamentar franceza.
Era em janeiro de 1848. Thiers, com a sua adoravel voz moderada e eloquente, punha em relevo as más condições financeiras da França, aggravadas pelos orçamentos de 1846 e de 1847, e no seu discurso repetia muitas vezes estas palavras: Si un accident arrivait!...
O accidente não se fez esperar; foi a revolução de fevereiro. .. A phrase do glorioso cidadão era prophetica!
O que succedeu então é de recente memoria. Dispenso-me de o contar por isso, e porque prometti tomar pouco tempo á camará. (Muitos e repetidos apoiado.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.

Discurso proferido pelo sr. deputado Antonio Candido, na sessão de 23 de março, e que devia ler-se a pag. 868, col. 2.º

O sr. Antonio Candido: - Pedi a palavra ante-hontem, quando fallava o nobre presidente do conselho de ministros, e pedi-a na esperança de lhe responder immediatamente.
Não pense a camara que eu tive a veleidade de querer defrontar-me á prestigiosa eloquencia d'este eminente parlamentar. Nos desvanecimentos do infinito favor com que tenho sido recebido n'esta casa, nas poucas vezes que me levantei para fallar, não perdi nunca o instincto do caminho que leva á minha consciencia, sempre severa no julgamento de si mesma, e só fácil e sympathica na apreciação dos outros.
Não me tenho em grande conta, e sabia que me havia de ser difficil conciliar a attenção publica, depois de dois discursos que não podiam deixar de erguer, na admiração d'esta assembléa, culminações inaccessiveis á humildade do meu pensamento e á modestia da minha linguagem.
O que me fez pedir a palavra foi o desejo de levantar e discutir algumas affirmações do sr. presidente do conselho, que me pareceram menos justas ou menos exactas, e de contrapor uma nota grave e sentida ao tom geral do seu discurso, em que o faceto desceu mais do que devia descer, e o epigramma roçou um pouco pela injuria. (Muitos apoiados.)
O sr. Fontes Pereira de Mello habituou desde muito o parlamento portuguez ás suas idéas velhas e ás suas maneiras antigas; já que não muda de idéas, será bom que não mude de maneiras. (Muitos apoiados.)
Tencionava ante hontem ser breve; não serei hoje muito extenso. Consta-me que vae ser encerrada a discussão sobre o bill, e não quero, pela minha parte, oppôr ás impaciencias da maioria a resistencia de um longo discurso, que a incommodaria a ella, e caíria sobre mim em manifestações do desamor pelas minhas intenções e pela minha palavra.
Lamento que a discussão seja encerrada tão cedo. A sua extrema gravidade devia pôl-a a coberto d'estes processos violentos, que não acreditam nunca as assembléas que os empregam. (Apoiados.)
O sr. presidente do conselho que estava, na sessão de ante-hontem, com veia litteraria, lembrou-se do seu Shakspeare, e citando a conhecida phrase do Hamlet, disse que, politicamente, para o governo, esta questão era de ser ou não ser.
Em assumptos de tanta magnitude, a compressão parlamentar antes de tempo não será um crime, mas é uma falta. E tem applicação agora o dito de Talleyrand. (Riso.)
A accusação ao governo tem sido impertinente e demasiadamente aggressiva ?.. Mas nos bancos do poder estão talentos de primeira grandeza, que certamente não fizeram voto de mudez completa n'esta discussão; mas esta maioria, uma das mais intelligentes que tem apoiado situações regeneradoras, e em que a arte da palavra já fez colheita de nomes que ficam, de nomes que não passara, tem oradores distinctos, de sobra, para se succederem na estacada, pugnando pela porção de verdade, pequena ou grande, que lhe pertence n'esta campanha parlamentar. (Apoiados.) .
Procurar-se-ha insinuar que a opposição tem estado aqui, não a cumprir um dever nacional e partidario, mas a embaraçar e a obstruir por todas as fórmas a missão d'esta camara e a vida politica do ministerio? Mas seria soberanamente injusto? Cada um dos meus nobres collegas da minoria trouxe ao interesse d'este debate uma contribuição ponderosa, individual, caracteristica, desde o orador que a iniciou com unica palavra limada e precisa, que lembra os mais distinctos exemplares da eloquencia latina, até ao nobre estadista que precedeu o sr. Fontes, e que habituou desde muito o parlamento a receber, em cada discurso seu, uma amostra de boa eloquencia parlamentar e uma clara lição de doutrina. (Apoiados.)
Quererá o governo economisar tempo para as reformas politicas? Mas elle sabe que o partido progressista não cooperará n'essas reformas, limitando-se a marcal-as com o

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stygma da sua reprovação e a deixal-as correr a fortuna que tiverem, fortuna que ha de vincular, talvez, cousas e pessoas, que a simples vista não distingue immediatamente relacionadas com esta inhabil, indigna e malfadada obra! (Muitos apoiados.)
Mas, emfim, a maioria pensará de outro modo; e talvez a esta hora algum dos meus nobres collegas esteja formulando mentalmente um pedido á presidencia para que se opponham, desde já, os diques do regimento á eloquencia da opposição, que, em verdade, não tem sido nem torrentousa nem devastadora. (Riso. - Apoiados.)
Procedendo assim, não cumpre o seu dever, segundo a minha maneira do pensar; mas exercita o seu direito, e, seguramente, não é a mim que tem de dar contas.

O illustre presidente do conselho procurou defender-se das accusações que lhe foram feitas rebuscando attenuantes para o seu procedimento politico, e encarecendo, por todas as fórmas, os decretos dictatoriaes publicados pelo ministerio da guerra e pelo ministerio da marinha e ultramar.
A principal defeza que adduziu foi a dos precedentes. E veiu o nome glorioso de Mousinho da Silveira, e veiu tambem o nome heroico do marquez de Sá, e veiu ainda o honrado e saudoso nome do bispo de Vizeu, e, finalmente, até foi citado o venerado e respeitabilissimo sr. Anselmo Braamcamp.
Outros, antes de s. exa., fizeram dictaduras... Assim fica tudo explicado; assim ficam desfeitas todas as duvidas, e respondidas triumphantemente todas as objecções!
Na dialectica do sr. Fontes, a exhibição de um precedente é um golpe certeiro; na moral politica do sr. Fontes, um crime absolve sempre, plenariamente, unica longa serie de crimes seguintes! (Muitos apoiados.) Diz-se, theologicamente, que das boas obras que fazem uns participam todos os outros; segundo o sr. presidente do conselho, dos erros, reaes ou suppostos, que praticam alguns resulta para todos os outros o direito de os praticar tambem. (Riso .- Apoiados.) E, deste modo, o governo constitucional, em vez de ser uma continuidade de acertos, é uma erigi engrenagem de attentados, - e a historia politica, que devêra ser o transumpto, ligado e coherente, da vida nacional, vem a ser, a final, um repugnante embutido dos erros, miserias e contradicções de todos os partidos! (Muitos apoiados.)
Mas não se vê que isto é falso, que isto é um artificio sem valor, que isto é uma cobertura rota, esfarrapada pelo uso que já não póde compor e velar as fraquezas de ninguem? (Apoiados.)
Mas não se sente, não se conhece, não se palpa que esta impudentissima dilaceração de reputações individuaes e partidarias não serve senão para mais se accentuar a azeda indifferença do paiz pela politica, e rebaixar a situação pouco levantada do parlamento, que finge ser, mas já não é, o coração impulsor e a força dirigente da vida nacional? (Muitos apoiados.)

O nobre presidente do conselho demorou-se largamente na ponderação e defeza da reforma militar.
Era-de prever.
A unica derivação possivel para as responsabilidades que sopesou, na hora perdida em que se lembrou de envolver se nas vestes de dictador, demasiadamente amplas para as fórmas estreitas, convencionaes, pequeninas e hábeis da sua personalidade politica, era esta: desnaturar a genio d'esta discussão, e transformar a questão do bill, uma questão delicada e melindrosa, na ponderação indfienida, esteril, interminavel, de uma proposta que já é, a belo dizer, lei do paiz, e portanto um facto consumado, um lacto inelnetavel! (Apoiados.)
Diga-se, porém, em abono da verdade, que a orientação dos oradores, empenhados n'esta discussão, lhe permittiu a exploração d'este facil expediente...
Eu não accuso o governo pela dictadura de 3 de julho. Bem merece por a ter assumido e exercitado.
Faltaria a um dever sagrado se deixasse de empregar contra a possivel invasão do cholera todos os meios prophylaticos que as estações competentes lhe aconselhassem.
Gastou-se muito? Gastou-se de mais?
Liquidar-se-ha isto a seu tempo.
Mas é certo que são hoje muito mais complexos, e portanto muito mais dispendiosos, os meios de que a sciencia dispõe para contra estar e prevenir essa assoladora epidemia, com que o Oriente pareçe querer vingar-se, pela sua stagnação geologica e moral, de outras partes da terra mais abençoadas e felizes, e de outras raças humanas mais progressivas e fecundas! E eu, pela minha parte, não lamentarei nunca qualquer despeza que se faça para salvar e proteger as vidas dos meus concidadãos; e para que o meu paiz se inscreva tambem na gloriosa cruzada da sciencia medica - uma sciencia positiva que é um sacerdocio humano - contra esse terrivel e pavoroso morbo, que ainda pesa sobre nós, sinistramente, como uma ameaça de morte, mas ha de afinal, ser vencido ou attenuado, como essas malditas doenças, que infestaram e flagellaram a civilisação, desde a lepra, que é o horror da idade media, repugnante e sombrio, até ás epidemias que fizeram á Europa a sua ultima lugubre visita no primeiro quartel d'este seculo! (Vozes: - Muito bem. - Muitos e repetidos apoiados.,)
O governo desattendeu alguns preceitos do regulamento geral de contabilidade na parte attinente á abertura de creditos extraordinarios. Fez mal; fez muito mal. (Apoiados.) Todo o governo deve ser delicado, escruplosamente meticuloso na gerencia dos dinheiros publicos, qualquer que seja a sua applicação; e muito principalmente o deve ser o governo regenerador, que é justamente accusado pela opinião de ter a este respeito um coração demasiadamente generoso e leve... (Apoiados.)
Mas n'este ponto a minha apreciação limita-se simplesmente a uma advertencia que, em diversa hypothese, seria muito mais severa.

Vamos aos decretos de 19 de maio.
Ha a distinguir a parta politica e a parte technica ou administrativa. A parte politica, a da responsabilidade do governo pela dictadura que assumiu e exerceu, é a mais importante; a outra vale apenas como circumstancia, attenuante ou aggravante, do procedimento do governo (Apoiados.)
A dictadura de 19 de maio pouco menos indigna seria, ainda quando se liquidasse que tinha sido de todo o ponto boa, acabada, perfeita, a reforma dos quadros do exercito e da armada; ficaria sendo sempre uma triste e desconsoladora prova da decadencia dos nossos homens publicos, da inefficacia das instituições estabelecidas, e do septicismo e da indeferença d'esta sociedade, em que já se não encontram idéas com ordem, nem pessoas com prestigio! (Apoiados.)
Conformemente com esta idéa, não discutirei a reforma militar nos seus aspectos administrativos, mas não porque a julgue superior a quem não pertença á nobre profissão das armas, como insinuou o sr. presidente do conselho n'um tom pedagogico, impertinente e destoante das relações que deve haver entre o ministerio e a camara. (Muitos apoiados.)
O sr. Fontes deve saber que o eueyclopedismo é a base da moderna educação. A politica não só aprende em Machiavel, adquire-se nos estudos e meditações da sociologia. Já vão longe o tempo em que as sciencias tinham frontei-

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ras sagradas, inultrapassaveis para quem não fosse especialista n'ellas; são hoje um vasto campo aberto e luminoso, de que nenhum homem medianamente instruido póde ignorar a natureza propria e a topographia geral. (Muitos apoiados.)
Mas se não discuto minuciosamente a reforma do exercito, se não critico a nova constituição dos quadros do exercito e da armada, se não noto a desproporção que ha entre o numero de officiaes e de soldados pertencentes a cada corpo, se não friso os defeitos da administração militar, não deixo comtudo passar o ensejo de dizer, com magua, que n'essa reforma não estão reconhecidos e sanccionados os principios que deviam, ao meu modo de ver, presidir a uma reorganisação d'esta ordem.
A reforma do exercito terá algum valor sob o ponto de vista technico e restrictamente especial; mas nos seus artigos, que li e reli, não penetra a luz clara e brilhante da sciencia social como eu a estudei com as minhas limitadas faculdades e esta convicção mais se radicou no meu espirito pela defeza que se fez d'ella, do que pelas accusações que se lhe dirigiram. (Apoiados.)
O recrutamento subsiste nas suas antigas bases, continuando a fazer do exercito uma especie de açougue nacional, consoante a indignada e eloquentissima phrase de Alexandre Herculano. (Apoiados.) A remissão a dinheiro, esta prova insolente de que o oiro dos ricos ainda vale o sangue dos pobres, (Muitos apoiados.) volta á legislação do paiz occupando individamente o logar que pertence de direito ao principio do serviço obrigatorio. (Apoiados.) O código militar não foi revisto, subsiste como documento de comica ferocidade e, em repetidos lanços, como flagrante negação dos principios que a sciencia criminal formula. (Apoiados.) E, recordando agora o que li ha pouco na imprensa periodica, se soubesse que havia nos depositos do ministerio da guerra muitos exemplares d'esse codigo, eu pediria ao governo que os mandasse vender a peso, e, com o producto, levasse algum conforto a esse esquecido e desgraçado Antonio Coelho, que ahi está a agonisar lentamente, miseravelmente, n'uma enxovia tenebrosa e humida, em holocausto á piedade publica, que se não quiz commover com o espectaculo de uma execução capital, infinitamente menos cruel que isto do apodrecer dia a dia, hora a hora, com todas as molestias do corpo, com todas as doenças do cerebro, desde a prostração do idiotismo até á furia do desespero, n'uma d'essas tremen das e infernaes situações que só poderiam ser comprehendidas e descriptas pelo genio do Daate ou pela penna de Victor Hugo. (Sensação. Vozes: - Muito bem, muito bem.)... A qualidade de militar, que deve pertencer a todos os cidadãos e a todos os estados, segundo a lei scientifica e indiscutivel da lucta pela vida, lucta fatal e necessaria a todos os organismos, desde os mais simples e rudimentares, que a biologia descreve, até aos mais complexos e mais perfeitos, que a historia ostenta; a qualidade militar, facil e gostosamente acceite por todos os cidadãos na Suissa, nos Estados Unidos, na Prussia, e ainda n'outras nações, embora por processos variados e com intuitos differentes; a qualidade militar não fica pertencendo ao cidadão portuguez depois da ultima reforma do sr. Fontes, de modo que se um dia for necessario defender o torrão sagrado da patria, só podemos contar com a força irresistivel e indomita dos nossos denodados sentimentos, e com a coragem e o heroismo que esmaltam, as tradições do povo portuguez. (Muitos apoiados.)
Mas ainda quando se provasse que nada d'isto era assim, ainda que eu me convencesse de que a reforma militar era de todo o ponto perfeita e impeccavel, ainda que me demonstrasem á mais irresistivel luz que o sr. Fontes era não sómente um Bismarck na politica, mas um Moltke na arte de organisar e disciplinar exercitos, resumindo assim na sua pessoa as culminantes faculdades politicas estrategicas da velha raça teutonica, ainda assim, a dictadura de 19 de maio nunca podia contar com a consagração da minha palavra, nem com o serviço do meu voto. (Apoiados.)
Simplesmente porque foi uma dictadura? Não.
Eu sou menos hostil ás dictaduras que muitos dos eloquentes oradores que me precederam neste debate. Comprehendo a sua indignação, que é sincera, que é verdadeira, que é flammejante de todos os affectos, que a paixão pela liberdade inspira e merece; mas penso que esta nobre sentimentalidade recáe em factos e doutrinas, que a melhor critica d'este momento não acceita, não justifica. N'esta hora adiantada da sciencia, parece-me a mim que, em vez do subirmos á origem metaphysica dos systemas, puro nimbo em que nada se distingue e só se vê o que se quer ver, devemos antes baixar á analyse das condições positivas em que assenta toda a moderna politica. (Apoiados.)
As dictaduras são violações directas da soberania nacional, e, considerada esta como um poder real, verdadeiro, permanente, as dictaduras são crimes gravissimos, e não ha pena que seja para ellas castigo bastante. São como aquelles crimes que o legislador grego deixava fora da lei, por serem monstruosas, por serem impossiveis. (Apoiados.)
Mas a soberania popular tem ainda hoje o caracter que se lhe attribui no fim do seculo passado e até meiado do seculo actual? Mas a soberania popular, de que não fallo sem o respeito devido a uma cousa augusta, feita de illusões e de verdade, de poesia e de realidade, de sonhos e de factos, consagrada nos melhores livros, que teem sido escriptos pela penna dos homens, santificada pelas revoluções mais redemptoras, que têem sido determinadas pela aspiração de justiça e pela paixão da liberdade; mas esta soberania tem hoje, na consciencia humana, a mesma comprehensão radical das escolas de ha trinta annos?
Não. Não tem.
O que é positivo é que a soberania popular, inspiração e fundamento de todo o direito publico moderno, está enredada, compromettida, esterilizada pelos processos que a servem e pelas instituições que a rodeiam. E, cousa singular! foi o espirito burguez que estabeleceu este notavel progresso humano, e foi elle, depois, que o preverteu e o inutilisou! Creou o e perdeu-o!!... E que a burguezia, a gloriosa burguezia que, desde a idade média, agitou e moveu todos os grandes ideaes da consciencia humana, rompendo as resistencias do poder, atravessando as fogueiras do fanatismo, pondo na arte e na sciencia intenções moraes e revolucionarias, levando a sua coragem até ao heroismno e o seu heroismo até ao martyrio, erguendo pacientemente e levantando, apesar de tantas dificuldades, a grandiosa fabrica dos ultimos seis seculos da nossa historia; é que esta burguezia, depois de ser, por tanto tempo, protestante, divergente, aspiradora do melhor, tornou-se no que hoje se vê, uma classe de ficções e privilégios, conservadora de todos os seus interesses, que mantem acima de tudo, que sustenta apesar de tudo! (Muitos e repetidos apoiados.)
Consagra o voto universal, mas sujeita a todas as dependencias a consciencia do eleitor; (Apoiados.) funda a liberdade politica, o que se chama liberdade politica, o cerca generosamente de honras e dignidades a representação parlamentar, mas... não se esquece de lhe prender uns certos fios occultos, que, em determinados momentos, a desconcertam e paralysam! (Vozes: - Muito bem.- Muitos e repetidos apoiados.)
Isto é assim. Todos o sabem, embora nem todos o digam. Eu digo-o, porque a mim a hypocrisia repugna-me sob qualquer fórma, e tenho a franqueza de affirmar em voz alta o que penso, importando-me pouco que as minhas idéas sejam adversas aos interesses dogmaticos do poder, ou destoantes das paixões inflammaveis do povo...
A utilidade positiva dos povos deve evidentemente prevalecer sobre o culto das ficções, e hoje essa utilidade po-

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sitiva consiste em que a politica seja intensa, como primeira força social que é, forte, como convem a um momento de suprema lucta, comprehensiva de todos os deveres e encargos que lhe vae acrescentando dia a dia, hora a hora, o adoravel e assombroso progresso da arte, da industria, da sciencia, e de toda a humana actividade. (Muitos apoiados.)
O regimen parlamentar genuino, perfeito, como o sonharam os puritanos d'esta forma politica, não póde com tão complexas, difficeis e pesadas condições. Por isso quero, defendo e sustento as dictaduras.
Mas ha dictaduras de variadissimas especies. Ha as dictaduras da opinião, exemplificadas na historia constitucional da Inglaterra, designadamente n'aquelle glorioso capitulo, que exaltará eternamente o genio e o patriotismo do segundo Pitt... Ha ainda as dictaduras parlamentares; resa d'ellas a historia de todos os paizes, com situações fortes e definidas. Napoleão III exemplificou durante vinte annos uma da peior especie. Pouco antes de morrer, Gambetta meditou uma dictadura d'esta natureza, realisavel pelo processo eleitoral da lista multipla, porque o immortal tribuno, por quem a França traz ainda pesadissimo luto, de quem a raça latina se lembrará sempre com saudade, e cujo nome a humanidade conservará perpetuamente, sabia que só por este modo poderia realisar o seu famoso programma de Belleville, (Apoiados.) a mais perfeita syn-these positiva da politica do nosso tempo. (Muito apoiados.)
Ha tambem as dictaduras da revolução. Em certos momentos, a alma humana rompe os moldes legaes, que a cingem, e irradia em toda a sua espontaneidade violenta e creadora. São isto as revoluções... Para não procurar exemplos na historia estranha, citarei as da nossa; citarei a revolução de 1836, que foi o desvanecimento das epicas e poeticas illusões da primeira quadra do nosso regimen constitucional; a de 1851, que foi apparentemente uma pacificação dos partidos, desgraçadamente percursora d'esta estagnação moral em que vivemos ha mais de trinta annos; (Apoiados.) a de 1868, finalmente, que foi uma negação formidavel das praticas abusivas do parlamento e do governo, e uma interrogação gravissima que ainda está sem resposta, porque eu não posso considerar como resposta á pergunta d'esse movimento a anarchia moral das nossas consciencias, a decadencia, cada vez mais accentuada do paiz, e o desprestigio, cada vez maior, das pessoas e das cousas d'esta terra! (Muitos apoiados.)
Estas são as dictaduras que eu quero, que eu defendo, que eu acceito. Valem como amplificações de força compensadoras das fraquezas e defeitos do regimen estabelecido. (Apoiados.)
Mas estará n'este caso a dictadura de 19 de maio?... Anima-a um pensamento alto? Representa a tenacidade heroica de um homem de estado que leva, sobre perigos e difficuldades, o seu plano de governo? Foi destinada a vingar o poder, que tem direitos, contra as facções que porventura os negassem?...
Responda-me a consciencia da camara ... Eu louvo-me na resposta que quizer dar-me, desprevenidamente, desassombradamente...
Não é dictador quem o quer ser, disse ha poucos dias o sr. Carlos Lobo d'Avila, n'um dos maiores deslumbramentos de talento e de palavra, que tem fascinado o meu espirito e consolado o meu coração... O illustre deputado, meu querido amigo, queria significar, que o sr. Fontes não tinha a elevada estatura de um dictador de raça.
Não é dictador quem o quer ser, repito eu agora com intenção differente. E o sr. Fontes não póde ser dictador a serio n'este paiz. Também é a única cousa que elle não póde ser... (Riso.) Onde estão as resistencias, que elle tenha de vencer?... No paço da Ajuda?... (Sensação) Na camara dos dignos pares?... Na alta bureaucracia do estado?...
Não, o sr. Fontes não póde ser dictador a serio. É a unica cousa que elle não póde ser. (Riso. - Muitos e repetidos apoiados.)
Por tudo isso, o tom da minha palavra é bem diverso do que tiveram os discursos dos meus nobres correligionarios. Havia indignação no que elles disseram; não é bem esse sentimento o que a dictadura de 19 de maio me inspira.
A mim abate-me o espirito, desalenta-me de todo, porque me dá a impressão da falta de caracter da nossa politica, e me convence cada vez mais de que, entre nós, não é o governo o que queria Guizot que elle fosse: o mais bello e mais nobre exercicio das faculdades humanas; a mim desconsola-me, faz-me tristeza, porque esta dictadura exercida por aquelle homem, significa, cruamente, falta de respeito pela boa fé dos que o apoiam e pela sinceridade dos que o combatem; a mim desgosta-me, magoa-me, por que não posso ver, de coração tranquillo, a vaidade feita poder, o interesse partidario mascarado de salvação publica, o impudor revestido dos attributos do governo, a fraqueza parodiando, numa comedia, os movimentos da força, e depois, e a final, a aritmethica da votação julgando definitivamente do direito e da moralidade de tudo! (Vozes: - Muito bem. - Muitos apoiados.)
Isto faz que muitos espiritos se afastem cada vez mais da vida publica, como se ella fosse uma profissão indigna; e eu, por mim, direi á camara que começo a pensar e discutir em minha consciencia se não será inutil, se não será esteril, se não será indecorosa a continuação do meu modestissimo logar entre os homens politicos da minha terra! (Muitos e repetidos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados de todos os lados da camara.)

Redactor = S.Rego.

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