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N.º 18. SESSÃO DE 23 DE JUNHO. 1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada — Presentes 70 srs. deputados.

Abertura: — A meia hora depois do meio-dia.

Acta: — Approvada.

Leu-se na mesa a ultima redacção dos projectos n.ºs 48 e 56 A, que foi approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declaração. — Do sr. Mello e Carvalho, mandada hontem para a mesa, de que o sr. Moraes Pinto não comparecia á Sessão de hontem por motivo de molestia. — Inteirada.

Officio. — Do sr. Rivara, recebido hontem, participando que por motivo de molestia faltou á sessão do dia 21, e faltará a mais algumas. — Inteirada.

Representações. — 1.ª Da camara municipal e administrador do concelho de Palmella contra os decretos de o de novembro de 1851 e 24 de dezembro de 1852 sobre legados pios não cumpridos, e lontra a portaria da commissão administrativa da santa casa da misericordia de Lisboa de 10 de janeiro de 1851, sobre a admissão de doentes no hospital de S. José. — Ás commissões dos legados pios, e administração publica.;

2.ª — Da camara municipal do Pezo da Regoa, pedindo a approvação do projecto de lei que extingue a parea das pipas nas carregações dos vinhos do Douro, apresentado pelo sr. deputado Affonso Botelho. — A commissão dos vinhos.

3.ª — Dos accionistas da companhia das obras publicas de Portugal, pedindo que se attenda a sua representação de março ultimo, e que o seu credito não seja pago na conformidade do decreto de 30 de agosto de 1852. — Á commissão de obras publicas, ouvindo a de fazenda.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte

Requerimento. — «Requeiro que -se peçam ao governo, pelo ministerio da fazenda, cópia de duas representações do delegado do thesouro de Angra do Heroismo, datadas de 28 de Novembro e de 30 de setembro de 1852. — Miguel do Cauto.

Foi remettido ao governo.

Requerimento. — «Requeiro que sejam remettidos a está camara, e com urgencia, o relatorio e mais papeis, feito e entregue» ao governo pelo procurador geral da corôa, relativos á syndicancia a que o dito magistrado procedeu na relação do Porto. — Cunha Sotto-Maior.

Foi remettido ao governo.

Requerimento. — Requeiro que se peça no governo que pelo ministerio da marinha envie a esta camara uma nota sobre os seguintes quesitos, com a urgencia necessaria, para que elles venham á camara a tempo de servirem de esclarecimento na discussão do orçamento:

1.º Qual é o preço medio por que tem ficado ao estado cada tacão de porão nas estações da Madeira, Cabo Verde, S. Thomé e Principe, e Angola.

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2.º Que verba calculando aproximadamente, será necessario introduzir no orçamento, para que as soldadas á marinhagem, comedorias aos officiaes, fornecimentos, ferias do arsenal de marinha e cordoaria nacional, e mais verbas vencidas e não pagas anteriormente ao anno economico de 1853 a 1854, a fim de que para este effeito não seja necessario dispor dos meios destinados para as despezas correntes do mesmo anno economico de 1853 a 1854.» — Arrobas.

Foi remettido ao governo.

O sr. Secretario leu na mesa: Um parecer da commissão de guerra, que auctorisa o governo a melhorar a reforma ao major Luiz Maria da Rocha Fontanas.

Mandou-se imprimir.

O sr. Nogueira Soares; — Pedi a palavra para perguntar á illustre commissão de legislação quando tenciona apresentar o seu parecer sobre a proposta do governo, para ser auctorisado a fazer a divisão territorial; porque estamos no fim da sessão, é de absoluta necessidade que esta proposta se discuta, para se remediarem desordens extraordinarias na administração da justiça, e mesmo na administração publica.

O sr. Novaes: — Talvez no sabbado a commissão possa apresentar o seu parecer sobre a proposta a que se referiu o illustre deputado.

O sr. Santos Monteiro: — Peço ser inscripto para apresentar um projecto de lei.

Ficou inscripto.

O sr. Soares de Albergaria: — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Ficou para ter destino na sessão seguinte;

O sr. Maia (Carlos): — Peço que a illustre com; missão de fazenda se apresse em dar o seu parecer sobre o projecto que apresentei nesta camara, que tem por fim consignar-se no orçamento uma verba para acudir ás obras indispensaveis na ilha de S. Miguel.

O sr. Cazal Ribeiro: — A commissão de fazenda ainda não apresentou á camara o seu parecer sobre o projecto de que fallou o illustre deputado, porque como v. ex. sabe, elle foi remettido ás commissões, de fazenda, e obras publicas, para darem o seu parecer; e a commissão das obras publicas intendeu, e creio que intendeu muito bem, que não podia dar parecer sobre elle, sem que viessem do governo esclarecimentos sobre o orçamento e plano das obras, e os estudos preparatorios, e informações sobre a urgencia e necessidade dessas obras. Creio que ainda não vieram estas informações, e o illustre secretario da commissão das obras publicas poderá informar. Como são preliminares indispensaveis para se dar um parecer sobre o assumpto, dependentes ainda da commissão das obras publicas não tem a commissão de fazenda podido apresental-o.

O sr. Maia (Carlos): — Sr. Presidente a commissão de fazenda torna dependente dessas informações o dar o seu parecer sobre o meu projecto, quando é sabido de todos que no anno passado houve um terremoto na ilha de S. Miguel que destruiu o seu, cáes, o paiol da polvora, e a cadêa, e que todos os estragos precisam de prompto remedio para bem do serviço publico, porque o caes está desabando, a polvora mal accommodada com perigo de explosão, e os prezos dessiminados pelas differentes cadêas da terra.;

Sr. presidente, ainda que aquella calamidade cansou muitos prejuizos particulares, não é a favor destes que venho reclamar, e sim por obras publicas indispensaveis, urgentissimas; sentindo que apesar de serem sabidas estas necessidades, a commissão intenda esperar por informações officiaes, que o governo não póde dar quanto a planos e orçamentos, porque na ilha de S. Miguel não ha um engenheiro, e por isso não ha quem as dê: por tanto peço que a commissão dê o seu parecer sobre o meu projecto, embora no sentido de o rejeitar. E não posso deixar de notar que haja tanta hesitação em resolver este negocio, quando a commissão de fazenda não duvidou augmentar a verba destinada para obras publicas na ilha da Madeira, de 4 a 9 contos de reis.

Não peço favor para os meus constituintes, peço que sejam attendidas as necessidades mais urgentes por occasião de um tão funesto acontecimento como foi o terremoto do anno passado; e que ao menos seja tractada a ilha de S. Miguel da mesma fórma que o tem sido a ilha da Madeira, a quem esta camara não tem negado auxilio.

O sr. Cazal Ribeiro: — Nem a camara nem a commissão de fazenda são indifferentes á calamidade que soffreu a ilha de S. Miguel; mas o que é preciso saber e se o projecto do illustre deputado é sufficiente para acudir ás necessidades que pretende remediar. São precisas informações officiaes a respeito da urgencia das obras e sobre o seu orçamento, para se vêr se é sufficiente a quantia que se propõe; e em quanto não vierem estas informações, a commissão não póde ser censurada por não apresentar o seu parecer.

Em quanto a dizer o sr. deputado que se augmentou a verba para as obras publicas da ilha da Madeira, procede esta idéa de não ler elle a paciencia de esperar pela discussão especial; porque então veria que não ha augmento algum, e o que se fez, foi passarem para o ministerio das obras publicas algumas verbas que estavam disseminadas por outros, por serem competentes deste ministerio; porem o mesmo que se fez com relação á Madeira, fez-se extensivo a todas as demais ilhas; e por tanto é evidente que houve reunião de verbas, mas não augmento de despeza.

Não podendo pois a commissão dar o parecer sobre o projecto do illustre deputado, comtudo s. ex.ª não está privado de usar da sua iniciativa, e na discussão especial do orçamento fazer a competente proposta para se proceder ás obras que indica no seu projecto; ainda que na minha opinião o methodo que alli propõe, não é acceitavel; porque a camara póde sim votar uma obra, mas o que não é possivel é comprometter-se a votar uma somma que segundo o projecto tem de se ser repartida por dois ou tres annos, porque a camara póde votar a verba correspondente a este anno; mas não ha, por muitas razões que são obvias, a certeza de se votar a mesma somma nos annos seguintes.

O sr. Presidente: — Alguns senhores pediram a palavra sobre este incidente, mas elle não póde progredir porque se fez uma pergunta a uma commissão, ella respondeu, e portanto tudo o mais que se disser, é perder tempo: (Apoiados) e como está quasi a dar a uma hora, vai passar-se a ordem do dia.

Alguns srs. deputados reclamaram a palavra para antes da ordem do dia.

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O sr. Presidente — Não lhes posso dar a palavra porque segundo a resolução da camara é esta a hora marcada para se entrar na ordem do dia; e se porventura os srs. deputados se tivessem reunido mais cedo, já leriam tido tempo para usarem da palavra (Muitos apoiados).

ORDEM DO DIA.

Apresentação de projectos de lei.

O sr. Mello Soares (Sobre a ordem): — Sendo de urgencia votar-se o projecto n.º 58, em attenção ao adiantamento em que está a sessão, por isso mando para a mesa a seguinte

Proposta. — «Tendo-se já distribuido o projecto n.º 56, sobre a auctorisação para a cobrança e distribuição dos impostos e de mais rendimentos respectivos ao anno economico de 1853 a 1854, requeiro que, dispensado o regimento, este projecto entre immediatamente em discussão, attento o grande adiantamento da sessão.» — Mello Soares.

Foi admittido — E logo approvado.

Entrou pois em discussão o seguinte

Projecto de lei (n.º 48.) Senhores: — Foi presente á commissão de fazenda a proposta de lei, apresentada pelo governo, para o fim de ser auctorisado a proceder á cobrança dos impostos, e demais rendimentos publicos, respectivos ao anno economico de 1853 a 1854, e a applicar o seu producto ás despezas do estado.

Considerando, que nos poucos dias, que restam do mez actual, não e possivel concluir em ambas as camaras a discussão dos orçamentos de receita e despeza do estado;

Considerando, que a acção governativa não deve parar; e sendo sobre tudo limitado o prazo para a faculdade pedida: é a commissão de parecer que a sobredicta proposta seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º É o governo auctorisado para proceder á cobrança dos impostos, e demais rendimentos publicos, respectivos ao anno economico de 1853 a 1854, e a applicar o seu producto ás despezas do estado, correspondentes a esse mesmo anno, segundo o disposto no decreto de 26 de julho de 1852, e mais disposições legislativas em vigor.

Art. 2.º Esta auctorisação durará até ao fim da actual sessão, se antes não fôr approvada pelas côrtes a lei da receita e despeza do estado para o referido anno economico,

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Casa da commissão, 22 de junho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino = Francisco Joaquim Maia, Relator = José Maria do Casal Ribeiro = Visconde da Junqueira — Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos Monteiro.

Este projecto recaiu sobre a seguinte

Proposta de lei. (n.º 56 B.) Senhores: — Sendo reconhecida a impossibilidade de se discutirem em ambas as camaras, nos poucos dias de sessão, que restam do presente mez, os projectos de lei da receita e despeza do estado para o anno economico proximo futuro; e carecendo o governo habilitar-se legalmente para cobrar as rendas publicas, e para lhes dar a devida applicação nos termos da legislação em vigor, em quanto os referidos projectos não forem convertidos em lei; julgo indispensavel sujeitar ao vosso exame e approvação a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.º É o governo auctorisado para proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, respectivos ao anno economico de 1853 a 1851, e a applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes a esse mesmo anno, segundo o disposto no decreto de 26 de julho de 1852, e mais disposições legislativas em vigor.

Art. 2.º Esta auctorisação durará até ao fim da actual sessão, se antes não fôr approvada pelas côrtes a lei da receita e despeza do estado para o referido anno economico.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda, em 22 de junho de 1853. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Carlos Bento (Sobre a ordem): — Peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se dispensa o regimento para se entrar desde já na especialidade.

Foi dispensado — E poz-se á discussão o

Artigo 1.º

O sr. Avila: — Eu já declarei em outra occasião que hei de procurar sempre evitar que o governo tenha pretextos para se constituir em dictadura; e se a camara, não attendendo a que o governo ficava inhabilitado a receber os impostos do 1. de julho em diante, rejeitasse esta lei, o governo poderia julgar-se auctorisado para tomar por si uma medida para continuar a receber os impostos e mais rendimentos, e a applica-los ás despezas correntes. Não só voto por este projecto, mas até não me oppuz a que fosse dispensada a discussão na generalidade; e como só ha 4 dias uteis até 30 deste mez, e este projecto tem ainda de ir á outra camara, ser depois levado á sancção real, e ultimamente publicado no Diario do Governo, para produzir effeito legal, intendo que todos os que desejam sinceramente que o governo se não affaste da marcha constitucional, não podem oppôr-se a este projecto.

Se por ventura não estivesse em discussão o orçamento, eu havia de aproveitar esta occasião para fazer algumas considerações; mas reservo-me para as apresentar na discussão especial do orçamento, por terem ahi todo o cabimento, e é por este motivo que não peço a palavra sobre a generalidade do orçamento.

Para não tomar a palavra segunda vez lembrarei ao sr. ministro da fazenda que a redacção do 2.º artigo como está, póde trazer inconvenientes, porque é preciso não perder de vista que o anno passado se deu ao governo uma auctorisação concedida nos mesmos lermos; mas o governo viu-se nas circumstancias de dissolver a camara, e o resultado foi ler de decretar por si (o que eu desejo que nunca mais se repita) a arrecadação dos impostos. Eu voto o projecto perfeitamente convencido de que o governo ha de evitar este anno por todos os modos a repetição desse facto, facto que não está prevenido na auctorisação que se dá; mas votaria com menos difficuldade uma auctorisação que não offerecesse este inconveniente. Comprehendo a razão porque o sr. ministro apresentou esta limitação: o governo quer dar a camara uma garantia de que quer que se discuta o orçamento; mas no anno passado tambem o governo a quiz dar, e essa garantia não se realisou: portanto ainda que na redacção do artigo eu veja que se teve em vista

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dar uma garantia á camara, póde comtudo dar-se o caso do não poder o governo cumprir essa garantia, e resultarem daqui inconvenientes que seria melhor evitar agora.

O sr. Ministro da fazenda: — r Agradeço ao illustre deputado as suas ponderações, que são prova do modo cavalheiro e franco com que s. ex.ª costuma sempre entrar nos debates, ee um documento dos seus desejos governamentaes que sempre manifesta.

S. ex. preveniu-me em parte quando expoz succintamente quaes os motivos que o governo leve para redigir o artigo 2.º, pela fórma porque se acha redigido, e eu peço licença para observar ao nobre deputado, que o anno passado não aconteceu o mesmo. O governo tinha apresentado a sua redacção, a commissão de fazenda intendeu que não se devia limitar a auctorisação tanto quanto originariamente se pedia, e trouxe por Isso á camara uma outra redacção, no que o governo não teve duvida em concordar. O governo não tem nem a mais leve intenção, não tem a mais remota idéa de que haja qualquer circumstancia que o possa obrigar a suspender as sessões do corpo legislativo; nessa conformidade eu não tive duvida, de accordo com os meus collegas, de trazer á approvação da camara o artigo 2.º redigido da fórma em que está, para poder evitar a menor apprehensão da parte de qualquer sr. deputado, não tendo em vista o governo com este artigo senão dar mais uma garantia ao parlamento, de quaes eram as suas intenções a respeito da duração das sessões do corpo legislativo neste anno. Portanto julgo que não ha inconveniente em a camara approvar o artigo 2.º tal como está redigido. (Apoiados)

E pondo-se logo á votação o

Artigo 1.º — Foi approvado.

Artigo 2.º — Approvado.

Artigo 3.º — Approvado.

O sr. Presidente: — Agora entrasse na primeira parte da ordem do dia, que é a apresentação de projectos de lei.

O sr. Sarmento de Saavedra: — Mando para a mesa o seguinte projecto de lei. (Leu)

Peço que seja impresso no Diario do Governo.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — A commissão de redacção adopta a redacção, do projecto n.º 58, tal qual está no mesmo projecto, por isso o passo a lêr de novo para lhe dar o competente destino. (Leu o)

O sr. Bivar: — Mando para a mesa um projecto de lei, o qual peço que seja impresso no Diario tio Governo: o projecto é o seguinte. (Leu)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, a camara não ignora decerto a difficuldade que ainda continua nesta cidade em quanto ás transacções commerciaes por causa da differença no valor dos metaes: difficuldade que na minha opinião outra causa não tem mais que o não haver o numero sufficiente de trocos, e difficuldade que não existe só entre nós, por quanto ainda não ha muito tempo que no parlamento inglez se manifestou a necessidade que havia de cunhar pequenas moedas de ouro; e se isto acontece em Inglaterra, onde um soberano faz face a qualquer despeza de momento, entre nós torna-se necessariamente mais sensivel a falta de moedas pequenas.

Por consequencia eu vou apresentar á camara um projecto a este respeito, que não passa de ser um expediente para remediar de alguma fórma os embaraços que hoje se dão; não é senão um simples expediente, porque o remedio mais radical para estes inconvenientes está na regularisação do nosso systema monetario; questão importante, da qual espero que este parlamento ainda se ha-de occupar, e estou certo que o governo não perderá de vista um objecto de similhante natureza para o ir estudando, o em tempo competente adoptar aquellas medidas que parecerem mais conducentes a estabelecer um melhor systema monetario entre nós. Este projecto que apresento, tem por fim auctorisar o banco de Portugal a emittir até 50 contos, de notas de 1:000 réis, selladas na junta do credito publico, para que o publico tenha a garantia de que não se emittem mais notas que as auctorisadas por lei; e igualmente auctorisar o mesmo banco de Portugal, a fazer cunhar na casa da moeda até á quantia de 25 contos, de moedas de oiro de 1:000 réis. Ora a vantagem da emissão das notas em quantia menor de 10:000 réis, está demonstrada pelo que se passou quando se emittiram as notas de 1:200, sendo hoje tanto mais necessarias estas notas pequenas de 1:000 réis, quanto que, como todos nós sabemos, os notas do banco de Portugal são de 10:000 e 20:000 réis. Portanto, a este respeito, mando para a mesa um projecto de lei que é o seguinte. (Leu)

Sr. presidente, por occasião da digressão que Suas Magestades fizeram ás provincias do norte, Sua Magestade El-Rei conseguiu que uma associação forte do Porto estivesse disposta a fazer um emprestimo para a construcção da estrada de Lisboa ao Porto; mas infelizmente esse contracto para o emprestimo for annullado, com o fundamento de se ignorar ainda qual seria a directriz do caminho de ferro que devia unir a capital á cidade do Porto; e comquanto não posso deixar do reconhecer, que obstaculos independentes da vontade dos srs. ministros, tem demorado a realisação do projecto do caminho de ferro ao Porto; comtudo, como pela doce esperança de lermos dois caminhos do ferro, não convem que fiquemos sem um palmo de estrada, por isso eu proponho no projecto que vou mandar para a mesa, que desde já se dê principio á construcção da estrada de Lisboa ao Porto, com a somma de 500 contos de réis do fundo de amortisação que o governo deve ter recebido, e que lerá depositado nos cofres do estado, indemnisando este fundo de modo que não prejudique o futuro caminho de ferro. O projecto é o seguinte. (Leu)

Sr. presidente, eu intendo que a prestação de 6 contos de réis, consignada no orçamento para auxilio de um theatro de declamação, não póde só ser destinada á existencia ou conservação do edificio onde ha esse theatro, e á manutenção dos actores, com quanto seja muito respeitavel esta classe; eu intendo que o pensamento deste subsidio, votado pelo parlamento, é um pensamento litterario. A litteratura dramatica já entre nós apresentou symptomas de dias prosperos; mas effectivamente isso desappareceu, e desappareceu porque desappareceram os premios que a promoviam; é preciso portanto protegermos a litteratura dramatica; porque a litteratura de um paiz é parte da sua gloria, e a gloria a garantia mais forte da sua importancia. (Apoiados) Portanto mando para a mesa o seguinte projecto. (Leu)

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Concluindo peço a urgencia destes tres projectos que mando para a mesa, e que sejam impressos no Diario do Governo.

São os seguintes

Projecto de lei: — Artigo 1.º E auctorisado o governo a conceder ao banco de Portugal a faculdade de emittir notas, até á quantia de 50 contos de reis, do valor de 1:000 réis cada uma, pagaveis á vista e ao portador.

Art. 2.º As referidas notas deverão ter um sello da junta do credito publico.

Art. 3.º É concedido ao banco de Portugal a faculdade de fazer cunhar, na casa da moeda, até á quantia de 25 contos de réis, em moeda de oiro, do valor de 1:000 réis cada uma.

Art. 4.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara aos 22 de junho de 1853. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

Julgado urgente, foi admittido, e remetteu-se á commissão de fazenda.

Projecto de lei: — Artigo 1.º São concedidos 2 premios, de 250$000 réis cada um, as duas melhores composições dramaticas, de 5 a 3 actos, uma no genero serio, outra no genero comico, que no futuro anno economico forem representadas no theatro de D. Maria 2., ou no Gymnasio: as quaes reunam á acceitação que tiverem do publico, um relevante merecimento moral e litterario.

Art. 2.º O governo fará o regulamento necessario para a adjudicação destes premios, nomeando as pessoas competentes que della se devem encarregar, e fixando os termos em que deve ser feita.

Art. 3.º No caso de no prazo marcado não apparecerem as duas composições dramaticas com as circumstancias requeridas pelo artigo 1.º, não haverá distribuição de premios. Se apparecer unicamente uma dellas, será distribuido unicamente um premio.

Art. 4.º E effectuada, no subsidio concedido ao theatro de declamação, a reducção de 500 mil réis, para esta verba ser applicada á despeza estabelecida pelo artigo 1.º deste projecto.

Art. 5.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, 22 de junho de 1853. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

Julgado urgente, foi admittido, e remetteu-se á commissão de instrucção publica.

Projecto de lei: — Artigo 1.º O governo mandará proceder immediatamente á construcção da estrada de Lisboa ao Porto.

Art. 2.º O producto da vendados proprios nacionaes, á qual se mandou proceder por decreto de 30 de agosto do anno proximo passado, será applicado, até á quantia de 500 contos de réis, á construcção da mesma estrada.

Art. 3.º Pelo rendimento do imposto das estradas vera subsequentemente restituido este producto, em prestações que não excedam a cincoenta contos de reis annuaes.

Art. 4.º Dar-se-ha principio á referida estrada em diversos lanços, que serão levados a effeito por administração ou de empreitada, como melhor convier ao serviço publico.

Art. 5.º Em igualdade de circumstancias terá preferencia o começo daquelles lanços para os quaes houver donativos de trabalho, carretos ou materiaes.

§ unico. As respectivas auctoridades sollicitação, dos cidadãos ou corporações que os puderem prestar, os mencionados donativos.

Art. 6.º Analogamente será motivo de preferencia para o começo de qualquer lanço, a renuncia devidamente feita pelo proprietario de qualquer direito que lhe assista, por expropriação de propriedade, que a directriz da estrada venha a tornar necessaria.

Art. 7.º Publicar-se-ha mensalmente a relação das despezas effectuadas, mencionando-se com toda a individuação o custo do material, e os vencimentos do pessoal, tanto no que diz respeito a salarios, como a ordenados ou gratificações de quaesquer funccionarios, empregados na obra. Igualmente se fará menção dos donativos effectuados.

Art. 8.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara, 22 de junho de 1853. = O deputado, Carlos Bento da Silva.

Julgado urgente, foi admittido, e remetteu-se á commissão de obras publicas, ouvindo a de fazenda.

O sr. Placido de Abreu: — Mando para a mesa o seguinte projecto de lei. (Leu)

Ficou para segunda leitura.

O sr. Pegado: — Mando para a mesa uni projecto de lei para ser creada na faculdade de direito da universidade de Coimbra uma cadeira de ensino especial de direito e processo administrativo portuguez, e peço que este projecto seja declarado urgente. (Leu)

O sr. Bazilio Alberto: — Peço licença para tambem assignar este projecto.

E o seguinte.

Projecto de lei (n.º 00 A): — Senhores: Ninguem acreditaria, que no actual regimen governativo de Portugal, não haja em todo o reino onde se ensine com o devido e indispensavel desenvolvimento o direito e processo administrativo portuguez — uma cadeira especial — e em que deste objecto se tracte professionalmente.

A faculdade de direito tem por vezes representado sobre este ponto. Melhoramentos ha sobre os quaes se não deve sobrestar, á espera de legislações mais vasias, geraes e completas, não só porque demoradas trazem prejuizos, mas porque são exequiveis independentemente de quaesquer mudanças de legislação em vigor; e toda a despeza que se fizesse com a creação de cadeiras desta ordem, seria largamente compensada pelos resultados. Muito seria para desejar que a cadeira que se propõe, possa inaugurar-se já ao proximo anno lectivo. Os grandes melhoramentos nos gráos superiores do ensino fazem-se parallelamente com os dos graos inferiores. Não preciso fundamentar mais o seguinte

Projecto de lei: — Artigo 1.º Crear-se-ha na faculdade de direito da universidade de Coimbra uma cadeira de ensino especial de direito e processo administrativo portuguez, ficando d'ora em diante a cadeira de direito criminal portuguez e comparado tendo por objecto unicamente o ensino especial deste direito.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos srs. deputados, 23 de junho de 1853. — Guilherme José Antonio Dias Pegados Bazilio Alberto de Sousa Pintos Justino Antonio de Preitos = Augusto Xavier Palmeirim = José Maria do Cazal Ribeiros Francisco Joaquim Maias Francisco José Duarte Nazareth = Rodrigo Nogueira Soares.

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Julgado urgente, foi admittido — E remetteu-se á commissão de instrucção publica.

SEGUNDA PAUTE DA ORDEM DO DIA.

Continua a dicussão na generalidade do projecto n.º 41 (Orçamento da despeza).

O sr. Carlos Bento: — Devo começar por declarar á camara que eu intendo que a discussão da generalidade deste projecto não é uma discussão inutil com quanto reconheça com todos os meus collegas o adiantamento da sessão actual e a existencia de outras circumstancias que nos deviam fazer progredir com toda a celeridade nesta discussão; mas a prova de que existe a necessidade da discussão na generalidade, está na apresentação do luminoso relatorio da commissão de fazenda que precede o orçamento, relatorio que contém um pensamento financeiro, e não haveria occasião de discutir esse relatorio senão na discussão da generalidade do orçamento.

A discussão do orçamento é a discussão do systema financeiro do governo, e em Inglaterra é a occasião de desenvolver o governo com todos os esclarecimentos que póde apresentar, qual tem sido e qual é o seu systema financeiro; e isto é tanto assim que todos os ministros da fazenda em Inglaterra acompanham a apresentação do orçamento de um discurso enorme.

Com quanto nesta discussão falle o relatorio do sr. ministro da fazenda, devo fazer justiça á brevidade com que s. ex.ª apresentou á camara não só o orçamento, como algumas contas relativas ao ministerio a seu cargo, ainda que intendo (e isso não é culpa de s. ex.ª, mas effeito de circumstancias que s. ex. herdou) que essas contas não pódem satisfazer a quem quizer vêr um rigor de contabilidade, porque entre nós não ha contabilidade perfeita apezar de termos começado pelo tribunal de contas: nós principiamos qualquer edificação sempre pela parte superior do edificio; fazemos o edificio, e depois é que nos lembrâmos dos alicerces. Não foi bom ter principiado pelo tribunal de contas, seria melhor começar pela contabilidade, que não se póde julgar estabelecida entre nós.

Alas o relatorio do sr. ministro da fazenda era necessario para a discussão do orçamento, porque no orçamento se affirmam diversas cousas que era necessario provar. A principal asserção que acompanha o orçamento, é que o deficit desappareceu, e foi esta uma noticia que não podia deixar de ser recebida com a maior satisfação; mas infelizmente esta noticia, á força de ter sido repetida, constitue um boato financeiro que não merece grande credito, e até já a commissão de fazenda fez desapparecer esta bella illusão — da extincção do deficit — infelizmente ha deficit, mas a commissão dá-lhe um nome mais amavel, chama-lhe divida fluctuante e ou seja divida fluctuante, ou se lhe dê o nome feio de deficit, lealmente existe um desequilibrio entre a receita e a despeza. E, em circumstancias ordinarias, um desequilibrio no orçamento não tem a gravidade que tem nas actuaes circumstancias, porque medidas importantes, e que feriram interesses que se podiam considerar legitimos, foram tomadas pelo governo com o fim de conseguir o equilibrio do orçamento, e desde que não se verifica esta circunstancia não se póde

dizer que o systema financeiro é o mais conveniente: por consequencia não ha equilibrio, apezar de se terem tomado medidas vigorosas, fortes e energicas, para se conseguir este fim. E ha mais alguma cousa, ha antecipações; e portanto a inutilisação de uma outra medida, que tambem affectou interesses importantes — a do decreto de 3 de dezembro; — apezar desse decreto as anticipações continuam, e não só continuam, mas crescem, porque pelos esclarecimentos publicados no Diario do Governo, vê-se que a nossa divida fluctuante é superior a 600 contos, que essa divida cresce todos os dias, e que a differença do mez de abril para o mez de maio foi de 30 contos.

De maneira nenhuma pretendo fazer sobre este ponto observações acaloradas; mas, sr. presidente, todos nós em boa paz devemos examinar estas questões, que são questões de cifras, não são questões de pessoas e as discussões subsistem entre as pessoas ligadas pelas relações mais intimas. Eu, sr. presidente, que sei as difficuldades em que se acham os srs. ministros, de certo não ambiciono substituil-os. Eu intendo que a administração nas circumstancias em que se acha, está cercada de grandes difficuldades, tem uma infinidade de questões a resolver, por consequencia não supponho que seja para ambicionar o logar que occupam os srs. ministros; mas se reconheço que existem essas difficuldades e de bastante monta, não posso deixar de reconhecer que ellas são o resultado de medidas adoptadas sem nenhuma reflexão, medidas que esta camara já approvou. Nem eu quero para mim a consideração de ter sido muito sagaz na apreciação desta circumstancia; e possivel que collocado na mesma situação em que se acharam os srs. ministros, commettesse não só os mesmos erros, mas muito maiores; mas se a experiencia é alguma cousa util, se não queremos converter a experiencia n'uma inutilidade, não podemos deixar de reconhecer que as medidas que se adoptaram, não eram as convenientes, e tanto não eram, que o actual ministerio mesmo (e nisso não posso deixar de concordar) parece-me que tracta de resolver algumas das questões resultado dessas medidas, por meio de negociações, isto quer dizer, que não está convencido da efficacia das medidas que empregou.

Sr. presidente, a illustre commissão apresenta um relatorio e nesse relatorio diz-nos — que o progresso, o fomento (e devo confessai a v. ex. que não gosto da palavra) constitue o fim do actual orçamento; que tractou de fazer um orçamento productivo.

Eu, sr. presidente, por esta occasião, seguindo a generalidade do debate, não posso deixar de chamar a questão a um terreno a que eu intendo que ella deve ser trazida, isto é, a um terreno de explicações e definição, desta invocação de productibilidade de orçamento. Eu não sei bem o que é orçamento productivo e orçamento improductivo. Eu supponho que o orçamento é productivo; (Apoiados) a parte improductiva do orçamento não é um erro de systema, é um acto de responsabilidade do parlamento que a vota. Todas as partes do orçamento são productivas; póde ser que sejam desigualmente productivas, mas não se diga que ha partes productivas do orçamento para as quaes devemos encaminhar toda a nossa attenção, porque então desta fórma devemos desprezar todas as outras partes do orçamento.

Eu chamo a attenção da camara sobre esta ques-

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ão, porque intendida de uma certa maneira conduz-nos a glandes erros e a grandes inconvenientes. Esta questão de productibilidade do orçamento intendida da maneira abstracta, porque algumas escólas a intendem, conduz-nos ao resultado de que tudo o que exceder os limites em que se queria contrair essa idéa de productibilidade do orçamento, deve ser despresado, e até certo ponto é desprezado. Por exemplo, eu leio fomento em quasi todos os documentos que se nos apresentam; e por fomento intende-se, O que? Estradas principalmente, instrucção superior, e instrucção superior a respeito de certos ramos etc, e ainda não vi em nenhum desses documentos fallar-se em segurança publica. Dir-se-ha — subintende-se —; não é tanto assim, ha um perigo grave em nos occuparmos determinadamente de certos objectos com desprezo ou esquecimento dos outros. A segurança publica anda eclypsada pela instrucção superior especial; pois, sr. presidente, sem segurança publica póde o ensino especial esforçar-se em dar as lições mais intelligentes e mais practicas, que não consegue nada. A segurança publica é o primeiro dever de um governo; a existencia da segurança publica é a primeira justificação de um governo e ha um economista distincto, aproximando-se consideravelmente das opiniões de um socialista, o unico dos socialistas que é logico porque não quer governo, que intende, que o governo não deve existir senão para dar segurança e nada mais; não quer que. o governo se occupe de mais nada, e a fallar a verdade a experiencia tem mostrado, que o governo que se occupa de muitas cousas, não se occupa bem de cada uma dellas.

Sr. presidente, eu intendo que a segurança publica no nosso paiz não é a mais satisfactoria possivel, e chamo a attenção do governo sobre este ponto importante. Nós sabemos que o nosso paiz não goza de segurança publica ha muito tempo; ella tem sido objecto de continuas interpellações nesta camara, muitas vezes se tem fallado em segurança publica, mas essas interpellações, as vozes que se tem levantado no parlamento, não tem conseguido fazer desapparecer nenhum desses crimes que se tem apresentado com as circumstancias mais graves, fazendo apparecer a punição.

Eu não tracto de analysar a época actual; eu trado de fazer a historia de um largo espaço. Temos visto assassinar juizes em differentes comarcas, e onde está a punição dos individuos que attentaram contra aquelles que deviam ser encarregados de velar pela segurança do estado? Os criminosos tem vivido impunemente; nós temos tido a Córsega no paiz, o stiletlo tem dominado, e nesta ultima época de certo aquelles que pedem todos os dias novas medidas, que pedem ao governo o que o governo, não póde fazer, não vejo que tenham dirigido muito a attenção, publica para essa circumstancia a principal a do governo. Eu sei que á attenção do governo, não escapa um objecto de tamanha importancia; mas note a camara — quando a opinião publica determina os actos dos srs. ministros, desde que em nome da opinião publica todos, os dias se reclama dos srs. ministros a adopção de certas medidas para fins determinados, esquecendo-se a segurança publica, os srs. ministros têem-se em má posição, e não podem deixar de attender mais áquellas exigencias que se fazem em nome da opinião publica.

É preciso pois que alguem se levante no pai lamento, e fuça lembrar aos srs. ministros que a segurança publica não offerece realmente um estado satisfactorio. E por esta, ocasião direi, que não ache nada tão productivo cimo o exercito, intenda-se bem, os soldados. Em um paiz onde se dão circumstancias extraordinarias como ha entre nós, n'um paiz onde ha locaes em que se assassina constantemente, onde ha familias que se sabe que reciprocamente se destroem em publico, o onde o castigo não accompanha a punição de crimes desta ordem, não ha senão um unico meio de segurança naquelles districtos em que isso acontece, todas as auctoridades o pedem, e é a occupação por força militar em differentes pontos. Ora diz-se e muito bem, e isto tem relação com o! castigo dos criminosos — que é melhor que sejam absolvidos cem criminosos do que condemnado um innocente — Isto é verdade, é um axioma que não póde soffrer, contestação; mas eu tambem não quero a impunidade dos criminosos; porque isso é o maior flagello dos innocentes, e direi mais, é a demonstração da dissolução da sociedade, porque se a sociedade não podesse manter a segurança publica, a vida e a propriedade eram uma inutilidade.

Eu peço á camara perdão de alguma divagação neste ponto e mesmo de ter dicto alguma trivialidade; não se tendo fallado em segurança publica, eu vejo-me reduzido ao papel de dizer trivialidades; mas ao menos tenho a consolação de vêr que ellas não são dietas por mais ninguem. Talvez isto tome o logar de paradoxo; não o é, são considerações que eu julgo, necessarias e que devem despertar a attenção e os cuidados dos representantes da nação; e por isso eu chamo a attenção dos srs. ministros para lhes lembrar que a primeiro, cousa que têem obrigação de dar ao, paiz é segurança, como elemento o mais producto de prosperidade; ácerca do que, um economista distincto estabelece um principio, por ninguem contestado, que a prosperidade das nações está na., ordem directa das medidas a favor da segurança publica, isto é que a prosperidade é tanto maior, quanto a segurança publica é mais efficaz. Digo pois que os paizes, onde a protecção; é mais forte, aí ha maior gráo de prosperidade: estão nesta ordem os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a Allemanha, e talvez a India.

A segurança é indispensavel que mereça toda a nossa attenção; a segurança é dos grandes elementos da nossa civilisação. E por esta occasião direi tambem outra trivialidade, digo-a porque não, pertenço, a nenhufiii partido nesta camara. E muito bom o ser exclusivamente dos partidos; porque os individuos que são, exclusivamente dos partidos, são promovidos! com muita facilidade nas escalas das eventualidades; mas a Inglaterra está muito prospera, e a razão deste estado de prosperidade vem de haver 200 annos que não ha em Inglaterra situações provisorias. Eu posso fallar nestas cousas sem perigo de que se aproveitem, as minhas opiniões para me censurar por ellas. Todos I nós lemos leito revoluções, e é difficil o discriminar quando nos acharemos em estado de mais não as fazer.

Tambem não sou de opinião, que se possa tirar grande proveito do augmento de despeza, feita com algumas creações que se pertenderam estabelecer. O instituto agricola, por exemplo, com quanto seja eu o primeiro a prestar homenagem ás idéas de desen-

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volvimento e prosperidade, que se tiveram em vista na sua creação, não me parece, que no estado e circumstancias em que nos achamos, quando se impozeram sacrificios pezados aos credores do estado n'uma escala tão ampla, fosse essa a occasião mais propria de o estabelecer, principalmente, não se mostrando uma razão de urgencia tal, que justifique a necessidade da sua verba no orçamento.

E muito bom pedir com enthusiasmo o desenvolvimento do commercio e da industria, mas tambem é indispensavel pensar nos meios mais efficazes para se conseguir este fim: ninguem porá em duvida, que nós que pertencemos a esta terra, hajamos de ler os melhores desejos, de que se dêem a este paiz excellentes instituições, mas os desejos, que são incontestaveis em todos nós, não bastam para se adquirirem os meios de realisar essas vantagens.

Intendo pois, que não devem ser approvadas e sim adiadas essas creações, umas por inuteis, e outras por importarem sommas avultadas. Já trouxe para exemplo o ensino superior agricola e industrial, pensamento tão distincto e civilisador; mas bastava a circumstancia de se adoptar aquella escóla na occasião em que se destruia em França, bastava esta circumstancia para se reflectir um pouco, em que nós devemos adiar certas questões.

Eu intendo, por exemplo, que havia necessidade de crear um ministerio de obras publicas com os recursos do nosso thesouro, mas intendo, que aquillo que se tem resolvido a respeito do ministerio de obras publicas como organisação, em bem da economia poderia deixar de ter logar. E sabido, que o ministerio das obras publicas tem chamado para si a administração dos correios, bem como a das mattas e pinhaes que têem pertencido a outros ministerios: daqui tem resultado o seguinte, que o pessoal dos outros ministerios não diminuiu, e no ministerio creado de novo deve augmentar. Mas diz-se — que é mais regular e mais symmetrico o ministerio organisado desta fórma — porém eu sacrificai ia, neste caso, a symmetria a uma economia; tanto mais, que por continuar a pertencer a repartição do correio ao ministerio dos negocios estrangeiros, isto não obstou a que se fizessem todas as reformas e melhoramentos naquelle ramo de serviço publico. Digo mais, que me parece conveniente, que certas repartições antigamente sob a direcção de outros ministerios, e que hoje estão no das obras publicas, voltassem aos antigos ministerios; por que assim mais depressa se poderia porporcionar a occasião para diminuir o pessoal naquelles ministerios.

Se eu quizesse percorrer todos os differentes ramos de serviço, talvez chegasse a demonstrar, que o pensamento economico podia levar-se mais longe do que se levou; podia demonstrar, que na maior parte dos ministerios estabeleceu-se uma alternativa — ou gastamos muito, ou muito pouco. E isto exactamente o que acontece nos diversos ministerios aonde existem arsenaes, porque ahi não está em harmonia o que -gastamos com o material e o pessoal; ou havemos de augmentar o material, ou havemos de diminuir o pessoal fazendo sangue. O sr. ministro da marinha já declarou, que não queria que se fizesse sangue; até certo ponto estou de accôrdo com s. ex.ª; mas a verdade é, que nas circumstancias actuaes, ou gastamos muito, ou muito pouco, isto é, gastamos muito -para a possibilidade do nosso orçamento, ou gastarmos pouco para as necessidades da nossa situação.

Estando pois a questão reduzida a estes termos, parece-me que, com quanto preste homenagem aos membros da illustre commissão de fazenda, não posso, comtudo, deixar de dizer, que na presença dos fortes desejos que se mostraram para se realisarem algumas economias, a commissão viu-se obrigada a contrahir-se áquellas esperanças que tiveram todas as outras commissões suas antecessoras, e vem a ser — a morte dos empregados. Todas as commissões anteriores contavam com esta probabilidade das economias resultantes da mortalidade dos servidores do estado: comtudo a tenacidade da parte delles contra este tributo de humanidade, é tal, que os faz resistir a estes fortes desejos manifestados pelas commissões; o orçamento não é tão insalubre para algumas classes, que faça com que se verifique esta circumstancia com aquella promptidão que os calculos financeiros tem exigido. Ora estes calculos a respeito da mortalidade dos empregados publicos, que persistem em viver apesar das necessidades do orçamento, tenho eu visto apresentar por todas as commissões do orçamento; e por isso, repito, que este calculo da mortalidade não é um recurso efficaz para se poder contar com economias.

Eu desejava que o sr. ministro da fazenda nos esclarecesse sobre alguns pontos, que não se acham bem claros no orçamento, e para a explicação dos quaes faz falla a apresentação do seu relatorio. Parece-me, por exemplo, que seria facil demonstrar que o calculo que se faz a respeito do producto do rendimento para a amortisação das notas, não é exacto; e tanto isto é assim, que no penultimo orçamento que veiu a camara, já vinha reduzido o calculo deste imposto, porque tendo diminuido a quantidade das notas, O seu rendimento havia de diminuir tambem; porém o orçamento actual guarda a este respeito um silencio altamente significativo. Desejava, pois, que o sr. ministro nos dissesse, qual o motivo porque este calculo em logar de diminuir, augmentou; sem que s. ex.ª explique este ponto, não posso saber o motivo deste fenómeno, porque me fallam os esclarecimentos necessarios.

Pedia tambem ao sr. ministro, caso que seja possivel, que mandasse imprimir no Diario do Governo, o quanto se recebe das contribuições directas nos diversos cofres dos districtos, a fim de que em vista dessas estatisticas nos podessemos habilitar para conhecer as alterações que ha a fazer no nosso systema de contribuições directas; porque, na minha opinião, uma das primeiras necessidades do serviço publico quanto a contribuições é ver se se podem aproximar mais os prazos em que se recebem estes rendimentos; (Apoiados) isto é mais urgente que a transformação do imposto, principalmente não tendo elle sido precedido de todos os estudos necessarios. Eu intendo que se se podesse realisar a entrada do rendimento das contribuições directas nos cofres do estado, n'um prazo menor do que aquelle que actualmente tem logar, prestava-se um grande serviço á fazenda publica. Estou convencido que, não direi com relação ás provincias, mas com relação a Lisboa e Porto, este prazo podia abbreviar-se sem grandes inconvenientes para os contribuintes, e com reconhecida vantagem para o estado. Todos sabem que em França as entregas destas contribuições são feitas aos mezes; e nós podiamos aproximar-nos deste systema.

N'uma palavra, intendo que o orçamento actual

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contém algumas despezas que se podem e devem eliminar; e intendo sobre tudo que elle deve ser refundido. A necessidade de se refundir o orçamento é inquestionavel: deve haver um pensamento de unidade que presida á confecção de um outro orçamento. Quando uma nação grande e poderosa como a Inglaterra, que tem um orçamento em que avulta a somma de 5 milhões de libras esterlinas de saldo, nação que tem grandes recursos para acudir a grandes despezas, procura todos os meios para as reduzir; quando ultimamente em França se deu o equilibrio entre a receita e despeza, tanto quanto é possivel acreditar neste equilibrio, não sei qual ha de ser o motivo porque nós não havemos fazer da nossa parte para chegarmos tambem a ler um dia esse equilibrio, eliminando desde já do orçamento muitas verbas que são desnecessarias e improductivas, e que nenhuma razão justifica! Pois se a Inglaterra que tem um grande saldo, a Inglaterra que tem um grande excesso de receita sobre a sua despeza, procura reduzir os seus gastos, qual ha de ser a razão porque, nós que não temos receita para a despeza, não havemos tambem de fazer todos os esforços para que as nossas despezas se limitem ao que é pura e strictamente indispensavel?

Será esta a occasião de fallar em credito? Outra trivialidade sobre a qual faria breves considerações, senão fosse o receio de fatigar a camara. Mas a illustre commissão de fazenda offereceu um texto para dizer algumas palavras a este respeito. A commissão de fazenda é a primeira a reconhecer a insufficiencia do imposto para as estradas. É ella a primeira que no seu relatorio vem dizer a esta camara que o producto do imposto das estradas estabelecido pela lei de 22 de julho, é um imposto que apenas está orçado em 203 contos, e que, com um imposto tão pequeno e insufficiente o inteiramente impossivel satisfazer ás necessidades da viação publica que o paiz tanto reclama. A commissão, sr. presidente, faz mais: aconselha o governo que recorra a um emprestimo tomando por base o rendimento deste imposto. E pergunto eu, será isto uma cousa indifferente? Será isto um objecto de pouca consideração? Pois quando o governo é accusado de fallar á fé dos contractos, é que a commissão julga possivel o levantamento de um emprestimo para a feitura das estradas? Não me parece que seja esta a occasião mais propria para se aconselhar o governo a que faça um emprestimo sobre os rendimentos.

E por esta occasião direi ainda duas palavras: quando tractamos das questões segundo a facilidade com que ellas se apresentam á nossa imaginação, e não da maneira porque o nosso espirito o poderia fazer n'um momento de reflexão, o que acontece, é que nem apresentamos o sentido do nosso pensamento, nem nos encaminhamos áquillo a que nos queremos dirigir.

Tenho por mais de nina vez ouvido fallar nesta camara em dar instrucção e em crear aulas, mas ainda não ouvi fallar em uma questão de ensino especial superior que deve merecer toda a consideração: fallo da engenheria civil, ramo summamente importante do ensino especial. Pois pergunto eu, está por ventura organisado entre nós este ramo importante do ensino especial? Será elle de ião pouca consideração que lembrando-nos de todos os outros ramos do ensino publico devamos deixar este em esquecimento?

Termino pois, sr. presidente, para não cansar a camara, dizendo, que me parece necessario reconstruir o orçamento; é necessario adiar algumas despezas que figuram no orçamento, não só porque uma necessidade imperiosa as não exige, como tambem por que a situação em que nos achamos, é má: quero dizer, ha summa difficuldade em acudir ás despezas que pezam sobre o thesouro, difficuldade que em grande parte provém de algumas medidas adoptadas pelo sr. ministro da fazenda, porque s. ex.ª ha-de ser o primeiro a confessar que muitas das suas medidas não produziram os fins que se tinha em vista. Parece-me que o illustre ministro se não offenderá que eu diga isto, porque eu intendo que é minha obrigação declarar aquillo que sinto. E peço á camara me desculpe se abusei da sua benevolencia.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, ha oradores que oram, outros que argumentam, e outros que aconselham; a nossa terra, pois, e o governo do estado, precisa menos de logica e do rethorica, do que de conselhos de homens practicos, de homens que tem inteiro conhecimento dos negocios do estado; de homens com aspirações grandes, com dedicação profunda, e que estão muitissimo ao facto, da maneira porque se governam os povos mais adiantados, e que mais avante marcham na carreira da civilisação. Esta discussão, portanto, sr. presidente, é muito esperançosa, porque á rethorica substituiu-se o conselho sisudo, reflectido e auctorisado.

Sr. presidente, eu nas poucas observações que farei sobre este assumpto, tractarei de pôr a voz e o discurso no systema de debate, que o illustre deputado nosso collega que acabou de fallar, estabeleceu. Primeiro que tudo não posso deixar de tirar a comparação a respeito, do que se póde chamar uma reforma interna do parlamento; não podemos deixar de saudar a discussão do orçamento, posto que com o unico reparo de vir tão tarde; porque o fenomeno não é d'agora; em todos os parlamentos, sob a influencia de todos os partidos, entrando mesmo aquelles, quando a carta estava no seu maior apogeu, quando todos os conselheiros da corôa se tinham empenhado na defeza della, e a tinham no coração, apezar disso os orçamentos eram discutidos da mesma fórma que agora, sempre se apresentaram tarde á discussão; nunca a discussão do orçamento se apresentou no tempo marcado. (O sr. Avila: — Está enganado) Estou enganado? Não estou de certo: repito, desde que ha systema representativo neste paiz, nunca o orçamento occupou em primeiro logar a attenção das casas parlamentares; quasi nunca se discutiu e votou o orçamento senão ao acabar das sessões legislativas. Este fenómeno deu-se com a influencia de diversos partidos, e na governação de diversos ministerios.

Ora, sr. presidente, o que é a discussão na generalidade do orçamento, como ella se apresenta pela primeira vez entre nós, e com a solemnidade que tem tomado? Não é só o exame do systema financeiro do governo, é o exame de todo o seu systema administrativo e politico: e o illustre deputado que considerou daquelle modo o systema geral do orçamento, contrariou-o na practica, porque divagou por lodosos ramos da administração publica.,

Sr. presidente, esta discussão é um verdadeiro pleonasmo: ou esta ou a resposta ao discurso da Corôa. Aqui discute-se hoje, o que se discutiu na resposta ao discurso da Corôa. Nenhuma questão ha, nem po-

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litica nem administrativa, que se não traduza em cifras, ou mais ou menos: os illustres deputados não podem deixar de acceitar este facto, e de reconhecer que todas as questões politicas e administrativas não se tractam senão no orçamento, porque o orçamento não é senão a exposição por algarismos de todos os interesses sociaes, de todas as verbas de despeza que se gastam nesses interesses sociaes: e não ha systema de governo qualquer, que se não traduza no orçamento, numa verba da despeza, maior ou menor; não ha questão nenhuma politica ou administrativa, que se não tracte convenientemente na discussão do orçamento.

Sr. presidente, folguei de vêr que o systema financeiro foi atacado area a area: vimos levantar o athleta a tomar o systema financeiro nas suas grandes linhas, consideral-o na receita e despeza, nas suas applicações mais minuciosas; lançar uma analyse profunda sobre todo o nosso systema de tributos, comparar o nosso estado de viver com o modo de viver dos povos mais civilisados, e lançar por terra o systema de fazenda e orçamento que existe actualmente, porque no orçamento ha deficit e ainda ha antecipações. Felizmente o nobre deputado acabou por dizer, que este deficit de que tanto nos atterramos, e de que sempre se faz um argumento decisivo, sobre a má organisação da fazenda publica, é pouco mais ou menos um mal endémico, que existe até nos paizes, que tem as suas finanças mais bem organisadas, Todavia a asserção do illustre deputado precisa uma rectificação solemne; e eu espero que a illustre commissão de fazenda e o sr. ministro a reduzam ao seu verdadeiro valor.

Sr. presidente, um dos bens da regeneração, cm meu conceito, foi, o de retirar das discussões a palavra antecipações. E palavra, que vejo ressuscitar na camara: depois da regeneração nunca nunca mais se fallou em antecipações senão agora. Todos os illustres deputados, que se tem sentado n'este lado da camara, podem dar noticia das grandes batalhas que se travaram sempre em volta desta frase. Quantas vezes a opposição combateu com força e energia para tirar das discussões este principio das antecipações? Quantas vezes o parlamento votou, que não houvesse mais antecipações! Quantas vezes os ministros protestaram que nunca mais antecipariam! Nesta palavra resumem-se todas as esperanças dos ministerios que tem succedido, e de todos os que pediam, que ella se retirasse das discussões parlamentares.

Ora, sr. presidente, se estas antecipações são reaes e verdadeiras, se é o consumo das receitas do estado por meio de transacções nocivas ao paiz, se é o completo desbarate da fazenda publica, se é a receita de um anno contractada para não poder ser applicada á despeza desse mesmo anno, digo, que a fazenda publica está em mau estado; mas se não ha antecipações mais do que as das receitas do anno para o pagamento das despezas desse anno, então digo, que nada ha que censurar, eternos um grande adiantamento financeiro.

Sr. presidente, pela minha parte, digo com franqueza, não tracto senão do systema de governo, e por isso sem me prestar a nenhuma especie de concerto politico, que o meu comportamento, os meus habitos, caminha maneira de viver repelle, direi francamente, que o actual systema de governo me parece melhor, que o do que o precedeu: o meu voto e para um systema de governo; este parece-me o melhor: se apparecer ainda melhor voto por elle, e direi que ao principio do discurso do illustre deputado que acabou de fallar, estive vendo que leria de sacrificar as minhas affeições pelos srs. ministros, e as minhas considerações em favor de outro, ao systema mais luminoso, mais esperançoso, que aquelle discurso me impunha o dever de esperar; porque o talento impõe deveres e graves.

Quando um homem se levanta n'um parlamento para notar os defeitos de um systema de governo, e riscar outro, quando vai consubstanciar-se numa maioria para continuar no futuro o apoio que actualmente dá ao governo, é preciso que nos diga qual o systema que apresenta, o futuro que nos espera, e quaes os principios porque quer governar esta nação; mas, sr. presidente, nada achei, e se achasse alguma cousa mais do que ha, já me tinha eu passado, já o meu voto era de opposição. Ainda esperaremos neste debate as luminosas observações dos ministros que teem gerido a fazenda publica, e cuja voz já temos ouvido nestes negocio, e que tem direito a ler uma opinião auctorisada.

Sr. presidente, o que nos disseram, e o que nos prometteram? Economias. Eu, sr. presidente, não estremeço de pronunciar a minha opinião franca e sincera sobre esta frase que por tanto tempo foi a regra de um partido, que por tanto tempo foi a inscripção mais sympathica desse partido, e que foi tomada successivamente por todos os partidos, podendo já dizer que a applicação desse principio tem dado todos os resultados que póde dar. Eu quero todas as economias possiveis e realisaveis; voto por todos os orçamentos que as apresentem, mas devo dizer que não é este o meu orçamento, e que se governasse não apresentava similhante orçamento, nem o meu partido politico distribuiria as despezas como estão nelle destribuidas. O meu orçamento como eu o votaria, talvez ninguem nesta camara o votasse.

Sr. presidente, eu quizera interrogara todos os nobres partidarios das economias geraes, determinadamente, sobre quaes os pontos em que elles haviam de lançar o escapello, quaes haviam de ser as substracções e reducções que tiravam do orçamento? No exercito já vimos que o illustre deputado não promette reducção, porque nos disse que era a despeza mais productiva...

O sr. Carlos Bento: — Os soldados.

O Orador: — Os soldados são a despeza mais productiva que ha.

Essa é aquella de que mais facilmente nos podemos desembaraçar, porque ámanhã póde fazer-se uma lei que reduza o exercito a 6 mil homens; essa lei é festejada com applausos dentro dos quarteis, o os soldados voltam ao grangeio das suas terras, aos trabalhos productivos, e o paiz não soffre nada com isso senão na segurança. Mas o illustre deputado que é um homem ião cordato, que tem idéas tão consiliadoras, e que é inimigo de opiniões exaggeradas, que ha de fazer o illustre deputado a numerosissimas classes recommendadas por distinctos serviços, outras pelo cansaço das nossas lides revolucionarias e militares, outras por terem encanecido nas repartições publicas fazendo sempre serviço; ha de fazer de tantos empregados que tem manuseado grossos cabedaes a troco de ordenados mesquinhos e insignificantissimos, n'uma palavra, que ha de fazer o illustre deputado a tantas classes? — Esta é que é a questão — (Uns

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Interpellam os ministros que são, outros interpellam os que hão-de ser) — O que ha de fazer o illustre deputado ás classes secundarias, aos sacrificados ao seu systema, em uma palavra, a tantissimas classes que gastam tão grossas sommas no orçamento? Pela minha parte se se dissesse por ordem ou por decreto passado por quantas chancellarias se quizer, com todas as sancções legaes — desde o dia tal ficam inhibidas de vencerem tanto todas estas classes. Declaro que não tinha forças para approvar similhante decreto; não posso votar por elle, porque não sou feito para tal atrevimento, nem para tal sacrificio.

Eu não faço uma questão escolar sobre esta distincção de emprego productivo ou não productivo, e sinto que um homem tão esclarecido como o illustre deputado architecto theorias sobre systemas de governo, e venha dar prelhecções ácerca de emprego productivo e não productivo; distincção que não ha na frase do economista, porque não ha senão trabalho productivo e improductivo, e que consiste na proporção em que são empregados esses trabalhos productivos, ou improductivos, como por exemplo, no nosso orçamento dá-se uma grande somma de contos de réis a amanuenses de 1.ª e 2.ª classe que não produzem senão portarias; se se pagar a mais empregados do que aquelles que são necessarios para fazer esse serviço, este trabalho é improductivo.

Do mesmo modo se se der para a instrucção superior o desenvolvimento que ella não precisa, se se repartirem umas poucas de cadeiras por urnas poucas de provincias, augmentando o numero de mestres, de maneira que venha a haver para cada mestre 3 ou 4 discipulos, está claro que a instrucção publica que é essencialmente productiva, torna-se improductiva.

Sr. presidente, no exercito o que faz um soldado? Faz guardas, sentinellas ao banco, no Terreiro do Paço, etc. Quando um soldado anda de ordenança atraz do commandante em chefe, ou do ajudante do commandante em chefe, todo este serviço póde ser productivo, e se não é productivo é porque póde não ser necessario; mas uma ordenança atraz de um general que anda a commandar uma acção, essa é productiva. Agora quando por exemplo atravessamos Lisboa, e ouvimos gritar — a sentinella álerta — e mais ao longe — «alerta está» — é claro que este serviço é improductivo porque não havia necessidade nenhuma de sujeitar estas sentinellas a todos os defluxos, que apanham por estarem de bocca aberta a dar estes berros que atormentam os ouvidos, e que n'uma cidade pacifica como esta são bem dispensados.

Portanto sr. presidente, não ha esta distincção de emprego productivo e não productivo: é perfeitamente frivola. Temos trabalho improductivo todas as vezes que em todos os serviços não ha a proporção que deve haver; se ha empregados só naquellas partes em que os deve haver, se nós lemos só aquelles que precisamos, o orçamento está completo; mas se lemos mais do que é preciso, se falla n'uma parte e abunda noutra, nesta desproporção é que está a improductibilidade de serviço.

Sr. presidente, o ministerio das obras publicas é arguido de um grande fausto, de um grande luxo administrativo, como uma cousa absolutamente desnecessaria! Sr. presidente, para o defender da maneira como está organisado, peço licença á camara para lêr as rubricas dos capitulos de que elle se compõe. (Leu)

Não sei porque vem aqui o ultimo capitulo — Despezas das ilhas adjacentes — quando se ligam as despezas das ilhas adjacentes com as do reino, quando consideradas como uma provincia do continente a respeito delle e dellas, fazemos um orçamento em globo, que quer dizer despezas das ilhas? Estando ellas incorporadas no continente do reino, vir esta verba em separado, parece-me uma irregularidade que deve acabar, excepto se esta verba em separado não é um certo protesto permanente para conservarem sempre o seu orçamento separado: isto póde tambem ser. (Uma voz: — E uma irregularidade do orçamento.)

Ora, sr. presidente, aqui não ha nada que não sirva para cousas uteis e productivas, aqui é tudo productivo no sentido dos mais escrupulosos economistas, é para as obras publicas, o para os caminhos de ferro, para trabalhos geodesicos e cadastraes, para estabelecimentos de instrucção, para pinhaes e mattas, e para o correio geral.

Sr. presidente, porque motivo se não haviam de agrupar todos estes serviços, que todos se derivam de um certo intuito economico, que todos teem uma certa relação, que todos pertencem a uma certa providencia administrativa? Em outro tempo ordenou-se que os correios estivessem na secretaria dos negocios estrangeiros, quer dizer, que os nossos meios de communicação estivessem na cousa que neste paiz anda menos, que é a diplomacia. (Riso) E em outro tempo os correios estavam na repartição diplomatica: por que? Porque o serviço dos correios era principalmente o caminho daqui para Hespanha; as postas estavam estabelecidas simplesmente para esse ramo de serviço, e não se concebia outra cousa, isto de se corresponder a gente, em commercio, ou em trocar os seus affectos, os seus pensamentos, era nada para o governo desse tempo, era tudo o ir a toda a pressa para a côrte de Madrid, e para isso é que estava uma posta estabelecida para lá; os correios não eram correios do reino, eram correios da diplomacia; mas agora que não são da diplomacia, porque não consente o illustre deputado que se juntem aqui com os pinhaes, caminhos de ferro, trabalhos geodesicos, em uma palavra, com toda esta ordem de cousas que conspira para se andar depressa, trabalhar depressa, viver com actividade, communicar com rapidez O que se quer?

Sr. presidente, diz-se: «o systema financeiro do governo foi todo destruido e acabado, porque o governo, declara elle mesmo, que não póde ir avante esse systema; é um systema julgado, que deu de si os mais deploraveis resultados, e não me parece que elle seja mais conveniente ao meu paiz; é preciso outro.» E em que se fundam estas asserções? Em que o governo negoceia, a Se negoceia,» diz-se «elle mesmo desconfia da efficacia das suas medidas.» Ora, sr. presidente, pois então o credito que o illustre deputado julga que ha-de salvar este paiz, o credito que elle julga que é o unico recurso para nos tirar destes apuros, leva o illustre deputado a mal que o governo o procure por meio de negociações? Supponhamos que o governo tinha sido duro e severo comesse credito, não deve o illustre deputado congratular-se de elle ler agora reconsiderado um pouco as suas opiniões, e procurado abraçar-se com esse grande

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principio, de que o mesmo illustre deputado diz que podem resultar todos Os beneficios para o estado?

Eu não sei o que o governo negoceia, mas se o illustre deputado se refere ás negociações do banco, ás proposições ou cousas do banco, o que lhe digo e que não se tracta de revogar nenhuma lei, o que se tracta é, na situação em que o banco ficou por virtude dessas íeis, compelli-lo por todos os meios a que satisfaça ás indicações de credito para que elle foi creado: isto não é negociar a revogação das leis, é continuar a desenvolver o systema em que uma vez se entrou; e se o governo retrogradasse nesse systema, creia o illustre deputado que a situação da camara não podia ser a mesma: eu declaro abertamente que o meu apoio ao governo prende essencialmente com as medidas altamente illustradas que elle tem tomado para destruir nesta terra o falso credito, que se não resolve nem resigna a ser o credito commum, que reage contra todas as medidas de utilidade publica, que se quer metter em duello com todos os poderes do estado, usurpando as fortunas dos particulares que elle deve proteger, para causar catástrofes similhantes áquellas que causou já, e vir depois aos pés de seus adversarios e seus inimigos, pedir que o guardem de todos os ataques e de todos os conluias que elles fizeram contra si mesmos. Se o illustre deputado é um apostolo desse credito, do credito que faz isto, salvo o respeito que tenho á sua pessoa, renego o seu apostolado.

Sr. presidente, os parlamentos mesmo não podem ser encyclopedicos; nós não podemos deixar de festejar o illustre deputado, por elle tomar a seu cargo o lembrar ao governo a necessidade de attender á segurança publica, que elle julgou preterida por uma exaggeração de excitação a respeito do fomento.

Sr. presidente, o illustre deputado até suppoz que a prosperidade de um paiz se podia conhecer pelo grao de tranquillidade de que elle gosava, e tomou assim esta asserção sem criterio, tirada de um livro talvez mais lido, para a tomar como principio que resolve todas as questões de prosperidade. Eu imagino que se tomarmos uma parte da Europa, na qual uma nação esteja mais revoltosa, mais inquieta que outra, decididamente aquella onde houver mais segurança, essa ha-de ser mais prospera; mas que esse principio explique por si só a differença de instrucção, a differença de excitamento economico, o maior progresso, a melhor indole para trabalhar e emprehender em quaesquer paizes, isso não acredito, por que nações ha, assim como ha individuos, a quem a paz não serve senão para dormirem a somno solto, e uma paz que não dá de si senão isto, não póde ser illustrada e productiva. Eu quero que haja segurança publica como elemento inicial, como meio preparatorio de governo, mas não quero que se fique nisso, quero que se sirva da paz publica, da disposição em que estão os animos, da confiança em que estão os capitaes para manter em trabalho todas as forças moraes e industriaes do paiz, e poder melhorar a sua condição; mas dizer — tu estás tranquillo, ninguem te ameaça, tens guarda á porta, satisfaze-le e dorme — isto será uma grande politica, mas não posso admitti-la. Aqui já se disse que os melhores governos são 05 mais preguiçosos, são aquelles que deixam a liberdade individual em toda a sua latitude.

Sr. presidente, o governo deve occupar-se de attender ás diversas necessidades do paiz, aos effeitos de qualquer calamidade que tenha logar n'um ou n'outro ponto; mas eu não intendo que o deva fazer do modo como aqui foi pedido. Por exemplo, pelo que diz respeito á calamidade de que tem sido victima a ilha da Madeira, mandando-se estabelecer alli uma cultura impropria daquelle terreno, e pondo de parte a que mais podia alli progredir, a do tabaco; a cultura do tabaco que se diz pertencer a uma companhia, que foi aqui equiparada ou igualada á companhia das Indias.

Sr. presidente, eu não creio que haja segurança publica, com que os povos estejam mais civilisados e moralisados, sem que os tribunaes possam exercer a sua acção livre e desembaraçadamente, sem que as differentes auctoridades locaes empreguem toda a actividade para evitar a repetição dos delictos. A falta mesmo de população, a falla de communicações é, sem duvida nenhuma, a causa principal dos crimes que nós observamos em Portugal.

Pois é possivel haver segurança, haver organisação n'um paiz, quando lhe fallam todas as condições necessarias para isso!

Disse-se — ha roubos no Além-Téjo. — Pois como não os ha de haver, se no Além-Téjo não ha população? Pois como não ha de haver mortes e roubos em muitas partes do reino, se as auctoridades não podem estender a sua acção até onde ella deve chegar? Como não ha de haver mortes e roubos na Beira, com uma tendencia quasi natural para o crime, que está no habito daquelles povos? Sem se fazerem communicações faceis, sem se acabar com os ermos, sem terminar este isolamento que ha de povo para povo, pois que tudo representa um sentimento de barbaridade, é impossivel, é absolutamente impossivel acabar com os crimes.

E impossivel, por exemplo, na terra do sr. barão de Almeirim o sair de noute, sem lembrar senão a morte; em Santarem ha sitios muito bons para dar tiros, porque quem os dá, sabe que a auctoridade alli não está vigilante, ninguem ouve nem observa: mesmo ao pé da casa do sr. barão de Almeirim é muito bom sitio para dar um tiro; eu nunca tive idéa de malar ninguem, senão ao pé da casa do sr. barão de Almeirim, (Riso) porque é um logar famoso para isso; (Riso) mas isto não acontece só em Santarem, acontece em muita parte; poucas legoas que alguem se affaste da capital, ou de uma villa importante, não encontra mais ninguem, nem 1 ondas, nem soldados, não encontra senão guardadores, que são em muitas partes facinoras. (Apoiados) E querer-se-ha por ventura, em Santarem por exemplo, que ao pé de cada casa esteja um soldado? Oude iria então parar o orçamento? Peço desculpa de descer a estas investigações, e de citar Santarem, e a casa do sr. barão de Almeirim; a minha citação não é em máo sentido, não serve senão para provar a necessidade que ha de que nós tenhamos mais communicações, para termos mais civilisação, mais moralidade, e por consequencia mais segurança. Em Santarem ha muito azeite, mas não ha luzes.

Sr. presidente, o illustre deputado a quem me referi ha pouco, o sr. barão de Almeirim, censurou o governo por não ler executado a lei que auctorisou o mesmo governo a proceder á reducção dos districtos administrativos do reino, e annexação de alguns concelhos. Eu por em quanto direi, que não ha nada mais absurdo que a reducção dos districtos adminis-

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trativos, assim como a annexação de uns concelhos a outros; a divisão administrativa é uma cousa que deve ser feita com muito tino, para que a acção administrativa dos governadores civis possa chegar com facilidade uos limites dos seus districtos, e a dos administradores de concelho nos limites dos seus concelhos. Como se quer que um governador civil leve a sua acção administrativa a todo um districto que tenha 20 ou 30 legoas de distancia? Não e possivel. O governador civil, em taes circumstancias, não poderá nunca attender de prompto a qualquer necessidade de serviço que occorrer a respeito de um ou de outro caso grave que tenha logar n'um dos concelhos, que fique distante da sede do governo civil. O governador civil mesmo não póde sair a maior parte do anno do logar da sua residencia, percorrer os seus concelhos, conhecer das suas necessidades, sem um grave risco da sua saude, e ate muitas vezes da sua vida. Nos concelhos acontece a mesma cousa: se elles forem muito grandes, a auctoridade administrativa do concelho não poderá attender promptamente ás necessidades desse concelho; e o que se seguira tambem, é que os concelhos das extremidades ficam sem acção administrativa; o serviço deixa de se fazer, os delictos deixam de ter a devida punição, as necessidades dos povos deixam de ser attendidas, a segurança publica não poderá existir. E será isto bom? Será neste ponto que devemos fazer economias? Será destas economias que o paiz carece? Eu não creio nestas economias, não creio senão nas economias subversivas. Creio que este orçamento queimado, depois de reduzido a cinzas se possa fazer dellas um orçamento mais curial, mais perfeito; mas no estado em que estamos, o orçamento não póde ser outro senão este, e ha de ser sempre o mesmo por muito tempo.

Eu tenho visto a todos os ministros da fazenda dizerem, que são mais economicos que os seus antecessores; mas tambem tenho visto o orçamento sempre a progredir, sempre a crescer, sempre a maior, e as economias sempre afazer. E porque é isto? E porque as economias são insignificantissimas, são cousa muito ridicula, e os rumos de serviço publico muitos e importantes. Pois quanto pensa o illustre deputado que é preciso gastar, que é preciso que o povo portuguez gaste para ler todas as fruições, melhoramentos, e costumes que deve ler um povo civilisado? Para que vir apregoar economias, se nós não temos nada, absolutamente nada!...

E preciso fallar ingenuamente, é preciso que o paiz saiba estas cousas: nós não temos estradas, não temos um porto, um rio, um ancoradouro, não temos nada de melhoramentos materiaes para o paiz; não lemos nada, absolutamente nada para nos igualarmos a um povo de segunda ordem, ainda dos mais atrasados. E neste estado de cousas, a camara deve repellir, para bem do paiz, certas proposições insustentaveis que se aqui apresentam; procuremos todos os meios de fomento da riqueza publica, e deixemo-nos destas economias fallazes que não podem de modo algum realisar-se.

Sr. presidente, estimei bastante que hoje um dos nossos collegas apresentasse uma proposta para ser creada na universidade de Coimbra uma cadeira de direito administrativo; e muito sinto que a idéa de economia retirasse ha tanto tempo esta reforma. E indispensavel uma cadeira administrativa; porque ordinariamente em Portugal quem menos póde ser auctoridade administrativas, somos nos Os bachareis. Isto está provado. De quasi tudo se póde fazer um administrador de concelho, menos de um legisla: póde fazer-se de vim sargento, de um cabo de esquadra, de um lavrador, de um proprietario; mas é cousa sabida que de um legisla nunca se pôde fazer um administrador. E depois de divididos os dois ramos — judicial e administrativo — conservarmos na universidade um viveiro de legislas para os fazermos administradores, era o mesmo que conservar um viveiro do gente inhabil para um ramo de serviço publico.

Em nome da economia foi adiada até agora esta medida, que nos produzirá immensas economias no aproveitamento das despezas municipaes, na segurança publica, na instrucção publica, na contabilidade publica, na recepção dos impostos, numa palavra todos os bens que póde produzir uma administração sensata e intelligente, e que é impossivel dar-se em quanto os administradores não tiverem uma educação diametralmente opposta áquella, que pela maior parte têem.

Sr. presidente, eu estimo, que houvesse uma discussão sobre a generalidade do orçamento, mas sinto que ella, annunciando-se com as fórmas mais proprias que lhe pertenciam, não tivesse a substancia que lhe convinha, e com que ella podia importar mais no exame dos negocios publicos. Se se propozesse systema a systema, expediente a expediente, recurso a recurso; se se dissesse, aqui está o mal, eu vos proponho o meio de o remediar, vós geris mal, por este modo é que se deve gerir, nós tinhamos já por onde escolher, o a maioria desta camara, que se tom accusado de tão addida ao governo, essa mesma podia vacillar por ter por onde escolher; mas em grande parte a maioria do governo provem da inhabilidade da opposição, e da pouca esperança que ha nella. Nós não estamos aqui senão para apoiar em nome do paiz o governo que nos parecer melhor; se as esperanças que a opposição nos désse, fossem maiores que os factos, embora deficientes, que o governo nos apresenta, nós tinhamos já seguido a opposição. Portanto as lastimas da opposição não veem senão da sua inhabilidade: em ella nos convencendo seguimol-a, porque para nós convicção e voto são actos simultaneos. Mas que havemos nós de fazer? Diz-se — eu vou mostrar as necessidades publicas, eu vou apresentar os meios de as remediar — e eu que estava a espera de tudo isto, ouvi dizer ficar ainda esperando, e disseram-me, como uma grande novidade, que a esperança era um dever, e eu fico ainda a esperar, não porque haja disposição no meu espirito para esperar, mas porque sou obrigado a esperar nas pessoas que me não podem dar esperança nenhuma.

Sr. presidente, digamos a verdade, porque é preciso dizel-a, a falsa economia e o falso credito que teem arrastado este paiz; esta é a unica verdade em que se resumem todos os erros financeiros, que se tem commettido.

Quando se diz ao paiz «economisai» eu digo tambem, e desinteressadamente, ao meu paiz — neste estado e nestas circumstancias póde-se de certo fazer economias, que se não devem desprezar, mas não se póde resolver a questão financeira por meio de economias, não ha governo nenhum, que por similhante systema seja capaz de resolver a questão financeira, nem de conservar o paiz em tranquillidade, e dar-lhe todos os melhoramentos moraes e materiaes de que

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elle precisa, porque não julgo o fim da sociedade ião mesquinho e restricto, que se reduza simplesmente a termos quem nos guarde a nossa propriedade e a nossa vida: eu penso, que a sociedade tem outros fins, aspirações mais alias, deveres mais elevados.

Se alguem disser no paiz — eu vou fazer um governo muito mais economico do que este, vou diminuir consideravelmente a cifra do orçamento — não o faz de certo; ninguem o póde fazer; e aquelles que estão em situação de poderem governar, ou de se encostarem aos que hão de vir a governar depois destes ministros, guardam-se bem de fazer compromissos serios e graves a este respeito, porque bem sabem que no dia em que governassem, haviam de ir com este orçamento á imprensa, e, mandando imprimir o seu orçamento, dizerem — copiem lá este que fez o sr. Fontes, e ponham por baixo Antonio José d'Avila; (Risadas) ou emfim o nome de outro qualquer que fosse chamado aos conselhos de S. Magestade, e que merecesse o apoio do parlamento.

Portanto por economias não se chega ao que se quer, não vai: não vai senão por fomento. Eu teimo com esta palavra; mas ella não sôa bem a certos ouvidos, porque quer dizer — em quanto estivestes a paspalhar, devíeis trabalhar; em quanto estivestes em operações fantásticas, em quanto acreditastes em companhias monstruosas, devieis estar, devíeis acreditar em meios reaes o verdadeiros; em uma palavra, em quanto fostes poeta em todas as cousas que podiam aproveitar ao paiz, e positivo em todas as que lhe podiam desaproveitar, não fostes fomentador.

Sr. presidente, um illustre deputado o meu amigo disse — fallam aqui em credito sem trazerem um emprestimo — referindo-se á commissão do orçamento. Sr. presidente, eu não creio que o illustre deputado, em sua consciencia, esteja persuadido que a commissão de orçamento, ou de fazenda, devesse trazer aqui emprestadores. Eu não pertenço á commissão de fazenda, mas intendo que nós não podemos receber nesta casa nenhuma commissão de agencia financeira, intendo que nós não podemos senão pronunciar-nos pelos principios por que melhor julgamos que se póde governar o estado, aos ministros, na esfera das suas attribuições, compele realisar estes principios. — Fazem-nos o elogio do credito sem nos trazer emprestadores — Não sei como isto se diz! Pois que tem um principio com a realisação delle? Que tem o achar quem faça um emprestimo, com o achar que um emprestimo póde ser util, mas com certas e determinadas condições.

Sr. presidente, o que torna grave, solemne, respeitosa, e verdadeiramente historica a posição do sr. ministro da fazenda, é a sua innovação no credito. Todos esses anathemas, todo esse odioso lançado sobre elle, por ter destruido o credito, por ter arruinado o credito, da parte de todos os amigos antigos e jurados do credito falso que havia no paiz, daquelles de quem sempre recebeu preito, que sempre commungaram nos seus mysterios, toda essa guerra em nome do credito, por causa do credito, é o grande elogio do sr. ministro. (Apoiados)

De ministerios inimigos do credito, transformados pelo credito estamos nós fartos. Isso era um systema que está completamente caído para nunca mais se poder levantar: não póde mais ressuscitar, senão na historia; ou se alguem assoberbar todas as forças deste paiz; mas com a constituição do parlamento, em plena liberdade de discussão, isso é impossivel. Sejam quaes forem as fórmas por que o governo o tome debaixo da sua protecção, desta ou daquella maneira; seja qual fôr a situação politica deste paiz, todas as suas forças hão de convergir contra o credito falso até o reduzir a reconhecer a lei commum.

Voto por tanto por este orçamento como elle está feito, e como se continuará por muito tempo a fazer; talvez se vier outro governo, tenha de fazel-o muito peor do que este.

Não voto pelas economias de que se tem fallado, porque se não podem realisar; quero economias que sejam productivas; voto por tudo quanto possa concorrer para o tal fomento, pelo qual sou, pelo qual juro e jurarei sempre, e pelo qual farei tudo quanto ser possa. (Muitos apoiados — muito bem)

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, não desisto de fallar, apesar de ser precedido por dois dos mais eloquentes membros da camara, porque não se propõe um concurso, mas dizer cada um o que intende, e como póde. Chacim sert sou Dieu, dans Vétat au quel II est appelle.

O illustre orador que me precedeu, disse que se falla para orar, ou para dar conselho.

Falta uma outra especie, e é o meu caso; para apresentar chãamente algumas observações que suscita o estudo do orçamento.

Estando este em discussão na sua generalidade, parece-me bem cabido o fazerem-se algumas considerações, sobre o methodo do mesmo orçamento.

Parece-me muito conveniente! para o estudo delle, e indispensavel para a sua fiscalisação, que cada verba de despeza cite á margem a lei que a auctorisa, como se vê em muitos dos orçamentos dos paizes estrangeiros.

Sem isto, como se póde humanamente verificar a legalidade das verbas?

As proprias notas que precedem o orçamento de cada ministerio provam, que o exame é do orçamento, não com as leis organicas, mas com o facto, isto é com a lei do orçamento anterior, que regulou o caso por um anno.

Tambem, sr. presidente, lembrarei um meio, que além de regular, é economico para o estudo, para a discussão, e até para a impressão; o é fazer se no começo de cada legislatura o orçamento, apresentando o quadro de cada repartição, e em separado as modificações a elle. Nos annos seguintes basta o total do quadro, e as modificações occorrentes.

Estes ultimos orçamentos reduzem-se a pequenas dimensões; e mesmo no primeiro é facil o estudo, porque se limita ás excepções, aos quadros.

Facilita o estudo do deputado, o estudo da commissão, a discussão, e já o orçamento póde ser approvado muito a tempo.

Quanto a mim, um orçamento deve patentear o que o paiz paga, a applicação da receita, e com quanto é contemplado cada um dos servidores do estado.

Mas os nossos orçamentos só dizem, sr. presidente, o que entra no thesouro, a despeza do thesouro; quanto aos empregados, não se vê de prompto quanto vencem.

A illustre commissão de fazenda já propoz que com o orçamento venha a conta da receita e despeza dos municipios, e impostos districtaes, mas eu ainda quereria a nota do rendimento dos parochos, com distincção do que houverem pelas derramas; a re-

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ceita e despeza dos bens das sés, cabidos, collegiadas, conventos de religiosas e da bulla da cruzada.

O sr. Santos Monteiro; — E tambem das irmandades? Estão no caso dos conventos.

O Orador: — Os bens das irmandades são fiscalisados por outrem que não as camaras legislativas. O estado não vem a succeder nesses bens, como deve vir a succeder nos dos conventos, quando cesse de haver religiosas.

Quanto aos empregados não se póde fazer idéa do que todos vencem, figurando só ali os ordenados, sem os respectivos emolumentos, casa para habitar, e outros proes, e não vindo absolutamente ao orçamento os que só percebem emolumentos.

Mas, mesmo dos que veem ao orçamento, não é facil avaliar o que relativamente vencem.

Sr. presidente, apresenta-se uma verba de 100$000 réis e outra de 1:000$000 réis. Parece que aquella é o decimo desta, e que o legislador assim o queria. Pois o facto é outro; aquelle recebe de facto, liquido de decima e meia, 80$000 réis, e este, liquido de tres decimas, 700$000 réis, e 85 não é o decimo de 700.

Vê-se tres verbas de 2:000$000 réis. São iguaes de facto estes vencimentos? Um é, por exemplo, de um conselheiro do thesouro, que recebe liquido 1:400$000 réis. Outro é um militar que vence 1:000$000 réis de soldo, e 1:000$000 réis de gratificação, recebe de facto 1:700$000 réis.

Outro recebe os 2:000$000 réis pela agencia de Londres, ao cambio de 67 1/2 dinheiros, e recebe de facto 1:770$000 réis.

Passo a fallar, sr. presidente, do trabalho ocioso de que as nossas repartições estão sobrecarregadas. Fallo por exemplo da conservação de 2000 a 3000 contos de inscripções já resgatadas pelo estado, que continuam a existir, e a vencer juro para o estado. O thesouro manda para a junta do credito publico o necessario para esta pagar o juro das inscripções do thesouro!

Que rendimento immenso teria o negociante, que depois de pagar cada uma das suas letras, as conservasse, e fosse escripturando no seu haver o juro deste seu capital!

No mesmo caso de ociosidade está o pagamento de ordenados com deducções de decimas. O estado paga 300, e tira 10; parece que era mais simples dar 90.

O mesmo tem logar com os direitos de mercê. Se os ordenados são grandes, diminuam-se, mas não se esteja a pagar 100 e a pedir 10 ou 20 a titulo de encarte, para haver mais uma repartição, e mais uma alluvião de contas e papeis, que difficultem os trabalhos do tribunal de contas.

Já hoje se alludiu aos trabalhos de um grande homem de estado, mr. Gladstone.

Não me maravilharam mais, sr. presidente, os grandes planos financeiros delle, que as medidas que os acompanham. Mr. Gladstone simplificando os processos do commercio nas alfandegas, o expediente, ele, mostrava que concebia um grande pensamento, e é, que as peas, demorando o contribuinte, o commerciante, o viajante, custam no fim do anno a um paiz um tributo horroroso.

É por isso que elle, por exemplo, dispensou os manifestos na entrada dos navios, e os cokets na saída; estabeleceu armazens especiaes para os generos livres, onde a unica formalidade é o examinar se effectivamente nos volumes só se contém generos livres; estabeleceu que as bagagens dos passageiros, vindos nos barcos a vapôr, fossem verificadas, em quanto o barco caminha para o ancoradouro ou doca, pelos empregados fiscaes que o barco recebe subindo o Tamisa, etc. ele.

Se estas providencias pouparem um dia de estada em Inglaterra a cada navio, e em cada viagem, a quantos contos de réis montará por anno a economia do commercio?

Tambem parece rasoavel, que a camara, que deve fiscalisar os dinheiros publicos, tenha conhecimento das dividas activas e passivas do estado; e o orçamento nada diz a este respeito.

É para sentir que, sendo o ministerio da guerra aquelle que comprehende a somma mais importante, e sendo o mais difficil de fiscalisar, pelas variantes que ha nos vencimentos, conforme as differentes situações do official, seja aquelle, onde se dispensa quasi todo o esclarecimento.

O sr. Placido de Abreu: — Tem antipatia com o ministerio da guerra!

O Orador: — Pois o illustre deputado quer que eu note os orçamentos dos outros ministerios, que são precedidos de uma nota que explica as differenças para mais e para menos, e quer que eu louve o da guerra que nos não quiz prestar este serviço?

Pois, sr. presidente, é este o orçamento mais difficil de estudar. Em um mesmo artigo vem um official com soldo, gratificação e forragens; logo em seguida outro só com gratificação, e tem forragens, mas vem em uma verba em separado: tantas forragens para casos eventuaes. Os soldos destes dois vem lá em outro capitulo.

estou certo que tal caso se não dá, mas como affirmar que, pelo menos por equivoco, não ha um soldo figurando duplicadamente no quadro dos officiaes e na respectiva commissão?

Sinto tambem que a verba — collegio militar — continue a vir sem o necessario desenvolvimento. Sinto-o porque desejo o orçamento esclarecido, e sinto-o por estar á testa daquelle estabelecimento um cavalheiro illustrado, e que por certo partilha estas mesmas opiniões. Creio mesmo que este cavalheiro ha de ler fornecido estes dados ao governo, mas o orçamento limita-se a dizer — o soldo dos professores e o costeio sae da verba das prestações aos alumnos; o que não faz saber á camara se os professores são bem ou mal estipendiados, se com os alumnos se dispende mais ou menos que o necessario.

Não sei se alguma providencia recente lerá regulado as cousas de outra mancha, mas consta-me que ha pensões pagas pelo cofre do correio — pelo remanescente, que pertence ao thesouro, do cofre dos emolumentos das alfandegas, ele. Parece regular que este ramo se centralise.

Estou habituado, sr. presidente, a dizer o que a minha consciencia me dicta, e por isso proseguirei ainda em indicar os meios de tornar o orçamento fiscalisavel, sem curar de saber se agrada ou não a franqueza das minhas opiniões.

Sei muito bem que deste systema se segue ser tido por opposição pelos cavalheiros que se sentam naquelle banco (o do ministerio) e pelo centro, ao passo que me não querem os da direita nem os da esquerda, por eu ser do centro. (O sr. Avila: — Queremos, quere-

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mes, venha para cá.) Mas trilhei sempre esta carreira, e já não mudo.

As despezas eventuaes, as verbas para material, e outras que não estão, fixadas por lei, são as que mais carecem de fiscalisação, e no entanto são as que vem mais desacompanhadas de desinvolvimento. E só uma verba de despezas eventuaes no ministerio dos estrangeiros imporia 13:000$000 réis.

Não vejo razão por que se não practique, a respeito destas verbas, o que tem logar com as verbas de receita, que são a média da receita de certo numero de annos. (O sr. Ministro da marinha: — Assim se faz.) Assim o creio. Razão de mais. Está o trabalho feito, é aproveital-o e consignal-o no orçamento. Se é necessario fazer o calculo para achar a quantia, é necessario fazer o calculo para a verificar.

Se encontrasse no orçamento esses esclarecimentos, sr. presidente, não me teria feito duvida o pedido de 34:000$000 réis para madeiras para o arsenal de marinha, quando em 1843-1844 se liquidou neste artigo 12:000$000 réis. Dos 34:000$000 abalo 10:000$000 que são de madeiras das mattas nacionaes; mas ainda restam 21:000$000 réis, isto é, o dobro do que effectivamente se comprou em 1843-1814 (ultimo anno de contas publicadas) e, não havendo construcções novas, não vejo a origem do augmento pedido.

Ainda apresentarei outra prova mais positiva da necessidade de dar desinvolvimento a similhantes verbas.

Entre as economias que a commissão de fazenda do anno passado propunha, e que lhe pareciam exequiveis, foi a de 120$000 réis destinados a igreja das Chagas, pela desobriga dos marinheiros, porque, tendo-se organisado o corpo de marinheiros militares, com um capellão, este podia desempenhar aquelle serviço. O sr. ministro da marinha annuia a esta proposta, e no orçamento deste anno veiu eliminados os 120$000 réis. Mas o que ha de acontecer. Em seguida a esta verba vinha no orçamento do anno passado outra de restituição de quotas do montepio, importando em 647$211 réis, que no orçamento actual foi elevada a 767$241 réis; isto é, cresceu exactamente os 120$000 réis eliminados.

Eu faço plena justiça ao sr. ministro, reputando-o incapaz de pretender illudir a camara, e por 120$000 réis. Indignar me-hia se podesse persuadir-me que um ministro suppunha tão pouca intelligencia nos membros da camara, para se deixarem illudir com um ardil tão pouco engenhoso. Repito: nem por um momento pude attribuir isto a s. ex.ª O inquestionavel, porém, é, que se estas verbas não viessem assim especificadas, não poderia eu dar com este facto.

Tenho dicto o que me parece mais essencial sobre o methodo do orçamento, mas direi agora mais alguma cousa sobre a fisiologia do orçamento.

Os ordenados em geral, que se vêm consignados no orçamento, não é possivel deixar de se dizer, que não teem proporção. (Apoiados)

A cada passo se vê o homem com habilitações especiaes, em carreiras altamente distinctas, menos retribuido, que o servidor que apenas sabe lêr e escrever, e que leve em partilha uma funcção da sociedade muito inferior. Vejo que isto demanda uma providencia grande, e por isso intendo que o governo deve nomear uma commissão de inquerito para estudar esta materia, e apresentar um trabalho a respeito de todo o funccionalismo. Ouço dar a hora, peço a v. ex. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para sabbado é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão — Eram 4 horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

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