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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos srs.
Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Approvada a acta, dá-se conta dos seguintes officios: 1.°, do ministerio do reino acompanhando o decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 11 do proximo mez de julho inclusivamente; 2.°, do ministerio da marinha, respondendo a um requerimento do sr. Ferreira de Almeida; 3.°, do ministerio da fazenda, remettendo esclarecimentos pedidos pelo sr. Consiglieri Pedroso; 4.°, do sr.
Clemente José dos Santos, participando que está prompto, para ser distribuido, o tomo III dos Documentos para a historia das côrtes geraes da nação portugueza, respeitante ao anno de 1827; e participando igualmente que no dia 18 de outubro do anno proximo findo foi entregue na respectiva secretaria o original do tomo IV, continuando, do mesmo modo que até aqui, a serem pontualmente cumpridas as resoluções tomadas pela camara nas sessões de 4 de junho de 1881 e 11 de fevereiro de 1882. - Tiveram segunda leitura um projecto de lei do sr. Adriano Cavalheiro e outro do sr. Germano de Sequeira, apresentados na sessão anterior, e dois do sr. Luiz de Lencastre, apresentados na sessão de hoje, dos quaes pediu, e foi votada a urgencia. - Teve tambem segunda leitura, e foi approvada, uma proposta do sr. Sebastião Centeno que tem por fim nomear-se uma commissão parlamentar de nove membros para estudar as causas da emigração portugueza e os meios de a fazer convergir para as nossas colonias de Africa.
Os srs. Antonio Candido, Consiglieri Pedroso e Elvino de Brito fazem o elogio do inteligente e zeloso trabalho do sr. Clemente José dos Santos, a proposito de haver apresentado impresso tomo III dos Documentos para a historia das côrtes gerais da nação portugueza, e haver participado que já em outubro ultimo havia entregado na respectiva secretaria o original do tomo IV. - O sr. Scarnichia apresenta um projecto de lei, assignado tambem pelo sr. Ferreira de Almeida, estabelecendo uma nova tabella de comedorias para os officiaes da armada. - Por essa occasião declarou que se associava ás palavras que o sr. Ferreira de
Almeida proferira n'uma das ultimas sessões a respeito dos exploradores Capello e Ivens; não concordando, porém, com a idéa apresentada pelo mesmo sr. deputado, de se trocar a Guiné e Macau por mais algum territorio junto da nova colonia do Zaire, e dizendo, pelo que respeitava a Macau, que por todos os titulos devia sempre ali conservar o dominio portuguez, porque nunca ali havia tremulado outra bandeira. - O sr. Santos Viegas tambem declarou que se associava ás manifestações que se deram a favor dos distinctos exploradores Capello e Ivens. - O sr. Elvino de Brito pede que se publiquem no Diario da camara certos
documentos relativos a negocios dependentes do ministerio da marinha e que por este ministerio lhe foram remettidos. - Esta publicação auctoriza-se. - Os srs. Luiz José Dias e Goes Pinto rererem-se telegrammas que haviam recebido participando-lhes manifestações no alto Minho, reclamando contra a prohibição da pesca no rio Minho. - Responde o sr. presidente do conselho. - O sr. J. J.
Alves faz varias considerações mostrando que se deve dar toda a protecção á casa da correcção, das Monicas. - Responde o sr. Carrilho, dizendo que a proposta do sr. Alves para se lhe augmentar o subsidio está para ser considerada pela commissão de fazenda. - Justifica faltas o sr. Luiz Ferreira. - O sr. visconde de Ariz apresenta uma declaração de voto. - Apresentam pareceres os srs. Luciano Cordeiro e A. Fuschini. - Continúa a discussão do projecto n.° 93, que ficára pendente e que tem por fim auctorisar a camara de Trancoso a desviar do fundo de viação a quantia de 6:000$0OO réis para applicar a differentes obras municipaes. - É approvado o projécto, depois de trocadas algumas considerações entre os srs. Avellar Machado, J. J. Alves e Luz José Dias. - Continúa a discussão do projecto n.° 47, que tambem ficára pendente, e que auctorisa o governo a mandar inspeccionar o tenente reformado do exercito da Africa occidental, annullando o decreto que o reformou, caso seja considerado prompto para o serviço. - Continúa o sr. Ferreira de Almeida a usar da palavra que lhe ficára reservada, e apresenta uma emenda, que foi acceita pelo sr. Scarnichia, relator. - Fica de novo suspensa a discussão para se entrar na ordem do dia.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto n.° 157 (melhoramentos do porto de Lisboa). - Requer o sr. Eduardo José Coelho que o projecto tenha duas discussões, uma na generalidade outra na especialidade. - Declara o sr. Pereira dos Santos, relator, que não julgava que fossem precisas duas discussões, e é rejeitado o requerimento. - Usa da palavra, apresentando uma moção de ordem, o sr. Barros Gomes. - Responde o sr. presidente do conselho (Fontes Pereira de Mello)

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Presentes á chamada - 45 srs. deputados

São os seguintes: - Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Silva Cardoso, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, Pereira Borges, Santos Viegas, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Fuschini, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Goes Pinto, Fernando Geraldes, Guilherme de Abreu, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro. Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Guimarães Camões, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Seguier, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabra, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Moita, Costa Pinto, João Arroyo, Ribeiro dos Santos, Avelar Machado, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, J. M. dos Santos, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Tito de Carvalho e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Antonio Ennes, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Bernardino Machado, Conde de Thomar, E. Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão. Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Ferrão de Cattello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branca, José Borges, José Frederico, José Luciano, Ferreira Freire, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Luis Osório, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira Aralla e Costa, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz,

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Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta -Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 11 do proximo mez de julho inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em 26 de junho de 1885. = REI. = Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Á secretaria.

2.° Do ministerio das obras publicas, participando que o documento requerido pelo sr. deputado Ferreira de Almeida, sobre os estudos do caminho de ferro de Ambaca, deve ser fornecido pelo ministerio da marinha.
Á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, relativos ao valor do edificio do extincto convento do Coração de Jesus, á Estrella, sua igreja, cerca e alfaias.
Á secretaria.

4.° Ill.mo e exmo. sr. - Tenho a honra de participar a V. exa., a fim de ser presente á camara dos senhores deputados, que está prompto para se poder distribuir, o tomo III dos Documentos para a historia das côrtes geraes da nação portugueza, respeitante ao anno de 1827.
Igualmente participo a v. exa. que no dia 18 de outubro do proximo anno findo foi entregue na respectiva secretaria o original do tomo IV, continuando, do mesmo modo que até aqui, a serem pontualmente cumpridas as resoluções tomadas pela dita camara nas sessões do 4 de junho de 1881 e 11 de fevereiro de 1882.
Deus guarde a v. exa. Lisboa, 27 de junho de 1885. - Ill.mo e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. = Clemente José dos Santos.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - O direito ao terço do ordenado por diuturnidade de serviço acha-se já garantido por lei a diversas classes de funccionarios do estado.
Gosam d'elle os professores de instrucção superior e secundaria, os magistrados judiciaes e os do ministerio publico.
Não será, pois, para estranhar que se conceda tambem aos vogaes do supremo tribunal administrativo e aos do tribunal de contas, que ainda estão privados d'esse direito, não obstante a lei os equiparar em honras e categoria aos juizes do supremo tribunal de justiça.
O terço é um beneficio que se concede como premio de bom serviço durante um largo periodo de tempo, e por isso ha de parecer curial que se estenda tambem aquelles servidores do estado, que a lei reconheceu pelo que respeita a categorias e honras, nas mesmas condições dos altos magistrados que desfructam esse beneficio.
É sabido que de ordinario são nomeados para os cargos de vogaes do supremo tribunal administrativo e do tribunal de contas funccionarios que têem uma larga carreira publica e desempenharam importantes funcções, e sendo assim não se comprehende que a taes funccionarios se concedesse a mesma categoria e honras que pertencem aos mais elevados magistrados na hierarchia judicial, sem ao mesmo tempo lhes conceder os vencimentos estabelecidos para esses magistrados.
Se a lei já os equiparou quanto ao que tem mais subido valor e importancia, de rasão é que sejam equiparados no que menos vale.
Aonde se dá a mesma rasão, deve dar-se a mesma disposição.
E sem querer fazer parallelos, nem comparações, póde dizer-se, sem receio de contestação plausivel; que são de reconhecida importancia as attribuições que actualmente competem aos tribunaes de que me occupo.
Pequeno é de certo o augmento de despeza que resulta da providencia que proponho, porque a poucos podera ella aproveitar; mas ainda mesmo quando assim não fosse, nunca uma rasão de mesquinha economia deverá prevalecer para contrariar um acto de rigorosa e incontestavel justiça.
Desanimadora seria de certo a situação de uma nação, que se visse obrigada, pela penuria dos seus recursos, a recusar a alguns dos seus mais graduados funccionarios o beneficio que já concedeu a outros em analogas circumstancias, e que é a merecida recompensa de valiosos e aturados serviços.
Determinado, pois, por estas considerações, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e approvação, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º As disposições legaes que concedem o terço do ordenado por diuturnidade de serviço aos juizes do supremo tribunal de justiça, são extensivas aos vogaes do supremo tribunal administrativo, e aos do tribunal de contas com as mesmas condições de tempo e de idade, podendo os referidos vogaes aponsentar-se com esse augmento de vencimento logo que completem trinta e cinco annos de serviço publico, e se achem physica ou moralmente impossibilitados.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos deputados, em 26 de junho de 1885. = Joaquim Germano de Sequeira, deputado pelo circulo 74.
Lido na mesa, foi admittido e enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

Projecto de lei

Artigo 1.° São considerados empregados administrativos para o effeito da aposentação os medicos dos partidos municipaes.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 26 de junho de 1885. = Adriano Cavalheiro = José de Azevedo Castello Branco.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - Dispõe o código commercial nos(artigos 1:074.° e 1:075.°, que nos tribunaes de commercio de primeira instancia haverá duas sessões e assentadas por semana nos dias de terça e sexta feira, e que haverá tambem duas audiencias de expediente nas segundas e quintas feiras.
Este preceito deixou desde ha muito tempo de ser observado, tanto no tribunal de commercio d'esta cidade, como do Porto, quanto á designação dos dias de terça e sexta feira, destinados para as sessões do jury, pois que passaram desde certa epocha a ter logar nas segundas e quintas feiras de cada semana, e em acto continuo ás audiencias de expediente.

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Justificára-se esta alteração dos dias das sessões pela conveniencia de não se acharem tomados quatro dias por semana com o serviço do tribunal, o que impedia o juiz presidente de se occupar mais detidamente do trabalho das sentenças que demandam tempo e socego, e embaraçava tambem o serviço do mar, que em alguns mezes é quasi incessante e reclama certa urgencia, por não poderem demorar-se as vistorias, quando reclamadas pelos capitães de navios e outros interessados. Alem d'isso os empregados do tribunal occupados com o serviço obrigado d'aquelles dias, mal podiam dedicar-se a outros trabalhos, que exigem presteza e assiduidade, taes como os protestos de letras quanto aos escrivães, e as citações e intimações a cargo unico official de diligencias que tem este tribunal e o do Porto.
O sr. juiz presidente do tribunal, o conselheiro Eduardo de Serpa Pimentel, quando em junho de 1878, tomou posse do logar, não obstante reconhecer as vantagens d'esta identificação ha muitos annos adoptada, teve duvida em continuar a seguil-a, porque não encontrou diploma que a auctorisasse, e não via revogado aquelle artigo 1:074.° do codigo commercial.
Por isso fez annunciar por edital de 12 de setembro 1878, que as sessões e assentadas do tribunal do commercio passavam a ter logar nas terças e sexta feiras de cada semana pelas doze horas da manhã, e assim se tem observado até hoje. A experiencia, porém, convenceu-o de que são grandes os inconvenientes para o serviço com a stricta observancia do citado artigo 1:074.° do codigo; n'este sentido officiou ao governo, pelo ministerio da justiça. Tal officio não teve resposta, nem resolução, e eu reconhecendo como aquelle digno magistrado, meu antecessor na presidencia do tribunal do commercio de Lisboa os inconveni tes da disposição dos artigos 1:074.° e 1:075.°, e para alteração dos referidos artigos venho sujeitar á vossa esclarecida deliberação o seguinte projecto de lei:

Artigo l.° Cada tribunal do commercio terá duas sessões e assentadas nos mesmos dias designados para as audiencias de expediente no artigo 107.° do codigo commercial.

Art. 2.° Fica assim alterado o artigo 1:074.° do codigo commercial e revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 27 de junho de l885 = Luiz de Lencastre.
Lido na mesa e declarado urgente, foi admittido e enviado á commissão de legislação commercial.

Projecto de lei

Senhores. - O codigo commercial portuguez, no artigo 1:048.°, dispõe ácerca dos jurados que não compareçam nas audiencias, e impõe ao tribunal do commercio obrigação de examinar se os jurados que faltam são ou matriculados; sendo matriculados serão riscados, por termo lançado no livro das matriculas, do numero dos matriculados, não sendo matriculados far-se-ha no mesmo livro igual termo, que expresse os seus nomes e domicilios para que nunca em tempo algum possam ser admittidos á matricula commercial. Havendo de uns e de outros, tudo se concluirá n'um só termo. A carta de lei de 8 de novembro de 1841, no artigo 2.°, applica aos jurados, para o effeito da imposição das multas e suas escusas, por falta de comparecimento nos dias indicados para as audiencias, a disposição do artigo 173.° § 1.°, n.ºs 3.°, 4.° e 5.° da novissima reforma judicial, a qual disposição deve ser applicada pelo tribunal commercial respectivo.
Ha mais o codigo penal portuguez, o qual no artigo 189.º impõe ao jurado que não comparecer em juizo, tendo-se-lhe feito a necessaria intimação, a pena de prisão e de multa de um mez.
Têem se levantado duvidas se este artigo é applicavel ou não aos jurados commerciaes, e estas duvidas são nocivas ao serviço publico.
Eu tenho por sem duvida que o artigo do codigo penal é applicável aos jurados commerciaes, e para que isto fique expresso e claro venho sujeitar á vossa esclarecida resolução o seguinte projecto de lei.
Artigo 1.° Fica sendo applicavel aos jurados commerciaes o disposto no artigo 189.° do código penal.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = Luiz de Lencastre.
Lido na mesa e declarado urgente, foi admittido e enviado á commissão de legislação criminal.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Participo á camara que o deputado sr. Luiz Ferreira de Figueiredo tem faltado ás ultimas sessões da camara e faltará ainda a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, Silva Cardoso.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro a v. exa. e á camara que, se estivesse hontem de presente quando se votou o projecto n.° l5l-A, tel-o-ia approvado. = Visconde de Ariz, deputado pelo circulo n.° 29.

O sr. Presidente (Luiz Bivar): - Pelo officio que acabou de ler-se, remette o sr. conselheiro Clemente José dos Santos o volume III dos Documentos para a historia das côrtes geraes da nação portugueza, e participa que o volume IV está quasi prompto. (Apoiados.)
Vae mandar-se distribuir.
Quando mencionei á camara o officio do sr. Clemente José dos Santos ouvi pedirem a palavra os srs. Antonio Candido e Santos Viegas. Desejo saber se s. exa. pediram á palavra sobre este incidente; se a pediram, tem a palavra o sr. Antonio Candido.
O sr. Antonio Candido: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, não podia eu, na minha qualidade de membro d'esta casa e de professor de historia de Portugal, deixar de me associar ás palavras de justiça, proferidas pelo meu amigo, o sr. Antonio Candido, sobre o valiosissimo trabalho que, com uma pontualidade tão extraordinaria, o sr. conselheiro Clemente José dos Santos apresenta ha tres annos successivos a esta camara. (Apoiados.)
Mais de uma vez com effeito, no desempenho das minhas funcções officiaes, tenho eu tido occasião de resolver, graças aos volumes publicados das côrtes portuguezas, difficuldades que até hoje embaraçavam constantemente todos aquelles que estudavam o primeiro periodo da historia constitucional portugueza.
Não posso por isso deixar de prestar n'este momento o meu sincero preito de homenagem á importante obra de collecionação com tanta perseverança realisada por s. exa., obra que é para todos nós que ensinamos ou que aprende-mus um guia segurissimo e uma fonte inexhaurivel de materiaes historicos. O sr. conselheiro Clemente José dos Santos é tanto mais digno alem d'isso d'esta sympathica manifestação da camara, quanto é certo que elle, sem predilecções politicas nem preferencias de partido, a todos patenteia os preciosos esclarecimentos que a sua paciente curiosidade tem conseguido amontoar. (Apoiados.)
Eu tenho, sr. presidente, o duplo dever de proferir estas palavras, porque, alem de professor de historia, conforme disse, sou deputado, e como tal tenho tido occasião de por mais de uma vez me aproveitar das valiosas indicações, que do sr. Clemente José dos Santos precisei solicitar.
Não podia, pois, deixar de me associar com prazer ás expressões de elogio, com que o sr. Antonio Candido sau-

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dos a publicação do terceiro volume dos documentos para a historia das côrtes geraes da nação portugueza. (Apoiados.)T
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Scarnicllia: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei.
Desde 1879, todos os annos têem sido apresentados a esta camara, mas sem resultado, projectos identicos a este. Estou, porém, agora esperançado em que a commissão não deixará de lhe dar parecer favoravel.
Este projecto refere-se ás comedorias dos officiaes da armada, e está assignado tambem pelo sr. Ferreira de Almeida. Em ocasião opportuna procurarei demonstrar á camara, quanto é justa a pretensão e como é urgentemente reclamada a solução favoravel d'este assumpto.
Já pedi a palavra ha tres dias; mas não me tendo sido possivel usar d'ella senão hoje, nem por isso quero deixar de associar-me, embora um pouco tarde, á manifestação feita n'esta casa e a que adheriu tambem o meu illustre camarada o sr. Ferreira de Almeida, com relação aos intrepidos exploradores Capello e Ivens, pelos seus distinctos serviços prestados ao paiz que se honra de os ter por filhos. E julgo que esta minha declaração torna desnecessarias quaisquer outras considerações sobre o assumpto, já tratado com tanta elevação n'esta casa pelo exmo. ministro da marinha e por algum dos meus collegas, que me precederam.
Ainda mais duas palavras o não tomarei mais tempo á camara.
Quando se tratava da questão do Zaire, o sr. Ferreira de Almeida lembrou, que seria conveniente obter mais alguma porção de terreno na nova colonia do Zaire, em troca das possessões de Macau e Guiné.
Quanto á Guiné não é a mim compete tomar a sua defeza; outros, com mais direito, se apresentarão em campo. Quanto, porem, a Macau, que me honro de representar n'esta camara, só é meu o dever de protestar contra a idéa da sua venda.
É longo o periodo, sr. presidente, que vae decorrido desde que Portugal implantou n'aquelle ponto da Asia o seu dominio e, desde então, o estandarte das quinas não deixou ainda de tremular, um momento sequer, n'aquella nossa possessão.
Outras, que ainda hoje são nossas, estiveram, como é sabido, sob o dominio estrangeiro. Pois Macau atravessou, com a bandeira portugueza hasteada nas suas fortalezas, a quadra omino a assignalada na historia, a contar de 1580 até ao memoravel dia 1 de dezembro de 1640, em que a usurpação de Castella cedeu o campo ao patriotismo e valor do um punhado de portuguezes.
É, portanto, um dever, sr. presidente, que me parece que Portugal tem a cumprir, o de não tirar, por suas mãos, a nacionalidade a quem tanto soube mantel-a, quando a metrópole a tinha perdido já.
Isto dando de barato, que vão esquecidos actualmente, os rendimentos que a metropole auferia, ha poucos annos ainda, d'aquella sua pequena, possessão, que fôra tão rica, que já o não é, mas que, entretanto, já chegou a ser mais pobre.
Eis-aqui, sr. presidente, porque não posso nem devo deixar de oppor-me, quanto m'o permittam as minhas forças, aliás deficientes, á idéa da troca ou da venda de Macau.
Protesto contra um tal alvitre, e não é só o mandato de que me desempenho, que me obriga a proceder assim, são tambem innumeros laços que me prendem áquella possessão, onde residi por espaço de vinte e quatro annos e onde mais a fortuna me tem sorrido, durante a minha carreira militar, que vae hoje no seu derradeiro periodo.
O sr. Santos Viegas: - Tinha pedido a palavra sobre o incidente, mas como v. exa. não m'a concedeu...
O sr. Presidente: - Eu peço licença para dizer a v. exa. que tinha perguntado se se inscrevêra sobre o incidente, e parece-me que v. exa. dissera que não.
O sr. Elvino de Brito: - Pediu ao sr. presidente se dignasse consultar a camara sobre se permittia que fossem publicados no Diario da camara alguns documentos, que mandou para a mesa, relativos aos negocios dependentes do ministerio da marinha e ultramar. Declarou que todos esses documentos lhe haviam sido remettidos por aquelle ministerio.
Um d'elles referia-se ao abono de ajudas de custo aos governadores do ultramar, quando sáem da séde do governo. Os outros dão conta dos militares que têem sido desde 1880 até esta data despachados alferes para o exercito da Africa Occidental e para a guarnição de Moçambique. Julgava-os importantes, e sobre elles teria de fazer varias considerações, quando estivesse presente o respectivo ministro.
Tendo um jornal transcripto uma parte de um discurso por elle feito em tempo, em resposta ao sr. ministro da marinha, e procurado analysar uma phrase que ali se lê, não tem duvida nenhuma em declarar que, embora ella não envolva injuria ou a minima allusão ao caracter e á dignidade do sr. Pinheiro Chagas, por quem professava sincera estima e profunda admiração, se tivesse revisto aquelle seu discurso, tel-a-ía substituído por outra mais amena, ou tel-a-ía mesmo eliminado.
Póde não concordar, e de facto não concorda, com o systema administrativo adoptado pelo actual sr. ministro da marinha, mas era incapaz de empregar contra s. exa. qualquer phrase que, proxima ou remotamente, podesse ferir os seus melindres pessoaes.
Julgava do seu dever fazer esta declaração, muito em, harmonia com a sua consciencia.
Não terminaria sem declarar que se associava com o mais intimo jubilo ás palavras de merecido louvor que diversos oradores têem dirigido ao illustre director geral da tachygraphia, o sr. conselheiro Clemente José dos Santos, trabalhador incansavel e benemerito, cuja modestia, por todos admirada, ainda mais exalça os seus elevadissimos merecimentos e as suas altissimas qualidades.
Desde muitos annos tributava a s. exa. a mais devotada estima e era por elle honrado com a sua amisade quasi paternal; folgava, por isso, de prestar áquelle cavalheiro uma publica homenagem da sua admiração e do seu respeito.
A camara resolveu que os documentos a que se referiu o sr. deputado fossem publicados no Diario da camara.
O sr. Presidente: - A espontaneidade da declaração que s. exa. acaba de fazer com referencia a uma phrase que proferiu, que vem no Diario da camara, e que não é parlamentar, dá a certeza de que s. exa. não quiz offender ninguem, e foi intencionalmente solta no calor do debate.
Basta isto, e é louvavel a declaração do illustre deputado.
O sr. Luiz José Dias: - Acabo de receber um telegramma de Caminha, assignado por um cavalheiro muito importante, e em que se me communica o seguinte:
(Leu.)
Já por mais do uma vez tenho chamado a attenção do governo para a questão da pesca no rio Minho, e uma das vezes o sr. ministro da marinha, que estava presente, encarregou-se de participar ao seu collega, as considerações que fiz, a fim de tomar as providencias que julgasse convenientes.
Hoje, visto que não está presente nenhum dos srs. ministros, peço a v. exa. a bondade de communicar ao governo o conteúdo do telegramma de que dei conhecimento á camara, a fim de tomar as providencias necessarias, para que não sejam lesados os pescadores do Minho, tanto mais que a prohibição da pesca não tem alcance ne-

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nhum para as medidas sanitarias que se têem adoptado.
O sr. Lencastre: - Tenho a declarar que quando se levantou o incidente ácerca do sr. Clemente José dos Santos, fui um dos primeiros que pedi a palavra, mas v. exa. não me ouviu.
Feita esta declaração, mando para a mesa dois projectos de lei, cujo relatorio peço licença para não ler.
Não sei se ha numero na sala, mas no caso de haver, requeiro, no uso do meu direito, que v. exa. consulte a camara sobre se dispensa o regimento para estes projectos terem o devido andamento.
O sr. Presidente: - Tenho muita consideração illustre deputado para não deixar de dar uma explicação a s. exa., depois do reparo, não direi censura, que acabou de dirigir-me, e por isso declaro que se não o inscrevi na altura em que pediu a palavra foi porque na mesa se ouviu.
O sr. Germano de Sequeira: - Hontem apresentei um projecto de lei, que teve hoje segunda leitura, o stendo-me de fazer quaesquer considerações sobre o merecimento d'elle, limito-me unicamente a dizer que tem por fim applicar aos juizes do tribunal administrativo e do tribunal de contas as disposições a simile do que se pratica com os magistrados judiciaes e do ministerio publico; porque seria uma grave injustiça que os membros do supremo tribunal administrativo e do tribunal de contas não tivesse as mesmas prerogativas, que têem os outros juizes que estão em identicas circumstancias.
Eu abstenho-me de acrescentar quaesquer considerações mais a este respeito, limitando-me, se por acaso já este projecto foi enviado ás commissões de administração publica e de legislação, a pedir a v. exa. e ás illustres commissões que o tomem na devida consideração, a ver se entrava o mais breve possivel em discussão, porque é negocio de bastante importancia.
O sr. Joaquim José Alves: - Sr. presidente occasião da discussão da lei de meios pedi a palavra para apresentar uma proposta tendente ao augmento do subsidio que actualmente é concedido á casa de detenção e correcção estabelecida no edificio das Monicas em Lisboa.
Não me tendo sido concedida a palavra, apenas, depois de votado o parecer sobre a lei de meios, consegui mandar para a mesa a dita proposta, sem que a podesse motivar.
É, pois, por este motivo que hoje me diriji a v. exa. pedindo-lhe me concedesse a palavra.
Sr. presidente, sinto não ver presente o digno relator commissão de fazenda o sr. Carrilho, porque é a s. exa. que eu desejo perguntar o que pensa ácerca d'ella, e qual o destino que tenciona dar-lhe, visto que só pude apresental-a, depois de approvado o projecto que se discutia.
Sr. presidente, eu não sou dos mais amigos de contribuir com o meu voto para os grandes augmentos de despezas, mas entre ellas ha algumas tão uteis e tão jus tificadas, que eu não tenho duvida de as propôr e votar.
Está n'este caso o augmento de subsidio que produz para a casa de detenção e correcção.
Todos que têem tido occasião de visitar este estabelecimento, sabem o desenvolvimento progressivo que o digno procurador regio da relação de Lisboa, o sr. Manuel Pedro de Faria Azevedo ali tem introduzido, a maneira seria a honrosa como tem administrado tão útil instituição, e as difficuldades com que lucta constantemente para a sua conservação, dispondo de um pessoal diminuto para desempenhar os serviços de diversas officinas ali estabelecidas.
A instrucção, que devia ser exercida por um professor está confiada a um recluso, por não haver recursos para satisfazer a um individuo habilitado.
A escola de marinheiros, ultimamente inaugurada sob melhores auspicios, e de que se têem tirado excellentes resultados, está em risco de fechar-se, perdendo-se assim o capital empregado na factura do brigue escola, por falta de meios para o pessoal de instrucção e custeio do mesmo navio.
Portanto, os misteres mais importantes d'aquella casa desapparecerão em breve se não tratarmos de auxiliar aquelle estabelecimento com mais recursos.
Eu poderia apresentar mais detalhes sobre as vantagens de conservação d'este estabelecimento, e abstenho-me de fazel-o, porque todos os conhecem de sobejo.
Limito-me, portanto, a pedir ao illustre relator, que acabo de ver entrar na sala, me diga se tenciona atender áquella proposta, que eu classifico como muito importante e urgente, porque da sua aprovação resulta um dos maiores serviços feitos á sociedade, privando a no futuro de homens cravados no vicio e na perdição.
Creia, pois, o sr. Carrilho, que me será mui agradável saber que a minha proposta, foi bem recebida pela illustre commissão, ou recommendada ao governo, para que, considerando-a, attenda á urgencia de melhorar as condições economicas d'aquelle estabelecimento, de fórma a poder satisfazer aos fins da sua instituição.
O sr. Carrilho: - Por parte da commissão de fazenda, tenho a informar o illlustre deputado de que a sua proposta não está esquecida.
Como a camara resolveu, que fosse enviada á commissão e não ao governo, por isso a commissão tencionava occupar-se d'ella n'uma das proximas reuniões. Agora, porém, vejo que o illustre deputado deseja que ella vá ao governo para a tomar na devida consideração e não vejo n'isso inconveniente algum. Em todo o caso a commissão ha de reunir-se brevemente e, de accordo com o governo, tomará uma resolução sobre a proposta apresentada por s. exa.
O sr. Presidente: - Vão ler-se os projecto de lei apresentados pelo sr. Lencastre, e para os quais pedi a urgencia.
Admittidos á discussão foram consederados urgentes e enviados, um á commissão de legislação criminal, e outro á commissaõ de legislação commercial.
O sr. Visconde de Ariz: - Mando para a mesa uma declaração de voto.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa um parecer das commissões de fazenda e ultramar sobre o projecto de lei que auctorisa o governo a conceder a D. El-vira Adelaide Pereira Martins de Lusignan de Azevedo, viuva do tenente do exercito da Africa Occidental, Antonio Augusto Lusignan de Azevedo, victima da explosão que teve logar na fortaleza da S. Miguel, na provincia de Angola, a pensão annual de 180$000 réis.
O sr. Presidente: - Vae ler-se uma proposta que ficou para segunda leitura, o que não póde realisar-se hontem em consequencia do incidente de que a camara se occupou antes da ordem do dia.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Attendendo a que de quasi todos os districtos administrativos frequentemente saem innumeros cidadãos portuguezes que vão procurar em terra estranha os meios de subsistencia;
Attendendo a que é urgente e indispensavel fazer convergir para as nossas colonias africanas a corrente de emigração portugueza que ali encontrará melhor clima, protecção mais efficaz, e não menos abundantes recursos;
Attendendo a que hoje mais do que nunca se impõe a todos os espiritos a necessidade de estudar e resolver nos seus multiplices aspectos a questão colonial;
Proponho que seja nomeada uma commissão parlamentar de nove membros para no intervallo das sessões estudar:
1.° As causas da emigração portugueza;
2.° Os meios mais conducentes a fazel-a convergir para as nossas colonias de Africa;

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3.° As localidades de cada provincia ultramarina onde convirá estabelecer centros de população europêa;
4.° Os meios praticos de conseguir este resultado.
Sala das sessões, 23 de junho de 1885. = Sebastião Centeno = Adriano Cavalheiro.
Foi admittida, e seguidamente approvada sem discussão.

O sr. Presidente: - Ficou pendente a discussão do projecto de lei n.° 93, que tem por fim auctorisar a camara municipal de Trancoso a desviar do fundo de viação a quantia de 6:000$000 réis para ser applicada a differentes obras municipaes.
Vae ler-se para continuar em discussão.
Havia impugnado o projecto o sr. Consiglieri Pedroso e estava inscripto o sr. Avellar Machado.
(Leu.)
O sr. Avellar Machado : - Direi simplesmente muito poucas palavras para esclarecer o sr. Consiglieri Pedroso.
A camara municipal de Trancoso tem oito estradas construidas, duas districtaes e seis municipaes, e posso afiançar que a camara tem em cofre quantia muito superior áquella de que se trata.
Tambem devo declarar que tenciono apresentar brevemente á consideração do parlamento um projecto de lei, onde sejam attendidos os casos especiaes em que as camaras municipaes possam desviar algumas quantias dos fundos de viação sem lhes ser necessario recorrer ás cortes.
O sr. J. J. Alves: - Não me opponho ao projecto mas tenho simplesmente a notar uma cousa.
Diz o projecto:
(Leu.)
Parecia-me que com 6:000$000 réis não se podia fazer tanta cousa.
(Interrupção.)
Acho baratissimo; e eu que tenho amor á cidade de Lisboa, declaro que, se podesse transportar para cá a municipalidade de Trancoso, para fazer os melhoramentos de que nós carecemos, com tão pouco despendio, certissimamente o faria.
Não me opponho ao projecto; quiz apenas fazer esta declaração.
O sr. Avellar Machado: - Duas palavras apenas.
Os reparos de s. exa. têem sua rasão de ser: entretanto observarei a s. exa., porque conheço as condições da localidade que a mão de obra ali é baratissima assim como o material.
Alem d'isto não é só com a verba de 6:000$000 réis que a camara municipal faz face ás obras que são precisas, mas tambem com as receitas ordinarias de que póde dispor.
Os 6:000$000 réis é só em relação á parte que precisa da auctorisação do parlamento.
O sr. J. J. Alves: - Concordo perfeitamente com o que acaba de dizer o sr. Avellar Machado, mas a redacção d'este projecto está de tal fórma que parece que com os 6:000$000 réis se faz tudo isto.
Como sou partidario das economias e desejo que se façam todos os melhoramentos, não tenho senão a louvar a camara municipal de Trancoso, desejo que todos a acceitem n'este sentido.
As explicações que s. exa. acaba de dar-me satisfizeram-me e por isso nada mais tenho que dizer.
O sr. Luiz José Dias: - Parece-me que este projecto não seguiu os tramites competentes, porque se apresenta só com o parecer da commissão de obras publicas, quando devia ser tambem ouvida a commissão de administração publica.
Estou de accordo com as observações que o meu illustre collega e amigo o sr. Joaquim José Alves acaba de fazer quanto á redacção do projecto.
Effectivamente a redacção não está correcta.
Entendia que era muito melhor e foi esse o fim porque eu pedi a palavra, que a commissão se apressasse em apresentar á camara um projecto de lei ácerca das idéas expendidas pelo sr. Avellar Machado, em que se especificasse taxativamente os casos em que as camaras podessem desviar dos fundos as quantias necessarias para certas obras. Do contrario estamos todos os dias a votar projectos d'esta ordem.

sr. Presidente: - Não ha mais ninguém inscripto, por isso vae votar-se o projecto.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Tinha tambem ficado pendente a discussão do projecto n.° 47.
Vae ler-se.
Este projecto auctorisa o governo a mandar inspeccionar pela junta de saude naval e do ultramar o tenente reformado do exercito de Africa Occidental, Bento de Andrade Cabral, e bem assim, dado o caso em que seja considera-lo prompto para o serviço, a annullar o decreto que o reformou procedendo depois convenientemente.
O sr. Ferreira de Almeida: - Não occuparei por muito tempo a attenção da camara fazendo largas considerações sobre o projecto que se discute.
Limitar me-hei a affirmar mais uma vez o meu voto contra tudo que são melhorias de reformas e reintegrações d'esta natureza; e como este projecto naturalmente passa lembrarei apenas, para se salvar alguma cousa, se eliminem estas palavras: «procedendo depois convenientemente», porque ou se procede nos termos da lei, ou então são denecessarias estas palavras.
Póde esta designação vir dar uma especie de campo de abertura a cousas que podem não ser muito conformes com a lei. (Apoiados.)
São estas as considerações que tinha a fazer e mando para a mesa uma emenda no sentido a que me referi.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Que se substitua a phrase «procedendo depois convenientemente» pela «sem direito a indemnisação de especie alguma». = Ferreira de Almeida = Elvino de Brito.
Foi admittida.

O sr. Avellar Machado: - Desejava primeiro ouvir sr. relator da commissão se acceita ou não a emenda proposta pelo sr. Ferreira de Almeida.
O sr. Scarnichia (relator): - Por parte da commissão do ultramar, declaro que acceito a emenda proposta pelo sr. Ferreira de Almeida.
O sr. Avellar Machado: - Em virtude da declaração que acaba de fazer o sr. relator, não me resta senão fazer uma proposta, que é para eliminar aquellas palavras.
A commissão entende que este official, no caso que seja approvado pela junta de saude, é reintegrado no posto que tem.
Conta-se a sua antiguidade da data da reintegração, ou conta-se o tempo durante o qual esteve reformado?
O sr. Scarnichia : - Conta-se da data da reintegração.
O Orador: - Diz o sr. relator que é da data da reintegração. Estou satisfeito.
O sr. Elvino de Brito: - Da data da reintegração, em indemnisação alguma.
O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Visto que já são tres horas e vinte e cinco minutos, e a hora de se passar á ordem do dia é ás tres, requeiro a v. exa. que consulte á camara se quer que se interrompa a sessão até estar presente o sr. ministro respectivo para poder entrar, em discussão o projecto que está dado para ordem do dia.
O sr. Presidente: - Está nas attribuições da mesa attender o requerimento do sr. Carlos Lobo d'Avila; e co-

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885 2661

mo já passa muito da hora para se entrar na ordem do dia, interrompo a sessão até estar presente o governo.
Vozes : - Muito bem.
Eram tres horas e vinte minutos.
Ás tres horas e trinta e cinco minutos entrou o sr. presidente do conselho e ministro das obras publicas, e foi aberta a sessão.
O sr. Presidente: - Antes de se passar á discussão do projecto de lei n.° 157 dou a palavra ao sr. Goes, que a tinha pedido para um negocio urgente quando estivesse presente o governo.
O sr. Goes Pinto: - Começo por agradecer a v. exa. o ter-me concedido a palavra.
Eu recebi de Caminha, assim como tambem o meu illustre amigo e collega, o sr. Luiz José Dias, um telegramma firmado por um cavalheiro de toda a respeitabilidade, que diz o seguinte:
(Leu.)
Eu desejava perguntar ao sr. presidente do conselho se sabe alguma cousa com respeito a esta alteração da ordem o quaes são as providencias que se têem empregado com relação ao exercicio da pesca, que me parece que é perfeitamente compativel com a vigilancia que se exige nas actuaes circumstancias, para ver se se evita a invasão de cholera.
Effectivamente aquella pobre gente não tem outro ramo de industria para seu ganha pão.
Limito me a dar conhecimento d'este telegramma ao sr, presidente do conselho, porque estou convencido de que s. exa. ha de fazer tudo quanto estiver ao seu alcance, sem prejuizo da saude publica.
O sr. ministro do reino já tinha sido advertido ha dois ou tres dias pelo meu amigo, o sr. Luiz José Dias a este respeito, mas, como s. exa. tem estado doente, é possivel que não se tenha ainda resolvido cousa alguma, e é necessario que se resolva.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Eu tive conhecimento de um telegramma analogo ao que o illustre deputado recebeu, e tambem o sr. Luiz José Dias, dirigido ao governo pelo administrador do concelho de Caminha, no qual dizia que um grande numero de pessoas, mas pacificamente, sem alteração da ordem, estava solicitando da auctoridade que lhes permittisse a pesca durante o dia no rio Minho.
Todos sabem que no rio Minho pescava-se de dia e de noite; e em virtude das medidas sanitarias tomadas, foi prohibida a pesca.
Os pescadores pedem que ao menos os deixem pescar de dia. Até agora não se tem tomado resolução definitiva a este respeito; tudo depende de se poder conciliar a fiscalisação necessaria debaixo do ponto de vista sanitario com as conveniencias d'aquella gente.
Todos comprehendem que isto é difficil; mas, se for possivel combinar estas duas circumstancias, de maneira que se possa permittir a pesca, a fim de que aquella gente possa continuar a viver da sua industria, sem comprometter a saude publica, o governo será o primeiro a desejar que a pesca continue a fazer-se.
O telegramma não foi dirigido a mim, como se póde comprehender, mas foi dirigido ao sr. ministro do reino. Eu não fallei com elle depois d'isso, mas supponho que elle ha de ter tomado providencias, no sentido que acabei de indicar
Vozes: - Muito bem.
O sr. Presidente: - Em vista da resposta do sr. presidente do concelho ao sr. Goes Pinto, penso que o sr Luiz José Dias prescinde do pedido que me fez para eu prevenir o governo.
Fica ainda pendente o projecto n.° 47 e passa-se á discussão do projecto n.° 157, que está dado para ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto n.° 157
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 137

Senhores. - Ás vossas commissões reunidas de fazenda e obras publicas foi presente a proposta de lei n.° 145-A, referente ao melhoramento do porto de Lisboa.
O importante emprehendimento a que se refere a proposta do governo tem sido objecto de tantos estudos, tem occupado tanto a opinião publica n'este paiz, que inutil seria de certo entreter a vossa esclarecida opinião com a justificação demorada da sua necessidade e importancia.
Se o estabelecimento e desenvolvimento das vias ferreas tem vivificado a actividade em todo paiz, e se á custa de despendios consideraveis temos conseguido pelo seu desenvolvimento o progresso da nossa agricultura e da nossa industria, justo e indispensavel se torna que procuremos tirar todo o proveito das obras realisadas, que coroemos todos os esforços que têem sido empenhados em beneficio do desenvolvimento material da nação.
O centro principal de todas as transacções mercantis do paiz, o principal e quasi unico deposito intermedio do commercio internacional que se dirige para uma consideravel area ela peninsula, a unica estação que o paiz offerece ao transito inter-continental é a capital do reino.
Podem as communicações ferro-viarias concentrar n'este grande receptaculo commercial os productos da actividade e exploração de uma larga zona de territorio peninsular, que sejam destinados a fornecer os mercados estrangeiros, podem distribuir por uma consideravel area as mercadorias que a navegação de todas as lotações e de todo o mundo venha accumular n'este grande deposito; para que os beneficios d'essa viação se possam fazer sentir com toda a efficacia forçoso se torna que se lhe abram com presteza e segurança as portas para a communicação maritima.
Celeridade e economia são condições indispensaveis para o desenvolvimento das transacções mercantis; poderam ellas conseguir-se nas communicações terrestres pelo estabelecimento das vias ferreas, poderam desenvolver-se nas communicações maritimas pelos enormes progressos da construcção naval, indispensavel se torna agora conseguil-as na baldeação que tem de operar-se entre os dois generos de communicação.
Dotar o porto de Lisboa com meios apropriados de reparação e fabrico, para as grandes e pequenas embarcações que o possam demandar, operar com facilidade e segurança a carga e descarga no porto commercial, prestar ao commercio deposito commodo e expedito para as mercadorias que por aqui houverem de transitar, procurar, pol-as em communicação rapida e economica com as vias ferreas que têem o seu terminus, n'esta capital, reduzir como consequencia ao rigoroso e minimo o tempo de estacionamento dos navios do commercio n'este amplo estuário com que a natureza dotou o mais bello porto da peninsula, eis o objectivo dos melhoramentos a que se refere a proposta do governo, cuja avultada importancia é de si bem manifesta.
Não é o porto de Lisboa simplesmente um porto de escala, embora a sua posição geographica na parte mais occidental da Europa continental, na proximidade da grande corrente maritima equatorial e as suas condições naturaes de facilidade de accesso, segurança interior e grande braceagem contribuam para o tornar frequentado já hoje por numerosos paquetes de grande caladura; é tambem um importante porto de commercio regional, como é manifesto pelo valor e peso das mercadorias que já hoje transitam por seu intermedio. E, se as commodidades que os novos melhoramentos offerecem ao movimento de escala podem fazer prever um augmento consideravel no commercio do

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transito, é certo também que já o movimento actual de importação e exportação reclamam os melhoramentos que agora se propõem.
A zona extractiva do porto de Lisboa crescerá com as commodidades que elle offerecer á navegação e ao commercio, e o raio da sua esphera de acção crescerá com o melhoramento das condições da sua exploração, apesar da concorrencia que procurarão fazer-lhe portos peninsulares servidos já por importantes vias ferreas e que offerecem ao commercio commodidades que não se encontram ainda no porto de Lisboa.
O melhoramento das condições de salubridade e o augmento e aformoseamento da cidade augmentarão o esplendor d'esta capital.
E por isso, senhores, que a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa relacionada com tantos interesses legitimos, que ao governo compete auxiliar e patrocinar, tem occupado e continua a occupar a attenção de muitas pessoas que têem manifestado o seu voto pela necessidade e urgencia de taes obras, em associações technicas de elevada competencia, em corporações administrativas de grande auctoridade, na imprensa e no parlamento.
Um plano geral de obras elaborado por uma commissão especial nomeada pelo governo tem sido objecto do estudo de muitas corporações cuja competencia era apropriada á resolução das muitas questões que se prendem com estes melhoramentos, e tem merecido o voto de muitas opiniões.
Este plano, que foi formulado depois de estudos minuciosos sobre projectos anteriormente feitos, mereceu em geral a approvação de todas as estações consultadas, embora nos seus detalhes tenha merecido reparo a alguns dos seus membros. É por isso que as vossas commissões entenderam que o projecto definitivo que deve servir de base ao concurso para a adjudicação das obras, deve ser formulado, tendo em attenção o mencionado plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883.
O plano geral, porém, formulado por esta commissão dividiu em quatro secções distinctas as obras a executar no estuario do Tejo, em frente da cidade, e se a construcção de todas as obras projectadas é de reconhecida utilidade para que possam ser satisfeitas completamente as variadas necessidades que ha a prover, não é menos certo que, tanto sob o ponto de vista commercial, como sob o aspecto na salubridade de Lisboa, a secção mais importante é a primeira que comprehende as obras a executar entre Santa Apollonia e o Caneiro de Alcantara. É aqui que se concentrarão quasi todas, se não todas as operações commerciaes do porto, permittindo a extensão dos caes a construir, um desenvolvimento sufficiente para o movimento maritimo e commercial da actualidade, e a area molhada das docas, uma superficie mais que sufficiente para o serviço dos navios que n'ellas houverem de entrar; são tambem os enlodamentos que n'aquella extensão se produzem os que têem influencia mais perniciosa na vida dos habitantes de Lisboa. A execução das obras da primeira secção sem prejudicar o desenvolvimento futuro de novas obras nas restantes secções, não nos faz recaír na responsabili- dade perante gerações futuras de dificultarmos a execução de obras que sejam reclamadas por um progressivo augmento commercial, mas antes é aconselhada por uma justa prudencia na despeza total a effectuar desde já.
E agora, senhores, estamos chegados á resolução de duas importantes questões que se offerecem naturalmente no estudo d'este importante projecto: refere-se uma á justificação economica dos melhoramentos que se projectam; refere-se a outra ás condições financeiras que regularão o contracto a effectuar.
Executadas as grandes obras que se projectam, podem os beneficios que ellas promoverão justificar os encargos e que a sua construcção exige? Tal é o problema de natureza economica, que se apresenta ao espirito de todos que têem de apreciar a proposta do governo.
A esta questão responde com a maxima auctoridade a assciação commercial de Lisboa, pedindo com instancia que se convertam em realidade as obras projectadas, depois de saber quaes são os impostos com que se pretende fazer face aos encargos d'ellas.
Executados os melhoramentos que se projectam, será reduzida a uma baldeação apenas a dupla baldeação que hoje soffrem as mercadorias no porto, do convez dos navios para as fragatas e d'estas para o caes da cidade, e supprimido o transporte que por estes vehiculos fazem as mercadorias entre os navios e os caes; as operações de carga e descarga effectuadas pelos modernos processos re-presentarão facilidade e rapidez importantes na execução d'estas operações; a armazenagem e pesagem das mercadorias far-se-ha com mais simplicidade e rapidez; emfim, os terraplenos e depositos que, executadas asobras, poderão ser alugados ao commercio com manifesta vantagem para este, visto que lhe dispensará transportes onerosos para armazens muitas vezes desviados dos principaes cen-tros commerciaes, constituirá ainda uma commodidade manifesta para os usos commerciaes.
A construcção das docas de reparação que constitue talvez a mais urgente necessidade d'este porto, dando segurança ao commercio, poderá fazer attrahir com manifesta vantagem a Lisboa, muitos navios de grande lote, que, passando em frente da nossa barra, têem hoje de procurar no Havre e em Cadix as officinas que lhes permitiam a visita e reparação.
Entretanto, a suppressão do serviço das fragatas no movimento commercial será uma compensação importante do imposto ad valorem sobre a importação, o producto das tarifas de carga e descarga, de pesagem e armazenagem estabelecidos por fórma a não aggravarem o commercio, darão ,um rendimento importante para compensar os encargos das obras; o aluguer dos terraplenos e depositos, onde as mercadorias podem ser sujeitas a diversas transacções mercantis e o rendimento das docas seccas, que prestarão relevante serviço ao commercio, augmentarão a receita do novo porto; e a verba total que serve de base á licitação, sendo o computo de encargo effectivo das obras, consideravelmente attenuada, não só pela venda definitiva e manifestamente vantajosa de metade dos terrenos disponiveis á empreza constructora das obras, mas ainda pela venda dos terrenos restantes que podem ser cedidos para os usos particulares, terá uma applicacção que é economicamente bem justificada, não só pelo rendimento directo das obras, nas ainda pelas vantagens indirectas que resultam do aperfeiçoamento do trafego no nosso primeiro porto maritimo.
Apresentando-vos, senhores, estas considerações, não é nossa intenção definir um systema especial de tarifas para o porto de Lisboa. Variaveis em extremo são ellas nos diversos portos de mar, como variaveis são tambem os impostos de tonelagem e pilotagem que ali se pagam; o estabelecimento de taes tarifas, e porventura a modificação de alguns impostos que pesam sobre a navegação não podem ser regulados sem maduro estudo, e em attenção com equilibrio economico que deve sustentar o nosso codigo aduaneiro; quizemos simplesmente demonstrar como tinham perfeita justificação economica as obras que se propõem. Não podemos, porém, deixar de fazer sentir desde já que estas apreciações têem como coefficiente de segurança o progresso mercantil do nosso porto; e se já os re-latorios officiaes anteriores annunciaram um acrescimo bem pronunciado no movimento maritimo e commercial do porto de Lisboa, como para o corroborar, a estatistica do movimento maritimo do ultimo anno de 1884 já nos offerece a tonelagem de arqueação portugueza de 4.118$000 toneladas, quando em 1883 nos dava 3.616$000 toneladas, as mercadorias importadas, exportadas, reexportadas, em baldeação e transito, que em 1883 tinham o valor de

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35.596:$00 réis, já em 1884 tiveram um vaior superior.
Resta-nos apreciar as condições financeiras do projecto.
Têem ellas como base os rendimentos provenientes de quatro fontes de receita, que no entender das vossas commissões não foram computados exageradamente:
1.° O rendimento de 580:000$000 réis, approximadamente, em que foi computado o rendimento do imposto ad, valorem sobre a importação não póde ser considerado como elevado. O imposto de 4/10 por cento, que tem sido cobrado desde julho ultimo, rendeu no primeiro semestre do actual anuo economico a quantia de 56:687$000 réis, em que não está comprehendido o rendimento do imposto na alfandega da Horta, nos quatro ultimos mezes do semestre indicado; o acrescimo que muito pronunciadamente se faz sentir no commercio do porto de Lisboa, deverá augmentar sensivelmente o rendimento d'este imposto nos annos seguintes.
2.° A venda dos terrenos á empreza está fixada por um valor que muito vantajoso parece ás vossas commissões, em vista do preço por que terrenos analogos têem sido vendidos ultimamente. A area dos terrenos conquistados ao Tejo, seguindo precisamente o plano da commissão de 1883, e na primeira secção das obras póde computar-se entre a rocha do conde de Óbidos e o caneiro de Alcantara em 28 hectares, na parte que póde ser aproveitada para installações particulares; e se o espaço de 19,5 hectares que pelas obras se conquista em frente da praça dos Romulares e da praça do Commercio não póde ser aproveitado para o uso de particulares, comtudo no espaço comprehendido entre a alfandega e o extremo leste das obras a executar não será difficil encontrar um espaço de 5 hectares que se não torne necessario para os usos publicos.
3.° A verba de 30:000$000 réis, mencionada no orçamento do estado é fixa.
4.° O rendimento dos direitos especiaes do porto, computados em 500:000$000 réis, não póde ser computado de exaggerado. A commissão nomeada em 1871 e que formulou um plano de melhoramentos para o porto de Lisboa computou-o em 600:000$000 réis; em 500:000$000 réis o calculou tambem a proposta do governo que no anno passado foi apresentada ao parlamento.
A comparação dos rendimentos em portos beneficiados com identicos melhoramentos mostra tambem que aquella quantia não poderá considerar-se exaggerada, tanto mais que o progressivo incremento que bem se faz presumir do commercio n'este porto maior segurança dará ás previsões que possam fundar-se sobre o commercio actual.
Tomando as bases indicadas, é fácil de reconhecer que as receitas de que podemos dispor para fazer face aos encargos das obras, se representarão nos annos successivos durante a operação pelas quantias seguintes:

1.º anno... ......................... 643:646$000
2.° anno............................. 626:646$000
3.° anno............................. 639:646$000
4.° anno............................. 652:646$000
5.° anno............................. 655:646$000
6.° anno............................. 678:646$000
7.° anno. ............................ 732:146$000
8.° anno............................. 782:146$000
9.° anno............................. 882:146$000
10.° anno............................ 982:146$000
11.° e seguintes....................... 817:500$000

Um simples calculo basta para demonstrar que no fim do decimo anno o governo poderá ter despendido em numerario uma quantia approximada de 7.300:000$000 réis, em que se comprehendem: pagamento directo de obras construidas, os juros vencidos por 61:765 obrigações emittidas e todos os prémios de cambio a pagar durante a operação; e que as receitas dos annos subsequentes até ao gecimo nono são sufficientes para a amortisação das obrigações emittidas, com saldo no ultimo anno.
Por esta fórma, senhores, por uma operação cujos titulos em quantia avultada são tomados firmes por 444,44 francos, ou 80$000 réis, correspondentes aos títulos de 3 por cento tomados a 51,23 por cento, poderemos realisar a obra que maior influencia póde ter no desenvolvimento economico do paiz; e findo o espaço de dozenove annos nenhum encargo haverá a pagar proveniente da realisação das obras, que tão avultados beneficios podem produzir para a nação.
Entenderam as vossas commissões, que devia ser fixado em 540:000$000 réis (valor real) o deposito a que se refere o § 2.° do artigo 1.° da proposta do governo.
Por todas as considerações expostas, as vossas commissões reunidas, de fazenda e obras publicas, de accordo com o governo, têem a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, a construcção das obras do novo porto de Lisboa, concernentes á primeira secção do plano geral, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, comprehendendo cães marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga e descarga e reparação, machinismos e guindastes hydraulicos, caes fluctuantes e vias ferreas, para serviço do mesmo porto, nos termos e em conformidade das seguintes bases.
§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto de Lisboa proposto pela citada commissão de 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas, o projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso.
§ 2.° O governo publicará o caderno de encargos e o programma do concurso, ao qual ninguém poderá ser admittido sem que tenha depositado na caixa geral de depositos titulos de divida publica portugueza interna, externa, no valor real de 540:000$000 réis. Estes titulos serão restituidos successivamente pelo seu valor no mercado, á proporção que as differentes obras forem postas em serviço, na rasão de 5 por cento do valor das ditas obras.
§ 3.° O praso para a construcção da 1.ª secção das obras do porto de Lisboa será de dez annos.
§ 4.° O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis.
§ 5.° O pagamento dos trabalhos executados será feito, parte em dinheiro, e parte em obrigações, de 90$000 réis nominaes cada uma, com hypotheca sobre o rendimento das obras, vencendo juro de 5 por cento ao anno.
A parte em dinheiro comprehende:
a) O producto da venda dos terrenos, em conformidade com o que vae disposto no logar competente;
b) O producto do imposto de 2 por cento ad valorem sobre a importação geral, creado pela lei de 26 de junho de 1883, depois de abatida a parte que corresponde ao juro 3 amortisação das sommas despendidas no porto de Leixões;
c) A verba annual para melhoramentos do porto de Lisboa inscripta no capitulo 6.° do orçamento do ministerio das obras publicas;
d) O producto da exploração directa, ou adjudicada, das docas, e mais obras que se fizerem em virtude da presente lei.
A parte em obrigações será igual á differença entre as sommas pagas em dinheiro, e a importancia das obras executadas.
§ 6.° As obrigações a que se refere o paragrapho antecedente, que o governo fica auctorisado a crear para este fim especial, serão tomadas em pagamento das obras pela empreza ao preço firme de 80$000 réis.
§ 7.° Um syndicato nacional ou estrangeiro, cuja formação o governo poderá auctorisar, trocará aquellas obrigações por dinheiro corrente, mediante a commissão de

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3 1/2 por cento sobre o nominal dos ttulos. A empreza poderá, querendo, conservar em seu poder as ditas obrigações, auferir a mencionada commissão, que em qualquer das duas hypotheses será paga pelo governo.

e todos, os modos, porém, nem o syndicato, nem a empreza, poderão em tempo algum negociar nos mercados de Lisboa, Paris ou Londres aquellas obrigações, as quaes, por sorteio semestral, serão amortisadas no praso de novo annos, a contar do decimo primeiro anno depois do começo da execução do contrato.
§ 8.° A empreza obrigar-se-ha a tomar pelo preço firme de 10$000 réis por metro quadrado de superficie, metade dos terrenos conquistados ao Tejo, por effeito das obras do porto, depois de deduzidos os que forem necessarios para as docas e para os usos públicos. O valor da superficie disponivel d'estes terrenos, dividido pelo numero de annos do periodo da construcção, será encontrado como dinheiro em cada anno nas sommas que a empreza tiver a receber do estado.
§ 9.° O governo organisará as tarifas, taxas e tabellas respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, fará os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás côrtes da importancia e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 20 de junho de 1885. = Augusto Fuschini (com declarações) = Caetano Pereira Sanches de Castro = Moraes Carvalho = João Arroyo = Lopo Vaz de Sampaio e Mello = Correia Barata = Frederico Arouca = A. C. Ferreira de Mesquita = Lopes Navarro = Augusto Poppe - Marçal Pacheco = Avellar Machado = Antonio José d'Avila = Manuel d'Assumpção = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello Ganhado = João Franco Castello Branco = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Alfredo Barjona = José de Azevedo Castello Branco = Antonio Maria Pereira Carrilho = José Gonçalves Pereira dos Santos, relator.
Proposta de lei n.° 145-A
Senhores. - A obra a fazer no porto de Lisboa, uma das mais grandiosas, se não a maior, que temos a emprehender em Portugal, é o complemento dos nossos caminhos de ferro internacionaes, e será tão poderoso instrumento de riqueza publica, que o sacrificio a que obrigasse mais ou menos temporariamente, seria largamente resgatado, compensado e excedido, em vantagens immediatas e incontestaveis.
Não é de hoje, nem de hontem, que se pensa n'este importante melhoramento. Vem já do seculo passado as primeiras tentativas para o realisar, e n'este em que vivemos muitos estudos, muitos projectos, e vários contratos se têem feito no intuito de o levar a cabo. O primeiro de todos, que eu tive a honra de assignar em 1854, e os que se lhe seguiram em 1863, 1866 e 1874, alem de varios e importantissimos estudos em epochas differentes, se attestam inquestionavelmente o cuidado que tão momentoso assumpto tem merecido a tão diversos governos e a tantos homens d'estado, não denunciam menos a má estrella que tem acompanhado sempre a iniciativa d'aquelles que, impellidos por um alto sentimento de patriotismo, ousaram emprehender tão vasto commettimento.
Aos meus dois ultimos e illustres antecessores no ministerio das obras publicas, que tenho a honra de dirigir interinamente, sem escurecer os serviços de qualquer outro, que muitos os têem prestado, e valiosos, deve este assumpto impulso tão assignalado, que seria mais do que injusto esquecel-os. Ao primeiro deve-se principalmente a nomeação da commissão de 16 de março de 1883, que produziu o mais desenvolvido estudo que sobre esta questão se tem elaborado; e, sobretudo, deve-se-lhe a lei de 26 de junho do mesmo anno, que creou os meios de occorrer aos encargos resultantes das obras projectadas nos nosssos dois grandes portos. Ao ultimo, ao meu immediato antecessor deve-se-lhe a apropriação d'esta idéa generosa e grande, o incitamento ao largo estudo de que ella tem sido objecto, e em grande parte as discussões, os relatorios, as estatisticas, o enthusiasmo com que a tem acompanhado, e a propaganda que tem feito. Graças a tantos trabalhos reunidos, a construcção do porto de Lisboa está hoje na mente de todos, como uma necessidade impreterivel e inadiavel; e o ministro que a iniciar, e o parlamento que a votar, não fazem mais do que pôr o sêllo official, e consagrar pela lei, o que está deliberado pela opinião illustrada e independente.
D'entre as questões palpitantes, que occupam os homens publicos em Portugal, não conheço nenhuma que esteja tão estudada e tão madura para ser resolvida como esta. Nas regiões officiaes, e nas associações, que não têem igual caracter, mas que não revestem pequena importancia, tem ella sido debatida. O parecer altamente recommendavel, e desenvolvido, da illustre commissão de 16 de março; o competentissimo relatorio da junta consultiva de obras publicas; o erudito estudo que precede a proposta do meu antecessor, com os variados esclarecimentos que a acompanham; os mappas e projectos elaborados por engenheiros distinctos nacionaes e estrangeiros; a conferencia no ministerio das obras publicas; as discussões e pareceres da associação commercial de Lisboa, da associação dos engenheiros civis, da associação dos jornalistas e escriptores portuguezes, da junta geral do districto, e da sociedade de geographia; e o illustrado parecer das commissões reunidas de fazenda e obras publicas da camara dos senhores deputados, lançam tanta luz n'esta questão, e accusam tal unanimidade de pensar e de sentir, que não deixam nada a desejar, para levar o convencimento aos mais incredulos, e a coragem e resolução aos mais timidos e hesitantes.
Circumstancias que não vem para aqui referir, mas que são conhecidas de todos, impediram que esta obra monumental podesse ser discutida e votada, no principio da actual sessão legislativa, como fôra proposto na sessão anterior, visto que, sendo forçoso recorrer ao credito, e estando o preço dos nossos fundos em baixa muito accentuada, seria temeridade indesculpavel appellar para os capitães nacionaes e estrangeiros, em tão apurada situação dos mercados. O adiamento, pois, foi de vantagem incontestavel. O credito reanimou-se depois d'isso, e um cidadão benemerito, pondo o seu espirito illustrado e patriotico ao serviço de uma causa tão sympathica e util, póde entretanto obter de um dos primeiros engenheiros da Europa, n'esta especialidade, um projecto de contrato que assegura, pelo caracter e competencia da pessoa, a execução conscienciosa dos trabalhos que se emprehenderem, e pela combinação das condições financeiras, a realisação de tal melhoramento, sem encargo para o thesouro, e sem novas exigencias aos contribuintes. Basta o simples enunciado d'esta proposição para justificar, para aconselhar mesmo, n'este momento um projecto que alguns mezes antes poderia trazer difficuldades e complicações.
A proposta apresentada pelo par do reino o sr. Mendonça Cortez (documento n.° 1), e o projecto de contrato do sr. Hersent (documento n.° 2), dão clara idéa do que se pretende fazer. De accordo com estes documentos, e com as conclusões da commissão nomeada em 16 de março de 1883, confirmadas pelo parecer da junta consultiva de obras publicas, foram redigidas as bases que constituem a proposta do governo. O caderno de encargos será organisado pelas estações competentes, em conformidade com as regras geralmente adoptadas em similhantes trabalhos, e o concurso fixará o preço das obras, tomando por ponto de partida os calculos da commissão a que me refiro. Como só tratamos agora da 1.ª secção, isto é, da verdadeira secção commercial, o custo não poderá exceder a réis 10.800:000$000, em harmonia com os referidos calculos.

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Ha tres pontos que destacam principalmente na proposta que tenho a honra de apresentar, e que não existiam em nenhuma das anteriores, e são os seguintes:
1.° Obrigação de tomar pelo preço de 10$000 réis firmes por metro quadrado, uma parte importante dos terrenos disponiveis que forem conquistados ao Tejo.
2.° Pagamento de metade do custo das obras approximadamente em titulos do estado expressamente creados para esse fim.
3.° Compromisso de não poderem ser levados em tempo algum aos mercados de Lisboa, Paris ou Londres os referidos titulos.
A primeira d'estas condições fornece ao governo um recurso valioso para auxiliar o pagamento das obras do porto de Lisboa. A segunda dispensa o thesouro de recorrer ao credito pelos meios ordinarios na proporção do valor dos titulos emittidos. A terceira desaffronta os nossos fundos, que não serão affectados pela concorrencia d'estes, que não podem vir ao mercado.
Se acrescentarmos que os titulos a emittir, do valor nominal de 9Q$000 réis, são tomados firmes a 80$000 réis ou 444,44 francos, o que com commissão de 3$150 réis por cada um os faz corresponder a titulos de a por cento a 51,47, creio que a operação, financeiramente fallando, é incontestavelmente vantajosa, independente de outras condições que a acompanham.
Segundo proposta, as obras deverão estar concluidas em dez annos, e a operação amortisada em dezenove. Desejando a empreza receber annualmente 3.000:000 francos ou 540:000$000 réis em numerario, é claro que haverá a emittir em titulos cerca de 30.000:000 ou 5.400:000$000 réis, approximadamente até ao fim da construcção.
A somma a amortisar será portanto de 5.400:000$000 réis, e se a amortisação for em nove annos, a contar do decimo primeiro depois de começarem as obras, ou réis 600:000$000 em cada anno, alem dos juros, o que render a exploração do porto e o producto do imposto serão mais do que sufficientes para fazer face a taes encargos.
N'estes termos, é necessario considerar e comparar dois elementos, a saber: recursos e encargos.
Os recursos comprehendem:
1.-°. Producto do imposto creado pela lei de 26 de junho de 1883, ou 2 por cento sobre a importação.
Calculando que a applicação d'este imposto ao porto de Lisboa começa no terceiro anno em que se applica ao porto de Leixões, teremos para Lisboa disponivel:

No primeiro anno..................... 469:000$000
No segundo .......................... 432:000$000
No terceiro.......................... 395:000$000
No quarto ........................... 358:000$000
No quinto ........................... 321:000$000
No sexto............................. 284:000$000

N'este ultimo anno deve terminar o porto de Leixões, e do producto do imposto ficarão livres para as obras do porto de Lisboa e dahi em diante 287:500$000 réis, suppondo que o de Leixões tem custado 4.500:000$000 réis, de cuja somma a respectiva annuidade a 6 1/2 por cento importa em 292:500$000 réis.
2.° Valor dos terrenos vendaveis na 1.ª secção.
Não podendo calcular-se exactamente a superficie dos terrenos vendaveis, mas tendo em vista os elementos que se encontram nos documentos officiaes, a area total dos terrenos a conquistar sobre o Tejo será de 2.649:900 metros quadrados.
Deduzindo 183:900 metros quadrados, que pertencem á secção 4.ª, ficam disponiveis ao norte do rio 2.466:000 metros quadrados.
Como a superficie vendavel, segundo os calculos officiaes, é de 600:000 metros quadrados, representará ella uma percentagem de 24,32 sobre a area total.
Applicando esta percentagem a 1.354:000 metros quadrados, que é a superficie da 1.ª secção, será de 329:292 metros quadrados, na nossa hypothese, a parte disponivel para a venda, ou a 10$000 réis o metro quadrado, réis 3.292:920$000, o que reduzido a metade e dividido por dez annos de construcção corresponde a um rendimento de 164:646$000 réis por anno.
3.° A verba de 30:000$000 réis descripta no capitulo 6.° do orçamento do ministerio das obras publicas.
4.° O producto da exploração das docas calculado officialmente pelo menos em 500:000$000 réis annuaes.
Para apreciar os encargos devemos ter em vista as considerações seguintes:
O producto da adjudicação, ou exploração das docas, que deve dar 500:000$000 réis liquidos, a contar do decimo anno em diante, póde computar-se em sommas muito importantes successivamente, crescendo depois do terceiro anno de trabalhos, segundo a opinião do sr. Hersent. Assim, é licito calcular approximadamente com 50:000$000 réis d'essa proveniencia no fim do referido anno terceiro, augmentando 50:000$000 réis annualmente até ao oitavo inclusive, e crescendo mais 100:000$000 réis do oitavo ao nono, e do nono ao decimo, em que attingirá o rendimento completo de 500:000$000 réis, igual ao mais modesto que tem sido calculado.
Suppondo, pois, que as obras custam 10.800:000$000 réis, base do concurso, e que são feitas em dez annos, convém calcular que temos a pagar 1.080:000$000 réis em cada anno. Applicando a este pagamento as sommas que ficam indicadas, serão emittidas obrigações na importancia da differença entre o preço total e a parte recebida pela empreza em numerario, sendo, reputada como dinheiro o que provém da venda dos terrenos. N'estes termos haverá que pagar em cada anno o juro das obrigações emittidas a 5 por cento do nominal das mesmas, e o premio de réis 3$150 por cada obrigação.
Com estes meios reunidos, como é facil de verificar, tudo approximadamente, serão pagos no fim de dez annos os juros das obrigações emittidas, o premio do respectivo desconto, e metade do valor das obras nos ultimos nove annos, em que já não ha premio a pagar, porque não ha obrigações a emittir, serão amortisadas todas as que existirem, e pagos os juros competentes, que irão successivamente diminuindo até se extinguirem no decimo nono anno da serie.
Para que estes resultados possam inspirar toda a confiança a que têem direito, direi que os elementos de que me servi se encontram todos nos pareceres das commissões e no relatorio de 25 de abril de 1884. Só póde levantar-se duvida sobre a importancia exacta do producto das docas, durante o praso de construcção, sem comtudo poder negar-se que terá um valor consideravel, se não igual ao indicado. Qualquer pequena differença, porém, n'este elemento de apreciação póde apenas, traduzir-se em mais um ou dois annos destinados a amortisar. A vantagem da operação ficará sempre incontestavel.
Com esta obra se liga mais ou menos intimamente outra de não menor importancia: a do saneamento da cidade de Lisboa, embora a contrucção do porto só por si seja um grande elemento de salubridade.
Do sr. Arrault, chefe do syndicato, constructor dos bou-levards e canos de Paris, recebeu o governo tambem um projecto de contrato mutatis mutandis vasado nos mesmos moldes do que foi apresentado pelo sr. Hersent.
Não havendo, porém, ainda parecer da junta consultiva das obras publicas e minas sobre os importantes estudos que estão feitos com aquelle objecto, e sendo necessario resolver algumas outras questões previas sobre o mesmo assumpto, referidas principalmente á camara municipal de Lisboa, reservo-me ouvir o proponente, que é competentissimo n'aquella especialidade, e, com audiencia das estações competentes, preparar a proposta definitiva que voa deve ser apresentada na proxima sessão.

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Devo acrescentar que para as obras de saneamento indicarei tambem receitas especiaes, que me habilitem a não pedir ao thesouro sacrificios para tal emprehendimento. E como a venda dos terrenos conquistados ao Tejo pelas obras do porto de Lisboa é um dos elementos importantes d'essa receita, não é possivel auferir de tal proveniencia quando ella poderia dar para auxilio das despezas a fazer com os trabalhos do referido porto.
N'estes termos, senhores, profundamente convencido da importancia e da opportunidade das obras do porto de Lisboa, que devem transformal-o num dos primeiros porto do mundo; adoptando os numerosos documentos estatisticos e outros, que acompanham o relatorio do meu illustre antecessor, o deixando para a proxima sessão legislativa a apresentação do projecto relativo ao saneamento da capital, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, a construcção do porto de Lisboa, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, armazens de deposito, machinismos e guindastes hydraulicos, para serviço do mesmo porto, e a mandar executar 1.ª secção d'estas obras, nos termos e em conformidade com as seguintes bases.
§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo, em harmonia com o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas.
§ 2.° O governo publicará o caderno de encargos e o programma do concurso, ao qual ninguem poderá ser admittido sem que tenha depositado na caixa geral de depositos titulos de divida publica portugueza interna, ou externa, no valor nominal de 540:000$000 réis. Estes titulos serão restituidos successivamente pelo seu valor no mercado, á proporção que as differentes obras forem postas em serviço, na rasão de 5 por cento do valor das ditas obras.
§ 3.° O praso para a construcção da 1.ª secção das obras do porto de Lisboa será de dez annos.
§ 4.º O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis.
§ 5.° O pagamento dos trabalhos executados será feito, parte em dinheiro, e parte em obrigações, de 90$000 réis nominaes cada uma, com hypotheca sobre o rendimento das obras, vencendo juro de 5 por cento ao anno.
A parte em dinheiro comprehende:
a) O producto da venda dos terrenos, em conformidade com o que vae disposto no logar competente.
b) O producto do imposto de 2 por cento ad valorem sobre a importação geral, creado pela lei de 26 de junho de 1883, depois de abatida a parte que corresponde ao juro e amortisação das sommas despendidas no porto de Leixões.
c) A verba annual para melhoramentos do porto de Lisboa inscripta no capitulo 6.° do orçamento do ministerio das obras publicas.
d) O producto da exploração directa, ou adjudicada, das docas, e mais obras que se fizerem em virtude da presente lei.
A parte em obrigações será igual á differença entre as sommas pagas em dinheiro, e a importancia das obras executadas.
§ 6.° As obrigações a que se refere o § antecedente, que o governo fica auctorisado a crear para este fim especial, serão tomadas em pagamento das obras pela empreza ao preço firme de 80$000 réis.
§ 7.° Um syndicato nacional ou estrangeiro, cuja formação o governo poderá auctorisar, trocará aquellas obrigações por dinheiro corrente, mediante a commissão de 3 1/2 por cento sobre o nominal dos titulos. A empreza poderá, querendo, conservar em seu poder as ditas obrigações, auferir a mencionada commissão, que em qualquer das duas hypotheses será paga pelo governo.
De todos os modos, porém, nem o syndicato, nem a empreza, poderão em tempo algum negociar nos mercados de Lisboa, Paris ou Londres aquellas obrigações, as quaes, por sorteio semestral, serão amortisadas no praso de nove annos, a contar do decimo primeiro anno depois do começo da execução do contrato.
§ 9.° A empreza obrigar-se-ha a tomar pelo preço firme de 10$000 réis por metro quadrado de superficie, metade dos terrenos conquistados ao Tejo, por effeito das obras do porto, depois de deduzidos os que forem necessarios para as docas e para os usos publicos. O valor da superficie disponivel d'estes terrenos, dividido pelo numero de annos do periodo da construcção, será encontrado como dinheiro em cada anno nas sommas que a empreza tiver a receber do estado.
§ 10.° O governo organisará as tarifas, taxas e tabellas respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, fará os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás cortes da importancia e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 15 de junho de 1885. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

DOCUMENTO N.° 1

Illmo. e exmo. sr. - Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. exa., para serem tomados na consideração que merecerem, os dois inclusos projectos de contrato; um para as obras do saneamento de Lisboa, proposto pelo sr. Arrault, chefe do syndicato constructor dos grandes bou-levards et égouts de Paris; o outro para as obras do melhoramento do porto da mesma cidade, proposto pelo sr. Hersent, illustre constructor dos portos maritimos, Anvers, Philippeville, Saigon, etc., etc.
N'um e n'outro projecto, como v. exa. verá, fiz consignar as bases que haviamos combinado em abril d'este anno:
1.ª Conclusão das obras do porto e do saneamento em dez annos e amortisação em vinte e cinco das operações respectivas.
2.ª Pagamento complementar d'estas obras em obrigações com hypotheca especial de 90$000 réis, vencendo juro de 5 por cento, amortisaveis ao par, em sorteios an-nuaes ou semestraes dentro dos vinte e cinco annos da data do contrato.
3.ª Compromisso dos emprezarios a acceitarem estes titulos pelo preço firme de 80$000 réis, sem terem a faculdade de os negociarem nas praças de Lisboa, Paris ou Londres e mediante a commissão de 3,5 por cento.
4.ª Acceitação facultativa pelos mesmos emprezarios da quarta parte, seja 50 hectares, dos terrenos aptos para edificação, conquistados ao Tejo, ao preço de 10$000 réis por metro superficial.
Deploro que as actuaes condições do nosso credito nas praças de Paris, Londres, etc., pela guerra desleal e barbara que nos movem cobiças insaciadas não me permittissem melhorar algumas d'estas condições, signanter a 3.ª
Ainda assim, parecem-me acceitaveis depois dos obstaculos vencidos, cuja importancia v. exa. poderá imaginar, lendo a minha exposição e o folheto financeiro de Anvers, escripto adrede para prejudicar o nosso credito, e que encontrei correndo sem contradicção os mercados de Paris, Londres, Amsterdam e Francfort.
Chamo tambem a attenção de v. exa. para a condição 4.ª que deve passar de facultativa a obrigatoria, tendo o

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governo, o que eu não tinha em Paris, os documentos com que demonstrar por que preços foram effectuadas vendas importantes de terrenos na mesma localidade, e por isso que ella não é ruinosa para os contratantes, como aliás poderiam suppor.
Pedindo a v. exa. queira fazer-me a justiça de acreditar que me esforcei quanto possivel por defender os interesses da nossa patria, tenho a honra de me subscrever com a mais subida consideração.
Deus guarde a v. exa. Lisboa, 7 de junho de 1885. - Illmo. e exmo. sr. presidente do conselho de ministros e ministro das obras publicas, commercio e industria. = O par do reino, João José de Mendonça Cortez.

DOCUMENTO N.° 2

PORT DE LISBONNE

Project de marché poar l'entreprise des nouvelles installations maritimes à exécuter au port de Lisbonne

Entre le gouvernement portugais, representé par son excellence mr. le ministre d'une part, et mr. H. Hersent, entrepreneur de travaux publica demeurant à Paris, 60, rue de Londres, d'autre part, il a été convenu ce qui suit pour l'exécution des travaux maritimes du port de Lisbonne.

Designation de l'entreprise et conditions particulières

Article 1 er L'entreprise dont il s'agit comprend l'exécution de tous les travaux et installations maritimes du port de Lisbonne, tels qu'ils sont prévus, ou ceux qui pourront être mis à exécution dans un delai de ... anuées, à partir de l'approbation de la présente convention.
Ces travaux comportent particulièrement l'exécution des quais, bassins à niveau variable ou à flot, bassins de radoub, docks, entrepôts, terre-pleins, machines, destinés à former le nouveau port de Lisbonne, etc., ses annexes, etc., à en assurer le fonctionnement économique.
Les dits travaux seront exécutes conformement aux plans dressés par l'entrepreneur et approuvés par l'administration compétente «ne varietur».
Art. 2. Les travaux dont il s'agit seront exécutés, pour la plus grand partie, à raison de prix fixés à forfait dans la proposition qui será annexée à la presente convention, pour chaque unité d'ouvrages; et pour le surplus, à raison de prix à convenir au fur et à mesure que l'utilité en sera demontrée, étant entendu qu'on s'inspirera, dans chaque cas particulier, des travaux analogues qui ont été exécutés.
A. Les travaux à executer à forfait comprendrons:
1° La construction des murs de quai, à raison d'un prix fixe au mètre courant, pour les categories différentes, qui seront determinées par les sondages à effectuer;
2° L'exécution des sondages pour la reconnaissance du fonds;
3° La construction d'un ou plusieurs bassins de radoub.
B. Les travaux à exécuter au prix d'unité comprendront:
1° Les dragages pour creusement des darses; l'emploi eu remblai de tous les terre-pleins et les remblais à faire par emprunt en dehors du port;
2° Les dragages de rochers à employer au même usage;
3° Les empierrements et pavages;
4° Les constructions de machines, engins divers, batiments d'abri, docks. etc., en général, tous les travaux non dénommés sous la rubrique A, qui seront à faire comme conséquence des travaux du port, etc., qui en font partie intégrante.

Estimation des travaux

Ari. 3. A. Travaux à payer á forfait:
Murs de quais à construire entre le ruisseau d'Alcantara et le chemin de fer du Nord, ser une longueur de 5:290 métres; compris les remblais resultant des fouilles préalables, mais non le remblaides terre-pleins.
Bassin de radoub à construire à la partie orientale du port.
Murs de quai des darses intérieures, non compris a darse provisoire de la marine du centre.
Installation des grues Armstrong, compresseurs, etc.
Voies ferrées pour le service des quaís.
Pavages et chaussées, clotures, etc.
Hangars, magasins, etc.
B. Travaux à exécuter sur serie de prix.
Remblais des terre-pleins des quais et des terrains à vendre, au moyen des dragages des darses ou d'emprunts à chercher en dehors du port.
N.B. Les sommes seront fixées selon le projet definitif.
Art. 4. Pour la sureté de l'exécution de la présente convention, l'entrepreneur déposera, dans un delai de trente jours après l'acceptation de son offre à la caisse des consignations, une somme de 3,000,000 francs ou 540,000,000 réis, en valeurs portugaises, lesquelles seront admises au pair.
Les dites valeurs pourront, au cours des travaux, être retirés et remplacées par d'autres agrées par le gouvernement, à la volonté du deposant.
Le cautionnement sera restitué par parties proportionel-les, à mesure de la mise en service de chaque lot des travaux, sur la base de 1/2o eme de l'importance des travaux exécutés.
Art. 5. Les prix détinis dans l'offre, comprennent les: aux frais ordinaires des entreprises tels que plans métrés, tracés, usages des bateaux pour le service des ingénieurs chargés de la surveillance et du contrôle des travaux.
L'entrepreneur aura le droit d'introduire en Portugal, pendant toute la durée des travaux, et ce, sans frais de douane à l'entrée ou à la sortie, sans frais d'octroi et sans impots, tous les materiaux et matières, toutes les machines et accessoires qui seront nécessaires pour l'entreprise.
Art. 6. Les travaux à exécuter, en raison du présent marché, seront complètement termines dans le delai de ... années à compter de ce jour et seront commencés dans le delai six mois après l'acceptation du prix de base. Ils seront executes dans l'ordre que prescrira l'administration portugaise.
En cas d'avance sur le délai de ... années ci dessus indiqué, l'entrepreneur recevra une prime de...
En cas de retard sur ce même delai l'entrepreneur subira sur les sommes qui lui seront dues une retenue de...
Art. 7. Les materiaux à employer dans l'exécution des dits travaux seront de la meilleure qualité pour l'usage auquel ils seront destinés.
Art. 8. L'administration portugaise aura la faculté de faire essayer les fers, de verifier tous les autres materiaux à employer dans la construction et de faire surveiller, comme elle l'entendra, la stricte et loyale exécutiun des clauses du marché.
Art. 9. Pour le paiement dos travaux du port, le gouvernement portugais versera par à compte, chaque année, à l'entrepreneur, et ce, pendant toute la durée des travaux, une somme en espèces de 3,000,000 de francs (trois millions). Pour le surplus, le gouvernement portugais emettra sous sa garantie, de bons speciaux qui seront, en outre, hypothequés sur les dits travaux du port, sur les revenus qui en seront la consequence et sur les terrains conquis.
Ces bons seront émis sous la forme d'obligations de la valeur nominale de 90.000 réis, ou 500 francs au fur et à mesure de l'avancement des travaux; ils seront amortis en vingt-cinc années d'après les échelles speciales d'amortissement.
L'entrepreneur recevra ces bons en paiement pour la valeur de 80,000 réis, ou 444 fr, 44 et il aura la faculté de les échanger contre la monnaie ayant cours, auprès d'un

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syndicat de banquiers portugais et étrangers autorisé et garanti par le gouvernement, à raison d'un escompte de 3 1/2 pour cent de la valeur nominal, le dit escompte étant payé par le gouvernement portugais.

ans le cas où l'entrepreneur garderait une partie de ces bons, il lui surait tenu compte, par le gouvernement portugais de l'escompte de 3 1/2 francs pour cent indiqué ci-avant.
Art. 10. Les paiements suront faits à l'entrepreneur comme il est dit à l'article 9, à raison de 90 pour cent du montant des travaux exécutes,par à-comptes de 311,111 francs ou 700 obligations produisant net 56,000,000 réis, ou partie argent et partie obligations.
Lorsqu'une partie des travaux aura été livrée à l'exploitation, le décompte final en sura dressé et la retenue de 10 pour cent spécifiée ci-dessus sura remboursée dans un délai qui n'excedéra pas trois mois de la date de mise en survice. De même la partie du cautionnement afférente à l'importance des travaux mis en survice sura restituée dans un délai d'une année de la même date.
La retenue de garantie de 10 pour cent sur les travaux executes sura en tout cas limitée à un maximum de réis 90,000,000 ou 500,000 francs, et pourra être couverte par un dépôt de valeurs de l'état portugais, spécial à cet effet.
En outre du paiement à faire sur les travaux exécutés, le gouvernement paie, en avance sur le matériel, et les approvisionnements, à mesure qu'ils seront effectués, et d'après des estimations contradictoires, une avance qui pourra s'élèver jusqu'à 10,000 obligations de 90,000 réis ou 5;000,000 francs; lesquels suront remboursés à raison de 10 pour cent sur chacun des paiements ultérieurs pour travaux executes. En ces cas, le matériel et les matériaux a sur lesquels les avances auront été faites deviendront la garantie des dits paiements en avance.
Art. 11. Le delai de garantie, pour les travaux exécutés será d'une année pour chaque section livrée à l'exploitation.
Pendant ce delai, l'entrepreneur sera tenu de reparer les ouvrages qui auraient subi des deteriorations et de les remettre en bon état sous la reserve de son recours contre les tiers.
La garantie sera liquidée et aussi les comptes de construction pour chaque section en particulier, de sorte qu'à la fin des travaux il ne restera que la dernière section qui sera soumise à la garantie.
Art. 12. L'entrepreneur ne pourra admettre dans son personnel, ni sur ses chantiers, des hommes qui lui seraient signalés par l'administration du contrôle comme étant malhonnêtes ou indignes.
Art. 13. L'entrepreneur devra se faire représenter sur place par un fondé de pouvoirs, qui sera à la disposition des ingenieurs du gouvernement chargés du contrôle.
Ses actes seront valables commè ceux de l'entrepreneur et les communications qui lui seront faites seront considerées comme étant faites à l'entrepreneur lui même.
Art: 14. Les ouvriers à la solde de l'entrepreneur qui seraient blessés ou qui tomberaient malades seront admis dans les hospices et hospitaux de Lisbonne; mais l'entrepreneur acquittera les frais selon les usages.
Art. 15. L'entrepreneur fera imprimer 100 exemplaires du marché et des plans joints pour les remettre à l'administration dans le delai de trois mois après la signature du dit marché.
Paris, le 18 mai 1885. = H. Hersent.

O sr. Eduardo José Coelho (para um requerimento): - Mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
O regimento não permitte que os requerimentos se fundamentem, mas eu não posso deixar de notar á camara que este projecto tem apenas dois artigos, mas que o artigo 1º tem muitos paragraphos, que tratam de assumptos distinctos e de grande trancendencia. Não me parece, pois conveniente que sobre o projecto haja uma só discussão na generalidade. Peço a v. exa. que submetta o meu requerimento á votação da camara.
Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a camara para deliberar que o projecto de lei n.° 157 tenha uma discussão na generalidade outra na especialidada por paragraphos. = O deputado, Eduardo José Coelho.
Foi admittido.

O sr. Pereira dos Santos (sobre o modo de propor): - Como fui quem redigiu o projecto, cumpre-me dar uma explicação á camara.
Lembrei-me de o dividir em mais de um artigo, mas achei-me em graves difficuldades, porque a necessidade e opportunidade das obras relaciona-se naturalmente com a natureza d'essas obras e com os meios financeiros de que temos a lançar mão para fazer face aos encargos.
Por conseguinte, o assumpto dos melhoramentos do porto de Lisboa está ligado com as differentes questões a que se refere o projecto, e entendo que não é conveniente haver duas discussões distinctas sobre elle.
Entretanto, eu não posso deixar de significar á camara que entendo ser da maior vantagem que o projecto tenha uma discussão larga, por isso que o assumpto é de toda a importancia. E por parte da commissão tenho o maior empenho em que a questão se esclareça, que a discussão corra desassombrada, porque a commissão está resolvida a acceitar todas as propostas que forem justas e convenientes para o paiz.
Mas, por isso que a discussão deve ser larga, não julgo necessario que haja uma discussão na generalidade e outra na especialidade.
Posto a votos o requerimento do sr. Eduardo José Coelho foi regeitado.
O sr. Barros Gomes (sobre a ordem): - Vou ler a minha moção de ordem.
«A camara entende que nas actuaes condições do thesouro, quando annualmente se recorre ao credito por quantias superiores a 8.000:000$000 réis, não é opportuno emprehender obras cujo custo se eleva a mais de 10.000:000$000 réis, particularmente se para isso, é mister realisar operações de credito, importando um encargo real de juro de mais do 7 1/2 por cento, equivalente ao preço das inscripções de 40 por cento.
«Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = H. de Barros Gomes.»
Antes de começar formulando as considerações que tenho a fazer ácerca do projecto que se discute, não posso deixar de estranhar do modo mais accentuado, e não duvidarei dizer severo, a ausencia do sr. ministro da fazenda no momento actual.
Não me parece que as circumstancias financeiras da nação sejam tão prosperas e o thesouro se encontre em tal situação de desafogo, que possamos estar votando despezas de milhares de contos, de réis, sem o ministro da fazenda estar presente, para responder ás considerações que possa suscitar a apreciação da parte financeira d'este projecto.
Por mim confesso que estou desconhecendo completamente o systema parlamentar. Permaneci ausente d'esta casa quatro annos, e tão curto espaço de tempo foi bastante para que viesse encontrar essencialmente alterados os usos e costumes da camara dos senhoros deputados.
Onde e quando se viu nunca que um projecto importando a enorme despeza de 10.000:000$000 réis, envolvendo

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uma operação de credito ruinosa, como hei de demonstrar á camara que o é a que nos propõe o governo, se discuta assim na ausencia do ministro e secretario de estado dos negocios da fazenda? (Apoiados.)
Vejo é certo, que o governo está presente, e na pessoa do seu chefe, o sr. Fontes Pereira de Mello, por esse lado o dever constitucional está cumprido; mas é tambem verdade que apparecem assignando este projecto de lei dois ministros, o das obras publicas e o da fazenda, o que significa que o assumpto a que o mesmo projecto se refere diz respeito e interessa ás duas pastas cuja gerencia está confiada a s. exas.
Se eu mais particularmente quizer, como effectivamente quero, tratar da questão financeira, exigir do governo, no uso do meu direito, que dê a esse respeito, pela boca do secretario d'estado dos negocios da fazenda, as explicações que entenda necessarias, não para mim unicamente mas para o paiz, como se póde coadunar esta exigencia natural, e o exercicio do meu direito, com o cumprimento do dever correlativo por parte do governo do responder ás perguntas que eu entenda formular ácerca não só da especialidade financeira do projecto, mas ainda da influencia nociva que elle possa vir a exercer sobre o credito publico e estado do thesouro?
Não comprehendo isto. E pela minha parte, como membro da opposição, protesto mais uma vez contra similhantes innovações, que infelizmente estamos presenceando todos os dias. (Apoiados.)
E dito isto vou começar a discutir o projecto.
Não o combato em principio.
Entendo que as obras do porto de Lisboa são, não só importantissimas para o desenvolvimento commercial d'esse porto, tão extraordinariamente fadado pela natureza, como tambem o indispensavel complemento das obras publicas realisadoras no paiz, particularmente do desenvolvimento consideravel da viação accelerada e da sua ligação com a rede internacional; nem podia ser outra a minha opinião. Tenho precedentes e não posso nem pretendo apagar com uma esponja esses precedentes a que me considero ligado. Desde muito que neste ponto eu pugno por interesses que julgo serem de primeira ordem para o commercio da capital, e para o desenvolvimento economico da nação.
Tendo a honra de ser secretario da associação commercial de Lisboa, pude n'essa qualidade redigir um relatorio em que vinha claramente consignada esta necessidade, e em que minuciosamente se analysou a importancia, o progresso, e a natureza do movimento commercial do porto de Lisboa.
N'esse documento instava eu, e commigo todos os collegas que me fizeram a honra de o assignar, instava portanto a associação commercial, para que o governo não descurasse primeiro que nada o dever de fixar um plano geral a que teria de ser sujeita toda e qualquer obra a realisar nas margens do rio Tejo.
Era triste e desconsolador o espectaculo que diariamente a cidade presenceava com a construcção de obras, quer por parte do governo, quer por parte da camara municipal, sem obediencia a um plano, sem nexo, alterando o regimen do rio e contribuindo poderosamente para a formação d'esse deposito, para o alargamento desse pantano extensissimo, que se desenvolve e alastra em frente á cidade e é uma das causas da sua insalubridade, um dos males a que cumpre urgentemente e por todas as fórmas pôr cobro e evitar.
Por outro lado, todas as conveniencias economicas e até o simples decoro nacional exigem que não continuemos a passar pela vergonha de ver os navios e vapores de grande lotação chegarem aqui e não encontrarem uma doca onde possam reparar-se, affastando-se por isso de um porto onde tudo as chamaria, e sujeitando-se muitas vezes aos riscos e perigos de uma viagem emprehendida tem as necessarias condições de segurança.
Dizia pois em 1878 a associação commercial, em concordancia com o que acaba de expôr o seguinte:
«Não consentindo as condições financeiras do paiz a immediata realisação de tão vastos e custosos melhoramentos, urge, pelo menos, que o governo, aproveitando o valioso subsidio de trabalhos existentes, firme opinião sobre o assumpto, e sujeite a um plano geral as alterações que convém introduzir no edificio e serviço da alfandega, e as obras que tem de realisar-se na margem do rio.
Esta era a minha opinião; e assim pedia em 1878, e commigo toda a associação commercial, de que tive a honra de ser secretario, a realisação das obras do porto de Lisboa.
Mais tarde, tendo um logar nos conselhos da coroa, não duvidei vincular o meu nome a uma proposta de lei pela qual se procurava realisar esses melhoramentos, e não só com relação ao porto de Lisboa mas tambem ao de Leixões.
É certo que a proposta do governo de que fiz parte era extremamente mais modesta do que a actual, pois que o sr. Saraiva de Carvalho pedia 10.000:000$000 réis para realisar os melhoramentos completos nos dois portos.
Hoje estamos em presença de uma obra em que uma só secção exige, segundo certos calculos, 10.800:000$000 réis e na totalidade se carece de 15.000:000$000 réis, senão 26.000:000$000 réis; temos em frente a construcção do porto de Leixões que exige 4.000:000$000 réis ou talvez 6.000:000$000 réis para se realisar. Ainda mais, em 1880 os fundos publicos estavam a 53 e actualmente estão a 45. Portanto, a differença é extraordinariamente consideravel, e o que podia ser opportuno em 1880 póde no momento actual ser nocivo para o thesouro, e de alta inconveniencia para o credito.
É portanto, e mais que tudo, a situação financeira o que me leva a combater. N'este momento a proposta do governo transformada, com alterações em pontos secundarios, no projecto da commissão.
Convem que tenhamos todos muito presente, que o orçamento rectificado d'este anno accusa um desequilibrio, ou a necessidade de um recurso ao credito por quantia que oficialmente foi declarada superior a 8.000:000$000 réis.
Cumpre não esquecer o que nos revela com relação ao exercicio futuro de 1880-1886 a lei de meios, ha poucos dias votada, dando ao governo as mais extraordinarias faculdades para dispor dos dinheiros do thesouro, e levantando a commissão de fazenda a uma altura a que nenhuma outra se elevára até agora rio parlamento portuguez, e acrescentarei mesmo em parlamento algum do mundo, visto que, da sua simples approvação, resulta a possibilidade do governo alterar as verbas geraes para a despeza do estado pela fórma que a mesma commissão entendeu dever propor, erguendo assim o seu alvedrio a lei do estado.
Por essa lei de meios, verdadeira e solemne exautoração do parlamento, e como tal vigorosamente combatida pelos meus amigos José Luciano de Castro e Veiga Beirão, vê-se que o deficit chamado ordinario, não sei se propria ou impropriamente, se eleva a 1.351:000$000 réis, havendo além d'isso necessidade de custear as despezas chamadas extraordinarias na importancia de 4.940:000$000 réis, perfazendo assim ao todo a importancia do recurso ao credito réis 6.291:000$000. E todos sabemos que se não ficará por aqui. Todos sabemos o que são para o actual governo os orçamentos rectificados, que vem revelar a verdade disfarçada nos orçamentos primitivamente apresentados, onde se figura, pelas conveniencias do uma politica que me abstenho de qualificar, um deficit quasi extincto.
(Interrupção.)
Observa me um illustre deputado que a verdade ainda é outra, e só apparece depois nas contas. Effectivamente assim é, e essas contas só agora, em virtude de uma lei

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progressista, é que se formulam de maneira a poderem ser comprehendidas e apreciadas em tempo util.
Ha pouco era tal a confusão, tornava-se necessario jogar com tantos documentos, que a verdade se envolvia e escapava á comprehensão geral, como succede, por exemplo, á taxa de juro n'uma operação de credito, que tambem se envolve por seu lado no meio de elementos variaveis, podendo influir n'essa mesma operação.
Infelizmente estes artificios financeiros já a ninguem enganam, (Apoiados.) nem a nós, nem aos estrangeiros, e a prova está na desgraçada cotação dos nossos fundos.
Já foi apresentado parecer sobre uma proposta do governo, cuja approvação é inadiavel; refiro-me á occupação do Zaire, que não sei se importará em 500:000$000 ou 600:000$000 réis, quantia pedida pelo governo para as despezas que se hão de realisar immediatamente. Temos de occupar esses territórios, mandar para ali forças militares, pagar aos funccionarios, construir alojamentos, e dar emfim a essas regiões até hoje quasi abandonadas a apparen-cia e as condições de um nucleo civilisado. Ora nós já sabemos por experiencia o que são estas cousas, todos nos recordâmos a quanto subiu a despeza que se fez com a Guiné. Por isso creio, infelizmente, que os 500:000$000 réis não serão de mais, mormente attendendo á disposição do governo para gastar, no espirito geral que hoje predomina de faire grand, em tudo e por tudo muito á larga. (Apoiados.)
O sr. Fontes teve sempre esta tendencia, o que prova que s. exa. tem vistas amplas, grandes aspirações e estava fadado para desenvolver a sua acção num theatro mais vasto; mas aquelle em que s. exa. se encontra é acanhado, os recursos são poucos, e o contribuinte já verga sob o peso dos planos grandiosos do sr. presidente do conselho.
Temos, pois, 500:000$000 réis para o Zaire, e não ficamos só n'isso.
Votámos ha pouco o projecto sobre a organisação administrativa do municipio de Lisboa.
A propósito d'esse projecto, e vendo em frente de mim o seu relator, aproveito gostosamente esta occasião para dizer que senti bastante, pela minha parte, não ter podido cumprir o meu dever, como deputado da opposição com respeito ao mesmo projecto. Achava-me por essa occasião envolvido, aqui mesmo, na discussão de questões de importancia e de outra ordem. Não me foi possivel por isso estudal o devidamente, visto que não disponho de faculdades illimitadas, antes, pelo contrario, são modestissimas as que possuo, e não podem como taes abranger uma variedade tão completa de assumptos, como os que temos discutido nos ultimos mezes, de dia e de noite, sem cessar, com uma actividade febril, a que talvez nem sempre corresponda o estudo e o conhecimento perfeitissimo dos projectos que se approvam. (Apoiados.) Sinto, repito, que essa circumstancia me tolhesse o discutir o projecto de reforma municipal, não só porque não pude assim cumprir o meu dever de deputado e de cidadão do municipio de Lisboa, aqui nascido e tendo aqui os meus interesses, mas tambem e muito particularmente porque tinha desejo de manifestar n'essa occasião o muito respeito e a muita consideração, alem de verdadeira sympathia, que tributo ao illustre relator d'aquelle projecto de lei.
S. exa. é um dos homens mais trabalhadores que conheço actualmente em Portugal. (Apoiados.) Poucos como o sr. Fuschini estão a par de todas as idéas modernas.
Bastavam dois trabalhos seus para o distinguir e o tornar notavel.
Todos sabem que me refiro, por um lado, ao relatorio que precedeu no anno passado o projecto de lei de reforma eleitoral, e, por outro, ao projecto de lei de reforma do municipio de Lisboa, que este anno foi votado pela camara, e aos pareceres e documentos que o acompanharam. (Apoiados.)
Teria defeitos esse projecto de lei, teria muitos pontos que poderiam e era mister que fossem contestados, por minha parte tel-o-ía combatido em bastantes disposições, mas o que não posso é deixar de apreciar o trabalho, a superioridade de espirito, a orientação scientifica que s. exa. revelou mais uma vez no exame e discussão da proposta de lei apresentada pelo governo. (Apoiados.)
Direi mais.
Ligam-me a s. exa. uma certa communidade de idéas, uma certa sympathia de principios.
S. exa. passa por socialista. Eu tambem o sou.
E n'essa qualidade affirmo que a leitura das obras profundas de uma certa escola socialista se está tornando em Portugal eminentemente necessaria.
Ultimamente a minha leitura favorita é a da obra monumental de um d'esses socialistas.
Refiro-me a um homem, que s. exa. conhece de certo muito bem, o qual escreveu um livro que tem por titulo A anatomia e a physiologia do corpo social, no qual envolveu um escripto anterior, que entitulára Capitalismo e socialismo.
Refiro-me, inutil é dizel-o, a Alberto Schaffle, o antigo ministro do imperio austro-hungaro.
Pois esse livro devia ser espalhado profusamente em Portugal. Talvez que as instituições ganhassem muito com a sua leitura; talvez que a pureza d'ellas se sustentasse um pouco mais; talvez que a consciencia publica, firmada n'uma base scientifica, podesse protestar melhor contra um certo industrialismo que invadiu até as camaras dos ministros, até o recinto legislativo. Mas, sem insistir mais por agora n'este ponto, que é melindroso, continuarei no exame a que ia procedendo da situação da fazenda no exercicio de 1885-1886.
Alem das despezas do Zaire, temos portanto tambem esse projecto de reforma do municipio de Lisboa, a proposito do qual veiu esta divagação e esta conversa com o sr. Fuschini, projecto que obriga immediatamente á construcção de uma nova estrada de circumvallação, que torne possivel a fiscalisação do imposto de consumo.
Ora esta estrada é tão extensa, que a sua construcção representa seguramente a despeza de algumas centenas de contos de réis, que se vão gastar este anno, porque temos de providenciar immediatamente para evitar o contrabando e tornar effectiva a receita com que se conta.
Mas não ficâmos por aqui.
O sr. ministro do reino não acceitou a limitação proposta pela opposição ao credito que s. exa. pediu para as despezas a fazer com as providencias que tenham de ser adoptadas no sentido de afastar do nosso paiz o flagello do cho-lera.
Não percebi nunca a necessidade d'esta falta de limitação, tanto mais que o governo em hypothese alguma ficava tolhido na sua acção segundo os termos da legislação vigente.
Quando lhe não chegassem os 100:000$000 réis que se propunham, o governo podia e devia lançar mão dos creditos extraordinarios.
Com toda a publicidade que o regulamento de contabilidade exige, e cumprindo todas as formalidades determinadas pela legislação vigente, o governo convocava o conselho d'estado e dizia-lhe que os 100:000$000 réis se tinham gasto, e que carecia de mais 100:000$000 réis, ou d'aquillo que fosse.
Reconhecida a necessidade da despeza, ninguem recusaria os recursos ao governo, porque todos prezamos a nossa vida e a dos nossos filhos, todos entendemos que é o primeiro bem que nos cumpre defender. (Apoiados.)
Ora, sommando todas estas verbas, e calculando-as muito modestamente, chegâmos a um deficit de 7.600:000$000 réis, que facilmente será elevado, com os extraordinarios e com os augmentos de despeza que votâmos diariamente, a muito mais de 8.000:000$000 réis.

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Mas não ficâmos ainda por aqui.
A camara votou, ainda que só ao tratar-se da votação apparecesse na sala o numero regimental de cincoenta e seis srs. deputados, havendo-se passado a discussão na presença de seis ou dez, como eu mesmo verifiquei, a camara votou, repito, o caminho de ferro de Ambaca, 324 kilometros a 20:000$000 réis, o que importa uma despeza de 6.494:000$000 réis, equivalente a uma annuidade ao juro de 6,5 por cento garantido pelo governo, de réis 422:000$000.
Mas ainda ha mais.
Votámos o cabo submarino, o que representa uma garantia de juro podendo elevar-se a 254:000$000 réis.
Temos ainda em construcção o porto de Leixões, do qual se affirmava que havia de custar 4.500:000$000 réis, e que, segundo se diz agora, não ha de custar muito menos de 6.000:000$000 réis.
Ha tambem o porto do Funchal, cujo custo ha de ser superior a 400:000$000 réis.
Temos em andamento as obras do porto e linha ferrea do Mormugão; temos, construidos pelo governo, ou com garantia de juro, os caminhos de ferro da Beira Baixa, do Douro, do sul e sueste, de Torres Vedras e Cintra, de Mirandella, ao ramal de Vizeu a Santa Comba; temos o edificio do correio; pedem-se-nos
50:000$000 réis para o lyceu, e não sei quantos centos ou milhares de contos para outras obras. (Apoiados.)
Ora pergunto: será rasoavel que em taes condições o governo venha de coração leve pedir-nos que se realise desde já uma obra na importancia de 10.800:000$000 réis?
Meditando n'esta espécie de vertigem em que vamos arrastados e que todos ou quasi todos applaudem, começo a duvidar da lucidez das minhas idéas, e a suppôr que sou eu o allucinado.
É pois n'estas condições, e quando os nossos fundos estão a 46 1/2, o que deduzido o coupon importa o preço de 45, é n'estas condições, repito, que vem propor-se esta obra, classificada pelo governo no relatorio que precede a sua proposta de lei, como uma das mais grandiosas, senão a maior e mais monumental que temos a emprehender em Portugal!
Quando o ministerio se modificou em janeiro d'este anno pela saída de dois dos seus membros, os fundos ficaram a 44 1/2, e actualmente acham-se, como disse, a 45. Constituirá a differença de 1/2 por cento um tão extraordinário melhoramento, que justifique o emprehender-se no momento actual uma obra, que se diz a maior, a mais grandiosa que ha a fazer em Portugal?
E certo, porém, affirmar-se que se obteve que tal obra se realise sem encargo algum para o thesouro. Isto é que não conseguia o sr. Aguiar. S. exa. não realisava d'estes milagres, não é thaumaturgo, apesar de ter o nome de Antonio. (Riso).
O sr. Antonio Augusto de Aguiar indicava que o encargo da operação de credito necessario para realisar a obra, havia de ser de 6 1/2 por cento; mas, seja como for, ou deixando para mais tarde o exame d'essa questão, perguntarei, primeiro que nada, ao sr. Fontes porque saiu o sr. Aguiar, e porque o acompanhou o sr. Lopo Vaz? (Apoiados.) Por este 1/2 por cento?
Realmente por 1/2 por cento não valia a pena alijar um homem da competencia, do valor scientifico com a alta illustração e os sentimentos patrioticos do sr. Aguiar, ou então pouco pesou s. exa. na balança ministerial. (Apoiados.)
Felizmente que se encontrou alguém mais feliz do que aquelle ex-ministro, e alcançando o que elle não logrou levar por diante.
O que não póde conseguir do sr. Fontes e dos seus collegas o meu antigo amigo e mestre, respeitado por todos pelas qualidades que o ornam, obteve-o facilmente das boas graças sr. presidente do conselho o digno par do reino e meu correligionario politico o sr. Mendonça Cortez. Em verdade, a approximação d'estes dois cavalheiros foi fecunda e extraordinariamente feliz, e tão feliz mesmo que s. exa., o homem por todos considerado como occupando a primeira posição politica n'este paiz, carregado de serviços, parlamentar distincto, e tendo, não só gerido os negocios publicos, mas presidido ás situações; homem em quem todos nós respeitâmos e veneramos qualidades eminentes, que este cavalheiro, digo, não duvidou, em taes condições, fazer-se portador de uma proposta redigida e formulada em nome e directamente por aquelle illustre progressista, o sr. Mendonça Cortez. S. exa. não hesitou, a camara toda o está presenceando, em reduzir-se á condição de simples portador de uma proposta confessadamente alheia.
Vejam v. exa. e a camara, veja o paiz qual foi o exito d'esta approximação tão fecunda, particularmente quando se compare coro o desastre do sr. Antonio Augusto de Aguiar, desastre d'onde resultou a sua saida do gabinete do que fizera parte.

ffectivamente, devo confessal-o, não era para menos o enthusiasmo do governo e a abnegação patriotica do sr. presidente do conselho, visto que se realisava, conforme o asseveraram os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda, sem encargo algum para o thesouro, esta obra monumental, e a mais grandiosa que se podia effectuar em Portugal, obra que eu considero eminentemente util, e que teria preferido com todo o enthusiasmo á realisação da maior parte dos caminhos de ferro, ha pouco votados.
E como se fosse pequena esta vantagem de realisar uma obra similhante sem encargo para o thesouro, ainda outras maravilhas nos annunciava este projecto.
Parece que o empreiteiro se obriga a comprar ou a adquirir pelo preço de 10$000 réis firmes, por metro quadrado, unia parte importante dos terrenos disponiveis que forem conquistados sobre o Tejo.
Mais ainda. Este empreiteiro sujeita-se á condição de receber só metade em dinheiro, e a outra metade em titulos que nunca poderão ser negociados em Paris, Londres e Lisboa, não devendo, portanto, affrontar os nossos fundos publicos em qualquer d'estas praças, e acceitando elle esses titulos por um preço equivalente á paridade das inscripções a 51,47 segundo o governo, e a 51,23 segundo a commissão.
No momento actual collocar fundos a 51,23 é na realidade uma vantagem de ordem tal, que só esforços de tau-mathurgo igual a Santo Antonio o poderiam ter conseguido.
E cresce de ponto a admiração, notando, como o faz um folheto distribuido pelos srs. deputados, que se obteve tudo isto apesar da opposição violentissima de todos os banqueiros das principaes praças europêas, apesar do preço arrastado dos nossos fundos, apesar da penuria extrema do nosso thesouro e dos boatos aterradores espalhados cavilosamente a respeito da situação financeira do nosso paiz, e apesar ainda da recusa anti-patriotica dos capitaes portuguezes de entrar n'estas operações.
Devo dizer que apenas estou justificando o enthusiasmo do nobre presidente do conselho; e quando digo que ha em assumptos de fazenda santos milagreiros, faço uma asserção que deve ser em extremo grata ao sr. Fontes e ao sr. ministro da fazenda, que julgam este preço muito vantajoso, e de certo só o podem attribuir a quem seja digno de figurar num agiologio, onde s. exas. assim virão a ter o seu nome assignalado.
Mas, sr. presidente, depois de ler o folheto a que venho de me referir, e de estudar o unico documento junto a esta proposta que apparece assignado pelo sr. Hersent, constructor do porto de Antuerpia, e conhecido em toda a Europa, confesso que o meu enthusiasmo soffreu um resfriamento tanto mais sensivel, quanto era alta a temperatura a que tinha elevado o meu enthusiasmo em face das asserções conformes dos srs. Fontes, Hintze e Cortez.

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Lendo, pois, com attenção a proposta, annexa ao parecer da commissão, e firmada pelo sr. Hersent, não encontro ahi uma unica palavra que me auctorise a suppôr, em primeiro logar, que se acceita para base do concurso o preço de 10.800:000$000 réis; pelo contrario faz-se ali depender muito claramente o preço da empreitada geral de sondagens a realisar, da elaboração do projecto definitivo, da avaliação da despeza dos diversos trabalhos parciaes e entre elles do preço fixo por metro corrente dos muros de caes.
Póde ser que eu esteja illudido. Se assim for, a commissão me esclarecerá e rectificará qualquer asserção menos exacta que eu tenho proferido, resultante talvez de não ter tido tempo para examinar o projecto, que é de vastissimo alcance, e que eu não estudei pelo lado technico, porque me fallece por inteiro a competencia para isso.
E quando o fizesse teria de limitar-me a, acarear e pôr em confronto as opiniões divergentes dos nossos mais distinctos engenheiros, muitos dos quaes conheço e foram meus condiscipulos e cujos nomes andam ligados a trabalhos que muito honram a corporação de que fazem parte. Sei por mim quanto valem todos e reconheço o patriotismo e a boa vontade com que cada um d'elles procurou honrar o seu nome, e corresponder ás suas respectivas responsabilidades, quer na commissão nomeada em tempo pelo governo, quer fallando ou escrevendo em nome das diversas estações consultadas. Entretanto destacarei o nome de um. Refiro-me ao meu particularissimo amigo e antigo collega, homem quanto possivel modesto no seu viver, desprendido de ambições de riqueza e de vaidades, o sr. João Chrysos-tomo, que na sua idade avançada ainda hoje mostra estar a par de todos os adiantamentos, de todos os progressos que vae realisando a engenheria e que d'isso deu um documento brilhante no parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de que foi relator. (Apoiados.)
Em vista, porém, das rasões que expuz discutirei apenas a questão financeira, pondo de parte e deixando para outros dos meus collegas a questão technica, e mesmo a economica. Não levarei comtudo tão longe este proposito que não tente esclarecer-me sobre algumas das condições propostas, que para mim são demasiadamente obscuras.
Por exemplo, e voltando ao ponto em que estava. Eu não vejo aqui declaração alguma de que Hersent acceite para base do concurso o preço de 10.800:000$000 réis, e isto é importante porque a apreciação do custo final das obras do porto de Lisboa tem variado muito. (Apoiados.)
O sr. Antonio Augusto de Aguiar, no seu discurso pronunciado na associação commercial de Lisboa, discurso que eu tive occasião de ler ainda ha pouco, alludiu a isso, dizendo que havia sobre o assumpto engenheiros optimistas e engenheiros pessimistas.
Entre os engenheiros pessimistas figurava um dos mais distinctos de Portugal, o sr. Matos, que avaliou a obra em 30.000:000$000 réis, e prescindindo de certos accessorios dispensaveis em 26.236:000$000 réis.
É certo que o sr. Aguiar affirmou que, apesar d'isso, esse illustre engenheiro ficara tão convencido a respeito da necessidade e da urgencia das obras do porto de Lisboa, que nunca poz em duvida que se deveriam fazer essas obras; mas, seja como for, o que isto prova é que divergem profundamente as apreciações dos technicos sobre o custo fixado para os melhoramentos do porto de Lisboa. N'estas condições, não sei se póde ter-se por certo que á abertura do concurso se achará presente o sr. Hersent.
Tenho sobre este ponto ainda outras duvidas.
A proposta do governo foi modificada no § 1.°
E a este respeito direi, voltando a considerações que tive já occasião de expender, que n'estes quatro annos tudo tem mudado; não haja senão projectos em dois artigos! (Apoiados.) A opposição por seu lado tem clamado e continuará a clamar contra este abuso inqualificavel!
Póde dar-se muitas vezes a hypothese de se approvar o principio geral da lei e divergir-se em um ou outro ponto accessorio, que póde ainda assim comprometter em muitos casos esse mesmo principio que se tem em mira. (Apoiados.) Portanto, esta innovação, não é só offensiva para nós, tem as mais graves consequencias; (Apoiados.) serve para annullar a acção do systema parlamentar, de que o sr. presidente do conselho se diz filho, que o elevou ás eminencias em que s. exa. se encontra, de certo pelos seus incontestaveis merecimentos.
Ás vezes, porém, succede que, subido a essas eminencias, se deixa de ter amor precisamente pelos caminhos e pelos meios que nos levaram até lá! Tambem se sente em muitos casos o animo um pouco mais deprimido e cansado de luctar contra as resistencias e dificuldades que constituem uma das bases do systema parlamentar o que são indispensaveis para que elle funccione, como deve funccionar. (Muitos - apoiados.)
Mas, sr. presidente, voltando ao assumpto direi que o tal § 1.°, a que me referi, tem um acrescentamento, por parte da commissão, que consta das seguintes palavras:
«O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso.»
Pergunto, pois, ao governo ou antes á illustre commissão e seu relator que redigiu o projecto definitivo: «O governo abre concurso sobre a base dos projectos apresentados pelos diversos engenheiros, e prefere e acceita aquelle que mais lhe agradar?»
Mas, mais adiante ha o § 4.°, que a illustre commissão conservou, que diz o seguinte:
«§ 4.° O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:0004000 réis.»
N'estas condições parece que vae exigir-se dos concorrentes a apresentação previa dos projectos, para sobre elles recair um concurso, e preferido um projecto qualquer não se indemnisam os outros concorrentes! Pois imagina-se possivel que haja quem venha concorrer e proceda á elaboração de projectos despendiosos, sujeitando-se a que sejam rejeitados, sem que haja por isso uma indemnisação qualquer!
Parece que segundo o pensamento da proposta ministerial seria elaborado pelos engenheiros do governo este projecto definitivo; mas isso não se coadunava muito com a auctoridade profissional e com o nome do sr. Heisent, e, por conseguinte, a iilustre commissão acrescentou ao § 1.°, estas palavras, que não estavam na proposta do governo, mas que envolvem a idéa, de que haverá duas bases para o concurso, o que é absurdo! Espero, pois, que se me explique este ponto, que carece de ser convenientemente esclarecido.
Proseguindo direi agora que tanto o governo como a illustre commissão affirmam, cada um de per si, que os terrenos conquistados sobre o Tejo serão obrigatoriamente adquiridos pelo empreiteiro na rasão de 10$000 réis por metro quadrado.
Ora, o sr. Aguiar calculou no seu projecto que o metro quadrado não poderia exceder o valor de 6$000 réis, mais tarde orando na sala da associação commercial, reputou que 6$000 réis seria exaggerado, e fixou em 4$000 réis, abatendo logo a terça parte, o preço do metro quadrado.
É pois incontestavel, á vista de uma auctoridade de tal ordem, e que a camara não póde recusar, que o preço de 10$000 réis constituo uma vantagem de primeira classe. Mas, sr. presidente, o que é certo é que se não encontra na proposta do sr. Hersent uma unica palavra que nos confirme que aquelle illustre engenheiro esteja disposto a fazer a acquisição dos terrenos por este preço, e seria em verdade extraordinario que o fizesse.
Conhece elle porventura as condições do venda dos terrenos em Lisboa?
Entre estes documentos apresentados á camara ha um do sr. Mendonça Cortez, que se refere a vendas de terrenos de 15$000 réis a l0$000 réis, se bem me recordo.

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Ora, todos sabem que se o governo tem comprado terrenos á camara municipal por este ultimo preço, tem-o feito, como meio apparentemente legal e decente de lhe evitar a suspensão de pagamentos. Tem sido esta uma maneira de favorecer a camara municipal e de a sustentar no meio dos embates financeiros, que lhe amarguram a vida administrativa. Compram-se-lhe edificios e terrenos, e compram-se-lhe por um preço mais elevado do que o ordinario. E o que me parece justificar, ou pelo menos explicar este maior preço de 10$000 réis.
De entre os exemplos citados pelo sr. Cortez ha, porém, um de venda a particular pelo preço de 15$000 réis. Mas, dá-se o caso de que eu conheço o individuo que adquiriu esse terreno, e que é um abastado e intelligente industrial.
Nunca elle imaginou ter de desembolsar somma tão importante com a acquisição d'esse terreno, e a certeza que havia de que por preço algum elle deixaria de o adquirir talvez seja a rasão unica de se ter elevado tanto a arrematação.
Foi um preço verdadeiramente excepcional, e que não póde servir de base para uma geral valorisação.
Continuo, pois, por minha parte, a acceitar os elementos que o sr. Aguiar apresentou, e creio que a camara tambem não poderá recusar esta auctoridade. Mas, se assim é, repito, era muito para desejar que na proposta do sr. Hersent se tivesse inserido qualquer artigo em que elle declarasse que acceitaria as condições do governo. Como estão as cousas parece que elle se reserva a faculdade do acceitar ou não a obrigação de comprar os terrenos, sem nada fixar ácerca do preço a pagar por elles.
Se o negocio for conveniente acceita-o, se o não for não o acceita, e o governo vê-se privado de um recurso, com que aliás contava para fazer face aos encargos da obra.
Portanto, e em vista do que affirmou na sua conferencia o sr. Aguiar, supponho que póde haver aqui um elemento, de muito seria perturbação financeira nos calculos do governo.
Mas não ficaremos n'isto, vamos agora examinar a questão do pagamento em obrigações, que se considera a par da venda dos terrenos a l0$000 réis, como uma das grandes vantagens do projecto.
Declara-se aqui, que essas obrigações serão emittidas na importancia de metade do pagamento a effectuar ao empreiteiro, e declara-se tambem que se constituirá um syndicato auctorisado e garantido pelo governo, que se compromette a tomar ou a comprar essas obrigações por um certo preço e mediante o desconto de uma commissão de 3 1/2 por cento sobre o nominal, reservando-se o sr. Hersent a faculdade de conservar em si, com o mesmo bónus de 3 1/2 por cento, a parte das obrigações que lhe convier conservar e que em qualquer das hypotheses terá de ser entregue pelo governo.
Esta condição não me parece que importe grande onus para o sr. Hersent, porque elle sempre tem dinheiro quando o deseje, ou do syndicato, ou pela venda das obrigações com garantia do governo, se esta lhe proporcionar vantagem pelo preço do mercado. Tem tudo a ganhar e nada a perder com esta fórma de pagamento.
Mas assevera-se ainda como uma grande vantagem, que estas obrigações não poderão nunca affrontar os outros titulos portuguezes nos mercados de Londres, Paris e Lisboa, porque o syndicato se obriga a, não as negociar em qualquer d'esses mercados.
Acho na verdade, esta condição maravilhosa
Pergunto eu, se o syndicato ceder estas obrigações a terceiro, como é que o governo ha de evitar que esse terceiro vá a qualquer mercado que mais lhe agrade, tratar de trocar essas obrigações a dinheiro?!
Portanto, digo, o syndicato póde comprometter-se por si, a não levar essas obrigações a essas praças, mas os terceiros a que elle as passe, não estão prohibidos de fazer o que mais lhes convenha, sem que o governo lh'o possa impedir, pois não ha nem póde haver sancção que permitia fazer boa uma similhante clausula; alem do que, o que vale a prohibição de vender em Lisboa, em Londres ou Paris, podendo vender no Porto, em Amsterdam, em Bruxellas ou em Berlim?
São estas entre muitas as duvidas que nutro ácerca da efficacia e das vantagens da proposta governativa, e sobre ellas desejo e espero ouvir a opinião auctorisada do illustre relator da commissão.
E sou assim chegado á parte que reputo essencial n'esta minha exposição.
Refiro-me á apreciação financeira da operação necessaria para levar por diante as obras do porto de Lisboa.
Affirma-nos o governo, e eu não me cansarei em repetil-o, que o preço por que serão obrigatoriamente compradas pelo syndicato as obrigações a emittir equivale a uma cotação das inscripções de 51,28. A commissão corrobora approximadamente este calculo e entoa os devidos louvores a uma tão maravilhosa operação financeira realisada a despeito das difficuldades provenientes da situação infeliz e arrastada do nosso credito, situação descripta em negro n'este documento que apresentei ha pouco á camara e que se divide em tres diversas phases.
E a proposito de tal divisão seja-me licito, sem animo de offensa para o cavalheiro e meu correligionario politico a quem por vezes tenho alludido, mas unicamente com o fim de amenisar um pouco esta exposição necessaria, mas fastidiosa e que deve cansar a camara, seja-me, repito, licito, dizer que estas differentes phases antes da primeira viagem, volta a Lisboa, segunda viagem, e quadro final, me fazem lembrar um antigo drama de Seribe, drama que fez com outros do mesmo auctor as delicias da minha adolescencia, como talvez as faria tambem da idade madura do sr. presidente do conselho, drama que se intitulava Avant, pendant, et après. Recordações de tempos que já vão muito longe, e que provam que até para certas glorias luteranas, como para as outras terrestres, se verifica a phrase sagrada de que passam como o fumo. Verdade é que esta ia de accordo com a epocha em que floresceu, e que para Luiz Filippe, como para Seribe, a perspectiva da historia não é a mais favoravel.
Seja como for, e perdoada pela camara esta digressão que nada tem com o fundo da questão, a qual significa um esforço e uma natural tentativa de auxiliar, quanto cabia nas forças de um cidadão illustrado, a realisação do obra tão importante como é o melhoramento do porto de Lisboa, voltarei agora aos meus calculos e apreciações, resumindo assim o mais que possa o que ainda me cumpre expor á
camara.
Affirma-a simples arithmetica que não se podem comparar quantidades heterogeneas, que não é possivel, por exemplo, e começando pelo mais simples, realisar uma operação de quebrados sem reduzir todas as fracções que n'ella figurem ao mesmo denominador, aliás teriamos calculos absolutamente falseados aos seus resultados.
Ora, n'estas questões de obrigações amortisaveis, tudo póde variar, varia o juro nominal, que póde ser de 3,4,5 ou 6 por cento, varia o valor nominal da obrigação, que póde figurar-se de 90$000 réis, 100$000 réis, ou qualquer outro valor, e varia finalmente o preço real que se obtem pela venda de obrigação.
Todos estes elementos, repito, são variaveis.
Portanto, quando só pretende comparar duas obrigações de typo de juro nominal diverso, com diversa annuidade amortisaveis em periodo differente e embolsaveis tambem por um valor diverso, é indispensavel estabelecer o que se chama as paridades, e deduza- o unico elemento comparavel em todas ellas, que e o encargo real do juro, envolvido e occulto, por assim dizer, em todas aquellas combinações.
É, salvo o tratar-se de uma operação algebrica, a mesma,

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questão que no calculo das fracções a reducção ao mesmo denominador; variam pois todos aquelles elementos, mas no meio de todos elles ha, como ia dizendo, um que está envolvido e occulto em todos, e que é a taxa do juro, esse é o unico elemento verdadeiramente attendivel e essencial, (Apoiados.) o que permitte estabelecer as taes paridades para comparação entre si de obrigações nas condições d'estas.
Eu confesso que não é sem extrema repugnancia que estou fazendo esta exposição, que reputo impropria d'esta casa.
Sei por minha parte o que vale e o que sabe o sr. presidente do conselho, que é um distincto general de engenheria, um homem eminente a todos os respeitos, por quem tenho a maior consideração, apesar das profundissimas divergencias politicas que nos tem sempre separado.
E respeito igualmente o talento e a illustração do sr. ministro da fazenda e dos membros desta camara, que assignaram este parecer; mas eu creio que os equivocos que me obrigam a descer a estes pormenores nascem exclusivamente da maneira porque estamos discutindo, e do modo como estão sendo tratados os negocios nos gabinetes dos ministros e no parlamento. (Apoiados.)
Não é humanamente possivel, por mais elevada que seja a intelligencia de qualquer, formular ou apreciar um projecto da natureza do que estamos discutindo, leval-o ao seio das commissões e vir aqui discutil-o na camara n'uma unica sessão. (Muitos apoiados.)
Eu pela minha parte não posso fazel-o; e já declarei ao sr. Fuschini, que por motivo analogo não poderá discutir, como desejava, o projecto que s. exa. tão dignamente relatou, assim como a opposição a que eu pertenço o não pôde tambem apreciar e discutir devidamente, e tanto assim que estou convencido de que o proprio sr. Fuschini será o primeiro a lamentar esse facto, e o primeiro a ficar pouco satisfeito com uma discussão que não correspondeu de certo aos desejos de s. exa., nem á importancia do mesmo projecto.
Mas, sr. presidente, taes esforços não são possiveis para ninguem, e isto explica lapsos tão lamentaveis como aquelle que vou expor á camara. E se não for lapso, será corrigido, e desde já declaro que me sujeitarei a todas as correcções.
Sr. presidente, nunca me teria atrevido a fazer uma exposição d'esta natureza, se não viesse dizer-se, por parte do sr. ministro de fazenda e do sr. presidente do conselho, que esta operação, representa uma emissão de inscripções a 51,47! Bastava o facto de ver os nossos fundos cotados a 45 para suppor impossivel que isto succedesse!
Mas vamos á demonstração de ser inexacta tão estupenda maravilha. E eu pela minha parte sujeito-a á critica, como disse, e se ella estiver errada estimarei muito, porque seria um beneficio para o meu paiz, e o governo teria realisado uma operação financeira que eu applaudiria calorosamente.
Não posso, porém, proseguir sem entrar em algumas particularidades que procurarei encurtar o mais possivel.
As obrigações que devem crear-se nas condições d'este projecto são emittidas durante o periodo de dez annos.
Durante esse periodo, á medida que os progressos das obras o tornem necessario, ir-se-hão emittindo as obrigações para fazer face aos encargos das mesmas obras, e depois de realisada a obra toda a emissão de obrigações ficará completa.
Se as obrigações se emittem durante dez annos, e as obras progridem por igual n'esse periodo, creio que se póde admittir, como inteiramente proximo da verdade, que ficara muito approximadamente emittida metade nos cinco primeiros annos e a segunda parte igual nos cinco annos restantes.
Haverá pois, é certo, obrigações amortisaveis em periodos diversos, variando entre o maximo de 19 e o minimo de 9 annos, mas a camara comprehende que, se ha uma variação nos encargos, em uns casos será para mais e em outros para menos; sem alterar portanto em nada o resultado final d'estes calculos, podemos suppor que as obrigações são todas emittidas no fim do quinto anno.
Ha em torno d'este período médio uma serie de correcções com signal positivo umas, negativo outras, mas iguaes, e que umas a outras se annullam por essa differença de signal.
Podemos, pois, livremente considerar todas estas obrigações tomadas firmes por 80$000 réis e sujeitas a uma commissão de 3$150 réis.
Com isto parece contentar-se o illustre relator, e aqui pára a sua analyse. Verdade é que allude a premios de cambio, sem que eu saiba o que tenha o cambio que ver n'esta questão.
O que, porém, s. exa. esqueceu é que ha uma differença entre valor nominal e real, e que existe a obrigação de amortisar ao par os titulos emittidos.
Olhando só para a commissão e deduzindo-a, o sr. relator pergunta:
O que fica livre para o governo?
Evidentemente o preço de 76$850 réis, vencendo 5 por cento nominalmente, e reduzido o calculo a uma simples proporção ou regra de tres deduz a commissão que o encargo da operação é de 5,85 por cento. Isto corresponde ao preço das inscripções de 5l,28, o que é, diga-se a verdade, um triumpho financeiro, quando ellas estão cotadas a 45.
Recebe, portanto, o governo, por um lado, por cada obrigação 76$850 réis, mas tem de reembolsar n'um periodo muito curto 90$000 réis, e portanto não póde bastar para apreciar os encargos da operação proceder como o fez a commissão; é necessario recorrer ás formulas algebricas, aliás muito conhecidas e singelas e que tenho aqui presentes, para se poder deduzir a taxa real do juro.
Repito, nunca entraria n'estes pormenores se não fosse a necessidade de levar á evidencia que ha em tudo isto um inexplicavel engano, do qual resulta affirmar-se que vamos realisar uma operação muito vantajosa, quando de facto ella póde e deve ser condemnada como altamente ruinosa em si, e ainda mais pelas consequencias possiveis que d'ella podem derivar-se para a cotação geral dos nossos fundos.
Procedendo, pois, ao calculo tem de se recorrer á formula conhecida, que póde enunciar-se da seguinte maneira:
«O valor real de uma obrigação está para o seu valor nominal assim como o valor actual de uma annunidade de 1$000 réis durante m prestações, avaliada á taxa t' está para o valor actual da mesma annuidade avaliada á taxa t.
Ora na hypothese que estamos discutindo:
O capital real em = 76:850.
O valor nominal V = 90:000.
O numero de prestações semestraes M = 28.
O juro T=2 1/2 por cento, juro semestral ou metade de 5 por cento ao anno.
Finalmente o valor actual de 28 prestações semestraes de 1$000 réis cada uma, suppondo o juro semestral de 21/2 por cento, ou a = 19$964,88, valor este que é dado por qualquer tábua de annuidades, entrando n'ella com os dois elementos, taxa de juro e numero de prestações.
Tudo é, pois, conhecido na formula com excepção de a', isto é, do valor actual de 28 prestações semestraes de réis 1$000, pela taxa do juro real que a operação, vem a custar.

1 A formula é a seguinte :

[Ver fórmula na Imagem]

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885 2675

Ter-se-ha portanto:
a'
76:850=90.000 X ---------
19$964,88

donde se deriva para a' o valor:

a'=17$047,78

Ora cingindo-nos sempre ao principio de que a amortisação se ha de realisar em 28 semestralidades, é facil verificar que os numeros da tabella de annuidades, sempre correspondentes a esse praso de amortisação, e que mais proximos se acham de 17$047 réis, são 16$663 réis e 17$154 réis.
Mas, é evidente, que 17$047 réis se approxima mais do ultimo que do primeiro, e o primeiro corresponde á taxa de juro de 4 por cento, e o segundo a 3 3/4 por cento.
É este um calculo que se verifica e póde renovar-se em cinco minutos, e por elle se mostra sem mais trabalho que o encargo real e effectivo d'esta operação, quer dizer taxa real do juro não é de 5,80, como o governo declara mas sim um pouco superior a 7 1/2, o que corresponde; uma paridade nas inscripções, não de 51,23 ou de 51,48 mas sim e simplesmente de 40 por cento.
O governo vae, pois, emittir seis mil duzentos e trinta tantos contos de obrigações a um preço equivalente ao de 40 por cento nas inscripções.
Ter-me-hei enganado? É possivel. Mas tenho feito calculos d'estes tantas vezes, tenho tido tantas occasiões de discutir assumptos analogos, que me parece que não ser facil o enganar-me; appello, pois, confiadamente para todos os que estão habituados a fazer estas operações appello especialmente para o sr. Fuschini, que assignou projecto com declarações, talvez entre outras por esta mesmas rasões e argumentos que eu estou adduzindo.
E não bastaria o simples bom senso para indicar a absoluta impossibilidade de encontrar capitalistas estrangeiros tão bondosos que, somente para nos beneficiarem, e por amor das obras do porto de Lisboa, tomassem os titulos; mais de 51, quando os encontravam na praça a 45? Isso era, em verdade, uma estupenda maravilha. Não haveria explicação possivel para ella.
Convem notar ainda que o governo nos diz que estes titulos correspondem aos titulos de 3 por cento, tomados 51,47, e a commissão assevera que correspondem a 51,23. Creio que salvo a base erronea da apreciação por uma simples regra de tres, é a commissão que tem rasão e não o governo.
Mas, é curioso que até n'isto não haja uma opinião assente, tão bem estudada foi a combinação financeira em que assenta o projecto governamental.
Mais extraordinario é ainda que n'um projecto d'esta magnitude tambem haja duvidas sobre o numero de obrigações que terá de emittir-se.
O governo, no seu relatorio, diz-nos o seguinte:
«Segundo a proposta (a do sr. Hersent), as obras deverão estar concluidas em dez annos, e a operação amortisada em dezenove. Desejando a empreza receber
annualmente 3.000:000 francos ou 540:000$000 réis em numerario, é claro que haverá a emittir em titulos cerca de 30.000:000 ou 5.400:000$000 réis, approximadamente até ao fim da construcção.
«A somma a amortisar será, portanto, de 5.400:000$00 réis (!) e se a amortisação for em nove annos, a contar do decimo primeiro, depois de começarem as obras, ou réis 600:000$000 (!) em cada anno, alem dos juros, o que render a exploração do porto e o producto do imposto serão mais do que sufficientes para fazer face a taes encargos.»
Em verdade, estas phrases lêem-se e não se acredita que as firmassem os srs. Fontes e Hintze.
É extraordinario, ou mais de que extraordinario, é assombroso! Tendo de amortisar um certo numero de obrigações em nove annos, o que faz o governo? Diz que sendo a somma a amortisar de 5.400:000$000 réis e o periodo de amortisação de nove annos, bastaria dividir um por outro os dois algarismos para fixar em 600:000$000 réis a amortisação em cada anno.
Ora, nunca foi assim que se calcularam amortisações, por meio de annuidades constantes. Appello para os meus collegas que são empregados no ministerio da fazenda, e elles que digam como se calculara as tabellas pelas quaes se regulam as amortisações dos emprestimos de obrigações de 5 e 6 por cento, que ali se realisaram, tabellas que provam como os juros vão diminuindo e a amortisação crescendo, por fórma que, no ultimo periodo da importancia sempre igual da annuidade, quasi tudo é amortisação e no primeiro quasi tudo é juro.
Confesso, portanto, que não comprehendo estes calculos feitos pelo governo, e que eu ouso qualificar de amortisações a machado, mas seja como for, deriva-se de tudo isto o affirmar o governo que haverá a pagar ao empreiteiro 5.400:000$000 réis, por meio de obrigações.
Mas para obter esse resultado o governo não póde, como erradamente affirma, emittir só 5.400:000$000 réis de obrigações, porque o valor real d'estas é inferior ao valor nominal, e, portanto, terá de emittir um numero de obrigações que por um calculo muito simples se reconhece dever ser de 70:266, o que representa o valor nominal de réis 6.323:940$000, e é este numero de obrigações que dá ao governo 5.400:000$000 réis effectivos de que carece para pagar ao empreiteiro.
Se consultarmos, porém, o parecer da illustre commissão veremos por elle que o numero das obrigações a emittir será apenas de 61:761. Porque? Não se diz, e nós vemo nos assim na presença de duas affirmativas, a do governo que declara indirectamente ter de emittir 70:266 obrigações, e a da commissão que assevera não exceder esse numero a 61:765.
Mais uma prova do cuidado escrupuloso com que a parte financeira d'este projecto foi estudada!
E como se tudo isto não fosse bastante, ainda o governo e a commissão nos reservam mais outra surpreza.
O sr. Hersent propunha que a amortisação das obrigações se verificasse em vinte e cinco annos, e o governo, sem alcançar a troco d'isso qualquer concessão nova reduziu espontaneamente o praso da amortisação a quatorze annos.
Ora a camara comprehende bem que amortisar uma somma tão avultada em vinte e cinco annos ou em quatorze é questão importantissima, pelo que respeita a encargos e dado o reembolso por um valor nominal muito afastado das quantias effectivamente recebidas.
Pois bem, é o proprio governo que espontaneamente, por seu simples alvedrio, vem tornar a operação ainda mais gravosa para si, visto que reduz o praso da amortisação, e paga dentro do período de quatorze annos em logar de vinte e cinco, 90$000 réis por cada obrigação a troco da qual sómente recebera 76$850 réis, o que perfaz sobre 70:266 obrigações e colossal quantia a mais de réis 923:997$900.
Parece-me, pois, ter demonstrado, sem refutação possivel, por um calculo que todos podem verificar, sem recorrer a logarithmos, e pelo simples recurso a uma tabua de annuidades, que o governo não conseguiu ainda d'esta vez realisar o milagre de vender, por 51,47, segundo o seu relatorio, e por 51,23 segundo o parecer da commissão, o que na praça de Londres não vale mais de 45. (Apoiados.)
Creio que, por igual, ficou demonstrado que o encargo da operação, longe de ser como se asseverava de 5,85, excede um pouco a 7 1/2 por cento.
Póde fazer-se o calculo rigorosamente pela applicação das formulas e emprego de logarithmos, tendo alem d'isso em

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conta que a amortisação fica differida para o fim de dez annos dos dezenove em que toda ella estará concluida, mas esse processo aliás mais rigoroso, que nem por todos, porém, poderia ser verificado, daria, como em outro logar já tive occasião de assegurar, resultado quasi identico ao que acima referi, e que assim tem n'esse outro modo de calcular uma contra-prova segurissima.
Mas se tudo isto assim é, se mathematicamente se de demonstra que as suppostas vantagens financeiras d'esta proposta redundam n'um erro que eu peço desculpa de qualificar de grosseiro, e se estas vantagens eram a rasão unica que tornaram possivel em junho o que em janeiro fizera sair do governo o sr. Antonio Augusto de Aguiar, então pergunto mais uma vez porque foi este cavalheiro sacrificado ou porque se persiste em levar agora o projecto por diante?
Ora, sr. presidente, o que me parece certo é que o sr. Antonio Augusto de Aguiar nunca teria apresentado esta proposta, e muito menos redigido como está o relatorio que a precede, e seja dito isto sem animo de offender o sr. presidente do conselho.
O sr. Aguiar, quando era ministro das obras publicas, concentrava toda a sua attenção no ministerio a seu cargo estudava exclusivamente os negocios da sua pasta, e seguia com o maior interesse todas as phases porque passavam esses negocios.
Faço a s. exa. inteira justiça, embora possa divergir das suas opiniões, como, por exemplo, succedeu quando o ataquei, com pezar meu, na questão da opportunidade d'estas mesmas obras do porto de Lisboa.
Mas o sr. presidente do conselho que é o chefe da situação; que tem de comparecer nas duas casas do parlamento, embora não succeda honrar esta muitas vezes com a sua presença, como era do seu dever; que tem de celebrar repetidas conferencias com o soberano, e de repartir a sua attenção por milhares de negocios variadissimos; que gere duas pastas muito importantes, a das obras publicas, pela qual estilo correndo negocios cuja magnitude se está verificando n'este momento, e a da guerra por onde ha pouco se fez uma reforma que, só por si, exigiria para se levar por diante, todo o cuidado, toda a vigilancia e toda a attenção de um ministro; o sr. presidente do conselho que assim tem a sua attenção completamente absorvida por uma tão grande complexidade de negocios, não póde, apesar das suas poderosissimas faculdades, que sou o primeiro a reconhecer, e a que presto a minha homenagem, não póde, repito, como o sr. Antonio Augusto de Aguiar que concentrava exclusivamente a sua attenção nos negocios da pasta que tinha a seu cargo, estudar esses negocios com a attenção com que o fazia aquelle cavalheiro.
Por isso eu affirmei e affirmo ainda que o sr. Antonio Augusto de Aguiar nunca apresentaria esta proposta como ella foi formulada, nem redigiria o relatorio que a precede nos termos em que esse documento está redigido.
Concluindo, direi que escuso de encarecer á camara as consequencias, que me parecem graves, da emissão, na actualidade, de titulos do governo portuguez correspondendo á paridade de 40 no preço das inscripções.
É evidente que estes 6.300:000$000 réis de obrigações hão de necessariamente influir no preço dos fundos e fazei-os depreciar, accentuando a tendencia d'estes para uma baixa bem explicavel aliás, porquanto, todos sabemos que se conservam nas carteiras dos bancos e do syndicato que realisou o ultimo emprestimo, os titulos d'esse emprestimo, os quaes ainda não foi possivel collocar. Isto não é segredo para ninguem.
As pessoas e associações que realisaram o emprestimo ficaram com as inscripções a pouco menos de 50, e estando ellas hoje a 45, é evidente que têem de esperar o momento favoravel para as collocar.
N'estas condições, para onde nos encaminha uma emissão do 6.300:000$000 réis de obrigações, realisada por preço vil? Para uma situação financeira, cujo verdadeiro nome não quero agora proferir perante a camara, mas que deve estar na consciencia e no espirito de todos nós.
Respondendo á vehemente accusação por mim formulada ha dias contra o sr. presidente do conselho, pelo desprestigio que s. exa. acarretara sobre o parlamento, o sr. Fontes asseverou que, mais do que ninguem, elle o sabia respeitar porquanto lhe devia tudo quanto era.
Pois, bem, é em nome d'esse amor e respeito pelo parlamento, é em nome das recordações que fazem com que s. exa. veja no systema representativo a base, aliás justa, da sua elevação politica no paiz, que eu lhe rogo, movido unicamente por um sentimento de patriotismo e de dedicação pela causa publica, que o governo feche as camaras sem demora, e evite assim que estejamos aqui a votar por esta fórma projectos que me não parecem sufficientemente amadurecidos e que compromettem o futuro financeiro do paiz por maneira tal que será impossivel, sejam quaes forem os sacrificios a que ainda possam submetter-se os contribuintes, salvai-o de uma crise desastrosa, que é a um tempo uma calamidade e uma quebra lamentavel de brio e pundonor. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara entende que nas actuaes condições do thesouro, quando annualmente se recorre ao credito por quantias superiores a 8.000:000$000 réis, não é opportuno emprehender obras cujo custo se eleva a mais de 10.000:000$000 réis, particularmente se para isso é mister realisar operações de credito, importando um encargo real de juro de mais de 7 1/2 por cento, equivalente ao preço das inscripções de 40 por cento.
Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = H. de Barros Gomes.
Foi admittida.

O sr. Augusto Fuschini: - Mando para a mesa o parecer das commissões de fazenda e de obras publicas, ácerca das emendas apresentadas ao projecto de lei de reforma do municipio de Lisboa.
A imprimir com urgencia.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro das Obras Publicas (Fontes Pereira de Mello) : - Sr. presidente, o illustre deputado pede ao governo, em nome do seu patriotismo, e do que de certo nos attribue a nós, que feche as camaras quanto antes, para se não votarem projectos d'esta ordem, mal estudados, mal apreciados, e que, de certo, no opinião de s. exa. são prejudiciaes aos interesses publicos.
Se este projecto não fosse, na opinião do illustre deputado, prejudicial aos interesses publicos, s. exa. não pediria ao governo que fechasse as camaras, mas pedir-lhe-ia ao contrario que as prorogasse por tanto tempo quanto fosse necessario para que o exame circumspecto de uma questão tão importante como esta é podesse levar ao espirito de todos o convencimento de que com este projecto se satisfaz a uma urgente necessidade publica. (Apoiados.)
Eu digo o contrario, porque parto de um ponto de vista tambem contrario ao ponto de vista do illustre deputado.
Eu digo o contrario; eu digo que, quando se trata de uma questão d'este caracter, d'esta natureza, de um interesse publico tão accentuada e
frisantemente reconhecido, que nem o illustre deputado, que combate o projecto, ousou pôr em duvida a utilidade d'ella, se deve pedir ao governo que perante o poder moderador faça quanto lhe seja possivel para que as sessões parlamentares se proroguem até que um melhoramento de tanta importancia para a capital do reino e para o paiz inteiro possa ser votado. (Apoiados.)
Sr. presidente, parece que o relogio do tempo parou ha trinta annos, porque me sinto completamente transportado a uma epocha em que os homens mais conspicuos da op-

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posição parlamentar se levantavam contra o governo, era eu então ministro das obras publicas, como tenho a honra de o ser hoje, porque vinha propor ás côrtes do meu paiz que se fizessem importantes melhoramentos. N'essa epocha em que o juro do dinheiro era de 12 por cento, n'essa epocha em que não se pagava quasi a ninguem, n'essa epocha em que se tinha dado havia pouco celebres operações mixtas, tão desastrosas para o paiz, n'essa epocha, emfim em que as receitas não passavam de 10 000:000$000 réis, a terça parte do que são hoje, propunha o governo de que eu fazia parte importantes melhoramentos publicos.
E então levantavam-se, todos os homens mais atilados, os homens mais zelozos da fazenda publica, aquelles que julgavam consubstanciar em si o segredo das finanças para combaterem o ministro novo, o ministro audacioso, como então se dizia, o ministro imprudente que ia comprometter os recursos do paiz, pedindo aos representantes do povo sommas de muitos milhares de contos, sommas avul-tadissimas, sommas ás vezes superiores a todas as receitas publicas, para fazer a felicidade do paiz.
Eram os mesmos argumentos que ainda hoje se empregam.
Não eram os mesmos homens, mas eram os mesmos argumentos, que elles empregavam, com o proposito de pugnar pela verdade, porque faço justiça aos meus adversarios, combatendo os melhoramentos publicos que o governo, á custa de duras lucubrações e trabalhos, procurava realisar no interesse e na vantagem do paiz.
O que se dizia então dos caminhos de ferro, d'esse grande melhoramento publico, cujas vantagens todos reconhecem hoje e não ousam contestar?
Pois hoje todos pedem o caminho de ferro para a sua porta, e todos têem idéas diametralmente oppostas ao antigo systema de não querer nada. Como se fez esta transformação nos espiritos? Fez-se á custa do credito mesmo dos homens que então estavam á frente do governo, que eram diffamados e calumniados.
Eu entendia que o paiz tinha em si a vitalidade necessaria para se levantar á altura das outras nações cultas da Europa, porque tinha fé no futuro e confiança nos seus recursos. Não via esta questão pela nota acanhada dos 4 a 5 por cento; então eram 10 e 12 por cento e comtudo fez-se a felicidade publica. (Apoiados.)
Quando vemos qual é o producto da receita, e as manifestações, da riqueza publica que, apesar de todos os descrentes e dos pessimistas estão saltando aos olhos de toda a gente, a quem se deve dar rasão, aquelles que diziam que era de tantos por cento o encargo da operação, ou aquelles que com fé no paiz e nas suas forças pediam para nos tirarmos da vergonhosa apathia e do atrazo em que nos achavamos em relação ás nações mais cultas da Europa?
Voltámos trinta annos á rectaguarda!
O illustre deputado, que não me faz a honra de suppor que eu esteja habilitado a responder pelo ministro da fazenda nas questões do ministerio a seu cargo, o illustre deputado que ainda ha poucos dias queria aqui a presença do ministro das obras publicas em questões que não eram propriamente da sua pasta, hoje já não julga sufficiente a presença do presidente do conselho e quer o ministro da fazenda, que está respondendo na outra camara, por parte do governo, ás observações que lhe fazem.
O illustre deputado que não me faz a honra de suppor que eu, tendo sido ministro da fazenda mais tempo do que nenhum dos meus antecessores, esteja habilitado para responder pelos negocios da fazenda, o illustre deputado que desconhece por momentos qual é a obrigação do systema representativo e a responsabilidade dos governos solidarios em que cada um dos ministros responde por si e por todos; (Apoiados.) o illustre deputado não tem o direito de exigir que venha aqui um ministro desde que o chefe do gabinete diz que está habilitado a responder.
Desde que o governo está representado, desde que o chefe do gabinete está habilitado a responder por todos, não ha direito a exigir mais. Está enganado o illustre deputado.
Se as cadeiras do ministerio estivessem orphãs, se não estivesse aqui o governo, então tinha rasão o illustre deputado; mas quando o governo está aqui, e quando todos os dias se exige para tudo a presença do presidente do conselho é elle sufficiente para responder, bem ou mal, isso é questão áparte, ás observações que se fizerem ao governo. E a dizer a verdade para as questões que se apresentam, para notar á camara qual é o deficit quer do orçamento rectificado, quer do orçamento definitivo, ou a despeza extraordinária, para indicar esse deficit que o illustre deputado encontrar, para tudo isto, não é preciso ser um grande financeiro. Estou habilitado a comprehender estas questões. Até ahi ainda chego. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, esta enumeração do illustre deputado, feita como se fazia antigamente, tudo isto é copia.
Não digo que o illustre deputado precisa copiar, porque tem muita capacidade para expor as suas idéas.
Eu estou fallando serio, não estou fallando em tom jocoso.
Mas o illustre deputado, por quem tenho muita consideração pelo seu talento, pelas suas virtudes particulares, pelo seu incontestavel merecimento, e n'essa parte faço justiça inteira ao seu caracter e á sua competencia, o illustre deputado levou uma parte do seu discurso a enumerar as diversas verbas de despeza que sobrecarregam o thesouro.
Alem do deficit ordinario de 1.300:000$000 réis, e do extraordinario de 4:000 e tantos contos de réis, foram enumerados 500 e tantos contos de réis para o Zaire, outras quantias para o caminho de ferro de Ambaca, para o porto de Leixões, para o caminho de ferro de Mormugão, etc.
Pois desgraçado paiz que vae ter o caminho de ferro do Mormugão, para fazer a felicidade, a riqueza e a prosperidade d'aquelle antigo emporio portuguez! Que vae ter no Zaire estabelecido o governo da metropole! N'esse Zaire tão cubicado pelos estrangeiros: n'esse Zaire arrancado á Europa, que se colligou contra nós! Desgraçado paiz, porque vae empregar 500:000$000 réis no Zaire, quantia ante a qual ninguem que se preze do ser patriota hesitará para manter a honra e a dignidade do seu paiz!
E com relação ao cholera! O governo procura por todos os meios evitar á invasão do cholera em Portugal. Isto custa algum dinheiro, é verdade, mas não será abençoado esse dinheiro, se der o resultado que todos desejâmos, e para o qual trabalham todos de accordo com a sciencia de toda a parte do mundo, para nos vermos livres d'esse flagello, que está fazendo arder as provincias meridionaes da Hespanha?
Porque se não fixou uma somma? disse o illustre deputado.
Como se nós tivessemos na nossa mão fixar antecipadamente a somma que havia de ser empregada!
Porque não fomos ao conselho d'estado?
Como se a ída ao conselho d'estado não fosse o mesmo que vir á camara n'este caso, e como se nós, pedindo á camara que tenha confiança no governo, que não ha de despender senão o que for stritamente indispensavel, praticassemos algum acto extraordinario e attentatorio das liberdades parlamentares! (Apoiados.)
O porto de Leixões! O porto de Leixões, que era pedido pela segunda cidade do reino, que era proposto pelo illustre deputado, quando ministro, (Apoiados.) o porto de Leixões só agora serve como argumento de despeza. E para que? Para combater os melhoramentos do porto de Lisboa. (Apoiados.)
Mas o porto do Funchal, que todos sabem que é uma bahia açoutada pelos temporaes, e que faz parte da ilha da Madeira, o porto do Funchal, para o qual o Oceano é um verdadeiro Othello, (Apoiados.) e onde os navios não

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podem abordar uma grande parte, do anno, porque não lh'o permittem as condições d'aquella enseada, esse porto tambem serviu de argumento ao illustre deputado para combater o porto de Lisboa. (Muitos apoiados.)
Dir-se-ía ao ouvir isto, que s. exa. combateu toda a sua vida o porto de Lisboa porque não estava nos seus principios, nas suas idéas, nos seus actos offciaes, e não prendia com a sua propria responsabilidade.
Mas eu percorro os annaes parlamentares e encontro, não em sessões pouco adiantadas, não em principios de sessão, quando ha muito tempo para discutir, mas em uma só sessão, em uma unica proposta assignada por s. exa., ou a que estava ligada á sua responsabilidade relativamente ao porto de Lisboa, ao porto de Leixões e ao caminho de ferro do Algarve, na importancia de 15.000:000$000 réis, e tudo isto na mesma sessão. (Apoiados.)
Vejam como n'uma sessão eram tratados assumptos tão diversos e tão variados! (Muitos apoiados.) Agora porque se discutem os melhoramentos do porto de Lisboa como medida de alta importancia, accusam o governo porque nos ultimos dias de sessão reune todos os projectos mais difficeis de estudar, aquelles que podem trazer ao paiz grandes encargos, mas que tambem podem trazer muitissimas vantagens, (Apoiados.) como se não se tivesse feito sempre isto, como se s. exa. estivesse fallando em uma terra estrangeira e diante de um auditorio que não conhece a historia parlamentar do nosso paiz; como se isto não nascesse fatalmente das nossas condições parlamentares que obrigam o governo deixar ficar para o fim as medidas de maior tomo. (Apoiados.)
É exactamente no fim da sessão, quando as questões estão mais amadurecidas pelo exame e pelo estudo que ellas se apresentam. (Apoiados.)
O governo não quer forçar ninguem a estudar as questões, mas entende que as questões quando bem amadurecidas e estudadas é que devem ser discutidas. (Apoiados.)
Sempre se fez assim.
Percorram os annaes parlamentares, examinem, e verão que todos os annos, tanto por parte do partido progressista, como do regenerador, ou de outro qualquer partido, se procede do mesmo modo. Parece que o mundo não marcha. Ao contrario do que dizia Pelletan, fica parado. (Apoiados.)
A differença está em que hoje são as opposições que dizem isto, e amanhã hão de dizel-o os que hoje são ministeriaes e que então serão opposição.
Mas tudo isto se traz para mostrar que não ha tempo, tudo isto procede da idéa falsa, em que se está, de que um só homem ha de discutir, apreciar e resolver todas as questões. Desgraçadamente, essa tarefa pertence aos ministros e ainda assim, divide-se por uns poucos. E se a opposição está hoje composta de tantos membros, tão conspicuos e illustrados, como realmente está, graças ás ultimas eleições... para discutir e estudar todas as questões, não poderá um deputado encarregar-se de uma certa ordem de questões, e outro de outras, e não ser sempre o mesmo individuo que tenha de apreciar todas as questões? Mas ainda que seja o mesmo individuo, não ha tempo de sobra? Ha quanto tempo se trata do porto de Lisboa? Ha annos; não ha mezes, e muito menos dias ou semanas, mas ha muitos annos. E principalmente aquelles, que já apresentaram propostas exactamente no mesmo sentido, devem ser os ultimos a declarar, que não está estudada a questão. (Muitos apoiados) Não está está estudada em 1885 e estava em 1880?!
Mas que estudo é este?
Eu peço licença á camara para ler este documento, porque é instructivo depois do discurso do illustre deputado, cujo saber e competencia ninguem de certo reconhece mais do que eu. Vamos a ver como estava estudada.
Vejo aqui, por exemplo, n'este projecto, que depois do porto de Leixões, vinha o porto de Lisboa.
Tudo no mesmo projecto! Agora ao menos, ainda ha alguns annos de intervallo: o porto de Leixões não foi votado neste anno.
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar construir por empreitada geral um porto artificial de abrigo e de commercio dentro do perimetro marcado pelas pedras denominadas Leixões».
E depois diz o paragrapho:
«§ unico. O governo poderá contratar os engenheiros especialistas que sejam precisos para determinar o systema de obras preferivel e elaborar os projectos definitivos.»
Aqui a differença está na data.
Por consequencia ha n'esta proposta exactamente a mesma cousa; e então havia muitissimo menos estudos do que ha hoje, sem comparação nenhuma.
Mas então julgavam-se sufficientes esses estudos para se propor ás côrtes...
Uma voz: - Não se julgava.
O Orador: - Está aqui a proposta de lei apresentada ás cortes no dia 10 de abril de 1880.
N'aquelle tempo entendia-se, que isso era sufficiente para se propor ás côrtes!
Então eram engenheiros especialistas que haviam de elaborar os projectos definitivos.
Eram engenheiros especialistas e competentes que haviam de fazer os estudos, emquanto que por esta proposta ha de ser provavelmente o sr. Hersent; e diz a mesma cousa.
Não acho um outro documento, que tambem desejava ler, mas não vale a pena estar a incommodar a camara, visto que já li este artigo e paragrapho, em virtude dos quaes o illustre deputado, como ministro da fazenda, assumiu a responsabilidade de uma proposta exactamente nos mesmos termos da que apresentamos hoje.
Depois no artigo 7.° d'esse numero lê-se também:
«Artigo 7.° É o governo igualmente auctorisado a conceder em hasta publica, nos termos dos artigos antecedentes a execução dos seguintes trabalhos na margem direita do Tejo, na parte comprehendida entre o arsenal da marinha e o edificio da cordoaria nacional.»
E segue ennumerando a construcção de uma doca de fluctuação e de uma outra de marés com a doca de reparação conveniente e proporcionada ao movimento maritimo de Lisboa;
A construcção de uma doca de reparação com a capacidade precisa para poder receber navios de guerra, ou de commercio de grande lote;
A ligação por um muro de caes da parte comprehendida entre esta ultima obra e a doca de fluctuação;
A construcção de um muro de caes e aterro no espaço comprehendido entre a doca de marés e a extremidade leste do edificio da cordoaria, com uma ou mais docas de abrigo para barcos de cabotagem.
Aqui está! Em 1880 tudo parecia estudado para o porto de Lisboa.
Correram cinco annos. Continuaram os estudos, póde dizer-se que se completaram, e é agora uns poucos de annos depois, que o illustre deputado declara que o assumpto não está suficientemente estudado!
Eu peço ao illustre deputado e peço á camara que tratem esta questão serenamente, como eu a trato, e peço tambem á camara que examine tudo quanto se tem dito e feito a respeito do porto de Lisboa, que veja os dois volumes e os mappas que foram distribuidos á camara pelo sr. Aguiar, que elucidou perfeitamente esta questão.
Quasi todas as corporações deram o seu voto a este projecto, pedindo que não se esperasse que as circumstancias financeiras fossem vantajosas para a sua execução, mas que se tratasse immediatamente de levar a effeito esta grande medida.
A este respeito temos um trabalho completissimo apresentado pela commissão nomeada pelo sr. ministro da fa-

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zenda, em 26 de março de 1883; um trabalho que faz honra aos que o elaboraram e do qual foi relator um cavalheiro que é correligionario do illustre deputado e ao qual s. exa. já se referiu.
Comquanto eu seja adversario politico do sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, nunca poderei deixar de elogiar a sua alta competencia e respeitabilidade sobre a materia.
Temos o parecer da junta consultiva do ministerio da obras publicas, que é a corporação mais competente para tratar d'este assumpto; temos um parecer da sociedade de geographia de Lisboa.
Estou vendo algumas physionomias impacientes, bem sei que não é agradavel ouvir-se isto, quando se tem acabado de dizer que não se está suficientemente esclarecido para resolver esta questão.
Para que se está dizendo que fechemos as camaras quando essas corporações todas pedem que se proroguem e se trate de resolver quanto antes a questão do porto de Lisboa? (Muitos apoiados.)
É em vista do que se tem dito que eu estou apresentando esta defeza.
Temos mais as associações scientificas; a associação de engenheiros civis que é competentissima.
Todas estas corporações apreciaram a questões technica economica, excepto á junta consultiva de obras publicas e minas.
Temos a associação dos jornalistas e homens de letras portuguezes, temos a associação dos empregados do commercio e industria, que representaram ao governo para que não se fechassem as camaras sem se ter tratado, n'esta sessão, do porto de Lisboa.
Temos a associação commercial de Lisboa, a mais importante debaixo do ponto de vista commercial, que pediu ao governo, não que se encerrassem as côrtes como pediu o illustre deputado, mas que se prorogassem tanto quanto fosse necessario, para que ainda n'esta sessão se resolvesse o assumpto de que tratâmos.
Ora, quando todos estes elementos convergem no mesmo sentido, quando todos são tendentes ao mesmo fim, quando todas estas corporações, todos estes homens respeitaveis quando todos, emfim, tratam de provar qual a vantagen immediata de melhorar o porto de Lisboa, não me pareci que se possa pedir ao governo, que em nome do seu patriotismo, encerre as côrtes! (Apoiados.)
E insisto sobre este ponto, porque sei que elle ha de doer á opposição. (Apoiados.) Que encerre ás coôrtes?! E vem então protestar ao mesmo tempo, que têem um grande enthusiasmo por este projecto! Sim senhor, dizem elles, os melhoramentos do porto de Lisboa são a cousa mais util que póde haver; já o eram e julgavam-se indispensaveis em 1880, mas não o são em 1885 e por isso será bom que se fechem as côrtes para que mais se não perca! É uma obra muito boa, mas não a querem, mas combatem-n'a (Apoiados.)
E ainda mais, declarado este projecto em discussão, começam por pedir que se discuta paragrapho por paragrapho, cousa que ninguem nunca pediu no parlamento! Paragrapho por paragrapho, note bem a camara; não é já, titulo por titulo, capitulo por capitulo!!
E este pedido podia ser innoffensivo, como hontem foi um pedido que se fez n'esta camara, para que um projecto que entrou em discussão se discutisse por titulos, e que a final, ninguem discutiu. (Apoiados.)
É notavel! Todos pediram á camara, que em nome das liberdades parlamentares, que em nome das tradicções d'esta casa, que em nome do respeito pela opinião de todos, aquelle projecto se discutisse por titulos, assim o resolveu a camara e por fim não se inscreveu ninguem, para fallar sobre elle! (Riso.) Se é n'este mesmo sentido, que pedem que se discuta este projecto, paragrapho por
paragrapho, podiamos discutil-o perfeitamente, não havia inconveniente nenhum.
Mas entendamo-nos bem, se de um lado ha o desejo, e de certo motivado por considerações de alto interesse publico, na opinião d'aquelles que me combatem, se ha o desejo repito, de addiar e protelar este negocio no momento actual, permitiam que da outra parte, haja o desejo de discutir e levar por diante, de esclarecer pela intelligencia dos deputados que aqui estão sentados, porque todos elles lhe podem dar um contingente valioso, o assumpto de que se trata. (Apoiados.)
Se se pensa que este projecto póde passar muito depressa, póde pelo contrario passar muito de vagar, se todos quizerem fallar duas vezes como permitte o regimento, alem das questões de ordem. E o illustre deputado teve o cuidado de começar por uma questão de ordem, para depois poder ainda fallar sobre a materia. Quem tem alguma pratica do parlamento sabe perfeitamente o que são estas tricas parlamentares. Começou a fallar sobre a ordem, como se sobre a ordem não fosse o mesmo que sobre a materia, e depois começam a fallar sobre a materia.
E qual é a ordem a que se referiu o illustre deputado? É exactamente o fundamento da conclusão do seu discurso; n'essa parte s. exa. é perfeitamente logico, porque começou por dizer na questão de ordem: que considerando que o estado da fazenda publica, que o deficit do thesouro, e não sei que mais pesa desapiedadamente sobre o contribuinte, propõe que se passe á discussão de outro projecto, pondo este de parte.
Creio que foi esta a conclusão do illustre deputado, e senão, peço a v. exa. á bondade de mandar ler na mesa a proposta apresentada.
Leu-se na mesa a proposta apresentada pelo sr. Barros Gomes:
«A camara entende que nas actuaes condições do thesouro, quando annualmente se recorre ao credito por quantias superiores a 8.000:000$000 réis, não é oppprtuno emprehender obras cujo custo se eleva a mais de 10:000;000$000 réis, particularmente se para isso é mister realisar operações de credito importando um encargo real de juro de mais de 7 1/2 por cento, equivalente ao preço das inscripções de 40 por cento.
«Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = H. de Barros Gomes.»
O Orador: - Ora isso é que é uma questão que é preciso demonstrar.
Não é porque o estado da fazenda publica seja melhor, mais prospero ou menos prospero, não é porque tenhamos um deficit maior ou menor, que estas obras ou estes melhoramentos do porto de Lisboa se podem ou não fazer, porque se se provasse que votada esta proposta, ella traria o resultado, não deprejudicar a fazenda publica, não de augmentar esse deficit, mas de melhorar as condições economicas e financeiras do paiz, de melhorar o credito publico e de satisfaser a uma grandissima necessidade e utilidade publica, está claro que cáe completamente por terra todo o edificio da proposta sobre a ordem do illustre deputado.
Não se fazia a 7 por cento nem a 20 por cento.
Se me provarem que uma medida de grande interesse publico, de uma grande vantagem economica da qual póde resultar augmento de riqueza nacional, não se póde fazer senão por um juro muito elevado, póde haver casos em que eu diga, paguemos esse juro elevado, mas tenhamos este melhoramento d'onde póde resultar grande beneficio para a nação. (Apoiados.)
Isto depende de circumstancias e não se póde basear em principios absolutos que não podem ser aconselhados por ninguem e que dependem do coefficiente de correcção, que todos os dias estão indicando a necessidade de os modificar para que não cheguemos até ao absurdo. (Apoiados.)
Não vi provar que d'este projecto não resulta vantagem

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que não seja compensadora dos encargos, que não sei se são de 5, de 6, de 7 por cento.
(Interrupção.)
Eu e que escrevi o relatorio. Póde haver erro. S. exa. ha de admittir o principio de que tambem póde errar. Em todo o caso eu não declino sobre ninguem a responsabilidade do que está escripto no relatorio. (Apoiados).
E a proposito permitia-me s. exa. que lhe diga que eu não fui o portador da proposta. Se o fosse poderia talvez investigar de quantos projectos foi tambem portador o illustre deputado. (Vozes: - Muito bem.)
Teria de investigar se todos os ministros apresentam ao parlamento propostas elaboradas por elles, ou se encarregam alguem de elaboral-as. (Apoiados.)
Por consequencia, não fui aqui portador de um projecto ao digno par o sr. Mendonça Cortez, como s. exa. disse. Se acaso s. exa. examinasse um documento que vem junto á proposta que apresentei ás côrtes, veria que o sr. Mendonça Cortez n'esse documento declara que tinha combinado commigo em abril d'este anno diversas bases com as quaes voltou a Paris para tratar d'este negocio.
Se isto é dito para levantar o caracter, a competencia e a respeitabilidade d'aquelle cavalheiro, digno membro da outra camara, estou perfeitamente de accordo com o illustre deputado, e na o sou eu que o contrario, eu, que tratei com s. exa. seria o ultimo a duvidar da sua competencia e capacidade; (Apoiados.) mas se é para amesquinhar a minha capacidade, está s. exa. no seu direito de suppor que eu só seria capaz de trazer ao parlamento um projecto d'esta ordem como portador d'elle.
Porque saiu o sr. Antonio Augusto de Aguiar, perguntam s. exas? (Apoiados.)
Elle que lhes responda, e já respondeu na outra casa do parlamento, onde tem assento, e fallou dignamente. (Apoiados.)
Já os seus collegas responderam em uma e outra casa do parlamento. (Apoiados.)
E quantas vezes me perguntarem porque saiu o sr. Aguiar e tambem porque saiu o meu collega o sr. Lopo Vaz, outras tantas tenho de responder o mesmo.
Isto já está dito e mais do que dito. (Apoiados.) Saiu o sr. Aguiar porque n'essa occasião não se julgou conveniente levar por diante o projecto apresentado por s. exa. e s. exa. não quiz esperar. Estava no seu direito.
O sr. Antonio Augusto de Aguiar tem n'esta questão uma grandissima honra, que eu lhe não regateio. E eu declaro isso no meu relatorio, que não foi feito pelo sr. Cortez, fui eu que o fiz; não fui o portador, fui o auctor d'elle. (Riso.) Cito este direito de auctor porque não vale nada, se fosse cousa importante, minha modestia não me consentiria que eu fallasse em tal.
Mas, como dizia, não regateei, nem regateio essa honra ao sr. Aguiar, porque elle, quando outra cousa não tivesse feito, sacrificou-se pela questão. (Apoiados.)
Já v. exa. vê que faço honra aos que estão e aos que saíram.
O sr. Aguiar era um homem que tinha uma idéa e tinha essa idéa firmemente, e julgava que era opportuno pol-a em pratica; mas os seus collegas entendiam que não era opportuno pol-a então em pratica, e s. exa. retirou se.
Como a questão de opportunidade é uma questão de tempo, e como eu não trouxe esta proposta no dia seguinte, mas sim algum tempo depois, e como a opportunidade ficou salva sem haver contradicção da parte dos que ficaram, nem da parte dos que saíram, creio que estou no meu direito em apresentar ás côrtes esta proposta, embora o sr. Aguiar tivesse resolvido sair do ministerio.
Mas, sr. presidente, o illustre deputado a quem me estou referindo, disse que o sr. Aguiar tinha saído porque fôra infeliz
Se isto era infelicidade, elle foi infeliz.
E ao mesmo tempo observa que o sr. Cortez tinha sido mais feliz do que o sr. Aguiar, porque tinha achado perante o governo a melhor graça para este assumpto, porque tinha conseguido convencer os ministros a apresentara a proposta de que se trata.
A este respeito já disseo sufficiente; mas, se for preciso dizer-se mais alguma cousa, como isto se refere a um membro do parlamento que tem voz e lingua, e tem lingua como muito poucos, (Riso.) e eu tenho sido victima d'ella muitas vezes, (Riso.) elle tratará de defender-se, porque não precisa da minha defeza.
Diz tambem o illustre deputado, que este projecto traz um encargo grande e que este encargo muito grande significa um grande lucro para os contratadores, e evidentemente uma perda para o thesouro; e que esta perda e este lucro respectivamente se equilibram, porque nós perdemos o que outros ganham, ou elles ganham o que nós perde-mos.
Eu já ouvi aqui dizer, quando se tratou de um emprestimoo, que o thesouro perdia quando ganhavam os contratadores.
Então o calculo era outro, havia outros elementos.
(Interrupção do sr. Sarros Gomes.)
O illustre deputado póde ter a palavra duas vezes sobre materia.
Eu não estou accusando o illustre deputado, estou cintando um facto.
Isto é mesmo para mostrar como n'esta questão, os homens competentes divergem, e como n'esta região dos algarismos, sem haver apostatas, póde haver mais ou menos orthodoxia.
No fim de tudo, visto que todos ficam competentes, os competentes disseram que tinha havido lucros exorbitantes da parte dos contratadores.
Não ha nada mais certo do que a mathematica.
Eu tambem á falta de gente estudei mathematica, e não fui mau estudante de todo; permitta-se-me que diga isto sem vaidade, e aprendi uma cousa que têem aprendido todos, e é que a mathematica é certa desde que os principios sejam certos.
A questão toda está no modo de por o problema, em equação; mas desde que os principios sejam certos e o problema se põe em equação, a verdade é só uma e ha de apparecer.
Mas isto não acontece só na mathematica; isso acontece em todas as sciencias em que se dividem os conhecimentos humanos.
A verdade é uma só.
E isto não é em apologia da mathematica, mas é que na mathematica está tudo no modo de pôr a equação.
Desde que se trata de pôr a equação, a fórma é tudo e aquelles que muitas vezes julgam encontrar ahi a sua defeza, encontram a sua condemnação.
Repito, a questão está no modo de pôr o problema em equação.
E para completar a minha idéa direi ainda, que os calculos podem ser verdadeiros, os do illustre deputado, ou os meus, e quem ha de julgar não sou eu, nem o illustre deputado.
Ninguem julga definitivamente entre o que um diz, e o que diz a parte contraria; quem tem que julgar são os taes competentes, e o illustre deputado verá como os homens competentes em começando a preparar algarismos, deixam a questão em completa obscuridade, como a deixou para o meu espirito o calculo apresentado pelo illustre deputado.
Eu comprehendo bem que a camara, n'um momento em que os calculos que têem uma certa significação, apresentados pelo illustre deputado que estava de certo muito serenamente fallando, mas talvez agitado pela paixão politica, porque as suas reflexões não foram unicamente financeiras, tiveram laivos politicos muito accentuados, compreendo, digo, que a camara os não perceba á primeira vista,

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porque não são apresentados com a lucidez e clareza que os menos competentes, e menos estudiosos, possam comprehendel-os.
Não admira, portanto, que eu tambem não podesse perceber, como desejava, os calculos do illustre deputado.
Mas parece-me que s. exa. labora num equivoco. E labore ou não, é isso uma questão que se ha de discutir. Póde ser uma questão que fira o meu amor proprio, em que se prove que commetti um erro; mas tenho commettido tantos que a dizer a verdade mais um não faz grande differença. (Riso.)
Mas a questão que nos domina é mais grave, mais importante do que isto; a questão que nos domina tem grande interesse publico. (Apoiados).
Que sejam 6, ou 6,5 por cento, se nós formos examinar o typo das nossas obrigações com o que aqui se apresenta, embora estas sejam amortisadas mais cedo, e por isso o encargo é maior, e não se podem apreciar como se ellas fossem amortisadas a longo praso...
(Interrupção.)
Eu sei que quantidades heterogeneas não se comparam sem se reduzirem ao mesmo denominador; sei isso; sei o a b c da mathematica que aprendi na escola polytechnica; sei tudo isso; mas sei tambem que se fosse exacto que saia a 40 por cento, representando os titulos da divida perpetua, 7,5 por cento, estes titulos da divida perpetua saem muito mais caros. (Apoiados.) Portanto, representa um encargo de 405:000$000 réis por anno.
E se quizerem comparar estes encargos perpétuos com este encargo, embora pesado, durante alguns annos, que são desenove, eu sustento que ha elementos sufficientes para se poder pagar. (Apoiados) Esta é que é a questão; sustento que ha elementos para se pagar.
Este ponto ainda está virgem; ainda não foi tocado pelo illustre deputado. Póde ser que seja ainda tocado; e quando o for eu responderei.
Mas 10$000 réis por metro quadrado de terreno é um preço alto?! Talvez seja.
Os contratadores hão de ganhar rios de dinheiro.
Mas como n'esta questão existe um principio que é o do concurso, como o governo, não ha de dar esta obra, esta Potosi a ninguém sem vir á praça, os direitos que estão abertos a todas as intelligencias e a todas as entidades, a todas as bolsas é dado o direito de licitar em praça publica. Pode o illustre deputado estar certo, que ha de ter muitos competidores esta concessão, e se os tiver, ha de descer aos seus termes naturaes. Ou então digam que tudo isto é falso, digam que o concurso é uma mentira. Mas aquelles que fizeram o regulamento de contabilidade não o podem dizer porque o estabeleceram até para os contratos provisorios.
Ora desde que o estabeleceram até para os contratos provisorios, hão de ser esses cavalheiros respeitabilissimos que virão pôr em duvida o merecimento do que se deseja!
Mas aqui ha concurso, e desde que ha concurso, todos esses elementos hão de ser apreciados pelos contratadores que quizerem obter esta obra, como houve para o porto de Leixões.
Este projecto é salutar, e eu declaro á camara que, convencido como estou de que o principio do concurso ha de produzir os seus effeitos naturaes, não tenho receio de que os encargos subam tanto, que dêem o resultado que o illustre deputado calcula. Esses resultados dependem todos da quantia que ao estado custar a obra de que se trata.
É preciso metter na formula os elementos indispensaveis e a somma que se paga todos os annos em dinheiro para saber quanto se ha de pagar em titulos e essa somma varia de anno para anno.
Ha tambem um elemento que se escapa completamente e que é preciso metter em linha de conta.
Effectivamente o sr. Hersent não diz que toma os terrenos por 10$000 réis, mas diz que se reserva a faculdade de os tomar.
Ora, como esta proposta do sr. Hersent não me veio directamente d'elle, como esta proposta teve um intermediario, e este intermediario é uma pessoa respeitada que me declara que entendia que o governo devia fixar o preço de 10$000 réis obrigatorios, estou auctorisado a suppor que s. exa. não é homem que procedesse de leve, e se disse isto na proposta é porque está certo de que ella não ficaria em utopia.
Vou dizer á camara qual o numero de metros quadrados de superficie que ha a conquistar ao Tejo em vir tudo d'estes trabalhos.
Esse numero de metros quadrados de superficie é de 2.700:000 metros, mas para a 1.ª secção é de 1.350:000 metros. Applicando aqui a percentagem em que está calculada por todos os distinctos engenheiros do paiz, a parte utilisavel dos terrenos para a venda pela parte conquistada ao Tejo, dá-nos uma somma que dividida por dez annos, e repartida por dois, dá exactamente 164:300$000 réis cada anno que hão de ser tomados a dinheiro pelo sr. H. Hersent.
Mas, se nada d'isso se fizer, se o sr. Hersent não quizer levar por diante essas obras, acabam os escrúpulos do illustre deputado, o projecto não tem seguimento, perderemos só o tempo que estamos gastando. Eu já estou suando, já o porto de Lisboa me deve alguma cousa, (Riso.) alem do que já me devia. Nada mais se perde. Mas se acaso o sr. Hersent, que é um engenheiro distincto, conhecido em toda a Europa, que tem feito os primeiros portos desta e de outras partes do mundo, que conhece o projecto das obras do nosso porto, fizer boas as propostas ou as indicações do sr. Cortez, estou convencido de que é projecto que se trata será um dos mais vantajosos, mais uteis e mais baratos que se podiam apresentar, e para contrapor a todos os cálculos que possam, porventura, modificar os meus, basta a condição da compra a dinheiro por réis 10$000 de todos os metros quadrados de terreno de que o governo poder dispor.
O illustre deputado, atacando o projecto em muitas das suas partes, não se esqueceu de uma disposição que n'elle vem mencionada, e essa é do sr. Hersent, pela qual os titulos emittidos não são negociaveis nas praças de Lisboa, Paris e Londres.
A este respeito pergunta o illustre deputado se não se podiam vender os titulos a um terceiro, e se este não podia ir vendel-os a Paris, Londres, Francfort ou Amsterdam. Mas eu tenho duvida ácerca deste terceiro. Quando os titulos que se hão de adquirir não são negociáveis nem em Lisboa, nem em Paris, nem em Londres, duvido que haja um terceiro que compre esses titulos para ir negociar os onde não são negociaveis, nem pagaveis, e se ha, queria conhecel-o para lhe fazer os meus comprimentos. (Riso:) Note-se bem quanta condição está expressa na proposta de contracto do sr. Hersent.
Por consequencia obriga-se a tomar os titulos e a conserval-os em carteira.
Aqui ha só uma differença, e é em abono da respeitabilidade das pessoas que vieram contratar.
Permitta-me a camara que lhe diga uma cousa. Eu tomei como uma consideração de excellente agouro que homens da importancia dos srs. Hersent e Arrault viessem expontaneamente propor ao governo, um para fazer as obras do porto, e outro as do saneamento de Lisboa.
Pelo que vejo, o echo de algumas vozes do parlamento não tem chegado aos ouvidos de todos os individuos que na Europa tratam de finanças e de obras publicas de importancia, como seria para receiar que chegasse. (Apoiados.) Se tudo que hoje se tem dito n'esta casa com respeito ao deficit fosse dito ao sr. Hersent, se dissessemos que tinhamos um deficit ordinario e extraordinario na quantia de seis mil e tantos contos; e que alem d'isso ti-

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nhamos que dispender quinhentos e tantos contos de réis com o Zaire, 200:000$000 réis com a circumvallação, as despezas por causa do cholera, que nos hão de levar rios de dinheiro, e não sei que outras obras. Se lhe dissesse-mos isto!...
Até não esqueceu o pobre cabo submarino; esta grande calamidade publica!...
Se tudo isto fosse dito áquelles senhores; se lhes fosse dito que estavamos em condições perigosas, que o nosso credito estava abalado, que tinhamos os titulos a 45 o que aconteceria?
Mas porque é que se exagera? Porque é que quando um titulo está a 46,5 se diz que está a 46, ou, quando está a 45 1/4, se diz que está a 44 3/4?
Porque é isto?
De certo não é no interesse de nos desacreditar lá fora, apesar da boa vontade de todos. Não é, e pelo menos não produz esse resultado.
Eu applaudo-me porque essas palavras repetidas varias vezes pela opposição parlamentar, e aqui refiro-me á opposição parlamentar abertamente, sou franco; applaudo-me por que estas palavras não tenham feito no espirito d'aquelles homens importantissimos nas obras publicas e nas finanças impressão bastante para não virem a este paiz desgraçado, que não tem com que pagar, proceder a obras das mais monumentaes que se tem feito entre nós ha muitos annos: (Apoiados.)
Também se disse que o sr. Hersent propoz vinte e cinco annos.
É verdade; propoz vinte e cinco annos, mas eu julguei-me auctorisado, pelas rasões que já disse á camará, a modificar esta proposta, em virtude das considerações apresentadas pelo intermediario entre o sr. Cortez e o governo.
Differentes hypotheses se apresentavam.
Esta questão podia ser resolvida ou por uma emissão pura e simples de titulos de 3 por cento, perpetuos, como muitos se tem feito, ou por uma emissão de obrigações com juro e amortisação, e estas amortisaveis n'um periodo mais longo ou mais curto e ou com juro determinado, ou com juro hão determinado.
Depois de ter apreciado, segundo os diversos elementos, as vantagem ou desvantagens que resultavam para o paiz da prolongação ou não prolongação do praso da amortisação, convenci-me de que se podia em desenove annos conseguir não só a realisação d'estas obras mas o pagamento integral, a amortisação completa de todas as obrigações.
Tendo nós recursos sufficientes, e este ponto não está contestado, para ellas poderem ter amortisação, que importa que ella se faça em desenove, vinte ou em vinte e dois annos?
Desde que haja esses recursos, creio que é indifferente para os encargos do thesouro essa differença de praso.
E estas obras têem uma vantagem sobre todas as outras; têem uma vantagem que não têem os caminhos de ferro, nem as estradas, nem outros melhoramentos que se têem decretado e se podem decretar.
Estas obras têem a vantagem de terem em si proprias o rendimento necessario para se pagarem.
A rasão das dificuldades é que ellas não produzem nos primeiros annos, e hão de levar uns poucos de annos a fazer.
Segundo a opinião do sr. Hersent podem produzir do terceiro anno por diante, e se uma pequena parte se desse já por effeito de expropriação, que póde ser directa ou indirecta, como se julgar mais conveniente, mas se se desse desde o primeiro anno, bastava isso e o imposto para de sobra pagar os encargos da obra e o juro.
O governo faz uma estrada ou um caminho de ferro, essa estrada não produz nada, e o caminho de ferro geralmente mal produz para a despeza da exploração; mas fazer uma obra d'esta natureza, em que todos os engenheiros que a discutiram são de opinião que o rendimento das docas produzirá 600:000$000 réis, importancia que pelos mais modestos, depois de pagas outras despezas, é calculada em 500:000$000 réis, é evidente que esta obra está em condições excepcionaes em relação a qualquer obra de interesse publico que se possa fazer.
Não sei qual será o resultado d'esta discussão, nem qual o futuro d'este projecto; pela minha parte cumpro o meu dever.
Tinha-me compromettido com a associação commercial de Lisboa, com a associação dos empregados no commercio e industria e outras associações a apresentar ao parlamento, ainda n'esta sessão, e a empenhar-me para que fosse convertido em lei o projecto para as obras do porto de Lisboa. Apresentei este projecto, cumpri a minha palavra.
Ao parlamento, pois, compete decidir se está em condições rasoaveis e merece ser levada á sancção regia, e qualquer que seja o resultado da questão, eu que fui o primeiro que a encetei em Portugal, honro-me muito ter mais uma vez compromettido o meu nome em um negocio de tanta importância publica, e ao qual creio que não só Lisboa, mas o paiz inteiro, poderão dever immensas vantagens. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)
Deu-se conta da ultima redacção dos projectos n.ºs 45, 46, 129 e 169.
Vão ser remettidos para a outra camara.
O sr. Presidente: - O parecer sobre às emendas apresentadas ao projecto n.° 109 tem de ser distribuido ámanhã por casa dos srs. deputados, e desde já fica dado para ordem da noite da sessão de terça feira.
A ordem do dia para terça feira é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.ºs 95, 124, 149, 150, 151, 161.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor. - Rodrigues Cordeiro.

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SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1885 2683

Relação dos sargentos do exercito de Portugal, promovidos ao posto de alferes para o quadro do exercicio da Africa occidental e para o da provincia de Moçambique, nos annos de 1882, 1883, 1884 e 1885

[Ver Tabela na Imagem]

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[Ver Tabela na Imagem]

Secretaria d'estado da marinha e ultramar, em 23 de maio de 1885. = Francisco Joaquim da Costa e Silva.

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885 2685

Relação dos sargentos do exercito de Portugal que requereram a promoção ao posto de alferes para as guarnições de Africa nos annos de 1882, 1883, 1884 e 1885, e cujos requerimentos ainda não foram deferidos

[Ver Tabela na Imagem]

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2686 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver Tabela na Imagem]

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885 2687

[Ver Tabela na Imagem]

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2688 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver Tabela na Imagem]

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1885 2689

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Não consta da respectiva nota dos assentamentos a data em que nasceu.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 23 de maio de 1885. = Francisco Joaquim da Costa e Silva.

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