O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2694 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tão perante o sr. ministro da justiça, é resolvel-a desde logo!
O assumpto a que me refiro, e que reputo da mais alta importancia é o seguinte:
Como a camara sabe, em virtude das disposições da novíssima reforma penal, passaram a ser julgados por juizes singulares, delictos que até ahi estavam sob a alçada do jury. Na categoria d'esses delictos, estão os que se referem á imprensa política.
Eu não trato n'este momento, sr. presidente, por isso que o novo codigo penal é já lei do estado, de apreciar as suas principaes disposições.
Pelo partido a que tenho a honra de pertencer, já tão vexatoria e reaccionaria lei foi justamente combatida, quer n'esta casa do parlamento, quando teve logar aqui a sua discussão, quer em numerosas reuniões populares, que por todo o paiz severamente condemnaram o attentado, que infelizmente a vontade da nação não pôde evitar!
Em virtude, pois, das disposições da novíssima reforma penal, passaram a ser julgados por juizes singulares em policia correccional, uns certos delictos da imprensa, que bem podemos com mais propriedade chamar crimes de opinião, visto que a lei vigente veiu resuscitar dos limbos do absolutismo esta classificação odiada e odiosa!
O certo é que as injurias contra a pessoa do Rei foram subtrahidas ao julgamento do jury, para serem sentenciadas por um juiz togado.
O resultado da innovação não se fez esperar. Dentro em pouco a condemnação de dois redactores de jornaes republicanos, veio tirar todas as illusões ácerca da significação da lei, que a consciencia nacional, com admiravel antecedencia, já tinha stigmatisado com um dos seus epithetos mais affrontosos!
Em consequencia da nova situação assim creada á imprensa, os jornalistas a que me referi tiveram de soffrer pena de prisão na cadeia do Limoeiro.
Muito de proposito, sr. presidente, reservei estas considerações para a occasião em que esses indivíduos houvessem cumprido a sentença, a fim de sómente levantar n'esta casa a questão, de que estou tratando, quando ninguem podesse suspeitar que eu pretendia implorar para amigos meus qualquer protecção ou qualquer favor do poder executivo.
Por isso esperei que o sr. Magalhães Lima saísse do Limoeiro, depois de ter cumprido a sentença, que para ahi o levou e só no dia seguinte ao da sua saída da cadeia, é que eu vim a esta camara pedir para que me fosse concedida a palavra logo que estivesse presente o sr. ministro da justiça.
Como, pois, já não tenho amigos políticos presos posso levantar, sem escrupulos este debate, que assim perderá todo o caracter pessoal, para se transformar n'uma questão mais alta de princípios que, sem distincção de cores partidarias, deve interessar a toda a camara.
Do momento, sr. presidente, em que um jornalista possa, por crime de opinião, soffrer a pena de encarceramento, não é decoroso, não é justo, que esse indivíduo seja na punição confundido com réus de crimes communs, de crimes muitas vezes repugnantes ou monstruosos!
Se a lei actual, para os seus effeitos, e por uma vergonhosa anomalia, não duvida equiparar um cidadão, que no pleno uso do seu direito, defendeu honradamente uma certa opinião política, ao que deu uma facada, ao que propinou um veneno, ao que falsificou uma assignatura, ou o que roubou a fazenda alheia, não é justo, não é decoroso que os poderes publicos venham aggravar a punição, já de si immoral, com uma promiscuidade que é verdadeiramente aviltante!
Os crimes de opinião, se taes crimes em verdade podem existir, em toda a parte são considerados como delictos excepcionaes.
Não são crimes, no sentido rigoroso da palavra nem importam para o indivíduo que os commette degradação ou infamia. Ao contrario, muitas vezes a historia ensina, que os réus condemnados por crimes desta ordem são pela consciencia universal elevados ao prestigio da gloria, e que não raro a sentença que o juiz togado lavrou sobre um d'esses suppostos attentados á lei é transmudada pelo veredictum da opinião publica em corôa immarcescivel de invejaveis laureis!
Castellar, condemnado á morte pelo odioso governo de Izabel II, nem por isso deixou de ser o idolo da democracia hespanhola de 1868; assim como Victor Hugo, exilado pelo golpe de estado de 2 de dezembro, não deixou por tal facto de symbolisar a voz implacavel da justiça humana a fulminar o ultimo dos Bonapartes coroados!
Não é, pois, decoroso, sr. presidente, que na mesma cadeia em que se accumula n'uma confusão immoral a escoria da nossa sociedade, hermanada pela repugnante confraternidade do crime, vão cumprir sentença os jornalistas, cujo unico delicto é dizerem a verdade ao seu paiz!
Eu sei que o sr. ministro da justiça se vae levantar para dizer, que na cadeia do Limoeiro, da parte da direcção, houve toda a deferencia, compatível com as leis d'aquelle estabelecimento, houve mesmo um requinte de delicadeza, se quizerem, para com os dois jornalistas que ali deram entrada.
Não ha duvida, e n'este ponto não tenho mais do que corroborar as palavras do illustre ministro, quando me de porventura essa resposta; não ha duvida, repito, que o director da cadeia do Limoeiro se houve do modo mais cavalheiroso para com os dois indivíduos que, sob a sua vigilancia, tinham de soffrer a pena de prisão pelos delictos de imprensa.
Mas, sr. presidente, não é esse procedimento puramente individual da parte do director d'aquelle estabelecimento, embora podesse ter sido suggerido e aconselhado pelo sr. ministro da justiça, não é esse procedimento, digo, que de fórma attenua a gravidade do proceder do governo, determinando que na mesma cadeia estejam, conjunctamente cumprindo sentença, indivíduos condemnados pelos mais feios crimes, e honrados cidadãos perseguidos por causas políticas, isto é, por um mero arbítrio dos poderes constituídos!
Que garantia alem d'isso póde ter o sr. ministro da justiça de que qualquer redactor de um jornal, entrando na cadeia do Limoeiro, não corra perigo na sua existencia?
V. exa., sr. presidente, e a camara sabem bem quaes são, normalmente, os habitantes d'essa prisão, tristemente celebre nos annaes da criminalidade portugueza; e não ignora de certo que aquelle recinto, verdadeiro inferno dantesco, é o miserável Ghetto onde se deliniam e por vezes se realisam os mais atrozes attentados!
Se por acaso na pessoa de algum jornalista se commettesse um d'esses crimes, que têem manchado a historia sinistra d'aquella lugubre casa, que contas daria o sr. ministro da justiça, a quem lhas fosse pedir, por deixar entregues a tão perigoso abandono indivíduos que tinham para ali entrado acobertados pela lei?
Assim, esta questão sobre o ponto de vista moral é grave; mas é tambem importante pela responsabilidade, que póde fazer recair sobre o governo se este não tomar a similhante respeito providencias!
Em todos os paizes onde existe uma lei penal identica á nossa, ha prisões especiaes para encerrar os presos por delictos de imprensa. Poderia entre nós, emquanto a actual lei penal não fosse revogada (o que espero não tardará muito), destinar-se um presidio militar ou um navio de guerra para ahi serem recebidos os jornalistas condemnados. Esta exigencia não é minha unicamente; deve sel-o de toda a camara, porque em todos os partidos d'esta assembléa ha jornalistas, a quem compete zelar pela honra e pela dignidade da instituição que representam!
Já é triste ter eu de recordar tal dever a um governo