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SESSÃO DE 30 DE JUNHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcelos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Um officio da viuva do antigo deputado Francisco Lopes Gavicho Tavares de Carvalho, agradecendo o voto de sentimento da camara pelo fallecimento de seu marido. - Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Ferreira de Almeida. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. visconde de Reguegos, Souto Rodrigues e A. Carrilho. - Justificações de faltas dos srs. Mendes Pedroso, Borges de Faria, Hintze Ribeiro, Wenceslau de Lima, visconde do Rio Sado, Francisco de Barros, Luiz Jardim, Thomás Bastos, Jalles, Ferrão Castello Branco e J. A. Neves. - Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. Avellar Machado e A. Carrilho. - Propostas do sr. Luiz de Lencastre que ficam para Segunda leitura. - O sr. Mendes Pedroso associa-se às considerações feitas pelo sr. Avellar Machado na sessão passada, em referencia á concessão de edificios publicos; refere-se tambem ao desenvolvimento do cholera em Hespanha e pergunta ao governo que noticias tem dos resultados do tratamento applicado pelo dr. Ferran. - Responde-lhe o sr. ministro do reino. - O sr. Consiglieri refere-se ao mau estado das nossas cadeias e deseja que para es jornalistas, condemnados por abuso de liberdade de imprensa, haja uma prisão em melhores condições. - Responde-lhe o sr. ministro da justiça. - Dá-se conta da ultima redacção do projecto n.° 93, e é approvada a do projecto n.° 156.
Na ordem do dia continua em discussão a generalidade do projecto de lei n.° 157 (melhoramentos do porto de Lisboa). - É combatida com desenvolvidas considerações pelo sr. Correia de Barros. - Apresenta dois pareceres da commissão de legislação commercial o sr. Luiz de Lencastre, e um projecto de lei o sr. Avellar Machado. - Responde ao sr. Correia de Barros o sr. Pereira do Santos, relator. - Entra no debate o sr. Reis Torgal, e pede esclarecimentos ao governo.

Abertura - As duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 38 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Pereira Corte Real, A. J. d'Avila Pereira Borges, Carrilho, A. M. Pedroso, Seguier, Urbano de Castro, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Condi de Thomar, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito Goes Pinto, Fernando Geraldes, Mouta e Vasconcellos Baima de Bastos, Franco Castello Branco, João Arroyo Teixeira de Vasconcellos, J. J. Alves, Simões Ferreira Correia de Barros, Ferreira de Almeida, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Correia de Oliveira, Vicente Pinheiro, Visconde d Ariz e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, A. da Rocha Peixoto, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, António Centeno, Garcia Lobo, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Santo Viegas, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Neves Carneiro Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão Castro Mattoso, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme d Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Scarnichia Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Avellar Machado, José Borges, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro Reis Torgal, Manuel d'Assumpção; Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Franco, Santos Diniz, Pedro Roberto, Tito de Carvalho e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Anselmo Braamcamp, António Cândido, A. J. da Fonseca, António Ennes, Lopes Navarro, Moraes Machado, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Correia Barata, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Dias Ferreira, José Frederico, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Júlio de Vilhena, Lourenco Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Marcai Pacheco, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Illmo. e exmo. sr. - Accusando a recepção do officio, em que v. exa. me endereçou copia authentica do trecho da acta da sessão da camara dos senhores deputados da nação portugueza, na qual foi lançado um voto de profundo sentimento pelo fallecimento do meu esposo, o antigo deputado da nação, Francisco Lopes Gavicho Tavares de Carvalho, cumpro o dever de agradecer a v. exa. tão subida distincção, rogando-lhe queira ser interprete junto da camara dos senhores deputado, a que v. exa. tão dignamente preside, dos protestos do meu mais profundo reconhecimento pela deliberação com que acaba de ser honrada a memória do meu defunto e chorado esposo. Deus guarde a v. exa. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. - Tentugal, 26 de junho de 1885. = Josefina Guedes Gavicho.
Para a acta.

SEGUNDA LEITURA

Projecto de lei

Senhores. - É bem sabido, que, entre os vencimentos dos officiaes de marinha, ha um a que se dá o nome de «comedorias», o qual só tem logar durante o tempo de embarque.
Esse vencimento é ainda hoje regulado pelo alvará de 16 de dezembro do 1793, ligeiramente modificado pela tabella n.° 3 do decreto de 30 de dezembro de 1868.
Seria absurdo admittir que os serviços públicos possam actualmente ser remunerados, como o eram no fim do século passado, quando é certo que as necessidades da vida têem augmentado consideravelmente.

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Se se exige (e é justo exigir-se) que os officiaes da armada mantenham em toda a parte, com decencia e desassombro, o esplendor do nome portuguez, é tambem necessario que disponham para isso dos meios indispensaveis.
E se isto, em principio, é acceitavel, é igualmente urgente, para obstar á continuação de uma grande injustiça relativa, que se está dando, desde que o decreto de... de dezembro de 1882 regulou as comedorias dos passageiros do estado, a bordo dos navios de guerra.
Não se comprehende que os passageiros do estado, tendo por necessidade de concorrer como os officiaes de bordo, percebam maiores comedorias do que estes.
Para satisfazer, pois, a uma necessidade de ha muito reconhecida e confessada por todos, e para remediar a injustiça que, desde a promulgação do citado decreto, estão soffrendo os officiaes de marinha, a cujos esforços e serviços, como é sabido, deve Portugal em grande parte, a sustentação e alargamento dos seus domínios coloniaes e o respeito e sympathia que a sua bandeira inspira aos povos de alem mar, tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei.
Artigo 1.º As comedorias dos officiaes da armada são fixadas em harmonia com o descripto na tabella junta, subsistindo as disposições dos §§ 1.° e 2.° do artigo 4.° do decreto de 30 de dezembro de 1368 e portarias correspondentes.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 22 de junho de 1885. = João Eduardo Scarnichia. = J. B. Ferreira de Almeida.

Tabella das comedorias que devem ser abonadas exclusivamente aos officiaes combatentes e não combatentes da armada e aos guardas marinhas, fóra do porto de Lisboa, a partir da torre de Belem para oeste

[Ver Tabela na Imagem]

Sala das sessões, 22 de junho de 1885. = João Eduardo Scarnichia = J. B. Ferreira de Almeida.
Foi admittido e enviado ás commissões de marinha e de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal do concelho de Portalegre, pedindo que seja creado o imposto sobre os phosphoros a bem das escolas de instrucção primaria.
Apresentada pelo sr. deputado visconde de Reguengos e enviada á commissão de fazenda.

2.ª Dos tabelliães da comarca de Soure, contra o projecto de lei tendente a alargar a esphera do tabellionato do julgado de Condeixa.
Apresentada, pelo sr. deputado Souto Rodrigues e enviada á commissão de legislação civil.

3.ª De diversas fabricas, pedindo a abolição do imposto que paga a soda caustica.
Apresentada pelo sr. deputado A. Carrilho e enviada á commissão de fazenda. Vae publicada no fim d'esta sessão pag. 2701.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

1.ª Por motivo justificado não pude comparecer ás sessões de 26 e 27 do corrente mez. = O deputado por Santarem, Antonio Mendes Pedroso.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Arthur Hintze Ribeiro não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = Sousa e Silva.

3.ª Declaro que tenho faltado ás ultimas sessões por motivo justificado. = José Borges de Faria.

4.ª Tenho a honra de participar a v. exa. que o sr. deputado Wenceslau de Lima não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = Antonio José d'Avila.

5.ª O sr. visconde do Rio Sado encarrega-me de justificar algumas faltas que tem dado. = Mouta e Vasconcelos.

6.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que por motivos justificado têem faltado ás ultimas sessões os meus collegas os srs. Francisco de Barros Coelho e Campos, dr. Luiz Jardim e Thomás Bastos. = E. J. Goes Pinto.

7.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que por motivo de serviço publico me não foi possível comparecer nas sessões diurnas de 2, 3, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 15, 16 e 18, e que por motivo igualmente justificado não compareci nas sessões nocturnas de 11 e 18, todas do mez de junho. = O deputado pelo circulo n.° 72, Antonio Maria Jalles.

8.ª O sr. visconde de Balsemão encarrega-me de participar a v. exa. que não tem comparecido ás ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, João da Silva Ferrão de Castello Branco.
Para a acta.

O sr. Presidente (Luiz Bivar): - O sr. Joaquim Antonio Neves não tem comparecido ás ultimas sessões, e terá de faltar a mais algumas, por motivo de doença.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas, sobre o projecto de lei que tem por fim attender á situação era que se encontram os antigos empregados, denominados fieis, das direcções dos correios, extinctas pela ultima reforma de serviço dos correios e telegraphos.
Foi enviado á commissão de fazenda.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre a renovação de iniciativa do projecto de lei do sr. Pinto de Magalhães, modificando os direitos do importação de algumas materias primas.
A imprimir com urgencia.
O sr. Luiz de Lencastre: - Sr. presidente, tenho a fazer uma pergunta a v. exa., mas antes permitta-me v. exa. e consinta a camara, que eu diga algumas palavras.
Eu gostei em todos os tempos e em todas as epochas, e principalmente na epocha que vae passando, ter a minha situação correcta e clara em toda a parte, e n'esta casa chegou-me aos ouvidos que alguem dissera que eu na sessão de sabbado proferira algumas palavras n'esta casa que foram inconvenientes para com v. exa.
Sr. presidente, a quaesquer palavras que se digam lá fóra, responde o extracto das sessões que eu vejo n'este momento, e que não costumo ler. Por esse logar, pela pessoa que o exerce e por mim, eu era incapaz de dizer alguma

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cousa inconveniente para a presidencia e que podessem ser menos respeitosa para com v. exa.
Ha dez annos tenho sempre respeitado esse logar e a pessoas que o occupam. É o meu dever. Ha quatro annos é v. exa. presidente da camara e eu tenho tido pela pessoa de v. exa. todo o respeito e consideração, e alem d'isso toda a estima e dedicação de que sou capaz.
Parece-me que o extracto que aqui está responde a qual quer consideração que se possa fazer lá fóra (Apoiados.)
Tenho a pedir a v. exa. o obsequio de mandar informar que destino teve uma representação que aqui apresentei e mandei para a mesa, que era de uma senhora, filha de um militar, o major Serra, que tantos serviços prestou em Africa.
Eu apresentei-a ha tempo, peço a v. exa. se digne mandar informar o destino que lhe foi dado.
Na sessão passada a camara resolveu que se nomeasse uma commissão para tratar de desviar a emigração, que vae para o Brazil, para as nossas colonias de Africa. Mando para a mesa uma proposta, para que a mesa fique auctorisada a nomear essa commissão composta de treze membros. Já que estou com a palavra, mando tambem para a mesa uma proposta ácerca da revisto do regimento d'esta camara. V. exa. exerce ha muito tempo o logar de presidente d'esta camara e sabe as difficuldades com que lucta e como é necessario a revisão do regimento. Eu proponho que a mesa fique auctorisada a rever o regimento, aggregando a si mais quatro membros da sua escolha formando assim commissão de regimento e apresentando os trabalhos que fizer esta camara ainda n'esta sessão ou na sessão seguinte. Mando para a mesa as minhas propostas.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

1 .ª Proponho que a mesa fique encarregada de rever o regimento d'esta camara, aggregando a si mais quatro deputados, e apresentando á camara o resultado dos seu trabalhos. = Luiz de Lencastre.
Ficou para segunda leitura

2.ª Proponho que a commissão de emigração seja composta de treze membros e nomeada pela mesa. = Luiz de Lencastre.
Ficou para segunda leitura.

O sr. Mendes Pedroso: - Mando para a mesa um justificação de faltas.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para declarar que me associo ás observações, apresentadas na sessão passada pelo meu amigo o sr. Avellar Machado, com respeito ás concessões de alguns edifícios publicos e particularmente do convento do Grillo.
Acceitando as considerações especiaes de s. exa. em referencia a este convento, não tenho duvida em as torna extensivas a outros edifícios publicos.
Entendo que deve haver muita parcimonia n'estas concessões. Ao mesmo tempo que ellas se fazem a particulares para repartições que não são do estado, alugam-se predios para serviço das repartições publicas. Não me parece isto rasoavel, nem conveniente.
Diz-se que o convento da Estrella vae ser concedido para ser occupado pela repartição da bulla da cruzada. Não terá o governo necessidade d'aquelle edifício para algum aquartelamento, por exemplo, sendo certo que em Lisboa os quarteis não estão nas melhores condições e em especial o de cavallaria 4?
Quando o paiz precisa de adquirir bons aquartelamentos, será justo que esteja cedendo a particulares os seus edifícios?
Mas quando algum d'elles não esteja nas condições de servir para aquartelamento de um regimento não poderá ter outra applicação?
Não temos nós ahi o lyceu central n'um edificio alugado, e este em pessimas condições? Porventura este lyceu acha-se bem localisado e reune todos os requisitos que deve ter um estabelecimento d'esta natureza? Creio bem que não.
Não seria conveniente que alguma das repartições que estão em S. Francisco, a academia de pintura, por exemplo, fosse transferida para o convento da Estrella e o lyceu para S. Francisco? Eu entendo que esta transferencia era vantajosa.
Examine o governo e a camara o destino que se deve dar a estes edifícios e a outros que porventura venham a pertencer ao estado.
Vale bem a pena.
Mas ainda quando elles não possam ter uma conveniente applicação, a sua venda não produziria uma quantia avultada, que não seria, para desprezar? Creio que sim.
Aproveitando ainda o uso da palavra, referir-me-hei a outro assumpto.
Sou de opinião que se deve sobreestar na concessão para desvios dos fundos destinados á viação municipal, e que se deve examinar este assumpto com muita attenção, porque a lei de 6 de junho de 1864, que deve ser respeitada, e á sombra da qual se tem feito grande numero de estradas, não póde modificar-se todos os dias. Eu creio que antes de se fazer essas concessões, se deve ver se ellas são ou não indispensaveis, só a viação municipal está completa e só se póde dispor d'esses fundos para transferencia de applicação, ou se seria mais conveniente lançar mão do imposto, do que recorrer aos fundos da viação municipal.
E visto estar presente o sr. ministro do reino, permitta-me s. exa. que lhe faça uma pergunta sobre diverso assumpto.
Eu sei que foi uma commissão ao reino vizinho para estudar o tratamento feito aos cholericos, pelo dr. Ferrão, e consta-me que essa commissão já regressou. Desejava saber se porventura ella já apresentou o seu relatório e se já se póde saber quaes os resultados das suas observações e estudo.
Bom é saber-se se com a applicação d'esse tratamento se tem evitado a perda de muitas vidas ou qual a sua influencia.
É esta a pergunta que tenho a honra de fazer ao sr. ministro do reino. Se s. exa. entender que não ha inconveniente em dar-me resposta, obsequiar-me-ha muito.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Á pergunta que me acaba de dirigir o illustre deputado, o sr. Mendes Pedroso, tenho a responder que effectivamente a commissão composta de medicos portuguezes que foi a Hespanha, já voltou: mas ainda não me foi presente o relatorio dos seus trabalhos. Logo que o receba, eu não terei duvida em mandal-o publicar para que possam ser devidamente apreciados os resultados d'esses trabalhos, que não podem deixar de ser importantes, não só pela competencia dos indivíduos que faziam parte nessa commissão, mas pela natureza da missão que lhes foi confiada.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Mendes Pedroso: - Agradeço ao sr. ministro do reino a bondade que teve em responder-me.
O sr. Presidente: - O sr. Consiglieri Pedroso já ha muito tempo que se inscrevera para quando comparecesse aqui o sr. ministro da justiça.
Como s. exa. está presente dou a palavra ao illustre deputado.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, ha mais de um mez que eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da justiça. Como s. exa. está presente, vou, n'essa conformidade, chamar a sua attenção para um assumpto grave, e fal-o-hei o mais brevemente que possa, pois affigura-se me que, levantar tal ques-

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tão perante o sr. ministro da justiça, é resolvel-a desde logo!
O assumpto a que me refiro, e que reputo da mais alta importancia é o seguinte:
Como a camara sabe, em virtude das disposições da novíssima reforma penal, passaram a ser julgados por juizes singulares, delictos que até ahi estavam sob a alçada do jury. Na categoria d'esses delictos, estão os que se referem á imprensa política.
Eu não trato n'este momento, sr. presidente, por isso que o novo codigo penal é já lei do estado, de apreciar as suas principaes disposições.
Pelo partido a que tenho a honra de pertencer, já tão vexatoria e reaccionaria lei foi justamente combatida, quer n'esta casa do parlamento, quando teve logar aqui a sua discussão, quer em numerosas reuniões populares, que por todo o paiz severamente condemnaram o attentado, que infelizmente a vontade da nação não pôde evitar!
Em virtude, pois, das disposições da novíssima reforma penal, passaram a ser julgados por juizes singulares em policia correccional, uns certos delictos da imprensa, que bem podemos com mais propriedade chamar crimes de opinião, visto que a lei vigente veiu resuscitar dos limbos do absolutismo esta classificação odiada e odiosa!
O certo é que as injurias contra a pessoa do Rei foram subtrahidas ao julgamento do jury, para serem sentenciadas por um juiz togado.
O resultado da innovação não se fez esperar. Dentro em pouco a condemnação de dois redactores de jornaes republicanos, veio tirar todas as illusões ácerca da significação da lei, que a consciencia nacional, com admiravel antecedencia, já tinha stigmatisado com um dos seus epithetos mais affrontosos!
Em consequencia da nova situação assim creada á imprensa, os jornalistas a que me referi tiveram de soffrer pena de prisão na cadeia do Limoeiro.
Muito de proposito, sr. presidente, reservei estas considerações para a occasião em que esses indivíduos houvessem cumprido a sentença, a fim de sómente levantar n'esta casa a questão, de que estou tratando, quando ninguem podesse suspeitar que eu pretendia implorar para amigos meus qualquer protecção ou qualquer favor do poder executivo.
Por isso esperei que o sr. Magalhães Lima saísse do Limoeiro, depois de ter cumprido a sentença, que para ahi o levou e só no dia seguinte ao da sua saída da cadeia, é que eu vim a esta camara pedir para que me fosse concedida a palavra logo que estivesse presente o sr. ministro da justiça.
Como, pois, já não tenho amigos políticos presos posso levantar, sem escrupulos este debate, que assim perderá todo o caracter pessoal, para se transformar n'uma questão mais alta de princípios que, sem distincção de cores partidarias, deve interessar a toda a camara.
Do momento, sr. presidente, em que um jornalista possa, por crime de opinião, soffrer a pena de encarceramento, não é decoroso, não é justo, que esse indivíduo seja na punição confundido com réus de crimes communs, de crimes muitas vezes repugnantes ou monstruosos!
Se a lei actual, para os seus effeitos, e por uma vergonhosa anomalia, não duvida equiparar um cidadão, que no pleno uso do seu direito, defendeu honradamente uma certa opinião política, ao que deu uma facada, ao que propinou um veneno, ao que falsificou uma assignatura, ou o que roubou a fazenda alheia, não é justo, não é decoroso que os poderes publicos venham aggravar a punição, já de si immoral, com uma promiscuidade que é verdadeiramente aviltante!
Os crimes de opinião, se taes crimes em verdade podem existir, em toda a parte são considerados como delictos excepcionaes.
Não são crimes, no sentido rigoroso da palavra nem importam para o indivíduo que os commette degradação ou infamia. Ao contrario, muitas vezes a historia ensina, que os réus condemnados por crimes desta ordem são pela consciencia universal elevados ao prestigio da gloria, e que não raro a sentença que o juiz togado lavrou sobre um d'esses suppostos attentados á lei é transmudada pelo veredictum da opinião publica em corôa immarcescivel de invejaveis laureis!
Castellar, condemnado á morte pelo odioso governo de Izabel II, nem por isso deixou de ser o idolo da democracia hespanhola de 1868; assim como Victor Hugo, exilado pelo golpe de estado de 2 de dezembro, não deixou por tal facto de symbolisar a voz implacavel da justiça humana a fulminar o ultimo dos Bonapartes coroados!
Não é, pois, decoroso, sr. presidente, que na mesma cadeia em que se accumula n'uma confusão immoral a escoria da nossa sociedade, hermanada pela repugnante confraternidade do crime, vão cumprir sentença os jornalistas, cujo unico delicto é dizerem a verdade ao seu paiz!
Eu sei que o sr. ministro da justiça se vae levantar para dizer, que na cadeia do Limoeiro, da parte da direcção, houve toda a deferencia, compatível com as leis d'aquelle estabelecimento, houve mesmo um requinte de delicadeza, se quizerem, para com os dois jornalistas que ali deram entrada.
Não ha duvida, e n'este ponto não tenho mais do que corroborar as palavras do illustre ministro, quando me de porventura essa resposta; não ha duvida, repito, que o director da cadeia do Limoeiro se houve do modo mais cavalheiroso para com os dois indivíduos que, sob a sua vigilancia, tinham de soffrer a pena de prisão pelos delictos de imprensa.
Mas, sr. presidente, não é esse procedimento puramente individual da parte do director d'aquelle estabelecimento, embora podesse ter sido suggerido e aconselhado pelo sr. ministro da justiça, não é esse procedimento, digo, que de fórma attenua a gravidade do proceder do governo, determinando que na mesma cadeia estejam, conjunctamente cumprindo sentença, indivíduos condemnados pelos mais feios crimes, e honrados cidadãos perseguidos por causas políticas, isto é, por um mero arbítrio dos poderes constituídos!
Que garantia alem d'isso póde ter o sr. ministro da justiça de que qualquer redactor de um jornal, entrando na cadeia do Limoeiro, não corra perigo na sua existencia?
V. exa., sr. presidente, e a camara sabem bem quaes são, normalmente, os habitantes d'essa prisão, tristemente celebre nos annaes da criminalidade portugueza; e não ignora de certo que aquelle recinto, verdadeiro inferno dantesco, é o miserável Ghetto onde se deliniam e por vezes se realisam os mais atrozes attentados!
Se por acaso na pessoa de algum jornalista se commettesse um d'esses crimes, que têem manchado a historia sinistra d'aquella lugubre casa, que contas daria o sr. ministro da justiça, a quem lhas fosse pedir, por deixar entregues a tão perigoso abandono indivíduos que tinham para ali entrado acobertados pela lei?
Assim, esta questão sobre o ponto de vista moral é grave; mas é tambem importante pela responsabilidade, que póde fazer recair sobre o governo se este não tomar a similhante respeito providencias!
Em todos os paizes onde existe uma lei penal identica á nossa, ha prisões especiaes para encerrar os presos por delictos de imprensa. Poderia entre nós, emquanto a actual lei penal não fosse revogada (o que espero não tardará muito), destinar-se um presidio militar ou um navio de guerra para ahi serem recebidos os jornalistas condemnados. Esta exigencia não é minha unicamente; deve sel-o de toda a camara, porque em todos os partidos d'esta assembléa ha jornalistas, a quem compete zelar pela honra e pela dignidade da instituição que representam!
Já é triste ter eu de recordar tal dever a um governo

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de que faz parte o presidente da associação dos jornalista portuguezes! Entrego, pois, esta questão á dignidade d sr. ministro da justiça, que tambem foi escriptor e ainda hoje um professor dos mais distinctos.
S. exa. não póde deixar do ser solidario com as minha considerações, e dando satisfação ás reclamações justissimas, que perante a camara acabo de fazer, testemunhar o respeito que a todos os homens do estado deve merecer a imprensa, qualquer que seja o arraial político em que esteja, arregimentada! Disse.
O sr. Ministro da Justiça (Barjona de Freitas): - (S. exa. não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Consiglieri Pedroso: - Peço a palavra para responder ao sr. ministro do reino.
O sr. Presidente: - Em outra sessão darei a palavra ao sr. deputado, agora não, porque são horas de se passar á ordem do dia.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Se eu estivesse de accordo com o sr. ministro do reino, dispensava-mo de usar da palavra, mas como desejo dizer alguma cousa em resposta ao sr. ministro, pedia a v. exa. que m'a concedesse
O sr. Presidente: - Não é possível prolongar agora este debate; nem mesmo o sr. Elvino de Brito, que estava tambem inscripto para fallar antes da ordem do dia, póde ter agora, a palavra.
O sr. Elvino de Brito: - Eu desejava apenas instar pela remessa dos documentos que pedi a respeito do lazareto, e dos acontecimentos da avenida da Liberdade
O sr. Presidente: - O sr. ministro do reino ouviu o que o sr. deputado acaba de dizer, e responderá quando seja possível.
Deu se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 93 e foi approvada a do projecto de lei n.° 156.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 157 (melhoramentos do porto de Lisboa)

O sr. Correia de Barros: - (O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa os pareceres da commissão de legislação commercial sobre dois projectos de lei. O primeiro torna extensivo aos jurados commerciaes o disposto no artigo 189.° do codigo penal; e o segundo fixa os dias de sessões e de assentada nos tribunaes privativos do commercio de Lisboa e do Porto.
A imprimir com urgencia.
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa um projecto de lei auctorisando o governo a mandar elaborar e fazer publicar uma nova tabella de estradas municipaes do paiz, ouvidas as camaras municipaes, os directores de obras publicas o os governadores civis dos districtos.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Pereira dos Santos: - Tomo a palavra em condições realmente difficeis. Occupando n'este debato a posição verdadeiramente honrosa, de representante das commissões de fazenda e de obras publicas, quando se discute um assumpto tão complexo e importante como o dos melhoramentos do porto de Lisboa, que tão alevantada influencia podem exercer sobre as condições economicas da nação, é penoso, em verdade, para mim, ouvir a voz auctorisada de illustres membros d'esta camara accusar tão aspera, e violentamente o humilde e modesto parecer que eu redigi, e que traduz as opiniões das illustradas commissões que eu tenho a honra de representar, embora, seja o mais humilde dos seus membros.
Affirma-se que os encargos para o thesouro serão enormes, mas não se discutem seriamente as bases financeira: da proposta que fizeram convencer as commissões de que a realisação das obras nenhum encargo trará para o estado; aprecia-se a operação financeira, e aqui as aggressões sobre o pobre parecer chegam até a ser violentas, porque se diz que o parecer não está exacto, que chega até a conter erros!
Pois apesar do toda a illustração e auctoridade de quem tem atacado este parecer, ainda não poderam convencer-me as suas observações.
Eu sustento que tudo quanto aqui está escripto e puramente a verdade; esta é a minha intima convicção, isto é o que eu hei de demonstrar, e não retiro nem uma palavra, nem uma virgula do que está escripto desde o principio até o fim d'este parecer. (Apoiados.)
Vamos á questão.
Atacam os melhoramentos do porto de Lisboa?
Dizem que não atacam, mas ao mesmo tempo vão atacando.
Atacam tudo; só ha uma cousa que dizem que não atacam, que é a necessidade das obras, mas ao mesmo tempo vão declarando que esta não é a occasião mais conveniente.
Então são necessarias para quando?
Diz-nos o illustre deputado, o sr. Barros Gomes, que quer melhoramentos no porto de Lisboa, que subscreveu até uma proposta de lei para a realisação d'estas obras; mas ao mesmo tempo pede que se fechem as camaras para que se não vote este projecto, porque são más as condições do thesouro, e porque é má a operação financeira: mas como se aggrava a situação do thesouro, se o parecer diz, criticando as bases da operação, que não resultam encargos, e s. exa. nem sequer discutiu essas bases? E se a operação fosse má, porque não havia de modificar-se, se realmente são necessarios os melhoramentos?
Diz-nos o sr. Correia de Barros que está convencido da perfeita justiça da causa, mas ao mesmo tempo não quer os melhoramentos do porto de Lisboa, porque a occasião não é esta, não é a conveniente, não é a azada, e lá voltam as circunstancias do thesouro, e lá vem as considerações financeiras e lá vem no fim de tudo a política!
Como é que se avalia, então a opportunidade dos melhoramentos do porto de Lisboa? É por essa política?
Eu folguei, sr. p; evidente, quando ouvi ao illustre deputado, o sr. Correia do Barros, a declaração previa de que queria ver a questão política completamente afastada d'este debate; e folguei, porque eu desejava ver uma questão de tão subido alcance, como e a dos melhoramentos do porto de Lisboa, completamente desviada d'esta pequena política, muitas vezes mais de pessoas do que de idéas que infelizmente tanto preoccupa a opinião no meu paiz.
Mas o que fez o sr. Correia de Barros?
Política, sempre politica.
Pois o que é isto de trazer constantemente para o debato a saída do sr. Antonio Augusto de Aguiar e do sr. Lopo Vaz, senão querer fazer politica? (Apoiados.)
Eu sinto e sinto deveras ver este genero de política a querer introduzir-se n'um assumpto d'esta natureza; e muito de proposito digo este genero de politica, porque ha do facto outra politica, mas essa é mais levantada e superior, que determinou, que inspirou mesmo o projecto que estamos discutindo. (Apoiados.)
Essa política que não é a vossa, é precisamente a que determina a opportunidade que não quereis ver dos melhoramentos do porto de Lisboa.
É a política que determinou a Belgica a gastar em Anvers, no espaço dos ultimos vinte annos, mais de 200.000:000 francos para poder concorrer com portos da França e da Hollanda no abastecimento rapido da Prussia rhenana.
É a política que inspira a Hollanda a gastar nos ultimos vinte annos 17.000:000 francos no porto de Amsterdam o 10.000:000 no porto de Rotterdam e a dobrar o desenvolvimento das suas vias ferreas para poder chegar tambem rapidamente ao interior da Allemanha.

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É a política commercial que preoccupa actualmente todas as nações, que é em muitas d'ellas a causa unica da sua prosperidade e mesmo da sua existencia.
É a política que fez augmentar de 25 hectares, que tinha ha cincoenta annos, até 132 que tem actualmente o porto de Marselha, para que elle podesse triumphar dos portos de Genova e de Trieste, abastecendo o interior da Europa e tornando-se o receptaculo e emporio das riquezas do Oriente.
Esta é que é a política que as commissões estudam e apreciam, porque as commissões não erram só, tambem estudam e tambem sabem. (Apoiados.}
E a política que inspira a Hespanha e que a determina a melhorar constantemente os seus portos e a augmentar prodigiosamente a extensão das suas vias ferreas, como o illustre deputado poderia ver, se quizesse dar-se ao incommodo de apreciar as ultimas obras construídas e as que estão em construcção n'aquelle paiz.
Veria que no porto de Huelva, quasi contíguo ao nosso paiz, está em execução um projecto de obras que ainda ha pouco foi approvado, na importancia de 22.000:000 pesetas; veria que logo adiante, em Sevilha, se tem lançado por terra bairros inteiros da antiga cidade do Guadalquivir, porque se quer augmentar o trafego e é necessario augmentar a área dos espaços molhados. (Apoiados.)
É esta a política que preoccupa a Hespanha quando continua os melhoramentos do porto de Santander, que com Alicante e Lisboa concorrem no abastecimento da capital da nação vizinha, como em Cadiz, onde os melhoramentos não terminam porque é necessario avançar com os seus molhes sobre o mar.
E, ao passo, sr. presidente, que em Hespanha se não pára com os melhoramentos das condições da exploração e do trafego dos portos de mar, que podem fazer concorrencia ao porto de Lisboa, accumula-se sobre a fronteira a viação accelerada que vae servir esses portos.
Já lhes não basta um só caminho de ferro para ligar o porto de Vigo com a viação interior, e projectam-se duas vias férreas, uma por Orense e Leão e outra por Astorga e Zamora, que ligarão aquelle porto com a rede do norte em Hespanha.
Encurtam-se as distancias de Corunha é Gijon a Madrid, e como se Huelva e Sevilha estivessem muito distanciadas de Madrid, aprompta-se rapidamente a communicação ferro-viaria de Huelva com Zafra, e procura ligar-se rapidamente Sevilha com as redes hespanholas, apressando-se a construcção do caminho de ferro de Merida a Caceres. (Apoiados.)
Esta é que é a política que segue a Hespanha, esta é que é a política com que a Hespanha pretende opprimir-nos. Abraça-nos num circulo enorme, que começa por Vigo, que segue por Orense, Leon, Zamora, Salamanca, Bejar, Caceres, Merida, Huelva e Sevilha.
Este circulo, sr. presidente, só não é de ferro, porque os carris agora são de aço. (Muitos apoiados.)
É com elle que a Hespanha pretende esmagar-nos para fazer com que todos os productos da sua exploração vão, não só servir e alimentar as suas vias ferreas, mas servir e desenvolver a exploração e trafego dos seus portos.
Aqui é que está a opportunidade dos melhoramentos do porto de Lisboa. Não paremos. (Muitos apoiados.)
Querem parar, quando se trata dos melhoramentos do porto de Lisboa, a proposito das circumstancias do thesouro, e não querem ver, nem questionam, os rendimentos directos que da execução das obras provirão para compensar as despezas de execução d'essas obras? Só fallam em encargos, e não querem attender a que a situação do thesouro não póde ser aggravada, porque o imposto de 2 por cento sobre o valor da importação já creado por uma lei anterior, e que ha de ser pago pelo commercio, como compensação dos proprios beneficios que elle vae receber, vem juntar-se ás receitas do porto para pagar a execução das obras?
E ousam dizer que a obra que maior influencia póde exercer sobre o desenvolvimento economico da nação é inopportuna, porque podo vir abalar o nosso credito?
Nunca, sr. presidente, se abala o credito de nação alguma, quando ella procura por obras proveitosas e úteis adquirir o grau de importancia que merece; e eu digo bem alto, no parlamento do meu paiz, que as obras do porto de Lisboa são de tão elevada e notoria importancia, que seriam exigidas pela política commercial da Europa, se a política dos gabinetes estrangeiros podesse impor-se sobre a, política deste paiz, porque as obras propostas, completando as elevadas vantagens que para o porto de Lisboa resultam da sua posição geographica e das condições naturaes que offerece, vão proporcionar as mais apreciaveis e subidas commodidades para o serviço da navegação do mundo inteiro. (Muitos apoiados.)
Está-se actualmente operando um movimento económico enorme em todas as nações da Europa; as industrias dos transportes tomam um incremento notavel: multiplicam-se as vias ferreas, e os paizes como a França, que por algum tempo não deram grande desenvolvimento ás suas obras marítimas, fazem convenções para serem melhoradas rapidamente as condições de exploração e trafego dos seus portos de mar.
É necessario, sr. presidente, que o nosso paiz acompanhe este desenvolvimento que se está operando por toda a parte.
Parar, quando a Hespanha nos apresenta a lucta da concorrencia ao nosso commercio; parar com os melhoramentos do porto de Lisboa, quando a Hespanha procura desviar para os seus portos o mais que póde do movimento commercial peninsular, não direi que será morrer, porque a phrase está muito usada e ainda são grandes os recursos do porto do Lisboa, que serve sem concorrencia perigosa uma area extensa; mas é pelo menos retorceder, e retorceder, sr. presidente, com uma velocidade relativa verdadeiramente proporcional áquella com que em Hespanha se avançar e progredir. (Muitos apoiados.)
As obras são inopportunas? Pois tratámos de desenvolver o trafego do nosso commercio, alargando a extensão das nossas vias ferreas; cortamos a fronteira em Elvas, em Marvão, em Villar Formoso, em Barca de Alva, em Valença do Minho e daqui a pouco havemos de cortal-a pela ligação da rede do Alemtejo com os caminhos de ferro da província de Andaluzia; procurámos por todos os meios ao nosso alcance fazer chegar o producto da actividade de uma zona considerabilissima ao centro principal de todo o desenvolvimento commercial do paiz, e depois de tudo isto, de tantos esforços empregados, havemos de parar, conservando quasi que fechadas no porto de Lisboa as portas por onde deve conduzir-se o commercio de uma zona tão extensa e consideravel para os mercados dos paizes estrangeiros?!
Lembro a v. exa. que no commercio quem chega primeiro e mais barato e quem vence. (Muitos apoiados.)
O commercio está sujeito a leis que têem uma certa permanência e fixidez. Póde a tradição commercial conservar por muito tempo a importância de uma certa praça; mas tambem se, por qualquer circumstancia, o commercio se afasta d'ella, é muito difficil fazel-a retomar essa primitiva importancia. (Muitos apoiados.)
Já foi maior a zona extractiva do porto de Lisboa, porque já chegou até Cordova; já mesmo foi mais sensível a percentagem relativa com que o porto de Lisboa concorria no abastecimento da capital do reino vizinho. (Apoiados.)
Podem as vias férreas construídas contribuir poderosamente para se activar o nosso desenvolvimento commercial; apesar de tudo, se o porto de Lisboa não der vasão rapida e economica ás mercadorias, não direi já que diminuirá a importancia do seu trafego, mas seguramente não poderá tomar o incremento que é licito tirar-se d'elle, tanto mais quanto os melhoramentos dos portos hespanhoes e o

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encurtamento das suas communicações ferro-viarias permitirem mais rapida e economica saída ás mercadorias. (Muitos apoiados.)
A Hespanha quer isolar-nos do convívio commercial; cerca-nos com as suas vias-ferreas. Como lhe correspondemos?
Cortâmos-lh'as nas fronteiras. Mas não basta; toda essa viação ferrea e todas as industrias de transporte que com ella se relaciona, não será verdadeiramente proveitosa sem os melhoramentos do porto de Lisboa.
Aqui, principalmente aqui, é que está a opportunidade d'estes melhoramentos. (Apoiados.)
Declaram a inopportunidade das obras, mas ao mesmo tempo o illustre deputado o sr. Barros Gomes diz que tanto as julga necessarias, que até em 1880 firmou com a sua assignatura uma proposta de lei para a realisação dos melhoramentos do porto de Lisboa.
São inopportunas as obras, mas ao mesmo tempo querem-nas, embora mais modestas do que as que são propostas n'este projecto de lei.
Pois vejamos quaes eram as obras que o illustre deputado pedia em 1880, e a que podia conduzir-nos a modestia d'essas obras!
Diz-nos s. exa. que, convencido da necessidade dos melhoramentos do porto de Lisboa, pedia em 1880 auctorisação para a realisação d'essas obras, conjunctamente com as obras marítimas na cidade do Porto, e que tanto existia no seu espirito a idéa de fazer obras mais modesta que só pedia para a realisação de todas ellas em Lisboa no Porto a quantia de 10.000:000$000 réis.
Mas onde é que s. exa. impunha a condição de só gastar 10.000:000$000 réis? Era na proposta de lei? Não, de certo.
S. exa. trazia ao parlamento uma proposta de lei a pedir impostos para a realisação de obras. Quem a votasse não ficava sabendo quanto se havia de gastar. Ha aqui uma differença muito importante entre o projecto de lei actual, e a proposta do lei que o sr. Barros Gomes subscreveu.
Aqui quem votar este projecto de lei sabe qual é a maxima despeza que poderá fazer-se com as obras, cuja auctorisação se pede. Votando-se a proposta do sr. Barros Gomes, votavam-se impostos para a realisação de obras, mas o parlamento não sabia qual era a despeza total que havia de effectuar-se.
Dizia-se, sim, no relatorio que precedia essa proposta de lei, que as obras custariam 10.000:000$000 réis; mas na proposta de lei (o que é differente) não se dizia quanto se havia de gastar.
Pois vejamos quaes eram as obras que o sr. Barros Gomes dizia que custariam 10:000:000$000 réis.
Na proposta de lei apresentada ao parlamento, pedia-se auctorisação para a construcção de um porto de abrigo de commercio em Leixões e dos melhoramentos na margem direita do Tejo ou no porto de Lisboa; mas as commissões de fazenda e de obras publicas, do accordo com governo, e eu repito, de accordo com o governo, introduziram mais no projecto de lei um canal de ligação do porto de Leixões com o rio Douro e um caminho de ferro marginal a este canal, que estabelecia a ligação da cidade do Porto com o porto de Leixões.
As obras da margem direita do Tejo, ou no porto de Lisboa, estavam definidas. Era uma doca de fluctuação e outra de marés com a competente doca de reparações entre a praça de D. Luiz e a rocha do Conde de Obidos, um grande doca de reparações na parte oeste do arsenal de marinha, e um muro de cães e atterro desde a rocha de Conde de Obidos até á cordoaria nacional.
Eram todas estas obras que o illustre deputado queria fazer com 10.000:000$000 réis? E podia fazel-o?
Só o porto de abrigo de Leixões, sem as commodidades commerciaes; importa em 4.500:000$000 réis. Só conheço um projecto para a construcção do canal de communicação do porto de Leixões com o rio Douro, é o do engenheiro inglez Abernethy, unico projecto que existe, e cujo orçamento é do valor de 3.000:000$000 réis. O caminho de ferro entre Leixões e o Porto custa 500:000$000 réis. Portanto só para as obras que eram propostas para a cidade do Porto eram precisos 8.000:000$000 réis. Restavam para os melhoramentos do porto de Lisboa réis 2.000:000$000!
Era com 2.000:000$000 réis que o illustre deputado queria construir uma grande doca de reparações junto ao arsenal da marinha, uma doca de fluctuação e outra de marés com a conveniente doca de reparação entre a praça de D. Luiz e a rocha do Conde de Obidos e um muro de caes e aterro entre a rocha do Conde de Obidos e a Cordoaria?
E podia fazel-o?
Talvez. Eu é que não estou resolvido a assumir perante as gerações futuras a responsabilidade de sanccionar com o meu voto a execução de obra á improfícuas e acanhadas e que possam comprometter o desenvolvimento do commercio no porto de Lisboa. (Apoiados.)
Tem, pois, em vista este projecto a realisação das obras cuja necessidade inquestionavelmente mais se recommenda á consideração do paiz, e n'este ponto chegam ás vezes a concordar os proprios que atacam este parecer, como sendo as que podem produzir maior desenvolvimento económico, chegando a ter um caracter monumental. (Apoiados.)
Para a realisação d'estas obras lança-se mão de um certo numero de receitas, parte das quaes estão creadas por leis anteriores, e provindo as restantes, ou da venda de terrenos conquistados pela propria realisação das obras, ou do serviço da exploração d'essas obras que vamos construir: digo-o eu e dil-o o projecto que se discute.
Estas receitas servem para o pagamento directo das obras, e constituem as bases da operação financeira a que se refere o projecto, cujos encargos são pagos por ellas.
Tomando-se estas bases, diz o parecer, e eu sustento, que as obras podem sem encargo para o thesouro ser realisadas em dez annos, ficando a operação completamente amortisada no fim de dezenove annos, e, findos elles, completamente pagas as obras do porto de Lisboa que, satisfazendo amplamente ao commercio nacional, darão inquestionavelmente uma vantagem publica indirecta e enorme pelo desenvolvimento que promoverão na exploração das vias ferreas e em todas as explorações que se relacionam mais ou menos com todas as industrias de transporte (Apoiados.)
Atacam isto? Ainda não vi.
O sr. Barros Gomes não impugnou estas bases, nem disse que a conclusão não fosse verdadeira.
Acham extraordinario que a venda dos terrenos se possa effectuar a 10$000 réis por cada metro quadrado; mas isso é precisamente o que está no projecto e s. exas. o que votam é este projecto. Se elle for approvado pelo parlamento e sanccionado pelo Rei, só póde ser adjudicada a execução das obras a quem se comprometter a comprar ao estado metade dos terrenos disponíveis, ou cerca de 16,5 hectares, a rasão de 10$000 réis por cada metro quadrado.
Dizem s. exas. que isto é extraordinario, porque o sr. conselheiro Aguiar disse na associação commercial que os terrenos só venderiam a 4$000 réis ou no maximo a réis 6$000 por cada metro quadrado. São s. exas. os proprios que, discutindo esta base, vem naturalmente defender o projecta que está em debate. (Apoiados.)
Discutem esta base, que reputam immensamente vantajosa, porque não vem incluída na proposta do sr. Hersent, mas esquecem que a condição da venda dos terrenos por 10$000 réis o metro quadrado é uma condição especial expressa numa proposta que é firmada por um cavalheiro cuja respeitabilidade me parece que não deve inspirar-lhe a mais ligeira desconfiança. (Apoiados.)
Mas vão mais longe; e dizem tambem que as obras se

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não podem effectuar pela quantia de 10.800:000$000 réis, que é a verba que servirá de base á licitação, porque o sr. Harsent não disse na sua proposta qual seria o preço por que tomaria a realisação das obras; como se o sr. Hersent fizesse a sua proposta sem ter conhecimento do plano officialmente feito o que segundo o projecto de lei ha de servir de base á licitação, e do orçamento das obras mencionado nesse mesmo plano; e como se o sr. Hersent não devesse ter escrupulos de publicar o preço pelo qual effectuaria as obras, que hão de ser adjudicadas n'um concurso publico.
E em conclusão dizem que as obras se não realisarão por este projecto de lei.
Eu conheço esse argumento: é sempre o vosso argumento; apparece sempre que aqui se discutem melhoramentos materiaes.
A necessidade das obras não a discutis nunca; a opportunidade d'ellas discutia ás vezes; mas o que discutia sempre é precisamente isso: que o governo não tem a intenção de realisar as obras.
Foi o argumento que eu aqui vi produzido, quando se discutia o caminho de ferro da Beira Baixa; dizia se que as condições que serviriam de base ao concurso eram por tal fórma desvantajosas para qualquer empreza que quizesse licitar, que o concurso ficaria deserto; foi o argumento que eu aqui ouvi quando se discutia o prolongamento da rede do sul e sueste e a construcção do caminho de ferro do Algarve; foi a objecção ao concurso do caminho de ferro de Mirandella; tambem appareceu a respeito do ramal de Vizeu.
E como hei de eu responder a esse argumento? Com outro mais convincente, porque tem a eloquencia dos factos. Esses caminhos de ferro estão uns a construir-se, e os restantes estão já contratados. O paiz é que ouve tudo isto, e no fim vê todos esses melhoramentos construídos, e gosa-lhe os benefícios, e é elle que fica sabendo quem lhe promove esses benefícios e quem contribuo para o desenvolvimento economico da nação! (Apoiados.)
O sr. Correia de Barros receia, porém, que haja aggravamento no orçamento geral do estado, porque se applica para a execução das obras a verba dos 30:000$000 réis, que constituo uma outra base da operação e que effectivamente está mencionada n'esse orçamento; mas se está inscripta ahi essa verba no orçamento de despeza com exclusiva applicação para melhoramentos do porto de Lisboa, como se aggrava o orçamento do estado dando a essa verba a applicação correspondente? (Apoiados.)
Também s. exa. nos fallou no imposto ad valorem e no aggravamento que elle póde produzir. O imposto ad valorem é um imposto lançado sobre o commercio para que elle possa obter os seus proprios benefícios. (Apoiados.) Não aggrava o orçamento porque dará uma receita independente das que ali estão inscriptas; se incide sobre o commercio tem como compensação as vantagens que a este offerecerão as obras. Não é desfalcado pelas obras em Leixões porque para estes e para os restantes portos está na lei creado o maximo de 1 por cento, sendo o resto até 2 por cento para os melhoramentos do porto de Lisboa.
As bases da operação são seguras e por ellas se demonstra sem receio de contestação, que findos dezenove annos depois do começo das obras, estão pagos todos os encargos da sua construcção; nem isto foi seriamente atacado.
Se para pagar esses encargos são sufficientes as receitas especiaes creadas por leis anteriores e os proprios rendimentos do porto, como querem demonstrar a inopportunidade das obras pelas circumstancias do thesouro?
Como é que se aggrava realmente essa situação! (Apoiados.)
Como é que a situação do nosso credito póde ser abalada? A situação do nosso credito ha de reforçar se, quando lá fóra se souber que o paiz contribuo e forceja para se elevar ao nivel a que tem direito.
Nunca o credito de uma nação se abalou quando se sabe que se empregam ahi capitães em obras proveitosas para ella se elevar e engrandecer. (Apoiados.)
E agora vou tratar da questão que mais tem merecido o exame e a critica aspera dos illustres deputados.
É a operação financeira! Segundo a opinião dos illustres deputados, é uma operação desastrada e que compromette o credito do paiz.
Aqui é que são as principaes invectivas contra o pobre parecer, porque, segundo a opinião de s. exas., este projecto não foi estudado, nem pensado, e o parecer chega até a ter erros!
Ora, vejamos onde estão os erros!
Segundo o projecto, o governo pagará annualmente as despezas da construcção das obras effectuadas n'esse anno e os encargos anteriores, com o producto das fontes de receita ennumeradas no projecto e pela emissão de títulos amortisaveis do valor nominal de 90$000 réis, pelos quaes recebe o valor real de 80$000 réis, pagando uma commissão de cambio do valor de 3$150 réis. Estes títulos ao de 5 por cento, e amortisaveis em dezenove annos.
A quantia realisada por cada 90$000 réis nominaes é, pois, de 76$850 réis.
O juro que o estado paga por 76$850 réis que recebe, é de 4$000 réis, o que equivale a dizer que o estado recebe o dinheiro de que precisa, pagando 5,8556 sobre o capital que vae realisando.
Ora, 5,8556 é tambem o juro que o dono de um titulo perpetuo de 3 por cento recebe quando os fundos estão a 51,23; portanto, se os títulos que se emittiram por esta operação, vencem o mesmo juro que tambem vencem os titulos de 3 por cento quando os fundos estão a 51,23, correspondem-se perfeitamente as obrigações emittidas com as inscripções tomadas a 51,23. (Apoiados.)
Isto é o que está no parecer, e isto é que é perfeitamente exacto.
O sr. Barros Gomes diz que não sabe como as commissões tinham achado este numero 51,23, mas nos seus calculos chegou a mencionar o numero 51,23. A rasão é simples. S. exa. partiu do juro 5,85, e eu fiz uma approximação maior, parti do juro 5,8556. Tomando-se 5,85 chega-se effectivamente a 51,28, mas, partindo-se de 5,8556 chega-se a 51,23. Serve isto para demonstrar que os meus calculos são mais precisos do que os de s. exa.
Eu repito, que o juro que o estado vae pagando pelos titulos que, segundo esta operação, emitte, é de 5,8556, sobre o capital realisado, e este juro é precisamente o mesmo que vence uma inscripção comprada quando os fundos estão a 51,23.
Portanto, os títulos correspondem-se; é isto o que eu sustento, embora me accusem de que eu escrevo erros, e de que este projecto vae aggravar o credito nacional a respeito de um emprehendimento, que eu declaro, em plena consciencia, que defendo com a intima convicção de que, fazendo-o, sustento uma causa util ao meu paiz. (Apoiados.)
Insisto: o estado recebe o dinheiro a 5,8556 e não a 7,5, como dizem os illustres deputados, e senão vejamos ainda:
Comparemos o encargo final para o estado, no caso de elle receber o dinheiro a 7,5, como dizem es illustres deputados, e no caso de o receber a 5,8556, como digo eu; e supponhâmos que o estado tem de realisar pelo credito uma quantia de 5.400:000$000 réis, para assim me approximar dos calculos de s. exas., visto que, em rigor, não o precisamente essa a quantia que terá de ir buscar-se ao credito, porque as receitas em cada anno vão mencionadas no parecer e são muito superiores a 540:000$000 réis.
No primeiro caso, e segundo o typo ordinario das nossas obrigações, o estado receberia 60$000 réis por cada titulo emittido ao valor nominal de 90$000 réis.
Seria, pois, necessaria uma emissão de 90:000 obriga-

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ções, o que equivale a dizer que seria preciso emittir 8.100:000$000 réis nominaes.
No segundo caso, o estado recebe 76$850 réis por cada titulo.
Seria, pois, necessária uma emissão de 70:266 obrigações, o que equivale a dizer que seria preciso emittir um valor nominal de 6.323:940$000 réis.
O encargo final para o estado depende essencialmente do valor nominal emittido.
Pois no primeiro caso o estado teria que pagar réis 8.100:000$000, a fóra os juros parciaes nos annos successivos até ao fim da operação; no segundo caso, teria que pagar apenas 6.323:940$000 réis, a fóra os juros parciaes correspondentes.
Já s. exas. vêem que a operação não é tão desastrada como a querem fazer suppor!
Mas, visto que insistem em que a operação é má, que é desastrada, comparemol-a com outras operações que têem sido propostas no parlamento e vejamos quaes são as mais vantajosas.
Não são precisos grandes calculos de formulas complicadas; bastam calculos muito simples e muito singelos.
E, não ha operação mais apropriada para a comparação do que aquella cuja auctorisação era pedida na já citada proposta de 1880 para os melhoramentos do porto de Lisboa, assignada pelo sr. Barros Gomes, e de que foi relator o meu illustre amigo o sr. Mariano de Carvalho.
Pois comparemos as duas operações e vejamos qual d'ellas dava encargo final maior para o estado.
Na proposta do sr. Barros Gomes pedia-se auctorisação para levantar dinheiro, pagando-se 6,33 por cento de juro sobre as quantias realisadas, e sendo a amortisação feita em cincoenta annos.
Tomemos o typo ordinario das nossas obrigações: valor nominal de 90$000 réis e juro de 5 por cento.
N'este caso por cada obrigação do valor nominal de réis 90$000 o estado receberia 71$056 réis. Para realisar, pois, a quantia de 5.400:000$000 réis seria necessario emittir 75:996 obrigações, cujo valor nominal sommaria 6.830:640$000 réis.
Era resumo: segundo a operação actual, para realisar 5.400:000$000 réis teria de emittir-se um capital nominal de 6.323:940$000 réis; segundo a operação do sr. Barros Gomes teria de emittir-se um capital nominal de réis 6.839:640$000.
A circumstancia de ser o período da amortisação maior no segundo caso do que no primeiro não diminue o encargo final effectivo do estado; porque se no primeiro caso emittisse 6.323:940$000 réis, era esta quantia total que o estado tinha de pagar, a fóra os juros parciaes durante o período da operação; emquanto que, se emittisse réis 6.839:640$000, como seria preciso segundo a operação sr. Barros Gomes, era definitivamente esta quantia que estado tinha de pagar com os juros parciaes correspondentes.
O encargo final para o estado, que é o que tenho principalmente a considerar, era maior, porque para realisar a mesma quantia o valor nominal emittido era maior, e, portanto, maior a quantia a pagar na amortisação e maior despeza dos juros, porque estes incidiam sobre uma quantia maior.
E aqui está como a operação contratada, segundo as bases do sr. Barros Gomes na sua proposta de 1880, quando os fundos, segundo s. exa. mesmo nos disse, estavam a 52, dava um encargo total para o estado muito superior áquelle que resulta tomando as bases consignadas no projecto de lei actual, cuja auctorisação se pede quando os fundos estão a 46,5 e 47. (Apoiados.)
Já s. exas. vêem que a operação não é tão desastrada que para o effeito do encargo total para o estado não seja melhor do que a sua. (Apoiados.)
Mas s. exa. o sr. Barros Gomes applicou uma formula. Resta-nos saber como se applica essa formula e o que é que nos dá.
S. exa. quer tornar comparaveis a seu modo os títulos que são de natureza essencialmente differente, porque uns são amortisaveis e de curta duração e os outros são perpetuos.
Começa por applicar uma formula deduzida para um caso que está muito longe de ser o caso actual, e diz que applica a formula para achar homogeneidade.
A primeira cousa que s. exa. teria que ver era se havia perfeita, identidade entre as circumstancias desta operação e aquellas para que foi deduzida a formula.
O caso para que esta foi deduzida é o de haver uma emissão unica de todo o capital e de começar a amortisação num praso qualquer que se seguisse immediatamente a essa emissão total; mas o caso que aqui se dá é o de emissões successivas e de differente valor, começando a amortisação só depois da ultima emissão.
S. exa. toma a emissão media do capital inteiro proximamente a meio do período da emissão successiva e applica a sua formula, que presuppõe a amortisação a começar desde logo. O caso presente está muito longe de ser esse. E depois de tudo isto vejamos o que s. exa. consegue com a sua formula hypothetica. É o juro que o estado paga pelas quantias que realisa? De certo que não; esse juro é de 5,8556. Se fosse maior, o capital nominal emittido seria maior e o encargo total para o estado seria muito maior do que é effectivamente.
Encontra um numero que, se a formula fosse bem applicavel ao caso presente, representaria a taxa do encargo medio.
É claro que desde que ha uma operação amortisavel e que, ao amortisarem-se os títulos, o prestamista tem que receber os respectivos premios de amortisação, a influencia d'estes premios sobre o encargo medio augmenta com a diminuição do período do amortisação.
E o encargo final para o estado augmenta, porventura, apesar do augmento do encargo medio, proveniente da diminuição do período de amortisação? Certamente que não. Toda a vantagem do estado está até em amortisar depressa, para mais cedo pagar os encargos das obras.
Os premios de amortisação têem sempre de pagar-se, desde que ha uma operação amortisavel, e o encargo final para o estado não augmenta pelo facto de se diminuir o período de amortisação, embora o encargo medio effectivamente augmente.
Pois eu, para socegar todos os espíritos e fazer desapparecer completamente a influencia que para alguns podiam produzir as considerações de s. exas., vou fazer ainda uma comparação de títulos.
Supponho que os títulos sejam emittidos ao nominal de 90$000 réis, com o valor real de 80$000 réis, pagando o estado 5 por cento sobre o nominal e uma commissão de cambio de 3$150 réis por cada obrigação; e supponho mais que as obrigações, em vez de serem pagas na occasião da amortisação por 90$000 réis, são pagas precisamente pelo valor realisado.
É a operação mais vantajosamente imaginavel; pois não é?
O sr. Barros Gomes: - Isso de certo.
O Orador: - Com certeza. Porque propriamente a emissão não póde ser feita em condições mais vantajosas; disse-o mesmo o sr. Barros Gomes quando achava extraordinario que, nas circumstancias actuaes, em que os fundos estão a 47, se suppozesse que podíamos obter dinheiro a 5,85; quando aliás s. exa. pedia auctorisação para obter dinheiro a 6,33, estando os fundos a 52.
Pois bem; a operação feita nestas condições é perfeitamente identica á operação proposta no projecto de lei, com a unica differença dos encargos provenientes dos premios de amortisação.
Quaes são esses encargos? No parecer disse-se e eu sus-

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tento que no fim da construcção, depois de estarem pagos todos os juros vencidos até esse período e todas as commissões de cambio a pagar durante a operação, só haveria a amortisar 61:765 obrigações.
Pois supponhamos que o estado, ao amortisar estas obrigações, pagaria por cada uma 80$000 réis, em vez de pagar 90$000 réis, que é o que effectivamente tem de entregar ao prestamista.
A operação no primeiro caso seria, insisto, a mais vantajosamente imaginavel: A differença entre os encargos da operação feita nestes termos para os da operação feita, segundo as condições do projecto, seria de 61:765 X 10$000 réis, ou 617:650$000 réis.
Esta quantia é, repito, a differença entre o encargo da operação a que se refere o projecto e o encargo da operação mais vantajosamente imaginavel; e note-se que eu não digo a operação mais vantajosamente possível; digo, mais vantajosamente imaginavel. (Apoiados.)
Pois, o sr. Barros Gomes disse-nos que o preço que no projecto estava fixado para a venda de metade dos terrenos disponíveis era muito elevado, e suppõe que estes terrenos se não podem vender em media por mais de 4$000 réis ou 6$000 réis o metro quadrado, quando no projecto está fixado o preço de 10$000 réis; o que equivale a dizer que a condição, expressa no projecto de lei, da venda d'esses terrenos a 10$000 réis, dá para o estado uma vantagem de 6$000 réis ou 4$000 réis por metro quadrado.
Ora, se s. exa. multiplicar mesmo por 4$000 réis o numero de 165:000 metros quadrados de terrenos, cuja venda está garantida pelo projecto de lei, encontra que a vantagem para o estado, resultante só do preço estipulado para a venda dos terrenos, é de 660:000$000 réis. (Apoiados.)
Portanto só a vantagem que o sr. Barros Gomes indicou como resultante da venda dos terrenos se representa por uma quantia maior do que a differença dos encargos da operação actual, para a operação mais vantajosamente imaginavel. (Apoiados.)
E agora, digo eu, podeis approvar desassombradamente este projecto, porque elle não póde ter defeza mais completa do que o ataque da opposição.
O que votaes é o que aqui está escripto.
Elles dizem que as obras devem importar em mais de 10.800:000$000 réis; pois votaes que a despeza não póde ser superior áquella quantia. Elles dizem que os terrenos cuja venda está garantida no projecto de lei a 10$000 réis não podem ser computados em mais de 4$000 réis a 6$000 réis. E, suppondo mesmo que o valor dos terrenos deva computar-se em 6$000 réis, essa venda garantida no projecto e estabelecida a 10$000 réis dá uma vantagem de tal natureza, que compensa quaesquer encargos da operação, a ponto de a tornar a mais vantajosamente imaginavel. (Muitos apoiados.)
E por agora, sr. presidente, nada mais tenho que dizer em resposta aos illustres deputados, e termino, por isso, aqui as minhas considerações.
(O orador foi muito cumprimentado.)
O sr. Reis Torgal: - Usando da palavra n'esta occasião, não é meu intento combater o projecto na sua generalidade ou sob o ponto de vista da sua utilidade e conveniencia.
Estamos todos de accordo neste ponto. Os melhoramentos do porto de Lisboa estão sendo reclamados pelas urgentes necessidades do commercio, e eu creio firmemente que, satisfeita esta impreterivel necessidade, teremos um logar imminente no meio da Europa commercial.
Serei o primeiro a louvar o governo por este ousado emprehendimento.
Realisadas as obras do porto, Lisboa, cujas condições geographicas são excepcionalmente favoraveis, deverá ser uma das primeiras cidades commerciaes do mundo.
Mas merecerá o projecto a approvação da camara sob o ponto de vista da sua especialidade?
O governo adoptou o deplorável systema de subtrahir os projectos á discussão parlamentar, dando-lhes apenas uma discussão; eu porém seguirei o meu caminho considerando este projecto sob os dois pontos de vista. Não me occuparei todavia da parte technica; deixando a sua discussão para os homens competentes, formularei apenas algumas duvidas, às quaes desejo que o governo responda positiva e categoricamente.
Não quero saber se devemos ou não acompanhar as outras nações; se somos ricos para podermos pagar juros avantajados; o que eu desejo saber é qual é o projecto definitivo que serve de base ao concurso?! É sobre este ponto que, principalmente, desejo ouvir a opinião do governo.
Não posso convencer-me de que não tenhamos ainda nos archivos do ministerio das obras publicas um projecto digno da approvação do governo, não posso. Têem-se gasto centenas e centenas de contos de réis com os estudos dos melhoramentos do porto de Lisboa; todos os ministros têem querido honrar-se com uma parcella de iniciativa sobre este assumpto, e por fim vem dizer-se ao parlamento que servirá de base ao concurso o projecto definitivo que merecer a approvação do governo!!!
Foi caso de tremor de terra com toda a certeza.
Fallo assim, porque tenho á vista o excellente discurso proferido pelo ex-ministro das obras publicas, o sr. Antonio Augusto de Aguiar, na associação commercial de Lisboa, explicando os motivos que determinaram a sua saída do ministerio.
Refere-se s. exa. n'este famoso discurso a um abalo de terra, que se fizera sentir no ministerio das obras publicas; por isso não estranhará a camara que eu pergunte ao governo se nas regiões da política se sentiu outro abalo de terra em sentido opposto e se teve a força sufficiente para recompor o gabinete, restituindo-lhe os dois ministros expulsos dos conselhos da coroa, em nome dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Sr. presidente, é realmente deploravel que, depois de tantos estudos e de tanto dinheiro consumido, se venha dizer ao paiz que não ternos um projecto, e que, graças ao patriotismo do sr. Mendonça Cortez, nos entenderemos com o sr. Hersent.
Onde estão os trabalhos dos nossos engenheiros; onde estão os projectos submettidos á approvação das corporações mais importantes do reino?
Repito pois; desejo que o governo me diga qual é o projecto definitivo que serve de base ao concurso; no caso de não haver ainda projecto definitivo, quem o faz, ou se se abre concurso especial para projectos.
Eu comprehendo, e comprehende toda a gente, que o governo abrisse concurso para projectos, e, depois de approvado aquelle que parecesse satisfazer a todas as condições, e abrisse concurso para os respectivos melhoramentos; mas assim o que é o concurso!!?
Supponhamos todavia que ha um concurso. Que base em o governo para fazer a escolha do projecto definitivo?
Os differentes projectos podem assentar sobre planos differentes e serem organisados por processos differentes tambem; portanto a escolha é difficilima, porque tem de fazer-se a apreciação de elementos heterogeneos.
É uma questão demasiadamente complexa para que o governo a resolva sem ouvir as opiniões dos engenheiros.
Quererá o governo determinar-se pelo preço?
Mas toda a gente comprehende que o mais caro póde ser o mais barato, e vice-versa.
Qual é, pois, a base adoptada para se fazer a escolha entre os differentes projectos?
E, depois, diga-me o governo uma cousa, qual é a verba que tem no orçamento para pagar os projectos?
Cada concorrente ha de trazer o seu projecto, e não me parece que o portador do projecto escolhido seja ipso facto o adjudicatario das obras do porto de Lisboa.

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Talvez seja; mas não era indispensavel que assim succedesse.
Repito, pois, com que elementos o em que condições faz o governo a escolha do projecto definitivo? Ou já está escolhido?
Temos um projecto em discussão, pelo qual se pedem ao paiz mais uns milhares de contos de réis a titulo de melhorar o porto de Lisboa, mas ignora-se ainda em que obras se ha de consumir essa somma fabulosa, porque ainda não nasceu o projecto definitivo.
Estamos em plena maré de patriotismo. O projecto, com a sua enorme dotação, provocou o patriotismo do todos os partidos, enfileirando es seus homens mais notaveis ao lado do nosso unico salvador, ao lado do sr. Hersent.
Tenho ouvido elogiar de tal fórma este notavel empreiteiro, que estou convencido de que elle é já hoje indispensavel para que o planeta não deixe de girar nos seus eixos.
O que seria d'este pobre paiz, se elle e o sr. Cortez nos abandonassem!!
O sr. Hersent é, effectivamente, um constructor ousado, mas não é o unico no mundo.
Quem fez as obras do canal de Suez?
Quem fez os portos do Havra e de Marselha?
Suppunhamos, todavia, que o sr. Hersent é unico: tanto melhor para o governo e para os patriotas. Procedam correctamente que ninguem lhes disputará o primeiro logar no concurso.
A questão, porém, não é de concurso. As obras do porto de Lisboa tambem não constituem a grande preocupação do governo, o que o afflige é a idéa de que o paiz nada em riqueza; o que o preoccupa é a necessidade de dar mais uma sangria á bolsa do contribuinte.
Tudo vae bem.
Não me parece, todavia, que a camara deva associar-se n'este projecto ao pensamento patriotico do governo.
E não me parece, porque ha ainda outro reparo muito importante a fazer.
Todos os engenheiros são de opinião que as obras do saneamento da cidade de Lisboa, em qualquer occasião, mas sobretudo agora, que o cholera parece vir em marcha accelerada sobre a capital, devem, se não anteceder, pelo menos acompanhar as obras do porto.
Noto, porém, com grande espanto, que o governo, querendo aproveitar este ensejo para fazer approvar o projecto que o auctorisa a mandar fazer as obras do porto de Lisboa, nem falla nas do saneamento da cidade, que deviam acompanhar pelo menos aquellas, por isso que as obras do saneamento podem prejudicar o até annullar parte dos melhoramentos do porto.
Na parte financeira, o projecto foi discutido com tanta habilidade e competencia por um dos mais notaveis oradores d'esta casa, a cujas altas qualidades presto sincera homenagem, o sr. conselheiro Barros Gomes. (Apoiados.) que não entrarei n'esse assumpto.
Direi, todavia, que me pareceram logicas, claras e positivas as observações feitas pelo illustre deputado, e que não vi que por parte do governo ou da illustre commissão só respondesse com algarismos positivos ás considerações que s. exa. apresentou.
Não me parece que estejamos n'uma religião de números, como disse o sr. presidente do conselho; ou então nesta religião não ha orthodoxia nem heresia.
Os números são o que são; e desde que o sr. Barros Gomes, por meio de uma operação algebrica, mostrou que o juro das sommas a gastar corresponde a 7 1/2 por cento, e não a 5 por cento, parece-me que o governo, accusado de haver sido menos exacto nas suas affirmações perante a representação nacional, tinha restricta obrigação de entrar em largo debate e fazer toda a luz sobre este assumpto.
Não basta dizer que as obras são necessarias e que já pedimos dinheiro por taxa mais elevada.
O argumento é muito conhecido nos vulgarissimos expedientes dos morgados arruinados.
Portanto, resumo as minhas considerações, pedindo ao governo me diga se ha algum projecto definitivo que sirva de base ao concurso; porque no projecto em discussão diz-se apenas que o ha do ser o projecto que merecer a approvação do governo.
Desejo tambem saber, no caso de não haver projecto definitivo, se se abre concurso para projectos.
Não é, pois, meu intuito crear dificuldades ao governo, como já disse: quero apenas habilitar-me a votar conscienciosamente.
Não entro na analyse technica do projecto; porque, alem de me fallecer a competencia, ha n'esta casa distinctissimos engenheiros, cuja auctorisada palavra se fará ouvir, sem duvida, n'este debate.
Pedindo estes esclarecimentos, quero justificar o meu voto perante o paiz e ficar bem com a minha consciencia.
Tenho dito.
O sr. Presidente: - A ordem da noite para a sessão de hoje é o parecer sobre as emendas ao projecto n.° 109, e a ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 64, 104, 147 e 153.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Representação de diversos industriaes, apresentada pelo sr. Pereira Carrilho e mandada publicar n'este «Diário»

E N.° 275

Senhores. - Na opinião de illustres economistas, o progresso industrial de um paiz e, portanto, o grau da sua prosperidade, póde avaliar-se pela quantidade de soda que consome.
Este producto é effectivamente de uma importância consideravel para os paizes civilisados; o desenvolvimento serio da sua fabricação, facilitando e vulgarisando o seu emprego, ha de forçosamente dar resultados de todo o ponto favoraveis.
A soda é a base da saboaria; entra principalmente na fabricação do vidro; torna-se indispensavel nas industrias que têem de fazer lexivias; não póde deixar de empregar-se no preparo das lãs, do canhamo, do linho e dos algodões; applica-se como meio de branqueamento no fabrico do papel; sendo que, póde dizer-se, não ha materia prima, palha, madeira, esparto, etc., que prescindam d'este producto, da barateza do qual dependem por conseguinte mais ou menos todas as industrias.
Ainda não ha muitos ânuos que a soda, industrialmente falhando, apenas se vendia no estado de carbonato, geralmente chamado saes ou crystaes de soda; de então para cá este ramo tem feito progressos notaveis, a ponto de actualmente se fabricar por baixo preço uma quantidade enorme de soda caustica (quer dizer, a soda combinada simplesmente com agua em vez de acido carbonico), tornando-se sobremodo usual o seu emprego para muitas industrias. As industrias que por qualquer motivo, excepcionalmente não empregara a soda caustica acontece-lhes obterem resultados de uma inferioridade manifesta.
A substituição dos saes de soda pela soda caustica é de incontestavel vantagem, visto que esta offerece maior commodidade, mais precisão e muita segurança, uma quasi que infallibilidade, diga-se, nas operações em que é applicada, e taes condições garantem sem duvida uma grande reducção de preço de custo, tanto mais attendendo a que se não corre o risco do mau êxito de muitas operações, algumas completamente mallogradas, outras apresentando

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productos, cujo valor de saída tendo de corresponder necessariamente á má qualidade que resultou, são por vezes causa de prejuízos mais ou menos consideraveis.
O paiz que quizcr prescindir actualmente da soda caustica soffrerá, ainda que em menor escala, consequencias quasi identicas às que se dariam se ha vinte annos tivesse prohibido a entrada dos saes de soda, collocará a sua industria num estado de abatimento tonto mais sensível, quanto mais diminutos forem os direitos protectores sobre os differentes ramos de manufacturas.
É certo que se póde transformar o sal de soda em soda caustica, como algumas industrias são obrigadas a fazel-o, mas dependendo isto de uma operação chimica despendiosa e pouco segura, é muito mais simples e económico comprar a soda bruta causticada, como se está fazendo hoje em Inglaterra e no continente.
O direito de entrada de 100 réis para cada kilogramma de soda caustica é absolutamente prohibitivo, pois, sendo o custo da soda cáustica de 4$500 réis a tonelada, corresponde a um direito de mais de 200 por cento, com grave prejuízo para a industria do paiz e de nenhuma vantagem para o fisco.
É muito de crer que, se as considerações que antecedem tivessem podido ser apresentadas antes de estipulado o actual direito sobre a soda caustica, ella não teria sido tributada, por ser impossível que o auctor das tarifas tivesse em mente difficultar ao paiz, prival-o mesmo da posse de um producto tão reconhecidamente precioso para muitas industrias, sendo, em vista do exposto, de simples intuição que para proveito do paiz se deveria vir em auxilio do progresso consideravel da fabricação da soda.
Por consequencia, os fabricantes abaixo assignados recorrem respeitosamente a Vossa Magestade, a fim de que o direito da soda caustica seja abolido.
Os supplicantes, portanto - P. a Vossa Magestade seja servido deferir como requerem. - E. R. Mcê.
Lisboa, de junho de 1885. - (Seguem-se as assignaturas.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Joaquim José Alves, na sessão nocturna de 9 de junho, e que devia ler-se a pag. 2194, col. 1.ª

O sr. J. J. Alves (sobre a ordem): - Sr. presidente, logo que só apresentou á discussão este projecto, fiz-me cargo de tomar parte no debate, o que faço n'esta altura, por não me ter cabido a palavra quando se discutia na generalidade.
Faço esta declaração, porque tendo sido chamado hontem a terreno pelo meu digno collega e amigo o sr. Pequito, podia alguém suppor que eu recebera inspirações de s. exa. para fallar sobre o assumpto.
Embora respeite muito este meu collega, eu não quero que se possa tirar a illação, de que tinha quaesquer combinações com s. exa.
Não fiz combinações com o sr. Pequito, como as não fiz com pessoa alguma. Procuro apenas cumprir o dever que me impuz na qualidade de deputado por Lisboa, e ainda por ter ligado o meu nome a alguns actos da camara municipal.
Isto, porém, não escurece da minha parte o reconhecimento da consideração que s. exa. se dignou tributar-me, quando proferiu o meu humilde nome, consideração que eu de igual modo retribuo.
Devo, porém, advertir, que se s. exa. me chamou para o ajudar a defender os actos da camara municipal de Lisboa, sinto ter que dizer que não posso acompanhal-o no seu empenho.
Se, porventura, n'esse appello se pretende fazer acreditar, que eu venho destinado a fazer accusacões áquella corporação, creia o nobre deputado, que apesar dos muitos motivos que teria para o fazer, não é esse o meu proposito nem julgo ser este o logar proprio, salvo se a isso for provocado.
É verdade que tem havido muitas accusacões, mas não têem sido feitas por mim, que as poderia fazer aqui e na imprensa, porque me julgo com auctoridade para isso, e que não duvidarei fazei o quando seja provocado sobre actos que me respeitem exercendo o cargo de vereador.
Mas não ha necessidade de que eu o faça, porque o publico tem de tudo conhecimento, e até o governo, que digo com toda a franqueza é o unico responsavel por tudo o que tem acontecido, e pelo que se vae dando, na administração da camara municipal de Lisboa.
Mas, sr. presidente, dirigindo-me assim ao governo póde parecer que é mais um inimigo, e não um amigo político que está fallando: não estou representando esse papel, nem é posição que eu inveje, embora não desconheça que por muitas vezes os governos cedem mais facilmente aos inimigos e aos aduladores do que áquelles, que desinteressadamente se lhes apresentam fallando a verdade.
Sr. presidente, eu preso-me de ter durante os dez annos em que, tenho sido deputado, de acompanhar o governo presidido pelo sr. Fontes, nesta casa e fóra d'ella, sem que lhe tenha solicitado favores de especie tal, que me ponham na contingencia de deixar de cumprir o meu dever, aqui ou em outra qualquer parte, combatendo actos que possam affectar os interesses, quer da cidade de Lisboa, quer do paiz.
Sou, portanto, muito franco, e permitta-me a camara que eu diga em poucas palavras, porque não desejo roubar-lhe o tempo, aquillo que sinto.
Sr. presidente, o publico de Lisboa sabe bem o modo como procedi sempre na qualidade de vereador da camara municipal; mas podendo esse procedimento ser ignorado ou avaliado differentemente pelos meus collegas, que nesta casa representam o paiz, julgo do meu dever esclarecel-os.
Sr. presidente, emquanto me sentei nas cadeiras da vereação procurei cumprir rigorosamente os meus deveres, não rasgando o mandato que a cidade durante doze annos me conferiu: e uma das cousas que tive sempre em mira, foi não comprometter nem os interesses da cidade nem de qualquer fórma pôr os governos em difficuldades.
Entendi então, como entendo ainda hoje, que antes de se começarem grandes obras e melhoramentos na cidade, deviamos encarregados de gerir os negocios municipaes organizar as suas finanças, crear receita, instar com os governos de modo a poderem obter os rendimentos que lhe possam pertencer, e que só depois disto feito se podia e devia dar cumprimento ás obrigações impostas pelo actual codigo administrativo, visto que ninguem póde ser obrigado a crear despezas sem ter recursos para as satisfazer.
Era este o caminho que se devia ter seguido; e a camara impunha-se assim aos governos, que pela cidade de Lisboa não têem tomado o interesse que era para desejar.
Lançando-se a camara municipal no caminho das grandes despezas, muitas d'ellas inopportunas, outras desnecessarias e inúteis, tendo, para lhe fazer face, de recorrer constantemente ao credito, procedimento com que não me podia conformar, foi o que me obrigou, entre outros actos discordantes, a abandonar o meu logar.
Este procedimento está justificado nos dois officios que dirigi ao sr. presidente da camara municipal, e insertos no seu Archivo de 31 de agosto de 1882, que passo a ler, pedindo a v. exa. permissão para serem publicados junto ás palavras que estou proferindo.
Os officios a que acabo de referir-me são os seguintes:

«Illmo. e exmo. sr. - Tendo recebido um officio com data de 2 de junho, em que por ordem de v. exa. sou convidado a acompanhar os meus collegas na conferencia que vão ter com o exmo. sr. presidente do conselho de ministros a

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fim de exigirem os meios de que carecem para satisfazer as despezas que se têem creado, cumpre-me dizer a v. exa. que deixei de comparecer ás sessões municipaes, na firme resolução de me retirar da camara, aguardando para o fazer definitivamente quando ella discutisse o seu orçamento, a fim de comparecer, e fazer quaesquer declarações que entendesse convenientes, projecto que não executei, por não ter sido avisado como é costume, de que na ultima sessão a camara se ocupava de tão importante assumpto.
«Cumpre-me portanto participar a v. exa. que não possa acompanhar os meus antigos collegas, pela simples rasão de que não votei as despezas que dão origem á crise financeira do município, e porque foi sempre minha norma não votar emprestimos nem encargos de qualidade alguma, sem se adquirirem primeiro os meios de lhes fazer face, declarando sempre achar mais conveniente que sendo a camara obrigada a alargar a instrucção, e não tendo meios alguns para o fazer, devia tratar immediatamente de recorrer ao governo expondo-lhe a impossibilidade de cumprir a lei, e segundo os meios que este lhe conferisse, assim limitar ou desenvolver as suas despezas.
«Não tendo este meu alvitre merecido a approvação da camara, preferiu esta crear encargos, que a põe na contingencia de impor agora ao governo a obrigação de lhe dar os meios para as largas despezas que tem feito.
«Este systema com que nunca pude concordar será naturalmente o melhor: simplesmente digo que não o approvei nem approvo; e assim o tenho declarado em vereação e ainda ultimamente no parlamento em sessão de 18 de março ultimo, onde fui o primeiro a lembrar ao governo a necessidade de accudir á camara municipal com os meios necessarios, segundo as forças do thesouro, para a habilitarem a cumprir a lei.
«Esta divergencia de opiniões com que o município nada ganha, tem-me acarretado semsaborias, e o ser injustamente classificado de retrogrado e contrario á instrucção do povo.
«Hoje que a camara, como é muito natural, deve alcançar meios que lhe facultem o poder viver folgadamente mais algum tempo, eu, fazendo votos pela prosperidade do municipio, deixo de fazer parte da vereação, e de bom grado cedo a gloria que me poderia resultar acompanhando os meus collegas no caminho dos grandes melhoramentos, dando-me por compensado com a idéa de não partilhar de responsabilidade alguma, que no futuro se origine, quando porventura os governos não possam ser tão benevolentes.
«Rogo, pois, a v. exa. queira communicar aos meus collegas, que estas minhas declarações não significam menos consideração para com elles; são maneiras de ver: e a maior prova da minha sem rasão é a minoria em que sempre me tenho encontrado.
«Peço a v. exa., logo que as contas estejam para ser enviadas para o tribunal respectivo, que eu seja prevenido a fim de tomar a responsabilidade que n'ellas me competir, esperando de v. exa. a fineza de fazer com que este meu officio seja publicado na acta.
«Deus guarde a v. exa. Lisboa, 3 de junho (ao meio dia) de 1882. - Illmo. e exmo. sr. José Gregorio da Rosa Araujo, meritissimo presidente da camara municipal de Lisboa. = Dr. Joaquim José Alves.»
«Illmo. e exmo. sr. - Em 3 de junho ultimo dirigi a v. exa. um officio onde expunha que por motivos de discordancia sobre differentes pontos de administração municipal me retirava da camara, rogando a v. exa. assim o quizesse participar aos meus collegas, e pedindo ao mesmo tempo a publicação do mesmo officio no archivo municipal:
«Vejo, porém, que nenhum dos meus pedidos foi attendido por v. exa., é que estou figurando nas actas como faltando ás sessões, isto não obstante eu não assignar nem me serem enviados documentos alguns da camara, o que me leva a proceder por fórma a justificar que não falto aos meus deveres.
«Levado pelo exemplo da vereação, que deliberou resignar as suas cadeiras em determinadas circumstancias, entendi poder fazer o mesmo resignando o meu logar pelos motivos que expuz no officio a que v. exa. se dignou não dar andamento, talvez reconhecendo agora que a lei se oppõe tanto ao meu desejo como á deliberação da camara em se retirar; em tal caso eu legaliso o meu proceder com o documento que envio a v. exa., em que provo que o meu estado de saude não me permute continuar no exercício de vereador, onde tenho sustentado luctas, que não aproveitando ao município, unicamente me prejudicavam. De novo rogo a v. exa. queira dar publicidade no archivo municipal a este officio e ao que remetti em 3 de junho, para que se tornem publicos os motivos que me levaram a deixar a vereação, evitando erradas apreciações monos favoráveis para mim ou para a camara municipal.
«Deus guarde a v. exa. Lisboa, 20 de julho de 1882. - Illmo. e exmo. sr. José Gregorio da Rosa Araujo, meritissimo presidente da camara municipal de Lisboa. - Dr. Joaquim José Alves.»

Pela leitura d'estes documentos vê v. exa. e vê a camara as rasões que imperaram no meu animo para não continuar na gerencia dos negocios do município de Lisboa. Com elles respondo a quaesquer allusões que me possam ser dirigidas e que nunca poderão ser desfavoraveis, especialmente da parte do meu digno collega e amigo o sr. Pequito.
O sr. Pequito: - Pelo contrario.
O Orador: - São estas as explicações que me cumpre dar á camara, visto que fui chamado á autoria, e mesmo para não dar logar a erradas interpretações. Sr. presidente, tratando-se da reforma da administração do município de Lisboa, eu desejo que ella saia tão perfeita, que acabe no futuro com os grandes males, que se têem creado no presente, devendo se sem duvida parte d'esses males á facilidade com que foi aqui discutido o actual codigo administrativo, dispensando-se n'elle algumas disposições uteis, que se tivessem sido consignadas, custariam abusos, que desejei, mas que não consegui evitar.
Sr. presidente, entre varias considerações que fiz na sessão de 24 de janeiro de 1887, a proposito da discussão da reforma administrativa, propuz o crear se junto da vereação, uma commissão fiscal, isto em harmonia com o disposto no codigo que então governava, onde havia uma entidade, denominada vereador fiscal.
Apesar das minhas diligencias nada pude conseguir, porque o sr. Julio de Vilhena na qualidade de relator do projecto, respondeu - que conhecia que se concedem largas faculdades, que nunca se concederam em nenhuma das leis administrativas, mas que não offerece receios, porque o poder central não ficava desarmado da inspecção e fiscalisação das camaras municipaes.
Não me satisfez esta explicação porque eu já calculava pelos antecedentes o que deveria succeder.
Sr. presidente, eu que sei a importancia e o valor do cargo de vereador fiscal porque o exerci, como o exerceram muitos outros cavalheiros e entre elles o nosso collega o sr. Barros Gomes, posso affirmar que nenhuma resolução era valida sem ser ouvida aquella entidade, correndo os negocios por fórma, que todos os vereadores sabiam qual a responsabilidade que lhes competia.
Infelizmente provou se que o pensamento do sr. Julio de Vilhena não foi comprehendido, porque os governos, longe de exercerem como lhes cumpria a acção fiscal, têem sido tão benevolentes com a camara municipal de Lisboa, a ponto de consentirem que se ache compromettida no conceito publico.
Não faço accusações a ninguem, exponho apenas com verdade os factos; não reproduzo aqui as invectivas da imprensa de todas as cores políticas contra o lastimoso es-

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tado da administração municipal de Lisboa; mas lamento que o governo não tenha procurado conhecer do que ha de verdade sobre o que se diz e escreve a tal respeito, fazendo justiça direita. (Apoiados.)
Pois não sabem todos, não sabe o proprio sr. ministro do reino, o estado desgraçado a que chegou a camara municipal de Lisboa, que está empenhadissima, cheia de dividas, compromettendo-se de dia para dia com augmentos caprichosos de despezas inuteis, para acudir ás quaes só acha o meio recorrendo a successivos e onerosos emprestimos? Pois não se sabe que a desordem é tal que desde 1880 até bojo tem deixado do remetter-se, como marca a lei, as contas para o tribunal respectivo?
Isto é verdade, e como eu sabe e o meu collega n'esta casa o sr. Elias Garcia, que tanto estranhou este facto ao tomar posso do seu logar de vereador em principios de 1884.
E direi mais, e o sr. ministro do reino tambem não ignora, que as cousas com respeito a contas estão em tal estado, que não bastam para as verificar os dois contadores que a camara tem; é preciso o auxilio de mais dois empregados do tribunal de contas, encarregados não sei por quem, mas que são gratificados por alguem.
Ora isto prova, que tinha sido de grande utilidade o ter-se creado a entidade fiscal, e nesta parte o projecto que se discute propõe remedeiar este inconveniente.
Podia allongar-me em considerações sobre as causas que têem dado principalmente origem a este estado de cousas, mas desisto, porque alem do não ser esse o meu intuito, não posso remediar os males existentes.
Tratarei, pois, de analysar o projecto que ora está em discussão, embora tenha grande difficuldade em comprehender as vantagens quer immediatas, quer remotas que d'elle hão de resultar, quando convertido em lei.
Sr. presidente, eu creio, como muito bem disse o meu illustre collega o sr. Pequito, que approvado que seja este parecer sobre o projecto em discussão, hão de vir para o municipio mais encargos do que propriamente vantagens.
E se ha algum beneficio eu só conheço um, é procurar-se salvar não o municipio de Lisboa, mas os que se acham á testa da sua administração. (Apoiados.)
Não tenho pretensões a propheta, mas disse sempre que no caminho em que ia a camara, havíamos de chegar a este triste resultado; e tão triste, que ha muitos dias, e assim foi aqui dito e na imprensa asseverado, que a camara municipal se tem visto em gravíssimas difficuldades financeiras, a ponto de não ter podido pagar os ordenados aos seus empregados.
A esta situação deploravel é preciso acudir de prompto não com paliativos, mas com uma resolução energica.
Eu estou aqui perfeitamente desassombrado, nada me preoccupa senão o interesse e o bem geral do municipio: e sem pretensões a orador, porque sei que as não posso ter, apenas procuro como sei, dizer a verdade ao governo indicando lhe o caminho que eu seguiria se tivesse merecimentos para occupar o seu logar.
Sr. presidente, entre as differentes propostas que vou apresentar ha uma que reputo urgente, e da mais alta necessidade.
E não se pense que ficarei magoado se esta proposta como outras não tiverem bom exito: eu e muitos collegas estamos a isso habituados, e tudo soaremos com resignação. (Riso.)
Posso comtudo certificar que a discussão deste projecto, pela muita luz que póde dar, ha de trazer grandes vantagens ao município.
Eu entendo que a nomeação de uma commissao composta de homens imparciaes e independentes para investigar do estado do município, e apresentar as bases de uma reforma nos diversos serviços, seria de um grande alcance para nos desembaraçarmos de todas as difficuldades. Entendo ainda que a proposta n'este sentido é de tal importancia, que só por si póde evitar o cairmos num grande precipício. (Apoiados.)
Entendo ainda, para que o projecto possa dar resultados proficuos, que é preciso permittir-se que sobre elle haja larga discussão; e só algum resentimento podesse ter com o governo, seria o de trazer tão tarde ao parlamento uma medida, que devendo ser tratada com madureza, é, ao contrario, discutida com tal precipitação e arrebatamento, (Apoiados.) e pela hora incommoda que se escolheu, afugentou muitos deputados que com as suas luzes podiam esclarecer a discussão.
Pois será possível apreciar-se em tão pouco tempo um trabalho em que o governo gastou dezesete mezes para o apresentar, e as commissões quarenta e dois dias para o descutirem? (Apoiados.)
E depois não seria melhor ter-se apresentado o plano de uma reforma, que abrangesse a administração de todos os municípios do reino? Pois não se tem aqui já clamado por muitas vezes contra o arbítrio que existe em varias camaras municipaes?
Era assim que se devia praticar, e não virmos aqui perder um tempo inutil, para ficarem as cousas talvez peior do que estão actualmente.
Eu não digo que o governo não tenha accudido á camara municipal de Lisboa; mas como? E dando-lhe dinheiro que a salva? Isso, em vez de a libertar, aggrava-lhe mais o seu estado.
Olhe bem o sr. ministro do reino para a fórma por que marchámos; se não se adoptarem medidas rasgadas, a cidade póde achar-se em condições deplorabilissimas!
E não se pense que tenho nisso satisfação; ninguem que tenha amor aos interesses d'esta formosa e bella cidade, póde deixar de sentir profunda tristeza ao contemplar o estado anarchico que vae nos negocios municipaes. Eu quizera antes ter de confessar que me enganei, do que ver realisados os meus vaticínios.
Não se julgue tambem que estou armando á popularidade: não estou, porque não existe em mim a mais ligeira ambição de tornar a ser vereador. Fiquei tão saturado de tal cargo, que d'elle não conservo saudades, como saudades não levo da vida publica, porque da fórma como a política se tem complicado, e com a qual já ninguem se entende, tudo convida ao retrahimento, o que não significa, que mesmo na vida particular, não procure ser agradavel aos amigos verdadeiros e antigos.
Sr. presidente, é da maior urgência que se providenceie de modo a pôr-se um prego na roda das despezas inuteis, creando-se receita certa e segura para as que são de primeira necessidade.
É necessario que os que forem de novo chamados á gerir os negocios municipaes saibam os recursos com que contam para satisfazer os melhoramentos que a cidade reclama.
Com muito dinheiro, e alheio, não admira que se faça figura, se é que figura se tem feito: e direi á camara que tendo eu sido eleito pela primeira vez em 1869 vereador, pelo bairro oriental, tendo por presidente o sr. conde de Rio Maior, e dirigindo eu o pelouro de obras que apenas tinha no orçamento 27:000$000 réis, com uma tal verba se fizeram durante quatro ou cinco annos melhoramentos importantes n'aquelle bairro e em vários pontos da cidade, que todos têem tido occasião de verificar, qual era o estado antigo, e como presentemente se encontra. (Apoiados.)
E para isto, sr. presidente, assevero a v. exa. e á camara que nem se fizeram sacrifícios, nem se comprometteu o futuro do municipio.
Não digo isto porque queira chamar para mim a gloria desses melhoramentos: e póde haver alguma, quero-a para todos os meus collegas que me acompanharam votan-

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do-as, como para mim que as propuz e fiz executar. (Apoiados.)
Eu não pretendo com isto estigmatisar os melhoramentos que presentemente se tem feito; não sei se são muitos se são poucos; sei apenas que não são ainda aquelles de que a cidade primeiro carece.
Ha muito que fazer: ha o bairro de Alfaima, cujas ruas tortuosas e estreitas, onde o ar é viciado, e a luz difficilmente penetra, e cujas habitações são faltas das principaes condições hygienicas, por onde de preferencia se devia começar.
Estas minhas opiniões, que se acham exaradas nos archivos municipaes que tenho presentes, conservo-as ainda hoje, porque estou corto que é melhorando os bairros pobres que se consegue dar a Lisboa o grau de salubridade que reclama.
Que a camara municipal tem exorbitado é publico; confessa-o o relatorio que precede o parecer da commissão quando diz: - que é necessario cohibir as exorbitancias da corporação municipal. Mas o governo para as cohibir na tinha necessidade de fazer lei nova, tinha no codigo vigente os meios precisos para tal fim.
Escolha homens, que a par de intelligentes e capazes tenham decidido amor pela causa publica, torne-os seriamente responsaveis pelos seus actos, e uca resolvida questão.
Encarando agora a reforma do município de Lisboa cor respeito á nova área, direi, que ainda se não declarou nem vejo demonstrado no parecer da commissão, nem no primittivo projecto, quaes os encargos que resultam para o thesouro, da construcção da nova linha de circumvallação, e das que tem a fazer-se com o augmento de empregados fiscaes e de outros que forçosamente têem de ser creados para o desempenho dos serviços respectivos.
Eu creio que as despezas a realisar com estes serviço não é cousa que se faça com palavras; ha da sor enorme e a conclusão das obras ha de ser tão rapida, como muita que eu conheço; de fórma que emquanto isto se não der tem o thesouro perdido, graças ao contrabando auctorisado, uma grande parte da receita. (Apoiados.)
Pensa a illustre commissão, e pensam todos os que es tão de boa fé, que as povoações que vão entrar para dentro de Lisboa hão de conseguir todos os melhoramento que reclamarem? (Apoiados.)
Enganam-se perfeitamente, como illudidos estão os habitantes de taes povoações! Hão de pagar porque não têem outro remedio, mas similhantes melhoramentos tarde ou nunca lhe chegarão; e a rasão é bem simples.
Pois se os meios que ha actualmente não chegam par fazer face aos melhoramentos que todos os dias se reclamam, e que são urgentes fazer se no interior da cidade mais populosa, como hão de chegar embora haja o augmento de receita que se imagina, para fazer obras em povoações ruraes, que até hoje têem vivido quasi das vantagens que a natureza lhes prodigalisa?
Sr. presidente, eu entendo que é muito necessario e conveniente o saber-se, os encargos que trazem para o thesouro essas obras, e o limite do tempo em que se julga catarem concluidas.
E não se tome esta exigencia como inutilidade. Isto faz-se em toda a parte, tenho visto pareceres de commissões de varios parlamentos estrangeiros, aonde em casos similhantes, vem descripto e detalhado tudo minuciosamente para se saber não só as despezas que tem de votar-se, ma a origem das receitas que lhes hão de fazer face.
Não é só transportar os povos das aldeias para Lisboa para lhe dizer, paguem! (Apoiados.)
Mas a idéa de augmentar a área da cidade não é nova.
Foi em virtude do decreto de 11 de setembro de 1852 que o illustre estadista o sr. Fontos Pereira de Mello, então ministro, reuniu a Lisboa os concelhos dos Olivaes e Belem; mas passado algum tempo, conheceram-se os inconvenientes de tal medida, e as cousas voltaram ao seu primittivo estado. Pois por falta de uma reflexão aturada, não poderá agora acontecer outro tanto? (Apoiados.)
Não façamos d'isto um capricho, meditemos, pensemos bem no que se pretende fazer! (Muitos apoiados.)
Estudemos bem se a área que se projecta é ou não conveniente, e tanto isto é caso para duvidas que assim como o projecto primitivo soffreu neste ponto alterações profundas, póde ainda soffrer mais, para os que fundados na experiencia, tem rasões para dizer que não satisfaz.
Eu peço licença para notar isto ao sr. ministro, e parece-me que o posso fazer, desde que o assumpto não é considerado politico...
Uma voz: - Não é.
o Orador (continuando): - Pois bem, desde que assim. se considere, embora o não dissesse o sr. ministro, ficam todos sabendo, que pelo lado administrativo podemos discutir este parecer com verdadeiro desassombro.
O que eu concluo de todo o projecto é, que o que mais só procurou estudar, foi achar quem queira dar dinheiro para Lisboa. Suppõe-se que virá muito; eu penso que não vem o que imaginam. O tempo o dirá. (Apoiados.}
Continuando na discussão do parecer direi que não me conformo com a doutrina do artigo 3.° e seus paragraphos, porque vejo n'ella uma desigualdade no modo como são escolhidos quatro vereadores. Parece-me mais constitucional que sejam todos escolhidos pelos eleitores do novo municipio, e que os presidentes das commissões especiaes só possam assistir ás sessões da camara quando esta o julgar conveniente, tendo apenas voto consultivo.
Tudo o que não seja isto é um sophisma á lei eleitoral, e que na pratica ha de dar pessimos resultados.
Eu entendo que n'uma corporação de trinta e um membros, devem ser todos escolhidos do povo: e não se podem admittir vereadores privilegiados, sendo alem d'isso escolhidos por empregados pagos pelo municipio.
Concordo e acho que a commissão andou bom eliminando o artigo de projecto do governo para retribuir os vereadores.
Effectivamente não produzia muito bom effeito, que quando o municipio de Lisboa se acha empenhado, sem recursos, e cheio de dividas, se fosse chamar fóra novos contribuintes para os vereadores se locupletarem com um bom ordenado.
É verdade que a retribuição era apenas para seis, mas isso mesmo não era airoso, principalmente quando se pretende fazer ver que com a nova lei, as cousas vão mudar de rumo, que ha de haver boa administração, economia, e moralidade!
Ora se nenhum dos vereadores fica recebendo ordenado, como é que vinte e sete vão ser eleitos pelo povo para servirem gratuitamente, e quatro podem ser eleitos d'entre os empregados que vencem ordenado da camara?
Admittindo-se mesmo que a vereação deva ser retribuida, essa retribuição devia estender-se a todos os vereadores e não a meia duzia, por analogia do que acontece com o governo e o parlamento.
Em todo o caso melhor é assim, porque não estamos nadando em tanta riqueza, que possamos dar tantas largas aos cordões da bolsa municipal.
Não concordo com a redacção do § 2 ° do artigo 5.°, e proporei urna substituição: deixar á camara largos poderes para substituir os vogaes da commissão executiva, sem justificar os casos em que o deve fazer, parece-me um arbitrio demasiado, que se não póde admittir, n'uma epocha em que se pretendem tornar as nossas leis mais claras e liberaes.
Com referencia ao artigo 8.° tambem me parece conveniente que se modifique no sentido de dar-se mais publicidade aos actos da camara municipal.

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Sr. presidente, quando exercia o cargo de vereador, sustentei sempre, e póde dar testemunho o meu collega o sr. Elias Garcia, e consta das netas, a conveniencia de se tornarem bem publicas as actas das sessões camararias, pois que sendo apenas publicadas no Archivo municipal, pouco ou nada lido, o deviam ser nos jornaes mais lidos da capital, e isto para que todos conhecessem a fundo os actos da vereação.
Isto apresentou certas difficuldades por parte da camara, e apesar das tentativas empregadas, não sei pelo que, similhante idéa nunca se realisou.
Concordo portanto e acho do maior interesse para todos, que ou na folha official, ou em outro qualquer jornal mais lido, independente do Archivo municipal, se faça a publicação das actas da camara, depois do lançadas em livro especial e assignadas por todos os vereadores presentes.
Tambem, sr. presidente, não me posso conformar com a doutrina do § 3.° do artigo 9.º quando estabelece que nenhum cidadão poderá ser eleito vereador tres vezes successivamente.
Peço licença para dizer ao illustre relator, que esta doutrina é anti-liberal! Pois porventura póde alguem evitar que os eleitores exerção o seu direito votando em quem lhes aprouver? Pois um vereador que tenha sabido desempenhar o seu logar a contento dos que o elegeram, póde com um rasgo de penna ficar privado do direito do reconhecimento dos eleitores para com o seu procedimento? Imagina s. exa. que esta disposição mesmo que fique na lei se executa?
Que vantagens ha em crear conflictos entre o governo e os eleitores? Que se pozesse na lei uma disposição n'este sentido para aquelles em que se provasse terem sido prejudiciaes aos interesses da cidade, d'accordo; mas confundir o bom com o mau, não posso admittir. (Apoiados.)
Parece me pois justa a eliminação do § 3.°
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora; nesse caso peço a v. exa. me reserve a palavra para amanha.
Vozes: - Muito bem muito bem.

Discurso do sr. deputado Joaquim José Alves, proferido na sessão nocturna de 10 de junho, e devia ler-se a pag. 2213, col. 2.º, continuado de pag. 2194.

O sr. Joaquim José Alves: - Continuando no uso da palavra, eu procurarei ser muito breve nas considerações que a escassez do tempo não permittiu que apresentasse hontem.
Não se combina com o meu modo de pensar o disposto no § 1.° do artigo 9.°, com respeito á renovação da metade dos vereadores de dói* em dois annos.
Acho mais racional e mais confirme com as boas doutrinas constitucionaes, que a eleição dos vereadores tenha para todos igual duração, reduzindo se o tempo da sessão a tres annos em vez de quatro.
A experiencia já sobejamente tem demonstrado que nenhuma vantagem ha em similhante renovação.
Não só não vejo utilidade pelo lado da conveniencia que se tem dito haver em ficarem vereadores antigos para encaminhar os modernos, nem mesmo pelo lado da sorte, em que nem sempre confio, porque é ella ás vezes tão traiçoeira, que póde dar resultados exquisitos. E depois, de que tem servido até hoje a exclusão da metade da vereação pelo sorteio, se esses vereadores se fazem reeleger?
Também pelo lado da conveniencia de ensinarem os que ficam o caminho aos que entram, não colhe, porque póde dar-se o contrario, o que não é caso novo, os que entrarem de novo ensinarem aos que ficam systemas da administração aperfeiçoados, que até ali ignoravam.
Alem de que o systema da eleição triennal combina perfeitamente com o que na reforma da constituição do estado ultimamente votou com relação ás eleições para deputados.
Emfim é uma opinião que traduzirei em proposta, que a illustre commissão tomará na consideração que julgar conveniente.
Com referencia ao § 3.º do mesmo artigo, eu já disse hontem, e de novo repito, que deve ser eliminado, porque AO traz vantagens, e póde dar a entender que ao espirito a commissão ou do seu relator presidiram, o que não é crivel, sentimentos menos liberaes.
Sobre o artigo 10.º, peço licença para fazer ligeiras reflexões com respeito a alguns dos respectivos numeros, e citarei o n.º 5.º que desejo fique tão claro que não possa suscitar duvidas na sua execução.
Sr. presidente, acho muito justo que se criem estabelecimentos de beneficencia, educação, instrucção, hygiene, etc., mas parece-me muito conveniente especificar-se na lei que estes beneficios que o municipio apresenta, só devem ser destinados para a gente muito pobre; e eu, sr. presidente, fallo assim porque creio que não erro, se disser que se está ministrando instrucção e beneficencia a alguns não necessitados, com prejuizo de muitos que são absolutamente pobres.
Quem tem meios e se quer instruir que pague; quem é pobre é justo que se instrua á custa dos beneficios que lhe proporciona a cidade: sendo evidente que o municipio só poderá alargar os respectivos estabelecimentos, quando se proporcione a receita, que pelos meios legaes lhe cumpre alcançar.
Que o municipio faça sacrificios para obter os precisos cios de promover a educação e instrucção do povo, percebe-se; mas é necessario que não se abuse d'esses meios, que se destinem a uma instrucção e educação solidas, só a necessaria, sem luxo, e sobretudo que n'ella sejam unicamente comprehendidas as classes pobres.
E este defeito que se dá nos municipios, dá se infelizmente tambem em alguns estabelecimentos publicos, de fórma que são justamente os mais necessitados que ficam de fóra, emquanto que o não são, gosam por circumstancias extraordinarias, de taes beneficios.
É por este motivo que- eu desejava que os artigos ficassem bem explicites, para que cada um saiba o que tem a cumprir, e não haja os clamores que por vezes a tal respeito se tem feito ouvir.
Com referencia ao n.° 11.° do artigo 10.°, tambem proponho uma alteração que julgo muito conveniente para o regular andamento dos negócios municipaes; e as rasões em que me fundo têem a sua origem no que por muitas vezes observei, pondo a camara em graves dififculdades a concessão de licenças para o estabelecimento de caminhos de ferro americanos na area do municipio.
Sr. presidente, eu devo declarar á camara que nenhuma responsabilidade tenho no modo como se permittiu o assentamento d'estas linhas nas das de Lisboa, porque em 1873, quando isto se deu, me achava eu no estrangeiro em viagem de instrucção; do contrario não seria com o meu vota que a concessão se faria como se fez.
De então para cá uma infinidade de requerentes tem apparecido para estabelecer novas linhas, não podendo a amara decidir-se sobre a prioridade, tal era o estado de confusão em que similhante assumpto se achava.
N'esta alluvião de propostas todas tendentes ao estabelecimento de linhas ferreas nas ruas de Lisboa, succedeu que a camara por mais que quizesse não poude desembaraçar-se promptamente dos pretendentes. Ora para que se ao repitam esses casos só vejo um meio, o concurso; tudo que não seja isto dá logar a queixumes contra os que têem de julgar assumptos, lançando sem necessidade o descredito n'uma corporação que deve, primeiro que tudo, ser justa e imparcial.

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Eu creio que n'uma epocha era que os concursos se abrem para cousas insignificantes, e algumas até ridiculas, não deve a camara municipal ser exceptuada. De outra fórma poderão dar-se controversias que se podem achar resolução no recurso para um tribunal especial, e que me parece se pode bem evitar.
Ainda ao n.° 14.° do mesmo artigo que trata de «crear empregos, dotal-os ou supprimil-os», eu faço algumas considerações em favor dos interesses do municipio, e para semilhante assumpto requeiro todo o cuidado e toda a prudencia.
Nas circunstancias difficeis em que se encontra o municipio, creio que ha uma grande vantagem em fazer com que os serviços se façam, não com um pessoal mesquinho e mal retribuido, mas com o estrictamente necessario, e não em superabundancia tal que ponha de futuro em risco as finanças municipaes.
Sr. presidente, a faculdade de cada vereador crear empregos á vontade, sem haver meios para os retribuir, só se traduz por um capricho desordenado; e eu quero saber, não se tendo posto cobro a estas exorbitâncias, como mui bem lhe chama o sr. Fuschini no relatório que precede o projecto, eu quero saber, repito, como se ha de haver a camara que succeder á actual?
Eu não invento; é a imprensa que sobre isto faz accusações serias e graves, que deviam levar o governo a proceder com energia contra os desmandos de quem quer que seja. É pois para acabar com estos abusos, porque hão de continuar conforme se acha redigido o projecto, que eu apresento modificação ao n.° 14.° do artigo 10.°
Tambem não posso deixar passar desapercebido o n.° 15.° do mesmo artigo 10.° quando se refere á nomeação dos empregados - nos termos das leis em vigor!
Eu sei perfeitamente o que são as leis em vigor, o que devem valer, e o que infelizmente valem! As leis valem quando se quer, e quando não se quer não valem nada. É o arbitrio quem governa. (Apoiados.)
Parece-me pois melhor que esta disposição seja concebida em termos um pouco mais claros, isto é, que as nomeações se façam, precedendo concurso publico, nos termos das leis em vigor.
Com magua, e mesmo com espanto, tenho visto que a camara municipal é exceptuada, não sei por que arte, de prover os logares por concurso publico, que longe de lhe tolher as attribuições a collocaria numa situação mais desaffogada; porque o concurso feito nos termos em que deve ser, tira toda a idéa do favoritismo, e dá todas as garantias ao municipio de ficar com empregados, que possuam, alem das habilitações necessárias, as qualidades moraes, exigidas para bem desempenharem os serviços que lhes forem confiados.
Todos sabem que o magistério deve ser exercido por homens e mulheres, que a par de uma intelligencia e saber profundos, reunam certos dotes moraes, para que ás creanças não seja transmittida uma educação cheia de defeitos.
E não se diga que exagero, porque por muitas occasiões e em diversos logares, temos observado a influencia benefica que têem no ensino das creanças os mestres quando são honestos e instruidos, assim como a influencia nefasta quando cheios de vicios os transmittem ás creanças.
É para isto que entendo devem convergir todos os nossos cuidados, empenhando-nos na escolha rigorosa dos que têem de ensinar aquelles que na idade tenra recebem proraptamente as impressões do bom e do mau.
Ficando pois o n.° 15.° do artigo 10.° nos termos em que acabo de indicar, evitara-se grandes inconvenientes em todos os serviços.
Sr. presidente, nunca fui contrario á instrucção; quero-a, mas dentro dos limites da lei; instrucção primaria para a classe pobre, que não carece de ser luxuosa a ponto de concorrer para a ruina do municipio.
Pelo que respeita ao artigo 13.º direi simplesmente que não concordo com a creação do logar de fiscal ao estado, pelos motivos que tenciono apresentar, quando só tratar d'este novo cargo; julgo que um fiscal ou commissão fiscal, nomeados de entre os membros da camara, é sufficiente para recorrer das deliberações da mesma.
Sobre o artigo 11.° pouco tenho a dizer; apenas para , que fique mais conciso eu desejaria que se preceituasse, que as actas tendo de lavrar-se em livro especial sejam da mesma fórma assignadas pelos vogaes presentes às respectivas sessões, e isto porque se os vereadores têem responsabilidade, não menos a deve ter a commissão executiva.
Julgo portanto necessario, para evitar duvidas, que as actas sejam sobretudo muito claras, e que os vogaes da commissão executiva as assignem, salvaguardando a sua responsabilidade.
Ainda sobre o § unico do artigo 20.° farei uma ligeira observação.
Não acho justo que a commissão executiva fique com attribuições que só devam pertencer á camara; porquanto, excluido do § unico d'este artigo o n.° 15.º, fica o direito á commissão executiva de nomear empregados da administração municipal, o que está em contradicção com o n.° 14.° que só confere esse direito á camara.
Só por lapso, creio eu, é que o n.° 15.° deixou de ser comprehendido com os demais no § unico d'este artigo 20.°
Com isto não quero dizer que a commissão executiva, por caso de força maior, não possa provisoriamente nomear qualquer empregado para serviços urgentes e extraordinarios; mas n'este caso ponha-se-lhe a clausula de dar depois conta do seu procedimento ao corpo municipal.
Resta-me para concluir o titulo II que está em discussão analysar a doutrina do artigo 23.°, ao que me proponho acrescentar um paragrapho.
Esta doutrina, que não existia em código algum, acha-se mencionada no codigo de 1878 actualmente em vigor, onde se resalvam as responsabilidades dos vereadores que em acto continuo ás deliberações da camara, tenham votado contra ou protestado.
Lembro-me porém de que eu, quando não me conformando com muitas das resoluções camararias, e servindo-me das disposições do § unico do artigo 145.° do actual codigo, como se pode ver das actas, onde existem bastantes votos contrarios e protestos meus, ouvia dizer com certo desassombro a alguns dos meus collegas da vereação, que de nada me serviam taes declarações ou protestos, porque a responsabilidade era solidaria, apesar de tudo, e que embora votasse contra, a tinha de igual fórma.
Nunca pude acreditar, nem creio que isto deva ser assim, pois seria um absurdo fixarem-se na lei disposições, para não terem o valor, que ellas indicam.
Pois um vereador, ou vogal de qualquer corpo administrativo, que por motivo, legalmente comprovado não pode comparecer á sessão, e por consequencia não teve parte nas deliberações que nessa sessão se tomaram, ha de ser incluido na responsabilidade, sujeito a qualquer processo que porventura os tribunaes tenham de intentar contra a camara?!
Parece me isto um acto violento e despotico.
Pois quem vota contra, quem protesta por todos os modos contra actos, com que não se conforma, pode ter responsabilidade n'elles? (Apoiados.)
Mas emfim, como tudo é possivel n'este paiz, eu procurarei, e julgo cumprir uma obrigação, diligenciar que o artigo fique redigido nos termos os mais claros.
Eu bem sei, que a muitos pouco lhes importa as responsabilidades: não pensam n'ellas, nem crêem que possam exigir-se-lhes!
É levar muito longe a descrença!
Pois a responsabilidade nos vereadores existe, e bem seria!

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O que é, é que ninguem lh'as pede! (Apoiados.)
Olham muitos para isto com a maior indifferença, pois não fazem bem!
Se se pensasse bem na responsabilidade em que incorrem os que exercem cargos administrativos, talvez muitos se recusassem acceitar taes cargos, ou mesmo não se incommodassem em promoverem a sua eleição; pois os que não sabem, devem sabel-o, para ver as difficuldades em que vão metter-se, ou emfim fazendo gosto em acceitar esses encargos para irem dispostos a exercel-os com seriedade, zêlo e independencia.
Sr. presidente, a responsabilidade dos vereadores vae tão longe, que se no ajuste de contas se verifica que uma camara defraudou o municipio, a quantia total d'esse desfalque, pequeno ou grande, é dividida por todos os membros de tal vereação; e quando estes não paguem, por não terem por onde, ou porque tenham morrido, vae o tribunal havel-a ás familias respectivas.
Isto é exacto, e melhor do que eu o sabe o sr. ministro do reino, digno membro do tribunal de contas e que me está ouvindo.
Tem havido exemplos, e de um me lembro eu, não podendo determinar o anno, mas com certeza ha mais de quinze, dado com uma vereação de Lisboa em que foram condemnados os seus membros ao pagamento de quantias não pequenas!
E eu mesmo teria já experimentado os effeitos de responsabilidades municipaes, se não se provasse que nenhuma rasão havia para tal.
Entretanto eu e os meus collegas da vereação não deixámos, ainda no anno passado, de ser intimados em nossas casas, para entrar cada um no tribunal com quantia avultada, e isto unicamente por não ter sido remettido para o mesmo tribunal o documento que comprovasse que os empregados da camara municipal tinham pago os impostos, que pela lei de 1870 foram lançados aos funccionarios publicos em geral.
Por fortuna esses documentos appareceram, e a questão morreu com a sua remessa para o tribunal; aliás teriamos de pagar, ou não pagando soffreriamos algum vexame.
Entendo portanto que, para collocar os vereadores e os vogaes de todos os corpos administrativos ao abrigo de graves responsabilidades que lhes possam caber, se torna necessario dar a este artigo toda a clareza; e para este fim mandarei para a mesa o respectivo addicionamento.
Sr. presidente, poucas considerações mais tenho a fazer, e preciso terminar, não só para não cansar a attenção da camara, mas porque não desejo que por fórma alguma se supponha, que quero embaraçar ou demorar a discussão deste projecto.
Não é o meu intuito, nem o podia ser, porque sou um dos que tenho condemnado este systema, que por vezes aqui apparece: e nem mesmo posso perceber as vantagens de demorar esta discussão, porque o projecto embora se conheça que não satisfaz, e que longe de trazer vantagens dará prejuizos, quer se queira quer se não queira, ha de passar por força, já porque a opposição não combate, já porque o sr. ministro quer; e todos aqui temos observado que os srs. ministros podem quando querem!
Por consequencia eu, se me tenho demorado mais do que devia, é porque desejo esclarecer-me, e ver se comsigo que de uma discussão larga e minuciosa esta lei saia tão perfeita, como devem sair todas as que vem ao seio da representação nacional.
Eu não posso ter a vaidade nem a pretensão de esclarecer ninguém; o que quero é que se discuta para ver se os que mais sabem, melhor me esclarecem, e embora eu tenha pouca fé no resultado desta reforma, tendo ella de constituir-se em lei, parece-me que será uma falta gravissima da parte de todos os que podendo concorrer para o seu aperfeiçoamento o não fizerem.
Eu sei bem que se póde dizer, que sobre um trabalho importantissimo, e que tanto deve honrar o seu auctor, pouco ha a. fazer, porque de tudo se cuidou: mas eu pedirei licença para responder, que não ha trabalho por mais perfeito que se considere, que não possa soffrer alteração, e a prova está em que o projecto primitivo, que, embora se diga do governo, passa em muita parte como tendo sido seu principal auctor o mesmo que é hoje relator do parecer, soffreu. modificações tão profundas, que bem prova que na organisação das leis, ainda feitas pelos mais sábios, não podem admittir-se infallibilidades.
Mas ainda mesmo admittindo como verdadeiro este principio, nunca se perde com a discussão, porque nella se revelam idéas filhas de longa pratica, mostrando que ellas devem prevalecer às que são dictadas pelas theorias da intelligencia, ainda a mais elevada.
Todo o defeito que este trabalho possa apresentar é de origem, e por isso não confio nos resultados de uma reforma que em nada se parece já com a primitiva.
Eu creio que se teria andado cautelosamente, se este trabalho tivesse sido maduramente estudado, confiando-se o seu estudo a um conjuncto de homens, embora de differentes cores politicas, que aluassem a uma vasta illustração uma pratica aturada dos negocios, que prendem com a administração do municipio de Lisboa.
A reunião d'estes elementos produziria sem duvida obra mais completa e perfeita. (Apoiados.)
Do contrario ha de acontecer o que já tem acontecido muitas vezes, legislar-se só para o papel, por isso que quando só chega ao momento da pratica mostra se que taes leis são inexequiveis. (Apoiados.)
Eu quereria que desde muito o governo tivesse pensado nos assumptos municipaes com toda a circumspecção; que investigasse a origem dos males, e procurasse remedial-os por outra fórma, porque por esta nada conseguirá.
Que não se deixasse embalar, levando-se por exigencias loucas, originando exorbitancias que hão de trazer resultados funestos! E quando fallo em exorbitancias, sirvo-me das palavras do illustre relator, o sr. Fuschini, quando no parecer diz que «acatando-se o principio da descentralisação administrativa, julgou necessario todavia estabelecer-se restricções tendentes a cohibir as exorbitancias da corporação municipal».
E de feito esta asserção mostra que s. exa. conhece bem as taes exorbitancias, a ponto de as ter já denunciado aqui no parlamento, e porque as conhece deseja evital-as. N'este ponto estou completamente de accordo com o sr. Fuschini.
Mas uma vez que é a própria commissão que confessa que existe exorbitancias no corpo municipal, porque é que o governo, que está de accordo com a commissão e com o seu relator, não tem tratado de cohibil-as? Pois a corporação municipal tem alguns privilegios? Pois este paiz será inferior em actos de moralidade aos outros? Pois não temos nós os exemplos que ha dois annos nos deu o Brazil, e ainda ultimamente a Hespanha, tambem por causa de exorbitancias municipaes? Pensa o governo que com esta reforma se hão de cohibir os abusos passados, e pensará alguém que ella salvará o municipio?
Eu não vivo de illusões, conheço de sobejo o que se tem praticado, e o que ainda se tenta fazer, e por isso digo que se illudem os que pensam que vae regenerar-se o municipio de Lisboa. (Apoiados.}
Era preciso ter-se evitado que o estado de desordem e de anarchia não tomasse tão largas proporções, preparando-se então ao mesmo tempo uma reforma nascida de uma combinação bem determinada, que podesse dar resultados proficuos no futuro. (Apoiados.)
Eu bem vejo que este projecto traz muitos artigos de guerra, mas eu peço licença para dizer que não creio no resultado d'elles: porque no actual codigo administrativo ha alguns d'esses artigos de guerra, e não consta que até

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SESSÃO DE 30 DE JUNHO DE 1885 2709

ao presente tivessem applicações, apesar de ter havido rasões de sobejo para isso. (Apoiados.)
Quem, pois, se quizer deixar illudir, que o faça: não serei eu por certo.
São estas, sr. presidente, as principaes considerações que tenho a fazer com respeito ao titulo que está em discussão: poderia ainda alongar-me mais, porque a materia é vasta e dá campo para muito. Como, porém, espero ter occasião de fallar sobre os títulos que se seguem, direi a proposito de cada um o que se me offerecer sobre os diversos artigos de que se compõem, pedindo n'este momento desculpa a v. exa. e á camara de lhe tomar mais tempo do que eu desejava. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Mando, pois, para a mesa dez propostas, que passo a ler.
(Leu.)

Redactor. = S. Rego.

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