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N.º 22. SESSÃO DE 30 DE JUNHO. 1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 82 Srs. deputados.

Abertura: — A meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

CORRESPONDÊNCIA.

Declarações: — 1.ª Do sr. Casado, — de que o sr. Northon, por justo impedimento, não podia, assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

2.ª Do sr. Aristides — de que o sr. Frederico Guilherme da Silva Pereira, não comparece á sessão de hoje por motivos legitimos, — Inteirada.

3.ª Do sr. Pinto de Almeida — de que o sr. Torcato Maximo não póde comparecer á sessão de hoje por justo motivo. — Inteirada.

4.ª Do sr. Santos Monteiro — de que o sr. Saraiva de Carvalho não póde comparecer a sessão de hoje por justo motivo. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Costa e Silva, participando que por justo impedimento não póde comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Do sr. Luz Pitta, expondo a urgente necessidade que tem de regressar á Madeira, e pedindo para isso ser dispensado de assistir ás sessões que restam. — Foi concedida a licença pedida.

3.º Do ministerio do reino, acompanhando o seguinte.

Decreto: — Usando da faculdade que Me confere a carta constitucional da monarchia no artigo […], § 4.º, depois de Ter ouvido o conselho de estado, nos termos do artigo 110 da mesma carta: Hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza até no dia 20 do proximo mez de julho. O presidente da camara dos srs. deputados da nação portugueza assim o tenha intendido para os effeitos convenientes. Paço das Necessidades em 30 de junho do 1853. = RAINHA. — Rodrigo da Fonseca Magalhães.

A rumara ficou inteirada.

4.º Do Ministerio da guerra, acompanhando uma proposta para ser o governo auctorisado a vender a dinheiro, o pelo modo que julgar mais conveniente, o edificio de S. João Novo, onde se acha estabelecido o hospital militar permanente da cidade do Porto. — A commissão de guerra, ouvida a de fazenda. Deu-se pela mesa destino ao seguinte, Officio: — Do ministerio das obras publicas, dando as informações que lhe foram pedidas sobre ri exportação da casca de sobre e outras, que se empregam nos cortumes, satisfazendo assim no que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de commercio e artes.

Representações: _ 1.ª Da camara municipal da Ponte da Barca, pedindo que o conceda um gráo académico nos alumnos da escóla medico-cirurgica do Porto — Á commissão de instrucção publica

2.ª Da misericordia do Constança, pedindo que os legados pios não cumpridos, que julgam algumas confrarias, irmandades, capellas e morgado, revertam para a mesma santa casa, para auxilio das despezas do seu hospital. — A commissão especial de legados pios.

3.ª De alguns cidadãos residentes na freguezia do Porto da Cruz, na ilha da Madeira, pedindo ser dispensados das rendas que devem dos annos de 1848 a 1852, e ser isentos da continuação, ficando livro, aos supplicantes as agoas da sua levada, como são as da levada do Castelejo na dicta freguezia do Porto da Cruz, com a unica obrigação delles fazerem annualmente á sua custa os reparos precisos na levadas e a pagarem ao levadeiro, o ao administrador della. A commissão de fazenda.

4.ª Dos negociantes e proprietarios do campo de Villa Nova d'Anços, no concelho do Soure, pedindo uma medida pela qual se mando proceder aos reparos das quebradas que tem o rio, que corre ao largo daquelle campo. — Á commissão das obras publicas.

Requerimento: — Requeiro que pelo ministerio das obras publicas sejam remettidos á camara com urgencia todas as informações officiaes que naquelle ministerio existirem, a respeito das residencias, profissões, e solvabilidade de cada um dos suppostos accionistas do caminho de ferro de leste, designados na relação nominal, que a requerimento meu foi pelo governo enviada á camara, e por ordem desta impressa no Diario do Governo. Foi remettido ao governo.

Parecer: — Da commissão de guerra, que auctorisa a melhorar a reforma do capitão addido ao 1.º batalhão de veteranos, Cribonio José Ferreira. Mandou-se imprimir.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, vendo no extracto da sessão de 27 do corrente, publicado no Diario do Governo de terça feira, que no requerimento que fiz, pedindo esclarecimentos da importancia dos direitos remettidos na alfandega grande de Lisboa, pelo despacho de quaesquer drogas, maiorias primas e machinas ou utensilios, destinados á fabrica de lanificios do Portalegre, se lê — recebidos — em logar de — remettidos — o que importa uma idéa opposta; por isso desejo saber, se o meu requerimento foi expedido para a secretaria como elle estava concebido, ou com o erro que se ]è no Diario.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — O requerimento foi expedido como estava concebido; e se apparece esse erro no Diario, é, ou da cópia que tiraram os tachygrafos, ou da imprensa.

O sr. Santos Monteiro — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Placido de Abreu. — Mando para a mesa um parecer da commisão de guerra, e tres da commissão das obras publicas.

O sr. Palmeirim — Mando para a mesa um requerimento da commissão de fazenda, pedindo esclarecimentos ao governo.

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O sr. Presidente: — Tanto este; como os pareceres que tem sido mandados para a mesa, ficam reservados para terem amanhã o competente destino: agora, visto que já deu uma hora, vai entrar-se na ordem do dia.

O sr. Avila (Sobre a ordem): — Sr. presidente, um illustre deputado na ultima sessão mandou para a mesa um requerimento, que disse ser em nome da illustre commissão de fazenda, para se nomear uma commissão do inquerito, que examinasse a liquidação feita em favor da companhia das obras publicas..Este requerimento e serio, e não um meio de argumentação que se quiz empregar, visto partir da illustre commissão de fazenda. (Uma voz: — Não foi pela commissão; foi apresentado por alguns membros da commissão). Tem menos importancia então, mas tem sempre muita importancia. Esse requerimento representa a opinião de alguns cavalheiros que são membros da commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Permitta-me o illustre deputado, a hora de se entrar na ordem do dia já deu.

O Orador: — Requeiro a v. ex.ª se não julga das suas attribuições resolver este requerimento, que consulte a camara, se em logar de se entrar na ordem do dia, se entre na discussão deste requerimento, porque attenta a urgencia delle, e tendo-se feito graves imputações a algumas administrações, torna-se necessaria a commissão de inquerito.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara. O sr. Avila requer que, em logar de se entrar na ordem do dia, se discuta o requerimento mandado para a mesa na sessão passada pelo sr. Cazal Ribeiro, para se nomear uma commissão de inquerito, que reveja as comas da antiga companhia das obras publicas: proponho isto á votação.

Decidiu-se affirmativamente — E em seguida foi admittido o requerimento.

O sr. Avila: — A camara não espera que eu combata o requerimento: o que sinto é que os illustres deputados o trouxessem á camara ião tarde; porque me parece uma inutilidade vir pedir a nomeação de uma commissão, que já não póde funccionar, excepto se a camara resolver o que eu julgo que ella não póde fazer: que a commissão de inquerito funccione no intervallo das sessões, ou que se nomeiem para ella membros desta camara, que estejam successivamente em Lisboa, porque este exame não se póde fazer senão em Lisboa. — Sinto que os illustres deputados trouxessem este requerimento tão tarde, e não acho senão um meio para remediar este inconveniente, que espero que a camara approve — é o de resolver que esta commissão seja composta de 3 membros, e estes sejam os signatarios do requerimento. — (Apoiados) Não ha razão nenhuma para que estes illustres cavalheiros, que reputam necessario esse exame, não sejam elles que o façam: tanta auctoridade tem qualquer dos membros da camara, para o fazer, como os illustres deputados (Apoiados).

A camara não levará a mal que eu, membro da administração que fez essa liquidação, membro da administração que practicou esse acto que se quer examinar, faça brevissimas observações sobre os motivos por que o illustre deputado decimou ter mandado o requerimento para a mesa. O illustre deputado disse, que não tinha opinião formada sobre a legalidade ou illegalidade desta liquidação; mas que é sabido que a direcção do fundo de amortisação duvidou acceitar essa liquidação, e que daqui resultaram graves inconvenientes: que é igualmente sabido que o procurador geral da corôa impugnou algumas verbas dessa liquidação, e principalmente a dos 500 contos concedidos pela cessão da estrada de Lisboa ao Porto á companhia das obras publicas: e que finalmente o inspector geral das obras publicas combateu algumas dessas verbas, por achar exaggerados os preços de alguns dos artigos. Eu sinto que o illustre deputado tivesse declarado que não tinha a sua opinião formada sobre a legalidade ou illegalidade desta liquidação, e viesse asseverar tres factos, que são todos completamente inexactos.

Primeiramente a direcção do fundo de amortisação nunca entrou no merito da liquidação: alguns membros da direcção do fundo de amortisação intenderam, que havia verbas de despeza na liquidação a favor da companhia das obras publicas, que não deviam ser pagas pelo fundo de amortisação: isto é uma questão diversa.

O sr. Cazal Ribeiro — Foi isso o que eu disso.

O Orador: — Eu não torno o illustre deputado responsavel pelo extracto que vem no Diario do Governo, porque eu sei que n'uma discussão destas é muito facil interpretar-se mal a opinião dos deputados: acceito e agradeço a rectificação do nobre deputado. Por consequencia fique a camara sabendo que o illustre deputado não disse o que se lhe refere; não disse, que a direcção do fundo de amortisação contestou a legalidade de algumas verbas da direcção: a direcção do fundo de amortisação o que intendeu, foi que algumas dessas verbas não deviam ser pagas pelo fundo de amortisação. Estimarei que o extracto do Diario seja igualmente inexacto nas outras duas proposições que referiu ao illustre deputado.

Diz o extracto: = Que o procurador geral da corôa tambem impugnou algumas das verbas desta liquidação, e designadamente a dos 500 contos, dados á companhia da estrada do Lisboa ao Porto pela cessão da mesma estrada. Isto tambem não é exacto. O procurador geral da corôa não combateu verba nenhuma dessa liquidação, porque nem se lhe deu vista della. O que fez o sr. duque de Saldanha, presidente do conselho de ministros em 1848, foi mandar responder o procurador geral da corôa sobre a legalidade dos contractos celebrados com a companhia das obras publicas. Isto é questão diversa — os contractos podiam estar illegalmente feitos, e entretanto ter-se feito a despeza que pedia. O que o procurador geral da corôa negou, foi que o contracto da cessão feito pela companhia Lombré, da estrada de Lisboa ao Porto, cessão que foi comprada pelo governo por 500 contos, estivesse nas faculdades concedidas ao governo. O procurador geral da corôa intendeu que o governo não tinha auctoridade para fazer esse contracto, nem que nas auctorisações concedidas pela carta de lei de 19 de abril de 1845 entrava essa faculdade.

Se o nobre deputado tivesse examinado, como creio que examinou os documentos respectivos, havia de achar mais alguem da opinião do procurador geral da corôa; mas a verdade é, que o procurador geral da corôa não combateu a legalidade de uma ou outra verba de liquidação de que se tracta, porque ao procurador geral da corôa, torno a dizer, nem se deu conhecimento dessa liquidação.

Tambem não é exacto, que o inspector geral das obras publicas impugnasse algumas das verbas, por

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que a liquidação foi feita, toda de accordo com elle, e devo dizer mais — não ha nenhum negocio que em Portugal tenha sido tractado com tanto escrupulo, e vontade de acertar, como foi este.

O primeiro ministerio que tractou de esclarecer esta questão, foi o ministerio de 1048, presidido pelo sr. duque de Saldanha. Esse ministerio julgou dever nomear uma commissão para liquidar a conta da companhia, o fez a honra de nomear-me presidente dessa commissão, e vogaes os srs. J. Joaquim Lobo, Pedrozo de Almeida, Cordeiro Feio, e um dos mais honrados negociantes desta praça o sr. Manuel Gonçalves Ferreira. O decreto de nomeação desta commissão, que é de 9 de maio de 1848, ordenou que a commissão tomasse por base para os seus trabalhos os relatorios de tres commissões de engenheiros, que o governo nomeou nesse mesmo dia (um desses engenheiros tenho o prazer de ver aqui, é o sr. Placido) para examinarem os trabalhos feitos pela companhia nos proprios logares, e além destes relatorios, o relatorio do inspector geral das obras publicas a este respeito. A commissão assim o fez. Os engenheiros fizeram o seu exame com todo o escrupulo, com todo o desejo de acertar. O inspector geral das obras publicas intendendo que tinham sido devidamente severos, alargou algumas das avaliações feitas por elles; mas a commissão o que fez? Tomou por base os trabalhos dos engenheiros, porque, disse a commissão — isto é uma commissão de facto, e os engenheiros que foram estudar as obras nas proprias localidades onde foram feitas, estão mais habilitados para interpor a sua opinião sobre ellas do que o inspector geral das obras publicas que as não viu, por muita importancia que tenha para a commissão a auctoridade deste alto funccionario. A commissão unicamente juntou algumas verbas que tinham sido omittidas pelos engenheiros, porque não lhe tinham sido presentes os documentos que depois o foram á commissão.

Depois deste trabalho feito pela commissão, que, torno a dizer, foi baseado no exame feito pelos engenheiros e no parecer do inspector geral das obras publicas, que fez o ministerio do qual já eu fazia parte? Mandou a liquidação á secção administrativa do conselho de estado que era presidido pelo sr. duque de Palmella, e de que era membro o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que sinto não ver aqui. Nessa secção discutiu-se largamente a liquidação, e houve uma opinião unanime a este respeito, e fez a secção a sua consulta; porém que fez ainda o ministerio? O ministerio apesar disto concedeu á companhia muito menos do que a secção administrativa do conselho de estado intendeu que se devia conceder; e o resultado foi, que a companhia das obras publicas veiu reclamar contra a liquidação do governo, assim como os emprezarios da estrada de Lisboa ao Porto, e os das estradas do Minho. Que fez o governo nestas circumstancias? Ordenou aos emprezarios das estradas do Minho que juntassem todos os documentos necessarios para justificar o seu direito, reuniu as reclamações todas e mandou-as ao inspector geral das obras publicas para que as examinasse e desse sobre ellas a sua opinião, ouvidos os engenheiros, que já tinham examinado as obras, e depois de ter recebido todas estas respostas e informações, mandou outra vez o negocio á secção administrativa do conselho de estado com estes novos documentos para que os examinasse, e consultasse de novo o que lhe parecesse justo. A secção consultou, e o decreto ultimo pelo qual foi resolvida definitivamente esta questão, foi de accordo com essa consulta, e com o parecer do inspector geral das obras publicas.

Que fez mais a administração? Mandou collegir todos os documentos que diziam respeito a este negocio n'um grosso volume, e mandou-o distribuir nas duas casas do parlamento em 1850, precedido de II in relatorio em que se expoz tudo que se fez. Querer agora uma commissão de inquerito é, ou o ignorar o que se passou, ou não ler confiança já nos trabalhos do inspector geral das obras publicas, já nos trabalhos dos engenheiros, já nos trabalhos da secção administrativa do conselho de estado, e não digo nos trabalhos da commissão liquidataria, porque fui presidente della, ainda que me custa por de parte a auctoridade de homens tão honrados e tão conhecidos neste paiz, como são os quatro cavalheiros que ha pouco nomeie, e de quem tive a fortuna de ser collega.

Em vista pois destas explicações que eu estimo muito que se me offerecesse occasião de dar, eu não sei realmente o que a commissão de inquerito lenha a fazer. Ha-de ir examinar as obras ás localidades? Não póde: por consequencia ha-de dirigir se pelos trabalhos dos engenheiros que as foram examinar, excepto se intender que tambem estes cavalheiros não lhe merecem nenhuma confiança. A commissão de inquerito, portanto, a não ir examinar os trabalhos ás localidades, ha-de necessariamente acceitar as fontes de informação que acceitou a commissão de que tive a honra da ser presidente, e que acceitou o ministerio de que fiz parte, na liquidação definitiva desta conta. Entretanto, repito, não é a mim que pertence combater a nomeação da commissão, e sinto só que a proposta viesse ião tarde, porque desejava que a commissão apresentasse o seu relatorio nesta mesma sessão; o que me offereceria a vantagem de combater e destruir muita inexactidão que se leiu espalhado a este respeito.

O sr. Placido de Abreu: — A fallar a verdade não sabia deste requerimento, e por consequencia não estava preparado para entrar na sua discussão: entretanto direi sempre alguma cousa de que me recordar, por isso que tambem tive parte na liquidação deste negocio. É principiarei por dizer a v. ex.ª que não me opponho a que se proceda á nomeação da commissão de inquerito, porque logo que tal idéa se soltou nesta casa, e se duvidou daquillo que estava feito, não acho fóra de proposito que se entre no exame de tudo quanto se fez a este respeito; mas tambem devo dizer a v. ex.ª que tendo sido um dos membros da commissão da liquidação das estradas, na parte mais importante que era a provincia do Minho, porque foi alli que houve trabalhos de maior alcance, tivemos duas cousas a fazer, uma foi a applicação do contracto, e outra a avaliação. Sobre o que estava feito nada tractámos senão de vêr o que dispunha o contracto e applica-lo; sobre o que não estava feito, é que recaía a nossa avaliação, mas mesmo nisso procedemos em relação ao preço que estava estabelecido no contracto. Ora agora ha uma circunstancia que é, que a conclusão de um similhante trabalho era importantissimo para o governo e para o paiz, porque note v. ex.ª note a camara, sem o governo se desprender dos contractos a que estava ligado, não era possivel fazer nenhum outro contracto sobre as estradas da provincia

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do Minho; por consequencia nós o que fizemos foi abbreviar quanto era possivel esse negocio, e procuramos apresental-o ao governo, de modo que podesse ter uma resolução prompta para elle ficar livre, e contractar as estradas do Minho como fez relativamente á estrada de Braga, que já está dando magnificos resultado; e se o governo tivesse feito as estradas do Minho, onde ha bastante movimento, teria um elemento de receita de muita vantagem para o paiz, e para o estado, porque o rendimento dessas estradas podia ser applicado para se fazerem as de outras provincias onde não ha movimento, e é isto que se devêra ter feito ha muito tempo. Os dois engenheiros pois, encarregados da liquidação, eu e o major Garcez, o que fizemos foi, como já disse, abbreviar o negocio, sendo mesmo indulgentes na liquidação quanto era possivel se-lo com a companhia, para que com facilidade se podesse tomar uma resolução definitiva. E note-se que quando digo, que eu e o meu collega fomos indulgentes, não quero dizer, que deixamos de ser severissimos na applicação do contracto; mas o que não quizemos, foi estar a regatear sobre pequenas cousas, que não produziriam resultado algum para o estado, e que por outro lado seriam prejudiciaes, por que a empreza não cederia dos seus contractos, e o governo sem se desprender delles, não poderia contractar as estradas do Minho.

Por consequencia a liquidação está feita; foi submettida pelo governo aos tribunaes competentes, e supponho que nada haja que fazer em quanto ao que foi practicado pelos officiaes engenheiros, tanto no Minho, como em outras partes. Mas visto que se propõe a nomeação de uma commissão de inquerito a este respeito, serei o ultimo que a ella me opponha; achando, comtudo, que é prejudicial estar todos os dias a pôr em duvida o que está feito; sendo necessario intender-se, que o que efeito debaixo de certa responsabilidade moral, por aquelles áquem a lei a impõe, está bem feito; e é muito prejudicial á causa publica por em duvida condados já feitos, e que estão produzindo magnificos resultados; pois que assim affugentam-se aquelles que queiram contractar de futuro.

O sr. Roussado Gorjão: — Sr. presidente, não obstante eu não esperar que esta discussão tivesse logar, não tenho remedio senão segui-la, e começarei por onde acabou o sr. Placido, que deu como acto consummado a liquidação que se fez: a qual tanto não e acto consummado, quanto é certo que a collecção de documentos que se distribuiu na camara de 1851, foi para sei vir para a discussão que devia haver, e que não chegou a ter logar. Neste assumpto ha dois pontos importantes a considerar, sendo o primeiro — se e ou não acto consummado a liquidação (e acredito que o não é); e o segundo, se eram sabidos, quando se fez essa chamada liquidação, factos que hoje são conhecidos.

Este negocio seguiu exactamente os passos indicados pelo sr. Avila. Foi nomeada em 1848 uma commissão liquidataria, composta de cavalheiros tão conspicuos como aquelles que acabou de designar o illustre deputado, lendo primeiro sido ouvido o procurador geral da corôa; e essa commissão, de que foi presidente o sr. Avila, se bem me lembra, o que liquidou foi 870 contos de réis. Depois, havendo mudança de ministerio, e suscitando-se questões, em 1850, sobre o assumpto, tornou a haver segunda liquidação, que foi á secção do contencioso administrativo do conselho de estado, e augmentaram-se mais 300 e tantos contos á primeira liquidação; mas estou persuadido que houve uma lacuna a este respeito, isto é, que não foi consultada a repartição mais competente e mais legal para conhecer deste assumpto, que é o tribunal de contas; porque na minha opinião o tribunal de contas é o mais competente, e o mais legal para conhecer destes assumptos do contractos; e além deste tribunal não ser ouvido acontece mais que, quando se sanccionaram estas liquidações no conselho de estado, as côrtes estavam abertas, e não veiu pedir-se auctorisação para proceder a essas liquidações, como devêra ter-se pedido, e quando se censura que o governo actual procedesse a alguns actos preparatorios com relação ao caminho de ferro, não sei como se possa achar regular o tractar-se, como se tractou, da questão mais notavel em fazenda, que tem havido em Portugal, como foi a das reclamações do contracto do tabaco, e da companhia das obras publicas de Portugal, estando aberto o parlamento, sem disso se lhe dor conhecimento; e se aos membros do parlamento foi distribuida a collecção dos documentos, de tudo que é relativo ao assumpto da companhia das obras publicas, foi porque um membro do parlamento, o sr. conde de Lavradio, na camara dos dignos pares notou o que tinha havido a este respeito, notou a falla de esclarecimentos prestados ao parlamento, pediu que fossem impressos, assim como tambem pediu a nomeação de uma commissão de inquerito, como agora se pede pela proposta em discussão, nomeação que não chegou a ter logar, e foi só depois de tudo isto que o presidente do conselho de ministros se deliberou mandar imprimir todos os documentos que formam um grosso volume, e mandal-o distribuir poios membros que então eram do parlamento.

O sr. Avila: — Peço licença ao nobre deputado para lhe dizer, que estava resolvido em conselho de ministros, a impressão e depois a apresentação desses documentos ao parlamento, havia já muito tempo.

O Orador: — Assim seria; mas o que é certo, é que quando se fez a liquidação, estavam as côrtes abertas, e não se remetteu este negocio ao seu conhecimento. Além disso, quando se fez a liquidação, não havia conhecimento de fados, e factos essencialissimos, que hoje são conhecidos.

Em primeiro lugar a companhia das obras publicas de Portugal, da primeira vez, suspendeu as obras sem ter sido auctorisada para essa suspensão, e quando na realidade estava falha das habilitações de sua legal dotação! Então a companhia das obras publicas de Portugal, fallava como se estivesse habilitada para tudo quanto fosse necessario fazer se, o depois veiu a demonstrar-se por aquillo mesmo que ella escreveu e publicou, que a sua habilitação era apenas de 720 contos, e tomou de emprestimo 210 e tantos contos. E quanto devia a companhia ter de habilitação para receber annualmente dos contribuintes 600 contos? Não podia ter menos de 8:000, o contentou-se com 726 contos!... Argumenta-se e diz-se, que não se tem guardado a fé dos contrai los, e que tem sido sacrificadas grande, fortunas; mas o que ha de real neste caso, e que o governo não tem feito cumprir os contractos. (Apoiados) A companhia, apenas habilitada com 726 conto, começou no tracto successivo do receber do contribuintes, e chegou a receber 174 contos; e desde que hoje se sabe o que então se não subia, isto é, que a companhia não estava habilita-

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da, foi o governo que deixou de cumprir o contracto, ou a companhia não se habilitando? Accresce ainda o dizer a companhia n'um folheto que publicou — que não era obrigada a começar as obras senão passado um anno; e comtudo o contracto dizia no artigo 5.º = que as obras começariam em todos os districtos dentro de um anno, e seguiriam sem nenhuma interrupção; e á vista desta disposição terminante, podia a companhia escrever com bom animo, que não era obrigada a começar as obras senão passado um anno? Pois passado um anno e dentro de um anno?... E esta queixa da companhia traduziu-se em francez para fazer intervir uma nação poderosa nas reclamações injustas de quem queria que se lhe pagasse aquillo que não se lhe devia, porque pelo artigo 30. do contracto, a companhia tomou sobre si a solução de tudo quanto tractasse com as companhias secundarias! Houve uma portaria de 26 de setembro de 1815, dirigida á respectiva direcção, recommendando-lhe que começasse as obras; mas que havia de fazer a companhia com 726 contos?... E comtudo mandaram vir parelhas e carruagens, quando as estradas nem ainda começadas estavam! Que significava este apparato? Agiotagem: (Apoiados) procurando-se conseguir, por meio della, que viesse alguem de fóra comprar o privilegio das estradas. (Apoiados) E aquelles accionistas de boa fé, que tomaram 10 e 12 acções, quando lhe pediam o seu contingente, promptamente o davam; mas não acontecia o mesmo áquelles que assignaram 100 acções, na importancia de 1:900 contos. E como era possivel querer que dessem o seu contingente aquelles que tinham esta importante somma de acções? Este negocio da companhia das obras publicas foi desgraçadissimo; e a grande calamidade que opprimiu Portugal, foi a da confederação das companhias de 1844. (Apoiados) E atreve-se a companhia a dizer o seguinte?! (Leu)

(irando força do ousadia é necessaria para escrever, imprimir e fazer publicar tão inexactas ostentações!!!...

Torno a repetir — e mil vezes o repelirei, sr. presidente — é indispensavel firmar de uma vez para sempre uma grande verdade, a fim de que de uma vez para sempre fique rebatida tambem uma gravissima injustiça, que só faz a nação portugueza; e essa verdade vem a ser: — o governo (quando se tracta de cumprimento de contractos) tem cumprido de mais, por sua parte, ou por parte de sacrificios da fazenda publica nacional; porém o que é deploravel a tal respeito, é que os não tenha jeito cumprir! — Appareça uma só dessas companhias contractadores, que haja cumprido as condições do seu respectivo contracto!... Appareça uma só, que — ao menos sequer — haja preenchido as habilitações de sua legal dotação! — Nem uma as tem preenchido, sr. presidente.

Fallecem-me as forças para entrar em amplas demonstrações oraes em materia tão vazia; porém consola-me a certeza de que nesta mesma sala me está ouvindo quem me conheça ha longo tempo, e possa reconhecer que em todas as épocas da minha vida (especialmente desde 1820) a minha voz e a minha penna jámais ficaram indifferentes e mudas no centro de quaesquer successos de suprema importancia, que podessem affectar a prosperidade publica, ou a gloria nacional.

Nesta mesma sessão, sr. presidente, já eu tive o cuidado de fazer a exposição franca, sincera e leal de minha humilde opinião sobre os negocios mais graves do momento; e posso invocar o respeitavel testimunho de meus illustres collegas, na commissão de fazenda, sobre o facto de haver offerecido á sua illustrada consideração = a minha opinião motivada, e fundamentados esclarecimentos relativos d proposta, apresentada em 7 de março, pelo nobre ministro da fazenda, para rescisão do contracto, e immediata abolição do monopolio do tabaco e sabão. (Apoiados dos membros da commissão) — Não é que eu tivesse a vaidosa ousadia de me ostentar possuidor de maior e melhor cabedal de conhecimentos do que os meus nobres collegas; e tão sómente para exprimir meu pensamento — e voto — sobre assumptos, a que hei dedicado mais de 13 annos de estudo nunca interrompido.

Esperando que v. ex.ª e a camara desculpem benignamente a digressão, que tive por indispensavel á minha especial situação parlamentar, voltarei de novo á materia em discussão; e tractarei de concluir, por não consumir mais tempo, quando elle é tão precioso.

Aquelles accionistas de boa fé, que tomavam 10 e 12 acções, quando lhes pediam o seu contingente, promptamente o davam, repito; mas não acontecia o mesmo áquelles que assignaram, por exemplo, com o valor de 900 contos em acções, porque não lhes convinha isso. Sinto, pois, que o meu collega, o sr. Cazal Ribeiro, me não tivesse tambem apresentado a sua proposta, porque de bom grado a teria assignado (O sr. Avila: — Ainda está a tempo). E tanto a tempo que me offereço para isso, porque quero que se liquide o que ha de exacto e verdadeiro a este respeito, e estou prompto a responder pelo que escrevi n'um folheto — A Regeneração e a Reacção —; e áquelles que clamam contra a regeneração, poço que ponham n'uma balança fiel de uma parte a regeneração e da outra a reacção, e digam em consciencia donde veem os males mais consequentes e funestos. Um pulmão de 76 annos não é já para grandes discussões; entretanto nunca deixarei de defender aquillo que tenho escripto, porque o escrevi na mais para consciencia que se póde escrever (Apoiados: — Muito bem, muito bem).

O sr. José Estevão: — Eu fui inteiramente prevenido pelo illustre deputado que acabou do fallar, e se me fosse permiti ido pedir que a inalei ia se julgasse sufficientemente discutida, era o que eu pedia. (Apoiados)

Aqui ha uma questão a respeito da commissão de inquerito ao banco, levantada pelo sr. Avila. A este respeito direi que a commissão de inquerito ao banco da qual sou membro, está no intuito do sollicitar da camara uma declaração, sobre se os poderes da commissão caducam com o encerramento do parlamento, ou se este lhe continua os poderes para trabalhar durante o intervallo da sessão; e sem querer antecipar a opinião da camara a este respeito, direi comtudo que se o parlamento julgasse que as commissões do inquerito devem forçosamente terminar os seus trabalhos dentro do prazo das sessões, por esta resolução tem annullado o direito de inquerito. Eu intendo que o direito de inquerito é absolutamente incondicional, e não póde soffrer excepção das susceptibilidades pessoaes, da honra dos individuos, do estado de exame em que estiverem os negocios sobre que se

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pedir o inquerito; a não ser assim, o inquerito não é um direito politico e parlamentar. Eu folguei de que a camara tivesse ouvido as meditadas reflexões do illustre deputado que acabou de fallar, as suas analyses insuspeitas sobre as operações de credito de que se dizia que havia de saír a fortuna deste paiz, e de que não resultavam senão desgraças, e o meu horror ao credito falso provêm em grande parte das conversações particulares que tenho tido com o illustre deputado, desde que sou seu collega na commissão de inquerito ao banco.

O sr. Cazal Ribeiro: — O illustre deputado, o sr. Roussado Gorjão não póde por em duvida que eu me honraria muito em que a minha proposta tivesse sido assignada por s. ex.ª, mas eu intendi que não devia sollicitar assignatura alguma, e tomar sobre mim só a responsabilidade da minha proposta: se os srs. Palmeirim e Santos Monteiro a assignaram, foi por que estando mais proximos do logar em que eu me achava, me pediram para a assignar.

A commissão de fazenda quando discutiu a verba dos juros das obrigações do thesouro, tractou de examinar quaes eram as bases do calculo do governo, e viu que nelle figuravam todas as acções passadas e a passar pelo fundo de amortisação, e que se comprehendia a cautella passada a favor da companhia das obras publicas, e concordou a commissão a final, que não devia tomar sobre si nem a approvação nem a rejeição da liquidação como ella se achava feita; mas isso não deve obstar a que se votem os juros pedidos pelo governo, por isso que havendo um inquerito desta camara sobre a liquidação dos imprestimos de 1835 e de outros do banco, todavia votam-se os juros desses imprestimos.

Devo repor os tres pontos que foram impugnados pelo sr. deputado Avila, como já hontem o fiz e procurarei abster-me de qualquer expressão que posa produzir irritação no debate, ou tirar a questão do campo em que ella deve ser tractada, e em que o tem sido até agora, apezar das susceptibilidades que taes questões costumam levantar.

Quanto ao fundo especial de amortisação, o que tenho dicto e sustento ainda, é, que a direcção do fundo de amortisação duvidou que uma parte da divida que se liquidou á companhia das obras publicas, fosse paga pelo fundo de amortisação, e isto é exactamente o mesmo que o illustre deputado a quem me retiro, acaba de dizer; mas é isto mesmo que vem para a questão do orçamento. Se as duvidas que a direcção do fundo especial de amortisação linha, são justas e fundadas, a consequencia é que esta divida não devia ser paga pelo fundo em virtude da legislação anterior ao decreto de 30 de agosto; nem o deve ser depois daquelle decreto pelas obrigações do thesouro, que veem substituir as acções sobre o fundo; se, pelo contrario a razão está da parte do governo de então, a consequencia é que no estado da legislação anterior este credito devia ser pago pelo mesmo fundo, e actualmente pelas obrigações do thesouro, creadas pelo decreto de 30 de agosto.

Sr. presidente, quanto ao segundo e terceiro pontos, isto é, quanto ao illustre deputado dizer que não são exactas as duvidas que eu referi, suscitadas pelo procurador geral da corôa, e pelo inspector geral das obras publicas, direi, que, tendo citado documentos não posso ficar debaixo da impressão de ter sido menos exacto em um facto de tanta gravidade como é este de que se tracta. Admiro-me de que o illustre deputado conteste a exactidão de asserções, que se provam com documentos. Lerei por tanto á camara o que o procurador geral da corôa diz no seu parecer de 20 de novembro de 1846...

O sr. Avila: — Eu não neguei isso: não disse que elle não fosse ouvido sobre a legalidade do contracto.

O Orador: — Bem; então existem as duvidas, que referiu o procurador geral da corôa, contesta a legalidade, a validade do contracto de cessão feita pela, companhia Lombré, á companhia das obras publicas, com responsabilidade do governo; e o inspector geral das obras publicas, no officio de 9 de dezembro de 1848 tracta do enorme preço, por que foram cedidas estas mesmas estradas.

Portanto, por parte do procurador geral da corôa, se apresentam duvidas sobre a legalidade do contracto, e por parte do inspector geral das obras publicas, apresentam-se duvidas sobre o preço. Cada um destes funccionarios na sua especialidade impugnou o mesmo ponto.

São estas, sr. presidente, as duvidas a que então me referi, e visto que o illustre deputado não contesta este facto, dispenso-me por isso de lêra camara as informações dos dois a dos funccionarios a que alludi.

A verdade é, que este ultimo funccionario, o inspector geral das obras publicas, declara muito expressamente, que as obras cedidas á companhia das obras publicas, pela empreza Lombré, não valem 100 contos, e que no entretanto, a cessão figura por 500 contos. É este mesmo contracto de cessão, que o procurador geral da corôa impugna como nullo por muitas razões, que me parecem muito bem fundadas.

E entretanto, sr. presidente, estes 500 comos, mais de 5 vezes o valor das obras que representam; estes 500 contos baseados em um contracto accusado de nullidade por um magistrado respeitavel, figuram na liquidação entre as dividas do governo á companhia.

E, por tanto, completamente exacto tudo quanto disse sobre as duvidas suscitadas por estes funccionarios. O meu fim é simplesmente que a camara indague a verdade, e não fazer accusações a ninguem, nem mesmo entrar n'um exame mais detalhado sobre um assumpto tão complicado, e em que declaro, me não julgo ainda habilitado a pronunciar uma opinião decisiva.

Quanto ao que disse o illustre deputado sobre o caracter e honradez das pessoas que figuram na liquidação, direi que não ponho duvida sobre a probidade destes cavalheiros; não me parece, porém que isto seja argumento a adduzir, porque no mesmo caso estão os illustres funccionarios que duvidaram da legalidade da liquidação, cuja honradez e probidade é igualmente incontestavel... O sr. Avila: — Mas quem duvidou? O Orador: — A razões de auctoridade respondo com auctoridades; o facto é que a liquidação foi posta em duvida pelo sr. conde de Lavradio, pessoa tambem de muita auctoridade e de muito pezo; foi-o pelo nobre presidente do conselho sr. duque de Saldanha, pelos srs. visconde de Fonte Arcada, visconde de Benagazil, e outros dignos pares, que assignaram o projecto apresentado em 1850. A verdade é que

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esta questão é uma questão de interesse publico, que é preciso examinar e resolver definitivamente; por que se ha motivos para haver duvidas, é preciso se saiba quaes são os fundamentos; e se não ha fundamentos, é preciso acabar com todas as suspeitas e com todas as duvidas que até agora teem existido, porque ninguem póde negar terem existido sobre esta liquidação.

Intendo, sr. presidente, que a approvação da minha proposta não apresenta inconveniente nenhum (Apoiados) e que todas as circumstancias se devem examinar, mesmo para que o parlamento tome a responsabilidade de um sim ou não decisivo: não julgo que isto ataque nem o credito, nem conveniencia alguma publica. (O sr. Avila: — Apoiado)

E concluo votando pela proposta que mandei para a mesa, e pedia á camara que não acceitasse a indicação do illustre deputado o sr. Avila, quanto á nomeação dos membros da commissão por acclamação. Eu não me recuso a serviço algum que a camara me imponha, por mais arduo que seja; mas não creio que o modo indicado pelo nobre deputado seja o melhor para se nomear a commissão. Intendo pois que attenta a gravidade do negocio a commissão deve ser eleita por escrutinio secreto.

O sr. Avila: — Eu vou dar á camara breves explicações sobre alguns factos a que alludiu o illustre deputado o sr. Roussado Gorjão, a cuja boa fé e caracter eu sou o primeiro a fazer justiça; mas nós vemos a questão de differente maneira. Não posso deixar de agradecer ao nobre deputado o serviço que me fez, por dar logar a que eu responda a algumas arguições que me tem sido feitas, até pelo nobre deputado em differentes escriptos, que tem publicado.

Eu estou inteiramente de accôrdo em quanto á nomeação da commissão; e mesmo já tinha dicto quando fallei nesta materia, que não sabia eu quem havia de impugnar a nomeação desta commissão: tractarei unicamente de corregir alguns factos apresentados pelo nobre deputado, os quão» effectivamente foram enunciados de uma maneira, que dá logar a uma interpretação, que não é a verdadeira.

Direi de passagem ao illustre deputado o sr. Cazal Ribeiro, que elle já convem em que a direcção do fundo de amortisação não entrou na legalidade da liquidação, e que o procurador geral da corôa não foi ouvido sobre a liquidação, mas sim sobre a legalidade dos contractos. Foi pois exacto o que a este respeito asseverei á camara.

O illustre deputado o sr. Roussado Gorjão trouxe esta questão a um terreno, a que a commissão de que fiz parte, não podia trazer: o nobre deputado foi mais longe do que eu tinha ido e podia ír; por que entrou no exame da constituição da companhia, em quanto que a commissão só pertencia examinar o objecto para que fora nomeada. Eu estava na camara em 1815 quando se tractou de votar este contracto, e combati-o; mas depois em 11148 como membro da commissão, não tive que regular-me senão pelo decreto da nomeação da mesma commissão. O decreto está aqui, e a camara me permittirá que o leia: elle diz assim (Leu)

Por consequencia, em vista deste decreto, a commissão só linha a examinar se a companhia linha dispendido as sommas, cujo abono ella pedia, se justificava por documentos authenticos ter feito essa despeza, e se estava auctorisada para isso pelos respectivos contractos. A commissão intendeu, que não podia fazer outra cousa; e para isto levou muitos mezes a rever um por um todos os documentos que existiam no cartorio da companhia, e aquelles que lhe ministrou o ministerio do reino, e os relatorios dos engenheiros e o do inspector das obras publicas; e foi só depois deste exame que a commissão se julgou habilitada para redigir o relatorio que remetteu ao governo. Por consequencia tendo-se provado por documentos incontestaveis, que a companhia dispendem o dinheiro cujo pagamento pedia ao governo, tendo-se provado que ella estava auctorisada pelos seus contractos a fazer esta despeza; eu intendi, que devia abonar-se á companhia o que se provasse estai naquelle caso. E não diga o sr. Cazal Ribeiro, que as obras cedidas á companhia das obras publicas pela impreza Lombré, não valiam 100 contos de reis; e que no entanto tinham sido compradas por 500 contos; porque a este respeito perguntarei ao nobre deputado, se neste instante o governo tivesse de pagar as obras feitas com o caminho de ferro, valeriam ellas por ventura o dinheiro que tem custado? Sejamos pois justos para com os outros, se queremos, que o sejam para comnosco. A commissão não fora nomeada para examinar se os trabalhos feitos pela companhia valiam o dinheiro que tinham custado: o que lhe compelia unicamente saber era, se a companhia tinha feito as despezas cujo embolso sollicitava, e se estava auctorisada para fazer essas despezas. Esta e que é a questão.

Sinto tambem que o nobre deputado o sr. Roussado Gorjão me fizesse uma arguição injusta, quando disse — que tendo eu assignado sem declaração o relatorio da commissão de que era presidente, fizera depois uma declaração na consulta da secção administrativa do conselho de estado, e assignara, apezar dessa declaração como ministro de estado, o decreto da liquidação definitiva, estando assim em contradicção como governo, como conselheiro de estado, e como presidente da commissão. — Ao que o illustre deputado chama contradicção, chamo eu coherencia, porque é o resultado dos deveres que me impunham essas diversas situações. O nobre deputado não se collocou de certo no mesmo ponto de vista em que a commissão se collocou, porque se o tivesse feito, havia de vêr que a commissão de que eu fui presidente, tinha por fim liquidar as contas da companhia das obras publicas, em relação aos contractos que ella celebrara com o governo: é pois evidente, que ella só podia creditar á mesma companhia as sommas que ella linha dispendido por virtude desses contractos. A companhia, por exemplo, tinha comprado por 200 contos o privilegio das estradas do Minho, ao embolso de cuja somma tinha renunciado, porque contava fruir o mesmo contracto, e nessa fruição linha a compensação dos mesmos 200 contos. Entretanto acontecimentos que tiveram logar, e que não foram obra da companhia, privaram-a dessa vantagem. A commissão não podia abonar-lhe aquelles 200 contos de réis, porque as condições dos contractos a isso se oppunham; mas já não estava no mesmo caso o governo, a quem cumpria appreciar as circumstancias que tinham occorrido, e compensar á companhia os damnos que ella experimentara por factos, que não tinham sido obra sua. A minha situação pois como membro da commissão era uma, e como membro do governo era outra; e o que o nobre deputado chama

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contradicção, não o é, é o unico procedimento, que eu podia ter. No relatorio da commissão podia o nobre deputado encontrai esta mesma explicação, por que ahi -e diz o seguinte:

A commissão intendeu que devia tomar por base dos seus trabalhos os differentes contractos celebrados, ou entre o governo e a companhia das obras publicas, ou entre esta o outras emprezas, com a approvação do mesmo governo, e limitar-se a verificação dos direitos que provinham das diversas estipulações desses contractos a favor da companhia das obras publicas. Apreciar porém os motivos, porque não continuavam as obras, que a companhia tinha contractado, e julgar da justiça das reclamações, que por este motivo exige a companhia, intendeu a commissão ser esta uma questão, que não era chamada a resolver, e que só podia ser convenientemente decidida pelo governo de Vossa Magestade.

Peço a camara que tenha a benignidade do me ouvir, porque a questão é grave. Creio que não haverá ninguem que ouvisse ler o que neste parecer se diz, que não ache que o meu proceder é logico, o que não ha a menor contradicção da minha parte.

Agora que diz a declaração, que vem na consulta que eu assignei como membro do conselho de estado? Peço á camara que ouça (Leu).

Antonio José d'Avila com a declaração de que reconhecendo o direito a uma indemnisação pelos 200 contos de reis, dados pela companhia das obras publicas á companhia das estradas do Minho, é ao governo que pertence, de accordo com a companhia, fixar essa indemnisação. Igualmente que reconhece o direito da companhia Lombré, ou a receber os 343 contos de réis, que se lhe devem, ou a fazer-lhe bom o seu contracto, porem que é ao governo que pertence resolver qual destes arbitrios é mais conveniente.

Onde está aqui a contradicção? Não a posso comprehender!

Note a camara que esta consulta está assignada pelos srs. duque de Palmella, duque da Terceira, Rodrigo da Fonseca Magalhães, Cardeal Patriarcha, José Bernardo da Silva Cabral, Felix Pereira de Magalhães, e eu. Todos sabem que tres dos conselheiros de estado que assignaram esta consulta, não estavam do accordo com a politica do governo. Os srs. duque do Palmella, Rodrigo da Fonseca Magalhães e José Bernardo da Silva Cabral estavam francamente em opposição ao ministerio, de que fiz parte.

Agora vamos aos 833 contos que o illustre deputado diz ter a commissão unicamente liquidado. Tenho pena que num assumpto tão grave, o illustre deputado não tivesse examinado com mais attenção o relatorio da commissão.

A commissão declarou, é verdade, creditos liquidos a favor da companhia os desembolsos constantes da relação n.º 2, que acompanha o seu relatorio, importantes em 833 contos, mas declarou que as verbas constantes da relação n.º 3, importantes em 88 contos deviam ser tambem abonadas pelo governo, relevando-se a companhia algumas irregularidades que havia a respeito dessas verbas, irregularidades a que o governo deu causa: o que a somma de 318 contos constantes da relação n.º 4 só poderia ser abonada mediante um accôrdo entre o governo e a companhia. Será isto declarar que só se deviam abonar 833 contos? Ninguem o poderá dizer!

Portanto não e tambem exacto que a commissão só tivesse abonado a verba que o illustre deputado referiu.

(Entrou o sr. presidente do conselho, duque de Saldanha, e depois de alguma pausa em que s. ex.ª foi cumprimentado por quasi todos os sr.s deputados).

O Orador (continuando): — Nas observações feitas pelo illustre deputado ha um ponto grave. O illustre deputado intendeu que a liquidação da companhia das obras publicas devia ser feita pelas coites. Não esperava que o illustre deputado viesse avançar similhante proposição no meio do parlamento. É verdade que o ministerio de 18 de junho não só não intendeu que a liquidação devia ser feita no pai lamento, mas intendeu tambem que não carecia da approvação do corpo legislativo: e desta mesma opinião foi a secção administrativa do conselho de estado, a qual não indicou a necessidade dessa approvação: e desta mesma opinião foi ainda o actual gabinete, que estando á frente dos negocios ha vinte e seis mezes, não submetteu ainda á approvação do corpo legislativo a liquidação de que se tracta, o isto prova que não julgou precisa essa approvação.

O illustre deputado fallou na reacção e regeneração, e disse que todos os males que se estão soffrendo, provém da reacção. Não estejamos sempre no circulo vicioso de achar máo tudo quanto se fez no passado, e de achar bom o que se fez agora, quando agora se estão practicando as mesmas cousas que se faziam antes, e que eram então objecto de glandes censuras. Para que é estar sempre a censurar actos do ministerio passado, queimando incenso diante do ministerio actual pelos mesmos actos? Não me parece que similhante procedimento possa ser honroso para quem o practica.

V. ex. sabe que eu nunca vou ao passado, senão quando sou provocado; mas ha realmente nesta camara quem gosto que nos estejamos entretendo sempre com o passado. A regeneração fez a este respeito o que fez o ministerio de que fiz parte: a regeneração intendeu esta questão da mesma maneira que eu a intendi: a regeneração nunca intendeu que a liquidação carecesse da approvaçâo do corpo legislativo, porque se o intendesse, devia ler vindo submetter ao corpo legislativo a approvação dessa liquidação.

O illustre deputado disse uma grande inexactidão, e permitta-me que lhe diga que está completamente esquecido do que aqui se passou. O illustre deputado disse que a camara estava aberta na mesma occasião em que se fez a liquidação da companhia das obras publicas, se fez a liquidação das indemnizações do contracto do tabaco, e que de nenhum destes dois actos se deu conhecimento ao corpo legislativo. Isto, sr. presidente é tão pouco exacto que a questão das indemnisações foi largamente discutida nesta camara, tomando parte no debate por mais de uma vez o mesmo illustre deputado. Ora o illustre deputado queria que a liquidação fosse feita na camara, queria um impossivel, porque ninguem dirá que esses actos não pertencem ao governo, a pezar de carecerem da approvação das côrtes.

Não e tambem exacto que sem as Instancias de uni digno par, não teriam sido distribuidos nas camaras todos os documentos relativos á companhia das obras publicas: esses documentos constituem um grosso vo-

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lume, que levou muito tempo a imprimir, e que já estavam na imprensa quando se fizeram essas exigencias. O ministerio de 18 de junho que apresentou ás côrtes nos 2 annos da sua gestão os relatorios de todas as repartições em cada um desses 2 annos (Apoiados) e além disso muitos outros documentos importantissimos, taes como o recenseamento das classes inactivas, documentos que ninguem sollicitou, não precisava por consequencia da sollicitação de nenhum membro do corpo legislativo para apresentar ás camaras aquelle relatorio que dizia respeito a um acto importante que acabava de practicar.

Sinto, sr. presidente, ler tomado tempo á camara com estas explicações a que fui forçado pela minha situação especial, e a que deram logar algumas observações do illustre deputado o sr. Roussado Gorjão, cujo zelo pela causa publica sou o primeiro a reconhecer. Em quanto á commissão de inquerito, já declarei que voto por ella; e em quanto a idéa do sr. José Estevão votarei para que se proroguem os poderes ás commissões de inquerito, em quanto as córtes estiverem fechadas, uma vez que os membros dessas commissões se prestem a esse serviço.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, eu pedi a palavra, porque repillo negocio grave o tomar-se uma decisão sobre a legalidade de objectos que foram resolvidos ha muito tempo; e parece-me que traz inconvenientes o estar a pôr sempre em duvida aquillo sobre que já recaiu uma resolução qualquer.

Approvo a proposta que está na mesa, e já n'uma das camaras passadas sustentei que este negocio da liquidação da companhia das obras publicas devia ser trazido á camara; hoje não mudo de opinião; mas se todos se suppozerem auctorisados a pôr em duvida, a legalidade dos objectos sobre que já se tomou uma resolução, se para isto tivermos de nomear commissões de inquerito, então teremos de nomear muitas commissões, para inquerir sobre muitos e variados objectos: era uma cousa que não tinha limites. Por consequencia peço ao sr. Cazal Ribeiro que modifique alguma cousa a sua proposta. Uma commissão de inquerito para examinar o negocio a que é destinada, póde e deve admittir-se; mas segundo os termos em que a proposta está redigida em relação a legalidade do que se tem feito, parece-me que o governo não póde de maneira nenhuma ficar neutral nesta questão. Intendo que a proposta redigida de outra maneira não tira a auctoridade da commissão de inquerito, ou ingerencia que tem sobre este negocio; mas como está redigida, imporia a idéa de um privilegio muito amplo, que em quanto a mim não se póde conceder a commissão nenhuma.

Sr. presidente, esquivar-me-hei de entrar mais detidamente nesta questão como se tem entrado, nem para analysar a formação dessa companhia, nem o aspecto fantasmagorico das suas emprezas, e os recursos que ellas tinham, porque isso não vem para aqui; se viesse, podia declarar que á formação dessa companhia não fallava a auctoridade de um dos nossos mais distinctos economistas, e mais conhecido pelo seu saber. Por conseguinte approvo a nomeação da commissão de inquerito sem approvar os termos em que está redigida, porque a approvação dessa commissão quanto ao exame do negocio que se tracta, não importa a idéa de que póde ou deve ser considerada como um tribunal que tenha a auctoridade de annullar contractos celebrados. Parece-me conveniente que o sr. ministro da fazenda dê algumas explicações, se considera que pelo decreto de 30 de agosto, ou pela legislação vigente está ou não resolvida esta questão.

O sr. Quelhas: — Peço a v. ex. que consulte a camara se julga a materia sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente — E pondo-se logo á votação o

Requerimento — foi approvado.

O sr. Roussado Gorjão: — Peço a palavra para uma explicação de facto.

O sr. Presidente: — Segundo o artigo do regimento que vou lêr á camara, não posso dar a palavra ao sr. deputado. (Leu)

O sr.1 Roussado Gorjão: — Então peço a v. ex.ª que consulte a camara.

A camara conveiu em que se lhe concedesse a palavra.

O sr. Roussado Gorjão: — Sr. presidente, ha tres factos sobre que eu preciso dar explicações. O primeiro destes factos é de vir ou não vir á approvação da camara a liquidação; e sobre este assumpto direi que não é opinião minha o que vou expender; foi sim opinião dos conselheiros procurador geral da corôa, e procurador geral da fazenda, quando se tractou das indemnisações, que o governo não podia entrar naquella materia sem pedir auctorisação á camara, mas o facto foi que o governo não pediu auctorisação para isso, o governo veiu pedir a confirmação.

O sr. Avila: — Não é exacto.

O Orador: — O sr. presidente, a auctorisação é para o que está por fazer, e o governo veiu pedir a confirmação para o que estava feito! Esta é que é a letra que está no parecer dos conselheiros procurador geral da corôa, e procurador geral da fazenda — que o governo não podia entrar nisso sem auctorisação — auctorisação não é confirmação. Esta discussão não fui eu que a encetei, mas suscitada não podia deixar de entrar nella; o agora comprometto a minha palavra de que hei-de mostrar nos pareceres dos conselheiros, que o que se dizia era auctorisação.

O sr. Avila: — Não, senhor.

O Orador: — Peço a v. ex.ª, sr. presidente, e peço á camara que tome nota, obrigo a minha palavra de honra a que hei-de apresentar aqui, e provai que foi auctorisação a que se referem os pareceres dos conselheiros procurador geral da corôa, e procurador geral da fazenda. Neste mesmo sentido lembrar-se-ha a camara de que, quando se tractou da resposta ao discurso da corôa, houve uma questão prévia proposta pelo sr. Avila, para que o nobre ministro da fazenda respondesse a respeito do caminho do ferro, se tinha tenção de trazer aqui o contracto como era regular, ou não, ou se estava disposto a fazel-o em repetição de dictadura. Neste caso já se vê que era para censurar que se fizesse uma cousa similhante sem primeiramente ter pedido auctorisação a camara. E então não se pedia auctorisação nem para indemnisações ao contracto do tabaco, nem para indemnisações á companhia das obras publicas! O outro facto é o illustre deputado trazer como prova da regularidade com que se tinha marchado; que naquelle conselho de estado, que houve sobre este assumpto, estavam cavalheiros de todo o respeito, e lembrou em primeiro logar o presidente do conselho, o sr. duque do Palmella (a cuja memoria eu tribulo a mais

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Viva saudade) devo dizer ao illustre deputado, que o parecer do sr. Duque de Palmella foi — que á companhia podia fazer-se aquillo que o governo tinha destinado, mas que o governo ficava responsavel por aquelle valor, quer dizer que se verificasse a responsabilidade dos srs. ministros. Este é que é o facto, e alli está.

O sr. Avila: — Não está.

O Orador: — Obrigo-me tambem a apresentar á camara a prova do que acabo de dizer, e peço que se tome nota destes dois casos. Quanto ao terceiro facto o dizer o sr. Avila, que quando se fez a liquidação, que a secção do contencioso administrativo não tomou por base da liquidação as habilitações da companhia, a isto nada tenho a que me referir senão a todos os que são competentes nestas materias, para que digam, se sem se conhecer primeiro o activo, póde conhecer-se o que constitue a habilitação das partes contractantes, elementos sempre essenciaes, e preceitos indispensaveis que devem concorrer em toda e qualquer liquidação. (Apoiados) Por consequencia a primeira cousa é conhecer qual era o activo da companhia das obras publicas.

Dadas estas explicações ácerca destes tres factos, que me comprometto a provar, nada mais tenho que dizer.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Discussão do seguinte

Parecer: — A commissão de verificação de poderes, tendo procedido ao exame das vacaturas, que existem nesta camara, e tendo attenção ás disposições do decreto de 30 de setembro de 1852, e de parecer que devem ser declaradas 19 vacaturas nos circulos eleitoraes, designados na relação junta, e pelos motivos alli especificados.

Sala da commissão, 10 de junho de 1853. = Frederico Guilherme da Silva Pereira. presidente = José Alaria do Cazal Ribeiro — Justino Antonio de Freitas = Francisco de Paula Castro e Lemos.

RELAÇÃO A QUE SE REFERE O PARECER.

[VER DIARIO ORIGINAL]

Foi logo approvado.

O sr. Presidente: — Como a hora está muito adiantada, seria melhor deixar a leitura dos restantes pareceres dados para outro qualquer dia, e entrarmos na discussão do orçamento. (Apoiados)

Passou-se pois á

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do orçamento — Ministerio dos negocios da fazenda.

Capitulo 4.º — Classes inactivas no continente — 523:169$000 réis.

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O sr. Avila (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, porque vou apresentar uma moção de ordem. Na ultima sessão um illustre deputado disse que em 1836 a doutrina de que o orçamento não era o logar competente para se fazerem coites na despeza, abolindo ou creando empregos, augmentando ou diminuindo ordenados, n'uma palavra adoptando todas as medidas relativas á fazenda publica, tinha provocado uma dissolução da camara, da qual tinham vindo graves inconvenientes. Pareceu-me, pela maneira que o nobre deputado apresentou esta doutrina, que estava decidido, que o orçamento é o logar proprio, para se crearem e eliminarem empregos, pareceu-me que esta doutrina estava em vigor; mas eu folgo de ver, que a illustre commisão de fazenda não adoptou essa doutrina que o illustre deputado desenvolver

Sr. presidente, a illustre commissão de fazenda vindo apresentar conjunctamente com O orçamento uma proposta de lei para que a pensão concedida ao conde de Penafiel, que era paga pelo cofre do correio geral, seja convertida em um titulo de lenda vitalicia, prova que é este o caminho que deve adoptar-se em objecto, de similhante natureza, eu estou perfeitamente de accôrdo com a illustre commissão. Sendo pois esta alteração a consequencia forçada de um projecto de lei, que a illustre commissão apresentou, e preciso ser coherente, ou -e deve adiar esta discussão relativa ao augmento que se propõe no artigo 15.º deste capitulo para quando entrar em discussão o projecto, ou intendendo-se que deve tractar-se agora, seja conjunctamente discutido aquelle projecto. É esta moção de ordem que eu peço seja submeti ida á decisão da camara, sendo-me indifferente, que se adopte qualquer dos dois arbitrios: pela minha parte estou preparado para entrar na discussão do projecto, mas póde muito bem ser, que a commissão o não esteja.

O sr. Justino de Freitas — Sr. presidente, a commissão esta de accôrdo com o que diz o sr. Avila; e por consequencia parece-me natural e logico que se tracte já neste logar do projecto relativo a, pensão do conde de Penafiel.

E consultada a camara, decidiu que entrasse em discussão conjunctamente com o capitulo 4.º o seguinte

Projecto de lei (n.º 41 A) — Artigo 1.º O vencimento de 6:800$000 reis, que ale ao presente tem sido abonado ao conde de Penafiel pelo cofre do correio geral, será pago pelos encargos geraes do ministerio da fazenda.

Art. 2.º O governo mandará passar pela dicta importancia um titulo de renda vitalicia de consideração especial de pagamento.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commisão, 6 de junho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino (vencido, e com declaração) — José Maria do Cazal Ribeiro = Antonio dos Santos Monteiro — Justino Antonio de Freitas =. Augusto Xavier Palmeirim — Francisco Joaquim Maia (vencido) = _ Visconde da Junqueira.

O sr. Roussado Gorjão (João): — Sr. presidente, eu assignei o projecto do orçamento — vencido e com declarações — e não pedi a palavra quando se tractou da discussão sobre a generalidade, porque a materia de que eu me propunha a tractar, era mais de assumptos sobre que eu tinha assignado com declarações, e este é um delles, do que sobre a questão em geral. Antes de entrar na materia devo eu, sr. presidente, assegurar a v. ex.ª e á camara, que eu me honro muito de me haver conformado completamente com os meus illustres collegas da commissão, em toda a pureza das suas intenções, e da vehemencia dos seus desejos de adquirir para o paiz o maior grao de prosperidade: n'este assumpto, porém, não pude acompanha-los na extensão que elles julgavam poder dar aos poderes da commissão de fazenda, quando se tractava do orçamento, eu sinto não me ter conformado com a sua opinião a este respeito, tanto mais, quanto o conhecimento que tenho de mim proprio, reputando-me insufficiente, quasi me convencia que a razão e o aceito estavam da sua parte, e não da minha.

Mas, sr. presidente, eu não podia resistir ao conhecimento de um facto, que se apresentou, e foi o lerem apparecido 2 alvarás, um de 16 de março de 1797, e outro de 17 de dezembro de 1798, e por esses alvarás via-se que lendo havido uma convenção anterior, se unha feito a concessão ao conde de Penafiel de 16 contos de reis annuaes, com a prerogativa de poder vincular. Destes 16 contos de reis, 9:200$000 foram dados em bens de outra natureza, e ficou-se dando uma pensão pelo cofre do correio geral de 6:800$000 reis.

Ora, sr. presidente, esta concessão leiu atravessado nada menos do que muito mais de meio seculo, (57 annos) e nem quando houve a constituição de 1820, nem depois quando veiu a carta constitucional de 1826 se julgou que podia intender-se com esta disposição, tomada n'um tempo, em que a lei era a vontade expressa do imperante, assim como hoje é a vontade expressa da nação, mas expressada em côrtes pelos seus representantes.

Eu vejo ainda outra cousa e foi isso o que mais particularmente me decidiu a não poder em tudo conformar-me com Os meus illustres collegas. Eu não olho para este assumpto como uma compensação por um officio, que se tirou a quem o possuia, porque, sr. presidente, se nós formos ver o que vem no orçamento no presente anno, nós acharemos na classe — despezas com o correio geral — 91 contos e tantos mil reis, e na receita que pertence a este mesmo estabelecimento, 125 contos; logo isto era mais uma empreza, em que havia lucros e perdas, do que era um officio, como são ordinariamente todos os outros officios, a respeito dos quaes a lei não reconhece direito de propriedade em ninguem, nem reconhece direito de compensação; mas este, sr. presidente, não é a mesma cousa. Fosse porém, ou deixasse de ser; o de que eu estou persuadido, com referencia no ponto que locou o sr. Avila, e que a lei do orçamento é sim um lei; mas é uma lei com applicação restrictamente applicavel á singularidade daquelle anno para que é determinada, e por modo nenhum o orçamento é o logar proprio onde se tracta de alterar direito constituido como vejo que isto é. Não posso saber, porque isso não constou na commissão, mas creio que esta concessão sendo feita em 1798 deve hoje estar vinculada; ora como se póde desfazer, por uma disposição de simples lei de orçamento, o que tem hoje natureza de vinculo! Lei de orçamento, que na verdade não póde estender as suas disposições a mais de anno, para que é destinada, porque o orçamento

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não é nenhuma outra cousa senão a execução completa do artigo 138 da carta. Por consequencia a minha opinião nela parte não é conloiou com a dos meus collegas da commissão com quem aliás me uni em quasi todas as outras materias, e desejo unir me sempre; porque sou o primeiro a fazer justiça á rectidão das suas intenções; mas não pude unir-me nele ponto pelas razões que acabo de expor.

O sr. Maia (Francisco) — Tendo assignado vencido este projecto de lei apresentado pela commisão do fazenda de que tenho a honra de ser membro, cumpre-me expor a camara os motivos que para isso tive. Pareceu-me que para mudar o pagamento da pensão de que -e tracta, do cofre do correio para o do thesouro, poios encargo geraes, não era necessario haver projecto de lei, e que para isso bastava assim se ordenar no orçamento; o se se pretendo alterar o decreto ou a qualidade da pensão, persuado-me que não é aqui o logar proprio. Não entro no fundo da questão; o só direi que se a legislação em vigor inclue esta pensão nas medidas geraes, que se adoptaram com outras similhantes ou com os proprietarios de officios publicos, nada ha a fazer; o ao governo cumpre dar execução ás leis; e se estas não incluem esta pensão, então faça-se uma lei, não pessoal, mas por principios applicaveis a esta, e mais especies similhantes, ou declaratoria com o mesmo fim. — Demais, o governo actual não foz a proposta, nem nenhum dos outros anteriores a tinha feito; e deviam estar mais habilitados para tractar este negocio, do que eu estou. Não questiono se deverá applicar-se a Oslo caso o que se applicou com outros similhantes, e por ventura com os grandes donatarios; e que tenha havido omissão em assim se não fazer, e talvez não.

Sinto não ter podido concordar com os illustres collega, e duvido mesmo da competencia da commissão de fazenda para esta propo-la; e esta minha opinião que poderá ser errada, fundamento-a em a lei do orçamento ser annual, e não haver differença alguma na despeza, pois que o pensionista continua a receber o mesmo.

A camara resolverá o melhor em sua sabedoria; pela minha parte nada mais direi a este respeito.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem) — Sr. presidente, a questão que se ventila neste projecto de lei, involve, quanto a mim, a quebra de um contracto feito entre o estado e o pensionista de que se tracta. O governo não fez proposta alguma a este respeito, o negocio nasceu da iniciativa da commissão de fazenda, e eu intendo que a camara precisa, antes de entrar no desinvolvimento desta questão, sabor se o governo foi ouvido, se deu o seu assentimento a esta proposta, se concorda em uma palavra com a commissão de fazenda quanto ao projecto que está submettido á discussão. Pedia pois ao sr. ministro da fazenda que tivesse a bondade de dar algumas explicações a este respeito.

O sr. Ministro da fazenda — Sr. presidente, o governo não foz proposta alguma sobre este objecto, mas a commissão de fazenda é verdade que consultou o ouviu o governo sobre este mesmo projecto que está em discussão, e parece-me que as razões que se ponderaram, eram bastantes para fazer acreditar que não era a quebra de um contracto que -e, propunha. (Apoiados) Neste presupposto o governo annuiu a que viesse o projecto á camara, desejando só que a camara resolva com a maior justiça, como sempre costuma resolver, e o governo cumprirá a resolução da camara como é do seu dever.

O sr. Avila (Sobre a ordem) — Eu tinha muita vontade de acceitar a explicação do nobre ministro da fazenda, mas parece-me que s. ex.ª se collocou em um máo terreno. Pareceu-me que s. ex.ª disse — que não havia violação de contracto —; logo se s. ex.ª intende que não ha violação de contracto, não sei a razão porque o sr. ministro não tem uma opinião formada sobre o projecto da commissão...

O sr. Ministro da fazenda — Não havendo violação de contracto, approvo.

O Orador. — Mas acredita o governo que ha ou não ha violação! (Uma voz. — Não ha violação.) Poço perdão, ou não digo que há violação de contracto, hei de dizel-o logo quando tomar parte no debate, porque espero que a camara me deixam dizer duas palavras a este respeito; mas o nobre ministro que costuma ser muito claro e muito explicito nas suas declarações, parece-me que o não foi agora como é preciso que o seja. Não me opponho ao direito que o governo póde ter de não se pronunciar em um assumpto, não me parece bem isso porque tenho a convicção de que em assumptos desta ordem e conveniente que seja o governo que oponha afronte da maioria. (Uma voz — Para que?) Tem o governo uma opinião assente a este respeito? Diga o governo essa opinião; não a tom? Diga que a não tem.....

(O sr. Placido — E uma questão pequena) a questão é pequena para o nobre deputado, mas para mim é uma questão muito grande, porque a violação de um contracto é uma questão gravissima...

O sr. Placido: — E uma questão de direito e de justiça.

O Orador: — Se e uma questão de direito pertence aos tribunaes, o nobre deputado não sabe o absurdo que pronunciou...

O sr. Placido — E o nobre deputado não tem direito de interpretar as minhas palavras dando-lhes um sentido differente daquelle que ellas tem..

O Orador: — E preciso que o governo declare se intende que não ha contracto algum com o pensionista de que se tracta, se a pensão não é o resultado de um contracto, se o governo está de accôrdo com a commissão de fazenda a este respeito, e se tem desejo de que o projecto se approve. Sobre isto e que o governo deve dar explicações cathegoricas, porque a questão o merece.

O sr. Ministro da Fazenda: — O illustre deputado que me precedeu, tem visto e sabe perfeitamente «pae eu nunca recuo em emittir a minha opinião particular francamente, ou por parto do governo, quando intendo que assim o demanda o bem da causa publica. (Apoiados)

Eu intendo que a questão sujeita agora ao exame da camara era precisamente uma daquellas em que o governo se não devia collocar á frente da maioria; (Apoiados) a maioria ácerca desta questão póde ler, como tem tido, e sempre ha de ter, a opinião que quizer; mas o governo não reputa conveniente o pronunciar-se pro ou contra em relação á resolução que a camara quizer tomar. (Apoiados)

A questão apesar de ser uma questão de principios ate certo ponto, é, tambem até certo ponto, uma questão pessoal, e eu intendo que o governo não faria bem se viesse fazer questão de governo de uma

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cousa que como disse, até certo limite é uma questão pessoal. (Apoiados)

Nesta conformidade, repito, que me pareceu ouvir na commissão de fazenda ponderações, pelas quaes se poderia concluir que não havia violação de contracto algum, e foi neste presupposto que annui por parte do governo a que se apresentasse na camara o projecto em discussão.

Se a discussão me demonstrar que ha violação de contracto, hei de rejeitar o projecto. A discussão serve para alguma cousa, serve para illustrar; e desde que não lia uma opinião antecipada e decidida sobre um assumpto dado, desde que não ha uma importancia politica ou financeira, qualquer que seja, para fazer passar uma medida, intendo que é o resultado da discussão que ha de illustrar. Por consequencia a discussão é que me ha de illustrar, e até agora tenho concordado no parecer da commissão no presupposto de que não ha violação de contracto. A camara decidira o que intender.

O sr. Maia (Francisco): — Depois de ter declarado á camara os motivos porque assignei vencido o projecto em discussão, devo agora dizer algumas palavras sobre a materia.

A pensão de que se tracta, ou foi até aqui abonada em virtude de disposição de lei, ou não. Se o pensionista a recebe em virtude de lei, é preciso propôr claramente a derogação dessa lei: se a recebe sem haver lei para isso, como eu acredito que não ha, então não ha que votar; porque desde o momento que a camara vote o projecto como está, vai reconhecer que ha lei que auctorisa a pensão, e que o pensionista tem direito a receber a pensão pela perda do seu officio de correio-mór. Mas é isto em que eu não posso concordar, porque se este officio de correio-mór é uma propriedade, ha outros muitos individuos a quem se tirou officios, e que por consequencia ficaram privados da sua propriedade, e então o que se fizer a respeito de um, deve fazer-se a respeito de outros.

A commissão de fazenda do anno passado propunha a eliminação da verba que vinha consignada no orçamento para pagar esta pensão, porque intendia que ella não estava auctorisada por lei, mas não fez projecto de lei nenhum para a eliminar; se se fizer um projecto de lei para isto, segue-se que a camara reconhece que ha lei que a auctorisa.

Portanto intendo e proponho que não ha logar a votar sobre o projecto (Apoiados)

O sr. Santos Monteiro: — Quando vier a questão de direito, ella ha de ser defendida por alguem, pertencente á commissão de fazenda.

A commissão, apresentando este projecto, não fez mais que applicar a um officio a mesma legislação que tem sido applicada a todos os outros casos de officios, que foram extinctos em 1833.

Quanto a mim a pensão concedida ao conde de Penafiel não tem fundamento em nenhuma lei, não tem fundamento senão em um abuso, daquelles muitos abusos que estão desde certa época inveterados nesta terra. (O sr. Corrêa Caldeira — Peço a palavra). Ora para que o meu illustre adversario o sr. Corrêa Caldeira saiba em que me fundo para assim o dizer, notarei, que o conde de Penafiel era correio-mór, o officio de correio-mór foi extincto, mas não era o unico officio-mór da casa real, cujo emprego se havia tornado quasi vitalicio. E não haveria na casa

real outros empregos senão com melhores garantias, ao menos com iguaes garantias? Ainda conheço um outro emprego da casa real senão superior, ao menos igual ao de correio-mór, era o de aposentador-mór, que talvez não tivesse rendimentos muito inferiores ao de correio-mór. O certo é que o emprego de aposentador-mór foi extincto, e o aposentador mór não teve nenhuma compensação ou indemnisação por essa perda, absolutamente nenhuma; e era um officio da casa real igual ao de correio-mór, e ao de almirante-mór: e este até, além de outras muitas regalias e vantagens, tinha o direito de receber as ancoragens de todos os navios que fundeavam nos diversos portos do reino; comtudo o officio ou emprego de almirante-mór foi extincto, e o individuo que o exercia, não teve compensação nenhuma, absolutamente nenhuma; o unico fulano-mór, (e não quero examinar a historia deste caso) que teve compensação ou indemnisação foi o que exercia o cargo de correio-mór...

É certo, que um alvará que nós vimos, e que sei ha-de ser aqui apresentado, estabelece que se dê ao conde de Penafiel como indemnisação ou compensação do que elle perdeu na suppressão daquelle officio (note-se daquelle officio do estado) uma quantia que foi calculada, segundo a declaração que elle fez! Deu-se-lhe uma quantia em bens da corôa para poder vincular; mais tarde deu-se-lhe o reguengo de Penafiel; e ainda mais tarde deram-se-lhe 16 mil cruzados annuaes, para compensação da quantia em que elle conde de Penafiel tinha calculado aquella perda I Isto é puramente negocio de compadres!

Eu pergunto — o que será feito do reguengo, de Penafiel Creio que desappareceu, como desappareceram todas as cousas que tinham titulos desta especie. E não me consta que o conde de Penafiel tivesse compensação alguma por essa perda. Se se considera esta questão como se fosse effeito de um contracto, então não sei como se lhe não deu tambem uma compensação pela perda do reguengo de Penafiel.

Todas estas concessões que eu acabo de referir, tiveram logar, se me não engano, por effeito do alvará de 16 de março de 1797. Ora os 16 mil cruzados que foram concedidos por alvará de 17 de dezembro de 1798, ao conde de Penafiel, foram depois, por um aviso de Miguel Pereira Forjaz, elevados a 17 mil crusados.

A questão do contracto será depois tractada por pessoas competentes da commissão de fazenda, creio que hão-de fazer fé, e mostrar clara e cabalmente que não ha contracto, que a approvação do projecto em discussão não importa violação de contracto algum.

Agora quanto á distribuição da verba, a commissão de fazenda podia propôr a transferencia da verba de um para outro ministerio, independentemente de projecto de lei, porque não ha lei alguma que prohiba essas transferencias. Se nós tivessemos a consciencia de que esta pensão estava fundada em lei, nem a transferencia do pagamento se propunha; mas tendo a consciencia de que o não está, por isso apresentámos o projecto, para igualar a perda deste officio á de outros officios que se tem extincto desde 1833 para cá, e por cuja perda, na conformidade do decreto de 16 de janeiro de 1831, e outra legislação posterior, se passaram áquelles individuos que os usufruíram, titulos de renda vitalicia; para esse fim.

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digo, é que nós, maioria da commissão de fazenda, propuzemos o projecto que está em discussão.

O sr. Avila: — Eu não tencionava fallar neste logar, porque desejava ouvir primeiro os membros da commissão de fazenda, que são jurisconsultos, e só no caso de que as suas razões me não convencessem, tencionava motivar o meu voto, reconhecendo-me incompetente para tractar este assumpto. Não tendo, porém, aquelles cavalheiros tomado a palavra, nem mesmo para responder a dois membros da commissão de fazenda, tão auctorisados como os srs. Roussado Gorjão, e Maia, votar-me-hei como victima expiatoria para Os forçar a entrar no debale, o que já obtive, pois que o illustre deputado, o sr. Justino de Freitas, membro da commissão, fez-me a honra de pedir a palavra para me responder.

Parece-me que houve da parte da illustre commissão pouca generosidade neste proceder, pois que tendo ella estudado a questão, não devia ler difficuldade em esclarecer o debate, que se me affigura ser mais grave do que se inculca, até pela repugnancia que o governo tem em pronunciar-se a este respeito.

Se a illustre commissão, pegando no assentamento das classes inactivas, examinasse se havia pensões illegalmente concedidas, e propozesse a sua eliminação, acharia eu este proceder regular. Mas bem longe disto a commissão foi lançar-se sobre uma pensão concedida por quem a podia conceder, ha 57 annos, e que tem atravessado todo este longo espaço, sem que os poderes publicos a tivessem procurado extinguir.

Ouvi com espanto o illustre deputado que me precedeu, declarar que esta pensão não tinha fundamento em nenhuma lei, e só em um daquelles abusos e escandalos, que são tão frequentes nesta terra. Esta asserção é inteiramente inexacta, como vou demonstrar.

Para isto peço licença á camara, a fim de lêr o decreto de 18 de janeiro de 1797, em que se declara que sendo necessario extinguir o officio de correio-mór do reino, se offerece uma compensação, que acompanha o mesmo decreto, e que contém entre outras vantagens a pensão de 40 mil cruzados em bens nacionaes ou commendas, que se possam vincular; e o alvará com força de lei de 16 de março do mesmo anno, em que declarando se que o correio-mór não acceitára a compensação offerecida, se decreta a mesma compensação. (Leu os)

Ha ainda o decreto de 17 de dezembro de 1793, que confirma os dois antecedentes, mas que não vem na collecção das leis; comtudo o sr deputado Corrêa Caldeira tem uma copia authentica delle, que lerá sem dúvida á camara quando tiver a palavra. Nesse decreto lê-se expressamente — que a pensão 16:000 cruzados (os restantes 24:000 cruzados estavam compensados de outra maneira) seria paga pelas rendas do correio, em morgado perpetuo, em quanto se não estabelecesse este rendimento em bens de raiz solidos, que fossem administrados pelo ex-correio-mór e seus successores.

Em vista destes documentos póde sustentar-se que esta pensão não foi decretada por lei? Perguntarei ainda se ella não tem por base um contracto solemne, proposto pelo governo ao correio-mór, e acceito por elle?

A verdade é que nesta camara expendem-se idéas taes a respeito de contractos, que um dia não se há de acreditar que taes idéas tivessem sido enunciadas em uma camara legislativas em 1853. Mas os documentos que li, provam sem réplica, que aquella concessão foi o resultado de um verdadeiro contracto, ou então ignoro o que são contractos.

Se esta pensão tivesse sido verificada em padrões de juros reaes, havia o sr. Conde de Penafiel ser esbulhado desses padrões? Se tivesse sido verificada em bens da corôa, como se prometteu, havia a camara privar o sr. conde de Penafiel desses bens, sobre tudo depois do decreto de 13 de agosto de 1832, e caria de lei de 22 de julho de 1816?

Se em logar de uma pensão, que tem a natureza de vinculo, fosse uma pensão com sobrevivencia, havia a camara esbulhar os herdeiros do sr. conde de Penafiel dessas sobrevivencias! Por ventura deixa a camara de reconhecer as pensões que tem sobrevivencias, e oppõe-se acaso a que estas se verifiquem?

Do parecer da illustre commissão parece deprehender-se, que o principio de que os officios não são propriedade de ninguem, provém da carta: entretanto a carta prescreve tambem, que as leis não tem effeito retroactivo, o que é precisamente o contrario do que faz a illustre commissão; porque a illustre commissão dá por não existentes os alvarás de 1787, que já citei, elimina da nossa legislação esse espaço de 57 annos, e considera hoje o sr. conde de Penafiel como proprietario do officio de correio-mór, que elle não é, e só sim uni pensionista do estado, a quem foi dada a sua pensão por quem lha podia dar, e com circumstancias, que tornam esta concessão um contracto, que a camara não tem auctoridade para violar.

O principio de que os officiaes não são propriedade de ninguem, é muito anterior á carta. Eu não quero aqui fazer erudição, que me era muito facil fazer á custa da nossa legislação. Mas no alvará de 23 de novembro de 1770 se prova, por uma deducção luminosa, que este direito foi sempre o direito deste paiz, e tanto assim, que os povos, por mais de uma vez, se dirigiram em côrtes aos Soberanos, queixando-se de que este direito fosse posto de parte.

Se o Soberano em 1797 intendeu, apezar da doutrina luminosa daquelle alvará tão recentemente publicado, que para esbulhar o sr. conde de Penafiel do seu officio era preciso tractar com elle, é porque havia o quer que fosse de especial neste officio que se não dava nos outros, e que obrigava o Soberano a a ter com aquelle cavalheiro esta contemplação. Por esta occasião direi á camara, que as ponderações que lhe tenho apresentado, as derivei todas dos documentos officiaes que citei. Não me consta que o sr. conde de Penafiel, ou pela modestia que todos lhe conhecem, ou por confiar no seu bom direito, tivesse procurado esclarecer algum dos membros da camara nesta questão.

Eu ignoro, pois, o que houve relativamente á questão do officio de correio-mór, á excepção do que consta dos documentos officiaes; mas quando vejo que o Soberano veiu tractar com este cavalheiro, e lhe propoz uma certa compensação pela abolição do seu officio, não posso deixar de concluir, que o Soberano intendia que tinha obrigação de conceder essa compensação, e vejo nisto um contracto, em que não houve tabellião, é verdade, mas houve um Soberano que propoz certas condições a um seu subdito que as acceitou: houve, pois, um convenio para um certo fim, que deu direitos, e impoz obrigações ás duas partes que nelle

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entraram; e isto não póde deixar de se chamar um contracto.

Disse-se tambem, como argumento: — Em parte desta compensação deu-se ao conde de Penafiel o reguengo de Penafiel; este perdeu-o o conde pela extincção dos foraes; que indemnisação se lhe deu por elle? — Isto equivale a dizer que, porque o conde de Penafiel foi esbulhado de uma parte da sua propriedade, se lhe deve tirar o resto! Que argumentos se vem apresentar no parlamento!

Vozes — Já deu a hora: continue ámanhã.

O Orador — Se a camara quer, continuarei ámanhã; mas o que me resta a dizer são duas palavras, que peço licença para dizer agora.

fozes — Palie, falle.

O Orador (Continuando) — Intendo que todos os membros desta camara são habeis para examinar os differentes assumptos de que ella tem de se occupar; mas o facto é, que se intendeu dever estabelecer a divisão dos trabalhos dividindo a camara em commissões para estudar os diversos objectos que aqui vem, mandando determinados assumptos a cada uma dessas commissões e nomeando para as compôr os deputados mais competentes sobre esses assumptos. Ninguem negará que o objecto de que se tracta, pertence mais á commisão de legislação do que á commissão de fazenda: é pois áquella commissão, que elle devêra ter sido remettido. E ainda que eu não faço esta proposta, parece-me que algum membro da maioria não deixará de a fazer, e que a camara concordará em que o projecto seja remettido á commissão de legislação, que o examinará com a seriedade que o caso pede, dando um parecer a respeito delle, que servirá de base á discussão. Mas ou se faça ou não essa proposta, não posso deixar de declarar á camara, que voto contra o projecto, excepto se as razões que se apresentarem durante o debate, me convencerem de que estou em êrro.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem) — Sr. presidente, o meu illustre amigo o sr. Avila citou os dois alvarás de 18 de janeiro de 1797 e de 16 de março do mesmo anno, mas o ultimo alvará de 18 de dezembro de 1798. que se não acha em collecção nenhuma, tenho-o eu em meu poder, o como todos estes documentos devem servir para esclarecer a questão, se v. ex.ª me dá licença, pedia que fosse inserto no extracto da sessão, para que os srs. deputados possam ler conhecimento delle. E o seguinte

Por decreto de Sua Magestade, de 17 de dezembro de 1798:

«A Rainha Nossa Senhora havendo, pelo alvará de 16 de março de 1797, extincto o officio de correio mór, e concordado com o correio-mór sobre a compensação devida ao seu direito, e ainda mais merecida pela honra com que sempre se comportou e especialmente se distinguiu nesta occasião, foi servida declarar no dito alvará, que em competente e propria compensação, attendendo á consideração que elle merece por si e por aquelles donde veiu, e á importancia da graduação do Officio, eleval-o á grandeza com o titulo de conde de juro e herdade, com vidas e fóra da lei mental; e por quanto é devido e opportuno concluir o despachos concordados e já annunciados: ha por bem fazer mercê a Manoel José da Matta de Sousa Coutinho do senhorio de reguengo e terras de Penafiel, com o titulo de conde de Penafiel, e honras de official-mór e criado da casa real, como tinha em correio-mór, tudo de juro e herdade, com tres vidas fóra da lei mental; das commendas de Santa Maria de Moreira, e Santa Maria de Adaufe, da ordem de Christo, em quatro vidas: e de dezeseis mil cruzados de renda pagos pelas rendas do correio em morgado perpetuo, em quanto se não estabelecer este rendimento em bens de raiz solidos, que elle e seus successores administrem como a mesma Senhora tem ordenado. — Palacio de Queluz, em 18 de dezembro de 1798. = (Assignado) José Seabra da Silva.

O sr. Presidente — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da discussão pendente. Está levantada a sessão. — Era um quarto depois das quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão.

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