O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2796 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A nossa situação financeira é delicada, e a situação económica delicadíssima. De um momento para o outro pode mós ser victimas de uma grave perturbação económica, e mesmo social.
Careço de deixar bem registadas nos animes parlamentares as opiniões dos homens competentes, a respeito d'estas obras de apparato, que não são necessarias, e que podem ser prejudiciaes, para combater a idéa, que se levantou rapidamente, e se formou no período de um anno ou menus, de que os melhoramentos consignados no projecto são absolutamente necessários e indispensáveis para a vida do porto de Lisboa.
Se os estrangeiros não conhecessem bem a barra de Lisboa, e se limitassem a fazer obra pelos relatórios que precedem as propostas do governo, abandonariam a navegação do nosso porto, e fatiam quarentena de navegação com respeito ao Tejo, como quarentena sanitária acaba de estabelecer a Alexandria para as procedências de Portugal que felizmente nem está assolado por epidemias, nem se confunde, na sua autonomia política, com nenhum outro paiz.
O porto de Lisboa do que precisa é dos melhoramentos indispensáveis para se tirar todo o proveito possível das condições excepcionaes com que a Providencia o favoreceu.
Melhoramentos de phantasia podem apenas servir para prejudicar a barra: e não deve o paiz pagal-os.
A respeito das docas de fluctuação dizia o illustre engenheiro, a quem me estou referindo, na associação dos engenheiros civis: - A amplitude das marés é tão pequena no Tejo, que não vemos rasão para se construírem docas de fluctuação -
O porto de Lisboa não é como alguns portos inglezes onde a diferença de nível na praiamar e na baixamar é tão grande que torna necessárias as docas de fluctuação.
Na bacia do Tejo a differença de nível não é tão sensível nas differentes phases da maré, que possa influenciar a carga ou descarga dos navios.
Insistiu, e muito, este distincto engenheiro, nos seus argumentos contra a doca de fluctuação, obra realmente de luxo num porto como o nosso, em que é tão pequena a amplitude das marés.
Não é preciso ser distincto engenheiro, basta o bom senso, e o conhecimento do nosso porto, para saber que as duas obras, base do projecto, a construcção do cães acostavel e as docas de fluctuação, são obras de mero apparato e espectáculo, apparato e espectáculo que poderiam acceitar-se, se não custassem tão caro ao paiz, e não prejudicassem a navegação.
Ouçamos em segundo logar o parecer do distincto engenheiro, sr. Sousa Brandão.
Diz este illustre engenheiro:
«Pela leitura do relatorio vê que os fins que se têem em vista com as obras do porto de Lisboa, são: Melhorar o regimen do Tejo, as condições de navegação e commercio, conquistar terrenos para edificações, e prover á salubridade da capital. De todos estes objectos, o que se refere á conquista de terrenos é o menos importante, porque Lisboa tem ainda muito espaço livre para edificações, e não é com o augmento projectado que deixará de ser uma cidade na maior parte accidentada. Se os terrenos a conquistar ao rio têem alguma importância, é para nei!es se estabelecerem as docas e suas dependências, e bem assim para estabelecimentos marítimos. Só depois é que se deverá permittir a construcção de edifícios particulares nos terrenos que ficarem disponíveis, e ainda assim essa permissão só se justifica como medida economica.
«Quanto ao regimen do rio, é uma questão importante, sem duvida, mas não a considera como objecto principal. A experiência mostra que a barra não tem variado sensívelmente desde longa data, portanto, ainda que nada se fizesse, as cousas continuariam como até agora, não sendo para receiar que desappareçam as suas boas condições.»
Effectivamente a commissão nomeada em 1883 julgava essenciaes para se elaborar um projecto definitivo as seguintes bases:
1.ª Salubridade publica;
2.ª O augmento e embelezamento da cidade;
3.ª Obras do porto de mar.
Não se limitou, pois, a propor um plano para melhorar as condições commerciaes e económicas do porto de Lisboa. Três são as bases em que assenta o seu plano de trabalhos.
A parte relativa às condições de salubridade da capital merece a mais particular attenção; e já se acha regulado por lei desde 1876 este momentoso assumpto.
O projecto pendente, porém, trata de tudo menos de attender às necessidades de saúde publica na capital.
Exactamente porque o negocio da saúde publica é urgentíssimo, pois que estamos ameaçados este anno, como já o estivemos o anno passado, de sermos invadidos pelo terrível flagello do cholera-morbus, é que o governo reserva para as kalendas gregas a defeza da salubridade da capital!
Fica para o anno, diz no relatório da proposta o governo. Ficará para quando houver dinheiro, digo eu.
A segunda, relativa ao alargamento e aformoseamento da cidade, não é cousa em que se pense agora. Pois nós precisámos de conquistar terrenos ao Tejo para augmentar as edificações? Não haverá bastante terreno disponível para edificar, mesmo dentro das barreiras da cidade, sem necessidade de conquistar terrenos ao Tejo, e principalmente agora, que com a nova organisação do município de Lisboa fica consideravelmente alargada a sua área? Quanto ao aformoseamento é obra sympathica a todos, em que ninguém, em circumstancias normaes, negaria o seu voto.
Mas poderá o paiz pagar neste momento para aformosear a cidade de Lisboa?
O governo e as cortes não fazem de certo a mais leve idéa da situação penosa era que se acha o contribuinte!
As circumstancias das nossas industrias, especialmente da industria agraria, são deploráveis.
O paiz tem recursos para satisfazer as suas despezas impreteriveis, para os seus melhoramentos productivos, financeiros, económicos e commerciaes; mas não fallemos agora em aformoseamentos, porque não podemos pagal-os.
Sr. presidente, eu vejo-me forçado, em presença d'este delirio de despezas, a declarar em pleno parlamento, do modo mais explicito, que na minha opinião não póde o paiz metter se em despezas, que não sejam inteiramente productivas, ou absolutamente reclamadas pela honra ou pela vida da nação.
Estou disposto a contribuir com o meu voto, e nisso não faço mais do que cumprir a minha obrigação, para que o paiz honre os seus compromissos dentro da acção e no estrangeiro.
Mas, para honrar o paiz, não basta allegar que elle solve pontualmente as suas responsabilidades. E necessario não lançar às coitas do contribuinte carga com que elle não possa.
Por mais honrado que seja o devedor, quando não ha dinheiro, não se paga. Não nos illudamos com explosões de patriotismo. As manifestações patrióticas não supprem a falta de dinheiro!
A opinião dos engenheiros que combateram o plano de obras espectaculosas, sujeito á apreciação da assemhléa, deve reputar-se profundamente imparcial e insuspeita.
É preciso notar a circumstancia importante e singularissima de que este parecer foi pedido á associação dos engenheiros civis depois de ter sido apresentada às cortes a proposta para ser auctorisado o governo a executar o plano de melhoramentos a que esse parecer respeitava, e depois que a mesma proposta eslava já approvada por duas commissões tão importantes desta casa, como são as commissões de fazenda e de obras publicas.