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SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1885 2809

O marquez de Pombal já antes de 1755, ahi por 1730, mandou estudar no porto de Lisboa, por um architecto notavel que fez a sua carreira n'este paiz, o sr. Carlos Mardel, um muro de caes geral e avançado: precisamente a obra que o illustre deputado julga espectaculos e espalhafatosa.
D'este muro de caes, que começava no que hoje se chama o cães de Santarem e que terminava em Belem, estão até construidas algumas parcellas, como o caes das Columnas no Terreiro do Paço, e o caes da praça de D. Fernando, em Belem.
E não se julgue que por s. exa. querer a doca de cabotagem está mais adiantado que n'esta epocha; porque já o sr. Carlos Mardel projectava muitas docas de abrigo, e uma grande doca no arsenal que estabelecia em Alcantara.
Até já no tempo de D. João V se propunha para o que s. exa. agora quer: uma doca de abrigo e até um caes de aterro em frente da Boa Vista.
Portanto, em condições economicas do paiz, o illustre deputado está atraz de 1755; e nem isto significa nada em desfavor de s. exa. porque, em compensação, em idéas politicas o illustre deputado é muito mais avançado do que eu; mas em idéas economicas está mais atrazado.
Diz o illustre deputado que é espalhafatosa uma mura lha avançada no porto de Lisboa atraz da qual tem de construir-se guindastes, vias ferreas, armazens, etc.
Oiça s. exa. o que ainda não ha muito tempo escrevia um grande estadista de França em uma circular ministerial datada de 21 de janeiro de 1882:
«Não basta crear docas. É necessario prover os cães com engenhos aperfeiçoados, permittindo embarcar e desembarcar rapidamente as mercadorias, e reduzir ao rigoroso minimo a duração da demora dos navios; a transformação progressista da marinha mercante, por virtude da substituição dos navios do vela pelos vapores e o acrescimo continuo da tonelagem e da velocidade do marcha torna a installação d'esses apparelhos uma necessidade imperiosa. É preciso, alem d'isso construir nos terraplenos, barracões e abrigos para a conservação e deposito das carregações. É preciso finalmente ligar intimamente os portos á rede dos caminhos de ferro por vias ferreas dispostas de maneira a pôr os wagons em contacto com os navios e assegurar nas melhores condições de facilidade e de promptidão as manobras de carga e de descarga e de composição e decomposição dos comboios.»
Este illustre ministro entendia que já não era preciso encarecer a necessidade de muros de cães e das docas. Para elle é já considerada como imperiosa a necessidade dos apparelhos aperfeiçoados de carga e descarga, dos barracões e das vias ferreas, que tudo fica assento nas muralhas que exactamente o illustre parlamentar não quer.
Se o illustre estadista francez, que assignou e fez espalhar por todos os cantos da França estas circulares, se este estadista tivesse ouvido na vespera do dia em que aquellas circulares foram distribuidas, as considerações do illustre deputado, alcunhando de espalhafatoso um muro atraz do qual teriam de construir-se os guindastes, as linhas ferreas, os barracões, etc., que elle tanto elogiava, de certo teria mudado de opinião e talvez rasgado as suas circulares!
Ainda não ha muito que eu li numa publicação franceza, no Genie civil, uma noticia concebida nos seguintes termos: «Os inglezes já se gabam de que ha poucos dias entrara no porto de New Clastle um navio de 2:000 toneladas de arqueação, carregára 400 toneladas de carvão, entrara em seguida n'uma doca de reparação onde soffreu concerto, recebera ahi uma pintura de coaltar em todo o convés e saíra em seguida o Tyne, tendo gasto em tudo isto trinta horas!»
Este navio, só a descarregar no porto de Lisboa, gastaria quatro dias, tomando a media da demora das descargas n'este porto.
Pois se em New Castle se puderam fazer todas aquellas trinta operações em trinta horas, é porque ha ali as muralhas acostaveis aos grandes navios e os machinismos e os armazens e as vias ferreas e tudo enfim, que o illustre deputado julga espalhafatoso.
Dizia o engenheiro francez, que escrevia a noticia a que acabo de me referir: Cuidado! Cuidado, com estas pressas dos inglezes!
Pois, supponhâmos que um d'estes inglezes encontrava o illustre parlamentar e começava a gabar-se lhe de uma cousa d'estas; de que os navios se demoravam nos seus portos apenas trinta horas para executar operações que n'outros portos levariam muitos dias a executar.
Provavelmente o illustre parlamentar responder-lhe-ia, que lhe é muitissimo agradavel ver dos altos da cidade, ahi de Santa Catharina ou do castello de S. Jorge, estes enormes edificios que a arte naval tem produzido, estacionados n'este amplo e formoso estuario que banha os pés da cidade, a projectar a sua sombra enorme sobre as aguas do Tejo.
E tudo isto póde ser verdade e muito bonito, mas o peior, mas o peior, sr. presidente, é que enquanto elles ali estão parados e a deliciar as vistas dos habitantes da cidade, o commercio e o paiz estão a pagar fretes! (Muitos apoiados.)
E, se o transporte nas fragatas, dos navios para os caes e vice-versa, está sujeito a mais avarias e a maiores riscos, do que no desembarque directo dos navios para os caes, tambem o commercio e o paiz pagam maiores seguros! (Apoiados.)
E se a carga e descarga das mercadorias, em vez de se effectuar pelos processos actuaes se operar pela acção dos engenhos modernos e aperfeiçoados pelos grandes guindastes actuados pela pressão hydraulica tambem as operações de carga e descarga se farão mais economica e rapidamente.
E, se logo atrás dos muros de caes houver os armarios apropriados para receber as mercadorias, tambem a armazenagem e a pesagem será muito mais simples e economica! E, se esses armazens estiverem servidos por vias ferreas que os façam communicar immediatamente com estações dos nossos caminhos de ferro e com os principaes mercados da cidade, tambem as despezas do transporte no interior da cidade diminuirão!
Já vê o illustre parlamentar que as obras que se projectam não são simplesmente de espalhafato, servem tambem para alguma cousa! (Apoiados.)
Dizia-nos o illustre parlamentar que em 1730 não só julgavam necessarias estas grandes obras que agora só projectavam, e que comtudo a navegação se fazia e o commercio se estendia.
Mas as condições da navegação e do commercio eram porventura, n'esse tempo, as mesmas que actualmente se nos offerecem?
Então os maiores navios que sulcavam os mares eram os galeões e as caravelas que mediam 600 toneladas, e no maximo 800, e as difficuldades, e as delongas, e os perigos d'essas viagens eram por tal fórma consideraveis que a demora de dois ou tres dias a mais n'um porto maritimo, as difficuldades das cargas e descargas nos portos do mar eram de tal modo insignificantes, relativamente as difficuldades e demoras das viagens completas que não havia vantagem sensivel em attenual-as no interior d'esses portos.
Mas é exactamente isso tudo o que variou. O vapor substitue a vela, e como é necessario adquirir velocidade e economia de transporte o navio passa de 800 a 3:000 toneladas. O tempo da viagem e o preço do frete diminuem, e uma demora n'um porto de mar, que em 1730 poderia ser de insignificante influencia sobre as operações commerciaes, póde hoje ser um grave perigo para as transacções mercantis! (Apoiados.)