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SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido do Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Lida e approvada a acta, teve Segunda leitura o projecto dos srs. Pedro Roberto e barao do Ramalho. - O sr. Correia de Barros refere-se á questão sobre o imposto do sal, e constando-lhe que já se havia apresentado o trabalho da commissão, pede que quanto antes seja dado para ordem do dia. - O sr. presidente diz-lhe que hoje mesmo seria dado para ordem do dia. - O sr. Elvino de Brito insta pela remessa dos documentos que pediu pelo ministerio da marinha, e que ainda lhe não foram remettidos, com respeito ao caminho de ferro de Mormugão, sobre cujo contrato diserta, reprovando. - O sr. Avellar machado manda para a mesa uma representação de alguns proprietarios de fabricas de Lisboa. - Os srs. ferreira de Almeida e sebastião Centeno pedem que se inste pela remessa de esclarecimentos que pediram com referencia a assumptos do ultramar. - O sr. Luiz de Lencastre, referindo-se a palavras de censura á administração, pronunciadas pelo sr Elvino de Brito, diz que essa administração não seria um modelo, mas que não era tão má, como se dizia, e que se devia fazer justiça aos empregados, porque muitos d'elles eram exactos no cumprimento dos seus deveres. - Osr. Elvino de Brito responde, explicando as suas palavras.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 157 (melhoramentos do porto de Lisboa). - Usa da palavra o sr. Dias Ferreira, continuando o seu discurso principiado na sessão antecedente. - Responde o sr. Pereira dos Santos, relator, ficando ainda pendente o assumpto. - O sr. Luiz de Lencastre manda para a mesa o parecer da commissão de administração publica, sobre o projecto do sr. Germano de Sequeira. - Foi enviado á commissão de fazenda. - O sr. presidente, em virtude de que organisação concedida á mesa, nomeia os vogaes que hão de compor a commissão de emigração, e bem assim os que hão de constituir alem da mesa, a commissão do regimento.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 36 srs. deputados.

São os seguintes: - Garcia de Lima, Torres Carneiro, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, A. J. d'Avila, Santos Viegas, Almeida Pinheiro, Seguier, Pereira Leite, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Elvino de Brito, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Baima de Bastos, João Arroyo, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Marcai Pacheco, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão ou srs.: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Sousa e Silva, António Centeno, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Carrilho, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Eraygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Monta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Wanzeller, Guilherme de Abreu, Guilhermino da Barros, Silveira da Motta, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, Pereira dos Santos. Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Luiz Dias. Luiz Osório, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Santos Diniz, Pedro Roberto, Tito de Carvalho, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Antonio Candido, Antonio Enncs, Ennes, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjoaa de Freiras, Augusto Poppe, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamente, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Correia Barata, Francisco de Campos, Frederico Arouca, Barros Gomes, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Teixeira, de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponees de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros M. J. Viera, Aralla e Costa. M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O decreto de 16 de junho de 1875 creou na comarca de S. Jorge, pertencente ao districto de Angra do Heroísmo, um julgado com à invocação de Santa Barbara, composto das freguezias das Manadas com 301 fogos e l:145 habitantes, da freguezia de S. Matheus da Urzelina com 389 fogos e 1:146 habitantes, juntando a estas duas freguesias a da Senhora das Neves do Norte Grande que tem 467 fogos e 2:157 habitantes; acontece, porém, que as duas primeiras freguezias estão assentadas ao sul da ilha, emquanto que a freguezia da Senhora das Neves está ao lado do norte, separada por uma montanha de dificílimo transito especialmente na epocha invernosa, por não ter estrada viável e apenas pequenas veredas, que se acham quasi sempre obstruídas, o que dá logra a que os povos desta freguezia da Senhora das Neves não possam recorrer a bem da sua justiça á sede do julgado, ficando por isso privados do beneficio que podiam alcançar perante o juiz respectivo.
N'estas circunstancias e para que todos gosem do beneficio da lei, é indispensavel que se crie um julgado, composto da grande freguezia de Nossa Senhora das Neves, desannexando a do julgado de Santa Barbara, e por isso tenho a honra de propor á vossa consideração e deliberação o seguinte, projecto de lei:
Artigo 1.º É desannexada do julgado do juizo ordinario denominado de Santa Barbara a freguezia da Senhora das Neves do Norte Grande da ilha de S. Jorge, formando só

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por si esta freguezia um julgado ordinario denominado da Senhora das Neves.
Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, em 20 de junho de 1885. = O deputado pelo districto de Angra do Heroismo, Pedro Roberto Dias da Silva = Barão do Ramalho.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

REPRESENTAÇÃO

Dos proprietarios das fabricas de phospboros legalmente habilitadas na cidade de Lisboa, pedindo para ser approvado o projecto de lei que estabelece o imposto sobre os phosphoros a bem da instrucção primaria.
Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Correia de Sarros: - Sr. presidente, peco a v. exa. que me informe se e verdade a commissão especial encarregada de estudar a questão do sal ter mandado para a mesa um projecto sobro cata questão no sentido mais conveniente.
Se é verdade, eu pedia a v. exa. para com a maxima urgencia que fosse possível dar para ordem do dia esse projecto, porque hoje mesmo recebi um telegramma de grande numero de commerciantes d'este ramo de commercio, ponderando o grave inconveniente que pesa sobre o genero, e que se discuta o mais breve possível.
O sr. Presidente (Luiz Bivar): - O projecto a que v. exa. se refere já veiu para a mesa, e darei hoje mesmo para ordem do dia paia entrar era discussão logo que seja possível.
O Orador: - Se v. exa. me permitte, eu agradeço as explicações dadas por v. exa.
O sr. Elvino de Brito: - Disse que sentia que pelo ministerio da marinha não fossem ainda satisfeitos os pedidos de esclarecimentos que em tempo fizera ácerca dos negócios relativos ao caminho de ferro de Mormugão.
Mal poderia comprehender como o sr. ministro não tivesse ainda dado ordens terminantes para que esses pedidos fossem satisfeitos. Depois que os pedira, em fevereiro deste anno, tinha por muitas vezes insistido por elles, e até havia solicitado a benévola intervenção do sr. presidente, sem que até hoje tivesse conseguido a realisação dos seus desejos.
Sentia que o governo por tal forma desattendesse às reclamações dos representantes do povo. no que dava manifestamente a prova de que não comprehendia a gravidade do cargo que exercia e a altíssima missão que lhe estava confiada. Podia ser com modo o systema. mas sem duvida era impróprio dos poderes públicos.
Novamente pedia á mesa, que insistisse com o governo pela remessa immediata d'aquelles documentos, de que ainda mais precisava agora, para poder discutir, com verdadeiro conhecimento de causa, a proposta apresentada na sessão de hontem peio sr. ministro da marinha a propósito do mencionado caminho de ferro.
Já que se referira a essa proposta, não podia deixar de recordar á camara, que estava por fim realisada a prophecia que em tempo fizera sobre o assumpto.
O governo cuidára que só teria de garantir o juro de 5 por cento sobre as 800:000 libras, em que fôra a principio computada a construcção do caminho do ferro e as obras do porto de Mormugão.
Descansára, por isso, sobre o caso, e mal cuidáva do fiscalisar devidamente as contas da companhia construtora, a ponto de não freceber durante meio tempo quaesquer relatorios ou esclarecimentos sobre o estado financeiro da mesma companhia.
Era absorvida, é certo, a totalidade da subvenção que o governo britannico annualmente nos dava em troca das vantagens que lhe confere o tratado de 26 de dezembro de 1878, mas o governo nutrira a doce illusão de que não seria assoberbado com outros e novos encargos.
É n'estas condições que a companhia apresenta um orçamento supplementar do cerca de 500:000 libras, e o governo, que não tem elementos para impugnar o novo orçamento, uma vez que nem soubera fiscalisar convenientemente o andamento das obras e as contas da companhia, limita se a vir ao parlamento pedir a precisa auetorisacão para garantir o juro, não já de 5 por cento, mas de a por cento sobre o capital complementar; tal como elle, orador, previra com grande antecipação.
Lamentava este facto e sentia que os negócios relativos áquelle caminho de ferro não fossem melhor fiscalisados e mais seriamente estudados pelo ministro respectivo.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra vê restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa uma representação dos fabricantes de pbosphoros, adherindo á idea do projecto que está pendente da apreciação das respectivas commissões.
O sr. Presidente: - A que commissão pede o illustre deputado que vá esta representação?
O sr. Avellar Machado: - A commissão a que está affecto o projecto.
O sr. Ferreira de Almeida: - E para perguntar a v. exa. se já vieram os documentos que pedi ácerca da divida dos governadores e vários fuccionarios do ultramar aos cofres públicos por adiantamentos.
O sr. Secretario: - Os documentos a que o sr. deputado se refere foram pedidos em 26 de junho, e ainda não veiu resposta.
O sr. Barbosa Centeno: - Pedia a v. exa. que me informasse se já veiu a nota que requeri das quantias arrecadadas nos cofres das províncias de Afina occidental pelo fundo chamado de colonisação.
O sr. Secretario: - Os documentos a que o sr. deputado se refere foram pedidos em 26 de junho, e ainda não veiu resposta.
O Orador: - Peço a v. exa. para que inste novamente pela remessa desses documentos, porque são de extrema necessidade.
O sr. Luiz de Lencastre: - Eu ouvi com a maior attenção as palavras proferidas pelo meu amigo, o sr. Elvino de Brito. S. exa. referiu-se a factos de que não tenho conhecimento, com referencia á administração do caminho de ferro de Mormugão, do que eu nada sei senão pelos jornaes; mas s. exa. fallou tambem da administração do ultramar.
Ha tempos que eu ouço accusar n'esta camara a administração do ultramar e os empregados encarregados de executarem essa administração. Parece-me que não fica bem aos poderes públicos ouvirem impassíveis estas palavras, e ao parlamento ouvir taes accusações sem protestar.
O sr. Elvino de Brito: - Peço a palavra.
O Orador: - Devo dizer a v. exa. e á camara, que não penso que a administração do ultramar seja um modelo, que não precise de ser alterada, mas é preciso que se diga que os empregados da secretaria de marinha, principalmente os que conheço, são exactissimos no cumprimento dos seus deveres, executando a administração como ella é, e as leis como ellas são.
Que o regulamento que rege as províncias ultramarinas seja bom, não discuto agora, mas parece-me que não é tão mau como se quer dizer. É preciso que se diga que durante o antigo regimen houve uma administração nas provincias
Ultramarinas, durante a qual ellas se levantaram de um certo atrazo e do pouco adiantamento que tenham, mas na transição do antigo para o novo regimento estabeleceu-se, tanto no ultramar como no continente, uma especie de

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cháos na administração, porque, como v. exa. sabe, os serviços estavam organisados de uma forma tal, que não era possível de um momento para o outro estabelecer de outro modo, ou apresentar uma administração completamente diversa.
Eu não venho neste momento fazer a critica dessa historia da administração ultramarina, mas venho dizer, assim como o tenho dito sempre que fallo ou escrevo sobre cousas do ultramar, que os poderes públicos deviam dar às províncias ultramarinas toda a attencão que ellas merecem, e julgo melhor que nós todos appliquemos o cabedal dos nossos conhecimentos, os nossos esforços e a nossa intelligencia para esse fim, em vez de virmos fazer accusações isoladas, sem apontar o remédio para esse mal, censurando pessoas que antes merecem louvor.
Em 1851, um homem que costumava estar sentado n'estas cadeiras, e de quem tenho ouvido dizer que não faz nada, mas que, verdade, verdade, é um dos que mais têem
feito para beneficiar o paiz - fallo do sr. Fontes -, em 1851 restaurou o conselho ultramarino, pois dizia s. exa. que o conselho ultramarino era o verdadeiro repositorio dos conhecimentos em relação às medidas a tomar para a administração do ultramar. Um vento de economia dissolveu em 1865 o concelho ultramarino, assim como todos os conselhos, porque era então a epocha da felicidade.
Ficou em vez d'elle a junta consultiva do ultramar.
Hoje o conselho ultramarino está extincto.
Diz-se que ninguem é propheta na sua terra, e se ninguém o é, menos o serei eu; mas eu digo, que quando se quizer fazer uma boa administração, e modelar a administração ultramarina, ha de restaurar-se o conselho ultramarino. (Apoiados.)
V. exa. sabe que no conselho ultramarino tinham voz os homens praticos e experientes n'estes negocios.
Ha dez annos, quando pela primeira vez tive a honra de ter vez tive a honra de Ter voz n'esta casa, fallei ácerca de negocios ultramarinos.
O anno passado, convencido de que era necessario fazer alguma cousa com respeito às nossas províncias ultramarinas, propuz para que se nomeasse uma commissão de inquérito, em que se dignaram tomar parte alguns homens importantes desta camara, e entre elles o sr. José Luciano, cujos dotes administrativos eu sou o primeiro a respeitar.
Essa commissão tem feito alguma cousa, mas os seus trabalhos ainda não estão completos.
Mas vejo que o meu illustre amigo o sr. Elvino de Brito está impaciente por fallar, eu vou ceder lhe a palavra.
O sr. Elvino de Brito: - Disse que, tendo ouvido o discurso do illustre deputado, o sr. Luiz de Lencastre, não podia deixar de observar que o achara descabido, e até certo ponto injusto.
Elle, orador, limitara se a protestar contra a demora havida na satisfação dos seus pedidos, no que suppunha ver uma desconsideração, não feita a elle, deputado, mas ao parlamento.
O sr. Luiz de Lencastre seria o primeiro a reputar incorrecto este procedimento do governo.
Não accusára nenhum empregado, e por isso considerava dispensáveis e iuopportunas as largas considerações feitas pelo illustre deputado em defeza dos empregados da secretaria da marinha. Onde não ha accusação, não póde haver defeza.
Não atacára os empregados d'aquella secretaria, nem tinha que os atacar. Não desconhecia que a responsabilidade cabia toda ao ministro, e por isso só a elle pediria contas, como a elle eram dirigidos os reparos que fizera.
Acreditava nas boas intenções dos membros da commissão de inquerito parlamentar ás provincias ultramarinas, a que se referíra o illustre deputado, mas não podia crer que ella ainda viesse apresentar o resultado dos seus trabalhos, pois twendo ella sido eleita na legislatura já finda, caducára por esse facto a sua auctoridade e a sua rasão de existencia, desde que começára a nova legislatura.
Parecia-lhe isto evidente, salvo o devido respeito pela opinião do seu amigo o sr. Lencastre.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto de lei n.º 157 (melhoramentos do porto de Lisboa)
O sr. Dias Ferreira: - Repito o que já hontem disse á camara, que julgo absolutamente inadiaveis e urgentes as obras, em que estão de accordo os homens competentes, para melhorar as condições economicas do porto de Lisboa. Algumas d'essas medidas estão já convertidas em lei, como são as relativas á illuminação da barra, e a um estabelecimento marginal ao rio para reparações dos navios que aportam ao Tejo com avaria.
Falta-nos tambem votar os meios precisos para a construção de docas que sirvam de abrigo ás pequenas embarcações, e para a cojnstrucção de pontos com caes avançados, a fim de facilitar o embarque e o desembarque.
Eu porém não sou competente para determinar as obras indispensaveis para o melhoramento do porto de Lisboa. O plano de obras, pois, a que eu darei o meu voto, ser´+a aquelle em que assentarem os corpos technicos officiaes, depois de terem examinado todos os projectos apresentados sobre este gravissimo assumpto, e depois de terem procedido aos estudos e exames necessarios para poderem proferir um voto decisivo e definitivo com perfeito conhecimento de causa.
Em conformidade d'estas minhas idéas, se eu tivesse pedido a palavra sobre a ordem, o pensamento fundamental da minha moção seria - que a camara adiasse a discussão d'este projecto até que a junta consultiva de obras publicas e minas, tendo em vista, não só o parecer da commissão nomeada em 1883, mas tambem o parecer da commissão nomeada em 1871, e os pareceres dos engenheiros nacionaes e estrangeiros, e exigindo os estudos que julgasse necessarios desse um parecer fundamental a respeito das obras absolutamente indispensaveis para melhorar as condições economicas e commerciaes do porto de Lisboa, apreciando tambem o assumpto debaixo do ponto de vista financeiro para sabermos se os melhoramentos a realisar no porto de Lisboa importariam ou não verdadeira compensação dos sacrificios que o thesouro tem a fazer com as obras.
E com as opiniões dos homens da profissão, que eu vou combater o projecto.
Eu faltaria de certo aos deveres de antigo parlamentar, e às regras de boa cortezia, se me mettesse a propor por minha conta, e a indicar sob a minha auctoridade, os melhoramentos que se devem fazer no porto de Lisboa, quando esses melhoramentos devem ser antes de tudo considerados sob o ponto do vista technico.
Hei de argumentar com a opinião dos homens entendidos no assumpto, com o parecer das pessoas competentes, e com as rasões dos especialistas nesta matéria, os quaes todos condemnam a base do plano adoptado no projecto para os melhoramentos do porto de Lisboa.
Para reduzir perante o parlamento e perante o paiz esta questão apparatosa dos melhoramentos do porto de Lisboa às suas verdadeiras proporções, basta invocar o parecer da propria commissão nomeada em 1883, cujos trabalhos serviram de base á proposta do governo.
Para avaliar o plano dos melhoramentos a fazer no porto de Lisboa traçado por aquella commissão, não ha necessidade de recorrer á leitura de muitos livros, nem de consultar a opinião dos homens technicos, nem de ouvir o voto de corporações inteiramente alheias ao assumpto.

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Basta recorrer aos trabalhos da mesma commissão que no seu plano elaborou as conclusões que estão reproduzidas na proposta do governo.
Que confiança mereciam áquella illustre commissão os seus trabalhos, e o plano que elaborava para os melhora mentos do porto de Lisboa? Nenhuma.
Pois não começou a referida commissão por levantar a duvida, se devia ser obrigatório ou facultativo para os navios que aportassem ao Tejo o aproveitar-se das obras a construir no porto de Lisboa?
Que significa esta duvida e esta questão? Representa a morte do projecto!
Pois se as obras projectadas hão de transformar o porto de Lisboa n'um dos primeiros portos do mundo (que aliás sem ellas já o é), podem os que assim apregoam a excellencia de umas obras, que custam ao contribuinte pelo menos réis 15.000:000$000, recear de que haja commandante de navio que não queira aproveitar-se d'ellas?
O que elles deveriam esperar é que as embarcações, que aportassem ao Tejo, entre si disputassem á porfia qual havia de aproveitar-se primeiro dos benemeritos, que hão de proporcionar á navegação umas obras destinadas a fazer cidadãos benemeritos e marquezes de Pombal! Mas eu vou ler á camara as proprias palavras da commissão.
Dizia ella:
«Por todos estes motivos resumiu a commissão o seu parecer do seguinte modo:
«Que seja facultativo para todos os navios o entrar ou não nas docas, assim como a acostagem ao caes, estando a commissão persuadida de que a grande differença que deve existir entre as tarifas a adoptareis docas e caes e a despeza actual de carga e descarga no Tejo ha de levar necessariamente a grande maioria dos navios a aproveitar-se dos beneficios d'esses melhoramentos, e tanto mais quanto a conveniencia do commercio nas suas transacções lhes imporá provavelmente essa obrigação; entendo porém a commissão que os navios que por circumstancias excepcionais se não aproveitarem dos caes e das docas, preferindo qualquer ponto do ancoradouro deverão, por este facto, alem de um pequeno supplemento do imposto de tonelagem, ficar sujeitos a todas as despezas fixadas pelo governo para os effeitos fiscaes que lhes foram relativos.»
Note a camara como a commissão, mãe de todo este plano, é a primeira a condemnar a sua propria obra, manifestando receios de que os navios, que aportarem a Lisboa, fujam d'estas obras espectaculosas! Tanta confiança tem a commissão na excellencia do seu plano, que indica a necessidade de impor multas ás embarcações, que não queiram aproveitar os beneficios dos melhoramentos do porto, como são traçados no projecto do governo!
Essas multas são um suplemento aos direitos de tonelagem, e um direito fiscal.
Realmente para provar que as obras são tão boas que todo o commercio suspira por ellas, que são tão grandiosas que hão de transformar o porto de Lisboa num dos primeiros portos do mundo, a lembrança de obrigar os navios a aproveitarem se d' ellas é verdadeiramente extravagante.
Pois se as obras são de um proveito surprehendente, póde alguém duvidar de que o commercio as há de ir procurar e aproveitar-se d'ellas?
O commercio não vê senão os seus interesses; não se decide por paixões de outra especie que não seja a paixão do lucro licito.
Impor ao commercio por qualquer forma a obrigação de se aproveitar dos melhoramentos do porto é fazer desde logo d'esses melhoramentos.
O projecto pois cae irremediavelmente diante d'este simples considerando do relatorio da commissão.
Não póde resistir a proposta a tão grave infelicidade!
E o próprio pae a devorar o filho!
Esta proposta, a que se pôz o rotulo - melhoramentos do porto de Lisboa - é única e exclasivamente uma bandeira politica.
Ora eu respeito todas as bandeiras políticas e todos os programmas de governação, que assentem sobre princípios definidos, e tendentes ao bem do paiz mas hei de sempre condemnar com toda a energia das minhas convicções os programmas reclames, que têem por base o desvairamento da opinião, para satisfazer vaidades pessoaes com prejuízo dos interesses mais caros da nação.
Para se conhecer que esta proposta foi determinada por inspirações políticas, e unicamente por interesses pessoaes ou partidários, basta attender a que nem um só orador dos que tem entrado na discussão do projecto, ou nesta casa, ou em reuniões extraparlamentares, deixou de fazer a explicita e expressa declaração de que a questão não era partidaria.
Esta necessidade que todos sentem de explicar ao auditorio, onde faliam, que a providencia sujeita ao debate não é política, é quanto me basta para formar a minha convicção de que o projecto é inspirado única e exclusivamente por intuitos políticos.
Já na anterior sessão eu disse a v. exa., e repito agora que preito homenagem ao patriotismo e á illustração de todos os homens technicos ou não technicos que têem collaborado neate monumental projecto; mas reservo para mim, que é esse o meu direito e tambem o meu dever, a liberdade de expor á camara franca e desassombradamente os motivos que me impedem de me associar ao que póde ser a ruína do thesouro, sem ser a salvação do porto de Lisboa, que aliás de tal salvação não precisa.
O meu empenho em me associar aos melhoramentos do porto de Lisboa é igual á repugnância que eu sinto por um projecto, que importa obras apparatosas á custa de sacrifícios fabulosos para o paiz, sem estar ainda averiguado, se essas obras servem para alguma cousa, que não seja prejudicar o movimento do porto.
Mas qual é a importância dessas obras, espectaculosas, em que o espectáculo nos custa 15.000:000$000 réis?
Não hei de apreciar o valor do projecto com argumentos da minha lavra.
Os homens competentes, cujos argumentos eu vou reproduzir perante a camara, dirão o que são e o que valem os melhoramentos projectados.
Vou invocar o parecer dos homens entendidos no assumpto, e unicamente d aquelles, cujo voto se encontra exarado nos documentos officiaes distribuídos nesta casa com a primeira proposta do governo.
São documentos officiaes, são documentos da máxima importância, porque têem o cunho da imparcialidade, augmentado com a circunstancia ponderosa de serem fornecidos por aquelles que têem mais a peito o fazer converter obras são tão boas que em projecto sujeito ao debate.
É com as opiniões dos homens da sciencia, que fazem parte da associação dos engenheiros civis, que eu vou apreciar o projecto relativo aos melhoramentos do porto.
A propósito da questão de melhoramentos do porto de Lisboa, não hei de invocar de certo, nem o parecer da associação dos advogados, nem o voto do curso superior de letras. Apoio me na opinião por tantos títulos respeitáveis dos membros da associação dos engenheiros civis!
Não quero por forma alguma cansar a attenção da camara. Basta me que os srs. tachygraphos tomem nota da exposição que vou fazer.
Mas não posso prescindir de que fique consignada nos registos parlamentares a discussão que houve na associação dos engenheiros civis a respeito do projecto sujeito ao debate. Essa discussão publicou-se mas estes documentos têem uma distribuição limitada, e são lidos por pouca gente; e é indispensável, no interesse publico, que todos fiquem sabendo como foi apreciada a proposta de 15.000:000$000 réis, com que vamos sobrecarregar o paiz, em corporação

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tão importante e tão respeitavel, como é a associação dos engenheiros civis.
Em primeiro logar cumpre-me declarar á cmara, que o governo procedeu com esta associaçãso, como tinha procedido com a junta consultiva de obras publicas e miras. Pediu-lhe urgencia, e negou-lhe o tempo preciso para um debate largo, como a gravidade do assumpto reclamava!
Logo na primeira sessão da associarão dos engenheiros civis, em que se tratára da discussão do projecto, que teve logar em 12 de julho de 1884, o honrado presidente d'aquella associação declarou que não se podia dispor de mais de oito sessões para discutir o assumpto, porque o ministro queria que os pareceres das diversas corporações, que haviam sido consultadas sobre o assumpto, lhe fossem entregues no começo do setembro!
Que motivos legitimes teria o governo para exibir que o parecer das associações consultadas sobre, o assumpto, e por tanto o parecer da associação dos engenheiros civis, lhe fosse entregue em princípios de setembro?
Que rasões de interesse publico influiriam no governo para reclamar o parecer da associação dos engenheiros civis com tanta urgencia, obrigando assim aquella corporação a discutir á pressa em oito senões, já pouco concorridas pelo adiantado da estaca o, um assumpto tão vasto, tão complexo, e das mais largas e perigo-as consequencias para o thesouro e para o paiz?
As côrtes estavam convocadas para o fim do anno, e tinham que occupar-se primeiro do trabalho da verificação de poderes e da constituição da camara; tinha o governo que liquidar perante o parlamento a responsabilidade em que incorrera assumindo funcções legislativas no interregno parlamentar 5 e tinha que discutiras reformas políticas que era o objecto principal de que tinham de occupar-se as novas cortes na sua primeira sessão.
Antes de março ou abril não poderiam as camaras tratar dos melhoramentos do porto. Para que era, pois, tanta urgência? Que rasão justa haveria para exigir da associação fatalmente em princípios de setembro e seu parecer, obrigando a discutir em oito sessões apenas o assumpto mais vasto e mais importante, que ao seu exame podia ser submetido?
A discussão do projecto entre os engenheiros civis tem tanto maior importancia, quanto que fazia, parte d'aquella associação o illustrado relator cio parecer da commissão nomeada em 1883, que tomou uma parte muito distincta no debate, e que defendeu com todo o calor a sua obra.
A discussão não foi demasiadamente longa; teve só a largueza compatível com o praso fatal, que foi marcado á associação paia a entrega do parecer princípios de setembro -, de modo que occupou apenas oito sessões.
Sr. presidente, posso enfadar a camara com a leitura que vou fazer-lhe de documentos officiaes. Mas o negocio é muito grave. Não é indifferente para o paiz gastar sem mais exame 15.000:000$000 réis (Apoiados), e sobretudo quando ha já grandes apprehensões ácerca do resultado das obras.
Se eu tivesse a convicção de que os melhoramentos pró postos haviam de dar os resultados que o governo e a com missão esperam, não gastava tempo com a exposição do parecer d»s homens technicos, nem combateria por inopportuno um projecto que julgasse urgente, porque nessa urgência estava a opportunidade.
Mas pela minha parte reputo, não só altamente inconveniente, mas extremamente perigoso, envolvermo-nos em obras, cuja utilidade é problemática, e sem nos preoccupar-mos com a situação da fazenda publica, que está reclamando amais séria attenção e a maior solicitude da parte dos altos poderes do estado. (Apoiados.)
Vou, pois, dar conta á camara, não das minhas opiniões, mas das opiniões dos homens competentes, que produziram funda impressão no meu espirito, e que merecem a mais profunda consideração do parlamento pela origem, de onde partem, e pela austeridade das pessoas que as perfilham.
O especialista que primeiro tomou a palavra na associação dos engenheiros civis foi o sr. Couceiro de cujo discurso a respectiva acta resa o seguinte:
«Parece-lhe o projecto grandioso em demasia, e por isso excessiva a despesa, que na sua opinião não é necessaria para que a cidade e o seu porto tenham a commodidade requerida. Construir um caes com 10 metros de altura na baixamar é extremamente despendioso; em alguns pontos será preciso fundar a grande profundidade, porque as sondagens t~eem chegado a dar 26 metros de lodo. N'estas condições acha quasi impossivel estabelecer as fundações por meio de ar comprimido.
«Projecta-se um caes com 8 kilometros de desenvolvimento, alem de varias docas. Não será isso muitp superior ás necessidades do nosso porto? É preciso attender-se a que hoje, apesar de não existir ainda nenhuma d'essas obras, a descarga de navios faz se por meio de fragatas, com morosidade, é certo, mas faz-se. Para a tornar mais expedita julga bastante, e n'isto a sua opinião está até certo ponto comprometida, concentrar as obras entre a alfandega e a estação do caminho de ferro do norte. Um caes com a altura de agua do que actualmente se está construindo, e com pontes-caes para a descarga, das mercadorias, seria o suficiente.
«As docas de descarga projectadas são desnecessarias, porque docas, ou servem para abrigo ou para supprir a falta de desenvolvimento dos caes, ou para conservar um nivel constante, evitando a influencia, das marés. Ora no nosso porto, as condições naturaes dispensam as obras de abrigo para as grandes embarcações; a amplitude das marés é tão pequena que as variações de nivel não perturbam sensivelmente a descarga; emfim, o desenvolvimento que se propõe para o caes marginal é por si só mais que sufficiente, e já traz comsigo uma grande despeza que, a não se demonstrar que é indispensavel, se poderia applicar melhor.
«Entende que a actual alfândega pode ser conservada, e é bastante, porque desde que os negociantes sejam obrigados a retirar de ali as suas fazendas, e a guardai-as em armazéns seus, ficará muito campo disponível para o serviço aduaneiro. Alem disso ha um espaço considerável entre a alfandega e o caminho de ferro; aproveitando os edifícios ali existentes, ou construindo mais alguns, obter-se-íam de certo as proporções necessárias para o movimento da alfandega.
«As docas que lhe parecem necessarias reduzem-se a duas: uma porto do caes do Sodré para as embarcações costeiras e para as do rio, e outra junto do caminho de ferro para pequenos navios. Emquanto aos trabalhos do reparação acha inconveniente fazel-os junto do movimento commercial. Poderiam fazer se em duas docas, uma maior dividida em duas partes para grandes navios, e outra mais pequena para vapores e barcos de véla de menor lotação.
«Estabeleceria essas docas na Margueira, onde há todo o espaço que seja preciso, bom local para habitação da classe operaria, onde as officinas ficariam isoladas do movimento do commercio e a distancia não muito grande, por isso que a travessia se fez ordinariamente em pouco tempo.
«Confirma o que disse o sr. Guerreiro com respeito ás fundações. Os engenheiros da companhia das aguas, um dos quaes é elle proprio, tiveram a experiencia de fundações similhantes, posto que em obra de muito menos vulto.
Para fundar os encontros da ponte syphão de Sacavem tiveram de ir a 40 metros de profundidade e nem sempre chegaram á rocha firme. Quando encontraram um terreno bastante resistente para supportar o peso da construcção ahi pararam.
«Quanto ao projecto, já disse que o achava grandioso e magnifico. O que julga é que e demasiado, e parece-lhe por isso que uma grande parte da despeza poderia empregar-se

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melhor. Deseja que o sr. Guerreiro lhe diga se não receia que a força da corrente ao longo do caes marginal seja uma dificuldade para a atracação.
«Não nega que se atraque mais facilmente a um caes do que a uma ponte; do que não está porém convencido é de que essa maior facilidade seja compensação suficiente da grande despeza da construcção de um caes tão avançado e de tal extensão, quando as pontes bastariam para os grandes navios, e os fins que se pretende conseguir obter-se-íam do mesmo modo e com menos despeza, levando o caes marginal por uma linha de agua menos profunda, convenientemente estudada, com caes fluctuantes para passageiros, porque o movimento commercial estaria concentrado onde disse. A grande despeza provém da profundidade a que se quer levar o muro, e que não é necessaria para regularisar a margem nem para a salubridade, porque a formação dos depósitos não se dará só por ser menor a altura do caes. Julga desnecessarias as docas de fluctuação para os grandes navios, parecendo lhe que as pontes-caes satisfazem para a descarga destes, e que não offerecem inconvenientes para o regimen do rio, visto que o obstáculo á corrente é pequeno, e os depositos que podem formar-se são tão pouco importantes, que facilmente se dragam.
«Bem sabe que as pontes-caes são menos praticas, e reconhece que o caes é melhor. Mas o que não vê é bastantes rasões para justificar a grande despeza que este exige.
«Na construcção da ponte syphão de Sacavem, quando o trabalho das fundações chegou a 30 de metros, fizeram-se descer alguns mergulhadores portuguezes, mas nenhum d'elles pôde resistir; mandou-se vir um de Inglaterra, mas quando chegou áquella profundidade perdeu os sentidos, sendo necessario içal-o.»
Repare a camara para este parecer, que é tão consciencioso, como insuspeito, e que é de um engenheiro, conhecedor deste género de trabalhos.
São realmente concordes todos os homens práticos na impossibilidade ou quasi impossibilidade de fundações para a construcção das obras, por ser nalguns pontos preciso profundar abaixo de 30 metros.
Ora, quando um engenheiro tão distincto, com tanta pratica de serviços análogos, e tão conhecedor das difficuldades de obras hydraulicas, alem de considerar desnecessária obra tão dispendiosa, reconhece a impossibilidade das fundações para assentar a obras de apparato, e argumenta com a sua pratica, especificando mesmo o facto de que na construcção da ponte syphão de Sacavem, quando o trabalho das fundações chegou a 30 metros, e se fizeram descer alguns mergulhadores portuguezes, nenhum póde resistir, e que, mandando-se vir um de Inglaterra, quando chegou áquella profundidade, perdeu tambem os sentidos, sendo necessario içal-o! é preciso estudar de novo o assumpto, e examinal-o com a maior attenção, para não ficarmos depois sem as obras, e apenas com os réis 15.000:000$000 às costas do paiz.
Não terá rasão no que diz este distincto engenheiro?
Talvez.
Mas em todo o caso era preciso averiguar com a mais desvelada attenção, e submettendo o caso ao parecer de especialistas, se esta e outras observações, no mesmo sentido feitas na associação dos engenheiros civis, eram ou não procedentes, em vez de se dar andamento rápido a uma providencia, em que é certo gastarem-se 15.000:000$000 réis, e incerto o resultado das obras.
Nestas condições nenhum governo, medianamente prudente, deixaria de proceder a novos estudos, e de sujeitar a novas provas as conclusões do parecer da commissão nomeada em 1883, aliás composta de homens illustres e distinctos, antes de comprometter o paiz em enormes sacrifícios de uma utilidade problemática.
A questão dos melhoramentos do porto de Lisboa não se resolve com expansões de enthusiasmo, nem á sombra de intuitos partidários, mais ou menos legítimos.
É preciso appellar para a rasão fria, e não dar um passo sem perfeito conhecimento de causa.
Ouçâmos agora outro digníssimo membro da associação dos engenheiros civis, que tambem tomou parte na discussão.
Refiro-me ao sr. Mattos.
Dizia elle:
«Relativamente á construcção do muro de caes têem-se levantado graves apprehensões, e elle orador é victima de uma d'ellas.
«Segundo as sondagens do sr. Lima, a camada de lodo junto á margem do rio chega a ser da 28 metros, o que obrigaria a levar as fundações em alguns pontos a cerca de 33 metros abaixo da baixamar para as assentar na rocha.
«Com tão considerável profundidade ha fortes motivos para desconfiar da sufficiencia dos processos de fundação até hoje empregados.
«Em Anvers os caixões desceram a 24 metros, onde assentaram em terreno que se julgou offerecer a resistência necessária, composto de areia fina e compacta.
«Se a 24 metros, que foi já uma profundidade excepcional, o trabalho é já difficil, não imagina como poderá praticar se a 33 metros, onde a grande pressão deverá tornar impossível ou muito dificultosa a respiração dos operários.
«Seguindo o methodo de Anvers, ha na parte inferior a camara de trabalho onde os homens vão escavando e ligando a esta superiormente uma especie de caixão sem fundo onde se vae fazendo a alvenaria a secco; este caixão tem de ser içado depois, por meio de andaimes especiaes, que devem ter pelo menos uma altura igual á differença de nivel entre o máximo baixamar e o tecto da camara de trabalho, e se esta tiver de descer muito fundo não sabe como possa fazer-se uma tal operação, construindo andaimes de altura correspondente.
«Pelos motivos apontados parece-lhe que é arrojo querer empregar um processo similhante para uma profundidade tão considerável.
«Emquanto ao nivel na doca de fluctuação conserva as mesmas duvidas.
«Parece-lhe difficil mostrar que não se dará a communicação através do terreno.
«A questão é a agua passar ou não; se ha duvidas, não vale a pena fazer tão grande despeza, porque uma porte das vantagens da doca de fluctuação póde conseguir-se n'uma simples doca de marés.
«Os assoriamentos hão de dar-se fatalmente, em maior ou menor grau, e as dragagens hão de ser indispensáveis. Mas é preciso que o movimento commercial de para. isso, porque a despeza é importante.
«Para abrigar os navios temos as docas de marés e a face interior do muro de caes, o que já é talvez bastante. Quer-se ainda mais, e pretende-se uma doca de nivel constante.
«O que é preciso é que haja a certeza de o conseguir, e parece-lhe que ha motivos para duvidar.
«Se no inferior de um caixão a pressão diminue, a agua sobe logo, e suppõe que um phenomeno análogo deverá dar-se na doca, quando diminuir a pressão na agua do rio em relação á da doca por effeito das differentes alturas da agua.
«Parece lhe que a construcção desta doca póde deixar-se para mais tarde, e que não convém deixarmo-nos seduzir desde logo pelas vantagens que se lhe attribuem.
«Quando veiu do estrangeiro tinha enthusiasmo pelas docas e quiz estabelecel-as no Douro; mas teve de renunciar á sua idéa em consequência da pequena amplitude das marés. Pensou em substituil-as por pontes caes, mas não se chegaram a fazer.
«O projecto da commissão é muito caro, e isto póde ser a causa da sua morte. Deve portanto procurar-se tornal-o o mais barato possível.

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«As docas de fluctuação são sobretudo de grande conveniencia nos portos em que as marés têem grande amplitude. Em Gravelines esta é de 13 metros; em Londres e Liverpool a amplitude das marés é tambem muito grande, e n'estas circumstancias as docas de nível constante são indispensaveis para a regularidade do serviço da carga e descarga dos navios.
«Em Lisboa, porém, a amplitude maxima das marés é de 3",90, e isso mesmo é só nas syzygias, porque nas marés ordinarias a variação de nivel pouco excede 2 metros.
A vantagem das docas de fluctuação torna-se assim muito menor, e por isso só deveriam ser adoptadas se a sua construcção fosse barata, o que não acontece. Pela sua parte não a reprova, mas acha-lhe o inconveniente de exigir grande despeza de construcção, sobretudo pela rasão da grande profundidade a que será preciso descer as fundações das suas reprezas ou eclusas.
«Outro ponto, tambem muito importante, é a difficuldade de execução do muro de caes, pela necessidade de levar os alicerces a grande profundidade. É preciso que não haja duvida alguma sobre a possibilidade de levar essa obra a effeito, sob pena de se correr o risco de grandes decepções.
«Sendo provavel que as profundidades de 15 e 24 metros marquem os limites dentro dos quaes terão de ser fundados os alicerces dos caes, a construcção d'estes parece, pois, possível e não sair dos limites da pratica corrente. Com estas alturas a construcção é possível, mas muito despendiosa. Para attenuar a despeza tem-se lembrado deixar de encher o caixão, construindo o macisso dos alicerces em arcos, mas assim augmentaria muito a pressão na parte correspondente aos pilares, o que é inadmissível, porque uma das principaes condições a attender é que a pressão não exceda certo limite.
«Nas sessões passadas discutiu-se entre outros pontos a necessidade da doca de fluctuação, que elle orador disse não julgar indispensavel, por serem pequenas as amplitudes das marés. Insiste n'este ponto, por ver que estamos j muito longe do que se dá em Inglaterra, em que a variação do nível chega a ser de 9 e 10 metros, e onde não poderiam por isso fazer-se docas de marés porque os navios tocariam no fundo por occasião da baixamar. No Havre e em Marselha as docas de marés são bastantes, porque a amplitude das marés é muito pequena. No nosso porto temos 3m,90 nas aguas vivas, e nas marés ordinárias 2 a 3 metros, pouco mais ou monos. Com uma variação d'estas não fica sensivelmente alterado o serviço das descargas, sobretudo empregando n'estas os meios aperfeiçoados que hoje se conhecem. Os guindastes hydraulicos de Armstrong na pratica tão facilmente elevam as mercadorias a 2 metros como a 4 metros. É esta uma das rasões porque não acha muito importante a doca de fluctuação, que aliás não reprova, mas sómente acha muito cara em relação á sua utilidade. Parece-lhe mesmo que não convem adoptal-a porque a dificuldade das fundações eleva muito o seu custo. Entretanto, é possível que modifique a sua opinião, se lhe mostrarem que não serão excessivas as despezas que deverão provir da sua construcção.
«Offereceram-se-lhe, porém, certas duvidas, a que mais ou menos completamente se tem respondido; só lhe resta uma, a que se refere á doca de fluctuação. Reconhece que é de uma grande commodidade, mas compensará a despeza da sua construcção? É ahi que está a questão, porque no tocante às docas de marés ninguem contesta a sua necessidade. O que não sabe muito bem é quaes serão os navios que irão á doca de fluctuação.
«Os paquetes vão á bóia, e largam depois de pouca demora. Os navios que trazem carga, esses entrarão nas docas, mas não vê rasão para preferirem a doca de fluctuação às de marés; e mesmo talvez acostem á face exterior dos caes, e ahi descarreguem, porque aquella face ha de ser bastante abrigada, e portanto a ondulação ahi deverá ser pequena.
«Depois, ha o inconveniente das perdas de agua por infiltrações das docas de fluctuação; mas como este ponto é duvidoso, não quer insistir n'elle. Por outro lado ha a attender á grande despeza proveniente das reprezas ou eclusas, sendo preciso levar a soleira d'estas 6 metros abaixo do zero hydrographico; e uma eclusa de 30 metros de largura numa extensão de mais de 150 metros é muito cara. No Havre a soleira da doca de fluctuação da Citadelle está a 4 metros de profundidade, e é construída sobre areia consistente. Cá o fundo é de todo; póde construir-se um muro nessas condições, mas uma soleira nestas condições parece-lhe extremamente difficil, por obrigar a processos especiais e muito despendiosos. Atendendo á natureza do terreno cré que a despeza a fazer com as soleiras, portas, etc., ha de ser muito consideravel. Por outro lado afigura-se-lhe que as vantagens que se pretendem obter com a doca de fluctuação são menos importantes que nos pôrtos de grandes amplitudes de marés.»
Aqui tem a camara um engenheiro distinctissimo, declarando-se tambem victima das graves apprehensões do publico a respeito da construcção do muro de caes, e julgando impossíveis ou pelo menos difficilimas as fundações pelos processos até hoje empregadas e conhecidos.
nem ainda se sabe até que profundidade terão de descer as fundações para satisfazer em toda a sua largura ao pensamento da commissão nomeada em 1883, que propõe o avançar o muro de caes acostavel pelo Tejo dentro, do modo que os navios de maior lotação tenham na maior baixa-mar o calado de 10 metros de agua.
Ora, similhantes obras, ainda quando necessarias, são de realisação difficilima.
Nem o governo se preoccupa com uma das difficuldades mais importantes que póde surgir n'este grave assumpto, difficuldade que aliás preoccupou a associação dos engenheiros civis, inclusive o illustre relator da commissão de 1883, que vem a ser a questão dos assoriamentos.
Qualquer que seja a distancia a que avance o caes podem apparecer os assoriamentos.
É o proprio auctor dos trabalhos da commissão de 1883, engenheiro tambem muito distincto, e verdadeiramente insuspeito neste caso, que não responde por que não haja assoriamento qualquer que seja a distancia do avanço do caes. Diz elle:
«É claro que n'estas cousas não ha rigor mathematico; não póde affirmar-se que a qualquer distancia da margem deixe de haver assoriamentos; é certo, porém, que quanto mais longe estiver o caes, mais difficil se torna a formação de depósitos. E certo que, como disse o sr. Loureiro, as dragagens hão de ser talvez necessárias, e de quando em quando, em alguns logares como diante da alfândega, etc. mas a com missão pensou que quanto mais longe fosse o caes, menores seriam os assoriamentos.»
Bons annuncios de despeza para a conservação das obras, que provavelmente nem darão para estas despezas!
Sendo, pois, do conhecimento de todos a tendência para o assoriamento na margem direita do Tejo, não se atrevendo ninguém a affirmar, nem o proprio auctor da obra grandiosa, que deixe de haver assoriamentos, qualquer que seja a distancia a que se leve a construcção do caes, como quer o governo, sem novos exames, e sem novas indagações, seguir avante com o seu projecto? Ousa recorrer ao expediente das dragagens?
Mas as despezas da construcção do muro, sommadas com as da dragagem, em que preço nos ficam?
Onde nos leva o custo dos trabalhos, sommado com a despeza de conservação das obras? (Apoiados.)
Julgam o governo e a camara que o paiz está a nadar em dinheiro?
O tempo os desenganará, e talvez mais breve do que se pensa.

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A nossa situação financeira é delicada, e a situação económica delicadíssima. De um momento para o outro pode mós ser victimas de uma grave perturbação económica, e mesmo social.
Careço de deixar bem registadas nos animes parlamentares as opiniões dos homens competentes, a respeito d'estas obras de apparato, que não são necessarias, e que podem ser prejudiciaes, para combater a idéa, que se levantou rapidamente, e se formou no período de um anno ou menus, de que os melhoramentos consignados no projecto são absolutamente necessários e indispensáveis para a vida do porto de Lisboa.
Se os estrangeiros não conhecessem bem a barra de Lisboa, e se limitassem a fazer obra pelos relatórios que precedem as propostas do governo, abandonariam a navegação do nosso porto, e fatiam quarentena de navegação com respeito ao Tejo, como quarentena sanitária acaba de estabelecer a Alexandria para as procedências de Portugal que felizmente nem está assolado por epidemias, nem se confunde, na sua autonomia política, com nenhum outro paiz.
O porto de Lisboa do que precisa é dos melhoramentos indispensáveis para se tirar todo o proveito possível das condições excepcionaes com que a Providencia o favoreceu.
Melhoramentos de phantasia podem apenas servir para prejudicar a barra: e não deve o paiz pagal-os.
A respeito das docas de fluctuação dizia o illustre engenheiro, a quem me estou referindo, na associação dos engenheiros civis: - A amplitude das marés é tão pequena no Tejo, que não vemos rasão para se construírem docas de fluctuação -
O porto de Lisboa não é como alguns portos inglezes onde a diferença de nível na praiamar e na baixamar é tão grande que torna necessárias as docas de fluctuação.
Na bacia do Tejo a differença de nível não é tão sensível nas differentes phases da maré, que possa influenciar a carga ou descarga dos navios.
Insistiu, e muito, este distincto engenheiro, nos seus argumentos contra a doca de fluctuação, obra realmente de luxo num porto como o nosso, em que é tão pequena a amplitude das marés.
Não é preciso ser distincto engenheiro, basta o bom senso, e o conhecimento do nosso porto, para saber que as duas obras, base do projecto, a construcção do cães acostavel e as docas de fluctuação, são obras de mero apparato e espectáculo, apparato e espectáculo que poderiam acceitar-se, se não custassem tão caro ao paiz, e não prejudicassem a navegação.
Ouçamos em segundo logar o parecer do distincto engenheiro, sr. Sousa Brandão.
Diz este illustre engenheiro:
«Pela leitura do relatorio vê que os fins que se têem em vista com as obras do porto de Lisboa, são: Melhorar o regimen do Tejo, as condições de navegação e commercio, conquistar terrenos para edificações, e prover á salubridade da capital. De todos estes objectos, o que se refere á conquista de terrenos é o menos importante, porque Lisboa tem ainda muito espaço livre para edificações, e não é com o augmento projectado que deixará de ser uma cidade na maior parte accidentada. Se os terrenos a conquistar ao rio têem alguma importância, é para nei!es se estabelecerem as docas e suas dependências, e bem assim para estabelecimentos marítimos. Só depois é que se deverá permittir a construcção de edifícios particulares nos terrenos que ficarem disponíveis, e ainda assim essa permissão só se justifica como medida economica.
«Quanto ao regimen do rio, é uma questão importante, sem duvida, mas não a considera como objecto principal. A experiência mostra que a barra não tem variado sensívelmente desde longa data, portanto, ainda que nada se fizesse, as cousas continuariam como até agora, não sendo para receiar que desappareçam as suas boas condições.»
Effectivamente a commissão nomeada em 1883 julgava essenciaes para se elaborar um projecto definitivo as seguintes bases:
1.ª Salubridade publica;
2.ª O augmento e embelezamento da cidade;
3.ª Obras do porto de mar.
Não se limitou, pois, a propor um plano para melhorar as condições commerciaes e económicas do porto de Lisboa. Três são as bases em que assenta o seu plano de trabalhos.
A parte relativa às condições de salubridade da capital merece a mais particular attenção; e já se acha regulado por lei desde 1876 este momentoso assumpto.
O projecto pendente, porém, trata de tudo menos de attender às necessidades de saúde publica na capital.
Exactamente porque o negocio da saúde publica é urgentíssimo, pois que estamos ameaçados este anno, como já o estivemos o anno passado, de sermos invadidos pelo terrível flagello do cholera-morbus, é que o governo reserva para as kalendas gregas a defeza da salubridade da capital!
Fica para o anno, diz no relatório da proposta o governo. Ficará para quando houver dinheiro, digo eu.
A segunda, relativa ao alargamento e aformoseamento da cidade, não é cousa em que se pense agora. Pois nós precisámos de conquistar terrenos ao Tejo para augmentar as edificações? Não haverá bastante terreno disponível para edificar, mesmo dentro das barreiras da cidade, sem necessidade de conquistar terrenos ao Tejo, e principalmente agora, que com a nova organisação do município de Lisboa fica consideravelmente alargada a sua área? Quanto ao aformoseamento é obra sympathica a todos, em que ninguém, em circumstancias normaes, negaria o seu voto.
Mas poderá o paiz pagar neste momento para aformosear a cidade de Lisboa?
O governo e as cortes não fazem de certo a mais leve idéa da situação penosa era que se acha o contribuinte!
As circumstancias das nossas industrias, especialmente da industria agraria, são deploráveis.
O paiz tem recursos para satisfazer as suas despezas impreteriveis, para os seus melhoramentos productivos, financeiros, económicos e commerciaes; mas não fallemos agora em aformoseamentos, porque não podemos pagal-os.
Sr. presidente, eu vejo-me forçado, em presença d'este delirio de despezas, a declarar em pleno parlamento, do modo mais explicito, que na minha opinião não póde o paiz metter se em despezas, que não sejam inteiramente productivas, ou absolutamente reclamadas pela honra ou pela vida da nação.
Estou disposto a contribuir com o meu voto, e nisso não faço mais do que cumprir a minha obrigação, para que o paiz honre os seus compromissos dentro da acção e no estrangeiro.
Mas, para honrar o paiz, não basta allegar que elle solve pontualmente as suas responsabilidades. E necessario não lançar às coitas do contribuinte carga com que elle não possa.
Por mais honrado que seja o devedor, quando não ha dinheiro, não se paga. Não nos illudamos com explosões de patriotismo. As manifestações patrióticas não supprem a falta de dinheiro!
A opinião dos engenheiros que combateram o plano de obras espectaculosas, sujeito á apreciação da assemhléa, deve reputar-se profundamente imparcial e insuspeita.
É preciso notar a circumstancia importante e singularissima de que este parecer foi pedido á associação dos engenheiros civis depois de ter sido apresentada às cortes a proposta para ser auctorisado o governo a executar o plano de melhoramentos a que esse parecer respeitava, e depois que a mesma proposta eslava já approvada por duas commissões tão importantes desta casa, como são as commissões de fazenda e de obras publicas.

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Portanto, os engenheiros, sem faltarem aos seus deveres de homens da especialidade, viam-se obrigados inquestionavelmente a guardar conveniencias e considerações para com os collegas que tinham o voto já empenhado sobre o assumpto, e principalmente para com o governo que tinha já apresentado a proposta, e bem assim para com as duas commissões d'esta camara que a tinham approvado.
Pois sem embargo de se ter pedido a consulta da associação dos engenheiros civis, só depois do governo ter pronunciado a sua opinião com a apresentarão da proposta, e de se terem associado a ella duas commissões d'esta camara, uma das quaes, a commissão de obras publicas, com voto preponderante pela competencia especial dos seus membros, ainda a associação dos engenheiros civis emittiu a sua opinião com a clareza e desassombro sufficientes para deixar perceber que as obras projectadas são, na sua base, obras de mero apparato para um porto como o do Tejo, e que outro resultado não poderão dar senão sobrecarregar o paiz com mais 15.000:000$00 réis, se não prejudicarem tambem as condições de navegabilidade da barra de Lisboa.
Vou agora ler á camara as considerações feitas na associação dos engenheiros civis, pelo distincto engenheiro o sr. Adolpho Loureiro, cuja opinião é muito attendivel, porque este cavalheiro, tendo viajado muito peia Europa e pela Ásia, deu noticia á associação dos engenheiros civis do que tinha visto neste género de obras hydraulicas tanto n'uma, como n'outra parte do mundo.
O seu parecer é imparcialissimo porque contou o que viu e o que presenceou, sem revelar paixão por estes ou por aquelles melhoramentos.
Diz elle:
«Os portos, que teve occasião de visitar no estrangeiro, fornecem comtudo muitos exemplos valiosos para o estudo do assumpto de que se trata, e vae citar alguns que poderão esclarecer a questão.
«Tenciona dar uma noticia desenvolvida da sua visita a esses portos n'um relatório que talvez seja impresso, assim como tem muito gosto em poder dar á associação todas as informações ao seu alcance.
«Por agora só fallará em these, e sem applicação designadamente ao porto de Lisboa.
«Nos portos que viu, tanto no continente europeu como no asiático, muitos dos quaes são extremamente notáveis e dos mais importantes do mundo, encontrou do tudo; concluindo que não podiam estabelecer-se princípios fixos e absolutos para o que se chama o aménagement de um porto.
A disposição das differentes obras e partes de que é composto um porto commercial depende das condições da localidade e varia com a quantidade e natureza das mercado rias que compõem o seu trafico, com as operações a que estas têem de ser submettidas, e com muitas outras circumstancias.
«Ha portos com docas de fluctuação e sem ellas, o que depende principalmente da maior ou menor amplitude das marés: e assim como ha portos que são completamente desprovidos de docas de qualquer especie, assim ha outros em que todas as operações de cargas e descargas de navios só são effectuadas em docas de marés ou de fluctuação.
«Se em these as docas de fluctuação são magnificas, a pratica contínua sempre os seus bons serviços por forma muito apreciável. Se no nosso porto são ou não necessárias, não o póde dizer, nem sobre o assumpto póde ter opinião formada. Nos portos sem marés, como os do Mediterrâneo e Adriático, as docas de marés dispensam as de fluctuação e satisfazem plenamente. Estas docas são indispensáveis quando os navios toem difficuldade de acostar aos caes, ou estes não têem. a profundidade necessária para os navios de grande tonelagem e arqueação. Nos portos onde as marés têem grande amplitude, é indispensável adoptar as docas de fluctuação, que são insubstituiveis. O que vê é que, hoje, a primeira condição a que procura satisfazer-se em um porto é, primeiro a da tranquilidade e da area sufficiente para todas as operações dos meios, depois a da facilidade e promtidão da carga e descarga.
«Com as docas perde-se tempo por causa da manobra das portas, e as despezas para o commercio e navegação são maiores, e d'ahi a repugnancia que os navios geralmente têem em entrar n'ellas, preferindo, se n'isso não corre risco a sua segurança, acostar aos caes.
«Emquanto á disposição dos caes e terraplenos, o que actualmente está admittido, nomeadamente em França, é que tenham grande largura e disponham de grandes areas.
Mas a verdade é que via, como disse, de tudo: caes largos e caes estreitos, armazens de todos os feitios, altos e baixos, serviço hydraulico, eu não; e até deposições perfeitamente excepcionaes, como em Calcutá e Bombaim, onde, apesar de haver guindastes magnificos, grande parte das cargas e descargas se faz por meio de barcos, isto é, fora dos caes. E que lá têem o coolie, elemento barato que falta noutras partes. E por isso quando notava que em portos de tão grande movimento e actividade, e com obras tão importantes e custosas, se fizesse o serviço d'aquella fórma, respondiam-lhe os engenheiros que não podiam desprezar-se os elementos especiaes que ali se encontram. No dizer d'estes, com o serviço dos barcos e dos coolies realisavam se economias, e por aquella fórma se procedia nos importantes portos de Colombo e de HongKong, e em Calcuttá e Bombaim se recorria áquelle expediente.
«No porto de Lisboa a insufficiencia dos caes é a rasão que, a seu ver, justifica a construcção das docas, e não a necessidade de abrigar os navios, porque julga que um bom navio, de grande tonelagem e bem provido de ferros e correntes, não tem aqui a arrecetar-se dos temporaes. Os barcos pequenos de cabotagem e de serviço do porto é que carecem de abrigo; mas esses exigem docas de pequenas dimensões, e a commissão a isso attendeu convenientemente.
«Em Colombo não ha caes; estabeleceram um molhe muito curioso e bem feito, e julgaram que da parte interior elle permittiria a acostagem; mas as vagas passavam por cima do molhe, e os navios não podiam ali conservar-se.
N'estas condições, todas as cargas e descargas eram feitas em pleno porto por indo de barcos nativos, o que não obsta a que este porto seja de uma animação e movimento extraordinários.
«O novo porto de Batavia, Priok, é um porto artificial aberto era fundos de coral. De uma grande bacia exterior passa-se para as interiores, bordadas de caes acostáveis, e todo o serviço deve ser feito directamente para os caes, que serão providos de hangars, armazéns e vias ferreas.
«Hong-Kong, que é um porto de movimento verdadeiramente extraordinário, e que é o emporio do commercio da China com a Europa e a America, não tem docas, mas sómente caes acostavel às pequenas embarcações.
«As condições nativas d'este porto são magnificas, normalmente; é muito abrigado, e apenas soffre algumas vezes com o cyclone.
«Todos os grandes navios que o frequentam fazem as suas operações no meio do porto por intermedio dos pequenos barcos e juncos chinezes.
«Se alguma cousa acha grandiosa ou exagerada no plano de melhoramentos do porto de Lisboa, é a altura de agua que se quer dar aos muros de caes, e que podia deixar de ser 10 metros. A rasão que se dá para isso é comtudo bastante convincente, isto é, que pouco se pouparia ou economisaria na construcção, dando ao caes só 8 metros de agua, e sacrificando-se as vantagens que o projecto offerece. Em todo o caso, entende que deve contar-se que ha de haver dragagens a effectuar na construcção e manutenção do porto, mas não devem recear se porque em toda a parte são admittidas hoje como indispensáveis, e como uma necessidade fatal dos portos.

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«O excesso de despeza devido á doca de fiuctuação não deve assustar. Em obras caras, como são todas as obras hydraulicas, não influem as pequenas economias. De mais, dá-se aqui uma circumstancia que não deve desattender-se, e vem a ser que, em ultima analyse, quem vem a pagar as docas de fluctuação é o commercio. E se o corpo commercial de Lisboa é o próprio que as quer e as pede, porque não se lhe ha de fazer a vontade?»
Contou este douto engenheiro o que viu lá por fora de obras de portos e barras. Encontrou por lá obras grandiosas e obras modestas, obras caras e obras baratas.
Que fez o governo?
Preferiu o que no estrangeiro ha de mais monumental e despendioso!
Mas o paiz é que não perderia se aproveitássemos os mo delas mais económicos, que o estrangeiro nos offerece, em vez de nos decidirmos polo que as nações ricas e poderosas têem adoptado de mais faustuoso, do mais grandioso e dó mais despendioso!
O governo encontrou nalguns portos inglezes, francezes e belgas, modelos de obras grandiosas e caras. Deu-se logo pressa em adoptar esses planos!
Os portos de Colombo e de Hong-Kong, que não têem melhores vantagens naturaes do que o de Lisboa, e que têem um movimento muito mais considerável do que este, como não lêem obras faustuosas e caras, não lhe serviram para exemplo!
Pois, sr. presidente, adoptemos ao menos uma vez, por excepção, o que for bom e barato. As nossas circumstancias estão clamando urgentemente por economia rigorosa nas despezas publicas.
Se é nossa obrigação impreterivel ser sempre económico na administração dos nossos bens particulares, per maioria de rasão o devemos ser nas cones, onde representámos de meros administradores da fazenda alheia. (Apoiados.)
Pois se nós encontramos nos portos de varias nações exemplos de trabalhos que, sem deixarem de satisfazer aos seus fins, são uns caros e outros baratos, não podemos contentar-nos com os melhoramentos mais modestos?
Creio que os srs. ministros estão persuadidos de que se adoptarem um plano de melhoramentos, que não nos leve desde logo 15.000:000$000 réis a consciência publica se escandalisa, e o paiz se insurge contra quem não quer tirar-lhe a pelle!
Pois não é assim.
Prestaríamos um grande serviço á nação, alliviando-a de um encargo, que nas actuaes circumstancias compromette seriamente a solvabilidade do thesouro!
Olhem os srs. ministros a serio para a situação financeira, que não é só deste governo, ou desta maioria, que é de todo o paiz. (Apoiados.)
Pelo caminho em que vamos, estamos arriscados a soffrer um grande desastre, quando menos o esperemos, e tudo por imprudências da nossa parte. (Apoiados.}
Sr. presidente, até este distincto engenheiro que visitou os portos mais notáveis do mundo, tanto no continente europeu como no continente asiático, acha alguma cousa de grandioso e de exagerado no plano de melhoramentos do porto de Lisboa!
Ainda lá fora, e nos portos de mais extraordinário movimento, se usa a clássica fragata, contra a qual se revoltam os nossos sábios modernos!
Sr. presidente, as obras projectadas, que de resultado certo só duo mais 15.000:000$000 réis de encargos para o paiz. prestam maior facilidade, e com menor despeza, na carga e descarga das embarcações?
Responderá por mim a propria commissão nomeada em 1883, cujo parecer o governo perfilha na sua proposta, pois que só reporta em tudo às conclusões d'essa commissão.
Não aconselha a commissão a imposição de multas aos navios que não se aproveitarem dos novos melhoramentos do porto?
Não é preciso mais nada. Está feita a critica das obras. Para os navios se aproveitarem d'ellas ha de ser preciso ameaçal-os com a imposição de multas!
O que eu vejo é que em ultima analyse a execução do projecto ha de servir para afugentar do porto os navios que não queiram aproveitar-se das obras, nem sujeitar-se á imposição de multas!
Sr. presidente, temos tido a rara habilidade de estragar a situação económica, a situação financeira e a situação política d'este paiz, bem digno de melhor sorte. Faltava-nos dar cabo da barra de Lisboa!
Entramos agora nesse caminho; e, reduzindo a barra de Lisboa às tristíssimas condições, em que se encontra o contribuinte, poderão os nossos governantes dar então a sua obra por acabada!
Ouçamos agora o sr. Cecilio da Costa. Este distincto engenheiro não póde assistir às discussões na associação dos engenheiros civis.
Mas enviou o seu parecer por escripto, e nesse parecer lê-se o seguinte:
«Quem conhece como no Tejo os vendavaes se levantam em poucas horas, não poderá julgar seguro um navio, ou do menos isento de avaria, acostado a um caes, sujeito á violência do vento, á oscilacão das vagas, que receberia de costado, com pouca possibilidade de se fazer ao largo sem grave risco, não me parecendo tambem que se possa esperar fazer uma carga ou descarga em taes condições. A rasão dos grandes navios estarem seguros a bons ferros não me parece pelos completamente a coberto de um accidente, e a necessidade de conservar as tripulações durante o tempo de aucoragem é um despendio, que em grande numero de casos se poderá evitar com uma doca de fluctuação.
«São poucos os estudos preliminares que precederam o plano da commissão, as sondagens foram distribuidas por perfis muito distantes, e ainda pouco distanciadas da margem para comprehenderem a linha de caes projectado, e de positivo nada se sabe da consistência do terreno, o que aliás pareceria, fácil conhecer pelos muitos trabalhos de fundações para edifícios públicos e particulares, que nos últimos annos se têem construído entre o arsenal e a rampa de Santos.»
São mortaes para o projecto estas considerações. O parecer do sr. Cecilio Costa a respeito do caes acostavel, que, como todos sabem, é a base dos trabalhos da commissâo nomeada em 1883, que fez o relatório que serviu de base á proposta do governo, é fulminante.
Efectivamente a ninguém offerece duvida, que o caes acostavel, que póde ser utilíssimo noutros portos, é inútil no Tejo, não só pelos perigos a que estariam sempre sujeitos os navios que a elle acostassem, mas porque a nossa navegação principal á de escala.
Os navios que fazem transito pelo Tejo não se aproveitam dos caes para evitar a demora, e com ella os perigos e as despezas de acostagem e desacostagem.
As embarcações de navegação inter oceanica procuram demorar-se o menos possível, algumas horas apenas.
Só na acostagem e desacostagem elles gastariam mais tempo do que gastam agora com o embarque e desembarque de passageiros e de mercadorias.
Um caes acostavel no Tejo serviria apenas como obra de apparato, para tirar milhares de contos de reis ao povo, e para perpetuar a memória aos modernos marquezes de Pombal.
E igualmente digna da maior attenção a affirmativa deste douto engenheiro, de que da consistência do terreno nada se sabe.
São tambem momentosas as considerações apresentadas pelo distincto engenheiro, sr. Henrique de Lima, que não póde comparecer na discussão, e que igualmente enviou o seu parecer por escripto.
Nesse parecer lê-se o seguinte:
«Disse o sr. ministro das obras publicas, no seu relatório, que, se o grande marquez de Pombal podesse no seu

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tempo dispor dos meios de construcção que hoje a sciencia do engenheiro possuo, as obras do porto de Lisboa estariam já realisadas.
«Hoje, se existem esses poderosos meios de construcção que permittem a fundação a grande profundidade abaixo do nivel das aguas, não possuímos as avultadas sommas que a energica e prudente administração dos negócios publicos tinha, n'aquella epocha, accumulado nos cofres do thesouro publico.
«Se Portugal, em vez de urna enorme e esmagadora divida, tivesse os milhões accumulados por aquelle grande estadista, não haveria nem um só engenheiro, e até nem um só portuguez, que achasse grandiosas de mais ou supérfluas as obras projectadas pela commissão.
«Até julgo descortinar nos cálculos feitos pela commissão a influencia ao lastimável estado financeiro do nosso paiz.
«Com effeito, pretende-se demonstrar que os rendimentos das novas obras bastarão para pagar os encargos do emprestimo que se levantar para as effectuar.
«É n'este ponto que eu discordo, e temo até que da exageração das taxas venha o desanimo para o commercio e estorvo ao desenvolvimento futuro.
«Não se podem apresentar argumentos claros ou indiscutíveis, pró ou contra, quando se trata de discutir os rendimentos do porto de Lisboa, depois de melhorado.
«Tudo repousa sobre conjecturas, que são feitas segundo o desejo ou tendências de quem as apresenta.
«O que desde já se póde estabelecer é que o nosso porto de Lisboa, sob o ponto de vista commercial, não é inteiramente comparável aos portos das grandes cidades industriaes da Europa.
«Nas grandes cidades industriaes e marítimas a força productiva é exuberante; pede constantemente novos mercados para exportar e permutar, e, quanto mais fáceis forem os meios de carga e de transporte, tanto mais se desenvolverá a industria e consequentemente o commercio. Estará Lisboa nesse caso?
«Julgo que a resposta a tal pergunta não póde ser completamente affirmativa.
«Entretanto, julgo que, se ha obra útil entre todas as que se têem feito e projectado no nosso paiz, o melhoramento do porto de Lisboa deve sem duvida occupar o primeiro logar.
«E um paiz que não tem recuado diante de pesados sacrifícios para construir caminhos de ferro em todas as direcções, e em alguns casos de contestável utilidade, não deve recuar, embora endividado como está, diante de mais. este supremo sacrificio.
«As nossas más circumstancias económicas impõem-nos, porém, a necessidade de restringir as construcções às que forem menos dispensáveis, procurando assim incutir confiança e enthusiasmo no publico, ao passo que as vantagens das novas obras se forem patenteando.
«O porto de Lisboa, tal como elle é actualmente, póde considerar-se, pelo menos para os navios de grandeza media e maiores, como uma grande doca de marés, no que toca a segurança.
«Tem-se affirmado a grande vantagem da construcção de um caes marginal na margem esquerda do Tejo, desde Cacilhas até Porto Brandão. Parece-me que tal obra será muito mais despendiosa do que o orçamento indicado pela commissão, e não creio que tenha influencia importante no regimen do canal, em frente de Lisboa, e especialmente no movimento das aguas junto da margem direita.
«Devemos considerar que a largura do canal em frente de Lisboa entre o Terreiro do Paço e a torre de Belém orça por 2 kilometros de largura media.
«Não se trata, pois, de um rio de 100, 200 ou 500 metros de largo, mas de um verdadeiro canal marítimo, percorrido pelo fluxo e refluxo das marés.
Nem a um canal era taes condições me parece que possam ser completamente applicaveis os raciocínios e formulas estabelecidos para os cursas de agua ordinarios.
«Depois de executadas as obras, continuarão por certo os assoriamentos, visto achar-se toda a linha do caes acostavel para a direita do prolongamento da linha da margem direita ou da tangente á curva da margem junto á alfândega.
«Parece-me, pois, que não conviria levar a linha do caes acostavel tão longe da margem direita, posição que tem por fim assegurar aos navios uma altura de agua de 10 metros na baixamar; mas, se mais tarde o lodo augmentar de altura, ficará perdido o sacrifício de uma construcção mais difficil.»
O sr. Henrique de Lima encarou a questão debaixo do seu ponto de vista mais capital. Começou pelo principio;
Considerou em primeiro logar se o porto de Lisboa promette um movimento, que reclame os melhoramentos extraordinários indicados no projecto.
Na verdade o porto de Lisboa é principalmente um porto de escala. Não é um perto terminus, como o de Auvers ou Liverpool, onde os navios vão fazer cargas e descargas por completo.
Lisboa não é terra industrial como Liverpool; o movimento e a animação de Liverpool não póde em caso algum comparar-se com a vida e com o movimento de Lisboa. Lisboa póde dizer-se uma terra em vida em presença do extraordinário movimento commercial de Liverpool.
Também o distincto engenheiro, sr. Henrique de Lima considera, e com rasão, a nossa situação de individados, e a vaidosa pretensão de considerar marquezes de Pombal os que associarem o seu nome a tão extravagante projecto!
O que é singular, que os próprios engenheiros, que não costumam ser atacados destes sustos, tremam pelo grande custo das obras.
O governo, porém, é que não recua. Nem o projecto teria de certo andamento, se não custasse tanto!
Agora vae a camara ouvir o parecer de um engenheiro distinctissimo, que, sem contemplações nem transigencias com as opiniões, aliás muito respeitaveis, já compromettidas a favor do projecto, elipse desassombradamente tudo quanto entendeu de justiça a respeito do assumpto. Refiro-me ao sr. Pimenta de Castro.
A opinião que este douto engenheiro expoz na discussão, em que tomou parte muita activa na associação dós engenheiros civis, foi a seguinte:
«Acrescendo a esse grande encargo o de 2 por cento ad valorem, imposto de estaciona mento, despeza de fortes rebocadores, que muitas vezes hão de ser precisos, principalmente para desacostar os navios, as grandes demoras a que dão logar as manobras de acostagem e desacostagem, de entrada e saída das docas, os impostos, reimpostos, e estorvos de toda a ordem, de que ainda não conseguimos desprender-nos, e que são o maior flagello do commercio, póde asseverar-se que, depois de feitas as enormes obras que estão delineadas, o invejado porto de Lisboa passará a ser um porto decadente.
«Também no movimento total do porto entra por um terço o movimento de escala, que não se aproveitará da acostagem aos muros nem da entrada nas docas, e mudará de rumo vendo-se sobrecarregado de impostos.
«O risco que as mercadorias correm nas fragatas em occasião de vendavaes podo evitar-se, abrigando-as antecipadamente, e isso muito mais fácil se torna depois de construídas as docas para ellas. Os grandes temporaes, que não dão tempo a tomar precauções, são casos excepcionaes, e de effeitos não menos funestos às grandes embarcações acostadas do que às fragatas.
«A morosidade que com bom tempo ha na carga e descarga dos navios não póde attribuir se ao emprego das fragatas, mas sim ao mau serviço que se faz, quando ellas estão acostadas ao caes.
«Porque uma fragata está oito ou mais dias á espera de

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largar a carga, deverá considerar-se o seu uso como causa d'esse mal? De certo não. Só á falta de vontade ou de meios para a descarregar logo que ella aporta ao caes se póde attribuir a demora, e essa causa não deixa do subsistir com a substituição das fragatas pelos proprios navios.
«Com o emprego das fragatas um navio carrega ou descarrega muito mais depressa do que junto a um caes. Se, por exemplo, junto a um caes, elle faz o serviço a duas escotilhas, e por dois portalós, com as fragatas póde fazel-o por quatro portalós, e portanto, em metade do tempo.
«Os caes estão divididos segundo a natureza das mercadorias, e um navio que entra e sáe com carga tem que mudar o logar da acostagem, pelo menos uma vez, porque o caes da importação não deve ser o mesmo que o da exportação.
«Estas mudanças dos navios são caras e morosas. Dois navios iguais e com a mesma carga, um descarregando por meio de fragatas e outro acostado, não havendo embaraços, o das fragatas póde estar prompto a sair com nova carga, quando o outro tem acabado de descarregar. Esta circumstancia é importantíssima para o commercio activo, para o verdadeiro commercio.
«A morosidade proveniente do mau tempo não se evita com a suppressão da fragata, porque em taes condições os navios dificilmente entrarão para as docas, não podem acostar ao muro de caes, e se estiverem acostados têem que se fazer ao largo. Ainda não ha muito que o África, estando acostado d ponte do arsenal, teve que se retirar de noite para ficar livre do perigo que ali corria.
«Com o emprego de batelões a vapor, podendo navegar no Tejo com todo o tempo e entrar nas suas docas, era fácil evitar essa demora, indo os navios carregar e descarregar para a praia da Margueira, que é uma doca natural de abrigo contra os temporaes do Tejo.
«Supponhâmos, porém, que essa demora só se dava com o emprego das fragatas. Diz a commissão que ella é de vinte e cinco dias por anno, em media, e constituo um dos principaes fundamentos de justificação aos melhoramentos do porto de Lisboa.
«A alfandega está fechada aos domingos e dias santificados, oitenta dias por anno, em media; e, com a morosidade que d'ahi provém ao serviço, ainda o commercio não viu os seus interesses tão feridos, que reclamasse uma ordem para ser reduzido o numero de feriados. Não pôde, portanto, querer que o paiz vá gastar 10.000:000$000 réis para, evitar a demora de vinte e cinco dias.
«É verdade que 80 com 20 dá 10o; mas póde ficar nos 80 de agora trocando-se, para os homens da alfândega e do mar, os 20 dias tempestuosos por outros tantos santificados. Este numero ainda será reduzido pela coincidência de alguns daquelles dias com estes.
«Em todo o caso já não ha suppressão de dias santificados, mas uma simples troca sómente para os homens da alfândega e do mar, com grande vantagem do paiz economisar a avultada quantia de 15.000:000$000 réis.
«Disse-se aqui que o regulamento do porto não permitte que as embarcações estejam de mortorio com menos de metade da tripulação. Se assim é, elle orador, julga isso desnecessario e violento; e por isso, entre gastar réis 15.000:000$000 e alterar o regulamento, parece-lhe mais acertado fazer a alteração.
«Disse-se tambem que havia navios que chegavam a estar de mortorio mezes e até annos, e por isso eram precisas as docas para elles estarem sem receio. Nas docas da margem direita não estão mais abrigados do que na outra banda têem estado até aqui, não dispensam o pessoal para o serviço de bordo, pagam imposto de estacionamento, e servem de embaraço às outras embarcações. Alem disso os grandes melhoramentos do porto de Lisboa fazem se para a actividade e não para a paralysação do commercio.
o A commissão, para justificar os melhoramentos que propõe, recorre ao exemplo de vários portos estrangeiros, principalmente os de Bordéus, Rouen e Anvers, que julga muito similhante ao porto de Lisboa.
«Collocados nos rios Garonne, Senna e Escalda, a uma distancia da foz muito maior do que se acha Lisboa, todos aquelles portos devem a sua creação e a sua existencia á arte; o porto de Lisboa creou-o a natureza e ella mesma o conserva. N'aquelles rios os altos e baixos mudavam continuamente de sitio, o que muito difficultava a navegação, e por isso era necessario regularisar-lhes os leitos.
«As differentes commissões nomeadas pelo governo belga eram encarregadas de procurar e propor os melhores meios de manter as profundidades do Escalda marítimo.
«O que tanto n'uns como n'outros d'aquelles portos se tinha principalmente em vista era a condição da navigalidade e da ancoragem, sendo todas as mais de interesse secundário. Queria-se um caminho para o Oceano, e para isso reuniam-se as aguas em espaços mais estreitos para poderem ser navegadas por todos os nados. Precisava se de logar que supprisse a falta de espaçosos ancoradouros, e faziam-se as docas.
«Mas no nosso Tejo, que offerece um cominho largo e muito viável para o Oceano, e que, tem excellentes e vastos ancoradouros, não ha rasão de analogia que justifique o empnhendimento de grandes obras.
Vê-se, pois, que pelo lado commercial os melhoramentos do porto de Lisboa, como estão indicados, são muito nocivos, e hão de servir para affastar e não para attrahir o commercio.
«Pelo lado hygienico ha a considerar os casos dos esgotos continuarem a fazer-se no Tejo. Se não continuam, cessa a causa das exhalações mephiticas, e os terrenos descobertos na baixamar começam a ser areaes, que não prejudicam a saúde publica. Se continuam, o facto das bocas dos canos ficarem sempre debaixo de agua dá em resultado diminuir-lhes a ventilação e dificultar a prompta saída das matérias excrementicias, que pela sua maior demora dentro d'elles hão de aggravar muito as más condições hygienicas que já existem.
«Technicamente tambem lhe parece não serem acceitaveis os melhoramentos propostos.
«Na opinião d'elle, orador, as fundações do muro que corre ao longo do perau devem assentar em terreno resistente.
«Para deixar de se fazer desse modo não basta demonstrar que o lodo póde supportar a pressão das alvenarias; é preciso evidenciar que com o novo regimen das aguas se não estabelecerão junto do muro correntes capazes de cavar o lodo e minar as fundações E, como nada se póde dizer ao certo a tal respeito, por forma alguma se deve construir uma obra de tanta importância sem satisfazer a todas as condições de estabilidade, e, portanto, sem levar as suas fundações ao terreno resistente.
«A obra não é irrealisavel; a questão é de despeza.
«O regimen do rio fica mais regular, e por esse motivo a quantidade de agua entrada pelo canal entre a torre de Belém e o pontal de Cacilhas não diminue, antes augmenta.
Não basta, porém, que o canal deixe passar a mesma ou maior quantidade de agua; para ella subir é tambem preciso haver reservatório que a receba, e o muro que se pretende construir será causa do mar da, palha se assoriar em pouco tempo, produzindo a ruína da barra, visto que todos são concordes em que o seu bom estado de conservação é devido ao grande volume de aguas que se armazena n'aquelle mar da palha.
«O estreitamento do ancoradouro entre a torre de Belém e o pontal de Cacilhas, augmenta a velocidade das aguas nessa parte, e regularisa mais o seu regimen, mas esta regularização tenderá a seguir para montante produzindo diminuição de velocidade dos lados, e, portanto, assoriamento.
«As materias excrementicias lançadas ao Tejo, servindo de argamassa entre os detritos acarretados pela corrente, facilitam os depositos; e d'ahi o progressivo assoriamento

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a partir da margem direita para o rio, que pouco a pouco se vae canalisando, favorecendo assim o crescimento do monchão da Povoa e de outros deltas, a que se refere a commissão de 1871, produzidos por aquelles detrictos.

A construcção do muro junto do perau vae fazer depressa o que por aquella forma se chegará a realisar insensivelmente, que é a obstrucção do reservatório das aguas necessárias para conservar a barra desimpedida.
Para tratar a questão pelo lado económico é preciso saber o custo da obra, para o que era preciso haver, pelo menos, um ante-projecto. Comtudo a commissão avaliou-o em 15.000:000$000 réis por comparação com as obras do porto de Anvers.
«Applicou o preço do metro corrente de muro, e chegou assim a um resultado muito differente d'aquelle a que chegaria, applicando o preço do metro cubico, como devia fazer; porque o metro corrente do muro que cá se projecta tem um volume muito superior ao do que se fez em Anvers.
«Os furos de sonda referidos á linha do caes, estabelecida pela commissão de 1871, deram uma altura de lodo variando de 15 a 23 metros; e o sr. Eça diz nos que é de presumir maior altura na linha correspondente ao muro do caes que agora se projecta.
«Tomando, porém, a media de 19 metros para a altura do lodo, e determinando para o muro do nosso caes um perfil similhante ao do muro de Anvers, acha-se ser de 263,m 37 o cubo por metro corrente.
«Em Anvers esse cubo é de 97m,25; e o preço médio do metro cubico de alvenaria foi de 79,17, que, a 180 réis o franco dá 14$250 réis.
«Convém notar, que n'este preço não entra o custo do aterro nem das dragagens, como já aqui se disse; é simplesmente o da alvenaria em obra.
«Applicando aquelle preço, custará o metro corrente do muro que se projecta, 3:753$022 réis, e 3:350 metros de caes marginal a 3:753$022 réis perfaz 12.572:600$000 réis. A commissão calcula 4.926:000$000 réis. A relação entre esses dois numeros é de 2,55.
«Suppondo, como é de crer, que o trabalho da commissão está uniforme, e applicando aquella correcção aos réis 15.000:000$000 por ella calculados, obtem-se para o custo total das obras 38.250:000$000 réis.
«A commissão diz que o preço das obras em Lisboa ainda ha de ser inferior ao de Anvers, mas não o demonstra. A rasão que o relator aqui apresentou foi que em Anvers os materiaes vinham, pelo caminho de ferro e por canaes, de Soignies e Arquelines, á distancia de 80 kilometros.
«Acrescendo a circumstancia de que o muro de caes em Anvers foi estabelecido a profundidades variando de 8 a 13 metros da baixamar, as quaes em Lisboa variaram de 25 a 33 metros ou mais, póde concluir-se com toda a segurança, que o preço médio do metro cubico de alvenaria das obras em Lisboa excederá muito o da Anvers. Não é pois exagerado o preço de 38.000:000$000 réis para a execução dos melhoramentos indicados, não comprehendendo ainda a alfândega, orçada pela commissão de 1871 em 2.000:000$000 réis e pelo sr. engenheiro Valladas em 2.500:000$000 réis, nem a doca de paços d'Arcos, nem o melhoramento da bahia de Cascaes.
«Entende elle orador que os melhoramentos do porto de Lisboa te devem limitar às seguintes obras:
«1.ª Construcção de diques na praia da Margueira, onde se possam reparar os pequenos e os maiores navios do commercio;
«2.º Regularisação das duas margens, tendo em vista a construcção das docas precisas para abrigo das pequenas embarcações, e para facilidade de embarque e desembarque de passageiros em barcos de pequena lotação, devendo a doca para as mercadorias que têem de dar entrada na alfandega abranger todo o espaço que vae do Terreiro do Paço á estação do caminho de ferro.
«3.ª Construir um caes alfândegado em toda a extensão d'essa doca e parallelamente a ella, e em todo o comprimento um armazem de deposito tambem em andar terreo, ficando entre os dois um terrapleno com a largura necessaria para facilmente se fazer todo o movimento da alfandega.
«4.ª Preferir, sempre que seja possível, a expropriação em terra ao alargamento para o rio.
«5.ª Abrigar melhor a bahia de Cascaes.
«6.ª dar outro destino ao actual edificio da alfandega, que fica substituindo pelo caes alfandegado e depositado correspondente.
«A demora na acostagem aos muros, que nem sempre é possivel; a demora na entrada e saída das docas; a espera de vez para acostar ao caes proprio; a mudança do local de acostagem e a impossibilidade dos navios, sem o emprego das fragatas, carregarem e descarregarem simultaneamente dos dois lados, devem occasionar grandes estornos ao commercio.
«A propria commissão, quando nos apresenta a proposição de saber se os navios devem ou não ser obrigados a acostar, reconhece tacitamente que os melhoramentos por ella marcados para o porto de Lisboa não t~eem importancia commercial. Ninguem melhor que o proprio commercio para procurar as suas conveniencias, e, quando elle rejeita os meios que se põem ao seu alcance, é porque não lhe resulta vantagem de se aproveitar d'elles. A commisão, discutindo, se os navios que proferirem o ancoradouro devem ficar sujeitos a um supplemento do imposto de tonelagem e a pagarem a despeza ao bloqueio alfandegario que o governo entender dever estabelecer-lhes.
«É uma liberdade similhante á que o salteador dá ao viandante quando lhe diz: «ou bolsa, ou vida.»
«Aqui tambem o navio póde acostar ou deixar de acostar.
Se acostar paga muito, se não acostar, ainda paga mais.
«Tal é a confiança que a commissão tem no resultado commercial dos despendiosissimos melhoramentos que aconselha para o porto de Lisboa! A existencia das docas de fluctuação tem sido aqui justificada principalmente pela necessidade de augmentar a extensão do caes acostavel, pois diz-se que o muro de caes desde o Beato até Belém não chega para o movimento do porto.
«A alfândega não deve ser um edifício em andares, mas ainda que se reduza a caes alfandegados com os correspondentes depositos, como propoz, seria inadmissível que abrangesse toda a extensão desde o Beato até Belém, e em torno das docas de fluctuação.
«Haverá, pois, necessidade da maior parte dos navios carregar e descarregar longe dos caes alfandegados. N'esse caso o serviço faz-se entre o navio e o wagon, onde o transporte é mais caro e mais embaraçoso, porque o wagon precisa de carris para andar, e a fragata faz caminho por onde tiver agua e fundo. Com o emprego de fragatas ou batelões, que são por assim dizer os wagons dos differentes comboios constituídos por cada navio, póde o serviço concentrar-se e fazer-se muito expeditamente, havendo docas ou portos de abrigo accessiveis a esses barcos em todas as marés, e tendo caes alfandegados, uns e outros com desenvolvimento relativamente diminuto, da mesma maneira que uma estação do caminho de ferro, sem ter a extensão de muitos comboios, nem mesmo a do um só, faz com rapidez o serviço por meio de wagons que se revesam.
«Havendo nas docas planos inclinados moveis que permittam aos wagons entrarem em batelões apropriados, o serviço entre as estações dos caminhos de ferro e os na-

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vios póde fazer-se em baldeações intermédias. Parece retrogrado não condemnar o systema de carga e descarga, por meio de fragatas, e muito mais ainda defendel-o; mas isso não obsta a que apresente a sua opinião desassombradamente.
«A fragata, e quando diz fragata, refere se a barcos próprios para serviço da carga e descarga dos navios, e que demandem pouca agua, só deixará de existir quando houver um meio de locomoção que permitia, com o mesmo trem, caminhar indistinctamente na agua ou na terra. Emquanto isso não acontecer a fragata será sempre uma necessidade.
«Com o desenvolvimento do commercio depressa os caes construídos com grande sacrifficio dos povos se tornam insufficientes, e os navios têem de ancorar ao largo fazendo o serviço do carga e descarga por moio de fragatas.
«Em Marselha vê-se quasi sempre um grande numero da navios collocados perpendicularmente á Unha dos que se acham acostados, e fazendo serviço com fragatas, e em Anvers já succede outro tanto.
«Também é certo que os navios vão de dia para dia augmentando de dimensões, e demandam mais profundidade de agua para navegar. De modo que as obras accessiveis às embarcações de hoje deixam de o ser às que se construi r em ámanhã.
«O sr. Guerreiro diz que não sabe o que seria se se tivesse feito o muro indicado pela commissão de 1871. E o que se dirá daqui a meia dúzia de annos, se tanto, do muro que indica a commissão de 1883?
«Emquanto a navegação terrestre for distincta da marítima, por mais que condemnem a fragata e a façam até desapparecer por algum tempo, ella reapparecerá sempre com os clarões do progresso.
«O nosso dever pois é aperfeiçoar o systema ds carga e descarga por meio de fragatas, com a applicação do vapor e de tudo o mais que tenda a melhoral-o em vez de pretender substituil-o por outro de execução muito dispendiosa, é que só apresenta de notável o ser mais apparatoso.
«Nos portos de Bordéus, Rouen e Anvers, que se apresentam como mais similhantes ao do Lisboa, as obras tiveram por fim melhorar as condições de navegação e ancoragem.
«A carga e descarga feita directamente entre o caes e os navios foi consequência das obras e não pretexto para ellas, como está succedendo com os melhoramentos do porto de Lisboa, que parecem ser feitos com o único fim de acabarem com a velharia da carga e descarga por meio de fragatas, velharia que promette zombar ainda por longo tempo de todas as reformas que miram a extinguil-a.
«As narrações do nosso illustre collega, o sr. Adolpho Loureiro, chegado ha pouco de uma viagem do estrangeiro, feita com o fim especial de estudar portos, confirmam as disposições que tem avançado.
«Diz o sr. Adolpho Loureiro: «O que vê é que hoje a primeira condição a que procura satisfazer se em um «porto é, primeiro, a da tranquillidade e da área sufficiente «para todas as operações dos navios; depois a da facilidade e promptidão da carga e descarga.»
«Ainda ninguém se lembrou de dizer que o Tejo não tivesse área suficiente para todas as operações dos navios.
«Com relação á tranquillidade diz-nos elle: «No porto de Lisboa a insuficiência dos caos é a rasão que a seu «ver justifica a construcção das docas, e não a necessidade de abrigar os navios, porque julga que um bom navio de grande tonelagem e bem provido de ferros e correntes não tem ali a arreceiar-se dos temporais. Os barcos pequenos de cabotagem e do serviço do porto é que carecem de abrigo; mas esses exigem docas de pequenas dimensões, e a commissão a isso atteudeu convenientemente».
Portanto no porto de Lisboa não existem as duas causas principaes que determinam a execução das grandes obras de um porto.
«Os melhoramentos que se projectam são, pois, motivados pela circumstancia secundaria da facilidade e promptidão de carga e descarga.
«A respeito destas diz-nos tambem o sr. Adolpho Loureiro no seu discurso: «... como em Calcuttá e Bombaim «onde, apesar de haver guindastes magníficos, grande parte «das cargas e descargas se faz por meio de barcos, isto é «fora do caes».
«Em Colombo não ha caes, todas as cargas e descargas eram feitas em pleno porto por meio de barcos nativos, o que não obsta a que este porto seja de uma animação e movimento extraordinários.
«Hong-Kong, que é um porto de movimento verdadeiramente extraordinário, e que é o emporio do commercio da China com a Europa e a America, não tem docas, mas sómente caes acostavel às pequenas embarcações. As condições nativas deste porto são magnificas normalmente; é muito abrigado e apenas soffre algumas vezes com o cyclone. Todos os grandes navios que o frequentam fazem as suas operações no meio do porto por intermédio dos pequenos barcos e juncos chinezes. Respeita as idéas de todos os seus collegas, mas não acceita auctoridades scientificas para a ellas se submetter cegamente. Por isso não apresenta as opiniões do sr. Adolpho Loureiro, mas simplesmente o resultado das suas pesquizas e observações feitas nos principaes portos estrangeiros.
«D'ellas, apesar do sr. Guerreiro agradecer a defeza que o sr. Adolpho Loureiro fez dos trabalhos da commissão, conclue-se o seguinte: Se os melhoramentos do porto de Lisboa indicados pela commissão podessem executar-se mesmo sem o paiz gastar um maravedi é muito duvidoso que o geral do commercio se utilisasse d' elles, e é mais que certo que elles em nada contribuiriam para augmentar a concorrencia do porto. Como, porém, para os levar a effeito e preciso gastar milhares e milhares de contos, e sobrecarregar o movimento com pesados impostos a fim de satisfazer os encargos da divida contrahida e as despezas de conservação, segue-se que essa enorme muralha que querem construir no meio do Tejo, não servirá para chamar, mas sim para afugentar o commercio.
«Pelo lado hygienico diz o sr. Guerreiro que não indo os esgotos da cidade para o Tejo a área que fica a descoberto na maré baixa é nociva á salubridade porque será um lamaçal e não um areal.
«Haverá de uma e outra cousa, mas as lamas produzidas sómente pelas aguas das marés, não são nocivas á saúde como as aguas estagnadas.»
Quem conhece praticamente o serviço de carga e descarga das embarcações no porto de Lisboa não póde deixar de prestar a mais desvelada attenção às momentosas considerações de tão distincto engenheiro.
O dispendio creado pelo projecto é de tal ordem que até os engenheiros que, ordinariamente não primam pelo espirito económico, desde que se convencem da utilidade das obras, se arreceiam d'elle.
Este distincto engenheiro tambem tinha vontade, como eu, de que o paiz economisasse a avultada quantia de réis 15.000:000$000.
Mas, alem da inutilidade das obras, base do projecto, o que é sobretudo digno da maior consideração são as revelações dos prejuízos que desta obra podem advir, no entender do douto engenheiro.
Asseverava o governo na primeira proposta apresentada às cortes em 1884, que com estas obras de apparato ficava resolvido o grande problema da salubridade publica da capital.
Segundo as declarações do governo os vastos muros de caes, de um e do outro lado do Tejo, tinham, entre outras virtudes, a de acabar com o pântano que hoje envenena a capital!

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Pois o sr. Pimenta de Castro sustentou que desde que se construísse um muro tão avançado sobre o Tejo, que as bôcas dos canos ficassem sempre debaixo da agua de modo que nunca lhes entrasse o ar, se haviam de aggravar consideravelmente as condições de insalubridade da capital!
A esta consideração, que é fulminante contra o projecto, se deu resposta; ou antes teve do illustrado relator commissão nomeada em 1883, que ali estava defendendo o seu projecto com amor de pae, a seguinte resposta, cujos termos textuaes são os seguintes:
«Sob o ponto de vista hygienico, limita se a dizer que; não indo os esgotos ao rio não deixarão por isso os todos de ser nocivos. Em Marvilla, no Beato, e em outros pontos da margem do Tejo tambem as lamas do rio não recebem esgotos, e entretanto dão logar às sezões. A transformação dos lodos em areal seria impossível, porque os lodos vem do rio e continuariam a vir; e a terra argilosa não póde transformar-se em areia.»
Estas palavras não importam resposta. Pelo contrario significam do modo mais eloquente que as considerações do sr. Pimenta de Castro eram irrespondiveis.
A replica do sr. Pimenta de Castro áquellas poucas palavras foi a seguinte:
Pelo lado hygienico, diz o sr. Guerreiro que, não indo os esgotos da cidade para o Tejo, a area que fica a descoberto na maré baixa é nociva á salubridade, porque será um lamaçal e não um areal.
«Haverá de uma e outra cousa; mas as lamas produzidas sómente pela agua das marés não são nocivas á saúde, como as das aguas estagnadas. Se ellas fossem sesonaticas, em Alcantara haveria muitas sessões, o que felizmente não succede. Com relação ao caso dos esgotos continuarem a fazer se no Tejo, nada nos disse o sr. Guerreiro, talvez por partir da hypothese de que a esse tempo estarão feitas as obras que as levam a outros pontos. Mas isso é muito contigente, e crê o orador que duas obras tão despendiosas se não possam acompanhar. Fazendo-se em primeiro logar os melhoramentos do porto de Lisboa, como estão indicados, a salubridade publica seria muito prejudicada, como mostrou na ultima sessão.»
Podia o sr. Pimenta de Castro ter acrescentado que as obras da salubridade da capital hão de ficar para as kalendas gregas, porque, desde 1876 que se adoptaram as providencias para o saneamento da capitai, e ainda estão no papel, talvez porque ainda se não descobriu um projecto que desse margem a gastarem-se com as obras 15.000:000$000 réis! E Deus sabe se, pagas todas as despezas, já votadas, e que estão para se votar na presente sessão legislativa, ainda ficaremos com dinheiro para o custosissimo melhoramento da salubridade da capital!
Mas ouça a camara, para fazer um juizo completo sobre o assumpto, a resposta que deu á replica do sr. Pimenta de Castro o douto relator da commissão nomeada em 1883:
«Sob o ponto de vista hygienico acha o nosso collega as obras inefficazes, porque os todos não produzem sessões, e cita o exemplo de Alcantara. Elle, orador, não sabe se em Alcantara ha sessões, o que sabe é que ha miasmas pestilentos, que, pelo menos, são pouco agradaveis. E se não há sessões, há typhos, e outras febres de mau caracter.
Feitos os esgotos da cidade, pela fórma que está projectada, as condições de salubridade do rio melhoram, mas não parece, como diz o sr. Pimenta de Castro, que as lamas se tornem inoffensivas, e em todo o caso augmentarão, se não se fizerem as obras marginais.»
Regule-se a camara, não pelas considerações do sr. Pimenta de Castro, mas pela resposta que elle recebeu, do distincto engenheiro, que é o parecer anterior de todo este plano, e bastará essa resposta para lhe não ficar a mais ligeira duvida de que as obras projectadas, alem de arrancarem ao contribuinte mais 15.000:000$000 réis, são uma calamidade para o saneamento da capital?
Quanto ás considerações do sr. Pimenta de Castro a respeito do periogo que corria a barra com as obras espectaculosas que o projecto nos offerece, a troco da pelle do contribuuinte em mais 15.000:000$000 réis, tambem é conveniente que a camara saiba a resposta que tiveram da parte do illustrado auctor d'este plano de melhoramentos. Foi a seguinte:
«Pelo lado technico, o defeito principal que o sr. Pimenta de Castro attribue ás obras é fazerem assoriar o rio para montante, apeasr de augmentar a corrente. Entretanto, se a agua entrar com maior rapidez, isso impedirá que as meteruias em suspensão se depositem no mar da palha. Não percebe o orador, como sendo maior a velocidade, possam os depositar ser maiores. A corrente não favorecerá os depositos, o que há de succeder é os depositos irem formar-se mais longe, peermittindo o seu aproveitamento para colmatagem, e as aguas chegarem mais limpas ao mar da palha. É verdade que n'esta parte faltam dados praticos, como declarou a propria commissão, mas em todo o caso é mais natural suppor que as cousas se hão de passar como acabo de dizer, do que, comio imaginou o sr. Pimenta de Castro. Os estudos a fazer são muito longos, nem podem completar-se em breve praso, mas é provavel que, quando se executarem, levem a uma conclusão no sentido que elle, orador, deixa indicado, e a que se chega pelo raciocínio.»
Não é preciso dizer mais nada para a camara ficar sabendo que vamos pagar, pelo preço de 15.000:000$000 réis por conta, uma obra, cujo resultado problematico se resume em prejudicar as condições actualmente favoraveis da barra de Lisboa, e o saneamento da capital!!
Já é amor por obras caras!
O sr. Pimenta de Castro até receiou que lhe chamassem retrogrado por preferir obras baratas a obras caras, o que não era de admirar no seculo em que vivemos.
Há dias fui eu n'esta casa acoimado pelo sr. ministro do reino de conservador, de reaccionario, e não sei que mais, pela minha insistencia em proclamar a necessidade de sermos economicos.
Ora, aquelle distincto engenheiro sempre ouviu no seio da associação dos engenheiros civis o seguinte:
«Sinto dizer ao sr. Pimenta de Castro que s. exa. está em desaccordo com todos os engenheiros d'este seculo. Veja-se por exemplo, o que dizem os srs. Hersent e Pauslavigne no Génie civil, ácerca da vantagem dos caes acostaveis para os grandes vapores, e que poderá resumir se assim: «Devemos ter presentes as mesmas facilidades que, em Anvers dão ao movimento marítimo os caes acostaveis, em todas as occasiões, aos grandes stramers, e modificar o porto do Havre de modo que possâmos luctar com rival tão temivel.» Isto é dito pelo sr. Hersent que construiu o porto de Anvers, e que por isso sabe o que são estas obras para um paiz pequeno, onde faltam os meios de execução mais perfeitos e os recursos das grandes nações.
«Mas o sr. Pimenta de Castro pensa de modo differente, e realmente faz pena ver produzir no seio da associação da enqenheiros civis portuguezes, e n'esta vista epocha, os mesmos aumentos que em 1851 e apresentam contra a construcção dos caminhos de ferro.»
Parecia que era o sr. presidente do concelho que estava fallando!
As theorias do sr. presidente do conselho tem feito escola. O peior é que quem paga para a escola é o paiz.
Sr. presidente, não lei mais. Citei já a opinião de bastantes engenheiros distinctos, que condemnam por inefficaz e per inconveniente o pleno de obras que base do projecto.
Sei que estive pregando no deserto. Mas tambem no estado, a que chegaram as cuosas publicas, eu já não penso senão em deixar registada no parlamento a minha opinião a espeito dos mais graves assumptos que vem á tela do debate; e a respeito do projecto sujeito á discussão deixei

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consignada, não a minha opinião, mas a opinião dos homens technicos e entendidos sobre o assumpto.
Pois é n'estas circumstancias que o governo, sem embargo de todas estas opiniões auctorisadas, sem embargo de todas estas rasões, que condenmam financeira e económicamente o projecto, sem proceder a novos exames, a novas indagações e a novos estudos, e sem contemplação com uma situação financeira, verdadeiramente periclitante, insista em levar por diante tão malfadado projecto!
Já me esquecia de dizer á camara que de mais a mais as obras, a que só vae proceder, são feitas exactamente no logar reprovado pelo distinctissimo especialista inglez, Cood.
É a própria commissão nomeada em 1883, auctora do plano, base do projecto, que nos diz: «O governo em 1880 resolveu mandar estudar novamente este assumpto pelo distincto engenheiro sir John Cood. O seu projecto, feito com todos os dados de sondagens, tanto de agua como de terreno, que requisitou, baseia-se na opinião de que entre a rocha do conde de Óbidos e o arsenal da marinha não é possível fundar rasoavel mente um muro de caes pelas grandes profundidades de lodo, que vão até 26 metros em media emquanto que a oeste da rocha do conde de Obidos o terreno firme está poucos metros apenas sob a baixamar; d'onde resultou o collocar ahi as obras que considerou desejaveis para convenientemente augmentarem o commercio do porto de Lisboa.
«Certamente, diz o illustre engenheiro, teria adoptado a margem do rio a leste da rocha do conde de Obidos, como local para a doca de fluctuação necessária para a accommodação dos vapores e dos navios de vela de maior lota cão, se não fosse o facto de que as condições physicas ahi são de tal modo improprias para uma obra desta natureza, como já anteriormente expliquei.
«É necessario dizer, que o systema de fundação de caes pelo ar comprimido não foi considerado como aceitavel pelo sr. Cood.
«Projectou, portanto, uma doca de marés e outra de fluctuação entre a rocha do conde de Obidos e a Cordoaria, defronte do ribeiro de Alcantara, é em local onde será necessario escavar até 6 metros de basalto e calcareo; e, quando se julgasse necessario continuar sobre um dique de pedra a granel a linha do caes até ao arsenal, entende que a ligação com a estacão do caminho de ferro de K-ste se deve fazer pela rua do Arsenal, e não faz rectificação alguma da margem para leste. Quanto ao revestimento da margem sul ou esquerda do Tejo, julgou-o desnecessário sob o ponto de vista do regimen do rio. Cuidadosamente examinei esta questão, diz o sr. Cood. e não me parece necessario construir muralhas ou caes ao longo da margem esquerda entre Caolhas e a Trafaria em attenção a qualquer acção destruidora da corrente do rio.
«Porém, acrescenta mais abaixo: de que a tal muralha facilitaria a construcção de uma estrada ao longo da margem do rio, não póde haver duvida.
«Portanto, reduziu o seu projecto às docas commerciaes entre a rocha do conde de Obidos e a Junqueira.»
Porque se não ouviu ao menos o engenheiro Cood sobre este trabalho?
É verdade que era 1880 ainda elle não entendia bem o systema da fundação do caes pelo ar comprimido.
Mas talvez que desde então para cá tivesse aprendido!
E auctorisariam os precedentes e as tradições nacionaes o governo a adaptar assim tão de leve os trabalhos de uma commissão, aliás composta de homens competentes?
Os trabalhos das commissões, ainda compostas de homens technicos, inspiram, sem mais exame, tão illmitada confiança, quando se trata de assumptos tão graves, que se deva jurar n'elles, como se foram evangelhos?
Perguntemos ao governo o resultado que tirou o paiz de sacrificar centenares de contos de réis numa obra análoga ou com fim idêntico ao do projecto, em nome simplesmente do parecer de uma commissão, aliás composta de caracteres illustradissimos.
Diz o governo no relatório da proposta, que sobre este assumpto apresentou às cortes em abril do anno passado:
«Em novembro de 1872 nomeou-se outra commissão para dar parecer sobre a conveniência de construir pontes na alfandega de Lisboa, que facilitassem o movimento do porto. Esta commissão deu opinião favorável á construcção das pontes, as quaes chegaram a fazer-se, como todos sabem, mas que parece não terem produzido todo o seu effeito, por não inspirarem bastante confiança aos navios que deviam atracar a ellas para o desembarque das mercadorias, embora outras pontes, não muito distantes, do caminho de ferro do norte e leste tenham servido á carga e descarga directa de 70:000 toneladas, como tambem ponte da cábrea do arsenal acolitem sem perigo, e até hoje sem accidente, navios de todas as lotações!!»
Vejamos ainda o que diz a commissão nomeada em 1883, auctora dos trabalhos, base do projecto em discussão, a respeito dos trabalhos d'aquella commissão de 1872, sua collega e sua antecessora.
Diz a commissão nomeada em 1883:
«Em varios portos, não havendo conveniência de fazer um muro de caes ao longo da margem, construem-se pontes avançadas de modo que na testa haja sufficiente altura de agua para que o navio possa acostar. Este systema póde adoptar-se com vantagem quando a entidade que o applica tem um trafego restricto e concentrado, ou cábreas e apparelhos elevatórios a estabelecer.
«Na rada de Lisboa ha varias d'essas pontes:
«Duas para o serviço do caminho de ferro do norte e leste;
«Cinco para a alfandega;
«Uma no caminho de ferro de sueste;
«Uma no arsenal da marinha;
«Tres para serviço dos vapores lisbonenses, as quaes são de madeira.
«As pontes do caminho de ferro atracam numerosos navios gue vão desembarcar material e carregar mineral. Ambas podem dar vasão a 100:000 toneladas por anno, mas estando três navios grandes acostados a cada uma d'ellas é necessario ainda assim não permittir que acostem outros que estão á espera de vez. Estas pontes são solidas e estão bem conservadas. (Veja-se o mappa n.° 21.) As cinco pontes da alfandega, construídas ha quasi dez annos, ainda só atracou um navio de vapor. Servem apenas para atracarem a tilas fragatas. São de ferro, mas a sua construcção pouco macissa. Os capitães de navios receiam de as arruinar ao encostar-lhes o navio.»
Isto é simplesmente uma vergonha! Gastámos, ha dez annos, rios de dinheiro para construir cinco pontes na alfandega. Ainda não atracou a ellas, senão um navio de vapor durante tão longo período, porque os capitães de navios receiam encostar-lhes a embarcação, não com o receio de arruinar o navio, mas com. o receio de arruinar a ponte!!
Fizeram se umas pontes de ferro, mas com a construcção pouco macissa, e portanto sem solidez!
E, para maior vergonha nacional, estão logo ao pé duas pontes, que pertencem a uma companhia particular, a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, que custaram menos de metade do que custaram as nossas pontes da alfandega, onde atracam numerosos navios que vão desembarcar material e carregar mineral, e que podem dar vasão a 100:000 toneladas por anno!
Sr. presidente, não careço de dizer mais nada. Fica feito o processo e a execução viva das obras gigantescas submettidas á deliberação da camara. Estão condemnados os trabalhos de apparato, que servem de pretexto para fazer mais um saqu2 sobre o paiz de 15.000:000$000 réis por conta, e condemnados, não pela minha opinião, que não tem auctoridade para tanto, mas pela opinião dos homens

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doutos na especialidade, e pela logica implacavel e irrespondivel dos factos.
E até onde iriam as consequencias da condemnação se tivessem sido distribuidos todos os elementos, que ficaram sepultados no ministerio das obras publicas, relativos aos melhoramentos do porto de Lisboa?
Resta-me apenas, debaixo do ponto de vista technico, dar noticia á camara de alguns periodos que acompanhava a remessa ao governo do parecer da associação dos engenheiros civis.
A associação dos engenheiros civis, remettendo ao governo as actas da discussão e o parecer dos mesmos engenheiros, deu-lhe ainda, por escrupulos de consciencia, sem duvida, os seguintes conselhos, que o governo lhe não agradeceu, de certo, pois que nem com elles se importou.
Dizia o officio:
«Pareceu a alguns socios que as obras delineadas são grandiosas em demasia, e que talvez fosse prudente não pôr immediatamente em execução aquella parte que exige maior despeza, e na qual se comprehende a grande doca de fluctuação, mas ao mesmo tempo se ponderou que é essa justamente a que ha de trazer mais facilidades ao commercio e mais vantagens, portanto, para o desenvolvimento commercial do porto. Questão é esta, porém, que prende especialmente com os recursos do estado, e sobre a qual portanto esta associação não é chamada a dar parecer, ousando sómente lembrar que será da maior vantagem e de bem entendida prudencia fazer desde já todos os estudes para se chegar a um orçamento detalhado e seguro. A rectificação da margem norte por um muro continuo e com 10 metros de profundidade de agua em baixa mar de aguas vivas, parece do toda a vantagem tanto sob o ponto de vista da facilidade de abordagem para os navios, como sob o ponto de vista hygienico. Na opinião de alguns, comtudo, talvez não houvesse necessidade de procurar aquella altura de agua em toda a extensão de 8 kilometros, desde o caminho de ferro do norte até Belem, o que daria em resultado uma economia importante. É um ponto que no estudo definitivo não poderá deixar de ser attendido.
«Que é exequivel a construcção do muro de caes n'aquella profundidade de agua e com as alturas de lodo que as sondagens têem accusado, não é duvidoso. Com os recursos de que dispõe hoje a sciencia do engenheiro para applicar a obras d'este genero, póde quasi dizer-se que não ha impossiveis, senão financeiros. Poderá recuar se em frente do orçamento, não por causa das difficuldades technicas. Que seja o systema empregado nos caes de Anvers ou na ponte de S. Luiz no Mississipi ou o systema empregado em Rochefort e em Lorrente, que seja qualquer outro mais aperfeiçoado ou mais adequado o que se adopte, a obra não é impossivel, a questão é simplesmente de custo.
«Fazer todo o serviço de carga e descarga por meio de pontes avançadas, systema applicado com vantagem em alguns portos e que foi lembrado na discussão, seria uma installação muito mais economica do que a construcção de um caes abordavel e docas de maré e de fluctuação. Um tal systema, porém, não bastaria talvez, nem convirá ao desenvolvimento que se espera no porto de Lisboa. Em todo o caso muito será para desejar que os novos meios que os melhoramentos do porto hão de crear para facilitar as operações de carga e descarga sejam convenientemente utilisados, e não abandonados ou tão mal aproveitados como succede actualmente com o pouco que existe.»
As palavras que acabâmos de ler, transcriptas d'aquelle officio, deviam merecer a mais particular attenção ao governo e ao parlamento. Não devia o governo ser indifferente a tão ponderosas observações, se é que não submetteu o projecto á apreciação da associação dos engenheiros civis só pelo appetite de lhe dar um trabalho insano durante oito sessões, que se prolongaram até alta noite, visto que nenhum caso fez de tão auctorisado parecer.
Era este officio assignado por sete engenheiros, nenhum dos quaes expozera a sua opinião no debate, de que acabo de dar conta á camara. E não é preciso grande esforço de intelligencia para comprehender que elles julgavam exequiveis as obras, porque hoje nada é impossivel á sciencia o á arte, mas que entendiam que grande parte d'ellas era dispensavel, e sobretudo que estremeciam diante do extraordinario do custo!
Tres vezes no curto officio a associação lembra as difficuldades financeiras.
São memoraveis as palavras do officio. Póde recusar-se em frente do orçamento, não por causa das difficuldades technicas.
Mas o governo é que não recuou, diante de cousa nenhuma.
A obra não é impossivel, diz a associação dos engenheiros civis, a questão é simplesmente de custo.
Quentão é esta, porém, diz a associação, que prende especialmente com os recursos do estado, e sobre a qual portanto esta associação não é chamada a dar parecer.
Qual foi a attenção que o governo deu a tão prudentes e sensatos conselhos da associação dos engenheiros civis? Foi estudar de novo o assumpto?
Foi submetter o projecto a novos exames e averiguações?
Pelo contrario veiu instar pela immediata approvação do projecto!
Bem competentes eram tambem os membros da commissão nomeada em 1671, e bem dignos de consideração eram os seus trabalhos, mas como o orçamento d'essa commissão não ía alem de 8.000:000$000 réis, ficaram esses planos a dormir!
Agora, que a respeitavel associação dos engenheiros civis dizia no seu officio ao governo o sufficiente, para elle comprehender que a mesma associação não concordava, nem podia concordar, com um projecto simplesmente apparatoso, a que demais não devia dar-se andamento sem considerar os recursos do estado, não houve circumstancia que detivesse o ministerio na realisação do proposito formado, de dar ao paiz mais um saque de 15.000:000$000 réis por conta!
A associação dos engenheiros civis apesar de não ser chamada a dar parecer sobre esta face da questão, bem acentuava a idéa de que no emprehendimento d'estas obras era preciso ter em conta os recursos do estado.
Mas tudo tempo perdido! Estava escripto que era preciso gastar 15:000:000$000 réis: e 15.000:000$000 réis irão gastar-se com o voto dos representantes do paiz!
O paiz dorme, e ninguem lhe vale.
A associação dos engenheiros civis bem ponderava ao governo que alguns dos seus membros reputavam dispendioso de mais este plano de melhoramentos, e que bastariam e substituir o caes acostavel pontes com caes avançados. Mas o governo a tudo era insensivel.
Antes do concluir sempre quero dizer á camara quaes eram as impressões financeiras de que se achava inspirada a illustre commissão nomeada em 1883 ao elaborar este projecto; e isso póde explicar o plano grandioso e monumental, por ella apresentado.
Custa-me tomar tanto tempo á camara, e estou fallando com grande sacrificio da minha saude. Mas a gravidade do assumpto, comquanto eu procure resumir o mais possivel as minhas considerações, obriga-me a expor, sem reservas ao paiz, o que é que lhe dão em troco de 15.000:000$000 réis com que vão esmagar as forças já definhadas do contribuinte.
É indispensavel deixar bem consignadas nos registos parlamentares as impressões financeiras, que dominavam a commissão nomeada em 1883 na occasião de formular este projecto, grandioso o aparatoso, de melhoramentos para o porto de Lisboa.
E a camara conhecerá que as idéas financeiras d'aquella commissão se ajustam perfeitamente com as do governo, e

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hão de conduzir fatalmente o paiz aos mesmos resultados.
Dizia, o illustre relator da commissão, nomeada em 1883 por occasião do se discutir este projecto no associação dos engenheiros civis, discussão, em que tomou uma parte importantissima.
«O que, segundo julgo, preoccupa ainda, muita gente, é a idéa do grande dispendio. A este respeito parece lhe interessante; citar as obras dos portos do Havre, Danquerke Boulogne-sur-mer, Dieppe e Calais, sem fallar dos novos trabalhos de Auvers. o Genie civil tem publicado noticias sobre os ultimos melhoramentos d'aquelles portos. No Havre tem-se gasto até hoje 200:000:000 francos ou réis 36.000:000$000; sem que ninguem faça as lamurias que se fazem e entre nós porque se pensa em gastar 15.000:000$000 réis com o primeiro dos nossos portos. Mas o caso não é gastar muito, o que preciso é gastar bem. Se as obras são realmente vantajosas, façam-se ainda que para isso seja preciso dispender não 15.000:000$000 réis, mas 300.000:000$000 réis. A questão é haver credito, porque o capital não faltará desde que haja confiança na sua applicação.
«Não é o capital nacional que devemos esperar; todos sabem que os nossos melhoramentos materiaes têem sido feitos com capitães estrangeiros. Lá fóra os capitalistas não têem duvida em emprestar o seu dinheiro ao governo quando se trata de melhoramentos publicos de reconhecida utilidade, já se está habituado a isso, e não ha a descrença que se encontra no paiz.
«Ha doze annos o governo quiz levantar um supprimento de 400.000$000 réis, e não conseguiu obtel-o no paiz. É porque entre nós o publico não sabe bem o que são as operações de credito, e por isso não acredita nos seus resultados. Ha um receio exagerado, como succedeu com a convir são de 1852, que alguns malevolos classificaram de bancarota, mas que nem mesmo foi bancarota simulada como se faz em outros paizes; foi uma operação um pouco ousada para aquella epocha e por isso revoltaram-se os financeiros. Hoje já se está mais habituado a essas transacções, e todos as acceitam sem dificuldades.»
Bem sei que o caminho seguido pelo governo, e de que é complemento ponderoso este projecto, é marchar para uma situação, a que agora se chama transacção, como a de 1852!
Porém, com o meu veto é que o paiz se não ha de habituar a transacções, que na linguagem da sciencia e na linguagem dos factos são verdadeiras liquidações ou bancarotas.
Bem sei que não posso, só com os recursos da minha palavra e do meu voto, obstar a esse desastre.
Mas ao menos cumpro o meu dever, liquido a minha responsabilidade perante o paiz, e fico em paz com a minha consciencia.
Prepare quem tiver coragem para isso similhantes transacções. Eu não. Nem quero deitar a perder o que é meu, nem me julgo auctorisado a deitar a perder o que é do paiz, de quem sou, não dono, mas representante.
Sr. presidente, expuz á camara a opinião dos homens de sciencia. Sobre elle assumpto grave não enunciei a minha opinião, que de nada vale em materia que sob o ponto de vista technico me é absolutamente estranha. Fui apenas o relator fiel de opiniões auctorisadissimas.
Destacam se, porém, no meio do todas as considerações feitas na associação aos engenheiros civis dois pontos capitães, para os quaes eu não me cansarei de chamar a attenção do paiz.
Nenhum governo, nenhum parlamento, teria a coragem de seguir com este projecto por diante sem ter previamente verificado com a mais absoluta segurança:
1.° Se as condições da barra podem ser prejudicadas com o estreitamento da superficie molhada do Tejo;
2.º Se a salubridade da capital póde soffrer, ficando a bôca dos canos de esgoto permanentemente debaixo de agua, de modo que lhes não entre nunca o ar.
A junta consultiva de obras publicas e minas não se pronunciou por falta de elementos e de tempo sobre este assumpto, que é da maior gravidade.
Eu nem comprehendo como o sr. presidente do conselho, com a sua longa experiencia de negocios, com conhecimentos especiaes sobre o assumpto, e sem precisar de mais esta providencia para sustentar vaidades, quer a responsabilidade do andamento do projecto sem novos exames, sem novos estudos, e sem averiguar se o paiz ainda póde com este saque!
Construir á custa do contribuinte, que já tem pouco para dar, obras gigantescas, que vão associar o mar da palha, pondo em perigo a barra de Lisboa, e que vão cobrir perpetuamente as bôcas dos canos de esgoto da cidade, agravando as já tão más condições sanitarias da capital, não é só um erro administrativo, não é só uma estravagancia, é um crime de lesa nação.
N'estes dois pontos capitães pelo menos, precisa ainda o projecto de detido exame por parte dos homens technicos. Não adoptemos de leve uma providencia que nos póde trazer prejuizos e males irreparaveis.
Não sou engenheiro; mas não preciso de conhecimentos technicos e especiaes para perguntar ao governo quaes os estudos e exames a que sujeitou o projecto depois da discussão havida na associação dos engenheiros civis? Para que foi este projecto enviado á associação dos engenheiros civis? Não seria para ouvir e ter em conta o parecer de tão distincta corporação? Não foi bem pronunciada a opinião pelo menos de um engenheiro contra estas obras? Não sustentou, e brilhantemente, esse engenheiro que as obras, base do projecto, íam prejudicar o regimen da barra, e a salubridade da capital?
Que passos deu o governo para apurar se a base das obras era fatal á barra e á salubridade da capital, ou se esta rasão era a simples allegação theorica de um engenheiro, aliás distincção, mas inteiramente destituída de fundamento real?
A obrigação do governo, em seguida á discussão e parecer da associação dos engenheiros civis, era sustar o andamento do projecto até que novos exames e novos estudos viessem esclarecer definitivamente o assumpto.
Não quero concluir o meu discurso sem dizer duas palavras a respeito da parte financeira do projecto.
O largo tempo que tenho usado da palavra está me embargando já a voz, e impede-me por isso de entrar em considerações geraes sobre a nossa triste situação financeira, que é já perilitante, e que com este projecto imprudente vae ficar aggravada.
Quaes são os recursos com que o governo conta para cobrir os encargos d'esta obra gigantesca? Os que vem indicados no projecto ou são nullos, ou contraproducentes.
Esta obra, como tantas outras, ha de ser custeada pelo credito, e só pelo credito.
A primeira verba de receita com que o governo conta parei custeio das obras é o producto da venda dos terrenos conquistados ao Tejo com a execução doestes trabalhos. Entende o governo que a empreza que se organisar ha de tomar pelo preço firme de 10$000 réis por metro quadrado de superficie metade dos terrenos conquistados ao Tejo.
Ora, para se saber quanto hão de ser procurados para edificações esses terrenos, e o valor que hão de dar por elles, basta ler o parecer da commissão nomeada, em 1883, que é auctora d'este plano grandioso.
Diz ella:
«Supponha-se que os terrenos adquiridos em frente do atterro da Boa Vista, por um muro de rectificação, seriam vendidos, e renderiam mais que as despezas de construcção das docas.
«Não ha proprietario algum em Lisboa que ache isto rasoavol.
«Desde a rocha do conde de Obidos até á Ribeira Ve-

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lha as propriedades de lodo pouco consistente attingem 20 a 30 metros; todas as fundações dos predios já têem saído caríssimas e têem dado de si; as alas dos ministerios construídas fóra dus muralhas dos velhos caes têem descido progressivamente; quem intentaria, pois, construir para especulação sobre lodo pouco consistente e apenas defendido por um assoriamento?»
Eis-aqui uma apreciação bem insuspeita ácerca do resultado provável da venda dos terrenos que forem conquistados ao Tejo.
É a propria commissão nomearia em lobo que nos indica o valor desses terrenos.
Não emitto sobre o assumpto a minha opinião. Invoco os argumentos dos que mais enthusiastas se mostram por estes grandiosos melhoramentos.
Mas a declarado feita no relatório do governo, de que o empreiteiro mr. Hersent, cuja proposta vem annexa ao parecer das commissões, acceitará o metro quadrado de terreno conquistado ao Tejo a 10$00 réis, é pura phantasia.
Era parte nenhuma da proposta do sr. Hersent se indica similhante cousa.
Aventa-se esta idéa apenas na carta do sr. dr. Cortez, que não é, e que está muito longe de ser a proposta do empreiteiro.
No projecto de contrato offerecido por mr. Hersent para a empreza dos melhoramentos, e que não posso deixar de considerar official porque vem annexo á proposta do governo, comparado com esta proposta, encontram-se cousas curiosissimas.
Era primeiro logar sendo, como logo no começo só declara, um projecto de contrato entre o governo portuguez, representado pelo respectivo ministro, e o empreiteiro mr. Hersent, vem o documento assignado pelo empreiteiro e não tem a assignatura do ministro!
É um acto celebrado entre dois e assignado por um!
Em segundo logar raras são as condições d'esse projecto de contrato, que condizem com os artigos da proposta do governo e vice-versa!
Mas, sem deixar de apreciar estas curiosidades, continuo a analysar as fontes de receita de que o governo pretende lançar mão para occorrer às despezas com estes custosissimos melhoramentos.
Depois do producto da venda dos terrenos conquistados ao Tejo conta o governo com o imposto de 2 por cento ad valoram sobre a importação geral, creado por lei de 26 de junho de 1883. Ora, similhante imposto é uma verdadeira monstruosidade económica, absolutamente incompatível com as idéas do tempo.
Este imposto representa um encargo lançado às cegas sobre todos os objectos importados sem exceptuar os que pela pauta eram já livres, sem exceptuar as matérias primas, e sem attenção á vida ou á morte das industrias, que essas matérias primas são destinadas a alimentar! Com este systema de addicionaes, sem estudo e sem exame, póde o governo, com um traço de penna, dar logo cabo do deficit!
O terceiro elemento de receita a que o governo recorre para o custeio das obras, é a verba aunual, para melhoramentos do porto de Lisboa, inscripta no capitulo VI do orçamento do ministerio das obras publicas. Esta fonte de receita é a mais curiosa de taxas, tratando-se de um orçamento com déficit, e com deficit superior a 8.000:000$000 réis.
Aquella verba descripta no orçamento do ministerio das obras publicas não representa rendimento disponivel, ou excedente de receita orçamental.
O que representa em definitivo é o recurso ao credito.
Se a simples inscripção de qualquer verba n'um orçamento profundamente desequilibrado significa rendimento real e verdadeiro, então tivesse o governo inscripto no orçamento a verba, não de 30:000$000 réis, mas de réis 300:000$000, de 3.000:000$000 ou de 30.000:000$000, que ficava logo assegurado o pagamento das obras espectaculosas!
Da quarta verba de receita, os rendimentos das obras, nem vale a pena fallar.
Estes estratagemas e estes artifícios financeiros, destinados unicamente a lançar poeira aos olhos do publico, não acreditam os governos, nem os parlamentos.
A parte financeira do projecto é tão desastrada e infeliz, como a parte technica.
A proposta sujeita ao debate, na parte financeira, é o pregão official do descredito do thesouro portuguez.
As indicações ou exigências financeiras do empreiteiro representam a ultima das humilhações para o governo do paiz.
Sr. presidente, não haveria forças nem considerações que me obrigassem a attender, nem mesmo a receber uma proposta, como a que está sujeita ao nosso exame, em que um empreiteiro, nacional ou estrangeiro, me exigisse para garantir o pagamento das obras a emprehender, que os títulos a emittir, alem da responsabilidade do governo e do paiz, fossem garantidas com hypotheca sobre as obras do porto e seus rendimentos, e sobre os terrenos conquistados ao Tejo!
Que o empreiteiro, desconhecendo os recursos do paiz, e a nossa honra nacional, exigisse que lhes hypothecasse-mos as margens do Tejo, ainda teria explicação.
Mas que o governo acceitasse uma posição, que pouco dista da do negociante fallido, e offerecesse á consideração do parlamento estipulações de exautoração official para o nosso credito, é o que não se comprehende nem se explica!
O empreiteiro não se contentava com a garantia do governo, e com a proverbial honradez da nação portugueza na satisfação do todos os seus compromissos. O estrangeiro exigia alem disso hypotheca sobre as obras do porto e seus rendimentos, e sobre os terrosos conquistados ao Tejo! Pela legislação portuguesa, e pela legislação de todos os povos civilizado, toem os empreiteiros o direito de retenção sobre as obras em dadas circumstancias até integral pagamento.
Mas o empreiteiro queria mais. Queria o direito de pôr na praça publica, se o governo deixasse de cumprir as condições impostas, as obras feitas na margem do Tejo, e os terrenos conquistados ao mesmo Tejo!
Com as estipulações hypothecarias poderia até entrar era duvida se as questões emergentes da execução do contrato poderiam ser depois da apreciação do poder judicial, cuja competência é exclusiva para conhecer das questões de expropriação hypothecaria.
O certo é que a condição posta pelo empreiteiro é de completa exautoração para o paiz, e que por isso o governo não podia nem devia apresentar similhante projecto de contrato ao parlamento. (Apoiados.)
Tal contrato envolve condições offensivas do nosso credito e da dignidade nacional. Inspirado nos mesmos principios poderá vir amanha outro estrangeiro pedir-nos em hypotheca os edifícios publicas, sem julgar que com isso melindra e humilha um povo, que honrada e lealmente tem satisfeito os seus compromissos.
Tambem é verdadeiramente repugnante outra estipulação, que o governo inculca, como uma grande belleza da operação financeira, ou da parte financeira do projecto.
Por esta estipulação, tão apregoada como um dos encantos da parte financeira no projecto, não póde o syndicato negociar 5.400:000$000 réis de obrigações, que lhe são dadas e, pagamento, nas praças de Lisboa, Paris e Londres, as quaes serão amostizadas, por sorteio semestral no praso de nove annos a conter do decimo primeiro depois dá começo da execução do contrato.
Segundo vejo da carta junta ao parecer, escripta pelo digno par que tratou este negocio com o sr. presidente do

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conselho, e com o futuro empreiteiro, mr. Hersent, o nosso credito estava muito abalado no estrangeiro pelos pamphletos anonymos, publicados contra a nossa situação financeira.
Deploro o systema de pamphletos anonymos, ou sejam escriptos contra um individuo, ou contra uma nação. (Apoiados.) Quem tem por si a rasão e a justiça não se esconde sob a capa, do anonymo, apresenta-se de frente em face do publico (Apoiados.) No entretanto o nosso credito ha de prejudicar-se muito menos com os escriptos dos pamphletarios, ou esses escriptos se publiquem em Anvers, ou n'outra parte, do que com a leitura que nos mercados estrangeiros se fizer do nosso orçamento, e sobretudo das comas do thesouro. (Apoiados.) Os governos d'esta terra, digna de melhor sorte, têem reduzido o thesouro á situação de uma casa, que hoje toma dinheiro de emprestimo por unia letra, e que, chegado o dia do seu vencimento, e não tendo dinheiro para pagar, a reforma com a capitalisação do juro, ou vão levantar novo emprestimo para pagar esse juro, e assim successivamente. Ora com tal systema esta casa commercial em breve tempo estará irremediavelmente perdida, e ser-lhe-ha impossivel evitar a fallencia, se não chamar a um accordo amigavel os credores, que acceitem a reducção dos seus creditos.
Os paizes que se administrarem por este mesmo systema poderão aguentar-se mais tempo, e adiar o praso da liquidação. Mas a bancarota, mais ou monos aggravada, ha de ter o termo fatal dos seus deli rios administrativos, porque os recursos de um paiz não são inexhauriveis.
Mas qual foi o meio de que o governo lançou mão para condemnar os pamphletos e os pamphletarios, e para affirmar bem alto o credito de Portugal?
Foi consignar no projecto uma disposição, na qual reconhece que os 5.400:000$000 réis de papel podiam fazer grave affronta ao preço dos nossos titulos nos mercados portuguezes, francezes ou inglezes!
Agora tem o paiz a confissão solemne, não dos anonymos, mas do seu governo, de que o nosso credito está em condições tão perigosas, que 5.400:000$000 réis de obrigações podiam fazer-nos concorrencia séria em qualquer dos referidos mercados! (Apoiados.)
Uma condição d'esta ordem não se póde acceitar nem se póde propor. (Apoiados.)
Esta condição é affrontosissima.
Esta condição não importa ainda a fallencia, mas importa já o que em commercio se chama moratoria, e que eu, regra é o precedente obrigado da fallencia!
Por este contrato é duplamente responsavel o sr. presidente do conselho, que é um homem altamente esclarecido, e com larga pratica dos negocios.
O sr. Fontes não é um visionario que ignore as condições economicas e financeiras do paiz, e que não conheça que com este projecto, aliás commercial e technicamente impossivel, vae cavar a ruina do thesouro.
Mas tambem cedeu á vaidade.
O sr. presidente do concho quer passar pelo homem dos melhoramentos publicos: julgava offensivo da sua propria politica o recuar diante de um melhoramento para o paiz, e sobretudo para Lisboa, custasse o que custasse.
Viu que dois ou tres individuos, invocando perante a associação commercial de Lisboa melhoramentos, a que ella não podia ser indifferente sem se comprometter na opinião da capital, instavam por que se desse andamento a este apparatoso projecto, suppondo que a esclarecida rasão do sr. presidente do conselho o levaria a recusa formal, e que então o comprpmetto na opinião seria elle.
O Sr. presidente do conselho não queria caír no laço que lhe armavam, e não lhe repgunava tambem pôr ás costas de paiz mais 15.000:000$000 réis, uma vez que houvesse quem lhe ajudasse a levar a cruz ao calvario.
Por isso resolveu a questão, pondo-se á frente d'esta extravagancia administrativa e financeira.
Não póde ter outra explicação este desenlace. O peior é que o paiz é quem paga.
Agora que o sr. Fontes viu preparados grandes elementos em todos os partidos politicos, incitando o a esta obra de ruina para o porto de Lisboa, e para o thesouro portuguez, animou-se a dar andamento ao projecto.
Ainda assim, como eu tenho a convicção profunda de que nenhum homem publico quer prejudicar de proposito o seu paiz, quero crer que o sr. presidente do conselho, se visse rejeitado ou adiado o projecto em qualquer das assembléas parlamentares, ficaria muito tranquillo e em perfeita paz com a sua consciencia.
Alcançava a gloria de dar andamento á providencia, intitulada - melhoramentos do porto de Lisboa - e salvava se ao mesmo tempo da responsabilidade de ter compromettido o paiz com uma medida que, sem valer ao porto de Lisboa, póde concorrer poderosamente para a ruina do thesouro publico.
No entretanto parece-me que está escripto, que o projecto sujeito ao debate será a corôa nos trabalhos legislativos d'este anno, que hão de preparar grandes desastres á nação.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Pereira dos Santos (relator): - Sr. presidente, no cumprimento do dever que me impende n'este debate, como representante das commissões de fazenda e obras publicas, vou responder ás considerações que apresentou o illustre parlamentar o sr. José Dias Ferreira.
É esta a primeira vez que nos debates parlamentares tenho a honra de cruzar os meus argumentos com os de s. exa.; por isso permitia-me v. exa. e permitia-me a camara que antes de começar, eu preste a minha homenagem de muitissimo respeito e consideração para com o illustre deputado.
Ouvi as considerações de s. exa., e vou fazer a diligencia para responder a todas ellas.
Se me esquecer alguma, peço ao illustre deputado que me avise da falta, para mais completamente satisfazer ao meu encargo.
Começo por fazer sentir, sr. presidente, que eu estou, a respeito do desenvolvimento economico do meu paiz, com opinião inteiramente opposta áquella que manifesta o illustre deputado o sr. José Dias Ferreira.
S. exa. disse-nos hontem que não queria obras espectaculosas para o porto de Lisboa, e que não votava portanto o projecto, porque entendia que a grande muralha, a grande obra, como muita gente lhe tem chamado, era uma obra não só desnecessaria, mas um puro espalhafato.
Acrescentou o illustre deputado que o que era apenas util e necessario era uma doca de abrigo e uma doca de reparações.
Era n'esta occasião que o sr. José Dias Ferreira nos accusava, a nós os que propugnamos com mais ardor por este projecto, de que todos nos quedamos transformar em pequenos marquezes de Pombal!
Eu não tenho a pretensão de me querer comparar com o grande marquez, com o grande estadista do meu paiz: mas em todo o caso ouso affirmar desde já que tenho uma intuição mais levantada do que a do illustre deputado a respeito dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Eu não tenho a louca pretensão de querer ser um pequeno marquez de Pombal, mas tambem permitta-me s exa. que lhe diga que não quero que o porto de Lisboa e com elle as condições economicas do paiz. que d'elle derivam, se conservem nas condições que já eram reputadas desfavoraveis no tempo do grande estadista. Eu, no desenvolvimento economico do meu paiz não quero conserva-me estacionario, ou mesmo retroceder a 1755, que é precisamente o que parece que deseja, o illustre deputado quando diz que ao porto de Lisboa basta uma doca de abrigo para a cabotagem e uma doca de reparações.

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O marquez de Pombal já antes de 1755, ahi por 1730, mandou estudar no porto de Lisboa, por um architecto notavel que fez a sua carreira n'este paiz, o sr. Carlos Mardel, um muro de caes geral e avançado: precisamente a obra que o illustre deputado julga espectaculos e espalhafatosa.
D'este muro de caes, que começava no que hoje se chama o cães de Santarem e que terminava em Belem, estão até construidas algumas parcellas, como o caes das Columnas no Terreiro do Paço, e o caes da praça de D. Fernando, em Belem.
E não se julgue que por s. exa. querer a doca de cabotagem está mais adiantado que n'esta epocha; porque já o sr. Carlos Mardel projectava muitas docas de abrigo, e uma grande doca no arsenal que estabelecia em Alcantara.
Até já no tempo de D. João V se propunha para o que s. exa. agora quer: uma doca de abrigo e até um caes de aterro em frente da Boa Vista.
Portanto, em condições economicas do paiz, o illustre deputado está atraz de 1755; e nem isto significa nada em desfavor de s. exa. porque, em compensação, em idéas politicas o illustre deputado é muito mais avançado do que eu; mas em idéas economicas está mais atrazado.
Diz o illustre deputado que é espalhafatosa uma mura lha avançada no porto de Lisboa atraz da qual tem de construir-se guindastes, vias ferreas, armazens, etc.
Oiça s. exa. o que ainda não ha muito tempo escrevia um grande estadista de França em uma circular ministerial datada de 21 de janeiro de 1882:
«Não basta crear docas. É necessario prover os cães com engenhos aperfeiçoados, permittindo embarcar e desembarcar rapidamente as mercadorias, e reduzir ao rigoroso minimo a duração da demora dos navios; a transformação progressista da marinha mercante, por virtude da substituição dos navios do vela pelos vapores e o acrescimo continuo da tonelagem e da velocidade do marcha torna a installação d'esses apparelhos uma necessidade imperiosa. É preciso, alem d'isso construir nos terraplenos, barracões e abrigos para a conservação e deposito das carregações. É preciso finalmente ligar intimamente os portos á rede dos caminhos de ferro por vias ferreas dispostas de maneira a pôr os wagons em contacto com os navios e assegurar nas melhores condições de facilidade e de promptidão as manobras de carga e de descarga e de composição e decomposição dos comboios.»
Este illustre ministro entendia que já não era preciso encarecer a necessidade de muros de cães e das docas. Para elle é já considerada como imperiosa a necessidade dos apparelhos aperfeiçoados de carga e descarga, dos barracões e das vias ferreas, que tudo fica assento nas muralhas que exactamente o illustre parlamentar não quer.
Se o illustre estadista francez, que assignou e fez espalhar por todos os cantos da França estas circulares, se este estadista tivesse ouvido na vespera do dia em que aquellas circulares foram distribuidas, as considerações do illustre deputado, alcunhando de espalhafatoso um muro atraz do qual teriam de construir-se os guindastes, as linhas ferreas, os barracões, etc., que elle tanto elogiava, de certo teria mudado de opinião e talvez rasgado as suas circulares!
Ainda não ha muito que eu li numa publicação franceza, no Genie civil, uma noticia concebida nos seguintes termos: «Os inglezes já se gabam de que ha poucos dias entrara no porto de New Clastle um navio de 2:000 toneladas de arqueação, carregára 400 toneladas de carvão, entrara em seguida n'uma doca de reparação onde soffreu concerto, recebera ahi uma pintura de coaltar em todo o convés e saíra em seguida o Tyne, tendo gasto em tudo isto trinta horas!»
Este navio, só a descarregar no porto de Lisboa, gastaria quatro dias, tomando a media da demora das descargas n'este porto.
Pois se em New Castle se puderam fazer todas aquellas trinta operações em trinta horas, é porque ha ali as muralhas acostaveis aos grandes navios e os machinismos e os armazens e as vias ferreas e tudo enfim, que o illustre deputado julga espalhafatoso.
Dizia o engenheiro francez, que escrevia a noticia a que acabo de me referir: Cuidado! Cuidado, com estas pressas dos inglezes!
Pois, supponhâmos que um d'estes inglezes encontrava o illustre parlamentar e começava a gabar-se lhe de uma cousa d'estas; de que os navios se demoravam nos seus portos apenas trinta horas para executar operações que n'outros portos levariam muitos dias a executar.
Provavelmente o illustre parlamentar responder-lhe-ia, que lhe é muitissimo agradavel ver dos altos da cidade, ahi de Santa Catharina ou do castello de S. Jorge, estes enormes edificios que a arte naval tem produzido, estacionados n'este amplo e formoso estuario que banha os pés da cidade, a projectar a sua sombra enorme sobre as aguas do Tejo.
E tudo isto póde ser verdade e muito bonito, mas o peior, mas o peior, sr. presidente, é que enquanto elles ali estão parados e a deliciar as vistas dos habitantes da cidade, o commercio e o paiz estão a pagar fretes! (Muitos apoiados.)
E, se o transporte nas fragatas, dos navios para os caes e vice-versa, está sujeito a mais avarias e a maiores riscos, do que no desembarque directo dos navios para os caes, tambem o commercio e o paiz pagam maiores seguros! (Apoiados.)
E se a carga e descarga das mercadorias, em vez de se effectuar pelos processos actuaes se operar pela acção dos engenhos modernos e aperfeiçoados pelos grandes guindastes actuados pela pressão hydraulica tambem as operações de carga e descarga se farão mais economica e rapidamente.
E, se logo atrás dos muros de caes houver os armarios apropriados para receber as mercadorias, tambem a armazenagem e a pesagem será muito mais simples e economica! E, se esses armazens estiverem servidos por vias ferreas que os façam communicar immediatamente com estações dos nossos caminhos de ferro e com os principaes mercados da cidade, tambem as despezas do transporte no interior da cidade diminuirão!
Já vê o illustre parlamentar que as obras que se projectam não são simplesmente de espalhafato, servem tambem para alguma cousa! (Apoiados.)
Dizia-nos o illustre parlamentar que em 1730 não só julgavam necessarias estas grandes obras que agora só projectavam, e que comtudo a navegação se fazia e o commercio se estendia.
Mas as condições da navegação e do commercio eram porventura, n'esse tempo, as mesmas que actualmente se nos offerecem?
Então os maiores navios que sulcavam os mares eram os galeões e as caravelas que mediam 600 toneladas, e no maximo 800, e as difficuldades, e as delongas, e os perigos d'essas viagens eram por tal fórma consideraveis que a demora de dois ou tres dias a mais n'um porto maritimo, as difficuldades das cargas e descargas nos portos do mar eram de tal modo insignificantes, relativamente as difficuldades e demoras das viagens completas que não havia vantagem sensivel em attenual-as no interior d'esses portos.
Mas é exactamente isso tudo o que variou. O vapor substitue a vela, e como é necessario adquirir velocidade e economia de transporte o navio passa de 800 a 3:000 toneladas. O tempo da viagem e o preço do frete diminuem, e uma demora n'um porto de mar, que em 1730 poderia ser de insignificante influencia sobre as operações commerciaes, póde hoje ser um grave perigo para as transacções mercantis! (Apoiados.)

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Aqui tem v. exa. a rasão porque as obras que em 1730 poderiam ser consideradas espectaculosas, o não podem ser na actualidade.
Podia mesmo o illustre parlamentar retroceder um pouco mais; podia ir ao século XV, podia ir ao principio do século XVI.
Houve um período, sr. presidente, em que neste paiz se pensou a serio no desenvolvimento das nossas relações commerciaes.
Foi a idéa fundamental de disputar aos mouros o commercio do oriente que determinou a descoberta de um novo caminho para a India.
E as viagens faziam-se com as dificuldades e delongas e perigos que só podiam ser arrostadas pela heroicidade dos portuguezes!
Por effeito d'esta idéa fundamental e sublime poderam fazer-se essas descobertas, que tanto glorificaram o nome portuguez!
Atraz d'esaa idéa fundamental veiu a idéa da conquista, e á corôa portugueza póde entregar-se a vassalagem do mundo quasi inteiro!
A fé christã estendeu-se, Portugal chegou ao apogeu de toda a sua gloria, e o nome portuguez foi respeitado rio mundo inteiro!
Esta idéa fundamental do desenvolvimento do commercio nacional, que foi causa de tanto lustre e de tanta gloria para o nome portuguez, ainda não teve uma consagração material condigna; porque no espirito do rei venturoso, ao mandar edificar o convento dos Jeronymos, de certo presidia mais a idéa de conquista e a extensão da fé, do que a idéa fundamental, que foi a origem e a causa de todas as outras.
Pois, no espirito das construcções modernas, a que preside a simplicidade e a utilidade, não ha padrão mais apropriado para a glorificação d'aquella idéa tão grandiosa como as muralhas do porto de Lisboa!
Façam-se essas muralhas; essa obra espectaculosa, como lhe chamou o illustre parlamentar, se não servir para mais nada, basta que sirva para isso! (Muitos apoiados.)
Vamos agora ao orçamento das obras
Diz o illustre parlamentar:
«Appareceram projectos excessivamente mais caros, e foi preciso que chegássemos a um orçamento de 15.000:000$000 réis para se fazer passar a lei que auctorisasse as obras.»
Diz-nos mais s. exa., historiando a apresentação dos projectos:
«Veiu primeiro o projecto da commissão de 1871, que importava em 8.000:000$000 réis, appareceu em seguida o do engenheiro Coode, que importava em 5.500:000$000 réis; porque se não lançou logo mão deste que era mais barato? Deixou-se de lado e esperou-se que o orçamento chegasse a 15.000:000$000 réis para se fazerem as obras!»
Esta é a summula da discussão sobre orçamentos do illustre parlamentar.
Como é que s. exa. aprecia as obras para o porto de Lisboa? Pela verba final do orçamento.
Com a natureza das obras, com a sua importância e com o que podem produzir não se importa o illustre deputado.
S. exa. podia assim ir muito mais longe. Apresentava aqui um projecto de lei concebido nos seguintes termos:
«É o governo auctorisado a fazer as obras do melhoramento do porto de Lisboa a quem offerecer fazel-as por menor preço.»
Apparecia quem se propozesse fazel-as por 1:000$000 ou 2:000$000 réis; projectava uma pequena ponte, por exemplo; pois bem, estava o projecto preferido, e a obra feita por esse preço. (Apoiados.)
Isso não póde ser.
A importancia final do orçamento só por si não significa que uma obra é cara ou barata. Uma obra considera-se cara ou barata segundo o que ella produz. (Apoiados.)
O que é verdadeiramente caro é o que não dá um producto correspondente á despeza. (Apoiados.)
E, sobretudo, o que é indispensável é que, quando se comparam projectos se não attenda só á verba total do orçamento, mas que se veja tambem a natureza das obras projectadas.
Comparemos, por exemplo, o projecto da commissão de 1871 com o projecto de sir John Coode, que o illustre deputado queria que fosse acceite logo que appareceu, porque o reputava mais barato do que os que tinham sido apresentados anteriormente.
No projecto de 1871, os preços de todas as obras a realisar, que foram consideradas pela commissão, sommavam uma importancia total de 8.200:000$000 réis; no projecto do engenheiro John Coode era de 5.000:000$000 réis a importancia total das obras que projectava entre a Rocha do Conde do Obidos e Porto Franco.
A importancia total destes orçamentos póde porventura significar que o primeiro é mais caro que o segundo? Não basta ver a importância total é necessario tambem attender á natureza das obras que estão projectadas.
Ora vejamos:
No projecto da commissão de 1871 incluiam-se obras que não eram melhoramentos marítimos do porto; por exemplo: uma alfândega, orçada em 2.000:000$000 réis, um túnel, projectado entre o largo do Corpo Santo e o largo do Pelourinho, orçado em 70:000$000 réis, três fortificações, orçadas em 100:000$000 réis, uma transformação na actual alfândega de 50:000$000 réis.
Também as obras produziam logo uma conquista de terrenos, e a venda dos terrenos disponíveis, computada pela commissão ao preço diminuto de 2$25 réis por metro quadrado, produzia uma receita de 500:000$000 réis. No projecto Coode não ha venda de terrenos.
Ora, deduzindo estas verbas que se referem a obras independentes dos melhoramentos do porto, já importava em menos do que o projecto Coode o projecto da commissão de 1871.
Parece então que deveria ser este o preferido ao do engenheiro Coode.
O illustre deputado faz isto. Se o projecto tem em cima «projecto das obras de melhoramento do porto de Lisboa» e por baixo «dois ou 3.000:000$000 réis» prefere este a qual quer outro que em baixo apresente uma verba maior e não vae ver se essas obras são ou não convenientes e suficientes para o trafego mercantil do porto.
No projecto podem figurar mesmo obras que em nada, ou quasi nada, se refiram ao melhoramento marítimo ou commercial propriamente dito. (Apoiados.) Mas s. exa. não se importa com isso, escolhe sempre àquelle cuja importância final mencionada é menor.
É por isso que chegou mesmo a vir dizer nos que apenas se apresentou o projecto Coode, visto que elle (segundo o seu systema) era mais barato do que o da commissão de 1871, devíamos rasgar este immediatamente.
Em seguida a isto continua o illustre deputado e diz-nos:
«Depois de se terem apresentado todos estes projectos, apparece o de 15.000:000$000 réis; e como é o mais caro é exactamente àquelle que se vae acceitar.»
Peço licença a s. exa. para lhe dizer que antes de apparecerem todos os projectos que citou para os melhoramentos do porto de Lisboa já se tinha apresentado outro cujo orçamento era de 15.000:000$000 réis.
Esse projecto foi offerecido ao sr. duque de Saldanha em 1870 pelo engenheiro Thomé de Garnond.
Pois este projecto não foi acceite; e fica v. exa. e a camara sabendo que não é a elevação dos preços orçamentaes que determina os poderes públicos na escolha dos projectos que tem de acceitar. O projecto de Thomé de Gramond apesar de ter um orçamento de 15.000:000$000 réis não foi acceite.

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SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1885 2811

"Foi necessario chegarmos ao preço de 15.000:000$000 réis para alguma cousa se fazer no porto de Lisboa!" Esta é a phrase de s. exa.
15.000:000$000 réis? O projecto não falla era réis 15.000:000$000; pede auctorisação para obras na importancia de 10.800:000$000 réis; e comtudo nunca o illustre deputado fallou n'esta quantia; fallou sempre e exclusivamente em 15.000:000$000 réis!
Pois o que se pede não são 15.000:000$000 réis, são 10.800:000$000 réis!
A verba de 15.000:000$000 réis era relativa a um plano geral de obras na margem direita do Tejo, desde o Beato até á torre de Belém, e na margem esquerda desde o pontal de Cacilhas até á Trafaria.
Não é d'isso de que se trata; é das obras comprehendidas entre Santa Apolonia e Alcantara, orçadas pela commissão de 1883 em 10.800:000$000 réis, que occupam uma extensão que é bem maior do que a extensão das obras que o engenheiro Coode orçava em 5.500:000$000 réis, desde a rocha do Conde de Obidos até Porto Franco que fica para cá da Cordoaria !
Pois compare v. exa. o projecto actual com o projecto do engenheiro Coode, e avalie se as obras são caras ou baratas pela verdadeira rasão, que lhes póde dar effectivamente essas qualidades: a de produzirem, ou não produzirem. E depois diga se acha mais vantajoso o projecto actual ou o projecto do engenheiro Coode.
A comparação é facil.
A primeira cousa a que s. exa. tem de attender no projecto actual é que ha n'elle uma venda importantante de terrenos: 33 hectares, approximadamente.
E quantos tem para vender no projecto Coode?
Nem um palmo de terra.
Portanto é o projecto caro, porque a base de licitação é de 10.800:000$000 réis?
A venda de metade dos terrenos está garantida no projecto do lei ao preço de 10$000 réis o metro quadrado; esta venda de mais de 16 hectares de terrenos dará pelo menos 1.600:000$000 réis; portanto a despeza effectiva das obras não é de 10.800:000$000 réis, fica já reduzida a 9.200:000$000 réis.
Mas alem dos terrenos cuja venda está garantida pelo projecto de lei a rasão de 10$000 reis por cada metro quadrado, fica ainda disponível para a venda a particulares uma área igual á anterior que eu, por excesso de prudencia quero suppor que só renderá metade, ou réis 800:000$000; portanto a importancia effectiva das obras já não é de 10.800:000$000 réis, nem mesmo de réis 9.200:000$000 réis, porque fica reduzida a 8.400.000$000 réis.
Feita, pois, a compensação da venda dos terrenos para a comparação dos dois projectos, vemos que elles, de facto, ficam reduzidos às seguintes importancias: para o actual de 8.400:000$000 réis e para o projecto Coode de réis 5.500:000$000.
E depois de tudo isto pergunto ao illustre deputado qual é mais caro o projecto Coode ou o projecto actual?
Ainda é necessario ver qual é o rendimento directo das obras de um e de outro projecto. Ainda é preciso ver o que podem produzir as obras de um e outro.
No projecto Coode ha terraplenos onde podem unicamente estabelecer-se armazens para serviço limitado das docas; no projecto actual ha espaçosos terraplenos, grandes areas, espaços enormes, onde se podem estabelecer armazens em grande numero.
E qual será o rendimento desses armazens?
Um illustre engenheiro, o sr. Matos, cuja auctoridade é muito respeitavel, e nem o illustre deputado a póde contestar, tanto mais quando ainda ha pouco o citou ao desenvolver as suas considerações puramente technicas, fez uma memoria muito apreciável ácerca dos melhoramentos do porto de Lisboa, onde nos diz que o aluguer dos terrenos para deposito de mercadorias póde dar ao estado um rendimento do 237:000$000 réis, tomando por base a tarifa, correspondente do porto de Anvers que é diminuta!
Não quero tanto! E note v. exa. que é uma vantagem importantíssima para o commercio o encontrar depositos estabelecidos por forma, que possam tirar-se as mercadorias de dentro dos navios, e collocarem-se immediatamente nos armazens. E uma vantagem que se póde representar por uma economia enorme, porque dispensa o transporte oneroso e difficil que hoje se faz pelo trabalho braçal ou pelo serviço de carruças desde a alfandega ou dos cães da cidade para sitios distantos; dispensa o estabelecimento de armazéns muitas vezes situados tora dos principaes centros commerciaes e estabelece um mercado novo, como nas docas de Londres e Liverpool, onde as mercadorias passam por meio de warrants de um para outro dono, sem dificuldade nem embaraço.
Portanto bastava que rendessem 100:000$000 réis os novos terraplanos, que vamos construir, para que não fosse mais caro o projecto actual do que o projecto Coode. (Apoiados.)
E o melhoramento das condições da salubridade pela suppressão dos enlodamentos em frente da cidade na sua extensão quasi total é uma vantagem inapreciavel? (Apoiados.)
Por isso repito, que só é caro o que não produz; e é fora de duvida, que o projecto Coode não podia produzir tanto quanto póde produzir o projecto actual, que como v. exa. vê, está muito longe de ser caro.
É caro, do modo como o apreciam; mas não se póde dizer: "Regeitâmos isto unicamente, porque a base da licitação é 10.800:000$000 réis"! Gastando-se esta verba satisfaz-se a uma necessidade importante, colhendo-se em compensação um grande numero de rendimentos certos.
O íllustre deputado envolveu se por ultimo, sr. presidente, na questão technica, e tratou esta questão, lendo nos extractos das sessões da associação dos engenheiros civis todas as opiniões mais ou menos discordantes ácerca de algumas disposições do plano geral da comunhão de 1883, que se manifestaram na discussão que acerba d'este plano teve logar na mesma associação. Mas n'essas sessões não appareceram só opiniões discordantes, tambem houve respostas que s. exa. não criticou.
Eu podia responder a todas as considerações de s. exa. sob o ponto de vista technico com uma unica observação: é que encontra no verso de todas as paginas que leu a resposta às suas considerações. É uma questão de voltar a pagina. (Apoiados.)
Mas s. exa. notou com admiração que a associação só tivesse dois mezes e meio para estudar a questão, e que sobre ella chegassem a apresentar-se sete opiniões discordantes.
Ora, o praso não é curto para a discussão de um assumpto tão conhecido, tantas vexes estudado no paiz e que tinha sido já assumpto de conferencias muito proficientes e de memorias muito illustrativas apresentadas aquella associação.
Mas appareceram opiniões discordantes ácerca de algumas disposições; nunca decerto se teria construído obra nenhuma se he estivesse á espera de que concordassem completamente todas as opiniões, ácerca de todas as disposições das obras. A opposição é muitas vezes conveniente; serve até para se esclarecerem as questões!
Mas acha s. exa. extraordinario que apparecessem sete engenheiros a atacar algumas das disposições do projecto da commissão de 1883. A associação dos engenheiros civis tem talvez 250 membros; realmente não é muito que entre estes apparecessem sete que discordassem de uma ou outra das disposições do projecto da commissão de 1883 !
Mas note v. exa.; esses mesmos sete engenheiros não discordaram de todas as disposições do projecto. E não é difficil de ver se um ou mais d'estes sete levantaram

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2812 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

duvidas ou mesmo opposição a alguma disposição do projecto os restantes, mesmo d'estes sete, concordaram com essa, disposição.
Assim, por exemplo, o sr. Matos não quer doca de fluctuação; pois o sr. Adolpho Loureiro julga a conveniente. Só o sr. Couceiro e o sr. Pimenta de Castro manifestaram a opinião da conveniencia da adopção das pontes-caes ; todos os restantes te pronunciaram sem a minha hesitação pela adopção de um cães fixo avançado. O sr. Matos manifesta a principio hesitação sobre a fundação em lodos, mas essas hesitações attenuam-se pelos seus proprios calculos sobre a estabilidade das obras, etc.
Nunca realmente n'uma questão d'esta natureza as opiniões foram mais geralmente concordes do que na questão actual.
Mas as opiniões foram manifestadas no seio da associação ; esta pesou-as e comparou-as. Da apreciação e comparação de todas as opiniões emittidas resultou o parecer que foi approvado pela associação e enviado ao governo.
Eu não quero contribuir para que se traga para o parlamento a discussão que se travou sobre este assumpto na associação dos engenheiros civis.
Não é porque eu tenha receio d'essa discussão, porque embora sejam muito insignificantes os meus recursos, comtudo, na resposta formulada por talentos realmente elevados e por auctoridades verdadeiramente respeitaveis de cavalheiros muito conhecedores d'estes assumptos, encontraria argumentos valiosos que me secundariam n'essa discussão e na defeza do plano geral da commissão de 1883. Mas para que o hei de fazer? Pois não me bastará responder com a auctoridado da opinião da associação dos engenheiros civis, que é incomparavelmente superior á minha e que resultou do estudo e comparação de todas as opiniões emittidas sobre este assumpto?
Eu quereria ler aqui todo o parecer da associação, mas só o não faço porque a hora da sessão está muito adiantada e esta discussão vá e já muito longa ; e eu não quero demorar-me porque vejo muitos oradores inscriptos que seguramente virão esclarecer o debate e a quem tenho muito desejo de ouvir.
Pois n'esse parecer diz-se que na associação foi approvada quasi unanimemente a generalidade do plano da commissão de 1883; e no projecto de lei diz se que o projecto definitivo do novo porto será elaborado tendo em attenção o plano geral d'aquella commissão. Que mais querem?
O illustre parlamentar apresentou algumas objecções que foram suscitadas durante a discussão na associação.
Fallou nos lodos e na difficuldade das fundações a grandes profundidades. Eu poderia citar exemplos como o das docas de reparação de Toulon, onde a fundação desceu á 18 metros abaixo do nível do mar, o da ponte de S. Luiz no Mississipi onde as fundações desceram a 33,7 metros abaixo do nivel da agua; podia citar as fundações da ponte do Coura e da alfandega do Porto ; as opiniões do sr. Matos e do sr. Nery Delgado, etc.
Mas para que o hei de fazer se o parecer da associação dos engenheiras civis, que resultou, repito, da apreciação e comparação de todas as opiniões emittidas, nos diz sem hesitação que a construcção do cães avançado é exequivel?
Fallou tambem s. exa. na doca de fluctuação. E realmente a questão que mais ventilada foi na associação dos engenheiros civis foi a da conveniencia ou não conveniencia do estabelecimento de uma doca de fluctuação entre os novos melhoramentos.
Foi realmente a respeito da doca de fluctuação que se manifestaram mais duvidas. Mas quem nos diz que no plano geral das obras está comprehendida a doca de fluctuação? O que o parecer diz é que o governo fica auctorisado a adjudicar a construcção das obras, segundo o plano geral proposto pela commissão nomeada em 1883, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação. Mas não diz cousa alguma de docas de fluctuação. (Apoiados.)
As docas de carga e descarga tanto podem ser de marés como de fluctuação. Devem ser de uma ou outra especie ?
Que ha vantagens de uma doca de fluctuação sabre unia doca de marés, é fora de duvida. A desvantagem unica da doca de fluctuação a respeito da de marés é o preço.
Pois se no projecto se falia apenas no plano geral e se não especificam detalhes, sono projecto definitivo que tem de ser elaborado é que se especificará. O estudo das vantagens e dos preços relativos dos dois systemas é que decidirá a adopção ou rejeição da doca do fluctuação.
Esta questão que foi muito debatida na associação dos engenheiros, não tem realmente opportunidade alguma n'esta occasião.
Mas ha sobre tudo tres argumentos que pesaram muito no espirito do illustre deputado e que derivaram para s. exa. da leitura das actas da associação.
Um d'esses argumentos é o da salubridade. Diz o illustre deputado que tinha duvida ácerca da salubridade por ver que ninguém respondera na associação ao argumento adduzido pelo sr. Pimenta de Castro. O argumento é simples: "Os canos de esgoto da cidade vão desembocar nos muros de caes actuaes, e as bocas d'esses canos ficam agora a descoberto durante as baixa mares, embora em praia-mares fiquem cobertas pela agua. Ficando as bôcas dos canos descobertas, durante as baixa-mares, entra por ahi o ar que vae ventilar a canalisação da cidade; mas o que succederá, se, construídas as obras, as bocas dos canos ficarem sempre debaixo de agua? Não haverá ventilação nos canos da cidade, e portanto as obras ainda aggravarão mais a salubridade d'esta cidade."
Tal é a summula do argumento que tanto preoccupa s. exa., e que, se realmente tivesse verdadeiro fundamento me daria uma grande decepção, a mim, que sempre imaginei que as obras, diminuindo os enlodamentoá da margem direita do rio, e fazendo carrear com uma velocidade rasoavel os despejos que por esses canos são lançados ao Tejo, contribuiriam muito para o melhoramento das condições hygienicas d'esta cidade.
Mas, realmente, se o argumento fosse producente, todos os processos modernos de saneamento nas grandes cidades desappareciam!
Vão todos os canos parciaes desembocar em grandes collectores que levam os despejos a grandes distancias, a algumas leguas de distancia d'essas cidades. Como é que o ar que entra no extremo d'esses collectores de muitos kilometros de comprimento, póde influir na ventilação dos canos parciaes das cidades que elles servem?
Mas se algumas duvidas ainda subsistem a este respeito, eu lembro um processo muito simples que remedeia todo o mal. Perto dos sitios em que os canos começam a ser banhados pelas aguas do rio, abrem-se uns buracos que abram a communicação para o ar exterior. Já entra o ar na canalisação; fica tudo remediado !
Outro argumento que é realmente muito importante para o illustre parlamentar, é o que diz respeito á conveniencia do serviço das fragatas. S. exa. não foi de certo muito feliz no exemplo que tomou, quando nos disse que o sr. Adolpho Loureiro, que em verdade é um engenheiro distinctissimo, e que tem uma auctoridade muito levantada em assumptos d'esta natureza, notara, na visita que ultimamente fez a algumas portos do mundo, que em Calcutá e Bombaim não havia docas, mas havia caes com guindastes aperfeiçoados, e que muitas vezes as descargas se faziam por meio de barcos ou fragatas.
Em primeiro logar, o sr. Adolpho Loureiro estranhou que isso succedesse; achou isso excepcional. Pois o illustre parlamentar quer exactamente a excepção para o porto de Lisboa!
Por excepção não ha docas e ha o serviço de fragata nos

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SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1885 2813

portos de Calcuttá e Bombaim. «Pois não haja tambem docas no porto de Lisboa!" E notavel que o illustre parlamentar só fosse buscar o caso de excepção.
Mas, o sr. Adolpho Loureiro não disse só isso e se s. exa. tivesse tido o cuidado de ler todo o extracto do discurso do illustre engenheiro lá encontraria o seguinte: Que em Calcuttá, onde havia cães, embora não houvesse docas, encontrava elle junto d'esses cães vapores dipostos em tres filas á espera de occasião para acostarem aos cães. e no sitio onde não havia vapores havia navios de vela dispostos em seis tilas tambem á espera de occasião de acostar aos cães para carregarem ou descarregarem.
Porque é então que no porto de Calcuttá se faz a carga e descarga pelo serviço das fragatas? E evidentemente porque lá o desenvolvimento e a extensão dos cães não são suficientes para o desenvolvimento commercial. (Apoiados.) E tanto assim é que, como tambem diz o sr. Adolpho Loureiro, lá se estão agora a construir docas para se augmentar a extensão dos caes!
Que admira que lá em Calcuttá, onde o serviço de fragatas se póde fazer baratissimo, porque o coolie ganha um pataco por dia, ou menos, ainda haja este serviço no trafego desse porto, quando os vapores precisam de se dispor em tres filas, e os navios de vela em seis filas, todos á espera de occasião para acostarem?
E, realmente, que melhor argumento do que o deduzido deste exemplo de Calcuttá, onde o coolie ganha quarenta réis por dia, se póde apresentar para a defeza dos melhoramentos do porto de Lisboa? (Apoiados.}
Ha finalmente uma outra questão que é a do regimen do rio e da barra, que influe poderosamente no espirito do illustre deputado.
Se ha questão que tenha sido largamente tratada e a questão do regimen.
Foi largamente considerada no relatorio da commissão de 1883; foi muitas vezes apreciada na discussão que teve logar na associação dos engenheiros; e não haveria seguramente engenheiro algum que se lembrasse de projectar obras no porto de Lisboa que podessem comprometter o regimen do rio e a facilidade e segurança do accesso da barra.
Esta é uma questão importantissima e a primeira, porque as condições naturaes da facilidade e segurança de accesso a este porto e as da sua grande braceagem e segurança interior dão-lhe vantagens que o tornam invejado por quasi todos ou todos os portos da Europa, (Apoiados.)
Esta questão foi largamente tratada e não admitte duvidas. E uma questão technica.
A grande quantidade de aguas armazenadas durante a preamar, no mar da Palha, ao sair durante a baixamar pela secção reduzida em frente da torre de Belém, incide como em estoque sobra o banco da barra e profunda os canaes d'esta.
As circumtancias d'este regimen não se alteram porque a á secções, ainda as que ficam menores, não ficam sensivelmente mais reduzidas do que a secção da torre de Belém.
Nem o estoque das aguas, nem a quantidade d'estas que, armazenando-se no mar da Palha, o produzem, ficam reduzidos, porque a velocidade augmenta e, alem disso, as resistencias á corrente diminuem pela substituição da margem actual, aspera e escabrosa e pela superficie regular de um muro de caes. (Apoiados.}
Já passa muito da hora e por isso termino.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Presidente: - A mesa, em virtude da auctorisação que a camara lhe concedeu, nomeia para a commissão de inquerito sobre a emigração aos srs.: Luciano Cordeiro, Adriano Cavalheiro, Ferreira de Almeida, Souto Rodrigues, Sebastião Centeno, Garcia Lobo, Arthur Seguier, Figueiredo Mascarenhas, Sant'Anna e Vasconcellos, Antonio Candido, Marcai Pacheco, Jeronymo Baima de Bastos e Goes Pinto.
E para a commissão do regimento, alem da mesa, os srs.: Luiz de Lencastre. Navarro, Mattoso e Joaquim Antonio Neves.
Á noite ha sessão para continuar a discussão do projecto n.° 157. E para ordem do dia da sessão de amanhã, alem da que estava dada, ficam dados mais os projectos n.ºs 144, 136, 171, 158, 165 e 160.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Redactor.- Rodrigues Cordeiro

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