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2820 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por todas estas rasões julgo quasi inutil o que faço; havemos de ter docas de fluctuação.
Como manda o governo fazer o projecto, que devo servir de base á licitação? Por engenheiros portuguezes, por engenheiros estrangeiros?
No primeiro caso receio muito, e tenho mesmo graves apprehensões, de que, seguindo os exemplos que citei, elaborem o projecto com este systema de obras: no segundo temo, e supponho com grande fundamento, que o engenheiro estrangeiro possa fazer, ou queira fazer parte de alguma empreza constructora, que mais tarde deva concorrer á licitação, porque neste caso não escolherá por certo o systema mais economico e adequado ao porto do Lisboa, mas aquelle que possa proporcionar á futura empreza melhores resultados.
Não é muito provavel que o governo encontro um generoso mortal, que venha a Portugal estudar desenvolvida e profundamente as necessidades economicas do nosso porto para lhes applicar o systema mais económico. O engenheiro ha de procurar ganhar o mais que puder no menor tempo possivel. Não é muito natural esporar dedicação patriotica n'um estrangeiro, visto que, fique-o sabendo o governo, os Anacharsis Cloutz, defensores dos direitos e dos interesses da humanidade, não são d'este seculo.
Vi sempre, com magua minha, e vejo ainda, que da questão essencialmente económica dos melhoramentos do porto de Lisboa se fazia um simples problema technico. Sobretudo não julgo admissivel imitar n'este porto obras, que, sendo de utilidade incontestavel n'outros portos, seriam aqui inuteis e, por inuteis e dispendiosas, nocivas. (Apoiados.)
Como acabo de provar, os interesses da nação e dos empreiteiros são, no caso presente, perfeitamente contrarios; á primeira convem apenas construir o restrictamente necessario e com a maxima economia, aos segundos convirá, segundo a sua propria e caracteristica phrase, fazer metros cubicos.
Repito ainda uma vez: sempre encarei a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa como um economista estatistico, que estuda os seus problemas á luz de elementos positivos, jamais como technico. Exactamente julgo ser este o primeiro defeito dos projectos, que foram successivamente apresentados a este respeito.
Vou, pois, expôr á camara como fiz este estudo; não tendo a menor pretenção, n'este caso ridícula por vaidosa, de ter resolvido o problema; tenho, porém, a plena certeza de ter seguido o unico caminho admissivel em trabalhos desta ordem, o unico methodo verdadeiro e scientifico para chegar a resultados tão provaveis, quanto o permittem as previsões humanas. Sobre este ultimo ponto, sr. presidente, não trepida a minha positiva affirmação.
Feitas estas declarações e dadas estas explicações, vejo-me cagado tambem a desenvolver á camara, embora succintamente, o plano dos melhoramentos do porto de Lisboa elaborado pela commissão de 1883. Esta exposição, que a sabedoria da camara certamente dispensaria, servir-me-ha apenas para dar concatenação logica ás idéas, que tenho de expõr.
A commissão de 1883 dividiu as obras do porto em quatro grandes secções:
1.ª Entre a estação do caminho de ferro e o caneiro de Alcantara;
2.ª Entre o caneiro de Alcantara e a torre de Belem;
3.ª Entre a estação do caminho de ferro e o Beato;
4.ª Entre Cacilhas e as proximidades da Trafaria.
As tres ultimas secções, não sendo, felizmente, consideradas no projecto que se discute, d'ellas me não occuparei presentemente.
As obras projectadas na primeira secção, que constituirá o porto commercial propriamente dito, podem reduzir-se a dois elementos principaes: um extenso caes marginal desde g estação da caminhos de ferro até ao caneiro de Alcantara e uma doca de fluctuação.
Este caes, que conquista ao rio uma grande superficie, começa na estação dos caminhos de ferro, segue em curva até ao Terreiro do Paço, e deste ponto dirige-se approximadamente em linha recta para a Torre de Belem, offerecendo fundos d'agua de 10 metros, proximamente, nos baixa-mares.
Na superficie conquistada ha ainda outras docas abertas para descarga de carvão, de madeira e para abrigo de embarcações, a que me não refiro, pela sua secundaria importancia.
Emquanto ao caes marginal, não me parece que sobre este elemento se possa levantar difficuldade alguma importante. Concorrendo para o alargamento da area plana da cidade, hoje inferior ás suas necessidades, a salubridade e a belleza de Lisboa toem muito a esperar da sua construcção; de resto, a meu ver, o cães é exigido pelas obras de saneamento da capital, ou pelo menos para a construcção do grande collector marginal, o elemento mais importante e indispensavel d'essas obras.
Sobre a doca de fluctuação se agglomeram as duvidas, e para que ellas possam ser bem apreciadas, permittir-me-ha a camara que dê uma succinta e clara idéa do que seja esta construcção.
Em geral, um espaço resguardado dos ventos e da acção das ondas, para aonde dão facil accesso aos navios francas entradas, constitue uma doca de abrigo.
Quando, porém, uma doca tem ainda por fim conservar no seu espaço interior a agua a um nivel proximamente constante, isto é, independente do desnivel das marés, os seus paredões devem ser impermeaveis, e a entrada não póde ser livre, mas fechada por uma construcção especial denominada eclusa; n'este caso a doca é de fluctuação.
A eclusa é sempre um elemento muito dispendioso.
Como no nosso paiz, que me conste, não existe uma só construcção desta ordem, e poucos terão idéa do que ella seja, por isso procurarei definil-a em algumas palavras.
Supponhâmos a entrada da doca precedida por um largo corredor de 60 metros de largo e 120 de comprido, e neste corredor dois pares de portas: as primeiras, ou interiores, fechando em angulo voltado para o recinto da doca e próximo deste recinto; as segundas, ou exteriores, rio extremo opposto do corredor, e parallelas ás primeiras; esta construcção constitue uma eclusa; effectivamente, as aguas interiores, em virtude da sua própria pressão, apertarão e fecharão, uma contra a outra, as duas primeiras portas, conservando-se, pois, no recinto
fechado a agua a nivel constante, salvo perdas insignificantes; fechando as
portas exteriores, e restabelecendo o mesmo nivel de agua na parte do corredor comprehendido entre estas e as interiores, claro é, que abertas estas ultimas, um navio que esteja na doca poderá passar para o corredor; fechadas depois as portas interiores, e fazendo-se descer o nivel da agua do corredor até ao nivel exterior, facilmente se abrirão as portas exteriores, saindo o navio do recinto fechado com a perda de um volume de agua relativamente pequeno, que não influirá sensivelmente no nivel da doca de fluctuação.
Uma manobra contraria dará a entrada de um navio na doca de fluctuação.
Dadas estas explicações, a serie dos meus raciocínios será facil de comprehender, e poderão ser estes apreciados pelos meus illustres collegas,
Se nos recordarmos agora das condições geraea a que deve satisfazer um bom porto commercial, facilidade de accesso, segurança dos navios, rapidez e economia das operações, concluiremos que de facto o systema das docas de fluctuação poderá dar estes resultados; mas lembro á camara que são conhecidos outros meios, talvez mais economicos, para obter este mesmo effeito.
A mercadoria póde ser carregada ou descarregada por meio de fragatas ou grandes barcos, como actualmente se faz no Tejo; póde tambem ser carregada ou descarregada em excellentes condições por meio de pontes que avancem