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SESSÃO NOCTURNA DE 2 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios- os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Justificação de faltas do sr. Germano de Sequeira. - Apresenta um parecer da commissão de fazenda o sr. Carrilho.
Na ordem da noite continua a discussão do projecto de lei n.° 157 (melhoramentos do porto de Lisboa). -Apresenta uma proposta e sustenta-a com diversas considerações o sr. Fuschini. - A requerimento do sr. Avallar Machado proroga-se a sessão até se votar o projecto.- Entra no debate o sr. Elias Garcia, que tambem apresenta uma proposta e expõe as rasões que a fundamentam.- O sr. Beirão, referindo-se ao lacto da prorogação da sessão, estranha o procedimento da maioria, desiste de fazer as considerações que se lhe offereciam sobre o projecto, protesta e retira se da sala com diversos srs. deputados da opposição. - Faltando por este motivo os oradores inscriptos contra o projecto e tenndo desistido da palavra o sr. Carrilho, por não ter a quem responder, declara o sr. presidente que ia proceder se á votação. - A requerimento do sr. Costa Pinto, resolve-se que seja nominal. - O sr. Pereira dos Santos, relator, declara acceitar as propostas do sr. Mariano e a do sr. Elias Garcia, mas modificação nos termos de uma proposta que manda para a mesa. - É rejeitada a moção do sr. Barros Gomes. - Approvam-se as propostas do sr. Mariano de Carvalho, salva a redacção.-É rejeitada a proposta do sr. Fuschini e approvada a do sr. Elias Garcia, com a modificação proposta pelo sr. relator, e na parte em que não estava, prejudicada pela do sr. Mariano, já approvada.- Procedendo-se á votação nominal do projecto, foi este approvado por 70 votos, tem prejuizo das emendas e salva a redacção. - O sr. Carrilho apresenta uma declaração de voto do sr. Tito de Carvalho e o sr. Monta e Vasconcellos igual declaração por parte do sr. visconde de Reguengos.

Abertura - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada- 56 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Sousa e Silva, Pereira Côrte Real, A. J. D'Avila, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos Roma du Bocage, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Francisco, Beirão, Mouta e Vasconcellos, Barros Gomes, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, Avellar Machado, Correia de Barros, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Bivar, Correia de Oliveira, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Santos Diniz, Sebastião Centeno, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Candido, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Carrilho, Sousa Pavão, Augusto Poppe, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Emygdio Navarro, Castro Mattoso, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, José Borges, José Luciano, Oliveira Peixoto, Manuel d'Assumpção, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde das Laranjeiras e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.:-Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Moraes Carvalho, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcanip, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Pereira Borges, Jalles, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Almeida Pinheiro, Seguier, Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomur, Elvino de Brito, E. Hintze Ribeiro, Fernando Gemidos, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Mártens Ferrão, Wanzeller, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Dias Ferreira, Ferreira Freire, Simões Dias. Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martir.hu Montenegro, Guimarães Camões, Pedro de Carvalha, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que faltei às sessões de 30 de junho, 1 é 2 do corrente, com excepção da nocturna de hoje, por motivo justificado. = Joaquim Germano de Sequeira, deputado pelo circulo n.° 74.

O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, concordando com o da commissão de obras publicas ácerca do projecto de lei que classifica de primeira ordem, incluindo na tabella n.° 2 que faz parte da carta de lei de 15 de junho de 1862, uma estrada quê, partindo do Rebordello, siga pela Torre de Dona Chama até Carvalhaes.
Mandou-se imprimir.

ORDEM DA NOITE

Continua a discussão do projecto de lei n.º 157 (melhoramentos do porto de Lisboa)

O sr. Fuschini:-Em conformidade com o regimento, mando para a mesa as seguintes propostas:
" 1.ª Que na lei se declare explicitamente a forma, por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento, que devem constituir a base do concurso.
"2.ª Que o governo, fazendo estudar a questão economica, adopte o systema, de obras menos dispendioso e mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa, e mande elaborar n'essa conformidade o projecto e orçamento respectivo.
"3.ª Que sejam eliminadas da proposta de lei as disposições dos §§ 4.°, 5.º, 6.° e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras, que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do § 9.°"
Da leitura das propostas, que acabo de apresentar á

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camara, se deprehende que não sou adverso às obras do porto do Lisboa; era quasi inutil dizer isto, porque todos sabem que, na minha pequena esphera politica e com a maxima iniciativa particular de que disponho, tenho procurado por todos os meios contribuir para a realisação d'estas obras, que reputo das mais importantes para o desenvolvimento da nossa primeira praça commercial e portanto para a riqueza do paiz. Mas, sr. presidente, exactamente porque entendo que o projecto de lei em discussão é dos mais importantes, de entre os que se tem trazido e se podem trazer ao parlamento; exactamente porque tenho plena certeza de que ha de contribuir consideravelmente para a riqueza publica, sendo ao mesmo tempo uma obra, que obrigará a despender milhares de contos, julgo-me no dever impreterivel, como deputado da nação, qualidade com que muito me honro e que a todas anteponho, de dizer francamente ao paiz as rasões e os motivos, por que divirjo d'este projecto de lei, as opiniões e as idéas que tenho ácerca dos melhoramentos do porto de Lisboa, que a meu ver constituem um delicado e serio problema de administração publica, digno do mais profundo estudo.
Sr. presidente, antes de entrar no assumpto, devo declarar a v. exa., que procurarei ser tão rapido na minha exposição, quanto o permitia o desenvolvimento de doutrinas, que entendo necessárias para o esclarecer sob o ponto de vista especial em que vou apresental-o, e principalmente julgo sufficientes para vincular a elle o meu nome e a minha responsabilidade.
Sacrificando, pois, tudo que seja secundario, deixando á camara o trabalho de preencher as defficiencias da minha exposição, pelo desejo de ser breve não deixarei, todavia, de expor o que me parecer indispensavel, embora para isso tenha de cansar a attenção sempre benevola dos que me escutam.
Sr. presidente, a primeira questão, que desenvolverei, é por assim dizer uma questão previa; parecerá talvez esta deslocada pela altura da discussão; mas para ruim não o é, em caso algum, porque entendo ser a primeira que se deve considerar, antes de se discutir o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa.
De resto, sr. presidente, a materia desta questão previa é importantissima, como a camara vae apreciar brevemente, e não constitue opinião minha nova ou recente, visto que v. exa., como nosso dignissimo presidente, mais de uma vez me tem ouvido referir a ella.
Nomeadamente em 1882, quando n'esta casa se discutiu o caminho de ferro de Torres, de que fui relator, no final de uma das minhas exposições, pronunciei as seguintes phrases:
«É preciso, porém, que se conheça claramente esta questão da segunda via. Pelo contrato de 14 de setembro de 1859, approvado por lei de 5 de maio de 1860, concedeu-se a construcção e a exploração, por noventa e nove annos das linhas do norte e leste, obrigando-se o concessionário a assentar a segunda via quando o rendimento bruto kilometrico da linha do norte ascendesse a 5:400$000 réis e do leste a 4:500$000 réis. Estes rendimentos actualmente estão proximos de attingir a media fixada, principalmente na linha de leste, que em 1880 rendeu réis 1.195:000$000, ou seja 4:330$000 réis por kilometro; em breve, portanto, a companhia do norte e leste será legalmente obrigada a assentar a segunda via, em que despenderá, segundo os calculos mais seguros, 15:000$000 réis por kilometro, ou 7.000:000$000 réis em toda a sua rede.
«Será conveniente para o paiz a immobilisação de tão grande capital em similhante obra? Eu hei de ter a audácia de o dizer, declarando expressamente que a opinião é só minha; não, não o é.
«O sr. Mariano de Carvalho: - E igualmente a minha.
«O Orador: - Tanto melhor, seremos dois, pelo menos, a protestar energicamente contra o longo adormecimento de um capital, que podia reproduzir-se com grande utilidade para o paiz, que tanto careço d'elle barato para obras instantes de profundo alcance economico.
«Collocar uma secunda via, e para quê? Quando a experiencia tem demonstrado que uma só via satisfaz as condições de um movimento, que se traduz em rendimento kilometrico de 10:000$000 réis e 12:000$000 réis? Pelo prazer de ver um grande capital morto representado em dois carris parallelos inuteis?
«Haverá receio, porventura, de que o estado, quando entrar na posse das linhas, ao cabo ainda de setenta e sete annos, não encontre este capital realisado? Vãs chimeras!
«Dentro d'aquelle praso longo as linhas do norte e leste, uma das boas redes europêas, terão triplicado o seu rendimento e attingido aquella cifra, em que uma segunda via será não uma obrigação imposta por uma condição legal, mas uma necessidade impreterivel dictada pela exploração crescente, uma mádida de economia para a companhia; e a segunda via será collocada então e o estado recebel-a-ha mais tarde. Eis a verdade.
«No entretanto, e desde já, negociemos esse grande capital, que perfeitamente gratuito se póde applicar em beneficio da paiz; excluam, se quizerem, a extensão entro Lisboa e o entroncamento, que póde considerar-se troço commum das duas linhas, ficarão ainda 6.000:000$000 réis! Appliquemos esta enorme cifra á construcção de outras linhas; se quizerem, ao porto de Lisboa, principalmente, onde tudo nos falta, louvado seja Deus. menos o que a natureza prodiga nos concedeu; tal tem sido a nossa incuria ou a nossa pobreza! (Apoiados.)
«Da nossa costa, mal illuminada foge a navegação, do nosso porto mal fornecido foge o commercio, pois outro porto commercial como o nosso não o ha na Europa, pois o vasto estuario do Tejo ha de ser um dia o grande emporio do occidente, a forçada escala da collossal navegação que sulca o oceano em busca das costas americanas! (Apoiados.)
«Façamos convergir para o nosso porto a força d'esse capital, que vamos matar, transformando-a em grande aterros marginaes, que substituam essas negras lamas, que lentamente envenenam e atrophiam a população de Lisboa, em docas de carga e de descarga, de abrigo e de concerto, em pontes e em armazéns de um excellente porto commercial. (Apoiados.)
«Eis o que é patriotico, eis o que é sensato, eis o que chamará sobre o paiz um manancial de riqueza e de prosperidade, e sobre o ministro enérgico, que realisar esta medida, a gloria de uma obra grandiosa e de arrojado emprehendimento.»
Como v. exa. e a camara vêem, a minha opinião, já assentada em marco de 1882, foi corroborada explicitamente pela valiosissima opinião do meu particular amigo, um da mais distinctos financeiros deste paiz, o sr. Mariano de Carvalho.
Sr. presidente, as rasões apresentadas em 1882 têem hoje a mesma força, que possuíam n'aquella epocha, senão maior; e as previsões, em que assentei os meus raciocinios, dão-se presentemente.
No contrato de 1859, approvado pela lei de 1860, lei que, se não foi referendada pelo sr. presidente do conselho, que me escuta, o foi por outro ministro da situação, a que s. exa. pertencia como ministro do reino, supponho eu, existe no n.° 4.° do § 1.° do artigo 1.° a seguinte clausula, para a qual chamo a attenção da camara:
«4.° A empreza terá a faculdade de adiar a execução dos movimentos de terra para a segunda via, no caminho de leste, para a epocha em que o producto bruto annual for de 4:500$000 réis por kilometro, e no caminho de ferro do norte para quando o mesmo producto for de réis 5:400$000. Se a empreza, quando chegarem as epochas acima mencionadas, não executar esta condição, poderá o

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governo mandar proceder aos trabalhos e fazel-os executar por conta da mesma empreza.»
Devo dizer a v. exa. com a maior franqueza, e já o tenho dito nesta camará, que esta disposição, como muito bem sabe o sr. presidente do conselho, distincto engenheiro, foi inserida n'aquelle contrato, em virtude de opiniões que outrora se consideravam exacta?, mas que hoje estão condemnadas pela larga experiência dos serviços e das necessidades da exploração dos caminhos de ferro.
Como é sabido, no principio da exploração dos caminhos de ferro, admittia-se ser a segunda via necessária logo que o rendimento bruto kilometrico attingisse uma certa cifra, proximamente a exarada no contrato; hoje sabe-se que se póde fazer uma excellente exploração com uma só via para rendimentos kilometricos muitíssimo superiores áquelles; embora effectivamente exista um limite, em que a segunda via resulta, não de uma clausula obrigatoria dos contratos, mas da economia e da facilidade da exploração.
Este principio é conhecido e vem descripto n'aquella secção da economia politica, que se refere á exploração dos caminhos de ferro.
Seja, porém, como for, esta clausula está descripta no contrato de 1859; foi livre e espontaneamente acceita pela companhia, e realmente constitue a compensação dos grandes benefícios, que do estado recebeu durante a construcção da linha e depois d'ella.
N'estas condições uma clausula vantajosa para o paiz não póde ser posta de parte, esquecida ou sophismada.
Grave responsabilidade política e particular adviria para o ministro que o consentisse, concedesse á companhia meios para sophismar esta obrigação, ou que, chegado o momento de a tornar effectiva, a não fizesse immediatamente.
Ao mesmo tempo, em face da sciencia e dos interesses publicos, como aliás já o affirmei nesta camará, entendo ser uma barbaridade e um grave erro económico e financeiro, obrigar a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste a construir uma segunda via parallela á primeira. Entendia-o em 1882, e entendo-o hoje mais do que nunca.
O estado não lucra nada em cercear os legitimos interesses da companhia, e em a obrigar a sacrificios inuteis, eis o que penso; mas tambem não posso admittir por forma alguma que não se cumpram as clausulas de um contrato livremente acceite por ambas as partes.
Ora, sr. presidente, vejâmos o estado do actual rendimento bruto kilometrico das linhas do norte e leste.
Em 1880, por documentos que tenho presentes, e me foram fornecidos em 1882 pela própria companhia (v. exa. vê que estou fallando com toda a franqueza e lealdade) o rendimento bruto da linha do norte, foi de 962:130$253 réis e o da linha de leste, 1.195:109$649 réis.
Como é sabido, a linha de leste é a parte comprehendida entre Lisboa e Badajoz, com a extensão de 276 kilometros; e a do norte, entre o entroncamento e o Porto, com a de 230 kilometros; se dividirmos, pois, os respectivos rendimentos pelo numero de kilometros, teremos para 1880 as medias kilometricas brutas:

Linha de leste .... 4:330$108
Linha do norte .... 4:183$175
De toda a linha .... 4:256$641

No principio d'este anno pedi esclarecimentos sobre os rendimentos das linhas de norte e leste em 1884; mandaram-me, porém, esses elementos reunidos, isto é, o rendimento medio kilometrico bruto da linha toda, sem que até hoje me fosse fornecida a destrinça das medias para as duas linhas, como depois requeri por ser mister para calculos d'esta ordem.
Por circumstancias, que não me cumpre discutir, nem mesmo apreciar n'este momento, não me foram fornecidos estes elementos, mas, com os que possuo, podemos, por uma facil previsão, determinar os annos, em que as linhas do leste e norte provavelmente attingirão o rendimento fixado no contrato de 1859 para o assentamento da segunda via.
Em 1884 o rendimento kilometrico bruto attingiu, em relação a toda a linha, a cifra de 4:584$326 réis; comparado este rendimento com o de 1880, na importância de 4:256$641 réis, a differença, isto é, o crescimento em quatro annos, eleva se a 327$685 réis; suppondo, portanto, que metade d'este crescimento teve logar para cada uma das linhas, temos que, no corrente anno, a linha de leste terá attingido 4:494$000 réis de rendimento kilometrico bruto, e a linha do norte o de 4:397$000 réis.
Como se vê, o rendimento da linha do norte é bem inferior, contrariando assim as previsões do contrato de 1859, que suppoz dever esta linha ser mais rendosa do que a do leste.
Para determinar o armo em que a linha do norte attingirá o limite do rendimento de 5:400$000 réis, basta uma simples hypothese, O crescimento do rendimento bruto kilometrico das linhas do norte e leste foi de 1865 a -1880 de 1356411 réis, de 1880 a 1884 de 1096229 réis; admittindo, pois, um crescimento futuro de 1236000 réis an-nuaes, é facílimo de calcular que em 1894 a linha do norte attingirá a quantia necessária, para que a companhia, segundo a clausula do seu contrato, seja obrigada a assentar a segunda, via nesta extensão.
Resumindo a minha exposição, concluiremos: quê actualmente a linha de leste attingiu o limitte de 4:500$000 réis e que a linha do norte attingirá em 1894 o limite respectivo de 5:400$000 réis.
O assentamento da segunda via, terraplenagem, obras de arte, material fixo, alargamento de estações e edifícios, não poderá custar menos de 15:000$000 réis por kilometro, isto é, a companhia vê-se immediatamente obrigada a despender na linha do leste:

276k X 15:000$000 = 4.040:000$000 réis

Em 1894, isto é, dentro de dez annos, sobrevirá a obrigação do assentamento da segunda via para a linha do norte, em que despenderá:

230k X 15:000$000 = 3.540:000$000 réis

isto é, a companhia quasi tem imminente o encargo de perto de 7.600:000$000 réis, para o assentamento geral da segunda via, valor negociável em óptimas condições para o paiz.
Esta somma julgo eu que póde ser applicada com melhor proveito para nós, em qualquer outra obra de fomento, aluando os interesses da nação com os da companhia.
Tal é a minha opinião de hoje, como era a de 1882, em que lembrava, como hoje foço, as obras dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Suppondo, ainda mesmo, que a extensão entre Lisboa e o Entroncamento deve ser exceptuada, e para ella conservada a condição da segunda via, (do que discordo) haverá para base de uma operação financeira a cifra respeitavel de perto de 6.000:000$000 réis,
Repito ainda, porque não bem jamais inutil repetil-o, idéas falsas e incompletas, sobre a exploração dos caminhos de ferro, introduziram no contrato de 1859 a clausula, de onde derivam estas condições presentes, aliás condemnada pela moderna economia politica e pela experiência da larga exploração das vias ferreas; mas se isto é certo, certo é tambem que o estado não póde, nem deve, desonerar a companhia de um encargo, livre e expontaneamente acceite pelo seu lado e largamente compensado pelos sacrificios e pulos beneficios feitos pelo paiz e recebidos em differentes epocas pela mesma companhia.
Não havendo, pois, vantagem para o estado na applicação n'uma segunda via de somma não interior a réis,

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6.000:000$000, quando daqui igualmente provem grave e não compensado encargo para a companhia, que procurará por todas as fórmas illudil-o, parece-me rasoavel empregar este importantissimo capitai em obras de utilidade e de interesses para ambas as partes.
E não pense a camara que é muito difficil da illudir a obrigação do assentamento da segunda via; para conseguir similhante resultado bastará derivar o movimento das mercadorias, que em todas as linhas, quasi sem excepção, constitue o grosso da receita.
Não deixou de ser esta, entre outras, a idéa da companhia, quando construiu o ramal de Caceres, que aliás lhe não produz o resultado desejado; outras tentativas, porém, poderão ser coroadas de êxito e a clausula do contrato terá sophismada e perdida para o paiz.
É certo, todavia, não ser isto muito para temer, porque não poderia ter logar sem a annuencia consciente ou inconsciente do poder executivo, e não me parece que ministro algum queira assumir perante o paiz uma responsabilidade de tal ordem.
N'estas condições, sr. presidente, julgo que o governo poderá obter da companhia um contrato muito mais vantajoso e muito superior, ao apresentado para a construcção das obras do porto de Lisboa.
Em todo o caso nada se perderá, visto que sempre fica o expediente de abrir concurso, em convidar a companhia a formular a sua proposta.
Ha mesmo vantagens em que as companhias, que possuem linhas, cujo terminus estão em portos de mar, sejam constructoras e exploradoras desses mesmos portos, salva a acção fiscal do poder executivo sobre certos elementos d'essa exploração.
Seria facil desenvolver esta proposição; mas, se a camara consente, lerei algumas phrases caracteristicas de um engenheiro francez, algumas vezes citado n'esta casa.
Refiro-me ao auctor de dois livros conhecidos sobre os portos commerciaes da Inglaterra e da França, o engenheiro de minas o sr. Simonin, livros que, apesar de escriptos mais sob o ponto de vista litterario e descriptivo do que estatistico e scientifico, encerram grande copia de informações e pelo seu auctor têem auctoridade superior ás minhas affirmações:
«Great-Grimsby é um porto de creação recente, data apenas de 1845. Pertence, como alguns portos britannicos, a uma companhia de caminhos de ferro, denominada Manchester-Sheffield-Lincoln. Na Gran Bretanha as companhias julgam, com rasão, que os portos são por algum modo o prolongamento da via férrea no oceano, por este motivo as docas, os armazens, todos os accessorios de alguns portos, n'uma palavra, têem sido installados por estas companhia e pertencem-lhes.»
Apresento estas idéas ao sr. ministro das obras publicam, para que as aproveite como julgar conveniente: parece me que antes de tudo se deve estudar este alvitre, que precede o não exclue outro qualquer. É obrigação dos governos, e não dos simples deputados, estudar nas suas minuciosidades estas questões de administração publica.
As minhas modestas idéas de 1882 apparecem agora com a opportunidade da occasião, corroboradas pela experiencia do uma nação florescente e escudadas com a auctoridade de um afamado engenheiro; não me parecem, pois, dignas de despreso e esquecimento, do que aliás as farei sair mais tarde, se o julgar conveniente.
Dito isto, antes de começar a apreciação do projecto em discussão, farei duas perguntas ao governo, ou ao sr. relator da commissão logo que este me responda em nome do governo.
E não pareça isto singular, visto ser membro de uma das commissões, que deram o parecer sobre o projecto; não só a pergunta me podia ter sido suggerida por esta discussão, porque efectivamente dois deputados se referiram ao mesmo ponto e não ouvi responder-lhes, mas não tive occasião de a fazer nas commissões; porque, estando preso n'esta camara com a discussão da reforma administrativa de Lisboa, não pude assistir ás sessões, em que as commissões respectivas apreciaram a proposta ministerial das obras do porto de Lisboa.
Comprehendo perfeitamente que isto é muito enfadonho; deve, porém, a camara acreditar, que se é violento ouvir, não é menos violento fallar durante uma noite calmosa do mez do julho e n'esta tribuna, por espaço de uma hora ou hora e meia, principalmente depois das doze ou quinze sessões nocturnas da reforma municipal de Lisboa.
O artigo 1.° diz:
«É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica precedendo concurso de noventa dias ....».
E no § 1.° lê-se:
«As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso.»
Ora faço ao illustre relator duas simples perguntas, porque realmente me parece haver aqui obscuridade.
Elaborar-se-ha previamente um projecto e orçamento, que depois constituem a base do concurso?
Serão elles mandados elaborar por engenheiros do governo, ou serão recebidos pelo governo varios projectos apresentados pelos concorrentes, e de entre elles escolhido um, que depois servirá de base de concurso?
Peço uma resposta clara e precisa ao sr. relator.
Não me parece que dê uma prova da curteza das minhas faculdades, que aliás reconhecidamente tenho por curtas, fazendo estas perguntas, que derivam da comparação dos paragraphos do projecto e de duvidas antes de mim apresentadas por alguns deputados, entre outros pelo meu illustre amigo o sr. Barros Gomes.
O sr. Pereira dos Santos (relator): - Eu respondo a s. exa. O systema proposto no projecto de lei é identico ao systema, que s. exa. de certo conhece, para a adjudicação dos caminhos de ferro.
O processo é o seguinte: o governo manda fazer antes de qualquer concurso um projecto, que é sujeito á junta consultiva de obras publicas para dar a sua opinião e depois approvado pelo governo. Este projecto constituirá a base do concurso.
O Orador: - Bem, estou satisfeito.
É perfeitamente rasoavel e regular; o governo manda fazer um projecto completo, organisado tendo em vista as suas idéas e o systema de obras por elle previamente adoptado, abre concurso sobre este projecto, recebe propostas e acceita a mais vantajosa; perfeitamente regular.
Agora entremos na questão, pedindo previamente á camara desculpa de estudar mais detidamente alguns pormenores; não serei, todavia, n'esta tribuna um engenheiro, que aprecia condições technicas; quando d'aqui fallo abstraio de todas as minhas humildes qualidades sociaes e pessoaes, para me considerar um simples cidadão que tem a gloria e a honra de representar n'esse momento a magestade nacional, a primeira de todas e aquella de que derivam os poderes publicos de qualquer ordem que sejam.
Faltando, pois, sobre este assumpto, sou apenas um economista; se por ventura tocar, de leve que seja, em questões technicas, é porque estas se prendem com as economicas, as unicas que, a meu ver, convém ser discutidas nesta camara.
Em outubro de 1882, o meu amigo o sr. Hintze Ribeiro, então ministro das obras publicas, communicou-me o proposito de apresentar na sessão legislativa de 1883 as propostas de lei sobre o porto de Leixões e o porto do Lisboa.

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Todos sabem que effectivamente o porto de Leixões foi votado n'aquella sessão; ignorando eu, porém, como ignoram todos, os motivos por que o illustre ministro desistiu do seu proposito, fazendo apenas nomear uma commissão extra-parlamentar, para estudar os melhoramentos do porto de Lisboa.
D'esta commissão tive a honra de fazer parte até certo tempo, e d'ahi datam alguns estudos por mim feitos sobre o importante assumpto, que actualmente preoccupa a attenção da camara e do paiz.
Foi sempre opinião minha que o problema devia ser estudado sob um ponto de vista geral, independentemente de qualquer opinião preconcebida e. principalmente, de quaesquer preoccupações technicas.
D'este principio parti sempre, e purgue me pareceu não ser rigorosamente seguido pela maioria da commissão de 1883, me affastei dos seus trabalhos.
Se a camara m'o permitte dir-lhe-hei em poucas palavras como formulei a questão no meu espirito, e quaes têem sido as vacillações da minha opinião, firmada actualmente.
É evidente que todas as obras de um porto commercial devem ter em vista: a facilidade do accesso, a segurança dos navios e a rapidez e economia de todas as operações, que a mercadoria soffre, taes como: carga, descarga, transporte, armazenagem, etc., etc.
D'estes requesitos, manifestamente o mais importante, é o terceiro, principalmente, n'um porto de mar, de facillimo accesso e de óptima segurança, como o de Lisboa.
Emquanto á rapidez e economia das operações, a que a mercadoria está sujeita, todos sabem que ha varios processos para as conseguir; assim a carga e descarga póde obter-se:
1.º Por fragatas ou grandes barcos.
2.º Por cães acostáveis.
3.º Por docas de fluctuação ou docas abertas.
4.º Por pontes.
Sendo evidente que muitas vezes, como aliás acontece a meu ver em Lisboa, num porto não póde empregar-se um systema exclusivo, mas as suas condições commerciaes exigem a combinação de alguns ou até mesmo de todos.
No meu espirito, pois, o problema formulou-se no seguinte e facil enunciado: tendo em vista a simplificação, a economia e o desenvolvimento das operações mercantis, qual é o systema de obras mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa?
Como v. exa. comprehende perfeitamente, o problema tomou para mim um caracter essencialmente económico, porque a sua resolução dependia do perfeito estudo e rigoroso conhecimento da naturesa commercial do porto de Lisboa.
E apesar de tudo, sr. presidente, o estudo cios projectos, elaborados era epochas differentes por diversos engenheiros, arraigaram no meu espirito a primeira convicção. Effectivamente o projecto de 1861, assignado pelos condes de Farrobo e de Sobral, o projecto de 1865, de João Evangelista de Abreu, que apenas se refere á construcção de uma doca de concerto, dique como nós lhe chamâmos, mas que incidentemente se occupava das grandes fibras do porto, o projecto de 1870 do engenheiro francez Gramond, o de 1878 da commissão composta pelos engenheiros portuguezes Batalha, Rolla, Sanches de Castro, Miceno, Almeida d'Eça, e finalmente o mais recente, devido ao engenheiro hydraulico inglez Cood, todos, sem excepção, reconheciam a conveniência de adoptar no porto de Lisboa o systema de docas de fluctuação.
A pouco e pouco tornei-me um apologista d'este systema, tal é o effeito da auctoridade, tal é, principalmente, a tendencia do nosso espirito para acceitar opiniões, que parecem corroboradas pelo estudo e pela critica d'aquelles que, muito rasoavelmente, devemos suppor competentes.
Apesar de tudo encontrei adversarios convictos do systema de docas de fluctuação applicadas ao nosso porto, e para não citar senão alguns nomes, mencionarei os do sr. Pires Sousa Gomes, Cabral Couceiro e o do nosso collega n'esta camara Augusto Poppe, que está presente, e para quem appelarei, se necessario for.
Por este tempo começou a funccionar a commissão de 1833, da qual, como disse, fiz parte como secretario. Devendo, qualquer que fosse a minha opinião particular, encarar o problema por um modo geral e positivo principiei, com o poderoso auxilio do sr. Emauz Gonçalves, digno e intelligentissimo verificador da alfandega de Lisboa, a colligir todos os elementos estatisticos, que directa ou indirectamente, mediata ou immediatamente, podiam interessar á questão. Nunca admitti que a commissão de 1883 fosse composta de engenheiros para estudarem o problema technico dos melhoramentos do porto de Lisboa; pelo contrario, julguei sempre que lhe cumpria apenas designar em traços geraes o conjuncto dos melhoramentos e o systema mais adequado para o regimen commercial do porto de Lisboa. Os trabalhos technicos propriamente ditos, que mais tarde deviam ser feitos em harmonia, com as decisões da commissão, e traduzindo as tanto quanto o permittissem as condições naturaes do rio, esses trabalhos technicos deviam ser realisados pelas estações competentes, por engenheiros ou commissão de engenheiros para este fim especial nomeados pelo governo. Tal era a minha opinião.
Uma grande parte dos elementos estatisticos colligidos constitue os mappas e documentos, annexos ao parecer da commissão de 1883; outros reuni ainda depois de me haver exonerado de membro d'esta commissão, porque julguei que a maioria d'ella não acceitava o meu parecer, manifestando-se no seu seio uma pronunciada tendencia para ser chancellado um projecto qualquer.
Foi o estudo detido d'estes dados estatisticos, que radicalmente alterou a minha primeira convicção, e de defensor das docas de fluctuação me transformou em seu adversario intransigente. São exactamente os argumentos, que operaram esta transformação, que vou ter a honra de expor á camara.
Sei que é quasi inutil fazel-o, mas, sr. presidente, é em nome do meu dever e da minha responsabilidade que vou fallar; cumpro, pois, o primeiro e salvo completamente a segunda. Eis o que me basta.
Não querem estudar a questão, não a estudem. Não querem ouvir nada, não ouçam. Por ambos estes motivos temos nós commettido graves erros nas nossas grandes obras de fomento nacional.
O caminho de ferro de leste, sangrado até Santarém pelo rio Tejo, quando aliás o seu traçado devia ter sido proximamente o da linha de Lisboa a Torres e Soure, obriga-nos agora a construir esta, continuando a fazer-se perniciosa concorrencia uma via ferrea e uma excellente via navegavel, como o Tejo; a teimosia de um militar, que obrigou a linha de leste a passar por baixo dos fogos de Elvas, motivou a construcção do ramal de Caceres, quando aliás a poderia ter evitado e até mesmo talvez a da linha da Beira Baixa: a influencia de um grande politico desviou a linha do norte do coração da Beira Alta, fazendo-a atravessar em grande extensão as dunas da costa, beijada pelas ondas do Oceano; quando, aliás, poderiamos ter dispensado a via ferrea da Beira Alta, pelo menos em grande parte. O caminho de ferro do Douro marginando um rio, que conviria antes tornar navegavel; esses tristes ramaes de Vizeu e de Coimbra, o primeiro dos quaes devia, a meu ver, ser de via larga e constituir uma secção da linha ferrea, que no futuro ha de ligar os caminhos de ferro da Beira Alta com o da Beira Baixa e o do Sul; o segundo, um ramal tem nome; todos estes factos constituem, segundo penso, graves erros, que provéem ou da precipitação com que tudo se faz entre nós, ou da acção de funestas influencias e importancias que o paiz paga mui caras.

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Por todas estas rasões julgo quasi inutil o que faço; havemos de ter docas de fluctuação.
Como manda o governo fazer o projecto, que devo servir de base á licitação? Por engenheiros portuguezes, por engenheiros estrangeiros?
No primeiro caso receio muito, e tenho mesmo graves apprehensões, de que, seguindo os exemplos que citei, elaborem o projecto com este systema de obras: no segundo temo, e supponho com grande fundamento, que o engenheiro estrangeiro possa fazer, ou queira fazer parte de alguma empreza constructora, que mais tarde deva concorrer á licitação, porque neste caso não escolherá por certo o systema mais economico e adequado ao porto do Lisboa, mas aquelle que possa proporcionar á futura empreza melhores resultados.
Não é muito provavel que o governo encontro um generoso mortal, que venha a Portugal estudar desenvolvida e profundamente as necessidades economicas do nosso porto para lhes applicar o systema mais económico. O engenheiro ha de procurar ganhar o mais que puder no menor tempo possivel. Não é muito natural esporar dedicação patriotica n'um estrangeiro, visto que, fique-o sabendo o governo, os Anacharsis Cloutz, defensores dos direitos e dos interesses da humanidade, não são d'este seculo.
Vi sempre, com magua minha, e vejo ainda, que da questão essencialmente económica dos melhoramentos do porto de Lisboa se fazia um simples problema technico. Sobretudo não julgo admissivel imitar n'este porto obras, que, sendo de utilidade incontestavel n'outros portos, seriam aqui inuteis e, por inuteis e dispendiosas, nocivas. (Apoiados.)
Como acabo de provar, os interesses da nação e dos empreiteiros são, no caso presente, perfeitamente contrarios; á primeira convem apenas construir o restrictamente necessario e com a maxima economia, aos segundos convirá, segundo a sua propria e caracteristica phrase, fazer metros cubicos.
Repito ainda uma vez: sempre encarei a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa como um economista estatistico, que estuda os seus problemas á luz de elementos positivos, jamais como technico. Exactamente julgo ser este o primeiro defeito dos projectos, que foram successivamente apresentados a este respeito.
Vou, pois, expôr á camara como fiz este estudo; não tendo a menor pretenção, n'este caso ridícula por vaidosa, de ter resolvido o problema; tenho, porém, a plena certeza de ter seguido o unico caminho admissivel em trabalhos desta ordem, o unico methodo verdadeiro e scientifico para chegar a resultados tão provaveis, quanto o permittem as previsões humanas. Sobre este ultimo ponto, sr. presidente, não trepida a minha positiva affirmação.
Feitas estas declarações e dadas estas explicações, vejo-me cagado tambem a desenvolver á camara, embora succintamente, o plano dos melhoramentos do porto de Lisboa elaborado pela commissão de 1883. Esta exposição, que a sabedoria da camara certamente dispensaria, servir-me-ha apenas para dar concatenação logica ás idéas, que tenho de expõr.
A commissão de 1883 dividiu as obras do porto em quatro grandes secções:
1.ª Entre a estação do caminho de ferro e o caneiro de Alcantara;
2.ª Entre o caneiro de Alcantara e a torre de Belem;
3.ª Entre a estação do caminho de ferro e o Beato;
4.ª Entre Cacilhas e as proximidades da Trafaria.
As tres ultimas secções, não sendo, felizmente, consideradas no projecto que se discute, d'ellas me não occuparei presentemente.
As obras projectadas na primeira secção, que constituirá o porto commercial propriamente dito, podem reduzir-se a dois elementos principaes: um extenso caes marginal desde g estação da caminhos de ferro até ao caneiro de Alcantara e uma doca de fluctuação.
Este caes, que conquista ao rio uma grande superficie, começa na estação dos caminhos de ferro, segue em curva até ao Terreiro do Paço, e deste ponto dirige-se approximadamente em linha recta para a Torre de Belem, offerecendo fundos d'agua de 10 metros, proximamente, nos baixa-mares.
Na superficie conquistada ha ainda outras docas abertas para descarga de carvão, de madeira e para abrigo de embarcações, a que me não refiro, pela sua secundaria importancia.
Emquanto ao caes marginal, não me parece que sobre este elemento se possa levantar difficuldade alguma importante. Concorrendo para o alargamento da area plana da cidade, hoje inferior ás suas necessidades, a salubridade e a belleza de Lisboa toem muito a esperar da sua construcção; de resto, a meu ver, o cães é exigido pelas obras de saneamento da capital, ou pelo menos para a construcção do grande collector marginal, o elemento mais importante e indispensavel d'essas obras.
Sobre a doca de fluctuação se agglomeram as duvidas, e para que ellas possam ser bem apreciadas, permittir-me-ha a camara que dê uma succinta e clara idéa do que seja esta construcção.
Em geral, um espaço resguardado dos ventos e da acção das ondas, para aonde dão facil accesso aos navios francas entradas, constitue uma doca de abrigo.
Quando, porém, uma doca tem ainda por fim conservar no seu espaço interior a agua a um nivel proximamente constante, isto é, independente do desnivel das marés, os seus paredões devem ser impermeaveis, e a entrada não póde ser livre, mas fechada por uma construcção especial denominada eclusa; n'este caso a doca é de fluctuação.
A eclusa é sempre um elemento muito dispendioso.
Como no nosso paiz, que me conste, não existe uma só construcção desta ordem, e poucos terão idéa do que ella seja, por isso procurarei definil-a em algumas palavras.
Supponhâmos a entrada da doca precedida por um largo corredor de 60 metros de largo e 120 de comprido, e neste corredor dois pares de portas: as primeiras, ou interiores, fechando em angulo voltado para o recinto da doca e próximo deste recinto; as segundas, ou exteriores, rio extremo opposto do corredor, e parallelas ás primeiras; esta construcção constitue uma eclusa; effectivamente, as aguas interiores, em virtude da sua própria pressão, apertarão e fecharão, uma contra a outra, as duas primeiras portas, conservando-se, pois, no recinto
fechado a agua a nivel constante, salvo perdas insignificantes; fechando as
portas exteriores, e restabelecendo o mesmo nivel de agua na parte do corredor comprehendido entre estas e as interiores, claro é, que abertas estas ultimas, um navio que esteja na doca poderá passar para o corredor; fechadas depois as portas interiores, e fazendo-se descer o nivel da agua do corredor até ao nivel exterior, facilmente se abrirão as portas exteriores, saindo o navio do recinto fechado com a perda de um volume de agua relativamente pequeno, que não influirá sensivelmente no nivel da doca de fluctuação.
Uma manobra contraria dará a entrada de um navio na doca de fluctuação.
Dadas estas explicações, a serie dos meus raciocínios será facil de comprehender, e poderão ser estes apreciados pelos meus illustres collegas,
Se nos recordarmos agora das condições geraea a que deve satisfazer um bom porto commercial, facilidade de accesso, segurança dos navios, rapidez e economia das operações, concluiremos que de facto o systema das docas de fluctuação poderá dar estes resultados; mas lembro á camara que são conhecidos outros meios, talvez mais economicos, para obter este mesmo effeito.
A mercadoria póde ser carregada ou descarregada por meio de fragatas ou grandes barcos, como actualmente se faz no Tejo; póde tambem ser carregada ou descarregada em excellentes condições por meio de pontes que avancem

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sobre o rio, pela acostagem aos caes marginaes, emfim, em tão tão boas condições como na doca de fluctuação.
Ora sendo isto assim, somos logicamente conduzidos a acceitar d'estes meios aquelle que a natureza commercial do porto de Lisboa nos indicar, e não a adequar-lhe por imitação os que se empregam n'outro porto, cujas condições geographicas, economicas e commerciaes podem ser differentissimas das nossas. (Apoiados.)
Haverá porventura comparação possivel entre o regimen commercial do porto de Antuerpia e o de Lisboa? Certamente que não; não me parece, pois, rasoavel tomar para exemplo de obras no nosso porto as grandes obras de Antuerpia.
Estudemos, pois, o regimen commercial do porto de Lisboa, isto é, a natureza da sua navegação, das suas transacções e a qualidade e a quantidade de mercadorias, que importa e exporta e por elle transitam, a fim de concluir-mos positivamente o systema de obras que lhe convem.
A natureza de um porto depende de duas condições: da sua situação geographica e do seu commercio propriamente dito, isto é, das mercadorias exportadas, importadas ou em transito.
Sob este ponto de vista quantas especies de portos póde haver? O maior movimento das mercadorias póde ser o de importação, o de exportação ou o de transito; d'aqui uns portos de importação, outros de exportação, outros de transito.
É claro que n'um porto muito excepcionalmente se dará um só d'estes movimentos commerciaes; a sua classificação, portanto, dar-se-ha n'aquelle dos tres que for mais importante. Se exporta mais do que importa, é um porto de exportação; se importa mais do que exporta, é um porto de importação; se o transito é muito consideravel, será um porto de transito. Sobretudo n'esta classificação entendo que se deve ter em vista a manifestação commercial, cuja tendencia para crescer e se desenvolver é mais importante e accentuada.
Para esclarecer a minha idéa citarei alguns exemplos: como portos de exportação bem caracteristicos temos Glasgow, New-Castle e Liverpool.
Sabem v. exas. porque? Glasgow está assente n'um terreno, que tem abunadntes jazigos de ferro e hulha, e exporta uma grande quantidade d'estes minerios, em 1878, 600:000 toneladas do primeiro e 279:000 do segundo; New-Castle está nas mesmas circumstancias, é uma região essencialmente hulheira, no mesmo anno exportou 6.555:000 toneladas de carvão de pedra; Liverpool é o porto principal do Lencashire, o vasto condado inglez, onde se elevam Manchester e tantas cidades ricas e florescentes, tracto de terra em que a industria fabril se tem desenvolvido de uma maneira prodigiosa; em 1879, Liverpool exportou 2.362:868 metros de algodões!
Se comparamos n'estes portos as quantidades das mercadorias exportadas, importadas e em transito, concluiremos que pela elevação relativa das primeiras, muito embora as outras sejam tambem importadas, aquelles portos se devem considerar principalmente de exportação.
Como porto de importação poderia citar Londres, que em 1879 importou mercadorias estrangeiras e coloniaes na importancia de £ 129.000:000 (588.500:000$000 réis)e exportou mercadorias no valor de £ 47.000:000 (réis 211.500:000$000).
Londres é um importantissimo porto de importação.
É preciso não perder de vista, todavia, que Londres constitue realmente o primeiro porto de transito do mundo. Todos conhecem as docas de Londres, onde ha mercadorias de todo o mundo e onde todo o mundo se vae fornecer; onde se encontra o melhor cognae de Champagne, o melhor chá da India e o melhor vinho do Porto.
Londres, com as suas docas, por onde passam e aonde se armazenam as mercadorias do orbe inteiro; onde se encontram as mercadorias exoticas mais raras e preciosas; Londres, emfim, o emporio das mercadorias da America, da Asia, e da Africa, é um porto de transito por excellencia.
Falta-me ainda considerar uma categoria de portos, que se denominam de escala.
Portos de escala são aquelles que, não tendo embora um grande movimento de mercadorias e passageiros, são visitados regularmente pelas grandes, linhas de navegação, já para abastecimento, ou como se dizia na antiga linguagem para os navios fazerem aguada, já para largarem passageiros e mercadorias em transito, já por outras causas.
Posso dar como exemplos de portos de escala por excellencia: Port-Said, Suez e Aden.
Repito ainda que esta classificação dos portos, em portos de exportação, de importação, de transito e de escala, é um pouco artificial; e que se deve ter em vista não só a principal manifestação commercial, como ainda aquella que offereça maior futuro, isto é, maiores elementos para crescer e se desenvolver.
De resto em geral nenhum porto, como é obvio, satisfaz a uma só d'estas manifestações; quem importa necessariamente exporta.
Alem d'isto os portos de exportação e importação satisfazem a condições certas geraes e geographicas, que convem não perder de vista.
Por exemplo, como typo de um porto de exportação e importação, o porto de Antuerpia, que effectivamente satisfaz ás condicções geraes e theoricas de um porto d'esta ordem:
1.ª Grande zona tributaria.

.ª Grande desenvolvimento industrial n'essa zona.
3.ª Grande e densa população.
São por tal fórma evidentes estas condições, que me não deterei desenvolve-as, para o que basta o que deixo dito, e alguns momentos de reflexão.
Vejâmos agora em qual d'estas categorias devemos classificar o porto de Lisboa. Na exportação, na importação, no transito ou na escala?
Segundo for uma d'estas cousas, alguma ou todas ellas, assim teremos determinado a sua natureza commercial e definido como veremos, o systema de obras que lhe são adequadas.
Qual é a nossa natureza commercial?
Peço á camara, ou pelo menos áquelles que me quizerem escutar, que sigam os meus raciocinios, porque hão de ser levados a conclusões logicas e, segundo julgo, acceitaveis.
Não tenho, repito, a pretenção ridicula de dizer que resolvi uma questão economica d'esta ordem; mas nutro a fundada opinião de poder affirmar a v. exa. e á camara que o methodo para se chegar a qualquer resultado é este, e só este.
Não completei, é certo, os meus estudos; ainda assim, para colligir os documentos estatisticos de que dispoz a commissão e de que disponho, foi-me preciso trabalhar muito.
Os homens que se sentam n'aquellas cadeiras (as do governo) que têem á mão todos os elementos de elucidação, porque as repartições trabalham para elles e por sua ordem, são os que podem e devem fazer estudos completos sobre este problema economico, que, apesar do que disse o sr. presidente do conselho, não está ainda bem estudado. Uma cousa é discretear, outra é discutir.
O porto de Lisboa poderá ser um porto de consideravel exportação? Não póde.
A exportação é resultado da producção; ora nós, desgraçadamente, não temos industria, nem possuimos, infelizmente, nenhuns elementos proprios, de que haja a esperar largo desenvolvimento de producção.
A nossa exportação tem crescido, é certo, mas n'uma percentagem insignificantissima.
O porto de Lisboa é um porto de importação?

131 *

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Não, porque a importação depende do consumo, e o consumo da população e da sua riqueza. O nosso circulo de acção, a nossa zona tributaria é restricta, apertados como estâmos n'uma estreita faxa de terreno entre a Hespanha e o Oceano, possuindo pequena população, que aliás tem poucas tendencias para augmentar.
A zona tributaria vasta e sempre crescente, sem a qual não ha grande importação e exportação, não existe para o porto de Lisboa.
Será Lisboa um porto de transito? É um porto de transito exactamente e um porto de escala.
Vejâmos agora como as estatisticas, colligidas nas estações publicas, nos corroboram os resultados geraes do raciocinio.
Os elementos de que vou servir-me são tirados da estatistica do commercio de Portugal do anno de 1880, porque na epocha em que fiz este estudo era a ultima publicada; alem d'isso referem-se a todo o paiz e não unicamente ao porto de Lisboa.
A defficiencia das nossas estatisticas obriga-me a esta generalidade, visto que se não fazem, como era para desejar, estatísticas especiaes para cada porto; todavia, podemos som grave erro applicar as consequencias que tirarmos ao porto de Lisboa, tanto mais quanto as transacções commerciaes principalmente se verificam por elle.

Movimento commercial

Importação:
1866 .... 26,526:000$000
1880 .... 34.948:000$000
1881 .... 36.433:000$000
crescimento total 8.020:000$000

Crescimento annual medio 534:600$000 réis, isto é, 1.98 por cento.
Crescimento total na relação de 100 para 132,4.

Exportação:
1866 .... 19.189:000$000
1880 .... 24.716:000$000
1881 .... 20.779:000$000
crescimento total 5.530:000$000

Crescimento annual medio 368:000$000 réis, isto é, 1,92 por cento.
Crescimento total na relação de 100 para 128,6.

ransito por procedencias:
1866 .... 346:000$000
1880 .... 3.267:000$000
1881 .... 3.905:000$000
crescimento total 2.920:000$000

Crescimento annual medio 194:700$000 réis, isto é, 56;27 por cento!
Crescimento total na relação de 100 para 944,2!

ransito por destinos:
1866 .... 283:000$000
1860 .... 3.267:000$000
1881 .... 3.905:000$000

isto é, o commercio nacional cresceu em quinze annos 31 por cento, emquanto o commercio internacional, feito pelos nossos caminhos de ferro e portos, cresceu 844 por cento!
Claro é, sr. presidente, que descrevo apenas os traços geraes do estudo económico, de que póde ser objecto o movimento commercial do porto de Lisboa, porque não me sobra o tempo, nem mesmo a competência, para completo trabalho d'esta ordem; aliás conviria agora estudar o transito de procedência e o do destino durante um largo período.
Um pequeno mappa, que tenho presente, póde mesmo dar-nos alguns esclarecimentos importantes.

Transito (valores em contos de réis)

[Ver Tabela na Imagem]

Concluiremos, pois, que o nosso transito terrestre, o que se faz pelas vias férreas, quasi exclusivamente procede de Hespanha e se dirige para a Inglaterra, Franca, Brazil e para portos da propria Hespanha; é principalmente entre a Hespanha e a Inglaterra, que a permuta commercial, feita por intermedio das nossas alfandegas, é mais importante e mais tende a desenvolver-se.
Para conhecer a natureza d'esta permuta colligi na estatistica do commercio de Portugal de 1881 as principaes mercadorias em transito de Hespanha para os principaes paizes de destino.

1881 - Principaes mercadorias procedentes de Hespanha

Hespanha para Inglaterra:
Azougue ...... 2.282:000$000
Phosphorite .... 551:000$000
2.833:000$000

Hespanha para França:
Aveia ..... 153:000$000
Vinho ...... 70:000$000
Cevada ..... 26:000$000
Phosphorite 9:000$000
248:000$000

Hespanha para o Brazil:
Azeite ................ 38:000$000
Papel de embrulhar .... 14:000$000

Muitas considerações, sr. presidente, se podiam fazer ácerca de todos estes elementos. A base de um trabalho serio para a remodelação dos nossos serviços aduaneiros e da nossa pauta está exactamente no estudo minucioso de todos elles. Será estudando profundamente a naturesa do commercio de transito, que poderemos chegar a determinar uma serie de medidas, larga e sabiamente pensadas, para desenvolver a riqueza commercial no nosso porto.
E não se pense que o circulo de attracção do porto de Lisboa se não póde estender alem dos actuaes limites; não será muito provável, effectivamente, que as mercadorias francezas venham embarcar para a America no nosso porto, mas o que podemos esperar é o transito europeu dos passageiros e das correspondencias, que a seu turno hão de desenvolver consideravelmente a nossa navegação de escala.
Todos conhecem a grande influencia, que tem tido sobre o nosso o movimento marítimo as ultimas combinações e tratados postaes; o que todos, porém, não sabem, talvez, é o movimento internacional consideravel de passageiros, que se faz pela linha de leste.

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SESSÃO NOCTURNA DE 2 DE JULHO DE 1885 2823

Numero e producto dos passageiros que transitaram pelas fronteiras de Elvas e Marvão nos annos abaixo indicados

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Aberto á exploração desde Valencia de Alcantara á fronteira em 16 de junho. (b) Aberto á exploração desde Caceros á fronteira em 10 de janeiro.

D'este mappa deprehende-se que nos ultimos oito annos o movimento de passageiros na fronteira foi:

[Ver Tabela na Imagem]

1877 ....
1878 ....
1879 ....
1880 ....
1881 ....
1882 ....
1883 ....
1884 ....

Estas duas series mostram-nos o enorme incremento de passageiros em transito; o crescimento annual é regularissimo e grande, apenas em 1884 manifesta uma depressão consideravel, que se deve completamente attribuir ao cholera.
Certamente, como disse o illustre relator, a Hespanha procura evitar este transito, cujo crescimento é espantoso e tende ainda a desenvolver-se, apertando-nos n'uma linha de aço, isto é, construindo a grande linha de cintura de vias ferreas, que envolvem a nossa fronteira e têem por fim derivar a sua exportação para os portos hespanhoes. Baldado esforço! Vigo poderá luctar talvez com o Porto; mas nem elle nem Huelva jamais vantajosamente luctarão com o porto de Lisboa, que os vencerá pela sua admiravel situação geographica.
É certo, todavia, que n'esta lucta, em que possuimos elementos predominantes, não devemos nada desprezar; a Hespanha legitimamente defende os seus interesses, como nós devemos salvaguardar os nossos.
Será Lisboa um porto de escala? E certamente, diz-nos o nosso raciocinio.
A algumas horas, quando muito, de caminho da nossa barra cruzam-se as grandes linhas de navegação dos principaes portos commerciaes do norte da Europa para a America, Asia e Oceania e vice-versa.
Estas grandes linhas de navegação têem tido, e terão ainda, um desenvolvimento prodigioso; no norte da Europa estão os maiores portos commerciaes do velho continente. Toda a navegação do mundo nas suas principaes linhas, pelo menos, passa a algumas horas do nosso porto, ainda mesmo a dos proprios portos do Mediterraneo forçada pelas suas ligações com o norte da Europa.
Bastaria esta circumstancia para definir a natureza de escala do porto de Lisboa.
A posição geographica do nosso porto dá-lhe este caracter especial. A inspecção de um mappa-mundi, em que traçássemos as linhas principaes da navegação commercial do orbe inteiro, dar-nos-ía esta intima convicção.
Eis o que nos dizem os conhecimentos geraes de geographia commercial, que deve ter um homem publico sobre este assumpto; vejâmos agora o que nos dizem as estatisticas e se corroboram, decisivamente, o que acabo de expôr.

Movimento da navegação - Porto de Lisboa

Anno de 1881
Metros cubicos
Navios (entrados e saídos) .... 5:792 com 3.120:423
Comprehende:
Vapores de escala (entrados e saídos) 966 com 1.171:000
4:826 1.949:423

A tonelagem da navegação de escala representa, pois, neste anuo 37,5 por cento da total.
Comparemos, porém, a navegação do porto de Lisboa em dois annos muito affastados, para que as differenças se accentuem.

Anno de 1865

[Ver Tabela na Imagem]

Total em 1865
Numero de navios
Tonelagem
Metros cubicos

Véla .... 3:699 506:872
Vapor ... 716 257:147
4:415 764:019

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2824 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Anno de 1881

[Ver Tabela na Imagem]

Total em 1881
Numero de navios
Tonelagem Metros cubicos

Véla .... 3:159 501:818
Vapor ... 2:633 2.618:605
5:792 3.120:423

D'estes dois mappas podemos inferir algumas conclusões muito interessantes, já em relação á nossa propria navegação, já á estrangeira, n'um periodo de dezesete annos.

Navegação portugueza

Véla

1.ª conclusão. - A navegação de longo curso acha-se reduzida quasi a 50 por cento.
2.ª conclusão. - A grande cabotagem, ou navegação colonial, reduziu-se approximadamente de 20 por cento.
3.ª conclusão.- A pequena cabotagem, ou navegação entre os portos continentaes e insulanos, está estacionaria.

Vapor

1.ª conclusão. - O grande curso a vapor tende a crescer em tonelagem media dos navios.
2.ª conclusão. - A grande cabotagem, creada desde 1865, é ainda insignificante.
3.ª conclusão. - A pequena cabotagem tende tambem a crescer em tonelagem media.

Navegação estrangeira

1.ª conclusão. - Nos navios á véla o numero de entradas e saídas desceu, mas a tonelagem elevou-se sensivelmente.
2.ª conclusão. - Nos navios a vapor:

Metros cubicos
Metros cubicos
Em 1865 .... 478 com 194:043, navio médio = 406
Em 1881 .... 2:404 com 2.471:746, navio médio = 1:028

isto é, as entradas cresceram 3 vezes e a tonelagem 13 vezes, o que principalmente se realisou na escala.
Eis como, sr. presidente, as estatísticas vieram corroborar as minhas previsões e demonstrar que, em relação á situação geoyraphica, Lisboa é um porto de transito de mercadorias e de escala de navegação.
E não é só o transito terrestre, que, convenientemente estudado e auxiliado, póde ter no nosso porto um incremento considerável. Em relação ás mercadorias africanas e americanas, Lisboa póde transformar-se n'um grande deposito ou emporio, a que venham abastecer se os mercados europeus.
A magnifica situação geographica do nosso porto, para onde convergem as grandes linhas da navegação commercial da Europa, para depois divergirem para o orbe inteiro, as suas excellentes condições physicas e naturaes, fazem d'esta previsão uma risonha esperança.
É preciso, todavia, que não supponha alguem que as obras do porto de Lisboa, por si só, resolverão o nosso arduo problema económico. Seria loucura pensal-o.
São indispensaveis essas obras, mas não é menos necessario um plano geral de medidas, tendentes a tirar d'ellas e das condições geographicas e especiaes do nosso bello porto as maiores vantagens. Esta opinião, que me parece indiscutivel, manifestei-a eu quando ainda os melhoramentos do porto de Lisboa constituiam uma viva aspiração de alguns homens n'este paiz. Tratava-se então do projecto de lei, de que tive a honra de ser relator, sobre a illuminação das nossas costas e portos; por essa occasião escrevi no respectivo relatorio:
«E convirá que a navegação estrangeira do porto do Lisboa seja onerada por esse addicional? (sobre os direitos de tonelagem.)
«Também não. Seria uma pessima doutrina económica aquella que, vendo apenas a superficie da questão, não entrasse no seu âmago. A navegação estrangeira não vale pelo que produz para o fisco, mas sim pelo que transporta repetida, rápida e economicamente. Habituar as grandes correntes commerciaes maritimas a tocar no nosso porto para abastecimento e transporte de cartas, de mercadorias, de passageiros, de idéas e de riquezas, emfim, em variadas direcções, onde a nossa marinha jamais poderá chegar, deve ser o grande desideratum dos nossos governos, porque é o fim a que miram os paizes, que possuem portos do valor do nosso.
«Comprehenda-se bem que um navio arribado produz para a riqueza publica, pelo consumo e abastecimento de que em geral carece, mais do que alguns, que por um augmento da taxa de tonelagem, darão algumas centenas de mil réis para o fisco; não se estanque, pois, o manancial pelo corte das pequenas veias liquidas, que produzem a corrente.
«Ora, o addicional sobre a taxa de tonelagem iria principalmente recair sobre a navegação estrangeira de vela, que em geral paga o máximo, e sobre os vapores paquetes correios, comprehendidos na segunda isenção, que pagam meia taxa.
«Para transformar o porto de Lisboa em um porto commercial de primeira ordem, suppõem muitos homens versados nos estudos economicos e praticos nas transacções commerciaes, que de futuro será indispensavel fazer desapparecer os direitos de exportação e reexportação, ou pelo menos transformai-os num direito estatístico; sobre os direitos de tonelagem a mesma opinião se manifesta igualmente, diminuil-os ou eliminal-os, eis o que mais acertado parece, e se alguns admittem a sua elevação, e quando exclusiva e especificadamente o seu producto reverta em beneficio dos melhoramentos do porto, que a soffrerá como compensado sacrificio.»
Actualmente não tenho senão a applaudir-me por estas opiniões.
A naturesa de transito e de escale do nosso porto exigem não só a maior facilidade nas operações mercantis mas ainda a máxima economia em todas ellas.
Eu desejaria tornar o porto de Lisboa franco, ou pelo menos diminuir consideravelmente todos os impostos da navegação e destruir as complicações dos nossos serviços. Assim convidaremos a navegação a frequental-o.
Desejaria igualmente uma reforma de pautas e uma revisão das tarifas dos caminhos de ferro, tendo em vista, como fim exclusivo, o engrandecimento commercial do nosso porto. É evidente que tudo isto depende de um porfiado estudo sobre as nossas condições economicas e commerciaes, estudo certamente difficil e arduo, mas que é mister fazer-se. A missão dos homens de estado é esta e não a simples gerencia dos negocios correntes, para que foram inventadas e creadas as secretarias.

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Ha de ser, sr. presidente, no conjuncto harmonico e bem pensado de medidas d'esta ordem e das obras do, porto, que Lisboa encontrará a sua grandesa commercial, a mais caudalosa fonte de riqueza nacional.
O que acabo de expor seria desde já suficiente para definir o systema de obras, que mais convém ao porto de Lisboa, porque o transito, que se ha fazer quasi exclusivamente pelos nossos caminhos de ferro, não irá ás docas, como ahi não entrará igualmente a navegação de escala.
Parece-me importante esta conclusão, que a final evitará o despendio de alguns milhares de contos; todavia, sr. presidente, um estudo bem dirigido não deverá terminar aqui. É necessario apreciar tambem a natureza do nosso porto pelo movimento, em quantidade e qualidade, das mercadorias.
N'este ponto consinta-me a camara que dirija publicamente os meus agradecimentos a dois funccionarios aduaneiros, habeis e intelligentes, o sr. Raposo de Carvalho e o sr. Emauz Gonçalves, pelos valiosos dados estatisticos, que me forneceram para este trabalho, em que fui ajudado poderosamente pela alta competencia d'este segundo cavalheiro. (Apoiados.)
Todos os raciocinios, que vou expor á camara, referem-se a dados estatisticos de 1883, porque na epocha, em que fiz este trabalho, durante 1884, era o ultimo anno completo e o mais proximo a que me podia referir.
Comecemos pela importação, devendo ter em vista que a estatística da alfandega de Lisboa comprehende as suas delegações de Sines, Setubal, Cascaes e Peniche, isto é, o movimento determinado neste mappa abrange tambem o d'aquelles portos; todavia, exceptuando o de Setúbal, que tem alguma importancia, e para o qual obtive dados especiaes, os restantes não merecem consideração.
Averiguemos, pois, se as mercadorias que importâmos entrarão todas voluntariamente na doca de fluctuação, porque supponho, que a sua entrada não será obrigatoria; se o fosse, creava-se uma peia, uma difficuldade e um encargo para as transacções commerciaes, exactamente o contrario do que se pretende. (Apoiados.)
Ora, sr. presidente, repito ainda, quando estudei este problema, colloquei-me sempre no campo de um observador imparcial e de um positivista. Seria inconvenientissimo que em questões desta natureza alguém fosse dominado por princípios ou opiniões preconcebidas, ou se deixasse arrastar, por espírito de imitação, a copiar obras de outros portos como o de Antuerpia ou de Boulogne sur-mer.
Pela minha parte limitei-me a estudar a natureza especial do commercio do nosso porto. A primeira cousa que comprehende qualquer homem ainda completamente leigo neste assumpto, é que são muito diversas as circumstancias geraes do porto de Lisboa, comparadas com as de qualquer dos portos que acabei de citar. .
Dei-me, pois, ao trabalho de estudar uma a uma as mercadorias importadas, determinando assim para cada uma as condições especiaes, em que entram no Tejo, o modo porque são despachadas e distribuidas no consumo. Para este effeito organisei-o seguinte quadro das principaes mercadorias importadas:

Importação no porto de Lisboa em 1883

[Ver tabela na imagem]

Deve observar-se que neste mappa se descreve o peso liquido das mercadorias, isto é, o bruto, menos o das taras ou invólucros; na falta de melhores elementos, devemo-nos contentar com este, que aliás nos dará soffriveis resultados; effectivamente, se determinarmos a relação dos pesos liquidos das mercadorias, que devem affluir ou evitar a doca de fluctuação, sem grave erro poderemos applicar estas mesmas relações ao peso bruto.
N'este caso, como em quasi todos aquelles em que se estudam questões serias de administração, se encontram graves lacunas nas nossas estatísticas, lacunas e defeitos que é mister preencher e eliminar, visto que os modernos methodos de estudo principalmente se fundam em dados positivos e experimentaes.
A mercadoria importada em 1883 em maior peso é o carvão de pedra. Sendo o peso liquido total das importações n'este anno de cerca de 650:000 toneladas, o carvão representa por sua parte perto de 38 por cento deste peso. É importantissima já esta relação.
Ora, o carvão de pedra, vindo de Inglaterra e dos portos hulheiros de Newcastle, Cardiff, etc., entra no Tejo o procura os differentes pontos, em que é depositado.
Em 1883, só a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste desembarcou directamente nas suas pontes 26:500 toneladas; o caminho de ferro do sul e do sueste, a companhia do gaz, as fabricas que marginam o rio, os estabelecimentos do estado, os depositos ao sul do rio, recebem o carvão por descarga directa dos navios e por meio de fragatas; esta é, para elles e para esta mercadoria, a fórma mais rapida e economica de descarga.
O carvão não irá á doca de fluctuação era caso algum; e tanto assim é que a commissão de 1883 indica a necessidade da construcção de uma doca aberta para carvão; esquecendo-se, todavia, de descontar este peso considerável quando faz o calculo do rendimento da doca de fluctuação.
Como succede com o carvão, o mesmo se dá com outras mercadorias. Em regra, como bem sabe alguém que me está ouvindo, a mercadoria despachada por estiva ou por manifesto não terá a menor tendencia para entrar na doca de fluctuação.
Ahi não entrarão as madeiras, os farináceos, o ferro, o carvão, os productos ceramicos, o material do caminho de ferro, etc.
Eis, por uma forma geral, que qualquer poderá especialisar, como chegamos a determinar, que pelo menos 50 por cento do peso das mercadorias importadas não irão á doca de fluctuação, pela rasão muito simples de que são excluidas d'ella pela sua propria natureza e pela conveniência e economia das transacções commerciaes. (Apoiados.)
Permitta-me v. exa. uma pequena observação. Se se tei-

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mar em fazer o porto com o systema de doca de fluctuação...
Uma voz: - Não se fará.
O Orador: - O illustre deputado suppõe isso? Julga inutil o que estou dizendo? Formule, pois, a seguinte hypothese: supponha que o governo por uma circumstancia qualquer convida um engenheiro estrangeiro a vir estudar as obras do porto de Lisboa; supponha ainda que esse engenheiro faz parte de uma empreza, que mais tarde póde ser concorrente á praça. Como é que elle estuda as obras? Qual outro Anacharsis Clootz, salvaguardando os nossos interesses financeiros e commerciaes, ou fazendo obras que mais produzam á futura empreza?!
É, pois, indispensavel que o governo, seguindo a indicação da minha segunda proposta, faça primeiro estudar económicamente a questão, como em largos traços lhe estou indicando, e defina expressamente o systema de obras que deseja; aliás poderemos ter o systema, que, na phrase dos empreiteiros, deva produzir mais metros cubicos.
Passemos agora á exportação condensada nas suas origens principaes no seguinte mappa:

Exportação no porto de Lisboa em 1883

[Ver Tabela na Imagem]

Como se vê as mercadorias exportadas mais importantes são: o sal, o vinho e a cortiça.
Estas mercadorias não saíram todas pelo porto de Lisboa, visto que o sal e a cortiça saem tambem em grande quantidade pela barra de Setúbal; assim, por exemplo, em 1883, Setúbal exportou:

Sal .... 90:828 toneladas
Cortiça 484 »

Feita esta indicação, que aliás não tem grande importancia para o que vou dizer, vejâmos se estas mercadorias procurarão a doca de fluctuação.
Todos sabem que o sal é produzido principalmente nas marinhas do sul do Tejo, e em certa quantidade ainda nas de Santa Iria, Povoa, Sacavem, etc., etc.; as fragatas vão carregar nas marinhas e atracam depois aos navios, que recebem o sal por carga ou como lastro. O sal não irá certamente á doca de fluctuação.
O vinho concorre ao nosso porto principalmente pelo caminho de ferro do norte e leste; só em 1883 transportou esta via 22:508 toneladas; em grande parte tambem vem pela via fluvial em fragatas e barcos. No primeiro, caso embarca nas pontes do caminho de ferro, no anno de 1883 embarcaram estas cerca de 12:000 toneladas, no segundo serão os proprios barcos e fragatas que atracarão aos navios, sem que estes tenham necessidade de pagar as tarifas e soffrer as demoras da entrada na doca de fluctuação.
A cortiça produz-se nos montados ao sul do Tejo, para onde converge ou pelo caminho de ferro do sul e sueste; ou por quaesquer outros moios é trazida aos pequenos portos do sul do Tejo e ahi embarcada em fragatas. Certamente não irá tambem á doca de fluctuação.
Como estes tres exemplos poderia citar ainda mais; inutil me parece, todavia; todos conhecem como affluem ao Tejo os minerios do sul do Tejo, as fructas, o azeite, etc., etc.
N'estas condições, quando muito, 25 por cento do peso liquido da exportação affluirá voluntariamente á doca; os 75 por cento restantes, pelas suas condições especiaes de producção, de transporte, etc., etc., jamais a procurarão.
Vamos ao transito.

Transito no porto de Lisboa em 1883

[Ver Tabela na Imagem]

O nosso transito faz-se actualmente pela linha do norte exclusivamente, mais tarde algumas mercadorias hespanholas poderão tambem transitar pela linha do sul.
O phosphato de cal - a phosphorite - é a mais importante das mercadorias em transito, segue-se o mercúrio ou azougue, etc., etc. 5 em caso algum, porém, serão desprezadas as pontes do caminho de ferro, por onde embarcará e desembarcará sempre o transito de destino e de procedencia.
Em relação a este movimento de mercadorias podemos afoutamente affirmar que, apesar de ser o de maior futuro para o nosso porto, não dará uma só tonelada de mercadorias á doca de fluctuação.
A reexportação e a baldeação têem entre nós tão pequena importancia, que realmente não merecem apreciação mais demorada.
Eis, sr. presidente, como entendo que deve ser estudada esta importante questão; não tendo eu certamente dito tudo quanto a este respeito se póde dizer; porque é claro que um estudo bem feito deve ainda descer a minuciosidades, que seria perfeitamente impossivel desenvolver num discurso parlamentar.
Já temos uma soffrivel restricção para fazer aos cálculos do rendimento das docas e dos armazéns, calculado em 1.000:000$000 réis brutos ou 500:0006000 réis líquidos, realmente sem que se comprehendam bem as bases d'esta phantasiosa hypothese do sr. Antonio Augusto de Aguiar.
Sabemos que construida a doca de fluctuação poderemos apenas contar para ella com 50 por cento da importação e 25 (por cento da exportação, e nada do transito.
É uma reducção soffrivel.
Resta ainda estudar urna questão simples, mas interessante.
A navegação de escala entrará na doca?
Basta conhecer a sua natureza para affirmar o contrario. Entre nós a navegação de escala é formada, quasi exclusivamente, pelos grandes transatlanticos, paquetes que percorrem as grandes linhas da Europa para a America, para a Asia e Oceania e vice-versa; navios-correios, que tendo horas determinadas de chegada e de partida, quasi como os

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caminhos de ferro, não virão aqui receber algumas toneladas de carga soffrendo a menor demora.
Para esta navegação haverá um só e único systema de embarque e desembarque: por meio de fragatas ou barcaças, que esperem os navios proximos dos fundeadouros, não lhes fazendo perder o menor tempo.
É mesmo este o modo, por que elles recebem actualmente o carvão.
Ora, em 1881 a navegação de escala, como já disse, representava 38,5 por cento da arqueação total, e em 1883, como a propria commissão o affirma, n'uma arqueação de 3.615:000 toneladas, 1.300:000, isto é 36 por cento, pertenciam á navegação de escala.
Pois nem ao menos estas descontou! Nem ao menos se recordaram de que uma boa parte d'ella vem dos portos do Brazil, inficionados de febre amarella! Até esta, louvado Deus, entrará na doca ou acostará!?
Logo em relação á natureza commercial do porto de Lisboa, quer derive da situação geographica, quer decorra do movimento das mercadorias, o systema de obras que tenha por elemento uma doca de fluctuação, não é admissivel; nem poderá alguem, a meu ver, produzir uma só rasão para construir esta dispendiosissima obra n'um porto como o nosso.
Vejâmos, porém, se em Lisboa se realisam algumas das condicções especiaes e, permitta-se-me a expressão, topographicas, que podem ainda aconselhar a construcção das docas de fluctuação.
Estas condicções podem reduzir-se a quatro:
1.ª Falta de capacidade no porto.
2.ª Grande amplitude das marés.
3.ª Abrigo e segurança para os navios.
4.ª Facilidade de carga e descarga.
Em alguns portos, pelo desenvolvimento do trafego commercial, a superficie dos estuarios e das aguas fluctuaveis tornam-se insufficiente; então manifesta-se a necessidade de alargar os portos conquistando terras para as aguas; ninguem de certo affirmará que similhante rasão se dê no porto de Lisboa.
A amplitude das marés, que em alguns pontos se eleva a 12 metros e mais, difficultando consideravelmente; ou mesmo impedindo a carga e descarga, póde tambem exigir a construcção de docas de nivel constante ou de fluctuação, não será por certo o nosso tejo, com marés de 4 metros nas syzygias e 1,5 nas quadraturas, isto é, com uma amplitude media de 2,75 metros, que impedirá as operações maritimas junto os caes ou ás pontes, aonde aliás deverão existir bons a apropriados apparelhos.
Emquanto á segurança dos navios, por Deus não calumniem o pobre Tejo, que de quando em quando apenas se lembra de se enfurecer, afundando algumas fragatas, que no dia seguinte são postas a nado quasi sem estrago!
Nos nossos dias notam-se dois ou tres naufragios de navios, quasi todos provenientes da incuria das tripulações. O ultimo, por exemplo, o do Insulano, se o nome me recorda, vio-o eu proprio n'um dia magnifico. O navio garrou, por mal ancorado, e foi espetar-se no ariete do Vasco da Gama.
Os dados climatericos que acompanham o relatorio da commissão de 1883 demonstram á saciedade a serenidade do Tejo, a respeito do qual se póde dizer que mata menos gente annualmente do que qualquer dos nossos poeticos rios, o Lima, o Mondego, por exemplo.
Mas, se effectivamente esta rasão fosse decisiva para abrigar os navios, bastavam docas abertas, isto é, sem eclusa.
Alguns portos importantes t~eem apenas dicas abertas; em Clasgow, por exemplo, a melhor doca, a Queen's dock, não tem eclusa.
Uma doca aberta de 8 metros de agua nos baixa-mares, dará abrigo, se for preciso, aos maiores navios commerciaes do mundo. Se querem, levem-n'a mesmo a 10 metros, porque não é difficil dragar nos ledos.
Uma voz: - E a eclusa?
O Orador: - O empreiteiro ha de querer construir a eclusa; nós não, porque a eclusa custar-nos-ha, segundo, o calculo de Cood, pelo menos 1:700:000$000 réis, alem da difficuldades do paredão impermeavel, que este mesmo engenheiro orça em 2.092:000$000 réis.
A simples supressão da eclusa, poder-nos-ha produzir uma economia de 3.000:000$000 réis.
Emquanto á facilidade da carga e descarga, se a doca de fluctuação o proporciona, tambem se alcança ella por meio de caos acostáveis, de docas abortas, ou ainda por meio de pontes.
Tenho, sr. presidente, brevemente apresentado as rasões, por que não posso concordar com um projecto de obras, que envolva uma doca de fluctuação.
Não quero melindrar alguém. Todos, que me toem escutado, sabem que respeito os meus collegas, e sobretudo, na tribuna parlamentei, jamais me ouviram discutir senão idéas, e apreciar senão opiniões. (Apoiados.) Portanto, o que eu vou dizer não póde envolver a menor censura a quem quer que seja.
Acerca dos melhoramentos do porto de Lisboa existe um trabalho muito importante, que receio muito possa influir profundamente sobre os que tenham de estudar e projectar as obras definitivas. É o trabalho da commissão de 1883.
A commissão adoptou systema de doca de fluctuação; e n'este projecto em discussão diz-se que se deve ter em vista o projecto de 1883. D'aqui deriva o meu receio. Quem sabe se o engenheiro portuguez, francez ou quem quer que seja, encarregado de estudar estas obras, não seguirá, e muito resoavelmente na apparencia, aquelle projecto, um dos mais completos, e que, áparte os seus defeitos, honraria qualquer engenheiro, que o assignasse? (Apoiados.)
Vejâmos agora, para terminar com este assumpto, qual é o unico argumento que a commissão de 1883 adduz em favor da doca de fluctuação.
Chamo a attenção da camara para este ponto.
«Como vimos, escreve a commissão no seu relatorio, considera-se como indispensavel 1 metro corrente de caes para 400 toneladas de movimento de arqueação, entradas e saídas sommadas: ora, tendo todo o nosso porto em 1883 a tonelagem total de 3.615:167 toneladas, seriam necessarios 9:033 metros de caes para lhes satisfazer, faltando-nos, portanto, 3:033 metros de caes acostaveis, os quaes se obtêem por meio de docas e bacias no interior do caes marginal, como veremos.
«E note-se que este computo é muito pequeno, pois os transatlanticos ou navios de escala, que decarreguem poucas mercadorias e apenas recebem c«mantimentos, objectos de grande velocidade e malas de correio, precisam de grandes espaços para acostarem, não só pelo seu grande comprimento, mas pela necessidade de lhes deixar á pôpa e prôa campo para poderem manobrar.
«A tonelagem de saída e entrada d'estes navios foi proximamente de um terço do movimento total, ou 1.300:000 toneladas, e como ha dias em que se accumulam seis d'elles nos ancoradouros do nosso porto, será necessario reservar-lhes 2 Kilometros, dando 300 metros para cada um; quer dizer, só o movimento de escala precisaria de 2:000 metros de caes marginal acostavel, ou proximamente toda a extensão disponivel desde o Bem Successo até ao caneiro de Alcantara; sendo necessario, portanto, juntar mais esta extensão ao comprimento dos caes nas docas.»
Mais adiante continua a commissão: «quando tratámos da extensão do caes acostavel, que ficava livre á navegação, vimos que faltavam 3:033 metros para que houvesse 1 metro de caes para 400 toneladas de arqueação entrada e saída; mas como demos quasi 1 kilometro a mais para a navegação de escala, segue-se que nos faltam 4:000 me-

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tros de caes acostaveis para fazer face ao movimento actual da navegação, e não será muito o contar com 50 por cento a mais para o desenvolvimento commercial, que se ha de dar no porto de Lisboa n'um futuro não muito remoto.
Este comprimento de 6:000 metros de cães póde facilmente obter se nas grandes docas projectadas e póde até augmentar-se por meio de novos esporões sobre os que se projectem, quando não bastem».
Ora, sr. presidente, na planta que acompanha o relatório, a doca de fluctuação vem descripta em frente da rampa de Santos, o que prova que a commissão adoptou este systema, fundando-se em que não tinha sufficiente caes acostavel. É este o seu unico argumente.
A commissão não se lembrou que das 3.600:000 toneladas, o torço de escala não só não entra na doca de fluctuação, mas não acosta, porque esta operação é sempre morosa e poderia talvez ser exigida para grandes cargas e descargas, mas não aconselhada para vapores, que, no dizer da propria commissão, apenas transportam mercadorias de grande velocidade, passageiros e correspondencias.
Para estes a carga e descarga ha de continuar fazendo-se como actualmente, acontecendo ainda que uma grande parte da navegação de escala nem subirá ao quadro ficando em frente do Lazareto, visto provir de portos inficionados.
Não lembrou, também, á illustre commissão que o methodo da medição da tonelagem de arqueação no nosso porto, é differente do methodo de Moorson empregado, quasi geralmente, nos portos estrangeiros. Por ser necessario 1 metro de cães para 400 toneladas de arqueação, determinada pelo methodo de Moorson, não se segue que se deva adoptar esta relação entre nós, visto que a nossa tonelada é inferior áquella em mais de metade do volume. Se se applicasse entre nós o methodo de Moorson, a arqueação do nosso porto desceria a cerca de 50 por cento, da que actualmente é accusada nos registos officiaes.
Admittidas estas duas observações, o argumento da commissão em favor da doca de fluctuação perde consideravelmente de valor.
E se ainda assim faltasse cães acostavel, havia outro systema para vencer esta difficuldade. A construcção de pontes de carga e descarga.
Vou circumscrever os meus raciocinios, citando unicamente factos, que julgo muito importantes, ácerca das pontes do caminho de ferro do norte e leste. Como se sabe a companhia do norte e leste fez construir duas pontes, uma em Santa Apolonia, que custou 90:000$000 réis e outra no cães dos Soldados, que custou 70:000$000 réis.
Estas duas pontes podem ter ao mesmo tempo a carregar e descarregar sete navios.
Segundo documentos, que tenho presentes e outros que vem juntos ao relatorio da commissão, por estas pontes em 1882 foram embarcadas e desembarcadas em 1:110 dias de atracação cerca de 91:000 toneladas em peso; ora, como estas pontes comportam sete navios, segue-se que annualmente poderão dar 2:125 dias de atracação, ou descarregar e carregar perto de 200:000 toneladas.
Em regra para o nosso porto um navio não traz completamente preenchida a sua tonelagem de arqueação, se suppozermos que a tonelagem da carga representa 65 por cento da de arqueação, o que, infelizmente, é superior ao que nos dizem as poucas estatisticas, que a este rés peito possuímos, teremos que 200:000 toneladas de carga correspondem a 320:000 toneladas de arqueação, isto é, as actuaes pontes de carga e de descarga do caminho do ferro do norte e leste, que importaram em 160:000$000 réis, podem satisfazer a um máximo de 200:000 toneladas de carga, transportada em navios que representam 320:000 toneladas de arqueação.
N'estas condições, sr. presidente, as pontes equivalem a 800 metros correntes de cães acostaveis, admittindo a proporção da commissão de 1 metro corrente por 400 toneladas de arqueação; com a differença apenas de custar, segundo os calculos da mesma commissão, cada metro corrente de caes 1:350$000 réis, e a mesma extensão de caes equivalente, representada pelas pontes, 200$000 réis.
Isto corresponde em questões d'esta ordem ás paridades nas financeiras.
Vale a pena pensar n'este assumpto, sobre que passo ligeiramente. O estudo dos elementos fornecidos pelo caminho de ferro do norte e leste ácerca das suas pontes póde levar-nos a excellentes conclusões. Faço notar á camara que a sciencia do economista e do estatístico não consiste em encarreirar uma serie de algarismos silenciosos e melancholicos, mas em os obrigar a fallar, applicando-lhes intelligencia, raciocinio e muita paciencia. Appello para aquelles que têem estudado esse segredo, mil vezes peior do que o da sphinge, de uma columna de algarismos enygmaticos, a que só o tempo, o trabalho e a paciencia obrigam a desvendar o mysterio. Verdade seja, sr. presidente, que, manifestando-se, quem os estuda sente um prazer superior áquelle que certamente experimentou o grego Edipo, quando decifrou o segredo da velha sphinge.
Eis o que me cumpria dizer sobre este importante assumpto, procurando sempre resumir o meu discurso; porque não é meu intento protelar a discussão, nem demorar um só momento a resolução d'este importante assumpto. Folgarei que o porto de Lisboa possa ser dentro de alguns annos um porto commercial de primeira ordem, e folgarei mesmo em me ter enganado, e que a experiência da doca de fluctuação mostre o meu erro.
Para mim o projecto dos melhoramentos do porto é muito simples.
Um grande cães, proximamente traçado como o da commissão, exceptuando a obrigação de deixar fundos de 10 metros, o que não me parece necessario, porque podia provar a v. exa. que os maiores navios de commercio nunca chegam a ter um calado de agua de 7 metros, quando, por outro lado, construindo o caes em alinhamento, sem esta condição, póde mais tarde obter-se qualquer profundidade por meio de dragagens, relativamente faceis e baratas no nosso rio.
Alguns portos têem sido modernamente construidos por esta fórma; por exemplo, o de Glasgow, no Clyde. Este rio, de ribeiro que era no principio d'este seculo, transformou-se num bello porto accessivel aos grandes navios. E, todavia, no Clyde as dragagens ou excavações tiveram de fazer-se em fundos de rocha; no Tejo, com fundos de vasa, mais facilmente se executarão, se condições futuras trouxerem esta necessidade.
No espaço conquistado por este caes, algumas docas de abrigo para pequenas embarcações e uma de marés, com fundo de 7 a 8 metros em baixa-mares; uma avenida marginal de 50 metros de largura para ligar convenientemente os dois extremos da cidade. De Alcantara até Belem um simples aterro marginal de 50 metros de largura para prolongamento da avenida marginal.
Finalmente, em pontos convenientes, pontes, bem construidas, para carga e descarga de mercadorias.
Eis em traços geraes o systema de obras que me parece mais economico e adequado ao porto de Lisboa.
Convem evitar, quanto possivel, um grande numero de docas, que a serenidade e a segurança do estuário do Tejo dispensa, e o nosso movimento commercial não exige. Uma doca é sempre uma obra dispendiosa e insalubre. O desenvolvimento da linha de cães, que produzem, visto que interiormente por elle têem de ser guarnecidas, torna-as caras; todavia, como é obvio, o interesse do empreiteiro será exactamente de construir muitas. Emquanto á insalubridade, suppondo mesmo que não receberão as dejecções da cidade, as aguas renovadas apenas pela corrente indirecta do fluxo e do refluxo, principalmente quando frequentadas pela navegação, tornam-se sempre fetidas e paludosas. Sobre este assumpto veja-se o que diz Simonin, ácerca das do-

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cas de Londres e do Tamisa, cujas aguas são negras e pestilentas. A belleza da grande avenida marginal, que ha de crear um panorama unico no mundo, perderá tambem com numerosas docas. Todos estes elementos deve considerar e harmonisar o projecto das obras do porto.
No meu espirito levantara-se-me, pois, graves duvidas sobre se os engenheiros estrangeiros ou os empreiteiros, cuidarão de estudar o que é de nosso exclusivo interesse, ou se apenas tratarão de se enriquecer. Neste negocio vejo graves responsabilidades para o governo, que certamente as saberá salvaguardar, defendendo, como lhe cumpre, os interesses da nação.
Poucas phantasias e poucos luxos, dez ou doze pontes, satisfarão por emquanto as nossas necessidades commerciaes; 1.000:000$000 a 1.200:000$000 réis são sufficientes para as construir; o futuro dirá se é mister fazer mais, e, se o for, construir-se-hão successivamente. Já com este numero se poderá fazer face a uma arqueação de 3.200:000 ou 3.840:000 toneladas, mais do que temos actualmente.
Sobretudo que haja cautela em querer resolver com os cães, o que as pontes resolvem perfeitamente avançando até grandes profundidades de agua. Convém não perder de vista a enorme profundidade de vasa em frente de Lisboa, onde, no dizer da commissão, chega a attingir em considerável extensão 26 metros em media!
Se bem me recordo, mesmo uma cota ha de 32 ou 36 metros; n'este ponto, pois, se juntarmos a esta altura a de 10 metros de agua nos baixa-mares, indicada pela commissão, mais 4 metros de desnivel das marés nas syzygias e 2 metros para altura do caes fóra da agua, teremos uma cota total de 50 metros approximadamente!
A camara vê que estou resumindo, quanto posso, a minha exposição; não quero sair fora de um certo limite de tempo, que me tracei, aliás havia de dizer mais alguma cousa; disse, porém, o sufficiente, como devia, porque como deputado constitui-me na obrigação de trabalhar quanto posso, e assim tenho feito, (Apoiados.) em beneficio do meu paiz.
Vou, pois, agora referir-me muito prefunctoriamente á parte financeira do projecto; tem sido esta a mais discutida, e pouco ou nada ha a acrescentar ao que se tem dito.
Supponhamos, para nós figurarmos claramente a operação, que as obras custam 10.800:0005000 réis e são realisadas em dez annos, isto é, despendendo se 1.080:000$000 réis por anno.
O projecto indica, para fazer face a esta despeza, quatro origens de receita:
1.ª O excesso annual da receita do imposto de 2 por cento ad valorem sobre a importação, calculado em réis 580:000$000, sobre a despeza do porto de Leixões;
2.ª A venda de terrenos, calculada em 1.650:000$000 réis, ao empreiteiro que se obriga a tomal-os por 10$000 réis o metro quadrado, o que produz 165:000$000 réis annuaes;
3.ª A verba annual descripta no orçamento do estado de 30:000$000 réis;
4.ª O rendimento liquido das docas, na importância liquida de 500:000$000 réis annuaes.
A operação tem duas phases distinctas: na primeira o estado preenche a differença destas quatro origens para 1.080:000$000 réis, emittindo obrigações de 90$000 réis á taxa de o por cento e vendidas por 76$850 réis; n'este periodo, portanto, paga apenas o juro correspondente ás obrigações emittidas 5 na segunda phase, que abrange o periodo de nove annos, seguintes ao ultimo da construcção, paga o juro e a amortisação completa da somma total emittida no antecedente decennio.
A primeira phase póde traduzir-se no seguinte quadro, suppondo que a construcção em Lisboa começa no terceiro anno da de Leixões:

[Ver Tabela na Imagem]

Gosto de reduzir tudo a quadros, porque os phenomenos se abrangem por esta fórma muito melhor no seu conjuncto.
N'esta phase, como a obrigação de 90$0000 réis vence o juro de 4$500 réis, o capital levantado sae-nos a 5,85 por cento; na realidade

76$850:4$500::100:x=5,85

Depois, abstraindo da heterogeneidade do papel, o sr. ministro e o sr. relator estabelecendo a seguinte proporção:

5,85:100::3$000:x=51$299

concluiram que a operação equivalia a vender inscripções por 51 £300 réis, o que, estando ellas actualmente a 46$000 réis, constituo uma excellente operação.
Este raciocinio é perfeitamente exacto para os dez annos da primeira phase, e continuaria a sel-o se os portadores das obrigações tivessem a generosidade de no fim d'elles as trocarem por fundos perpétuos cotados 51,3 por cento.
Na segunda phase, porém, a divida torna-se amortisavel e num curto espaço. As circumstancias variam completara ente. Ora, n'este caso, a que é rigorosamente applicavel a formula para determinar a taxa real, eleva-se esta a importante cifra.
O sr. Barros Gomes: - Perto de 9 por cento.
O Orador: - Rigorosamente 8,785 por cento.
Foi a esta segunda phase, a que o sr. ministro e o sr. relator não attenderam, quando o deviam fazer, porque a taxa real de toda a operação manifestamente ha de estar comprehendida entre aquelles dois limites. Quem sabe, porém, se não se calculou o encargo da segunda phase para evitar a comparação com a primeira? (Apoiados.)
Todos sabem o que seja a taxa real; uma funcção, em termos mathematicos, de tres variaveis: a taxa ordinaria, o premio do desembolso, isto é, a differença entre o capital real recebido e o nominal reembolsavel, e finalmente o tempo da amortisação. As formulas para a encontrar não são effectivamente applicaveis ao caso presente; parece-me, porém, que muito approximadamente poderemos chegar a resultado muito approximado por uma simples hypothese.
Bastará admittir que nos dez annos as emissões terão de ser iguaes, o que, olhando para o meu quadro, se vê não ser muito falso; neste caso teremos dez emissões iguaes de divida differida, para cada uma das quaes facilmente se calcula a taxa real; a media das dez taxas assim encontradas será muito approximadamente a taxa real de toda a operação.
O sr. Barros Gomes: - V. exa. permitte-me uma in-

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terrupção? Exactamente o systema que s. exa. acaba de indicar foi o seguido pelo sr. Mariano de Carvalho, no seu ultimo discurso, e por esse meio chegou elle a determinar a taxa de toda a operação.
O Orador: - Peço desculpa, mas não assisti a. essa parte do discurso do sr. Mariano de Carvalho. De resto não tenho a pretensão de ter inventado cousa alguma, nem mesmo ... a polvora. (Riso.) Pela minha parte não fiz este calculo, porque condemno em absoluto a operação; prefiro mil vezes, com plena franqueza o digo, auctorisar o governo, ainda mesmo sem lhe fixar maximo de taxa, a levantar pelos meios, que tiver por convenientes, os fundos indispensaveis para satisfazer os encargos annuaes das obras. Este systema do projecto de lei, francamente, é tão delicado, tão bonito, que me parece um brimborion financeiro.
Em questões d'esta ordem sou perfeitamente conservador, não gosto de systemas novos, prefiro os conhecidos e os antigos. Uma operação financeira, em que não se póde achar a taxa real, o encargo effectivo, senão por meio de hypotheses, não me serve. Em todo o caso, o que me parece estar demonstrado e não contestado, é que similhante operação produz para o thesouro encargos superiores a qualquer outra operação vulgar e conhecida.
Alem d'isso a somma que o estado tem de pedir ao credito, é mais importante do que se pensa.
Sem discutir, agora, se o rendimento de 500:000$000 réis liquidos attribuidos ás docas é exageradissimo, como aliás me parece, apenas observarei que provindo quasi exclusivamente da doca de fluctuação, deve quasi desap-parecer com ella, se não for construída; aliás, sendo construida, admiro-me de que alguém possa imaginar que o seu rendimento cresça annual e gradualmente. (Apoiados.)
Peço licença para notar que uma doca de fluctuação com um rendimento annual crescendo gradualmente, é cousa que não comprehendo. Uma doca de fluctuação só é doca, quando está completa. (Apoiados.)
Chamo para este ponto a attenção dos engenheiros que estão n'esta casa.
Em quanto a doca não satisfazer as condições de nível constante, não satisfaz ao seu fim, nem póde ser mesmo frequentada pela navegação, e para isto é preciso que a eclusa esteja concluida; ora, este elemento é de difficillima construcção e ha de levar muito tempo a construir.
O sr. Cood, que é hoje um dos melhores engenheiros hydraulicos, diz que será preciso tambem um largo tempo para que o paredão da doca possa assentar sufficientemente e tornar-se impermeável. Verdade é que o sr. Cood usa de um systema de construcção differente do da commissão de 1883, que vae procurar o fundo de rocha a cotas enormes, uma das quaes attinge mais de 50 metros!
Para se fazer idéa clara d'esta altura empregarei um artificio, que me lembro ter visto em um livro metaphysico; porque tempo houve em que ha metaphysicos, hoje... ouço-os. (Riso.)
Quando eu, pois. e o meu velho e fraternal amigo Bernardino Machado, que me está attentamente ouvindo, liamos metaphysicos, recordo-me que num livro, de Augusto Laugel, salvo erro, procurava o auctor dar idéa de uma grandeza incommensuravel e para esse effeito empregava certos artificios e para unidade de distancia a do sol á terra. Servindo-me de idêntico expediente farei notar que a tal cota, equivale ao dobro da columna do monumento de D. Pedro IV.
Bem vejo eu os signaes negativos do illustre relator; s. exa. refere-se a uma celebre discussão... Deus nos livre d'aquella perigosa doutrina de fundar um muro em vaza, admittindo o principio de que um corpo mergulhando n'um fluido perde uma parte do seu peso igual ao peso do volume do fluido deslocado. Deus nos livre disso.
Portanto, sr. presidente, não só a doca não renderá cousa alguma ou pouco renderá nos dez annos da construcção, mas ainda o rendimento liquido fixado em 500:000$000 réis pelo sr. Aguiar é uma verdadeira phantasia.
Vou demonstrar que a doca, suppondo que deva ser construída, não póde dar o rendimento de 270:000$000 réis liquidos.
(Interrupção.)
Dará 500:000$000 réis? Em que hypothese?
O rendimento adoptado no projecto de lei foi calculado pelo sr. Aguiar na proposta apresentada o anno passado; vejamos, porém, que valor merece este computo.
O sr. Aguiar, fundou-se num documento, aliás official, que lhe proporcionou o peso bruto de todas as mercadorias em movimento commercial no porto de Lisboa e nos annos de 1865 a 1874; este documento não merece grande confiança, e os illustres empregados aduaneiros, que estão presentes, sabem a verdade do que affirmo; mas suppondo que a merece, vejâmos como se fez o calculo.
O sr. Aguiar sommou a tonelagem bruta das mercadorias importadas, exportadas, reexportadas, baldeadas e em transito no anno de 18o5, fez igual operação para 1874; a differença entre estas duas sommas representava o crescimento em dez annos, donde facilmente inferiu o crescimento medio annual; depois, nada mais simples e mais primitivo, sommou successivamente esse crescimento medio annual ao peso bruto total de 1874 e chegando a 1894 encontrou-se com 1.700:0000 toneladas brutas de mercadorias, as quaes s. exa., sem mais discussão, fez entrar todas na doca.
Isto é positivamente o que s. exa. fez,; simples mas engraçado, bem vê a camara.
E, para n'este calculo tudo ser singular, s. exa. acha 1.700:000 toneladas, mas arredonda para 1.800:000 e com ellas calcula o rendimento da doca.
Ora, se fui feliz na minha exposição, fiz, certamente, comprehender á camará, quantas correcções devia soffrer este computo; a nenhuma d'ellas attendeu s. exa., partindo do principio que tudo iria espontaneamente á doca.
Depois, s. exa. admittiu uma tarifa media de 500 réis por tonelada de mercadoria, multiplicou por 1.800:000 toneladas e achou 900:000$000 réis, que, attendendo ao rendimento das docas de concerto, etc., elevou a réis 1.000:000$000, dos quaes deduziu 500:000$000 réis para varias despezas, concluindo por se contentar com outros 500:000$000 réis liquides para rendimento das docas. Eis o calculo assas primitivo do illustre ex-ministro das obras publicas.
De resto devo dizer á camara, que a tarifa actual das pontes do caminho de ferro, é de 100 réis por tonelada.
Faça agora o illustre relator as reducções, que resultam da exposição que tenho feito á camara e verá como apenas attinge o rendimento de 270:000$000 réis, com a exagerada tarifa media de 500 réis.
Traçou-se á larga!... Se o sr. Antonio Augusto de Aguiar estivesse n'aquelle logar, eu, apesar do respeito e consideração que s. exa. merece pelo seu talento, havia de tomar-lhe serias responsabilidades pelos seus cálculos em muitos pontos do seu relatório, esmiuçando-os convenientemente; s. exa., porém, como ministro está morto e os mortos não se discutem.
As considerações financeiras do relatorio, apresentado pelo sr. Aguiar, têem pontos de contacto íntimos, na invenção e na complexidade, com o systema financeiro do projecto de lei em discussão.
São ambos imaginosos!!...
Ora a imaginação na poesia é indispensavel, na litteratura comprehende-se, mas nas questões económicas e financeiras não se admitte. (Apoiados.)
Querem o porto de Lisboa? Também eu; e realmente muito estimarei que o meu partido tenha a iniciativa principal desta grande obra, e que a respectiva lei seja referendada pelo actual sr. ministro das obras publicas.
Realmente s. exa. tem assignado tantas, que têem con-

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tribuido para o desenvolvimento material e politico do paiz, que esta naturalmente lhe compete tambem. (Muitos apoiados.)
Effectivamente o sr. Fontes tem tres ou quatro leis de grande alcance politico, umas assignadas por s. exa. como ministro, outras da sua responsabilidade, porque s. exa. na presidencia do conselho compartilha a dos ministros que as referendaram.
A iniciativa de s. exa. não se tem limitado ao simples desenvolvimento material do paiz, mas produziu leis liberaes, que têem concorrido para o seu desenvolvimento moral e politico. (Muitos apoiados.}
Como s. exa., pois, quero tambem as obras do porto de Lisboa, mas quero-as bem estudadas e economicamente feitas; concordando, portanto com s. exa. em principio, discordo nas disposições do projecto de lei; oxalá que a minha exposição levasse a convicção ao espirito do nobre ministro.
Discordo da operação financeira em geral, porque realmente não lhe attribuo a menor vantagem, nem lhe descortino qualquer superioridade, antes pelo contrario a julgo onerosa para o thesouro, e ha n'ella um elemento, que me parece constituir uma pessima invenção.
Refiro-me ao syndicato que, mediante a commissão de 31/2 por cento, ha de guardar em carteira as obrigações emittidas; esta creação acho-a má e realmente é ella, que contribuo poderosamente para tornar pesados os encargos.
A unica rasão que defende o syndicato tenho-a por pouco importante; o fim a que elle mira parece-me não ser salvaguardado e garantido no projecto de lei.
É o receio de influir na cotação dos nossos fundos, que nos obriga a este expediente? Arreceiam-se das variações do credito?
Sr. presidente, este medo de einittir em dez annos réis 5.000:000$000, isto é, em media 500:000$000 réis por anno, parece-me infundado. Comprehendia-se esta duvida com um orçamento equilibrado; então poderia ser grave tocar levemente na virgindade do nosso credito, e lançar no mercado papel novo, ainda que, como esto, estivesse garantido pelos rendimentos das obras e se referisse a melhoramentos, que todos reconhecem como sendo dos mais importantes e productivos do paiz.
Mas nas presentes circumstancias e n'aquellas que muito naturalmente se darão nos armes próximos já, da construcção do porto, quando infelizmente, os desequilíbrios, orcameutacs subsistem, e subsistirão, e para lhes obviar será preciso recorrer ao credito, pedindo-lhe sommas não inferiores nesse período a 20.000:000$000 réis, não percebo bem, nem attinjo os motivos do receio do governo, principalmente quando a somma, relativamente pequena, será caucionada e se refere a obras, que no dizer do sr. relator e na minha opinião, devem, quando iniciadas, fortalecer e augmentar o nosso credito nacional.
Se o syndicato quizesse n'esse periodo guardar em carteira todo o papel que emittirmos, ainda vá ... mas só o do porto de Lisboa, porque esse é que ha-de ferir o nosso credito, não se comprehende bem.
Sr. presidente, detesto certos intermediarios em questões de credito publico; geralmente negoceiam com o credito nacional e não com o seu próprio. O paiz empresta-lhe a sua grande força, e elles ainda se fazem pagar por este emprestimo!
Depois estará garantido no projecto o fim do syndicato? Não está. As rasões apresentadas pelos srs. Barros Gomes e Marianno de Carvalho são de todo o ponto verdadeiras, mas ha mais ainda. Segundo o projecto o syndicato não poderá collocar o seu papel em Londres, em Paris e em Lisboa; a disposição é taxativa, o que para o caso presente tem inconvenientes.
Ora, as praças commerciaes e financeiras são muitas, e todas ligadas por transacções activissimas e constantes; o syndicato poderá talvez collocar, e muito legalmente, o seu papel em qualquer das que não foram excluidas, em Hamburgo, por exemplo; esse papel entrará no curso regular das transacções e nós não teremos conseguido o que se desejava.
Mais ainda, pergunto eu: se o movimento activo e extenso das transacções modernas levar esse papel para as praças excluídas na lei, será por esse facto responsável o syndicato? E sendo o, qual é a penalidade que lhe póde ser imposta, ou a responsabilidade que lhe póde ser tomada? Nenhuma.
Sr. presidente, o nosso credito, segundo penso, não deve arreceiar-se d'aquillo que economicamente gastarmos em obras de fomento nacional, mais se deve elle temer da nossa falta de energia em extinguirmos o deficit ordinario. De uma operação aliás pequena, garantida pelo rendimento importante de uma das maiores obras nacionaes, não se deve esperar influencia perniciosa sobre os nossos fundos. Por isso a minha ultima proposta mira a dar plena liberdade ao governo para levantar as sommas necessarias para a construcção.
O empreiteiro trabalha e é pago em metal: deixemo-nos d'esses artificios de obrigações de divida differida tomadas a 80$000 réis pelo empreiteiro e negociadas a 76$850 réis pelo syndicato; artificios que tornam a operação obscura nos seus resultados, indiscutivelmente cara, e envolvem ainda, e principalmente, o gravissimo inconveniente de difficultar a livre concorrencia dos empreiteiros.
A clausula da compra, na rasão de 10$000 réis por metro quadrado, pelo empreiteiro de metade da superficie disponivel conquistada ao despacho acho-a boa. Ouvi todavia engrandecel-a de mais; é boa mas não nos illudamos com ella, dá tambem importantes vantagens ao empreiteiro. Os terrenos, que vão ser conquistados, terão differentes valores; conforme a sua situação tal metro valerá 4$000 réis, e tal valerá 12$000 réis, 15$000 réis e mais, conforme a posição.
Se o empreiteiro ficasse com todo o terreno conquistado, na rasão de 10$000 réis o metro, a transacção seria magnifica, mas ficando apenas com metade, e com a Uberdade de escolha, não é provavel que tenha a abnegação de ir procurar os terrenos mais baratos. Escolherá aquelles que estão em condições de ser vendidos immediatamente por grande preço; ficará com a parte melhor e nós com a peior.
E, todavia, esta clausula não é desvantajosa. Pelo contrario.
Se ficarmos com grande quantidade de terreno para vender, levaremos muitos annos para o conseguir. O empreiteiro ha de evitar isto, procurando por todas as fórmas utilisar os seus terrenos em seu próprio benefício e portanto com vantagem para a cidade.
A iniciativa dos interessados não poderá ser por fórma alguma substituida n'este caso pelo estado. Na mão do empreiteiro o terreno ha de vender-se rapidamente, ou ser por elle applicado; nas mãos do estado, passar-se-iam largos annos em que ficaria perfeitamente inutil. Todos sabem o tempo considerável, que tem levado a aproveitar e vender meia duzia de hectares no Aterro.
Só o sr. Aguiar se lembraria de numa cidade como Lisboa, atirar com 60 hectares de terreno á concorrência dos compradores, ao preço de 60:000$000 réis o hectare, esperando realisar em dez annos 3.600:000$000 réis, com que s. exa. imaginava fazer em parte face á construcção do porto de Lisboa!
Não tratemos, porém, d'este assumpto; a proposta de lei do sr. Aguiar era, a meu ver, peior do que esta, mas pôde, felizmente, dizer-se-lhe o requiescat-in-pace.
Antes de terminar chamo a attenção do illustre relator para uma condição d'este projecto.
Diz-se no § 2.° que o empreiteiro será obrigado ao deposito do valor real de 540:000$000 réis em inscripções ou papeis de credito; e mais abaixo determina-se que este

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deposito lhe seja successivamente entregue, á medida que as obras forem executadas e na rasão de 5 por cento por anno, pelo valor do mercado.
Ora como este valor póde variar podemos agora receber inscripções a 45, para as entregar mais tarde a 50.
Eis o que diz o paragrapho:
«O governo publicará o caderno de encargos e o programma do concurso, ao qual ninguém poderá ser admittido sem que tenha depositado na caixa geral de depósitos títulos de divida publica portugueza, interna ou externa, no valor real de 540:000$000 réis. Estes títulos serão restituidos successivamente pelo seu valor no mercado, á proporção que as differentes obras forem postas em serviço na rasão de 5 por cento do valor das ditas.»
Ora eu entendo isto d'esta fórma: os fundos actualmente estrio a 45; o empreiteiro entrará com tantas inscripções a 45, quantas forem necessarias para prefazer 540:000$000 réis; quando, porém, começar a levantar o seu deposito, nos termos do paragrapho citado, hão destas ser-lhe pagas pelo valor do mercado, por 50 se estiverem a este preço.
O sr. Carrilho: - E se descerem?
O Orador: - A probabilidade é que subam. Depois o illustre deputado bem sabe que estes contratos não devem ser um jogo, em que possa lucrar ou perder o empreiteiro.
(Interrupções.)
Todos nós sabemos o que assignâmos quando assignamos os projectos de lei, está claro!
Não me refiro de fórma nenhuma a erros voluntarios, mas a lapsos. Não vale a pena que os illustres deputados tratem com tanto rigor, quem apresenta tão delicadamente as suas opiniões.
Digam o que quizerem, indignem-se commigo, é o mesmo. O que está aqui, é o que acabo de dizer. O empreiteiro entrega titulos pelo valor do mercado, que actualmente está baixo, e recebe os por uma cotação mais elevada, segundo todas as probabilidades. Daqui não ha fugir.
Se o espirito do legislador não era este, como realmente não devia ser, esta é a letra que ficará na lei, se não a emendarmos, como julgo indispensavel.
Seja como for, toquei n'este ponto para chamar para elle a attenção da camará; cumpri o meu dever, ella fará o que entender.
Peço desculpa de ter tomado por tanto tempo a benevola attenção da camara; fiz, todavia, quanto pude para encurtar a minha exposição, que dou por terminada, não porque a matéria falte o a questão não possa, e não deva, ser estudada ainda sob outros aspectos, mas porque está muito adiantada a hora da sessão nocturna.
O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho:
1.º Que na lei se declare explicitamente a fórma por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento, que deve constituir a base do concurso;
2.º Que o governo, fazendo estudar bem a questão económica, adopte o systema de obras menos despendioso e o mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa e mande elaborar nessa conformidade o projecto e o orçamento respectivo;
3.º Que sejam eliminadas da proposta de lei as disposições dos §§ 4.°, 5.°, G.° e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do § 9.°
Lisboa, 2 do julho de 1885. = Fuschini.
Foi admittida.

O sr. Avellar Machado: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto.
Consultada a camara decidiu afirmativamente.
O sr. Elias Garcia: - Poucas palavras direi, sr. presidente. O requerimento que acaba de votar-se, obrigar-me-hia a restringir-me, se, ainda mesmo que elle se não votasse, eu não estivesse disposto a occupar por pouco tempo a attenção da camara.
Todas as vezes que se discutiu a resposta ao discurso da corna, porque entre os assumptos de que o governo se propunha occupar a camara fora esquecido o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, lamentei o facto e manifestei o meu sentimento perante esta camara. Por que o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, ao estar quasi a ser apresentado ao debate da camara, foi arredado da discussão, eu tambem manifestei sentimento por esse facto; e até mesmo ha dois annos ao discutir-se nesta casa a lei de meios, nessa occasião, apesar de não muito propria, eu aproveitei-a pedindo, solicitando e instando o sr. ministro das obras publicas de então, o sr. António Augusto de Aguiar, para que a verba consignada no orçamento para melhoramentos do porto de Lisboa fosse duplicada. Não assentiu elle nem assentiu a camará, e eu só senti que o não fizessem.
N'esta situação e tendo procedido assim, eu posso declarar á camara que voto o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa. (Apoiados.)
Votei aqui, com grandíssima satisfação, o projecto da illuminação das nossas costas, e votei-o, dizendo então - e posso repetil-o hoje - para que não acontecesse que essas grandes correntes de navegação, às quaes acabou ainda ha pouco de se referir o illustre orador que me precedeu, passarem por esta facha negra, que corresponde exactamente ao nosso paiz, não dissesse alguém cousa desagradável a nosso respeito.
Voto tambem os melhoramentos do porto de Lisboa para que não aconteça o que ainda ha pouco aconteceu a um dos nossos compatriotas de alem-mar, homem illustrado o intelligente, que vindo a Lisboa, depois de ter corrido a Europa, chegou aqui e disse com sentimento e pesar:
«Logo percebi que estava em terra portugueza, porque não encontrei cães!»
Voto o projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa porque tenho a convicção de que esta obra ha de ser compensadora de todos os sacrificios que fizermos.
Quanto nos tem custado o atrazo e a ignorancia, creio bem que o sabemos todos.
No movimento que impelle todos os povos e a que todas as nações não podem deixar de obedecer, a palma da victoria não pertencerá de certo aos descrentes e aos tímidos, senão aos pertinazes, aos que confiarem no trabalho, aos que o despenderem, olhando para o dia de hontem para d'elle tomarem lição, para o dia de hoje para o aproveitarem, e para o dia de amanhã, guiados pela sciencia dos nossos tempos, que é abençoada em todos os logares da terra pelos prodigios que opera, sem que as suas maravilhas perturbem o desvairem os espíritos como os milagres, mas affirmem o vigor do cérebro humano, e o estimulem para novos emprehendimentos. (Apoiados.)
A hora está muito adiantada, o debate tem sido encarado sob diversos aspectos, e eu não tenho faculdades nem força para o seguir como desejava e por isso não me demorarei em considerações sobre o assumpto no que se refere á parte technica, porque nem o logar, nem as circumstancias permittem que eu me occupe do projecto sobre o ponto de vista technico de engenheria.
Simplesmente posso dizer que desejo que os poderes do estado, quando hajam de adoptar o projecto definitivo, se inspirem na opinião das pessoas e das estações competentes, e que se inspirem nessas opiniões, quer pelo concerto dos pareceres que ahi se manifeste, quer pela contradicta, porque a contradicta contribuo muito para esclarecer os espíritos dos que administram superiormente.
Folgarei muito que o governo, na resolução technica da questão proceda d'este modo e possa seguir e adoptar mui-

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tos dos conselhos, muitas das lições e muitas das indicações que acabaram, ha pouco de ser feitas pelo illustre collega que me precedeu n'este logar.
Folguei que elle aqui viesse indicar os meios que eram absolutamente indispensaveis para se chegar a uma solução positiva e pratica, sentindo só que este mesmo cavalheiro, o digo isto sem vislumbre de censura, ainda ha pouco tempo em outro debate se achasse tão embaraçado para nos dizer qual a linha de circumvallação em torno de Lisboa, como se não houvesse tempo para resolver esse problema, (Apoiados.) e, comtudo, caísse n'uma contradição flagrantissima inserindo uma disposição na lei, em virtude da qual ha de ser feito o trabalho em menos de oito dias.
Não basta prégar as doutrinas, é preciso seguil-as e adoptal-as.
É indispensavel seguir o conselho deste nosso illustre collega, em muitos outros pontos que elle apontou e muitíssimo bem, ao descrever-nos, em uma palestra agradavel, o papel que representavam nas diversas nações os seus portos, e a tendência que tinham os engenheiros, estrangeiros e nacionaes, de transplantar exactamente o que encontravam feito n'outras nações, para o proprio paiz, querendo assim dizer que era necessario evitar que se copiasse exactamente para cá o que havia lá fóra.
S. exa. fallava assim, por causa dos receios que o assaltavam com respeito á bacia de fluctuação, que não faz objecto do debate, porque está posta de parte no projecto; direi, todavia, que as observações de s. exa., relativamente á necessidade de evitar que se copie para cá o que existe lá fóra são perfeitamente justas e rasoaveis.
Eu já conhecia o conselho dado por uma forma elegante por um engenheiro distinctissimo. Referia-se a uma pratica da antiga engenheria, quando se tratava, por exemplo, de construir as pontes ou de determinar a vasão d'ellas.
Recommendava a antiga engenheria que para construir uma ponte se medisse a vasão de uma já previamente construida.
O engenheiro a quem me refiro, pondo em relevo este modo de copiar o que já existia, dizia de uma maneira elegante que tal regra equivalia a fazer uma obra, como quem mandasse fazer uma casaca ao alfaiate, dizendo-lhe que tomasse medida no corpo do vizinho, porque era a maneira de assentar melhor. (Riso.)
Já se vê, pois, que o conselho do meu illustre collega merece toda a attenção.
Não quero demorar-me na questão technica; nem quero occupar a attenção da camara com a questão financeira.
Já aqui pleitearam os homens competentes sobre qual era o maximo e o minimo dos encargos originado por estas obras.
O que me parece é que n'este conselho de geometras, (Riso.) e de mathematicos já se chegou a determinar qual era o maximo do sacrificio.
Tambem soubemos de fonte insuspeita que esse sacrificio maximo era o mais suave, o mais doce que podiamos na actual conjunctura alcançar; que não podiamos ter um encargo menor do que este, tal era a situação em que nos encontravamos.
Parece-me que, se não nos devemos alegrar, tambem não devemos desanimar.
Tenho visto muitas vezes que é exactamente nos momentos em que as nações atravessam os transes mais dolorosos, e passam as horas mais amargas, que ellas encontram a inspiração que lhes permitte saírem de todas as difficuldades, resgatarem todas as faltas commettidas pelo adormecimento, e, orientando os esforços que até então foram mal dirigidos, recuperarem todo o tempo perdido.
Talvez isto nos sirva de lição. Não me demoro pois n'estes dois pontos; ponho-os de parte.
Cinjo-me ao projecto, e vou ver se comprehendo o que elle é; e, se consigo ver dissipadas todas as duvidas, porque no caso de se dar o devido esclarecimento, o meu espirito ficará completamente descansado.
Eu supponho que por este projecto se trata de fazer uma obra, e que na construcção dessa obra se recorre a um processo differente d'aquelle a que se tem recorrido até aqui para a construcção de outras obras.
No modo e fórma de executar esta obra não só se considera o constructor, como empreiteiro, como emprezario, mas ao mesmo tempo liga-se, entrelaça-se com a execução da obra uma operação financeira.
Quer dizer, affigura-se-me que o trabalho ha de ser feito por, conta do governo, que a obra se faz unicamente por administração.
Não se trata de uma empreza que envolva a construcção e a exploração. Essa maneira está posta de parte.
O governo é que faz a obra. Mas ha diversos processos de construir.
Aqui trata-se de adjudicar em concurso a execução do projecto.
N'este ponto não posso deixar de estar de accordo com o que disse ha pouco o orador precedente.
Um concurso não póde ser facilmente resolvido sem que os pretendentes chamados á praça conheçam o projecto da obra, e as condições em que deve ser executada, havendo simplesmente uma variante, para em torno d'ella se debatam os concorrentes na defeza do interesse que buscam, e que ninguém lhes pude contestar.
Ha, portanto, a fazer um projecto definitivo, e é o estado que o faz, que o apresenta depois de o adoptar.
Sobre esse projecto abre-se concurso, estabelecendo ao mesmo tempo as condições em que a obra ha de ser feita e o pagamento d'essa obra.
Este systema pode ser de encargos pesados agora, mas o maximo d'elles já está marcado; e não sou contrario ao systema, porque entendo já ha muito tempo que é preciso fazer uma tranformação no modo de executar as obras, e que em vez de nos dirigirmos aos empreiteiros por um lado, e aos capitalistas por outro lado, conviria diligenciar reunil-os, para que nos possamos entender só com um, sem haver necessidade de nos entendermos com os dois.
Pelo artigo 1.° entendo que o concurso ha de ser feito sobre um projecto definitivamente approvado. Porque é grande o meu desejo de ver realisadas as obras do porto de Lisboa, se por acaso a adjudicação falhar, entendo que se devem executar as obras por outro qualquer modo, e por isso analogamente ao additamento do sr. Mariano de Carvalho, proponho que o § 10.° seja redigido do seguinte modo:
«§ 10.° No caso de não se verificar a adjudicação, nos termos do artigo e paragraphos anteriores, o governo procederá á execução das obras, na conformidade do projecto definitivo, e por forma que comece por attender às mais urgentes, dentro dos limites que lhe permittirem os recursos designados em a, b, c, d, do § 5.º»
Tambem não tenho duvida em dar o meu voto á proposta do sr. Mariano de Carvalho, indicando que a amortisação pode ser feita em vinte e cinco annos, como se diz no contrato do sr. Hersent.
Ha um ponto para o qual devo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas.
Este projecto termina por dizer:
«O governo organisará as tarifas, taxas e tabeliãs respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, fará os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás côrtes da importância e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas.»
Note a camara que na proposta apresentada pelo sr. Antonio Augusto de Aguiar, e relatada pelas commissões de fazenda e de obras publicas se dizia que «o governo proporia opportunamente ás côrtes as taxas e tabeliãs de di-

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reitos a que ficarão sujeitas as embarcações que derem entrada no porto de Lisboa.»
Effectivamente é mais corrente que as côrtes façam isto, e por isso proponho o seguinte: «§ 11.° O governo proporá ás côrtes as tarifas, taxas e tabeliãs respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás côrtes da importância e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas.»
Ha outro ponto para o qual não posso deixar de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas.
Aqui falla-se nos terrenos acrescidos ao Tejo em frente de Lisboa, o que corresponde ao que antigamente se chamava a marinha de Lisboa,
V. exa. sabe que é de longa data reconhecido, não só pela nossa legislação antiga, mas pela legislação moderna, que os acrescidos das marinhas de Lisboa pertencem á camara municipal d'esta cidade.
Lembrarei só ao sr. ministro que na carta de lei que approvou o contrato para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Cintra se dizia no artigo 2.° o seguinte:
«Art. 2.° Todas as questões que por qualquer meio ou fundamento possam mover-se ácerca dos terrenos, de que se trata no artigo 63.° do contrato approvado por esta lei, serão deduzidas exclusivamente contra o estado; e em nenhum caso contra a empreza, sendo nullos os processos que contra esta se intentarem ácerca dos ditos terrenos.
«§ unico. As sobreditas questões não poderão por qualquer modo, e em caso algum, embaraçar as obras que se estiverem fazendo, ou tenham de fazer-se, nos mencionados terrenos.»
E o artigo 23.° estatuia o seguinte:
«Art. 23.° Em compensação das obrigações que a empreza toma sobre si por este contrato, faz o governo á mesma empreza cessão, trespasse perpetuo e irrevogavel, de todo o direito e acção, domínio e posse que o estado tem sobre os terrenos, que por ella forem conquistados ao Tejo, em virtude dos trabalhos que executar, comprehendidos entre o muro do cães e o extremo das propriedades confinantes com o rio.»
Declara-se, porém:
«1.º Que ficam inteiramente salvos e serão religiosamente respeitados todos os direitos dos respectivos proprietarios, e especialmente as suas servidões de communicação com o rio.
«2.º Que quaesquer expropriações que possam ser necessárias para a execução do caminho de ferro, do cães e da doca, com todas as obras accessorias ou dependentes de qualquer d'estas construcções, conforme já se menciona nos artigos precedentes d'este contrato, ficam a cargo da empreza, e serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes como especiaes dos caminhos de ferro, devendo intervir o ministerio publico para auxiliar a empreza em nome do interesse geral, e nos termos das leis em vigor, quando essa intervenção for por ella requisitada.
«3.° Que não se comprehendem na cessão feita por este artigo os terrenos destinados para ruas, os quaes pertencerão ao dominio publico, e igualmente se não comprehendem os que forem applicados para as obras que a empreza póde ser obrigada a construir nos termos deste contrato, a fim de estabelecer a livre communicação do publico com o rio.
«§ unico. Para assegurar bem á empreza e lhe pôr a salvo de qualquer questão futura os direitos que lhe são concedidos por este artigo, fará o governo proceder immediatamente pelos seus engenheiros, de accordo com a empreza, ao levantamento da planta e demarcação dos terrenos de alluvião que se têem successivamente formado até hoje pela acção natural das aguas, a ponto de lhes estarem superiores nas varias cheias regulares, de modo que separe bem distinctamente estes terrenos, que podem estar já expropriados, d'aquell'outros que hão de ser conquistados ao Tejo, e creados pelas obras que a empreza executar, os quaes por este contrato lhe são cedidos e garantidos.»
N'esta condição 23.ª, como se vê, dizia-se como devia proceder-se n'aquella occasião para se conhecer bem onde começavam as novas conquistas sobre o rio, porque já podiam estar feitas algumas, e na actualidade essas conquistas são maiores do que eram então. Em algumas partes do Tejo têem sido feitas em grande extensão, por exemplo, nas proximidades do caneiro de Alcantara.
Parecia-me por consequencia bem, e não digo que a camara municipal possa fazer valer esse direito para embaraçar os melhoramentos do porto de Lisboa, e apesar de não fallar aqui como vereador creio que todos os membros da camara municipal se interessam por estes melhoramentos assim como os munícipes de Lisboa, e que darão de boa vontade o que for preciso para esses melhoramentos, mas o que me parecia bem, repito, é que se resalvasse este direito, embora haja quem diga ser perfeitamente theorico, para que em qualquer occasião não se dissesse que á camara municipal de Lisboa foram tirados direitos sem que ao menos houvesse uma voz que os defendesse. Este é o meu intento.
Já em differentes occasiões disse aqui que o municipio de Lisboa se tem encontrado em relação ao estado em condições dolorosas, e não me parece que o estado, que ainda ha pouco manifestou desejos de auxilial-o, possa agora dispor d'esses acrescidos sem ao menos ter o assentimento do municipio com o qual podia contar.
Por isso eu proponho que se addicione um artigo ou paragrapho assim redigido:
«Ficam inteiramente salvos e serão respeitados todos os direitos dos respectivos proprietarios, com relação aos terrenos designados em a no § 5.º»
São estas as considerações que tenho a fazer. Estimaria muito que os melhoramentos do porto de Lisboa se fizessem, não só com o meu voto, mas com o voto de toda a camara, de todos que se interessam por esta obra; e que ao mesmo tempo todos manifestassem a opinião de que não a podendo executar por esta fórma, se executasse de modo que se aproveitassem todos os recursos que temos; mas que não se desse voto tão pleno ao governo como está no § 10.º, e que alem disso se resalvasse o direito da camara municipal aos acrescidos, porque é antigo o direito da camara municipal de Lisboa às conquistas ao Tejo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho:
1.º Que depois do § 9.° seja inserido o seguinte: § 10.° No caso de não se verificar a adjudicação nos termos do artigo e paragraphos anteriores, o governo procederá á execução das obras na conformidade do projecto definitivo, e por forma que comece por attender ás mais urgentes, dentro do limite que lhe permittirem os recursos designados em a, b, c e d do § 5.°;
2.º Que o § 10.° passe a § 11.° e seja assim redigido:
§ 11.º O governo proporá ás côrtes as tarifas, taxas e tabellas respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás côrtes da importancia e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas;
3.º Que se addicione um artigo ou paragrapho assim redigido:
Ficam inteiramente salvos e serão respeitados todos os

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SESSÃO NOCTURNA DE 2 DE JULHO DE 1885 2835

direitos dos respectivos proprietarios, com relação aos terrenos designados em a no § 5.°
Camara, 2 de julho de 1885. = J. E. Garcia.
Foi admittida.

O sr. Francisco Beirão: - Tinha-me preparado para entrar na discussão de um projecto tão importante como este, e propunha-me, antes de tudo, mostrar que elle; está diametralmente, em opposição com todos os princípios, da politica financeira que o sr. presidente do conselho, ao entrar no actual ministerio, declarou querer seguir. (Apoiados.)
Quando vejo, porém, que, faltando meia hora para a meia noite, se levanta um deputado da maioria e requer que se prorogue a sessão até se votar o projecto, apesar de ainda se acharem inscriptos deputados da opposição, (Apoiados.) e depois do sr. presidente do conselho ter provocado um dos membros mais distinctos da minoria progressista, que se viu, assim, obrigado, a pedir a palavra para lhe responder; (Muitos apoiados.) convenço-me que se quer levar de afogadilho (Muitos apoiados) um projecto com que se vão gastar 10.800:000$000 réis! Faltava para se encerrar a sessão, segundo a praxe, apenas meia hora. (Apoiados.) Eu não ma atrevo, pois, a fazer as considerações que tinha a apresentar; seria dilatar a sessão até fora da hora, cansar a camara e fatigar me sem proveito, e por isso limito me a declarar em meu nome, e no da opposição progressista. - porque estou auctorisado para o fazer, - que nos retirámos; (Muitos apoiados.) e protestâmos - não diante do publico, porque apesar da importancia attribuida a este projecto, as galerias estão desertas, mas diante do paiz, que amanhã ha de ter conhecimento deste facto. (Muitos apoiados.) E, com tanta mais confiança, nos abalançâmos a proceder assim, quanto temos a convicção de que este protesto ha de ter mais importância do que os nossos discursos.
Protesto, pois, contra mais um acto, que não é senão a continuação, ou do systema, inaugurado e seguido pelo actual governo, ou da tendência, que parece, lhe é natural, de desprestigiar por todas as maneiras o systema parlamentar. (Muitos apoiados.)
O meu voto era fundamentalmente contrario ao projecto; tinha tenção do o desenvolver; mas desde que se me concedeu do tempo ordinário da sessão só dez minutos, limito-me a lavrar, contra o que se está passando, em nome . da opposição progressista, um protesto solemne perante o paiz retiro-me.
(O orador saíu da sala, acompanhado pelos srs. deputados da opposição progressista.)
O sr. Carrilho: - Em virtude da declaração do sr. Beirão de que não discutia o projecto, nada tenho que lhe responder (Muitos apoiados.) e portanto desisto da palavra. (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Carlos Lobo d'Avila.
Vozes: - Não está presente.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Barros Gomes.
Vozes: - Também não está presente.
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.
Vae votar-se o projecto.
O sr. Costa Pinto: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer votação nominal sobre o projecto. (Muitos apoiados.)
Assim se resolveu.
Deu-se conta da ultima redacção do projecto n.º 109.
O sr. Pereira dos Santos: - Por parte da commissão declaro que acceito as propostas do sr. Mariano de Carvalho, e acceito a idéa das propostas do sr. Elias Garcia, redigidas nos termos da proposta que mando para a mesa.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Art... Todas as questões quê por qualquer meio ou fundamento possam promover-se ácerca dos terrenos de que se trata no artigo 23.°, serão decididas exclusivamente contra o estado.
§ unico. As sobreditas questões não poderão por qualquer modo ou em caso algum embaraçar as obras que se estiverem fazendo ou tenham de fazer-se nos indicados terrenos. = Pereira dos Santos.
Admittida.
O sr. Presidente: - Vae ler-se para se votar a moção do sr. Barros Gomes.
Leu-se. É a seguinte:

Moção de ordem

A camara entende que nas actuaes condições do thesouro, quando annualmente se recorre ao credito por quantias superiores a 8.000:000$000 réis, não é opportuno emprehender obras cujo custo se eleva a mais de 10.000:000$000 réis, particularmente se para isso é mister realisar operações de credito, importando um encargo real de juro de mais de 71/2 por cento, equivalente ao preço das inscripções de 40 por cento.
Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = H. de Barros Gomes.
Posta á votação, foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Seguem-se as duas propostas do sr. Mariano de Carvalho.
Leu-se a primeira. É a seguinte:

Proposta

Proponho que no § 7.° se diga:
... serão amortisadas dentro do praso de quinze annos a contar do decimo primeiro anno depois do começo da execução do contrato. = Marianno de Carvalho.
Foi approvada, salva a redacção.
Leu-se a segunda. É a seguinte:

Proposta

§ 10.º Não apparecendo concorrente no concurso aberto nos termos do artigo antecedente, é o governo auctorisado a proceder á construccão da 1.ª secção das obras dos melhoramentos do porto de Lisboa, começando pelas mais necessárias e urgentes e adjudicando por empreitada geral a construcção de cada obra, comtanto que o despendio annual não exceda a quantia resultante da somma das seguintes verbas:
1.ª Producto disponivel do imposto de 2 por cento ad valorem;
2.ª Quantia de 30:000$000 réis destinada no orçamento aos melhoramentos do porto de Lisboa;
3.ª Producto da venda de terrenos conquistados e da exploração das obras feitas.
§ 11.º o § 10.º do projecto. = Marianno de Carvalho.
Approvada, salva a redacção.

O sr. Presidente: - Ha agora uma proposta do sr. Fuschini. Vae ler-se.
É a seguinte:

Proposta

Proponho:
1.º Que na lei se declare explicitamente a forma por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento, que deve constituir a base do concurso;
2.º Que o governo, fazendo estudar bem a questão economica, adopte o systema de obras menos despendioso e o mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa e mande elaborar nessa conformidade o projecto e o orçamento respectivo;
3.º Que sejam eliminadas da proposta de lei as disposi-

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ções dos §§ 4.º, 5.º, 6.º e 7.º, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado lixar, admittida a condição do § 9.º
Lisboa, 2 de julho de 1885. = Fuschini.
Posta á votação, foi rejeitada.
Leu-se por ultimo a seguinte

Proposta

Proponho:
1.º Que depois do § 9.º seja inserido o seguinte:
§ 10.º No caso de não se verificar a adjudicação nos termos do artigo e paragraphos anteriores, o governo procederá á execução das obras na conformidade do projecto definitivo, e por forma que comece por attender ás mais urgentes, dentro do limite que lhe permittirem os recursos designados em a, b, c e d do § 5.º;
2.º Que o § 10.° passe a § 11.° e seja assim redigido:
§ 11.º O governo proporá às côrtes as tarifas, taxas e tabeliãs respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, os regulamentos competentes e dará conta annualmente ás côrtes da importancia e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas;
3.º Que se addicione um artigo ou paragrapho assim redigido:
Ficam inteiramente salvos e serão respeitados todos os direitos dos respectivos proprietarios, com relação aos terrenos designados em a no § 5.°
Camara, 2 de julho de 1885. = J. E. Garcia.
O sr. Presidente: - Ao numero 3.° desta proposta, offereceu o sr. relator uma modificação que vae ler-se.
É a seguinte

Proposta

Art... Todas as questões que por qualquer meio ou fundamento possam promover-se ácerca dos terrenos de que se trata no artigo 23.°, serão decididas exclusivamente contra o estado.
§ unico. As sobreditas questões não poderão por qualquer modo ou em caso algum embaraçar as obras que se estiverem fazendo ou tenham de fazer-se nos indicados terrenos. = Pereira dos Santos.
Posta á votação a proposta do sr. Elias Garcia foi approvada com a modificação do sr. relator e na parte em que não está prejudicada pela segunda proposta, já approvada, do sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Presidente: - Passa-se á votação do projecto.
Leu-se e feita a chamada:
Disseram approvo os srs.: Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, Antonio Joaquim da Fonseca, Ávila, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Pereira Carrilho, Santos Viegas, Athayde Pavão, Pinto de Magalhães, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Fuschini, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos du Bocage, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Ernesto Pinto Basto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão Castello Branco, Sousa Machado, Germano de Sequeira, J. J. Alves, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, José Borges, Elias Garcia, José Frederico, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Santos Diniz, Pedro Roberto, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Visconde das Laranjeiras (Manuel), Consiglieri Pedroso, Ferreira de Mesquita, Mouta e Vasconcellos, Luiz Bivar.
O sr. Presidente: - Ficou portanto o projecto approvado por 73 votos, salvas as emendas.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa, por parte do sr. Tito de Carvalho, que saiu incommodado, a seguinte

Declaração

Declaro, por parte do sr. Tito de Carvalho, que s. exa. teria votado a favor do projecto se estivesse presente. = A. Carrilho.

O sr. Mouta e Vasconcellos: - O sr. visconde de Reguengos, tendo de sair da sala por motivo urgente, encarregou-me de declarar que votaria a favor do projecto, se estivesse presente.
Para a acta.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a que foi dada na sessão diurna, começando-se pela convenção feita entre Portugal e a republica da Africa meridional.

Está levantada a sessão.

Era meia noite e vinte minutos.

Redactor. = S. Rego.

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