O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2873

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre

Secretarios-os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Segunda leitura e admissão de um projecto de lei do sr. Sousa e Silva. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Lencastre, Elvino de Brito e Sousa e Silva. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Santos Viegas, Melicio e Tito de Carvalho.- Justificação de faltas do sr. Manuel Aralla.- Parecer da commissão do ultramar apresentado pelo sr. A. J. da Fonseca. - Resolve-se que seja publicada no Diario do Governo a representação contra o monopolio do fabrico dos phosphoros.- O sr. Santos Viegas refere-se á situação precaria dos enfermeiros do hospital de S. José e pede a publicação do relatório da commissão que foi a Hespanha estudar o systema de innoculações contra o cholera. - Informação do sr. presidente. - O sr. Miguel Dantas dá conhecimento de um telegramma de agradecimento ao governo pelas medidas adoptadas sobre a pesca no rio Minho. - O sr. Elvino de Brito insta pela remessa dos documentos que pediu, relativos ao caminho de ferro de Mormugão. - Resolve--se que seja publicada no Diario do governo uma representação dos povos de Salsete, apresentada pelo sr. Elvino de Brito. - Responde a este sr. deputado o sr. ministro da marinha.
Na ordem do dia continua em discussão o artigo 1.° do projecto de lei n.°,37 (nomeação dos chancelleres dos consulados e fixação dos seus ordenados). - E combatido pelo sr. Elvino de Brito, que apresenta duas propostas. - Dá-se conta da ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 32, 94 e 153, e é approvada a ultima redacção do projecto n.º 89, conforme a proposta que o substituiu, apresentada pelo sr. Bocage. - Responde ao sr. Elvino o sr. Luciano Cordeiro, que declara não acceitar as propostas. -Entra no debate, impugnando o projecto, o sr. Barros Gomes. - Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, seguindo-se-lhe o sr. Elvino.- É approvado o artigo 1.° do projecto, ficando prejudicada a substituição do sr. Elvino. - Approva-se sem discussão o artigo 2.º e entra, em discussão o artigo 3.° - Tomam parte n'ella os srs. Barros Gomes, Luciano Cordeiro (relator), ministro dos negocios estrangeiros e Elvino de Brito, que apresenta uma proposta de eliminação. - É approvada esta proposta e seguidamente o artigo 3.° sem prejuizo d'aquella. - Sobre o artigo 4.° fallam os srs. Barros Gomes, ministro dos negocios estrangeiros e Elvino de Brito, sendo afinal approvado o artigo com a tabella respectiva. - Na discussão do artigo 5.° tomam parte os mesmos oradores e o sr. Luciano Cordeiro, relator, que não acceita uma proposta do sr. Elvino. - É approvado o artigo e rejeitados o additamento e o artigo addicional do sr. Elvino. - Approva-se o artigo 6.° - São approvados sem discussão os projectos de lei n.º 174 e 173. - Entra em discussão o projecto n.° 177, tendo-se para isso dispensado o regimento. -E combalido pelo sr. Consiglieri Pedroso e defendido pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, ficando pendente a discussão.

Abertura - As duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 38 srs. deputados.

São os seguintes: - Silva Cardoso, Pereira Côrte Real, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, A. J. D'Avila, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Santos Viegas, Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Barão do Ramalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Elvino de Brito, Francisco Beirão, Monta e Vasconcellos, Mártens Ferrão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Frederico, José Maria Borges, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Aralla e Cosia, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Miguel Dantas, Sebastião Centeno, Vicente Pinheiro e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lúcio, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Torres Carneiro, Sousa e Silva, Pereira Borges, Jalles, Carrilho, Sousa Pavão, Bernardino Machado, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Melicio, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, Avellar Machado, Correia de Barros, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Júlio de Vilhena, Lopo Vaz, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, Miguel Tudella, Santos Diniz, Pedro Roberto, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, António Candido, António Centeno, António Ennes, Fontes Ganhado, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Fuschini, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Correia Barata, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, José Borges, Pereira dos Santos, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Bivar, Reis Torgal, Luiz Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde de Reguengos e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada, sem reclamação.

EXPEDIENTE

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - O instituto de caridade denominado João do Rego Borges, com sedo na villa da Lagoa, districto administrativo de Ponta Delgada, foi creado por um benemérito bemfeitor do mesmo nome, com o fim de soccorrer nos domicilios com prestações mensaes os desvalidos dos dois sexos, que pela idade ou doença, e absoluta falta de meios não possam prover á sua subsistencia.
Mais tarde legou-lhe o mesmo individuo toda a sua fortuna, avaliada em quantia superior a 20:000$000 réis insulanos, para este instituto de caridade poder desenvolver as suas operações de beneficencia.
E actualmente, como o affirma a camara municipal do concelho de Lagoa, propõe-se o referido instituto a concorrer com uma verba annual para a mobilia e utensilios das escolas de instrucção primaria do concelho, onde as juntas de parochias não tiverem receita para isso, e bem

133

Página 2874

2874 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

assim a subsidiar medico e pharmaceutico, entidades que actualmente ali não existem.
Por tudo isto vem a mesma camara pedir ao parlamento que isente este legado de contribuição de registo por titulo gratuito e parece-nos de tanta justiça o pedido, que ousámos submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É isento de contribuição de registo por titulo gratuito o legado de approximadamente 20:000$000 réis insulanos, deixado por João do Rego Borges em seu testamento, lavrado nas notas do tabellião Anacleto Augusto Machado Nogueira, da cidade de Ponta Delgada, aos 16 de outubro de 1883, ao instituto de caridade denominada João do Rego Borges, na forma e condições prescriptas no mencionado testamento.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de junho de 1885. = António Augusto de Sousa e Silva.
Lido na mesa foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Dos fabricantes de phosphoros da cidade de Lisboa, contra o projecto de lei n.° 142-B, apresentado pelos srs. deputados Filippe de Carvalho e Caetano de Carvalho em sessão de 15 de junho ultimo.
Apresentada pelo sr. deputado Luiz de Lencastre, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Dos habitantes do Estado da India portugueza e dos quarenta maiores contribuintes do concelho de Salsete (Goa), pedindo a conservação do real padroado.
Apresentada pelo sr. deputado Elvino de Brito, enviada á commissão do ultramar, ouvida a de negocios ecclesiasticos, e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da camara municipal do concelho de Villa de Lagoa, districto de Ponta Delgada, pedindo que seja isento de contribuição de registo por titulo gratuito o legado de 20:000$000 réis insulanos, deixado por João do Rego Borges em seu testamento, ao instituto de caridade denominado João do Rego Borges, na forma e condições prescriptas no mencionado testamento.
Apresentada pelo sr. deputado Antonio Augusto de Sousa e Silva e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviado a esta camara, para ser publicado no Diario do governo, o relatorio da commissão medica que foi a Hespanha estudar o cholera. = O deputado, Santos Viegas.

2.° Requeiro que me seja enviada com urgencia pelo ministerio dos negocios estrangeiros uma copia da lista dos candidatos approvados em concurso n'estes ultimos dez annos para os logares de secretarios de legação, segundos officiaes do ministerio dos estrangeiros e consules de 1.ª classe; classificação de cada um d'esses candidatos e designação dos que foram já despachados. = O deputado pelo circulo de Leiria, Chrysostomo Melicio.

3.° Requeiro, por parte da commissão do ultramar, que seja ouvido o governo sobre a pretensão de Francisco José de Almeida, pedindo lhe seja melhorada a aposentação no logar de escrivão de fazenda de Mossamedes. = Tito de Carvalho.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que tenho faltado às sessões desta camara por incommodo de saude. = Manuel Aralla, deputado por Ovar.
Para a acta.

O sr. Antonio Joaquim da Fonseca:- Mando para a mesa o parecer da commissão do ultramar, ácerca do requerimento em que Jonathas Rachel Pereira, contador da junta de fazenda publica do S. Thomé e Principe, pede que lhe seja contado o tempo durante o qual serviu como militar, para o effeito da sua reforma.
Á commissão de fazenda.
O sr. Presidente (Luiz de Lencastre):-Fui procurado por alguns fabricantes de phosphoros, que me entregaram uma representação contra o projecto de lei que estabelece o monopolio do fabrico dos phosphoros.
Vou mandar remetter esta representação á commissão de fazenda, mas consulto primeiro a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Santos Viegas : - Pedi a palavra para rogar a v. exa. que se dignasse informar-me se um requerimento feito por um dos meus collegas, n'esta casa, pedindo que fosse publicado no Diario do governo o relatorio da commissão scientifica que foi a Hespanha estudar o systema de innoculação contra o cholera já foi effectivamente apresentado, ou se houve alguma resposta da parte do respectivo ministerio.

u julgo que um dos membros d'essa commissão, o sr. dr. Lourenço de Almeida Azevedo, uma das intelligencias mais robustas do nosso paiz, incansavel trabalhador, e zeloso no cumprimento dos seus deveres, não deixaria de certo de dar a tempo competente esse relatorio.
A opinião publica manifesta o desejo de saber o resultado do estudo e observação da illustrada commissão medica, e é por isso que eu faço o pedido.
Sr. presidente, já que se trata de doenças, e vem como associada a idéa de enfermeiros, permitta-me a camara que eu diga duas palavras para pedir aos poderes publicos que se compadeçam da sorte dos infelizes emfermeiros do hospital de S. José e da Estrella, que prestam relevantissimos serviços, de dia e de noite, expondo-se ao contagio das enfermidades, e trabalhando com zêlo e dedicação.
Estes desgraçados, quando adoecem, têem de mendigar a caridade publica para sustentar as suas familias, porque nenhuma remuneração percebem durante a doença. Têem dirigido aos poderes publicos, e ainda ultimamente e em especial ao sr. ministro do reino e ao chefe do estado, as suas supplicas, ponderando as precarias circumstancias em que se encontram, pedindo remedio prompto para lhes attenuar o mal que soffrem.
No desempenho de meu dever, mais de uma vez tenho observado os esforços, zelo e dedicações d'aquelles enfermeiros para com os doentes, e por isso é-me grato declarar que não deixo de me associar, antes o faço de boa vontade e com o maior empenho, ao pedido dos que imploraram a benevolencia dos poderes publicos para lhes fazerem devida justiça.
Peço, pois, e em conclusão, que sejam attendidas as reclamações d'aqualles infelizes cidadãos, dedicados e importantissimos funccionarios.
O requerimento vae publicado no logar competente.
O sr. Presidente (Luiz de Lencastre): - Pelo que respeita ao primeiro pedido do illustre deputado, devo dizer que o sr. ministro já declarou, ha dias, que publicará o relatorio no Diario do governo, logo que o receba.
Em todo o caso, se v. exa. quer insistir no pedido, tenha a bondade de mandar um requerimento para a mesa n'esse sentido.
Emquanto á segunda parte, não sei se existe na camara alguma representação a esse respeito; se existe, a commissão respectiva a tomará na consideração que lhe merecer.
O sr. Miguel Dantas: - Pedi a palavra unicamente para dar conhecimento ao governo de um telegramma que hoje recebi, assignado por bastantes cavalheiros do circulo que tenho a honra de representar nesta casa, encarregan-

Página 2875

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2875

do-me de agradecer, em seu nome e no dos individuos que se empregam na pesca, no rio Minho, as providencias que foram tomadas pelo governo em favor d'aquella industria.
Cumpro gostosamente este dever em nome dos cavalheiros que assignaram o telegramma de que dou couta, e visto não estar presente o sr. ministro do reino, pedia ao sr. ministro da marinha a bondade de lhe dar conhecimento do mesmo telegramma.
O sr. Presidente:- O sr. ministro da marinha ouviu as declarações feitas pelo illustre deputado e certamente as communicará ao seu collega do reino.
O sr. Elvino de Brito: -Mandou para a mesa uma representação dos povos de Salsete, India portugueza, relativa ao real padroado do Oriente, e, exaltando os sentimentos patrioticos d'aquelles povos, pediu ao sr. presidente que consultasse a camara sobre se permittia que fosse a mesma representação publicada no Diario do governo.
Aproveitava o estar com a palavra para ainda uma vez instar com o sr. ministro da marinha que desse na sua secretaria as ordens convenientes para que lhe fossem remettidos os documentos relativos á construcção do caminho de ferro de Mormugão. Declarou que prescindia da copia da correspondencia trocada entre o governo e as auctoridades da India ácerca da fiscalisação das contas da companhia constructora, se acaso essa correspondencia e causa da longa demora havida na satisfação dos esclarecimentos pedidos em 11 de fevereiro d'este anno.
Também não podia mais uma vez deixar de instar pela remessa de documentos que requererá, ha mais de cinco mezes, relativos às estacões civilisadoras na Africa, com as quaes, ou a pretexto das quaes, o paiz tem despendido annualmente 50:000$000 réis.
Também pediria ao sr. ministro que satisfizesse aos céus pedidos relativos aos negocies da emigração para as nossas possessões de Africa, pedidos que igualmente foram feitos em fevereiro d'este anno.
O sr. ministro queixara-se no fim da sessão de hontem de que elle, orador, fallasse nos actos da administração colonial na ausencia do respectivo ministro.
Bastava a enumeração já feita dos documentos que ha mais de cinco mezes pedira e que não foram ainda satisfeitos, sendo aliás todos sobre actos importantes de administração ultramarina, para que o seu procedimento se deva julgar isento de censura por parte do sr. ministro.
Pois o sr. Pinheiro Chagas não faz caso dos pedidos que lhe dirige um deputado da opposição, desconsiderando a propria camara, em nome da qual esses pedidos lhe são dirigidos, e a final lembra-se de sentir que fallem n'esse seu procedimento, que, por mais que lho custe, não póde deixar de ser classificado por elle, orador, de menos correcto e offensivo das prerogativas parlamentares?
Não deseja ser agradavel aos srs. ministros política mente, e, por isso no cumprimento do que julga ser seu dever e no exercicio do que incontestavelmente é o seu direito, ha de referir-se, sempre que considere opportuno fazel-o, aos desacertos da administração de s. exas., uma vez que as suas palavras os não offendam pessoalmente.
Tanto o pode fazer na ausencia, e acontece que na ausência é isto mais vulgar, porque os srs. ministros raro apparecem antes da ordem do dia, como o pode fazer na presença de s. exas., pois tem a coragem sufficiente para frente a frente com os srs. ministros os censurar pelos seus desatinos e pelos seus erros.
Por ultimo diria que costumava sustentar e assumir a responsabilidade de tudo quanto proferia na camara.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
A representação teve o destino indicado a pag. 2874 d'este Diario.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se permitte a publicação da representação no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Elvino de Brito:-Eu pedia que a mesa intercedesse ainda mais uma vez com o sr. ministro da marinha, para me serem enviados os documentos a que me referi.
O sr. Presidente: - Se v. exa. quer renovar o seu pedido por intermedio da mesa, tenha a bondade de mandar o seu requerimento n'esse sentido.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas}: - Pedi a palavra simplesmente para dizer ao sr. Elvino de Brito que darei as ordens que deseja, para que sejam remetidos os documentos que pediu. E isto agora facil, visto que o illustre deputado desistiu de uma parte importante d'esse pedido, isto é, da copia de toda a correspondencia trocada entre o ministerio da marinha e o governo da India, relativamente ao caminho de ferro de Mermugão.
É enorme esta correspondencia e a camara reconhecerá, de certo, quanto tempo não seria preciso para se apromptar a copia pedida.
Não têem conta as requisições de documentos que s. exa. tem feito; e não só s. exa., mas muitos outros srs. deputados.
Raro é o dia em que não tenho de assignar algum officio de remessa de documentos para esta camara, e se eu pedisse á secretaria e apresentasse aqui a estatistica dos que têem sido enviados do meu ministerio, reconheceria o illustre deputado que tendo de attender-se a tão grande quantidade de pedidos, não era possivel fazer-se mais do que se tem feito para os satisfazer promptamente.
No intuito de obviar aos inconvenientes que d'ahi resultam, é que eu e todos os meus collegas temos declarado que as secretarias estão completamente franqueadas aos srs. deputados que podem ir ali procurar os documentos que quizerem e fazer as investigações que julgarem convenientes.
As secretarias estrio franqueadas completamente para este fim e creia s. exa. que faria um grande serviço á administração publica substituindo os pedidos dos documentos do que precise pela sua ida ao ministerio.
Evitaria assim que um grande numero de empregados esteja distraindo do serviço ordinario da secretaria para se occupar exclusivamente das copias exigidas com prejuizo dos outros serviços que não param por estarem as camaras abertas.
Sr. presidente, eu não contesto o direito que s. exa. ou qualquer outro deputado tem de fazer na minha presença ou na minha ausencia as considerações que quizer.
O illustre deputado podo dizer na minha ausencia as cousas mais graves, que o regimento não lho impede; é certo, porém, que geralmente os deputados da opposição têem sempre a cortezia, e o illustre deputado e muito cortez, de esperarem a presença do ministro para fazerem as suas accusações mais ou menos graves; e se é muita a urgencia, dirigem-se a qualquer dos ministros que esteja presente, para que este convide o seu collega a comparecer na camara.
É o que sempre se tem praticado e peia minha parte estou prompto a vir immediatamente, á mais levo communicação, responder a quaesquer perguntas que pretendam fazer-me.
Parece-me, pois, que será agradavel ao illustre deputado, que não sabe faltar, nem de longe, aos deveres da cortezia, posto não seja disposição regimental, esperar que venha o ministro a quem pretende dirigir-se, em vez de o estar a censurar na ausencia, sabendo que não póde obter resposta desde logo.
O sr. Elvino de Brito:-Ha cinco mezes que peço esses documentos a v. exa. e ainda não m'os enviaram.
Já vê portanto s. exa. se tenho ou não direito de me referir ao sr. ministro na sua ausencia.

Página 2876

2876 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - Pouco importa que sejam cinco mezes.
Eu tenho vindo á camara sempre que é necessario vir; por isso é que lamentei que o illustre deputado me censurasse na minha ausencia, mas lamentei, sem envolver nisso censura, porque o illustre deputado póde referir-se a mim na minha ausencia sempre que queira. O regimento não lho impede.
Trata-se simplesmente de um dever de cortezia, que pratica quem quer praticar.
(S. exa. não revia as notas tachygraphicas.)

ORDEM DO DIA

Continua em discussão o artigo 1.º do projecto de lei n.° 37, nomeação de chancelleres e fixação dos seus vencimentos

O sr. Elvino de Brito:-Disse que, embora fosse util o pensamento do governo, consignado na sua proposta de lei, ora convertido no projecto que se discute, não podia applaudir o sr. ministro dos negócios estrangeiros, desde que s. exa. consentiu na alteração profunda feita á sua proposta pela commissão dos negocios externos, alteração em virtude da qual ella perdeu o seu caracter modesto, que as actuaes circumstancias do thesouro publico aconselhavam, e que o ministro a principio bem comprehendêra, para se converter n'um pesadissimo e injustificado encargo para as finanças do paiz. Acontecêra á proposta do governo o contrario do que e costume dar-se não poucas vezes no parlamento, quando esto tem a verdadeira noção do seu dever, e o contrario do que effectivamente se dá em outros paizes, onde o parlamentarismo não é enfermado do mal que tanto enfraquece e deprime o nosso; e fora que, em vez de se reduzirem, nos debates da com missão, as despezas indicadas na proposta, ao contrario a commissão augmentou-as consideravelmente, talhando á larga e de coração leve. Emquanto o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarava no seu relatorio que o augmento de des-peza seria apenas de 1:991$774 réis, pelo projecto da commissão era facil de ver, que na mais modesta das hypotheses que se podem apresentar, o augmento de despeza não será inferior a 14:400$000 réis, não incluindo o novo consulado de 1.ª classe na provincia e cidade de S. Paulo, que a commissão introduziu no projecto e cujas despezas não serão inferiores a 4:500$000 réis.
Concordava em que as necessidades commerciaes e a affluencia de portuguezes no imperio do Brazil aconselhassem a creação de chancelleres nos consulados geraes de 1.ª classe, ou nos consulados de 1.ª classe; no que, porém, não concordava era na faculdade latissima que pelo projecto é conservada ao governo de crear, onde e quando lhe pareça conveniente, os logares de chancelleres e de os remunerar dentro dos larguissimos e principescos limites que a commissão traçou. Insurge-se, portanto, contra o artigo 1.° do projecto pelas disposições que contem, das quaes umas são onerosissimas para o thesouro, e outras tão confusas, que mal se podem comprehender.
Emquanto o governo modestamente propunha para despezas de representação dos chancelleres quantias que variavam entre o minimo de 700$000 réis e o maximo de 900$000 réis, a commissão dos negocios externos, achando mesquinha a retribuição proposta pelo sr. dr. Bocage, resolve na sua soberania augmentar essa dotação e, por isso, estabelece para despezas de representação o minimo de réis 900$000, e o maximo de 1:500$000 réis.
Parecia-lhe que era o sr. ministro dos negocios externos quem melhor devia saber das necessidades do serviço e das circumstancias dos funccionarios dependentes do ministerio, cujos negócios gere; e, todavia, é a commissão quem, n'esta parte, lhe dá a lei e lhe ensina o que aliás não devia ser ignorado por s. exa.
Referindo se ainda á creação de chancelleres, disse que não podia concordar com o sr. ministro dos negócios externos, na parte em que s. exa. propõe a creação d'aquelles logares em Paris e em Londres.
Se o Brazil, por circumstancias especiaes que todos conhecem, carece, nos seus consulados de 1.ª classe, de chancelleres, iguaes rasões se não podem dar, e não se dão de facto, nos consulados da Europa, onde os vice-consules podem exercer as funcções dos chancelleres. Alem de que os rendimentos consulares n'esses paizes têem decrescido ultimamente e não pouco.
Antigamente havia no consulado de Paris o importante rendimento dos certificados de origem mas desde que Portugal negociou o tratado de commercio com a Allemanha e as mercadorias que d'ella procedem não precisam de ser nacionalisadas em França, desappareceu uma parta importante da receita consular em Paris.
N'estas condições, e sendo, como são, poucos os portuguezes residentes em Paris, onde, por conseguinte, os serviços consulares relativos á gerencia dos fundos e aos actos respectivos ao arrolamento e liquidação das heranças e legados, são insignificantes ou quasi nullos, não lhe parecia conveniente nem rasoavel, que n'aquella cidade se creasse agora o logar de chanceller, a quem, como é sabido, particularmente incumbem os serviços que acaba de especificar.
Pedia licença para não concordar, nem com o governo, nem com o relator da commissão, quando affirmam que não havia lei, a não ser para o Brazil, que determinasse a dotação de chancelleres, dando isto origem á forma irregular porque eram pagos aquelles funccionarios.
Parecia-lhe que o disposto no artigo 13.° da carta de lei de 23 de abril de 1867 não estava derogado por leis posteriores que tenham regulado o assumpto, e nesse artigo se diz que o vencimento do chanceller será de 240$000 réis, e alem d'isso terá uma gratificação, que o governo fixará annualmente na lei de despeza.
É certo que depois se promulgaram o decreto de 13 de abril de 1868, o decreto dictatorial de 20 de abril de 1869, e o decreto com força de lei de 18 de dezembro do mesmo anno.
Não é, porém, menos certo que estes diplomas posteriores não derogaram em nenhuma das suas disposições o preceituado no artigo 13.° da lei de 23 de abril de 1867, no tocante á dotação dos chancelleres.
Se se tem lançado mão de meios menos legaes e contrários aos bons principios da contabilidade publica, a culpa só cabe aos governos que assim têem procedido, e não á deficiencia ou falta da lei.
Que o que hoje reina n'ste ramo do serviço é a anarchia, cousa é que não soffre a minima duvida, e ninguém ousa contestar. Sob este ponto de vista o pensamento do governo era bom, e a sua proposta primordial, até certo ponto, acceitavel; mas o que reputa de todo inacceitavel é o projecto da commissão, ao qual desde já declarava que não podia dar o seu voto.
Quanto às attribuições do canceller, entendia que as que lhe eram consignadas nos diversos diplomas legislativos e governativos, estavam longe de constituir as funcções que na realidade lhes devem competir.
Parecia-lhe que a intervenção e as responsabilidades do chanceller, especialmente na gerencia dos fundos e nos actos respectivos ao arrolamento e liquidação das heranças, deviam ser larga e vantajosamente ampliadas. Sobretudo entendia que o chanceller não fosse um empregado assalariado do consul, seu dependente, e sem esperanças de carreira no futuro. Assim o tinha entendido o legislador em 1867, quando fixou uma dotação própria ao chanceller.
O não cumprimento da lei e os abusos successivamente introduzidos, é que estabeleceram a dependencia humillima do chanceller, que se acha de facto transformado na mais completa inutilidade no que respeita á fiscalisação

Página 2877

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2877

dos actos do consul, assim na parte economica como na financeira do consulado.
Era de opinião que aos chancelleres fossem dadas as attribuições do ministerio publico, como acontece nos consulados de muitos paizes da Europa.
Se outras fossem as attribuições do chanceller, e se este facto estivesse na plenitude das suas regalias legaes, não teriamos a lamentar os tristissimos alcances que de quando em quando se descobrem nos consulados do Brazil; e, sobretudo, não teriamos a registar o recente roubo de cerca de 200:000$000 réis, moeda do Brazil, ou 100:000$000 réis, moeda forte, feito no consulado do Rio de Janeiro, roubo, que toda a gente attribuiu á incuria e ao desleixo do respectivo consul.
A este facto se referira ha dias o nobre deputado o sr. conde de Thomar, e por isso não o avivaria agora nos seus pungentes pormenores.
Tinha a honra de mandar para a mesa uma proposta, relativa às attribuições dos chancelleres, e que poderá ser considerada como substituição ao § 4.° do artigo 1.° do projecto.
Também tinha a honra de mandar para a mesa uma proposta, restringindo a faculdade latitudinaria que no projecto é concedida ao governo, no que respeita á creação de chancelleres.
Parecia-lhe que era occasião de expungir da legislação pátria a disposição contida no artigo 44.° do decreto de 18 de dezembro de 1869, pela qual o governo se permitte crear, quando e como melhor lhe parecer, os logares de chancelleres nos consulados de 1.ª classe.
N'um paiz, como o nosso, em que o parlamento se conserva aberto por largos mezes, nenhuma duvida haverá em que o governo submetia á apreciação das camaras quaesquer propostas sobre a creação dos logares de chancelleres, quando as necessidades do serviço a isso obriguem.
Não concorda com a redacção do § 1.° do artigo 1.°, relativo aos concursos. Parecia-lhe mais clara a redacção da proposta do governo, n'esta parte, e mais em harmonia com o artigo 69.° e seu paragrapho, do decreto de 19 de dezembro de 1869. Não mandaria, porém, nenhuma proposta n'este sentido; apenas chamava a attenção do illustre relator da commissão.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

1.ª § 4.° Serão reguladas as funcções dos chancelleres, por forma a definir claramente as suas responsabilidades e obrigações, dando-se-lhes, quanto possivel, as attribuições do ministerio publico, nos termos dos regulamentos que o governo opportunamente decretará. = Elvino de Brito.
2.ª Art. ... Sempre que as necessidades do serviço o exigirem, o governo proporá ao parlamento a creação de logares de chancelleres nos consulados geraes de 1.ª classe ou nos consulados de 1.ª classe, e as dotações respectivas. = Elvino de Brito.
Admittidas.

Deu-se conta da ultima redacção dos projectos de lei n.° 32, 94 e 153.
Leu-se e foi approvada a ultima redacção do projecto, de lei n.° 89, alterada nos termos da proposta apresentada pelo sr. Bocage.
O sr. Luciano Cordeiro : - O estado bem sensivel da minha saude impede-me de responder ao sr. Elvino de Brito tão desenvolvidamente como desejava.
Limitar-me-hei, pois, a responder às observações, por assim dizer capitães, em que se resolve principalmente a critica de s. exa.; começando desde já por me referir às tres substituições ou emendas, que s. exa. mandou para a mesa, e que por parte da commissão não posso acceitar.
A primeira d'essas propostas, pretende mais do que restringir, cassar a auctorisação ampla, latitudinaria, de que o governo está empossado ha largos annos para crear chancelleres nos consulados em que as condições e as circumstancias do serviço o exijam.
Esta auctorisação, como disse, foi concedida ha muitos annos ao governo, e não appareceu até hoje, nem no parlamento, nem fóra d'elle, nenhuma indicação da necessidade de a restringir ou de a retirar.
E comprehende-se bem e comprehende sobre tudo quem estudar de perto o que é o serviço consular e as necessidades muitas vezes inesperadas d'este serviço, particularmente em relação á America do sul, quanto seria embaraçar inutilmente, inconvenientemente, a acção do governo, obrigal-o, por cada vez que tivesse de nomear um chanceller para algum consulado, a trazer á camara uma proposta de lei, adiando, porventura, as necessidades mais instantes do expediente consular, quando, alem de tudo, nos termos do projecto pendente, terá de dar conta às camaras do uso que fizer das auctorisações que recebe.
Mas, realmente, é a primeira vez que se restringe aquella auctorisação, e restringe-se exactamente por iniciativa do governo, o que a commissão não só acceitou, mas entendeu que era muito louvavel.
Sabem todos que essa auctorisação não impunha ao governo, nem a condição indeclinável do concurso para a nomeação dos chancelleres, nem na parte que respeita propriamente às habilitações, era demasiadamente meticulosa.
(Interrupção.)
O decreto de 1869 fixava effectivamente o concurso; mas auctorisava tambem o governo, e é exactamente por isso que vem aqui o § 1.°, que s. exa. não comprehendeu, a dispensar esse concurso e a nomear qualquer individuo que tivesse concluido um curso superior, ou coutasse dois ânuos de serviço com honra e intelligencia, como amanuense na repartição de contabilidade, ou nas direcções do ministerio ou como chanceller em qualquer consulado ...
(Áparte do sr. Elvino de Brito.)
Se o illustre deputado quer entrar ein uma discussão grammatical ácerca da redacção do paragrapho, eu acceito-a, mas parece-me que o paragrapho, como está, fica rigorosamente grammatical e claro, como não ficaria pela indicação de s. exa.
Não vejo que tenhâmos necessidade alguma de fazer-lhe qualquer alteração.
Estabelece-se na primeira parte d'elle. a regra geral do que o provimento dos logares de chancelleres será, sempre, por concurso, e estabelece-se, em referencia ao decreto de 1869, que para este concurso será facultada a admissão dos individuos que até aqui eram dispensados d'elle.
Já o illustre deputado vê, que logo aqui se restringe e diminuo a auctorisação de que o governo tem estado constantemente armado.
Mais ainda, no § 2.°, bem como nos que se lhes seguem, estabelecem-se condições especiaes para a nomeação de chancelleres, e algumas d'ellas, devo fazer notar, que são importantes, e que podem bem soffrer o confronto com disposições analogas dos regulamentos consulares estrangeiros a que s. exa. se referiu.
O illustre deputado aconselhou o governo a seguir os regulamentos da Italia, relativos a chancelleres. Não têem esta entidade, e são muito menos restrictivos do que este projecto.
Eu posso dizer que neste pequeno projecto se encontram disposições previdentes que em nenhum outro regulamento se encontram, e que são superiores na opportunidade e na applicação às disposições consignadas nos regulamentos estrangeiros.
Citarei, por exemplo, a disposição que determina que os chancelleres não poderão ser parentes ou affins dos cônsules respectivos.

Página 2878

2878 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta disposição não estava preceituada na auctorisação de que até aqui o governo dispunha.
Devo observar que por este projecto se institue a carreira do chanceller consular, o que não succede ainda em França nem na Italia.
Se até aqui o governo tem estado armado de uma auctorisação amplissima para nomear chancelleres, parece-me que restringindo essa auctorisação e sobretudo subordinando o governo á obrigação constitucional de dar conta ao parlamento do uso que tiver feito d'ella, temos attendido, por um lado, a todas as susceptibilidades parlamentares, e por outro, não creamos embaraços ao expediente consular, nem á acção governativa.
A segunda proposta ou indicação de s. exa., e digo isto porque não me lembra se sobre este ponto se chegou a formular positivamente uma proposta, refere-se às funcções dos chancelleres. É claro que não se entendeu que viessem aqui desenvolvidamente reguladas as attribuições d'estes empregados consulares; mas ainda ahi não se concede ao governo uma auctorisação que possa suscitar as menores apprehensões da parte de s. exa. e dos seus collegas da opposição, porquanto se determina positivamente que se regulem as attribuições d'esses funccionarios de accordo com as disposições dispersas em diversos diplomas legislativos.
Diz s. exa. que ha neste paragrapho um certo luxo de redacção. Geralmente, não sou muito inclinado a isso. Aqui está, parece-me, o que não podia deixar de estar. Quando o illustre deputado diz que se cita um ou outro decreto que pouco ou nada tem com as attribuições dos chancelleres consulares, julgo-me auctorisado a crer que s. exa. foi procurar n'esses decretos simplesmente algum artigo especial que reunisse taxativamente essas attribuições. Se o illustre deputado os tivesse lido na integra havia de ver que mais de uma das suas disposições se refere precisa, terminante e claramente às attribuições dos chancelleres, como é, por exemplo, aquella que diz, no diploma que s. exa. não queria ver citado, se bem me lembro, que os consules serão substituidos na sua ausencia pelos chancelleres. Em todos os diplomas indicados andam dispersas, summarias allusões ao serviço dos chancelleres.
A verdade é que em relação, quer á nomeação, quer á dotação, quer às attribuições dos chancelleres consulares, póde dizer-se que não havia se não disposições dispersas e que a essa situação é que o projecto procura attender, recommendando uma preceituação definitiva e harmonica.
Mas outra indicação de s. exa. a que devo referir-me, é a da necessidade que ao illustre deputado e a mais algumas pessoas se affigura existir de armar os chancelleres consulares com não sei que funcções ou faculdades do ministerio publico.
S. exa. acceitou esta idéa, já alludida aqui, s. exa. quer junto dos consules alguém que faça, segundo diz, o controle, ou, para fallar mais portuguezmente, que fiscalise o exercicio das attribuições consulares, e então parece-lhe que, dando-se aos chancelleres attribuições de ministerio publico ou de fiscaes da lei, elles exercerão essa fiscalisação com singular e segura vantagem para os interesses da fazenda publica.
Ora, que as funcções dos nossos consules, especialmente na America do sul, são muito complexas e por vezes de uma grande responsabilidade, ninguém o contesta.
Mas eu poderia desde já perguntar se teriamos dado um passo realmente muito seguro e pratico creando uma entidade nova que fiscalisasse o consul e sobretudo sendo essa entidade o chanceller; e se, quando o tivéssemos feito n'este projecto, não nos fariam a objecção de que não haviamos creado uma entidade differente que por sua vez fiscalisasse este fiscal.
Não sei porque havemos de receiar mais do abuso ou do mau exercicio das funcções de um individuo collocado na posição de consul de 1.ª classe, com todas as obrigações que a lei exige e com todas as responsabilidades que impendem, publica e officialmente sobre elle, do que de um chanceller que está junto d'elle, de um chanceller que por um lado tem de ser um seu subordinado e que por outro havia em algumas occasiões de suggerir conflictos de auctoridade que recahiriam principalmente sobre a boa ordem do serviço e do expediente consular.
Esta idéa de revestir o chanceller das funcções do ministerio publico é antiga, é simpathica, apparentemente, é uma idéa a que eu mesmo não neguei nem nego uma certa inclinação, mas parece-me muito superficialmente estudada.
Creio que a phrase fez esquecer um pouco a idéa.
O que são, ou o que podem ser funcções de ministerio publico num consulado ou mito de um consul?
Como definir, como precisar até onde o chanceller seria representante do ministerio publico? Quaes as relações que elle realmente havia de sustentar e manter com o ministerio publico ?
Parece-mo que haveria nisto o perigo de se arriscar inutilmente a boa ordem e disciplina dos serviços, tendo de passar-se alem da sua organisação natural e da sua relativa independencia.
Depois, o illustre deputado sabe de certo que realmente ha sobre todos os consulados existentes num determinado paiz a mesma fiscalisação que s. exa. deseja que seja exercida pelos chancelleres, fiscalisação melhor exercida, ou que pode ser melhor exercida, e que pelo menos se acha revestida desde já de uma auctoridade consideravelmente mais acceitavel e mais segura; é a auctoridade das legações respectivas.
Referindo-me aos consulados do Brazil, todos sabem as relações e a fiscalisação exercida ou que o deve ser, sobre esses consulados pela legação do Rio de Janeiro, e sabe v. exa. que junto de cada um d'esses consulados de 1.° classe, que são aquelles de que tratámos agora, ha as commissões auxiliares que exercem ou que devem exercer funcções importantes. Que a respeito d'estas commissões, ou da sua necessidade e vantagens, permitto-me reservar a minha opinião.
Com relação ao artigo 1.° resolve elle o problema capital que determinou este projecto.
O governo foi auctorisado em 1864 a crear chancelleres nos consulados onde entendesse que elles eram necessários, mas por outro lado não lhe deram os meios de dotar esses funccionarios.
Diz o illustre deputado que a lei de 1367 previu o caso, fixando um ordenado no plano que a acompanha e que por consequencia não é inteiramente exacta a situação que a commissão define nos termos em que ella a define, e eu repito e sustento agora.
Fixou-se realmente o ordenado de 240$000 réis, que era então o do amanuense, mas consignou-se á lei annual da despeza, o acrescimo, gratificação ou complemento respectivo, o que era já soffrivelmente incerto para que o governo podesse obter o pessoal conveniente, mas o que ainda assim não chegou a fazer-se. Temos, pois, que os termos da situação, são precisamente os que indicámos. O governo póde nomear chancelleres, mas a lei não presta os meios de lhes pagar, ou de os obter convenientemente. E como precisa nomeai-os, e como os consulados não podem prescindir de os ter, as cousas passam-se como o governo lealmente expoz e como a commissão singelamente ractifica. Mas este mesmo ordenado de 240$000 réis foi logo depois de estabelecido alterado em relação ao chanceller do Rio de Janeiro. Tomámos a mesma base: - o ordenado de amanuense, e de amanuense da contabilidade, porque aos chancelleres incumbe a contabilidade dos consulados.
Não faremos mais do que levar esta equação burocrática ao orçamento respectivo.
Porém toda a gente comprehende, e não póde contestar-se que este ordenado é simplesmente para os quadros e ef-

Página 2879

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2879

feitos do serviço em relação á secretaria, mas por forma alguma póde ser attribuido como remuneração única para esta espécie de funccionarios, ou para qualquer outra com estes, ou com menos attribuições, quando em commissão em paizes estrangeiros, e principalmente na America do sul onde a vida é tão dispendiosa.
Era necessario juntar a este ordenado a gratificação respectiva consagrada na lei sob a denominação pouco feliz de despezas de representação. Quer dizer, era necessario offerecer e garantir a estes funccionarios a subsistencia e a remuneração regular nos paizes onde tenham de desempenhar funcções tão importantes e de manter uma posição tão exigente.
Não se deixou isto ao simples arbitrio do governo ou dos consules, como tem estado até aqui.
Fixou-se uma verba que poderá elevar-se até 1:500$000 réis. Aqui tem o meu illustre collega um limite, que encontráramos fixado já, no consulado do Rio de Janeiro. As circumstancias variam extraordinariamente de terra para teria, de consulado para consulado. Não pareceu rasoavel que se immobilisasse a verba.
Mas agora com a auctorisação com que este, ou qualquer outro governo fica armado, fixa-se um limite que eu confesso francamente que acho muito abaixo das conveniencias e das necessidades de obter para estes logares individuos aptos que possam manter se em uma situação boa e regular, principalmente, insisto, nas principaes cidades da America do sul.
A situação anterior, a situarão vigente é que era e é absolutamente insustentável, illegal; (Apoiados.) Francamente, seria até um certo neologismo no processo da opposição parlamentar accusar o governo porque vem dizer isto á camara e porque vem pedir-lhe que lhe fixe as condições da auctorisação que amplamente recebeu, e de que elle tem necessidade indeclinavel de usar. (Apoiados.)
Referiu-se ainda s. exa. largamente á questão de despeza e fez o calculo, que não me attrevo a dizer que seja perfeitamente claro nem perfeitamente seguro, do augmento que se lhe afigura haver n'este projecto, suppondo altamente inconveniente o luxo orçamental que a commissão se permittia.
Devo dizer em primeiro logar a s. exa. que as alterações que notou na tabella do projecto da commissão foram feitas de accordo e por indicações posteriores do governo que procedeu aos trabalhos necessarios e colheu esclarecimentos convenientes para assegurar melhor o resultado do projecto que trazia á camara.
Esta tabella do projecto da commissão é, diga-se assim, a redacção definitiva da tabella que acompanha a proposta do governo. (Apoiados.)
S. exa. notou só o augmento de despeza. Podia tambem notar a diminuição d'ella, por exemplo, com relação ao consulado de Pernambuco.
Em relação aos consulados do Maranhão e de New-Castle não se exposeram com grande desenvolvimento as rasões que aconselhavam um certo acréscimo das verbas anteriores, porque as circumstancias e condições de vida em qualquer d'estes pontos, o movimento e o serviço crescente d'aquelles consulados é tão conhecido de todos, que nos pareceu que então é que haveria luxo impertinente em nos demorarmos neste ponto e em explicar um augmento que de certa forma apenas se trata de legalisar agora. (Apoiados.)
Mas s. exa. receia muito que esta auctorisação, que é muito ampla, no seu entender, mas que na realidade é consideravelmente mais restricta do que aquella de que o governo se acha revestido, de ha tanto, incite o ministro a nomear chancelleres como muito bem lhe parecer.
E cita, e formula diversas hypotheses, esquecendo apenas a do governo ficar como de antes, com a faculdade de fazer o que s. exa. tanto receia.
Mas é exactamente n'esse ponto que o projecto é bem restrictivo. Em primeiro logar, não se podem nomear chancelleres senão para as legações de 1.ª classe ou consulados geraes de 1.ª classe.
Depois, na Europa nem assim podem crial-os senão quando o rendimento dos respectivos consulados o permittir nos termos e condições modestissimas em que o § 5.° do projecto o indica.
Leio o paragrapho todo porque s. exa. ao referir-se a elle não me parece que attentasse bem nas suas disposições e na sua redacção, que desta vez espero que seja perfeitamente clara.
(Leu.)
Não é isto uma restricção importante?
Já vê v. exa. que na Europa o governo não póde crear chancelleres a esmo e por arbitrio; em Paris e em Londres, por exemplo, como referiu s. exa.
Aqui determinam-se as condições em que o governo póde creal-os, e quando elle se sentisse legalmente auctorisado a fazel-o era, não só porque estaria habilitado a garantir, sem sobrecarregar o thesouro, o encargo que ia crear, mas porque apesar d'esse encargo o thesouro teria de receber uma verba de receita. - e porque o crescimento do rendimento consular respectivo teria attingido uma verba importante.
Dizia s. exa.: "Póde ter crescido e não haver necessidade de crear chanceller".
Ora, sr. presidenta, não é minha a culpa se tenho do illucidar este receio do illustre deputado, lembrando-lhe aquelles raciocinios simples e faceis de mr. La Palisse.
Se o governo creasse um chanceller n'algum consulado da Europa, pelo facto de ter crescido o rendimento, ou de haver um rendimento importante, era tambem pelo facto de que o serviço augmentára, ou de que era importante igualmente. Um é funcção do outro, sabe-o toda a gente.
Poderia tambem perguntar o meu illustre collega, porque se estabelecem estas restricções apenas para a Europa?
Pois eu quero ser tão franco que vou adiante da pergunta.
É porque fora da Europa o governo não póde subordinar-se aquella restricção. Fora da Europa, muitas vezes, o governo terá necessidade de crear chancelleres consulares como tem tido a necessidade de crear consulados, sem que o rendimento garanta ou exceda a dotação respectiva.
Por exemplo: na Africa, na Asia, no extremo oriente.
Com relação ao Brazil parece-me que podemos ficar perfeitamente tranquillos, porque o projecto não vae aggravar a situação do thesouro.
Os chancelleres no Brazil ha muito que existem, e não póde prescindir-se d'elles. São agentes que estão hoje inteiramente á mercê do consul, que são seus subordinados e estipendiados,... apesar de que s. exa. quer que sejam seus fiscaes.
Como o consul não póde pagar o necessario áquelle funccionario, não póde obter individuo com aptidão conveniente, pelos honorarios que são pagos pela verba do material do consulado, e não chegando esta, pela verba da despeza eventual do respectivo ministerio.
É por isso, é n'esta situação necessaria e fatal, á qual o governo não póde eximir-se, que leal e nobremente elle vem dizer ao parlamento: Preciso unia medida que me exima a esta situação, e que me auctorise aquillo que não posso deixar de fazer. (Apoiados.)
Não sei se me falta responder a qualquer dos pontos a que s. exa. se referiu; mas tornarei a tomar a palavra se for necessario.
O sr. Barros Gomes : - Sr. presidente, devo, antes de tudo, dizer a v. exa. e á camara, que é para mim perfeitamente sympathico o pensamento fundamental d'este projecto.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros encontrou no seu ministerio estes serviços em completo estado de anar-

Página 2880

2880 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

chia ou, para não empregar censura tão severa, n'um certo estado embryonario, que já se não justifica nem sob o ponto de vista legal, nem pela força das cousas.
Nomeou s. exa. funccionarios para logares creados em virtude de uma auctorisação legal, e n'isso seguiu o exemplo dos seus antecessores; mas como essa auctorisação não designava os vencimentos, estavam elles sendo pagos de um modo perfeitamente irregular e contrario a todas as disposições de uma boa contabilidade. Por isso considero um acto meritorio pôr ponto, quanto antes, a um facto d'esta ordem e vir accusar perante o parlamento similhante irregularidade, que não devo continuar.
Felicito, portanto, o nobre ministro e meu amigo, o sr. Bocage, devendo tambem declarar que ouvi com prazer s. exa. dizer hontem, que mais senhor actualmente dos negócios de todo o seu ministerio, pensava em aproveitar o intervallo parlamentar para coordenar as bases de um projecto de lei que reorganise tanto o serviço da secretaria como todo o serviço diplomático e consular.
Registo com prazer esta declaração; mas comprehendo, que apesar de s. exa. pensar n'essa reorganisacão geral, se desse pressa em vir este anno com este projecto para fazer cessar este estado de cousas e regularisar, sem demora, um serviço que deve indispensavelmente ser posto em harmonia com os bons principies da legislação financeira, com a possibilidade de fiscalisação por parte do tribunal de contas e com as boas regras de contabilidade.

que eu, porém, não comprehendo do mesmo modo, devo dizel-o de passagem, é que nestas condições se apresentem a par deste projecto de lei creando logares novos de secretarios em determinada legação; não vejo a necessidade d'isto.
Sr. presidente, nós estamos discutindo a especialidade do artigo 1.°, e eu não desejo que v. exa., em satisfação ao regimento, tenha de me chamar á ordem; mas permitta-se-me dizer desde já que a par d'isso tambem não comprehendo, que nas vesperas de uma reorganisação se tratasse de votar este anno uma nova tabella de emolumentos consulares, reformando-se a que existe.
Parecia me que seria mais consentâneo com o pensamento do sr. ministro que essa reforma, e mais que tudo a ampliação do pessoal diplomatico, fizesse parte do plano geral a que s. exa. se referiu para a reorganisação dos serviços do seu ministerio e que não se estivesse desde já, no momento em que se pensa n'essa reorganisação, a crear novos logares, perfeitamente dispensaveis.
Desejo consignar bem claramente o meu voto neste assumpto; e aproveitando a occasião, seja me tambem licito declarar terminantemente com relação ao projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, que eu combati sob o ponto de vista da inopportunidade financeira, sem o analysar pelo lado technico, que elucidado pela discussão, eu teria igualmente votado contra o plano das obras que o governo tomou por base. Desejo que o meu voto fique claramente consignado n'esta parte.
Não sou contrario, antes desejo a realisação quanto possivel prompta, dos melhoramentos do porto de Lisboa, porque os reputo indispensaveis; mas nunca approvaria o projecto que se discutiu, nem as bases que o governo adoptou para elle.
Aproveitarei tambem esta occasião para consignar o meu voto em referencia a um projecto que hontem aqui se votou, por levantados e sentados.
Eu votei a favor d'esse projecto com o convencimento de que importava um sacriticio para o thesouro; mas votei-o para cumprir um dever, porque entendo que é indispensavel elevar a 1.ª classe a nossa legação em Berlim, vista a situação politica da Allemanha, e dadas as circumstancias em que nos encontramos em relação áquelle imperio.
Nós temos um unico embaixador, é o que está em Roma, e esse justifica-se por circumstancias especiaes, sendo a primeira a do profundo respeito e veneração que uma nação catholica deve ter para com o Supremo Pastor da Igreja. Não estâmos, porém, em circumstancias de podermos hombrear com as grandes nações, sustentando outras missões de igual categoria. Não o permittem as nossas circumstancias financeiras, nem a nossa posição politica justifica essas altas posições diplomáticas; mas approvei que se eleve a 1.ª classe a nossa legação de Berlim, porque os interesses nacionaes exigem que tenhamos ali uma representação da maxima categoria que temos junto a outras côrtes.
Cingindo-me ao projecto que se discute, direi em primeiro logar que não desejo tomar tempo á camara, ainda que comprehendo que nas circumstancias politicas actuaes a opposição prestaria um serviço relevante e cumpriria de um modo consciencioso o seu dever, se por todas as formas que o regimento consente, e adoptadas em todos os parlamentos do mundo, fizesse todo o possível para evitar que nestes últimos dias de sessão se votasse uma quantidade extraordinaria de projectos, trazendo quasi todos elles augmento de despeza, sem que de modo algum satisfaçam a interesses urgentes, (Muitos apoiados.) Importa esse facto para esta casa do parlamento, e ainda talvez mais para a outra, uma situação que me parece que não tende a elevar o credito já bastante abalado do nosso systema parlamentar, (Muitos apoiados.) Effectivamente, eu vejo que a camara alta é obrigada a votar num periodo de oito dias uma serie de leis de grande importancia, e parece-me que d'esta forma as leis sabias e justas que jurámos fazer, não adquirirão áquelle grau de prestigio que deviam ter para serem bem acceitas pelo paiz. (Muitos apoiados.)
Devo comtudo dizer, com relação a este projecto, que tenho a convicção de que elle foi estudado conscienciosamente pela commissão, e nisto não faço mais do que dizer a verdade. Infere-se isto do seu relatório, incontestavelmente bem elaborado e claramente deduzido; mas não posso deixar de notar n'elle uma verdadeira anomalia. No maior numero de casos são os governos que pugnam pelos interesses dos empregados, desejando que os vencimentos d'estes sejam sufficientes para elles se manterem decentemente, e poderem cumprir as suas funcções, mas na hypothese actual dá-se o inverso, é a commissão quem generosamente vem conceder ao governo larguezas que elle por si se não lembrava ou se não atrevia a solicitar.
O governo fixou na sua proposta de um modo claro e terminante, o numero de chancelleres que entendia indispensável, e a illustre commissão deu a esta disposição uma forma diversa, podendo acontecer que nas circumstancias actuaes nos vejamos obrigados a crear um maior numero de chancelleres do que áquelle que o governo pedia, parece que se receava que alguma receita a mais se podesse gastar nos consulados, que viesse contribuir para alliviar a penuria do thesouro. Apenas esse excesso appareça, procura se logo dar lhe destino.
Lá está com effeito o § 5.° do artigo 1.°, estabelecendo que na Europa, o governo poderá conceder vencimentos aos chancelleres do legação que exerçam funcções consulares, e aos dos consulados do 1.ª classe, quando se verifique que pagos esses vencimentos e os dos consules respectivos, bem como as despezas de material e expediente dessas legações, a receita em emolumentos apresente a favor do estado um excesso correspondente ao terço dos vencimentos que lhes forem fixados.
Eu entendia que era melhor uma disposição clara, como a da proposta do governo que dizia, careço de um chanceller em Paris, em Londres etc., com taes e taes vencimentos.
A faculdade porém que no projecto é dada ao governo alem de excessiva, acho-a contraria às garantias da camara, garantias que nós, deputados da nação, devemos zelar.
Mas ainda não fica n'isto.
O governo deve conhecer e tem em si todos os elemen-

Página 2881

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2881

tos para apreciar até que ponto se póde considerar sufficiente a remuneração desses chancelleres que o sr. ministro declara necessários, como verdadeiros fiscaes dos consules, como elemento indispensável para assegurar o bom serviço financeiro e a conveniente fiscalisação de entidades que recebem impostos e cobram tributos.
Ora, o sr. ministro declara que esses empregados ficarão devidamente pagos pelos seus serviços com quantias que variam entre 900$000 réis e 700$000 réis; e diz isto porque naturalmente estudou o assumpto e viu que eram esses ordenados os sufficientes; mas vem depois a commissão e diz que é pouco, que o governo se enganou e é indispensavel que os ordenados fiquem fixados entre 900$000 réis e 1:500$000 réis!
De sorte que parece que se inverteram aqui as posições.
Se o projecto da commissão fosse a proposta do governo e a proposta do governo o projecto da commissão, comprehendia-se, mas por esta forma e na situação financeira em que nos achamos, confesso pela minha parte que não comprehendo e como representante do povo não posso apoiar a alteração feita pela commissão.
O sr. Luciano Cordeiro (relator):-A quantia de réis 1:500$000 estava já estabelecida pelo decreto que creou o consulado no Rio de Janeiro.
O Orador: - Acceito o aparte do illustre relator, mas devo dizer que as circumstancias do consulado do Rio de Janeiro são perfeitamente excepcionaes, e justificam um maior vencimento. Mas pela redacção do projecto como está e sabendo nós que os pequenos funccionarios hão de desejar obter melhores vantagens, o que é perfeitamente justicavel, natural é que se estabeleça uma pressão sobre o ministro para que se attinja para todos elles o maximo fixado na lei.
Eu não fiz o calculo, acceito o que foi feito pelo meu collega o sr. Elvino de Brito. S. exa. calculou em 14:400$000 réis a importancia a que se póde elevar esta despeza...
O sr. Elvino de Brito: -Fora o consulado da Bahia.
O Orador:-Pois estes 14:400$000 réis vão ser pedidos ao credito. (Apoiados.)
E quando nós votâmos 1:000$000 réis por uma só vez, isso não tem uma grande importancia, mas 1:000$000 réis annual para remunerar um logar que se vae crear, representa um capital de 20:000$000 de réis; e se capitalisarmos estes 14:400$000 réis exigidos por este projecto equivale isso a crear divida publica na importancia de réis 248:000$000 effectivos.
Repito, isto é uma despeza grande, e eu folgo de que um projecto d'esta ordem não tivesse passado na sessão de hontem sem alguns reparos da parte da opposição, conseguindo-se que o podessemos discutir pelo modo por que estamos fazendo hoje, e obtendo assim pelo menos, o protestar contra taes augmentos de despeza.
Sem querer negar ao sr. ministro dos negocios estrangeiros os meios que reputa indispensaveis para acudir a uma necessidade urgente do seu ministerio, não posso todavia concordar com a illustre commissão no que respeita á alteração feita na proposta do governo e em resultado da qual se vae elevar tão extraordinariamente a despeza, por isso que pela proposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros a despeza subiria a 6:000$000 réis, e pela proposta da commissão será o acrescimo superior ao dobro d'essa verba.
Dito isto devo declarar que acceitando como summamente vantajosa a adidção feita pela illustre commissão nos §§ 2.°, 3.°, 4.° e õ.° do seu projecto, ainda estou de accordo tambem n'este ponto com o sr. Elvino de Brito. E apenas uma questão de redacção, e talvez não valesse a pena por parte da illustre commissão fazer questão disto, nem mesmo embaraçar com a sua insistencia o andamento do projecto.
Parece-me que a redacção do § 1.° se podia modificar no sentido indicado ha pouco pelo sr. Elvino de Brito.
No decreto de 1869, dispunha-se tambem que este logar de chanceller fosse provido por concurso, dispensando se das provas praticas os individuos que tivessem um certo numero de habilitações scientificas.
N'este projecto declara-se que haverá concurso, facultando-se a admissão aos individuos que tenham essas habilitações.
Não concordo com esta redacção, porque esses estão mais no caso do que quaesquer outros de irem ao concurso. Pedia por isso apenas que se modificasse a redacção, acceitando-se a indicação feita pelo sr. Elvino de Brito que me parece perfeitamente justificada.
Em resumo, digo que acceitando o principio da proposta do governo voto comtudo contra o parecer da commissão.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): -Serei breve porque pouco tenho a acrescentar às rasões apresentadas em defeza do projecto pelo illustre relator da commissão. Tenho, porém, de impugnar alguns argumentos apresentados pelo meu amigo o illustre deputado o sr. Barros Gomes.
S. exa. antes de se occupar propriamente d'este projecto, dirigiu-me uma censura, que julgo immerecida, por não apresentar uma plano geral de reforma para o serviço do corpo diplomatico e do corpo consular, em vez de trazer a esta camara uma serie de medidas para melhorar estes serviços. A minha justificação é simples. Trata-se de serviços independentes que precisavam ser attendidos desde já, e que toem de figurar necessariamente no plano que tenho em mente formular para a reforma do serviço diplomatico e consular.
Portanto, a adopção d'estas medidas não vem contrariar aquelle plano.
A camara sabe perfeitamente que os nossos consulados no Brazil não toem a organisação precisa para uma boa administração, administração importante porque esses consulados fazem a arrecadação das heranças da colonia portugueza, que é importantissima, e principalmente na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro. N'estes consulados havia individuos que faziam o serviço de chancelleres, mas que não tinham funcções bem definidas, e que eram em geral pessoas nomeadas pelos consules. Também não havia na lei verba para se lhes pagar, e estes funccionarios eram pagos á custa de uma verba attribuida ao serviço dos consulados, e que sendo sufficiente para as despezas, a que estava consignada, material e expediente, vinha sobrecarregar as despezas extraordinarias e imprevistas.
Esta situação não devia continuar.
A organisação do serviço dos chancelleres era muito acanhada, subordinada demasiadamente á consideração das nossas circumstancias financeiras, o que muito prejudicava o serviço. Eu entendo que má é a economia de que resulta perigo e perturbação no serviço publico. (Apoiados.) A má remuneração de certos serviços produz, mesmo peecuniariamente, perdas superiores ao que se dispenderia a mais com uma justa remuneração.
A estas considerações obedece o projecto do governo modificado pela commissão.
O serviço estava mal remunerado; era necessario que fosse regulado de modo que melhor correspondesse ao fim que tinha em vista a creação dos chancelleres. Foi isto o que se fez.
Parece-me que as retribuições indicadas pela commissão e consignadas n'este projecto são as mais convenientes; n'ellas se attendeu á necessidade do bom serviço e às condições economicas das diversas localidades.

arcou-se o máximo e o minimo, porque essa retribuição devia variar conforme a importancia dos serviços que esses funccionarios desempenham, que são maiores ou menores, conforme o trabalho que afflue áquelles consulados, e segundo as condições economicas locaes; póde haver era

Página 2882

2882 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dois pontos igual serviço a desempenhar, mas póde ser a vida mais cara em um do que no outro; e é a isso que se deve attender na distribuição das remunerações; mas para isto ha necessidade que se confie nas rectas intenções de quem tiver de fazer essa distribuição. A camara decidirá se mereço essa confiança.
O que posso assegurar-lhe, é que foi talvez por um escrúpulo excessivo que se não consignou no projecto a remuneração de cada chanceller.
Eu acceitei o maximo e o minimo, e estou disposto, e affirmo-o aqui, a fazer essa distribuição depois de obter informações seguras, e segundo as condições económicas das localidades, e a importância dos serviços que o chanceller tem a desempenhar.
Quanto às attribuições dos chancelleres, insistiu-se aqui e foi lembrada na commissão, a conveniencia de indicar n'este projecto que incumbe ao chanceller exercer funcções do ministerio publico.
Eu não posso conformar-me com essa indicação, porque d'esse modo iriamos dar ao chanceller uma situação incompativel com outras funcções que elle tem necessariamente de desempenhar.
Attribuindo-se ao chanceller funcções do ministerio publico, dar-se-lhe-ia uma posição de certo modo superior ao consul concedia-se-lhe uma certa preeminencia que não estava de accordo com as funcções que elle tinha de desempenhar como subordinado do consul. A intenção do projecto é que as duas entidades mutuamente se fiscalisem, sem que o chanceller deixe de ter uma situação secundaria e subordinada.
Uma das funcções que os chancelleres tem do desempenhar, é a de guarda livros, ao passo que o consul representa de chefe da casa mercantil. Ora, estas funcções não estão em harmonia dm as que se attribuem ao ministerio publico.
De mais, a fiscalisação dos actos do consul compete ao chefe da legação e ainda este tem por auxiliar uma commissão, que tem em muitos consulados do Brazil prestado grandes serviços e ajudado a melhorar o serviço de alguns consulados.
Portanto, devendo conservar á legação do Brazil e às commissões auxiliares as attribuições que hoje têem, comprehendendo a incompatibilidade que havia entre a faculdade de fiscalisação e as outras funcções que o chanceller tem de exercer, não posso concordar em que os chanchelleres representem o papel de ministerio publico junto dos consulados.
No § 2.° estabece-se uma restricção, que me parece rasoavel, com relação ao arbitrio que o governo tinha, mas que não quer ter, de nomear chancelleres.
O governo considerou que precisava principalmente de chancelleres para o Brazil, e dispoz as cousas de modo que podesse ter seguro os meios de collocar nos consulados do Brazil chancelleres com os requisitos indispensaveis para o bom desempenho das suas funcções.
Com relação ao augmento de despeza, devo dizer que do projecto que altera as tabellas de emolumentos deve resultar um certo augmento no rendimento dos consulados, e assim ficará em parte compensado o augmento de despeza que traz este projecto.
Não vejo, pois, rasões plausiveis pelas quaes este projecto possa ser impugnado; tenho a consciencia de que elle não traz uma despeza tão excessiva como o illustre deputado affirmou. Não é o máximo d'estas attribuições que deve servir de norma para se avaliar a despeza que este projecto poderá occasionar.
A media entre o maximo e o minimo é que ha de dar o verdadeiro augmento de despeza. De resto, parece-me que n'este projecto se, procurou conciliar a necessidade do serviço com as auctuaes condições financeiras do paiz.
São estas as explicações que me cumpria dar e com as quaes espero que o illustre deputado ficará satisfeito.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Elvino de Brito:- Sentia que as suas propostas não fossem acceitas pelo sr. relator da commissão. Estranhava o facto, tanto mais quanto era certo que uma d'essas propostas, a que é destinada a obrigar o governo a submetter ao parlamento a necessidade da creação dos chancelleres, fora inspirada pelo próprio relatorio do illustre relator.
S. exa., logo na 1.ª columna do relatorio, lamenta que o poder executivo esteja auctorisado "a crear o emprego de chanceller, sem limitação de quadro, nem conhecimento previo do poder legislativo", o que, na opinião do mesmo relator, "não era constitucionalmente regular".
Ora, a sua proposta tinha por exclusivo fim obviar a esses inconvenientes, e fazer respeitar na sua plenitude a acção e as prerogativas do parlamento.
De maneira que succede estar de accordo com o sr. relator, quando escreve, e em desaccordo com s. exa., quando falia. Ninguém dirá, ao menos, que dos dois, a ser algum menos coherente, seja elle orador.
Quanto á outra proposta, lamentava tambem que o sr. relator não a acceitasse, quando s. exa. era o primeiro a reconhecer a necessidade de transformar o chanceller numa entidade official, que seja como o fiscal do governo junto dos consules de 1.ª classe.
(O discurso será publicado na intrega quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção e vae votar-se.
Ha uma substituição do sr. Elvino ao artigo 1.° Se este for approvado, fica aquella prejudicado.
A requerimento do sr. Laranjo, procedeu-se á contagem dos srs. deputados presentes, verificando-se acharem-se na sala 56.
Leu-se o seguinte:
Artigo 1.° Os vencimentos dos chancelleres que o governo está auctorisado a nomear e tiver nomeado por virtude do decreto com força de lei de 18 de dezembro do 1869, artigo 44.°, são fixados pela forma seguinte:
Ordenado: o de amanuense da repartição de contabilidade do ministerio dos negócios estrangeiros.
Despezas de representação: de 900$000 a 1:500$000 réis annuaes, na effectividade de serviço.
§ 1.° De futuro o provimento dos logares do chancelleres será feito por concurso, sendo facultada a admissão a este aos individuos que tenham as habilitações designadas pelo § unico do artigo 69.° do decreto da 38 de dezembro de 1869.
§ 2.° O chanceller nomeado nas condições do paragrapho precedente tem preferencia, salvo conveniencia de serviço, para os logares de consul de a 1.º classe, ao cabo de seis annos de bom e effectivo exercicio do seu cargo.
§ 3.° O chanceller não poderá ser parente ou affim do respectivo consul, nem directa ou indirectamente exercer o commercio.
§ 4.° Serão reguladas as attribuições dos chancelleres de accordo com os decretos de 13 de abril de 1868, 20 de abril e 18 de dezembro de 1869 e 17 de março de 1870, por forma a definir claramente as responsabilidades e obrigações destes funccionarios, muito particularmente na gerencia dos fundos e nos actos respectivos ao arrolamento e liquidação das heranças e legados.
§ 5.° Na Europa o governo sómente poderá estabelecer vencimentos aos chancelleres de legação que exerçam funcções consulares e aos dos consulados de 1.ª classe, quando se verifique que pagos esses vencimentos e os dos consules respectivos, bem como as despezas de material e expediente d'essas legações consulares ou d'esses consulados, a receita em emolumentos apresenta a favor do estado um

Página 2883

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2883

excesso correspondente ao terço dos vencimentos que lhes forem fixados.
Posto a votação foi approvado, ficando prejudicada a substituição ao § 4.°, proposta pelo sr. Elvino de Brito.
O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do artigo 2.°
Leu-se. É o seguinte:
Art. 2.° Fica auctorisado o governo a supprimir quaesquer consulados de 1.ª classe, na Europa, ou os Jogares de chancelleres d'esses consulados, quando a experiencia tiver provado que é insufficiente para occorrer às despezas correspondentes a respectiva receita em emolumentos, e que não ha inconveniente publico n'essa suppressão.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto a discussão e approvado.
Leu-se o seguinte:
Art. 3.° Fica igualmente auctorisado o governo a reor-ganisar o serviço e a circumscripção consular no império do Brazil, creando mais um consulado de 1.ª classe na provincia e cidade de S. Paulo.
O sr. Presidente: -Está em discussão.
O sr. Barros Gomes : -Para renovar o meu protesto, ou antes, as observações que ha pouco fiz, repito : o governo, melhor do que a commissão, deve estar informado das necessidades do serviço, e, como se vê do projecto, a commissão quiz ir muito alem da proposta do sr. ministro.
Comquanto eu conheça as rasões ponderosas que pode haver para a creação de um consulado de 1.ª ciasse em S. Paulo, acho extraordinario e não posso deixar de notar que o sr. ministro não a tenha proposto e nada nos diga no seu relatorio com respeito ao importante augmento do despeza que d'ahi resulta, ao passo que a commissão não vacillou em introduzir no projecto esse novo consulado.
Estando s. exa. na intenção de tratar da reorganisação geral dos serviços do seu ministerio, não se perderia nada em esperarmos mais seis mezes para que esta necessidade fosse satisfeita, (Apoiados.) e assim melhor saberiamos se deviamos diminuir ou augmentar as despezas e satisfazer sómente aquellas que o sr. ministro julgasse indispensaveis.
Carece de mais estudo o assumpto a que se refere o artigo em discussão e pela minha parte confesso que não concordo com o systema de votar sem esclarecimento.
Voto por isso contra o artigo.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Luciano Cordeiro (relator) : - Somente para uma explicação ao orador que acaba de fallar.
Este projecto foi feito de accordo com o governo, que tinha em seu poder elementos justificativos da necessidade d'esta creação consular.
Com relação á necessidade de reorganiser os serviços consulares no Brazil, esse era por assim dizer o fundamento da própria proposta do governo.
O que torna mais urgente e o que melhor justifica a necessidade da reforma consular em relação ao Brazil, é precisamente a circumscripção ou distribuição dos nossos consulados, distribuição desconnexa e desharmonica, com a economia actual do grande imperio sul americano ou com a economia da nossa colonisação e das nossas relações commerciaes.
A imprensa tem registado muitas vezes esta necessidade, e o proprio governo tem recebido mais de uma representação da colonia portugueza na provincia de S. Paulo. Lembro-me de uma que deve ter sido apresentada por cavalheiros que tem assento n'esta casa, e que não fazem parte da actual maioria da camara.
Não me demoro em mais considerações, porque me parece que as que justificam a idéa da commissão se acham sufficientemente desenvolvidas no parecer que precede o projecto.
Se essas, e as que é fácil e natural deduzir-se d'ellas, se não bastam, não sei de outras, ou não creio que outras consigam mais do que ellas.
Parece-me que estamos estragando muito esta velha nota de que não podemos fazer mais despezas, ou de que estamos aggravando enormemente as circumstancias do thesouro.
Conviria ao menos distinguir um pouco a origem, a rasão e a natureza das despezas consulares, sobretudo em relação ao Brazil, porque essas despezas representam realmente receita que esses consulados recolhem, receita que podo ser maior desde o momento em que se modifiquem e melhorem os serviços consulares no imperio.

sr. Elvino de Brito : -Disse que não comprehendia como é que a commissão propunha a immediata creação de um consulado de 1.ª classe na provincia e cidade de S. Paulo, ao mesmo tempo que auctorisava o governo a reorganisar o serviço e a circumscripção consular no império do Brazil.
Era mais curial que o governo, depois de estudar a nova circumscripção consular, ouvidas as estações competentes, se subordinasse inteiramente ao plano que fosse traçado nessa circumscripção. Propunha, por isso, a eliminação, das ultimas palavras do artigo 3.°, isto é, a suppressão do consulado em S. Paulo.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
Leu-se na mesa, a seguinte

Proposta

Proponho que no artigo 3.° se eliminem as palavras: "creando mais um consulado de 1.ª classe na provincia e cidade de S. Paulo". = Elvino de Brito.
Admittida.

O sr. Luciano Cordeiro: - Sr. presidente, sinto muito não poder felicitar o meu illustre collega, o sr. Elvino do Brito, pela sua proposta. S. exa. parece que vê nesta creação de um consulado em S. Paulo, que aliás está plenamente approvada por todas as pessoas que conhecem do perto este negocio e o tenham estudado, e eu não acredito que s. exa. o discutisse, sem que o estudasse primeiro.
S. exa. vê n'essa idéa qualquer cousa extraordinaria e suspeita; não sei mesmo se tenebrosa. Tem d'estas illusões de optica a nossa santa politica. Pois não fallemos mais d'isto... no projecto. Acceito a proposta de eliminação. Mas como se diz que nesta discussão se têem visto ou estão vendo as cousas mais extraordinarias do mundo, sempre me permittirei observar, concordando, que não e das cousas menos extraordinarias que se têem visto, a noção das necessidades e das condições dos nossos serviços consulares que a opposição exhibe. E disse.
O sr. Presidente :-Ninguém mais está inscripto. Vae votar-se começando se pela proposta de eliminação, apresentada pelo sr. Elvino de Brito e que a commissão acceitou.
Lida a proposta, fui approvada, sendo em seguida tambem approvado o artigo 3.° do projecto, sem prejuizo da mesma proposta.
O sr. Presidente:-Passa-se á discussão do art. 4.°
Leu-se. É o seguinte :

Artigo 4.° As verbas de vencimentos dos consulados de Portugal no Maranhão, Pernambuco e New-Castle e as de material e expediente dos consulados respectivos, são substituidas pelas da tabella junta.

Tabella a que se refere o projecto de lei

Vencimento dos cônsules de 1.ª classe em Pernambuco, Maranhão e New-Castle e despezas de material e expediente dos respectivos consulados.

Consulado em Pernambuco:
Consul, ordenado ....500$000
Despezas de representação.... 2:500$000
Despezas de material e expediente ................... 1:500$000

Página 2884

2884 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Consulado no Maranhão:.... 500$000
Consul, ordenado .... 1:000$000
Despezas de representação ....1:000$000
Despezas de material e expediente.... 1:000$000
2:500$000

Consulado em New-Castle:
Consul, ordenado .... 500$000
Despezas de representação .... 2:000$000
Despezas de material e expediente.... 500$000
3:000$000

O sr. Barros Gomes: - Até que a final vêmos que a illustre commissão propõe uma diminuição de despezas (Apoiados.) Tinha-se augmentado, mas agora este augmento tornou-se menor.
A proposta do governo fazia equivaler esse augmento de despeza a 2:000$000 réis, e a illustre commissão diminue esta verba, propondo que sejam reduzidas as despezas de representação; e direi de passagem que este nome me parece pouco próprio e realmente pomposo; podiamos dar-lhe outro, por exemplo a ajudas de custas como a illustre commissão indica no seu parecer; mas isto não passa de uma questão de redacção. Sejam despezas de representação ou seja o que for, a verba que lhe é destinada elevou-se ultimamente, por uma resolução tomada pelo parlamento, ha um ou dois annos, a 3:500$000 réis. E agora vejo que se propõe a revogação dessa disposição, reduzindo aquella verba a 2:500$000 réis. Fica por conseguinte de sobrecellente 1:000$000 réis com que se diminue o encargo resultante dos melhoramentos que se estabelecem pelo projecto.
O consulado de New-Castle é elevado às condições do consulado de Liverpool, por considerações que as circumstancias d'aquelle consulado justificam, segundo se diz, e a meu ver perfeitamente. N'isto estou completamente de accordo.
Pelo que respeita ao consulado do Maranhão, tenho a fazer algumas observações ao sr. ministro e ao illustre relator.
O ordenado do consul subsiste na importancia de réis 500$000, como estava fixado, e as despezas de representação do mesmo consulado ficam igualmente fixadas em 1:000$000 réis; mas a verba para despezas do material e expediente é elevada de 500$000 réis a 1:000$000 réis.
Segundo me consta a verba total de vencimentos d'aquelle funccionario, que é um funccionario muito zeloso e habil, é modesta, e ha mesmo reclamações d'elle a este respeito, insistentes e repetidas, e bem justificadas aliás pelas condições particulares de carestia da vida n'aquellas localidades e pela importancia d'este consulado, comquanto seja menor do que a de outros consulados no Brazil.
Ora, eu comprehendia por isso que se melhorassem as condições d'aquelle funccionario; mas não que se augmente a verba para despezas de material e expediente. (Apoiados.)
Dizendo o governo no seu relatorio e confirmando-o á commissão, que d'esta verba de despeza para material e expediente é que saiam até hoje, por um processo condemnavel á face da boa contabilidade, os ordenados dos chancelleres, e passando os ordenados dos chancelleres a serem inscriptos no orçamento, não comprehendo que seja precisamente esta verba de expediente e material que precise ainda ser augmentada. (Apoiados.)
Limito-me a estas simples observações, esperando que o sr. ministro ou o sr. relator se dignem dar-me uma resposta.
S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - O fim d'esta modificação é satisfazer às necessidades d'estes consulados e estabelecer uma verba correspondente às verbas que têem os outros consulados nas mesmas condições.
Eu não tenho senão a confirmar as apreciações justissimas feitas pelo illustre deputado, quanto á pessoa que actualmente desempenha estas funcções. É digno de toda a consideração pelo seu merito pessoal e pelo zelo com que desempenha as suas funcções.
A rasão por que se elevou a verba de despezas de expediente e material é porque essa verba era constantemente excedida por estes funccionarios; nem podia deixar de assim acontecer.
(O orador voltou-se e não pôde ser ouvido.)
O sr. Elvino de Brito: - Pedi a palavra para dizer simplesmente que, não me conformando, na conjunctura presente, com o augmento da dotação aos consules de Pernambuco, Maranhão e New-Castle, voto contra o artigo 4.° do projecto em discussão.
O sr. Presidente: - Vae votar-se o artigo e a tabella respectiva.
Leram-se, e postos á votação foram approvados.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 5.° para se discutir.
É o seguinte:

Artigo 5.° O governo fará os regulamentos necessários á execução desta lei, dando conta às côrtes do uso que fizer das auctorisações n'ella contidas.

O sr. Barros Gomes: - Não vou fallar sobre o artigo 5.° Desejo apenas perguntar, como um pedido de explicação, o motivo por que a illustre commissão supprimiu o artigo 5.° da proposta ministerial.
Esse artigo estabelecia que metade dos emolumentos dos consulados de 2.ª classe constituiriam receita do estado, e por esta fórma parece que se estabelecia uma receita nova para o thesouro, com essa metade do producto dos emolumentos que até agora constituíam receita directa dos funccionarios que estavam á frente dos consulados dessa categoria.
Ora como esta disposição, que era benéfica para o thesouro, não apparece no projecto da commissão, desejava saber o motivo que para isso houve.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Luciano Cordeiro (relator): - A rasão fundamental por que o artigo 5.° da proposta ministerial foi eliminado por parte da commissão, foi o parecer-lhe que já eram muito diminutos os proventos e os elementos de vida dos cônsules do 2.ª classe, e que por consequência seria inconveniente ir cerceal-os ainda mais.
Não me recordo agora precisamente, para fallar a verdade, se algumas outras rasões se adduziram, na occasião em que se discutiu e estudou esta parte do projecto; em todo o caso considero sufficiente e bem justificada a rasão que acabo de apontar.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Elvino de Brito: - Observou que se tem notado uma cousa curiosa na discussão d'este projecto.
sempre que o governo propunha um certo augmento de despeza, a commissão ainda a augmentava mais; e sempre que o governo propunha uma certa receita, a commissão, supprimia-a.
É o que aconteceu com a suppressão do artigo 5.° da proposta do governo.
Para fazer justiça a todos, convinha que fosse por esquecimento, e por isso propunha o restabelecimento d'esse artigo.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que se restabeleça o artigo 5.° da proposta do governo.= Elvino de Brito.
Admittida.

Página 2885

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2885

O sr. Luciano Cordeiro ( relator): - Sinto não poder acceitar a proposta do illustre deputado. Já dei a rasão, e essa parece-me capital, pela qual a commissão, de accordo com o governo, entende que o artigo a que se refere o illustre deputado não póde ser incluido no projecto.
É sabido que os consulados de 2.ª classe vegetam, não vivem e que o governo se vê tambem privado de meios para acudir às necessidades inesperadas e às vezes consideraveis do serviço d'esses consulados.
Realmente ha muita cousa curiosa na discussão deste projecto, como s. exa. disse, e uma d'ellas é a noção, que poderá ser muito correcta, mas que para mim é perfeitamente extraordinaria, que se tem exhibido a respeito do que sejam serviços consulares. E nada mais direi sobre o assumpto.
O sr. Presidente: - Vae votar-se, começando-se pelo artigo e seguindo-se as duas propostas do sr. Elvino, uma das quaes comprehendo um additamento e a outra um artigo addicional.
Leu-se o

Art. 5.° Metade dos emolumentos dos consulados de 2.ª classe constituirão receita do estado, quando seja necessario applicar essa receita a qualquer consulado de 1.ª classe, comprehendido na circumscripção consular que para esse fim se estabelecer.
Posto d votação, foi approvado.

Leu-se o additamento do sr. Elvino de Brito.
É o seguinte

Proposta

"Art. ... Sempre que as necessidades do serviço o exigirem, o governo proporá ao parlamento a creação de logares de chancelleres nos consulados geraes de 1.ª classe ou nos consulados de 1.ª classe, e as dotações respectivas. = Elvino de Brito."
Foi rejeitada,

Leu-se a seguinte:

Proposta

"Proponho que se restabeleça o artigo 5.° da proposta do governo. = Elvino de Brito.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente. - Resta o artigo 6.° do projecto.
Leu-se. É o seguinte:

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - Vou pôr em discussão outro projecto.
Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 174

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de legislação commercial o projecto de lei apresentado na sessão de 27 do corrente, pelo illustre deputado o sr. Luiz de Lencastre, cujo fim é tornar extensivo aos jurados commerciaes o disposto no artigo 189.° do codigo penal, para evitar as duvidas que se têem levantado sobre a sua applicação áquelles funccionarios, em rasão do que se acha estatuido na carta de lei de 8 de novembro de 1841.
E é, com effeito, sabido que a differença de origem dos jurados commerciaes e dos jurados criminaes, a diversidade de suas funcções e categoria, tem levantado duvidas e escrupulos sobre se áquelles estão ou não comprehendidos na accepção generica da palavra jurados, para quem legisla o citado artigo do código penal, e se áquelles é ou não applicavel a sua disposição, estando, não só sujeitos á penalidade ali estabelecida, mas ao foro commum, por se entender revogada a carta de lei de 8 de novembro de 1841.
Das opiniões oppostas nasce o inconveniente da incerteza, e d'esta prejuizo ao serviço publico, sendo necessario que uma lei interpretativa defina, clara e expressamente, a intelligencia da lei obscura; e a vossa commissão.
Considerando que a differença de penas, por qualquer facto, ou omissão da mesma natureza, não se justifica em face dos principios de justiça e igualdade, e menos se justifica ainda o foro privilegiado, a não ser que o interesse publico, por excepção, o estabeleça;
Considerando que, seja qual for a origem dos jurados commerciaes e a sua categoria, não estão isentos da penalidade que a lei impõe às faltas e omissões dos funccionarios de igual denominação, e que exercem funcções do mais alto interesse social, nem podem gosar privilégios de foro que estes não têem;
Considerando que o artigo 327.° do código penal estabelece toda a igualdade, com respeito aos funccionarios de nomeação e de eleição, quando incorram na sancção penal; para factos ou omissões previstas no codigo:
E a vossa commissão de parecer que seja convertido em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E applicavel aos jurados commerciaes o disposto no artigo 189.° do codigo penal.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 30 de junho de 1885.= José Luciano de Castro = Francisco de Castro Matoso = Luiz de Lencastre = Moraes Carvalho = G. de Lima = Emygdio Navarro = Francisco Beirão = Neves Carneiro, relator.

N.º 172-A

Senhores. - O codigo commercial portuguez no artigo 1048.° dispõe ácerca dos jurados, que não comparecerem nas audiencias, e impõe ao tribunal do commercio a obrigação de examinar se os jurados que faltam são ou não matriculados. Sendo matriculados serão riscados por termo lançado no livro das matriculas, do numero dos matriculados ; não sendo matriculados far-se-ha no mesmo livro igual termo, que expresse seus nomes e domicílios para que nunca em tempo algum possam ser admittidos á matricula commercial. Havendo de uns e de outros tudo se concluirá num só termo. A carta de lei de 8 de novembro de 1841, no artigo 2.°, applica aos jurados, para os effeitos da imposição das multas e suas escusas por falta de comparecimento nos dias indicados para as audiencias, a disposição do artigo 173.° §§ 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.º da nova reforma judicial, a qual disposição deve ser applicada pelo tribunal commercial respectivo.
Ha mais o codigo penal portuguez, o qual no artigo 189.0 impõe ao jurado que não comparecer ao juizo, tendo-se-lhe feito a necessaria intimação, a pena de prisão e de multa de um mez.
Têem-se levantado duvidas se este artigo é applicavel ou não aos jurados commerciaes, e estas duvidas são nocivas ao serviço publico.
Eu tenho por sem duvida que o artigo do código penal é applicavel aos jurados commerciaes e para que isto fique expresso e claro venho sujeitar á vossa esclarecida resolução o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica sendo applicavel aos jurados commerciaes o disposto no artigo 189.° do codigo penal.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 6 de julho de 1885. = Luiz de Lencastre.
Approvado sem discussão.

Leu-se depois o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 173

Senhores. - A vossa commissão de legislação commercial examinou com a necessaria attenção o projecto de lei

133 *

Página 2886

2886 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

apresentado na sessão de 27 do corrente pelo illustre deputado o sr. Luiz de Lencastre, e que tem por fim fixar os dias de sessões e de assentada nos tribunaes privativos do commercio do Lisboa e do Porto, alterando o que se acha estatuido no artigo 1074.° do código commercial vigente.
E considerando que não ha rasão alguma de conveniencia em que subsista a differença de dias designados no referido artigo e no que se lhe segue, para as audiencias de expediente e para as de discussão e julgamento, antes do serviço do tribunal e o interesse das partes reclama que aquellas e estas tenham logar no mesmo dia em acto seguido e continuo, com que de certo haverá mais celeridade no curso regular dos termos dos processos e seu julgamento;
Considerando que pendencias ha no foro privativo dos tribunaes commerciaes que, tendo de ser encetadas na audiencia de expediente, t eem de ser resolvidas e julgadas em sessão do tribunal constituido com o numero legal de juizes, sem necessidade de praso intermediário entre um e outro acto, e que por isso só abreviarão quando as sessões ou audiencias de assentada se sigam em acto continuo às audiencias de expediente, do que resulta conveniencia e economia às partes;
Considerando que os dias designados no supracitado artigo do codigo commercial para as sessões de assentada nos referidos tribunaes e ao exactamente os mesmos que se acham marcados para as sessões dos tribunaes superiores, o que torna impossivel às partes e seus procuradores a sua assistencia num e noutro, quando no mesmo dia tenham pend encias nos referidos tribunaes;
Considerando, finalmente, que, reconhecido desde ha muito o inconveniente que resulta da prescripção do citado artigo do codigo commercial, tem a pratica alterado a sua observancia, sem que ultimamente haja uniformidade nos dois referidos tribunaes com respeito aos dias de suas sessões:
E a vossa commissão de parecer que seja convertido em lei o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As audiencias de expediente, e as sessões de assentada nos tribunaes privativos do commercio de Lisboa e Porto terão logar nas segundas e quintas feiras de cada semana útil, ou nos dias immediatos quando aquelles forem santificados, ou por outra causa legal exceptuados, ficando por esta forma alterado o artigo 1074.° do código commercial.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 30 de junho de 1880.= José Luciano de Castro = Francisco de Castro Mattoso = Luiz de Lencastre = Moraes Carvalho = G. de Lima = Emygdio Navarro = Francisco Beirão = Neves Carneiro, relator.

N.º 172-B

Senhores.-Dispõe o código commercial nos artigos 1074.° e 1075.°, que nos tribunaes do commercio de primeira instancia haverá duas sessões e assentadas por semana, nos dias de terça e sexta feira, e que haverá tambem duas audiencias de expediente nas segundas e quintas feiras.
Este preceito deixou desde ha muito tempo de ser observado, tanto no tribunal do commercio desta cidade, como no do Porto, quanto á designação dos dias de terça e sexta feira, destinados para as sessões do jury, pois que passaram estas desde certa epocha a ter logar nas segundas e quintas feiras de cada semana, e em acto continuo às audiencias de expediente.
Justificava-se esta alteração dos dias das sessões pela conveniencia de não se acharem tomados quatro dias por semana com o serviço do tribunal, o que impedia o juiz presidente de se occupar mais detidamente do trabalho das sentenças que demandam tempo e socego, e embaraçava tambem o serviço da mar, que em alguns mezes é quasi incessante e reclama certa urgencia, por não poderem demorar-se as vistorias, quando reclamadas pelos capitães de navios e outros interessados. Alem d'isso os empregados do tribunal, occupados com o serviço obrigado d'aquelles dias, mal podiam dedicar-se a outros trabalhos que exigem presteza e assiduidade, taes como os protestos de letras quanto aos escrivães, e as citações e intimações a cargo do unico official de diligencias que tem este tribunal e o do Porto.
O sr. juiz presidente do tribunal, o conselheiro Eduardo de Serpa Pimentel, quando em junho de 1878 tomou posse do logar, não obstante reconhecer as vantagens desta modificação, ha muito annos adoptada, teve duvida em continuar a seguil-a, porque não encontrou diploma que a auctorisasse e não via revogado aquelle artigo 1074.° do codigo commercial. Por isso fez anmmciar por edital de 12 de setembro de 1878, que as sessões e assentadas do tribunal do commercio passavam a ter logar nas terças e sextas feiras de cada semana, pelas doze horas da manhã, e assim se tem observado até hoje. A experiencia, porém, convenceu-o de que são grandes os inconvenientes para o serviço com a estricta observancia do citado artigo 1074.° do codigo. Neste sentido officiou ao governo pelo ministerio da justiça. Tal officio não teve resposta nem resolução, e eu, reconhecendo, como aquelle digno magistrado, meu antecessor, na jurisdicção do tribunal do commercio de Lisboa os inconvenientes da disposição dos artigos 1074.° e 1075.°, e para alteração dos referidos artigos venho sujeitar á vossa esclarecida deliberação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Cada tribunal do commercio terá duas sessões e assentadas nos mesmos dias designados para as audiencias de expediente no artigo 1075.° do código commercial.
Art. 2.° Fica assim alterado o artigo 1074.° do codigo commercial, e revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de junho de 18&õ.- Luiz de Lencastre.

O sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.
O sr. Presidente: - Consulto agora a camara sobre se permitte que dispensando-se o regimento, entre desde já em discussão o projecto de lei que vae ler-se.
(Leu-se.)
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 177

Senhores. - A vossa commissão de negócios externos apreciou a proposta do governo n.º 175-A, que cria uma missão diplomatica de 2.ª classe na Republica do Mexico, sendo chefe dessa missão o nosso enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto dos Estados Unidos da America, um logar de segundo secretario na legação portugueza junto da Santa Sé e um logar de segundo secretario junto da nossa legação na Haya.
A vossa commissão de negócios externos:
Considerando que a creação de uma missão diplomatica de 2.ª classe no Mexico estreitará as relações de cordialidade já existentes entre Portugal a Republica Mexicana;
Considerando que para a Republica Mexicana de ha annos emigram, em proporção crescente, muitos súbditos portuguezes cujos direitos e interesses nos cumpre salvaguardar e garantir;
Considerando que a creação de uma missão diplomatica no Mexico corresponderá ao procedimento amigavel do governo desta Republica, acreditando em julho do anno passado, como enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto da côrte de Lisboa o seu ministro em Madrid;

Página 2887

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2887

Considerando que a representação diplomatica de Portugal no Mexico não póde alcançar-se mais economicamente do que pela maneira proposta pelo governo;
Considerando que as necessidades de serviço da legação junta a Santa Sé exigem o augmento do seu pessoal;
Considerando que as relações que sustentamos com a Hollanda, com especialidade as relações coloniaes, tornam necessaria a existencia de um funccionario diplomatico subalterno na legação da Haya, que poderá substituir como interino, quando preciso for, o ministro respectivo:
É de parecer que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É creada uma missão diplomatica de 2.ª classe na Republica do Mexico.
Art. 2.° O chefe d'esta missão será o enviado extraordinario e ministro plenipotenciario acreditado junto do governo dos Estados Unidos da America.
Art. 3.° As despezas da missão diplomatica em Washington e Mexico são fixadas:

Um ministro plenipotenciario, ordenado.... 1:100$0000
Verba para despezas de representação.... 6:000$000
Despezas de material e expediente.... 500$000

Art. 4.° É creado um logar de segundo secretario na legação de Sua Magestade, junto da Santa Sé, e um logar de segundo secretario na legação de Sua Magestade na côrte de Haya.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 1 de julho de 1885.= A. Carrilho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhaes = M. d'Assumpção = Conde de Thomar (vencido) = Visconde das Laranjeiras (Manuel = Tito de Carvalho = L. Cordeiro = Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos = Pedro Guilherme dos Santos Diniz = Carlos Bocage = João Marcellino Arroyo, relator.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da illustre commissão de negocios externos.
Sala das sessões da commissão, 1 de julho de 1880.= Lopo Vaz de Sampaio e Mello = A. Carrilho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Frederico Arouca = Pedro Roberto Dias da Silva = M. d'Assunpção Franco Castello Branco = João Marcellino Arroyo = A. C. Ferreira de Mesquita = L. Cordeiro = Moraes Carvalho, relator = Tem voto do sr. Antonio José Lopes Navarro.

Proposta de lei n.º 175-A

Senhores. - É Portugal das poucas nações que não são representadas no Mexico por um ministro, que promova e fomente as amigaveis relações internacionaes, e attenda aos interesses dos numerosos subditos portuguezes que ali residem, e que todos os annos para ali emigram já de Portugal, já do Brazil. A Allemanha, a America, a Belgica, a França, a Gran-Bretanha e a Hespanha têem enviados extraordinarios, ou ministros residentes, acreditados junto do governo mexicano, existindo porventura menos nacionaes de alguns d'esses paizes, do que portuguezes estabelecidos e com interesses creados no Mexico.
Alem d'estas rasões de per si bastante fortes para fundamentarem a proposta que tenho a honra de vos apresentar, outras, baseadas na reciprocidade, elemento necessario para o regular exercício de relações desta ordem, robustecem os motivos da creação de uma legação de Portugal no Mexico.
O governo d'aquelle paiz por um acto espontaneo de cortezia internacional acreditou em julho do anno passado como enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto da côrte de Lisboa, o general Corona, ministro do Mexico em Madrid. É de conveniencia que o governo portuguez corresponda áquelle acto. Não o póde fazer mais economicamente do que acreditando um mesmo ministro nas duas legações dos Estados Unidos da America e no Mexico, augmentando apenas o indispensavel nas despezas de representação.
É tambem de absoluta necessidade a creação de um logar de segundo secretario na legação de Roma, junto da Santa Sé, e um na legação da Haya. N'aquella porque a accumulação de trabalhos todos os dias crescente já de ha muito exigia que um addido ali fizesse os trabalhos de segundo secretario, n'esta porque o decoro pede e os trabalhos da legação requerem que o ministro seja acompanhado de um secretario, e que nas ausencias forçadas do chefe haja quem o substitua interinamente.
Tenho, pois, a honra de submetter a vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É creada uma missão diplomatica de 2.ª classe na Republica do Mexico.
Art. 2.° O chefe d'esta missão será o enviado extraordinario e ministro plenipotenciario acreditado junto do governo dos Estados Unidos da America.
Art. 3.º As despezas da missão diplomatica em Washington e Mexico são fixadas:

Um ministro plenipotenciario, ordenado 1:100$000 réis;
Verba para despezas de representação 6:000$000 réis;
Despezas de material e expediente 500$000 réis.
Art. 4.° É creado um logar de segundo secretario na legação de Sua Magestade junto da Santa Sé, e um logar de segundo secretario na legação de Sua Magestade na côrte da Haya.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 30 de junho de 1885. = José Vicente Barbosa du Bocage.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, uma dupla rasão me obriga a tomar a palavra sobre este projecto desde logo na sua generalidade. Em primeiro logar por que não estou de accordo com muitas, ou para melhor dizer, com todas as suas disposições, e em segundo logar, por que referindo-se o 1.° artigo do mencionado projecto a creação de uma missão de 2.ª classe na republica do Mexico, relacionando-se por isso este artigo com uma pergunta que tive a honra de dirigir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, ha algumas sessões, necessito deixar perante a camara bem evidenciada a responsabilidade que tenho na apresentação de similhante proposta!
Não virei repetir novamente as considerações de ordem geral que fiz hontem a proposito da elevação a 1.ª classe da nossa missão de Berlim. São considerações que podem integralmente applicar-se ao projecto em discussão; mas como estão ainda bem presentes no espirito da camara, escuso de tomar tempo aos meus collegas, expondo-as novamente.
Entretanto permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu me admire por ter sido apresentado este novo projecto diplomatico, apesar da declararão expressa, do sr. ministro dos negocios estrangeiros na sessão de hontem, de que concordando com a maior parte das idéas que eu havia exposto, se reservava para na proxima epocha legislativa apresentar um plano completo de reforma da nossa diplomacia.
Para que são, pois, estas medidas provisorias na vespera de uma transformação completa do serviço diplomatico consular?
Permitta-me s. exa. e a camara que eu estranhe similhante precipitação que póde tornar mais embaraçoso e difficil o exito da reforma final! (Apoiados.)
Assim, quasi sem discussão, o parlamento acaba de votar dois projectos, que significam importantes modificações no nosso regimen consular: um que se refere aos emolumentos e outro dos chancelleres dos consulados.
Hontem votou a elevação a 1.ª classe da legação de Ber-

Página 2888

2888 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lim. Agora entra em discussão, um projecto de lei que cria uma missão diplomática de 2.ª classe no Mexico e os logares de segundos secretarios para as missões de Roma e da Haya!
Francamente não comprehendo este período de augmentar o actual quadro da nossa diplomacia, quando é certo que dentro de alguns mezes elle deve ser alterado profundamente, se o sr. ministro dos negocios estrangeiros cumprir a sua promessa!
Como não desejo tomar a palavra na discussão da especialidade, e como pelo regimento tenho o direito de alludir desde já às disposições especiaes do projecto, vou apresentar á camara em breves considerações a minha opinião sobre o assumpto que se trata.
Primeiramente vou occupar-me da missão do Mexico, por que tendo sido eu quem aventou n'esta casa a idéa de que se devia corresponder ao acto de cortezia e de deferencia d'esta republica por ter acreditado como seu ministro em Lisboa e Madrid o general Corona, preciso explicar á camara o alcance da minha proposta.
Francamente, sem deixar de agradecer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros o extraordinario zelo com que attendeu as minhas indicações, direi a s. exa., em abono da verdade, que n'este ponto o governo fez muito mais do que aquillo que eu tinha lembrado! (Apoiados.)
Coherente com as minhas idéas eu não pedi, sr. presidente, não podia pedir ao governo que creasse uma legação de 2.ª classe no Mexico.
Disse apenas, e é facil verificar as palavras que n'essa occasião proferi, e que se encontram nos registos parlamentares, que entendia ser da nossa parte um acto de cortezia internacional dar os competentes poderes ao nosso ministro em Washington, a fim d'elle ir em nome do governo portuguez relatar com o Mexico as negociações diplomaticas que estavam interrompidas, como v. exa. sabe, d'esde a guerra civil que teve por sangrento epilogo a morte do archiduque Maximiliano. Não implicava, a menos que se quizesse interpretar a minha lembrança por outra fórma, não implicava esta lembrança ao governo a indicação de se crear uma legação permanente no Mexico, especialmente, antes do nosso serviço diplomatico consular ser reformado.
É um augmento annual e improductivo de 2:100$000 réis no orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros, porque a legação do Mexico vae ser apenas mais uma das luxuosas inutilidades que nós ostentamos por esse mundo!
Eu sei que se me responde que a vida em New-York ou Washington, onde habitualmente deve residir o nosso representante no Mexico, é muito cara, e que se torna necessario não collocar esse funccionario diplomatico n'aquelle paiz, abaixo do que pede a dignidade do paiz que representa.
Mas a isso eu objecto, que não tenho duvida em que as despezas com a nossa legação na America do Norte sejam augmentadas, comtanto que d'ella o paiz tire alguma utilidade, o que é forçoso confessar, não tem acontecido até hoje!
Assim, por exemplo, ha um grupo bastante importante de emigração portugueza nos Estados Unidos, e é necessario attender às obrigações e aos deveres que impõe o contacto com tão numerosa fracção da família lusitana.
Debatem-se todos os dias na grande republica anglo saxonia os mais capitães problemas, que podem interessar as nações da Europa, e é urgente que a nossa representação diplomatica e commercial naquelle paiz habilite o governo e o parlamento, por meio de relatorios largos e circumstanciados, por meio de informações officiaes e fidedignas, a illucidar os problemas analogos que se discutem na nossa propria terra.
Mas para se conseguir similhante resultado, insisto em que é indispensavel uma reforma radical do ministerio dos negocios estrangeiros e de todos os serviços d'elle dependentes.
Nada mais direi ácerca d'este artigo, a não ser, que a rasão dada pelo governo e pela commissão para a creação de uma legação no Mexico e verdadeiramente peregrina.
Parece impossível que se escreva tão levianamente um documento official!
Pois então no Mexico ha uma importante emigração portugueza?
Quem deu similhante informação ao sr. ministro?!
Repito, parece impossivel que tão levianamente se escreva um documento official, que tem de ser assignado pelo governo!
Passemos ao artigo 4.°
N'este artigo encontro eu uma disposição ainda mais grave, uma disposição que me parece não será facilmente justificada por nenhuma das considerações que o sr. ministro apresentou hontem á camara.
São creados dois logares de secretarios, um na embaixada da Santa Sé e outro na legação da Haya; e lendo eu os considerandos que fundamentam este projecto de lei, encontro que o motivo da creação do primeiro secretariado é o augmento de expediente na referida embaixada!
Que necessidades são estas tão instantes, tão urgentes e tão inadiaveis que obrigam para o expediente da legação junto da Santa Sé a pedir mais um segundo secretario?
Não posso em verdade saber!
Ha tanto tempo que o governo portuguez mantem relações diplomaticas com a côrte pontificia, e só agora surgem similhantes difficuldades, quando não consta que se tenham dado factos alguns extraordinarios que reclamem este augmento de serviço?!
A proposito da creação de um segundo secretario para a legação da Haya tambem se diz no relatorio do respectivo projecto de lei, que as relações commerciaes com a Hollanda tornam necessaria a nomeação de um funccionario d'esta categoria.
Já hontem me referi às nossas relações diplomaticas com a Hollanda. Sabe v. exa. que essas relações são, é verdade, tradiccionaes, de boa amisade e sympathia, mas estão exactamente, pelo que diz respeito á necessidade da existencia de uma missão permanente diplomatica, nas mesmas circumstancias em que estão as nossas relações politicas com os paizes scandinavos! (Apoiados.)
Diz-se que a Hollanda entretem grande commercio com casas estabelecidas no nosso ultramar, especialmente nos novos territorios portuguezes do Congo.
Em primeiro logar cumpre-me lembrar á camara que o principal estabelecimento commercial hollandez que trafica com o Zaire, fica situado fora da zona que politicamente nós vamos administrar.
A casa hollandeza tem a sua feitoria chefe na ponta da peninsula de Banana, emquanto que nós adquirimos apenas a margem esquerda do Zaire e o territorio de Cabinda ao norte do referido rio!
Alem d'isso taes relações commerciaes, mesmo que se estendessem às nossas possessões africanas, estavam perfeitamente salvaguardadas pelos consules que temos na Neerlandia.
A que proposito vem então a creação de um funccionario subalterno e meramente diplomatico na Haya, para satisfazer às reclamações dos interesses commerciaes que, com a Hollanda nos são communs, na Africa occidental?!
Confesso, sr. presidente, que não percebo!
Mas ha mais.
Existe entre este projecto e um que se votou hontem contradicção manifesta. E até essa contradicção se accentua entre as differentes disposições do proprio projecto que n'este momento discutimos. Senão, vejamos.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros propõe a creação de uma legação de 2.ª classe no Mexico, incumbindo ao nosso ministro acreditado em Washington essa representação.
Ora recorrendo ao orçamento de 1885-1886 vejo que

Página 2889

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2889

em Washington existe unicamente um ministro plenipotenciario, não havendo n'aquella legação secretario algum.
Tão pouco o sr. ministro pediu ao parlamento a creação de logar algum de secretario para o México.
De modo que se é indispensavel para qualquer missão diplomatica um secretario, porque não têem funccionarios d'esta categoria as legações de Washington e do México? E se é dispensavel, porque se vae crear um para Haya e mais outro para Roma?!
Não comprehendo similhante contradicção! Espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros dará as necessarias explicações a este respeito!
Ou a missão do Mexico e de Washington, com effeito, não vae representar cousa alguma, porque lhe falta um elemento indispensavel, que é o segundo secretario, ou a creação d'esse logar para a legação da Haya representa um mero luxo, altamente condemnavel nas difficeis circumstancias do thesouro.
Note a camara, que muito de proposito calo o receio que tenho, de que se trate apenas de crear uma posição para algum amigo ou aluado do governo.
Sobre este ponto o futuro me desenganará!
É indispensavel alem d'isso que na reforma que o sr. ministro dos negocios estrangeiros intenta apresentar para o anno ao parlamento, se determine de uma vez para sempre, e de modo racional, a forma de recrutar á moderna o novo pessoal diplomático, a fim d'elle poder satisfazer á sua futura missão.
Digo isto sem querer fazer offensa pessoalmente a ninguem, porque sou o primeiro a confessar que nas escolhas feitas aliás por um methodo detestável, algumas ainda que muito raras, têem sido felizes. E aproveito o ensejo para render n'este momento o preito da minha sympathia ao novel diplomata que se estrelou brilhantemente n'esta sessão, sustentando doutrinas com as quaes é certo não estou de accordo, mas revelando grande estudo e proveitosa applicação: refiro-me ao sr. Carlos du Bocage. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, não é uma ou outra excepção isolada que póde rehabilitar um systema tão radicalmente vicioso! Não é meio de recrutar o pessoal das legações, attender-se unicamente a títulos que já hoje na diplomacia moderna pouco ou nada se têem em consideração! (Apoiados.)
Apresentar como documento de habilitação para servir numa commissão do ministerio dos negócios estrangeiros, o facto de se ser herdeiro de um nome tradicional e illustre ou de uma avultada fortuna, quando outros títulos faltem no nomeado, é uma perfeita irrisão e um gravíssimo erro, que póde ter serias consequências para o paiz!
O pertencer-se á nobreza de sangue, ou á nobreza de dinheiro não dá direito a nomeações que, acima de tudo, demandam muito talento,
muito saber, um tacto especial, grande actividade e não menor patriotismo! Apoiados.)
Não sei se os futuros funccionarios diplomaticos, na reforma do sr. ministro dos estrangeiros serão escolhidos assim, tendo em consideração todos estes elementos de preferencia; o que declaro desde já é que serei systematica
mente contrario a outra qualquer maneira de recrutar o pessoal das nossas legações! (Apoiados.)
Sei que estes fuuccionarios vão hoje a uns chamados concursos, que lhes dão uns títulos convencionaes de habilitação, mas sobre este ponto, como não é meu intento discutir personalidades, permitta a camara que eu guarde um significativo silencio.
Eram estas as considerações que tinha a apresentar e como deixei a minha opinião claramente manifestada, nada mais direi sobre a questão.
Antes de terminar, porém, aproveito a occasião de estar com a palavra, para fazer ao sr. ministro dos negócios estrangeiros uma pergunta, que já ha muito tempo desejava dirigir-lhe.
Como s. exa. sabe, a hespanha ha annos votou uma lei, em virtude da qual se estabelecia, a respeito do nosso paiz, a reciprocidade dos títulos académicos.
Como s. exa. também não ignora, Portugal não correspondeu até hoje a este acto do paiz vizinho, votando pela sua parte uma lei identica.
Não venho levantar similhante questão neste momento, nem pronunciar-me agora sobre a vantagem de Portugal corresponder á medida liberal do governo hespanhol.
Desejo apenas que o sr. ministro dos negocios estrangeiros me informe se ha negociações pendentes ácerca d'este assumpto; e, no caso de as haver, me informe igualmente sobre o estado em que se encontram essas negociações, se s. exa. o póde dizer sem quebra de qualquer legitima reserva diplomatica.
Tenho dito.
O sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Tem-se alludido já por diversas vezes á declaração que fiz hontem de que, no cumprimento do meu dever de melhorar a situação em que se encontra o serviço diplomatico e consular, tenciono apresentar na proxima sessão legislativa uma proposta de lei a este respeito.
Tem-se recorrido a essa declaração para se retardar a aprovação de algumas providencias que proponho, mas ainda ninguem demonstrou que ellas não fossem de instante necessidade. (Apoiados.)
E agora dá-se com o discurso do illustre deputado que acaba de fallar uma circumstancia extremamente singular.
S. exa. attribue-se, talvez um pouco exageradamente, a indicação, a revelação da idéa de que é necessario reatarmos as nossas relações com o Mexico e porque eu, no seu modo de apreciar, me apressei a dar cumprimento a essa indicação, s. exa. tirou dahi um argumento para me censurar.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Eu não censurei o governo, disse que elle tinha ido alem do que eu desejava, e nada mais.
O Orador: - O illustre deputado de certo não ignora as relações estabelecidas com a republica do Mexico, nas quaes não ha reciprocidade completa, como devia haver.
Aquella republica acreditou ministro plenipotenciario em Lisboa o seu ministro plenipotenciario em Madrid. Este é o facto.
A este facto devia corresponder a nomeação de pessoa que representasse Portugal no Mexico. Portanto as relações com o Mexico estavam já estabelecidas pela nomeação do sr. Corona, ministro plenipotenciario em Lisboa, o qual accumula com estas as funcções de representante do Mexico em Madrid.
Parece-me que o que se fez com relação ao México não devia merecer censura ao governo.
Satisfazendo-se a esta necessidade, que não deixava de ser um tanto imperiosa, porque Portugal tinha de responder a uma attenção de um paiz amigo, e como satisfizemos a essa necessidade pela forma como devia ser satisfeita, não me parece que este facto contrarie em cousa alguma um bem entendido plano geral de reforma.
Este projecto tem por fim tambem a creação de dois logares de secretarios, um na Haya e outro na côrte de Roma.
Parece-me que é uma idéa falsa querer sujeitar todos as reformas de serviços públicos a prescripções de estricta economia.
Todos nós desejamos que esses melhoramentos sejam completos, que se attenda às verdadeiras necessidades publicas e se faça tudo pelo melhor; mas ao mesmo tempo não nos mostrâmos dispostos a auxiliar o governo com recursos indispensaveis para se dotarem convenientamente alguns serviços públicos.
É preciso que estejamos bem representados nos diversos paizes.
N'isto estâmos todos de accordo.

Página 2890

2890 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A minha opinião, salvo rarissimas excepções, é que onde tivermos um representante diplomatico, devemos ter ao lado um secretario. O serviço soffre sempre que ao lado do ministro não houver um secretario; e ao propor aqui os dois que menciono na minha proposta entendi que satisfazia uma necessidade reconhecida e urgente.
Começemos pelo embaixador em Roma.
O embaixador em Roma tem a satisfazer, alem dos deveres inherentes á sua posição, a uns certos encargos de representação, tem de attender a umas certas prescripções de decoro, tem de obedecer a praticas estabelecidas, que lhe não permittem achar-se n'aquella corte desacompanhado de um secretario.
É preciso, pois, acautelar eventualidades, que mais de uma vez se têem dado, creando um logar de segundo secretario junto do embaixador de Roma, para evitar que o embaixador se encontre só.
Isto pelo que respeita a umas certas regras de decoro que todos os paizes respeitam.
(O orador estando voltado para o sr. deputado a quem estava respondendo não foi bem ouvido pelo tachygrapho.)
Alem d'isso posso affirmar á camara, que na presente conjunctura sente-se em Roma falta de mais um empregado de confiança e com as devidas habilitações.
Por consequencia, julgo indispensável satisfazer a esta condição, não só porque convirá constituir este serviço com um certo lustre, mas mesmo porque em relação ao serviço que ha a desempenhar, não póde ser executado por pessoas estranhas, em que não haja confiança, e que não possuam as habilitações indispensaveis. É este o meu modo de ver, de que a camara poderá talvez divergir; entretanto a minha obrigação e solicitar esta providencia que julgo indispensavel.
Na Haya ha unicamente um ministro plenipotenciário de 2.ª classe.
A creação de um segundo secretario é aconselhada pela importancia das relações commerciaes que a Hollanda tem não só no Zaire, onde uma casa commercial d'este paiz tem um giro de commercio igual, senão superior ao de todas as casas commerciaes estrangeiras, mas, tambem nas nossas possessões da Africa oriental.
A Hollanda é tambem uma potencia colonial de primeira ordem, que administra muito bem as suas colonias e cujas praticas de administração nos podem servir de util ensinamento. Por mais de uma rasão, pois, nos convém estreitar com ella as nossas relações, e para isso é indispensável que habilitemos o nosso representante na Haya ao melhor desempenho dos seus deveres dando-lhe um auxiliar habilitado e util.
A estes factos attenderei no meu plano de reorganisação, porque entendo que é indispensavel crear-se no ministerio dos estrangeiros uma secção especial de serviço colonial, não só com relação às nossas possessões, mas tambem às das nações estrangeiras, onde se concentre tudo quanto disser respeito á politica e commercio do ultramar.
E aqui abro um parentheses para affirmar perante a camará, que o sr. conde de S. Miguel, representante de Portugal na Haya, foi um grande auxiliar do governo durante o periodo das negociações do tratado do Zaire; mas precisa ter ao seu lado quem o auxilie, do que resultará grande vantagem para o paiz. (Apoiados.)
Aqui está a justificação que posso dar aos illustres deputados por apresentar este fragmento de reforma, que não póde ser mais completa e abranger elementos mais importantes, porque tive de me restringir às condições financeiras do paiz; foram estes os motivos porque apresentei este pequeno fragmento de reforma, que significa a satisfação de uma necessidade real do paiz.
Á pergunta que me dirigiu o illustre deputado com relação á Hespanha direi: que não ha negociações diplomaticas pendentes e creio que nunca as houve.
Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada e mais os projectos n.ºs 175 e 176.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso do sr. deputado Joaquim José Alves, proferido na sessão nocturna de 17 de junho, e que devia ler-se a pag. 2361, col. 2.ª

O sr. Joaquim José Alves: - Começo por pedir desculpa a v. exa. e á camara se, porventura, não poder fazer-me ouvir como desejava, porque a isso dá causa o estar n'este momento incommodado de saude.
Continuando no uso da palavra, eu passo a occupar-me do capitulo que trata da contabilidade das despezas, referindo-me ao artigo 144.°, quando diz, que despeza alguma será ordenada, sem que esteja descripta em orçamento regularmente organisado e approvado nos termos d'esta lei.
Não me parecendo os termos d'esta lei bastante explícitos, julgo que a commissão fiscal, que propuz, dará com o seu voto mais garantias de regularidade nas despezas.
E não se estranhe, ou se considere inutil esta minha exigencia, porque posso assegurar á camara que em todas as leis administrativas, desde 1832 até 1878, se teve sempre como indispensavel e proveitosa a entidade denominada fiscal da camara, cabendo-lhe a missão principal de concorrer, pela sua vigilancia, para que a administração municipal se fizesse sempre da forma que não compromettesse os legitimes interesses do municipio: e por isso a modificação que faço a este artigo proponho-a igualmente para o artigo 151.°, em que tambem julgo conveniente que a mesma commissão fiscal seja ouvida sobre o modo como o corpo executivo deve regular o pagamento das despezas.
Acho de muita vantagem que se attenue, quanto possível, a responsabilidade á commissão executiva, ficando por esta forma mais garantida a boa administração municipal.
A alteração, pois, que apresento limita-se a acrescentar ao artigo 151.º as palavras depois de verificada pela commissão fiscal.
Passando ao capitulo 7.°, que traia das contas geraes do exercido e da conta da gerencia, estando do accordo com o artigo 156.°, discordo um pouco quanto ao § único, quando dá o direito a qualquer eleitor municipal de fazer por escripto as observações que entender, no acto em que a conta da gerencia estiver exposta ao publico.
Eu não acho muito rasoavel a disposição que concentra num só individuo os poderes de verificar as contas do municipio : porque sendo o municipio dividido em quatro bairros, acho que um grupo de eleitores, que nunca poderão ser menos de quatro, representantes dos bairros da nova circumscripção, terá maior auctoridade para fazer, sobre as contas, as observações que julgue necessarias e convenientes.
Entendo mais que, quando as observações que façam, sejam, antes de confirmadas pela camara, sujeitas ao parecer da commissão fiscal, poderá desde logo decidir se sobre o seu valor e auctoridade, resolvendo quaesquer duvidas que a similhante respeito se suscitarem.
Tambem sobre o § 2.° do artigo 157.° tenho a fazer considerações na parte em que se refere á sindicância rigorosa aos actos da administração municipal.
Francamente, concordo com a doutrina; mas se pelos antecedentes se deve julgar dos consequentes, peço licença para dizer que pouco ou nada acredito nas providencias que se propõem.
Pois só agora se falla em syndicar? Porque não o têem feito até aqui, quando todos têem apontado esse meio como essencial? Só se o governo pretende affirmar que a camara municipal de Lisboa tem sido um modelo de boa administração ?!...

Página 2891

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2891

Eu não sei como procederão de futuro os governos com esta lei, a respeito dos corpos administrativos. Sei apenas o que têem feito, que têem sido os protectores mais decididos e mais benevolos para com a actual vereação do municipio de Lisboa.
Achava-me eu no exercicio de vereador quando o partido progressista, á frente da governação publica, mandou á camara uma syndicancia, que não sei se lhe possa dar tal nome, porque nada se syndicou; pelo menos eu não fui interrogado, e n'esse tempo confesso que desejava tel-o sido.
No Brazil, ha proximamente dois annos, o governo d'aquelle imperio, por motivos de ordem superior, teve a coragem de dissolver a camara municipal da cidade do Rio de Janeiro, mandando em acto continuo proceder a uma syndicancia, fazendo que a mesma camara fosse substituida pelos vereadores das camaras transactas.
Em Madrid ainda ultimamente se deu facto similhante, que podia ter dado ao governo melhor resultado, se não procede tão tardiamente.
Porque é, pois, que entre nós os governos procedem de modo differente?
Pois a faculdade que existe para dissolver um parlamento, só porque n'elle impera a politica partidaria, não póde exercer-se nos corpos administrativos, onde existem rasões mais poderosas e onde ha o direito de saber-se como e administrado o dinheiro dos municipes?
Pois não tem o governo leis que lhe facultam esse direito?
Não diz o actual codigo administrativo nos artigos 16.°, 17.° e 18.° a fórma de proceder em casos d'esta ordem?
Isto são cousas tão sabidas e tão conhecidas, que não havia necessidade de apontal-as, porque o governo conhece melhor do que eu tudo o que se está passando na administração municipal de Lisboa, ignorando eu comtudo os motivos que têem dado causa para deixar de proceder.
Eu já não creio nem nas multas, nem nos muitos e variados artigos de guerra que se possam introduzir nas leis, determinando as epochas para a apresentação das contas dos corpos administrativos no respectivo tribunal.
Creio antes na boa vontade e no interesse de bem administar; e temos visto muitas vezes uma boa administração tornar-se superior a quantas leis possam existir, ainda com todas as suas bellezas theoricas.
Isto, porém, não significa que deixe de ter muito respeito por todas as disposições legaes, quando tenham por fim proporcionar a maior regularidade no que toca á remessa das contas da gerencia municipal.
E tive sempre isto tanto em vista, e eram taes os meus cuidados, que no meu espirito existia o constante receio de que mais tarde ou mais cedo, pela negligencia ou falta no cumprimento da lei, da parte de quaesquer vereadores, tivessem os mais zelosos de responder tambem perante o tribunal, por não serem dadas as contas na epocha em que a lei a isso obriga.
E não se diga que eu estou apreciando as cousas a meu modo, pelo contrario aprecio-as á luz da rasão e da justiça.
E, com effeito, se eu lesse á camara algumas das actas das sessões municipaes, que tenho junto do mim, mostraria o quanto eu era considerado de impertinente por parte de alguns collegas da vereação, quando requeria e exigia o cumprimento do artigo 142.° do codigo administrativo em vigor.
Tambem já depois de abandonar as cadeiras de vereação por me constar terem-se mandado para o tribunal as contas de 1878 sem a minha assignatura, requeri em 28 de dezembro de 1883, que logo que novas contas que digam respeito á minha gerencia estejam prestes a serem enviadas ao referido tribunal, eu fosse avisado, para as poder assignar, tomando n'ellas a responsabilidade que me competisse.
Em virtude d'esta minha reclamação fui no anno passado prevenido de que iam ser remettidas as contas relativas ao anno de 1879, conseguindo assignal-as em conformidade com as declarações que nas respectivas sessões em tempo havia feito.
É evidente, pois, que para este e outros casos analogos nunca é de mais tornar os artigos da lei bem claros, para que não se alleguem duvidas no modo da execução.
Eu sei bem que os governos têem, quando querem, todos os meios á sua disposição, para obrigar os corpos administrativos a cumprirem o seu dever; mas o que é certo, e que esses meios não se põem em pratica, e d'ahi segue-se continuar a fazer-se o que é contrario á lei.
Ora, eu queria que os governos procedessem contra as camaras, quando para isso haja rasão; mas que não o fizessem unicamente animados pela politica partidaria, porque n'esse caso as camaras ficam com mais força do que tinham até ali.
Os governos devem ser severos para com todos, mas de o exemplo começando pelos seus.
Seria um passo que lhe dava auctoridade e não lha tirava.
Disse ha pouco, que em tempos o governo progressista, convencido de que era irregular a administração municipal de Lisboa, mandou áquella corporação uma syndicancia, cujos resultados nunca foram conhecidos do publico; e comquanto lhe reconheça o direito de o ter feito, sinto que esse partido que tão prompto estava sempre para censurar os actos da vereação quer aqui quer na imprensa, não tivesse a coragem e forças precisas para levar a cabo essa syndicancia, fazendo ouvir todos os vereadores, e tornando depois bem publicos os resultados dos seus inqueritos.
Mas se essas syndicancias nada produziram, nem por isso o mesmo partido progressista na sua imprensa tem deixado constantemente de fazer á camara municipal accusações acerbas e graves, embora ultimamente tenha conservado aqui o mais profundo silencio em assumptos que têem relação muito immediata com ella.
Ignoro o que significa isto; mas quero acreditar que não seja este um dos fructos do accordo.
Não faço com isto provocações, nem tão pouco pretendo azedar o debate; mas em abono da verdade lastimo a situação a que vae chegando a politica, que com o seu indifferentismo tanto prejudica os interesses mais caros do paiz.
Com respeito á inspecção da fazenda municipal, é creado no artigo 159.° um logar denominado, inspector geral da fazenda municipal, que será sempre escolhido pelo tribunal de contas com a gratificação annual de 600$000 réis, tendo as attribuições de fiscalisar, evitar dolos, reconhecer dos orçamentos, contas, fazer observações para evitar abusos, etc.
Folgo de ver crear para a nova lei a entidade fiscal, porque vem confirmar a rasão que tive, quando na discussão do codigo administrativo de 1878 eu propunha a conservação de similhante entidade.
Mas se reconheço a necessidade da maior fiscalisação, reconheço tambem que não deve haver retribuição para tal cargo, a exemplo do que a commissão já praticou, e por isso a louvo, não approvando o projecto primitivo na parte em que aos seis membros da commissão executiva, secretario e presidente da camara, se concedia de ordenado annual 5:406$000 réis.
Ora, estando nós a legislar para grangear meios de com que o municipio se possa, sustentar de futuro, sendo grandes os encargos que lhe deixam e muito problematica a receita que lhe ha de vir, é justo que não vamos aggravar mais com despezas superfluas uma camara pobrissima, justificando o que já se diz publicamente, que o fim d'esta lei, como de muitas, é augmentar ordenados e crear empregos novos, alguns talvez já talhados para individuos determinados.

Página 2892

2892 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mas alem d'estas, ha muitas outras obras e serviços imprescindiveis, sob pena de ser considerado uma burla não os fazendo, o que se torna então muito serio.
Assim teremos as obras da canalisação e esgoto indispensaveis, e feitas de modo que satisfaçam os preceitos da hygiene, o que é mais interessante para o bem estar dos novos municipes lisbonenses.
Feita a canalisação, todos sabem os accessorios que requer, alem do pessoal que demanda, no que não haverá talvez muito a despender, pelo excesso que a camara tem actualmente e que para ali póde destinar.
Em todo o caso a despeza é grande, e ninguem acreditará que se faça com palavras. (Apoiados.)
Vamos ás calçadas: as das do novo municipio hão de ser igualmente calcadas e macadamisadas como são as de Lisboa, e quando digo igualmente quero dizer nas mesmas condições; com quanto me caiba dizer aqui de passagem, que não se desconheceu na camara como ainda hoje se não desconhece que o actual systema de calçadas é pessimo, e que para o transformar de vez em systema mais aperfeiçoado seria caso para o augmento consideravel na despeza, que já é enorme com o actual.
Eu julgo que este assumpto é digno de ser estudado se o não está já, porque emfim é um dos nossos grandes defeitos o contentarmo-nos em gastar excessivamente em estudos e experiencias, que o capricho torna caras, e muitas vezes ou não se fazem as obras, ou quando se chegam a começar já ninguem lhes liga importancia.
Em todo o caso as despezas com calçadas consideram-se como obrigatorias, e embora tragam mais despeza entendo que se devem fazer nas melhores condições a beneficiar o transito publico, e aperfeiçoadas de fórma a dar á cidade um aspecto tal, que os estrangeiros que a visitarem se convençam de que estão numa capital civilisada, e que caminha para rivalisar com as principaes cidades da Europa. (Apoiados.)
E depois se a camara quizer cumprir a lei, uma vez que está senhora de maiores terrenos, tem para os salubrisar e melhorar, de fazer as expropriações que forem de necessidade; e todos sabem que as expropriações não se fazem sem despender muito, e que tem prasos determinados.
Temos a par de tudo isto, e ainda para dar á nova população do municipio as condições de salubridade a que tem direito, o augmento de despeza com o pelouro da limpeza, com os arvoredos e jardins, e que em todos estes e outros serviços se têem de consumir grandes massas de agua, que a companhia tendo obrigação de fornecer á cidade, tambem tem o direito de exigir que lhe paguem.
Eu embora me custe dar credito a similhantes conjecturas, tambem entendo que não ha necessidade de despender mais 600$000 réis para quem exercer tal cargo, que considerados como gratificação, hão de recair por certo em quem tenha pelo menos outro tanto de ordenado.
É pois aqui o caso em que proponho, em harmonia com o que sempre se praticou desde 1832, e com o que já se estabelecia em 1867 na reforma do sr. conselheiro Mártens Ferrão, que a fiscalisação seja gratuita, e feita pela commissão fiscal eleita d'entre a vereação com todas as attribuições designadas nos nos. 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do artigo 160.°, e no artigo 162.° e seus paragraphos.
Se a commissão ou o sr. relator não approvar esta proposta, eu, embora tenha na maior conta os motivos por que assim proceda, appellarei para o futuro, que se encarregará de tudo nos explicar.
Passo agora ao titulo III que trata das obras publicas municipaes.
Este assumpto é tão vasto, que se quizesse alongar-me, podia dar margem a uma grande discussão.
São muitas e importantes as obras municipaes que entendo é preciso realisar no interior da cidade populosa, e que por serem das mais urgentes, estão votadas ao mais completo esquecimento! E se assim acontece com a cidade presente, ninguem porá em duvida que com a resultante da nova area, essas obras hão de crescer no numero e na especie.
Assim uma das primeiras despezas que a futura vereação tem a fazer, é dar luz á parte da nova area que d'ella precisar; e não será para estranhar que aquelles que hoje não se queixam por não terem luz de gaz, tendo de pagar para gosarem dos foros de cidadãos lisbonenses, se zanguem e se amuem, quando virem que não têem luz igual á d'aquelles que tanto se têem esforçado para que viessem honral-os com a sua companhia.
E note-se, que alem da despeza da canalisação, que é feita por conta da companhia, e que não é pequena, ha outra, que para quem sabe o custo da luz de um candieiro, póde avaliar quanto a camara terá a despender por anno com o augmento da illuminação!...
Ora eu creio que muita gente não sabe bem a situação do municipio para com a companhia do gaz!
Pois se a camara lucta presentemente com grandes difficuldades para pagar o que deve á companhia pelo consumo de gaz antigo e presente, o que não acontecerá com as novas despezas que vae contrahir de futuro?! (Apoiados.) Tratou-se primeiro de saber isto, e se a receita dará para a despeza?
Eu creio que não.
E poderá a camara de futuro pagar á companhia a agua que a parte do novo municipio consumir, quando ainda é credora a mesma companhia de uma somma avultada que desde muitos annos não satisfaz, e cujas contas estão ainda por liquidar, não obstante as constantes reclamações da companhia?
E quem ha de fiscalisar o serviço da policia municipal? E o governo ou a camara? Seja quem for, este importante serviço ha de pagar-se a quem tiver de o fazer. Tudo isto devia prever-se no projecto, mas não succedeu assim; talharam-se despezas certas, contando-se com receitas imaginarias!...
Passando ao artigo 164.° vejo que elle estabelece que nenhuma obra de construcção, reparação ou conservação poderá ser approvada sem que previamente tenham sido elaborados, nos termos dos regulamentos em vigor, e technicamente informados pela commissão de obras publicas, os respectivos projectos e orçamento.
Parece deprehender-se d'aqui que é a commissão de obras publicas composta de tres engenheiros quem resolve todas as questões das obras municipaes!...
Ora, marcando o § 4.° do artigo 29.° que esses tres engenheiros, que compõem a commissão de obras publicas, são nomeados pelo governo, e não se fallando nos dois engenheiros empregados actualmente na camara municipal, pergunto, que papel ficam representando esses dois empregados?
Prescinde-se d'elles, ou ficam sendo cinco os engenheiros que têem de cuidar das obras do municipio de Lisboa? Parece-me ser, alem de um pessoal excessivo, e portanto muito dispendioso, mais um meio de protelar obras que exigem uma realisação prompta e rapida, lançando nos serviçcs os maiores embaraços e confusão.
Dispõe o artigo 165.°, que as despezas correspondentes a cada obra serão descriptas de modo a poder-se comparar a despeza total com os orçamentos approvados.
Eu acho esta doutrina muitissimo regular se for observada; se bem que a experiencia me tem demonstrado a inutilidade d'ella, por não confiar no modo como são feitos os orçamentos.
Eu não quero dizer com isto, que quem os apresenta não os saiba fazer; mas são intencionalmente calculados muito abaixo do custo real da obra, para não assustar os que tem de auctorisal-a. Assim, começando-se a obra com o orçamento que não espante, e chegada a um certo ponto, como ella não póde ficar em meio ou deixar de concluir-se, facilmente se vota um segundo orçamento, e ás vezes um ter-

Página 2893

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2893

ceiro, porque para tudo isto apparecem sempre rasões da parte dos technicos!
Ora, o sr. Fuschini que é engenheiro, ha de confessar que isto é verdade, e eu podendo apresentar muitos exemplos cito apenas um.
As obras dos paços do concelho foram primitivamente orçadas em 200:000$000 réis, e em 1882, doze ou quatorze annos depois, elevava-se aquella somma a mais de réis 600:000$000; e presentemente Deus sabe a quanto montará!!
E isto ainda não é nada; porque outras obras ha, em construcção, com o nome de grandiosas, em que não só se não conhece orçamento, mas nem será muito fácil saber a quanto monta e o que com ellas se tem despendido, e se despenderá ainda! Portanto, não tenho rasões para acreditar na efficacia do artigo, a não ser que se queira entrar em caminho novo e seguro de administração.
Quanto ao artigo 166.° concordo com elle na parte que descreve o modo como deve ser feito o pagamento das expropriações e indemnisações, notando comtudo a ausencia da formula a seguir no ajuste d'essas expropriações.
Eu desejo, e sempre me pareceu conveniente, que, assumpto tão serio e de tanta responsabilidade como é o das expropriações, em logar de se auctorisar um unico individuo a tratar com o proprietario, seja confiado este trabalho a uma commissão de vereadores nomeados ad hoc pela camara e auxiliada pelos empregados technicos, apresentando depois o seu parecer; e no caso de não se conformar com elle, ou na impossibilidade de se chegar a accordo com os proprietarios sobre o preço, promoverá a expropriação por utilidade publica, conforme a lei.
É assim que julgo se deve proceder em materia tão grave, onde é indispensavel toda a regularidade, porque só desta fórma podem os vereadores e empregados que tratam de taes ajustes, ficar ao abrigo de quaesquer juizos menos favoraveis ao seu credito.
Sobre a doutrina do capitulo III que trata dos contratos e adjudicações, eu faço alguns commentarios, chamando para isto a attenção da illustre commissão e do sr. relator.
Eu devo declarar que, embora concorde com o systema do concurso publico para tudo, discordo nos casos em que se pretende applicar este principio para a feitura de obras, como dispõe o artigo 167.°
Não me parece que se obtenha bom resultado de que sejam realisadas as obras municipaes por arrematação, e opto antes por que se façam por administração.
Podia apresentar muitos casos em abono d'esta minha opinião, mas citarei apenas um que se deu ha talvez mais de trinta annos, com a municipio de Lisboa.
Resolveu a camara d'essa epocha, para acabar com a vergonha existente no sitio denominado as fressureiras, e no que prestou um serviço importante á saude publica, construir um matadouro, para cujo fim deu aquelle trabalho de empreitada. A obra, segundo informações que colhi de fonte verdadeira, era fiscalisada por parte da camara, e tambem por parte do empreiteiro.
Mas, o empregado fiscal que era o mesmo para ambos, parecia mais propenso a advogar os interesses do empreiteiro, talvez por que melhor lhe pagasse, resultando de tudo isto verificar-se, depois de concluida a obra, que ella estava cheia de imperfeições e defeitos, figurando entre muitos a pessima qualidade do material empregado.
D'aqui veio que a obra teve depois de ser desmanchada, e de novo reformada, tudo por conta da administração municipal, em que se consumiu uma somma não pequena, alem dos 90:000$000 réis em que tinha sido orçada.
Cabe aqui notar, que esses 90:000$000 réis foram obtidos por meio de emprestimo feito pelo banco de Portugal, que ha tres annos ainda não estava de todo satisfeito, e que não creio que o esteja actualmente, embora o não possa asseverar, porque tambem não consegui obter resposta ás perguntas que fiz sobre os emprestimos contrahidos pela camara municipal de Lisboa desde 1832 até hoje.
O sr. Presidente: - Peço ao illustre deputado, que tenha a bondade de se dirigir para a mesa.
O Orador: - Faz-me v. exa. uma observação, que tem já feito a varios srs. deputados, e até aos srs. ministros; procurando obedecer ao convite de v. exa., devo dizer que sem querer ser indelicado para v. exa., tenho tambem de ser cortez para com o sr. relator, a quem por vezes me estou dirigindo.
Assim digo eu, se fica resolvido como se estabelece no projecto que as obras da camara serão feitas por arrematação, n'esse caso pergunto para que fica servindo o immenso pessoal technico ali existente? (Apoiados.)
Quererão por ventura despedil-o ou licenceal o?
Este systema que se usa em algumas repartições de obras publicas é repugnante, e não me conformo com elle! Entretanto o sr. relator melhor o explicará.
Marca o mesmo artigo 167.°, que os contratos, para obras, fornecimentos, etc., não poderão realisar-se sem previa hasta publica, precedendo editos pelo menos de vinte dias; mas logo mais adiante apparecem excepções para certos casos, algumas das quaes não têem rasão de ser.
Eu lembro ao sr. relator no caso de julgar conveniente o artigo 167.°, que elimine então os nos. 1.° e 2.° do seu § unico.
Realmente, não sei por que motivo hão de constituir excepção a obras que tenham de executar se no praso de um a dez annos.
Estas excepções, ficando o artigo tal qual está, tendem a annulal-o, podendo parecer que elle fora feito para apparentar uma cousa que se não deseja realisar.
O projecto do governo, nas excepções a este artigo fazia comprehender o n.° 6.° do seu paragrapho relativo ás substancias alimenticias e outras analogas; a commissão, porem, dá no parecer como eliminado este numero, o que me faz crer que na acquisição d'estes géneros não é dispensada a arrematação; e assim deve ser.
Eu não vejo inconveniente algum em que se obtenham por arrematação os generos alimenticios necessarios para as diversas dependencias da camara municipal, pois que havendo ali montada uma repartição de hygiene, o seu pessoal não só póde verificar pela simples inspecção todos esses generos, mas póde quando suspeite a sua adulteração, recorrer ao laboratorio, para, em resultado de analyse chimica, se decidir sobre a sua boa ou má qualidade.
Estes trabalhos não vão sobrecarregar o pessoal d'aquelle estabelecimento, nem tão pouco augmentar a despeza, desde que a camara se impoz a obrigação de querendo fornecer ao povo da cidade generos considerados puros, investigar pela analyse chimica se estão n'este caso os muitos que só acham á venda nos diversos estabelecimentos de Lisboa.
Não vejo, pois, inconveniente em que a commissão, concordando com o principio da arrematação para o fornecimento dos generos alimenticios, acceite a minha proposta, que dá toda a clareza á questão. E não se tenha isto como caso extraordinario, porque desde muitos annos que está em pratica este systema nas diversas repartições do estado.
Na armada existem commissões de saude, a que tenho a honra de pertencer, encarregadas especialmente da inspecção de todos os generos alimenticios, sem excepção de um só, destinados ao consumo das praças de marinhagem; sendo convenientemente verificada a sua pureza, pela analyse chimica, sem o que não são admittidos.
Se isto é como affirmo, acho que nenhuma rasão ha para ser exceptuada a camara municipal de adquirir por arrematação os generos de que carece para consumo dos diversos estabelecimentos a seu cargo.
E assim se torna hoje necessario, desde que a sciencia da falsificação tem chegado a tal grau de perfeição, que caminha a par dos meios que a chymica descobre para reconhecer a substancia que serve para sophisticar.

Página 2894

2894 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Effectivamente desde que ha suspeitas de que os generos de primeira necessidade são falsificados, e com substancias muitas d'ellas altamente prejudiciaes á saude, e dever d'aquelles a quem está confiado este ramo de serviço publico exercer a maior fiscalisação, porque, da boa qualidade dos alimentos depende a saude e vida dos cidadãos.
Infelizmente eu podia referir muitos casos em que na qualidade de perigo tenho encontrado varios generos alimenticios falsificados com substancias nocivas; citarei apenas o de um salchicheiro estabelecido em tempos em uma das de Lisboa, vendendo chouriços, cuja carne se achava impregnada de oxido vermelho de chumbo, naturalmente para lhe imitar a cor do pimentão.
Podem todos imaginar o resultado do uso d'esta carne pelos effeitos perniciosos que os preparados de chumbo costumam produzir na economia animal.
Passarei agora ao titulo 9.° ultimo da discussão, que trata da segurança municipal.
O artigo 174.° tem sido largamente tratado por varios srs. deputados, e pouco me demorarei na sua discussão porque a camara deve estar já esclarecida n'este ponto, e porque não lhe desejo tomar tempo: entretanto devo dizer que não concordo com a sua doutrina, pois me parece um acto violento, e odioso por ser pedido a uma só classe, ir lançar mais encargos sobre estas companhias que já se acham bastante sobrecarregadas com impostos geraes e locaes. Parece-me que a commissão fará um bom serviço eliminando do projecto este artigo, a fim de que não se vão aggravar companhias, que como estas tem prestado grandes serviços. (Apoiados.)
Concluo aqui as observações que tinha a fazer aos capitulos em discussão, que sem duvida serão dentro em poucos momentos votados, para em acto continuo, segundo o systema adoptado, entraram simultaneamente em discussão os capitulos X, XI, XII, XIII e XIV, unicos do projecto que restam a tratar, e com quanto tenha desejos de fazer algumas considerações aos differentes artigos de cada um desses capitulos, eu persinto não me ser permittido, por ver a celeridade com que se caminha para que o projecto se torne lei, empregando-se ainda desta vez o grande esforço para estrangular a discussão.
Eu provarei, pois, se a palavra me couber, que a doutrina dos artigos que tratam da dissolução da camara municipal de Lisboa, revelam claramente estar o governo convencido do modo irregular como ella tem vivido, pois não se póde admittir que tal doutrina seja feita para vereações futuras, que ninguem póde já asseverar que hão de ser irregulares.
Eu provarei tambem a facilidade que houve em crear n'esses artigos novos ordenados e gratificações, augmentando-se consideravelmente a despeza, quando se devia procurar diminuir.
Provarei igualmente que esta reforma, se não offerece enthusiasmo pelo lado da receita, offerece-o comtudo pelo lado das despezas.
Demonstrarei que alem dos encargos proprios, que são grandissimos, vem pesar sobre Lisboa novos encargos de outras camaras, que tambem não são pequenos, e que a despeza que se propõe é certa e conhecida, emquanto que a receita é incerta e parte d'ella improductiva.
Provarei, finalmente, que tenho serias apprehensões de que esta lei será em parte considerada letra morta, pela inefficacia de muitas das suas disposições.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Termino, mandando para a mesa nove propostas que passo a ler. (Leu.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Correia de Barros, na sessão de 30 de junho, e devia ler-se a pag. 2695, col. 1.ª

O sr. Correia de Barros : - É realmente preciso que eu esteja muito convencido da justiça da causa, que sustento, para me atrever a responder ao discurso, verdadeiramente extraordinario, em que mais uma vez affirmou o illustre presidente do conselho de ministros os altos dotes oratorios que ha muito lhe conquistaram um dos primeiros logares entre os nossos parlamentares mais distinctos, (Apoiados.) como com justiça lho teriam conquistado em qualquer outro parlamento do mundo. (Apoiados.)
Sr. presidente, extraordinario chamei eu ao discurso do nobre presidente do conselho, e com toda a franqueza declaro á camara, que muito intencionalmente o chamei assim.
Não me consta com effeito que na sua já longa carreira parlamentar tivesse s. exa. conseguido ainda dominar por mais de uma hora a attenção da camara, e arrancar-lhe calorosos applausos, sem que em tão largo discurso apparecesse um argumento, um tacto, uma idéa, com que procurasse refutar a argumentação vigorosa do illustre deputado e meu amigo o sr. Barros Gomes. (Apoiados.)
Dir-se-ía que o nobre ministro se esteve divertindo em architectar argumentos, que ninguem formulara, e inventar affirmações, que ninguem fizera, para se dar ao facil prazer de os destruir triumphantemente. (Apoiados).
Comprehende v. exa., e comprehende de certo a camara quão difficil me será responder a um discurso d'esta ordem; procurarei no emtanto fazel-o, seguindo passo a passo os apontamentos, que me foi possivel tomar.
Começou o illustre ministro por dizer que só os membros da minoria progressista d'esta camara desconhecem, ou fingem desconhecer, a conveniencia, ou antes a necessidade inadiavel dos melhoramentos do porto de Lisboa.
Primeiro que tudo eu lamento sinceramente, sr. presidente, que a proposito de uma questão d'esta natureza se falle aqui em maioria e em minoria. Em questões de pura e simples administração, como esta, não entra, não deve entrar a politica; cada um de nós deve votar segundo os dictames da sua consciencia individual. (Apoiados.)
Direi em segundo logar que não é exacta a affirmação do sr. Fontes. Não ha de certo um unico membro do parlamento que não esteja convencido de que são uteis e necessarias as obras de que se trata. (Apoiados.)
O que pretendemos é saber, se será esta a occasião mais apropositada para mettermos hombros a tão vasto emprehendimento, e examinar se é, ou não conveniente a operação financeira, que para isso o governo intenta realisar. (Apoiados.)
Sobre estes dois pontos é que pode haver divergencias.
Occupar-me-hei em primeiro logar do segundo.
Não podendo demonstrar que fossem inexactos os calculos apresentados pelo sr. Barros Gomes, limitou-se o illustre presidente do conselho a insinuar que muito outras seriam as suas conclusões, se os dados do problema houvessem sido bem estabelecidos.
Eu tambem fiz os calculos, a que s. exa. se referiu, sem descer a analysal-os; e convictamente affirmo á camara que procurei estabelecer com escrupulosa verdade os dados do problema. É possivel que tenha errado; mas é certo que por todas as fórmas procurei acertar.
Não me deixei levar por idéas preconcebidas; procurei apenas descobrir a verdade, para poder votar consciensiosamente.
Sr. presidente, eu sei que sobre ser fastidioso, não é muito para ser tratado no parlamento o assumpto a que me estou referindo; não posso todavia furtar-me á necessidade de expor á camara o modo pelo qual formulei e resolvi o problema. Ao illustrado relator das commissões reunidas peço eu muito particularmente a honra da sua attenção, não porque eu nutra a vaidosa esperança de modificar as suas opiniões, mas com o modestissimo, e muito sincero desejo de que s. exa. corrija qualquer erro, em que eu tenha involuntariamente caído.
Tendo-se calculado em 10.800:000$000 réis o custo da primeira secção dos melhoramentos do porto de Lisboa, pre-

Página 2895

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2895

tende o governo pagar metade d'esta quantia em dinheiro durante os dez annos concedidos para a construcção das obras, e a outra metade em obrigações hypothecarias, do valor nominal de 90$000 réis, vencendo cada uma o juro annual de 4$500 réis, e emittidas em dez series annuaes durante os mesmos dez annos da construcção.
Cada obrigação será emittida por 80$000 réis; como porém o governo pagará uma commissão de 3,5 por cento sobre o valor nominal, cada obrigação será na verdade emittida pela quantia effectiva de 76$850 réis.
Durante os nove annos immediatamente seguintes serão todas as obrigações amortisadas ao par em dezoito pagamentos semestraes.
Se cada uma das obrigações for emittida por 76$850 réis e produzir o juro annual de 4$500 réis, mostra uma simples proporção que o tomador receberá o juro de 5,856 por cento do seu capital.
Isto posto, se fosse possivel comparar entre si quantidades absolutamente heterogeneas, como são obrigações, rapidamente amortizaveis, e inscripções de 3 por cento, que representam divida perpetua e quizessemos assim determinar qual deveria ser o preço das inscripções para que fosse igual o juro do capital empregado n'ellas, teriamos:

[Ver Fórmula na Imagem]

Assim, o valor das inscripções de 3 por cento, correspondente ao preço, por que o governo vae collocar as obrigações, seria n'esta falsa hypothese 51,23, e não 51,47, como por lapso evidente diz o governo no relatorio da sua proposta.
A comparação, porém, tem que fazer-se de outro modo. Em cada um dos dez annos da construcção tem o governo que emitir tantas obrigações quantas sejam necessarias para obter 540:000$000 réis. Todas estas obrigações começam a vencer juro,logo depois de emittidas, e são amortisadas em sorteios semestraes nos nove annos immediatos ao decimo. Isto posto, é evidente que chegaremos aos mesmos resultados, se suppozermos que todas as obrigações são emittidas de uma só vez no fim do quinto anno, e que nos quatorze restantes são todas amortisadas em vinte e oito pagamentos semestraes.
Uma simplicissima reflexão bastará para destruir qualquer duvida que possa á primeira vista suscitar-se. Com effeito, segundo a hypothese que acabo de estabelecer, vem as obrigações emittidas no primeiro anno a receber menos quatro annos de juro, mas em compensação tem as da ultima serie mais quatro annos exactamente de juro. Isto posto temos a seguinte proporção:

[Ver Fórmula na Imagem]

em que v representa o valor real da obrigação, v' o seu valor nominal, a o valor actual da semestralidade de 1$000 réis em vinte e oito semestres á taxa annual de 5 por cento, e a' o valor actual da semestralidade de 1$000 réis no mesmo numero de semestres a uma taxa desconhecida, que será a taxa do juro real, que devem produzir as inscripções de 3 por cento para que entre o seu preço e o das obrigações haja exacta correspondencia.
Fazendo as devidas substituições, e resolvendo, acha-se

a' = 17:047,80

Recorrendo a umas quaesquer tábuas de amortisação acha-se que o valor de a' está comprehendido entre 17:154,01 correspondente á taxa annual de 7,5, e 16:663,06 correspondente á taxa annual de 8.
Mas a taxa de 7,5 corresponde á cotação de 40, e a taxa do 8 á cotação de 37,5; logo entre estes dois limites deve estar o valor das inscripções de 3 por cento para que o juro real seja o mesmo que produzem as obrigações.
Esta é que é a verdade; com effeito, se quizermos proceder inversamente e determinar qual deveria ser o preço das obrigações para que o juro real fosse o mesmo que aufere quem tiver inscripções a 40, e a 37,5, achariamos pelo mesmo processo que inscripções a 40 correspondem a obrigações a 77$329 réis, isto é mais 479 réis do que o preço estabelecido pelo governo, assim como correspondem inscripções vendidas a 37,5 a obrigações a 75$116 réis, isto é, menos 1$734 réis que o preço estabelecido. Procedendo analogamente acha-se que inscripções a 38,75 correspondem ás obrigações a 76$223 réis. A taxa real da operação proposta pelo governo está pois comprehendida entre 7,5 e 7,75.
São, pois, evidentemente falsos os calculos do governo e da commissão, porque a operação que o governo pertende realisar, longe de corresponder á collocação de titulos de 3 por cento a 51,23, isto é, acima do par, equivale muito pelo contrario a vendei-os a menos de 40, isto é, alguns pontos abaixo da actual cotação official.
E mais afeia o caso uma circumstancia, que não devo deixar de mencionar, e que deveria dar ás obrigações um valor relativamente mais alto que o das inscripções. E que ao pagamento dos juros, e á amortisação das obrigações ficarão hypothecadas as obras, que valem o dobro e os terrenos conquistados ao Tejo, o que representa alguns milhares descontos; ficando ainda especialmente consignado áquelle pagamento o rendimento total das obras.
Nem pense v. exa., sr. presidente, que só d'este lado da camara se calcula como eu calculei, e antes de mim calculou o sr. Barros Gomes. De alguns deputados da maioria sei eu, que chegaram tambem a conclusões muito similhantes ás nossas, e por isso muito differentes dos resultados, a que chegou o governo.
É, pois, absolutamente certo que são inteiramente falsos os calculos contidos no relatorio, que precede a proposta ministerial, bem como os que serviram de base ao parecer das illustres commissões reunidas de fazenda e das obras publicas.
Isto posto passo a examinar a questão da opportunidade, que eu tenho como importantissima. (Apoiados.)
A opposição progressista d'esta camara não considera, como gratuitamente o affirmou o illustre presidente do conselho, que hajam sido calamidades publicas a concessão do caminho de ferro de Ambaca, o contrato para o estabelecimento de um cabo submarino entre a metropole e algumas das nossas colonias, a occupação e organisação do Zaire, e a adopção de quaesquer providencias contra a invasão do cholera morbus. Longe de nós a idéa de considerar calamidades publicas medidas de tal natureza. (Apoiados.)
O que nós considerâmos como verdadeira, e talvez irreparavel calamidade, é que se escolha para tentar um emprehendimento tão dispendioso o momento preciso, em que o thesouro geme sob o peso de tão pesados encargos, em que são tão desgraçadas as condições economicas do paiz, e em que está tão decaido o credito nacional, que dormem ainda na carteira dos tomadores quasi todos os titulos do emprestimo de 1884. (Apoiados.)
E se algum valor podessem ter em assumptos d'estes os argumentos de auctoridade, não creia v. exa., sr. presidente, que nos faltariam exemplos alheios, e dos mais insuspeitos, para justificar a nossa opinião.
Bastar-nos-ía invocar o do illustre presidente do conselho, que considerou tão inopportuno, como nós, o emprehendimento na presente conjunctura das obras do porto de Lisboa. Ha poucos mezes ainda, no começo da actual sessão legislativa, considerava s. exa. tão inopportuna a realisação d'essas obras, que não duvidou provocar uma crise ministerial, de que resultou a demissão de dois ministros, os srs. Lopo Vaz e Antonio Augusto de Aguiar.

Página 2896

2896 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E terão desde aquella epocha variado por tal fórma as circumstancias economicas e financeiras do paiz, que a s. exa. pareça hoje conveniente, o que então lhe parecia inconveniente e perigoso?
É o que, de todo desprendido de quaesquer considerações politicas, vou examinar desapaixonadamente.
Sr. presidente, as circumstancias longe de terem melhorado, têem peiorado consideravelmente, porque, se por um lado não tem tido alteração sensivel a cotação dos fundos publicos portuguezes, é por outro lado fora de duvida que pesam actualmente sobre o thesouro encargos pesadissimos, de que n'aquella epocha estava livre. (Apoiados.)
E sendo assim, como póde o nobre presidente do conselho achar conveniente agora, o que tão inconveniente lhe parecia então? (Apoiados.)
E a proposito vem agora lembrar á camara uma circumstancia, que poderá lançar alguma luz sobre o assumpto. Logo depois da saída do sr. Aguiar era o sr. Fontes interrogado na camara alta sobre se era verdade ter s. exa. promettido á associação commercial de Lisboa, que ainda n'esta sessão legislativa seria discutido o projecto que motivara a crise.
Que não era verdade, respondeu peremptoriamente o nobre ministro.
O que prometti, disse pouco mais ou menos s. exa., foi que o projecto seria discutido o mais breve possivel; mas não tomei, nem podia tomar o compromisso de que o fosse em epocha determinada. Não posso adduzir testemunhas, porque as cousas passaram-se em minha casa, estando sómente presente o representante da associação commercial e eu, mas a minha palavra basta de certo.
Pois bem, na sessão de sabbado declarou o sr. Fontes exactamente o contrario, reconhecendo ter feito á associação commercial a promessa formal de que o projecto seria discutido n'esta sessão parlamentar.
Por isso pergunto eu, como na sessão passada perguntou o sr. Barros Gomes, porque saiu então do ministerio o sr. Aguiar?
Teve o sr. Aguiar conhecimento do compromisso do sr. presidente do conselho? Quizera acreditar que sim, mas não posso, porque me repugna admittir que aquelle cavalheiro levasse a sua teimosia a ponto de não acceitar o brevissimo adiamento de tão poucos mezes.
Todas estas circumstancias, a que não atino com explicação plausivel, induzem-me a acreditar que não foram considerações de opportunidade financeira as que determinaram o procedimento do sr. Fontes no começo d'este anno, como não são ainda essas as considerações a que obedece o seu procedimento de hoje.
Agora, como então, obedece unicamente o illustre presidente do conselho ao opportunismo das suas conveniencias politicas. (Muitos apoiados.)
Assim, pois, não posso approvar o projecto do governo porque não só acho pessima a occasião para tentar um emprehendimento, que, ainda quando fossem acceitaveis os calculos do governo, custaria cerca de 11.000:000$000 réis, mas tambem porque é tão desgraçada a operação financeira em que o projecto se baseia, que da sua realisação hão de fatalmente resultar inconvenientes muito superiores ás vantagens que das obras poderão advir. (Apoiados.)
Sr. presidente, affirmou o sr. Fontes que a opposição progressista, no intuito de guerrear o governo, se insurge contra as despezas resultantes das providencias que vão adoptar-se para, tanto quanto possivel, se obstar á invasão de cholera!
Oh! sr. presidente! Pois póde, ou deve o sr. presidente do conselho fazer uma affirmação d'estas? (Apoiados.)
Quando, como, e aonde pretendeu a opposição progressista negar ao governo os meios necessarios para a adopção de taes providencias, que todos aliás julgâmos indispensaveis?
O que nós queremos é que taes providencias não sirvam de pretexto e de capa a despezas que, embora legitimas, não devem ser pagas com sommas destinadas a um fim especialissimo.
O que nós queriamos era que o governo houvesse pedido uma auctorisação limitada, e que se mais tarde se mostrassem insufficientes as sommas concedidas, ou fossem extraordinariamente convocadas as côrtes para dar uma nova auctorisação, ou, se a urgencia do caso o não permittisse, se procedesse ao menos de accordo com as leis da contabilidade publica.
Aqui tem v. exa., sr. presidente, o que desejava a opposição progressista; e porque o governo não quer o mesmo, é que ella o combate, no cumprimento do seu dever.
Fallou o sr. Fontes nas obras do porto de Leixões, e referindo se a ellas no momento preciso, em que eu pedia a palavra, como que quiz censurar-me por combater este projecto, eu, que tanto pugnei pela realisação d'aquellas obras.
Se tal foi a intenção do nobre presidente do conselho, responderei primeiro que tudo que, rejeitando o projecto do governo, não combato os melhoramentos do porto de Lisboa, cuja utilidade e cuja necessidade muito pelo contrario reconheço.
Direi em segundo logar que são muito differentes os casos, quer no que diz respeito ás obras em si, quer no tocante ás circumstancias das duas cidades, que têem n'ellas interesse mais directo.
É o Porto o centro commercial das provincias do norte, como Lisboa é o centro do commercio de todas as provincias do sul do reino.
Se examinarmos o rendimento das nossas alfandegas maritimas, reconheceremos que logo abaixo de Lisboa está o Porto, não havendo grande distancia entre o movimento de importação e de exportação das duas cidades.
Mostram com effeito as contas do thesouro que produziram os direitos de exportação no anno de 1883 1884:

Na alfandega de Lisboa................. 100:000$000
Na alfandega do Porto.................. 63:000$000

Differença............................. 37:000$000

No mesmo periodo renderam os direitos de importação:

Na alfandega de Lisboa............... 3.400:000$000
Na alfandega do Porto................ 2.944:000$000

Differença .......................... 456:000$000

O exame d'estes algarismos basta para provar que o Porto é um centro commercial absoluta e relativamente importante.
Pois bem; todo o movimento commercial d'esta cidade fazia-se por uma barra, que, alem de estar em media fechada a toda a navegação de sessenta a oitenta dias por anno, é sempre de accesso difficil e perigoso e absolutamente inaccessivel a navios de grande arqueação.
Por outro lado todos os engenheiros nacionaes e estrangeiros, consultados sobre o caso, affirmavam que era possivel e relativamente facil, construir nas proximidades da foz do Douro um porto artificial, que assegurasse as com-municações maritimas da cidade do Porto, com grande vantagem para ella e para o paiz, de cuja prosperidade são factor importantissimo, a, riqueza e a prosperidade da segunda cidade do reino.
A construcção do porto artificial era pois urgentissima, e tanto mais quanto o facto de estar a Hespanha fazendo grandes melhoramentos em Vigo, em Gijon e em outros portos do norte, que, em consequencia das suas ligações ferro-viarias, demoram a poucas horas de caminho, torna-

Página 2897

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2897

va extremamente provavel que para aquelles portos hespanhoes derivasse uma grande parte do movimento commercial da cidade do Porto com manifesto prejuizo do paiz.
Mesmo considerada a questão sob o ponto de vista e strictamente local, são muito differentes as circumstancias de Lisboa e do Porto. Assim, ao passo que esta ultima, que em todos os tempos tão largamente tem contribuido para a riqueza e para a civilisação de Portugal, pedia que se lhe desse um porto que a natureza lhe negára, Lisboa pede apenas que se lhe augmentem as commodidades e as
facilidades do seu porto, que tal como é, figura e com rasão, entre os primeiros portos do mundo.
Não me arrependo, antes me ufano de haver pugnado pela prompta realisação de uma obra, de que dependia a sorte da terra, que tenho a honra de representar e que tanto deve concorrer para a prosperidade do paiz em geral; enganou-se pois o illustre presidente do conselho, se pensou que por qualquer fórma me molestava com a referencia que me fez, porque ao revez do que s. exa. pensou, eu tenho a maxima satisfação em declarar perante o parlamento do meu paiz, que trabalhei quanto pude para que os altos poderes do estado attendessem as reclamações justissimas da cidade em que nasci e á qual devo tão numerosas como immerecidas provas de confiança.
E já agora seja-me permittido, sr. presidente, referir-me aqui á famosa lenda, que se tem formado a respeito dos melhoramentos que tem obtido a cidade do Porto.
Affirma-se que o Porto tem alcançado tudo quanto tem querido, que o Porto é insaciavel, que toda a receita publica é insuficiente para lhe satisfazer os caprichos e que por mais que se lhe conceda, não ha meio de o satisfazer.
Pois reduzamos tudo isto ás suas verdadeiras e justas proporções.
Os dois unicos melhoramentos de caracter mais accentuadamente local, que têem sido ultimamente concedidos ao Porto são: a ponte metallica, que se está construindo em substituição da velha ponte pensil, cuja duração já saiu ha muito dos limites marcados para obras d'esta natureza e o ramal do caminho de ferro destinado a ligar a estação de Campanhã com a alfandega, com o fim de dar mais barato e mas rapido transporte ás mercadorias, que o Porto recebe das provincias e ás que para ellas exporta.
Pois bem; para que a camara possa julgar da grandeza d'estes favores, bastará a declaração que eu faço aqui, de que a municipalidade portuense de bom grado chamaria sobre si todos os encargos que d'estas duas obras possam vir a resultar, uma vez que em seu favor revertessem os respectivos rendimentos.
De mais a mais, nenhum d'estes dois melhoramentos póde ser considerado de interesse exclusivamente local.
Outras terras muito menos ricas e populosas como a Regua, Abrantes, Santarem e Coimbra têem obtido a construcção de pontes dispendiosas sobre os rios Douro, Tejo e Mondego.
Coimbra e Vizeu acabam de obter ramaes de caminho de ferro, que as liguem com a nossa rede ferro-viaria.
Ninguem ignora que estas povoações são as mais directamente interessadas n'aquelles meios de communicação; todos reconhecem, porém, que com elles lucra tambem todo o paiz.
Como é, pois, que sómente ao Porto se pretende fazer crime por ter alcançado o que tantas outras terras menos populosas, menos ricas, e menos susceptiveis de futuro engrandecimento, ha tanto tempo conseguiram já?
Mas o Porto não pede, exige, dizem: o Porto não implora, impõe-se. Pois bem: se o Porto, convencido da sua justiça e do seu direito, sabe exigir o deferimento dos seus justos pedidos, se sabe exercer na marcha dos negocios publicos a legitima influencia, que tem sabido adquirir pelo seu trabalho, e pelo patriotismo dos seus habitantes, quem ha ahi que possa ou deva censural-o por isso?
Mais credora de elogios, do que merecedora de censuras, é uma cidade que tão prompta se mostra a cumprir os seus deveres até aos ultimos limites do sacrificio, como disposta a sustentar inquebrantaveis os seus direitos.
Voltando, porém, ao assumpto, e pedindo desculpa d'esta longa divagação, ponderarei ainda á camara, que o porto de Leixões estava ha muito tempo estudado. Varios engenheiros de primeira ordem, nacionaes e estrangeiros haviam sido consultados, e todos sem excepção opinaram que só a construcção d'aquelle porto artificial podia assegurar faceis e seguras communicações maritimas á cidade do Porto.
Alem de varios ante-projectos, havia dois projectos definitivos.
(Interrupção que não se percebeu. Perdoe-me o illustre orador que eu insista. Havia um projecto do sr. Manuel Espregueira, e outro do sr. Affonso Nogueira Soares, que é o que, ligeiramente modificado pelo engenheiro inglez o sr. Cood, foi definitivamente adoptado. Outro tanto não acontece com as obras do porto de Lisboa.
Com relação a estas obras, não só não ha projecto algum definitivamente estudado, mas até nem sobre o seu plano geral ha o indispensavel accordo entre os homens technicos.
Toda a camara sabe, por exemplo, que na opinião de alguns engenheiros é absolutamente indispensavel a construcção de docas de fluctuação, ao passo que outros, e a meu ver com mais rasão, as julgam de todo o ponto desnecessarias. (Apoiados.)
Pensam alguns que deve construir-se um caes de atracação bastante avançado sobre o Tejo, para que junto d'elle haja a profundidade minima de dez metros, ao passo que outros são de parecer que bastará a construcção de um certo numero de pontes de descarga.
E, havendo divergencias tão profundas sobre pontos tão essenciaes, póde alguem affirmar, como o governo o affirma, que o assumpto está suficientemente
estudado? (Apoiados.)
Mas outras divergencias ha ainda, e não menos importantes.
Como o conjuncto das obras se compõe de quatro secções, pensam alguns engenheiros que a construcção deve começar por uma d'ellas, ao passo que outros entendem que deve principiar-se por outra. Opinam finalmente alguns engenheiros, que é prejudicial que o concurso seja apenas aberto para a primeira secção, por isso que, não passando esta alem do caneiro de Alcantara, e ficando n'aquelle ponto o caes a grande distancia da margem actual, poderão de futuro produzir-se alterações profundas e prejudiciaes do regimen das aguas.
No proprio seio da commissão de obras publicas, ha engenheiros, e muito distinctos, que perfilham esta opinião. Assim nem ha entre os engenheiros o desejável accordo no que diz respeito ao plano geral das obras, nem sobre quaes d'essas obras devam primeiro construir-se.
Quiz o illustre presidente do conselho achar uma grande contradicção entre o procedimento do partido progressista em 1880, trazendo ao parlamento uma proposta de lei para a realisação de uma parte dos melhoramentos do porto de Lisboa, e a sua attitude do hoje, combatendo o projecto do governo.
Não tem o sr. Fontes rasão no seu reparo. Em primeiro logar são muito diversos os dois projectos. O projecto de 1880 era muito mais modesto. O governo de então propunha a construcção de obras, cujo custo se calculava em 5.000:000$000 réis; agora talhou-se mais por largo. O custo das obras, que agora se projectam, é pelo governo calculado em 10.800:000$000 réis, não faltando quem, como o honrado e distincto engenheiro, o sr. João Joaquim de Matos, creia que hão de na verdade custar mais do dobro.
Demais o projecto de 1880 referia-se apenas á constru-

Página 2898

2898 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cção do caes, a respeito de cuja conveniencia tinham sido até então concordes todos os engenheiros, ao passo que o actual comprehende obras, que muitos engenheiros julgam absolutamente desnecessarias.
Ainda quando porém fossem identicos os dois projectos, outras rasões, e do maximo peso, explicam e justificam o procedimento dos que, apresentando e approvando o projecto de 1880, rejeitam o projecto de 1885.
Pois podem comparar-se com as d'aquella epocha as actuaes circumstancias da fazenda publica? (Apoiados.)
Bastará attentarmos em que em 1880 estavam em Londres os fundos portuguezes a 52 l/8, e que não valem actualmente no mesmo mercado mais do que 46 5/8, ou, descontando o juro vencido 45 1/8, para desde logo nos convencermos de que são desgraçadamente muito peiores as actuaes circumstancias do nosso credito, do que eram n'aquella epocha. (Apoiados.) Alem d'isso tem crescido consideravelmente a divida publica, e se por um lado têem augmentado as receitas do estado, tambem as despezas têem crescido o bastante para que seja hoje mais avultado o deficit orçamental. (Apoiados.)
Estranhou o illustre presidente do conselho que a opposição desejasse que um projecto d'esta importancia tivesse duas discussões, como preceitua o regimento d'esta camara. Que prurido é este, dizia s. exa., de discutir este projecto na generalidade e na especialidade, quando ha pouco ainda não quizeram os illustres deputados discutir o projecto das reformas da constituição, nem a lei eleitoral dos pares electivos?
Primeiro que tudo, e sem de modo algum pretender melindrar o sr. Fontes, eu declaro alto e bom som, que não reconheço em s. exa. o direito de tornar-nos contas porque discutimos ou deixamos de discutir este ou aquelle projecto de lei. (Muitos apoiados.)
A opposição usa do seu direito e cumpre o seu dever consoante os dictames da sua consciencia, e sómente reconhece o direito de tomar-lhe contas aos eleitores, de quem recebeu cada um dos seus membros o mandato, que o trouxe aqui. (Muitos apoiados.)
E permitta-me ainda a camara uma brevissima divagação, que aliás me não parece despropositada n'esta occasião.
O projecto da lei eleitoral dos pares electivos, dividido em varios titulos, capitulos e artigos, não podia, segundo o regimento, deixar de ter duas discussões; como porém era isso justamente o que o governo e a maioria queriam a todo o transe evitar, recorreu-se ao peregrino expediente de esconder a verdadeira proposta de lei por detrás de um projecto de um só artigo, que diz pouco mais ou menos o seguinte: É approvada a presente lei para a eleição dos pares do reino electivos.
De fórma que não sómente se falseou assim o espirito e a letra do regimento d'esta camara, mas até se chamou lei ao que não era, nem podia ser, mais que um mero e simples projecto de lei.
Emquanto vigorar a carta constitucional só fazem leis as côrtes geraes da nação, que as decretam, e o Rei, que as sancciona; como é, pois, que o governo chamou lei a um documento, que nem havia sido decretado pelas côrtes, nem sanccionado pelo Rei?
O governo procedeu assim, porque de outro modo não poderia evitar que o projecto fosse discutido na generalidade e na especialidade.
Sr. presidente, profundamente irritado porque o illustre deputado e meu amigo, o sr. Barros Gomes, lastimou que no relatorio que precede o projecto, que estamos discutindo, apparecessem erros de arithmetica, na realidade pouco desculpaveis, affirmou-nos o sr. Fontes que sabia reduzir quebrados ao mesmo denominador, e que não havia sido mau estudante de mathematica.
Foi s. exa. extremamente modesto, como sempre.
Toda a camara tem noticia dos seus triumphos academicos, que foram o brilhante prefacio de outros mais gloriosos, que têem assignalado a sua já larga e brilhante vida publica.
Essa circumstancia, porém, não melhora, antes aggrava a sua situação perante a camara.
Menos desculpa tem o illustre ministro por ter errado, sobrando-lhe os conhecimentos precisos para acertar.
E, pelo que pessoalmente me respeita, com toda a franqueza declaro a v. exa. e á camara, que me entristece o ver que num documento dimanado do governo, e que por isso devia ser revestido de todos os caracteres de seriedade e de respeitabilidade, appareçam erros, que a maxima indulgencia mal poderia relevar a um estudante que pretendesse fazer exame de instrucção primaria.
E com magua igual vi eu, sr. presidente, que no seu discurso dissesse o sr. Fontes, no tom de quem profere uma verdade axiomatica, que é sempre menos pesado para o estado um encargo temporario, do que outro que, embora muito menor, tenha duração indefinida.
Oh, sr. presidente, pois isto diz-se?! Pois melhora a situação do proprietario, sobre cuja propriedade pesa o encargo de uma pensão annual perpetua, se, para a remir, pagar de uma só vez uma quantia, cujo rendimento annual seja igual á pensão que era obrigado a pagar? (Apoiados.)
Affirma-nos o nobre presidente do conselho que achou meio de realisar obras, cujo custo calcula em 10.800:000$000 réis, sem encargo algum para o thesouro.
Perdoe-me s. exa. que eu lhe diga que reputo esta sua affirmação attentatoria do respeito com que os membros do governo devem dirigir-se ao parlamento do seu
paiz. Ainda quando as receitas proprias das obras, e o producto dos terrenos conquistados, e a verba de 30:000$000 réis do capitulo VI do orçamento do ministerio das obras publicas, e o remanescente do producto do imposto de 2 por cento, produzam o sufficiente para ao cabo de dezenove annos estarem completamente pagas as quantias despendidas, erraria quem affirmasse que as obras se fariam sem encargo algum para o thesouro. (Apoiados.)
As obras projectadas hão de trazer encargos, e muito grandes.
(Áparte que se não percebeu.)
Pergunta-me s. exa., como? É facil a resposta. Pois os 30:000$000 réis do capitulo VI do orçamento do ministerio das obras publicas não são um encargo que pesa sobre o thesouro?
E se não recebessem esta applicação, não poderiam ter outra, ou até economisar-se?
(Áparte que se não percebeu.)
É certo, mas nem o illustre deputado, nem qualquer outra pessoa, poderá
provar-me que não é cada uma das verbas da despeza do estado um encargo que pesa sobre o thesouro.
Serão justificadas essas verbas, não o discuto agora, mas, justificadas ou não, todas são encargos que pesam sobre o thesouro. (Apoiados.)
E a parte do imposto de 2 por cento ad valorem não era um encargo que pesa sobre o commercio de importação? E, se as obras projectadas se não emprehendessem, seria necessario levar este imposto até ao seu extremo limite?
E o valor dos terrenos conquistados não será tambem um encargo?
(Interrupção que se não percebeu.)
O que eu pretendo simplesmente demonstrar é que não é possivel levar-se a cabo um emprehendimento tão dispendioso sem encargos para o thesouro. De alguma parte hão de sair os 10.800:000$000 réis, a não ser que, novo Moysés, faça o sr. Fontes, a uma pancada do seu bastão, brotar aquella somma das entranhas da terra.
Insinuou o sr. presidente do conselho que a opposição bem sabe que é necessaria a immediata realisação dos me-

Página 2899

SESSÃO DE 4 DE JULHO DE 1885 2899

lhoramentos do porto de Lisboa, mas que não lhe soffre o animo que o governo actual os leve a cabo.
Traduzido em vulgar, quer isto dizer que a opposição queria para si a popularidade, que o governo vae ganhar.
O contrario exactamente é que deve concluir-se do procedimento dos deputados que combatem o projecto. O sr. Fontes devia-nos fazer a justiça de acreditar, que nós bem sabemos que a nossa attitude nos está tornando impopulares.
Tambem sabemos que bastava que nos abstivessemos, para que assim não acontecesse. Por experiencia propria, e bem amarga de certo, sabe bem o sr. Fontes, que tem seus inconvenientes a impopularidade.
Pois, se apesar de tudo isso, e de estarmos perfeitamente convencidos da inutilidade dos nossos esforços, votamos contra o projecto, e o combatemos com todas as nossas forças, é porque sacrificamos a popularidade ao dever. (Apoiados.)
A um outro ponto necessito ainda de referir-me; procurarei todavia ser muito breve para não cançar demasiado a attenção da camara.
Para a realisação das obras projectadas terá o governo que pagar durante os dez annos da construcção réis em dinheiro 5.400:000$000, e outra igual quantia effectiva em obrigações.
Isto posto vamos muito succintamente examinar qual será com relação a este negocio a situação do thesouro no fim dos dez annos da construcção para ver se com effeito se consegue este melhoramento sem encargos para o mesmo thesouro.
Acceitemos por agora como exactas as receitas com que o governo conta, e as despezas que prevê, e teremos:
Receitas que deverão verificar-se durante os dez annos da construcção, segundo os calculos do governo.

[Ver Tabela na Imagem]

Haveria, pois, no fim dos dez annos sobras no valor de 324:452$500 réis; a verdade, porém, é que carecem de grandissimas correcções algumas das verbas tanto da receita como da despeza.
Para que o producto liquido do caes e das docas seja de 500:000$000 réis, é evidentemente necessario que o seu producto bruto seja pelo menos de 1.667:000$000 réis, se reputarmos aquelle em 30 por cento d'este, como succede em alguns portos francezes.
Ora é realmente preciso levar-se muito longe o optimismo para se contar com similhante rendimento para um movimento de pouco mais de um milhão de toneladas de mercadorias.
Tambem o custo das obras ha de ser com certeza muito superior ao calculado, e basta, para d'isso nos convencermos, attentar-se em que a cada metro linear de caes se applicou o preço que custou cada metro linear de construcção analoga no porto de Antuerpia, onde a profundidade das fundações foi muito menor, do que ha de ser aqui.
Acceitemos, porém, como rigorosamente exactas estas duas verbas, e examinemos apenas a que se refere ao remanescente do imposto de 2 por cento ad valorem.
Sr. presidente, eu tenho fortissimas rasões para acreditar que, sem de modo algum exagerar, e conservando-me talvez até abaixo da verdade, não hão de as obras do porto de Leixões vir a custar menos de 6.000:000$000 réis, em vez de 4.500:000$000 réis, por que foram contratadas.
Sendo assim, e ainda quando só depois da conclusão das obras haja de ser pago o excesso de 1.500:000$000 réis, teremos que deduzir da verba de 3.409:000$000 réis, com que o governo conta, 390:000$000 réis, o que fará com que no fim dos dez annos haja um deficit de 65:547$500 réis.
Durante os nove annos seguintes tem o governo que amortisar por meio de dezoito pagamentos semestraes 70:267 obrigações cujo valor nominal se eleva a 6.324:030$000 réis, o que equivale a pagar em cada um d'esses nove annos duas semestralidades de 440:595$170 réis cada uma.
Em conclusão: decorridos os dez annos da construcção, e ainda quando o custo real das obras não exceda o calculado, como ha de forçosamente acontecer, e na errada hypothese de haverem as mesmas obras rendido 1.950:000$000 réis, pesará sobre o thesouro:
1.° O deficit de 65:547$500 réis.
2.° O encargo annual durante nove annos de 881:190$340 réis.
E eis aqui, sr. presidente, o modo como o governo vae dotar o paiz com o importante melhoramento, de que estamos tratando, sem encargos para o thesouro! (Apoiados.)
Tão de leve calculou o nobre presidente do conselho que no seu relatorio affirmou que, finda a construcção, teria que amortisar obrigações no valor de 5.400:000$000 réis. Nem ao menos se lembrou s. exa. de que, não produzindo cada uma d'essas obrigações mais do que 76$850 réis effectivos, é preciso emittir 70:267 cujo valor nominal, pelo qual têem que ser amortisadas, é de 6.324:030$000 réis!
Concluindo o seu discurso, pretendeu o sr. Fontes lançar sobre a opposição a responsabilidade da má situação do nosso credito.
São os discursos da opposição, disse s. exa., que, revelando aos estrangeiros a situação da fazenda publica, espalham vozes de rebate contra o credito portuguez.
Estranha jurisprudencia é esta, sr. presidente!
Segundo ella não pertence a responsabilidade dos desacertos, a quem os commette, e a quem n'elles insiste, mas sim a quem os accusa, a quem lhes aponta as consequencias, a quem, finalmente, lhes indica o remedio! (Apoiados.)
Estranha chamei eu a esta jurisprudencia do nobre presidente do conselho, mas não lhe posso chamar nova. De exemplos d'ella está cheia a historia de todas as nações, e de todas as epochas.
Não ha muito ainda, nos ultimos tempos do segundo imperio, tambem Grambetta e Thiers eram apodados de maus patriotas, porque, forcejando por arredar a sua patria do caminho de aventuras, para que a impellia a politica do ministerio, clamavam que a França não estava preparada para luctar com a Allemanha, e que os ministros do imperador, de coração leve, e de animo sereno, lhe estavam preparando desastres incalculaveis. De maus patriotas os apodava tambem o povo, obcecado pelas gloriosas tradições militares da França e exaltado pelas levianas declarações do governo. Bons patriotas eram os ministros e os

Página 2900

2900 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

seus partidarios que, enganando a um tempo a nação e o soberano, impelliam uma e o outro para a ruina! E no entanto, sr. presidente, o que acontecia pouco depois? A França era quasi toda devastada pelas hostes allemãs dos seus exercitos era esmagado em Sédan; o outro rendia-se em Metz; o imperador estava prisioneiro no fundo da Allemanha, e Paris entregava-se ao inimigo triumphante.
E que faziam no emtanto os outros, os maus patriotas?
Á voz poderosa de Gambetta levantava-se a França n'um supremo esforço, se não para expulsar do seu territorio as tropas inimigas, ao menos para lavar de si a nódoa de Sédan; e Thiers, assumindo a suprema direcção dos negocios publicos, era pouco depois acclamado pelo parlamento reunido em Versailles o verdadeiro libertador do territorio francez.
Oxalá, sr. presidente, que não venha um futuro muito breve mostrar-nos tambem a nós quaes são aqui os bons e os maus patriotas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)

Redactor = S. Rego.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×