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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Tem segunda leitura e é admittido um projecto de lei, assignado pelos srs. Filippe de Carvalho, Goes Pinto, Correia de Oliveira e Luciano Cordeiro. -Representação da associação catholica do Porto apresentada pelo sr. Santos Viegas e que se mandou publicar no Diario do governo. - Requerimentos de interesse publico mandados para a mesa pelo sr. Avellar Machado.- Justificações de faltas da srs. Reis Torgal, Moraes Machado e visconde de Ariz. - Parecer da commissão de legislação civil apresentado pelo sr. Luiz de Lencastre. - Projecto de lei do sr. Moraes Machado, que fica para segunda leitura. - O sr. Elvino de Brito refere se tom estranheza ao facto de ter tido approvado na sessão anterior um projecto cuja leitura não se ouviu; faz ainda outras considerações.- Dá explicações o sr. presidente. - O sr. Ferreira de Almeida chama a attenção do governo para os inconvenientes que actualmente podem resultar da inscripção da galeões hespanhoes para a pesca nas costas do Algarve. - Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O sr. ministro da fazenda manda para a mesa uma proposta de lei em seu nome e no do seu collega das obras publicas. - Tem segunda leitura, é admittida e em seguida rejeitada uma proposta do sr. Consiglieri Pedroso, apresentada na sessão anterior. - O sr. Reis Torgal pede á presidencia que inste com as commissões de instrucção primaria e de administração publica para que dêem parecer sobre um projecto de lei do sr. Guilhermino de Barros.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.° 158, que reduz o imposto sobre o sal e conclue o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Fuschini. - Passa se á votação, tendo rejeitadas duas emendas do sr. Castro Mattoso, e approvado o projecto com um additamento do sr. José Luciano de Castro. - Entra em discussão o projecto de lei n.º 175 com a respectiva tabella, e são admittidas duas propostas, uma do sr. Franco Castello Branco e outra do sr. Azevedo Castello Branco. - Expõe algumas considerações sobre o projecto o sr. Consiglieri Pedroso. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - O sr. Carrilho, por parte da commissão, declara acceitar as emendas dos srs. Franco Castello Branco e Azevedo Castello Branco, e manda para a mesa duas propostas redigidas n'essa conformidade. - O sr. Consiglieri, em vista das declarações do sr. ministro da fazenda, desiste da proposta que tencionava mandar para a mesa para eliminação do imposto sobre o carvão de pedra. - Passando-se á votação, são em primeiro logar approvadas as propostas do sr. Carrilho em substituição das dos srs. Franco Castello Branco e Azevedo Castello Branco, que ficam por isso prejudicadas, e seguidamente e approvado o projecto com a respectiva tabella, sem prejuizo das emendas. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 28. - E largamente combatido pelo sr. Laranjo.- Responde-lhe o sr. Arroyo, relator. - Usa segunda vez da palavra o sr. Laranjo, que propõe o adiamento do projecto.- É approvada a ultima redacção do projecto de lei n.° 175. - Annuncia o sr. presidente que na sessão immediata a discussão, na ordem do dia, começará pelo projecto relativo ao districto do Congo.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 47 srs. deputados.

São os seguintes: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Silva Cardoso, Pereira Curte Real, Garcia Lobo, A. J. d'Avila, Pereira Borges, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Seguier, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Carlos Roma du Bocage, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Francisco Beirão, Mouta e Vasconcellos, Mártens Ferrão, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Castello Branco, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, José Maria Borges, Luciano Cordeiro, Bivar, Aralla e Costa, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Pedro de Carvalho, Sebastião Centeno, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Torres Carneiro, Sousa e Silva, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Carrilho, Sousa Pavão, Urbano de Castro, Fuschini, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Correia Barata, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, Guilhermino do Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Scarnichia, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, J. J. Alves, José Borges, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Oliveira Peixoto, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Pinheiro Chagas, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz e Visconde das Laranjeiras.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de 1 Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Jalles, A. M. Pedroso, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Avelino Calixto,, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Sanches de Castro, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Fernando Geraldes, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Barros Gomes, Matos de Mendia, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Dias Ferreira, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz ; Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Visconde de Alentem, Visconde de Reguengo, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Projecto de lei

Senhores. - É tempo de attendermos a um assumpto que deve ficar sanado para sempre. Tratâmos das dividas provenientes da exposição portugueza no Rio de Janeiro em 1879.
O governo entendeu dever animar aquelle patriotico emprehendimento com um auxilio pecuniario de 25:000$000 réis, e n'este sentido apresentou ás camaras em 24 de maio d'aquelle anno a respectiva proposta de lei. Esta proposta obteve favoravel parecer da commissão de fazenda, e não foi discutido porque as côrtes foram dissolvidas.
Era presidente do conselho, quando a proposto foi feita, como é agora, o sr. conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.
No parecer favoravel á proposta estão as assignaturas

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dos srs. Hintze Ribeiro, actual ministro da fazenda, Julio de Vilhena, Manuel d'Assumpção, como relator, e José Maria dos Santos.
A exposição foi realisada com explendor e honra do paiz e aproveitaram com ella algumas das nossas industrias.
São incontestaveis estes factos.
Sem aquelle promettido auxilio pecuniario do governo, nunca se teria levado a effeito o pensamento da exposição. Ainda nenhuma exposição deu interesses á companhia que a promovesse, como ainda nenhum governo deixou de as proteger. As exposições são sempre despendiosas.
Nas que Portugal tem feito ou protegido, tem o nosso thesouro dispendido para mais de 500:000$000 réis.
Desde que a exposição foi realisada a promessa feita pelo governo devia ter sido satisfeita, mas a verdade é que ainda o não foi.
A exposição custou 30:784$067 réis, como se vê das respectivas contas. Pagos os 25:000$000 réis promettidos pelo governo, ainda os emprehendedores da exposição perdem mais de 11:000$000 réis. Desta perda não ha quem os indemnise. Mas aos 25:000$000 réis promettidos ha credores a quem é de justiça attender. Ninguem desconhece isto, porque os credores e a imprensa ha seis annos que se occupam do assumpto.
Os credores vieram por fim ao seguinte accordo: Que os 25:000$000 réis sejam entregues á commissão directora da praça do commercio de Lisboa, e que esta faça os pagamentos até onde chegar a dita somma a cada credor, proporcionalmente ao seu credito legitimamente authenticado.
Feito isto nada mais haverá a providenciar da parte do estado.
N'estes termos temos a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° O governo é auctorisado a entregar á commissão directora da praça do commercio de Lisboa os 25:000$000 réis com que promettêra na sua proposta de lei de 24 de maio de 1879 auxiliar a exposição portugueza no Rio de Janeiro.
Art. 2.° A referida commissão convocará immediatamente os credores, apreciará os seus creditos e procederá ao seu pagamento no todo ou em parte, se os 25:000$000 réis não chegarem, e n'este caso proporcionalmente considerará todos os credores por igual e sem direito algum de preferencia.
Art. 3.° A direcção geral das alfandegas é auctorisada a ordenar a immediata entrega dos productos reenviados da exposição existentes nas alfandegas, sem exigir despezas de qualidade alguma.
Art. 4.° O estado não fica responsavel por pagamento algum mais por motivo da exposição.
Art. 5.° A verba de 25:000$000 réis saírá, em partes iguaes, das despezas eventuaes dos ministerios das obras publicas e da fazenda no proximo futuro anno economico de 1885-1886, ou por outra qualquer fórma que não demore o pagamento.
Lisboa e sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 7 de julho de 1885. = Filippe de Carvalho = E. J. Goes Pinto = Manuel Correia de Oliveira = Luciano Cordeiro.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÃO

Da associação catholica do Porto, pedindo providencias contra um ataque feito em 4 de junho ultimo no estabelecimento denominado da Regeneração, na rua do Valle Formoso, freguezia de Paranhos.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me seja enviada com a maxima brevidade a copia do contrato celebrado entre o ministerio da marinha e Guilherme Augusto da Silva Santos para o fornecimento de 15:000 kilos de azeite de oliveira.
Tambem roqueiro que pelo mesmo ministerio me sejam, enviados os seguintes esclarecimentos:
1.° Data em que Guilherme Augusto da Silva Santos concluiu o fornecimento de 15:000 kilos de azeite contratado.
2.° Se o referido fornecedor pagou ou não os direitos estabelecidos na lei, e condições do contrato.
3.° Desde que dia, em harmonia com as condições, tinha o fornecedor direito a ser pago da importancia do fornecimento. = Avellar Machado.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviado com a maior urgencia possivel, o original ou copia do processo instaurado pela direcção da alfandega do consumo, por descaminho do direitos de 15:000 kilos de azeite, contra Guilherme Augusto da Silva Santos. = Avellar Machado.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Tenho faltado ás ultimas sessões por motivo justificado. = Reis Torgal.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado por Bragança, Antonio Maria de Moraes Machado.

3.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que faltei á sessão de hontem, 6 do corrente, por motivo justificado. - Visconde de Ariz, deputado pelo circulo n.° 29.
Para a acta.

O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação civil, ácerca do projecto dos srs. Pedro Roberto e barão de Ramalho, desanexando do julgado do juizo ordinario de Santa Barbara, Angra do Heroismo a freguezia da Senhora das Neves da ilha de S. Jorge.
A imprimir.
O sr. Santos Viegas: - Tenho ha dias em meu poder uma representação para mandar para a mesa, a qual está assignada por varios cavalheiros que fazem parte da associação catholica do Porto. Não a tenho mandado para a mesa, porque esperava a presença do sr. ministro do reino, pois que o assumpto, a que ella se refere, corre pelo seu ministerio.
Desejava eu que os factos mencionados na representação fossem punidos convenientemente para bem da moralidade e da justiça.
Queria recommendal-a especialmente á attenção do sr. ministro do reino, mas como s. exa. não apparece ha tempo n'esta casa, e eu não possa dar-lhe conhecimento verbalmente do que contém aquelle documento, espero ao menos que tenha d'elle conhecimento pelo Diario do governo, e por isso rogo a v. exa. que consulte a camara se permitte que seja publicada no Diario do governo.
Os factos a que se refere a representação são graves ; não faço agora os devidos commentanos, mas se s. exa. entender não providenciar para que o governador civil do Porto proceda como a justiça o reclama, como o exige a ordem publica e a moralidade, eu então farei as considerações que entender convenientes, porque não julgo proprios de um paiz civilisado os factos, de que se queixa

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aquela respeitavel associação, que em beneficio do paiz, porque trabalha em prol da religião, tantos serviços presta.
Peço a v. exa. que se digno dar o devido destino a esta representação.
Teve o destino indicado a pag. 2048.
O sr. Presidente (Luiz Bivar): - Consulto a camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do governo a representação que o illustre deputado, o sr. Santos Viegas, acaba de mandar para a mesa.
Foi auctorisada a publicação, estando em termos.
O sr. Elvino de Brito: - Declarou que muito o surprehendêra a leitura do extracto da sessão de hontem. Tem por costume não faltar nunca ás sessões, e é pontual, comparecendo sempre antes de se abrir a sessão. Comparecera á de hontem e não se retirára da sala um só instante que fosse. Não obstante, constava pelo extracto que fora approvado um projecto, que traz augmento de despeza, e cuja leitura não fui ouvida, nem por elle, orador, nem por outros membros da opposição.
Tivera até o cuidado de se dirigir ao digno presidente para saber quaes os projectos que tencionava pôr á discussão antes da ordem do dia, e de s. exa. recebêra a declaração de que só entrariam em discussão dois projectos, relativos a desvios de fundos de viação municipal.
Este facto, que é verdadeiro, como póde ser confirmado pelo sr. presidente, para cuja lealdade appellava, fora por elle, orador, communicado a outros collegas da opposição.
Não queria dirigir a minima censura á mesa; relatava os factos, que justificam a surpreza que lhe causara a leitura do extracto da sessão do hontem, e fundamentam o protesto, que deseja deixar consignado no Diario da camara.
Declarou que adoptára a norma do não approvar projectos de iniciativa particular, que se traduzissem em augmento de despeza. Não estava arrependido de a ter seguido, e n'ella desejava manter-se.
Não era prospera a situação da fazenda publica, e, por isso, ao parlamento cumpria, em nome dos verdadeiros interesses nacionaes, oppor a possivel resistencia a essa torrente impetuosa de projectos, tendentes todos a favorecer interesses particulares e a onerar excessivamente os cofres do estado.
Muito folgaria que no parlamento portuguez se adoptasse o principio, que alguns parlamentos da Europa adoptam, de se não permittir á iniciativa particular o apresentar projectos ou propostas destinados a augmentar a despesa publica.
Não desejava ser no futuro surprehendido, e por isso pedia ao sr. presidente que resistisse a todos os pedidos e não pozesse á discussão projectos, que vão onerar o thesouro, sem os annunciar com a antecipação minima de vinte e quatro horas.
Estava já distribuido o parecer relativo, á auctorisação que o governo pede para reorganisar o pessoal technico do ministerio das obras publicas. Para não soffrer qualquer surpreza, desde já declarava ao sr. presidente e á camara, que deseja combater esse parecer.
Não era contra a idéa de se dar uma organisação definitiva ao pessoal technico das obras publicas, pois era o primeiro a reconhecer a necessidade de se pôr cobro á anarchia que sobre o assumpto reina no ministerio respectivo.
Tivera a fortuna de collaborar em 1880, com o saudoso estadista Saraiva de Carvalho, n'um plano de organisação do pessoal d'aquelle ministerio. Esse plano não chegou a ser presente ás côrtes, pelos acontecimentos politicos que determinaram a quéda do gabinete progressista, mas coubera ao seu distincto correligionario e illustre parlamentar, o sr. Mariano de Carvalho a fortuna de poder apresentar, como deputado, o trabalho d'aquelle estadista.
Bom ou não, era um plano completo, aturadamente estudado e reflexivamente elaborado.
O sr. Hintze Ribeiro tambem apresentara um plano da organisação do pessoal technico. Comprehende-se o procedimento d'este ministro, mas nem se comprehende nem se admitte que um ministro venha á camara pedir uma auctorisação tão lata e sem base alguma.
Tudo ficaria, caso esse pedido fosse approvado pelas camaras, ao arbitrio e ao capricho do ministro.
Havia ao serviço do ministerio engenheiros antigos e distinctos, cuja collocação futura não póde ficar inteiramente á mercê da vontade do ministro respectivo.
Estava prompto, por isso, a discutir serenamente, e a votar talvez, um plano de organisação bem estudado e completo; mas desde já protestava contra o pedido da auctorisação, que discutirá largamente, combatendo-o, em occasião opportuna.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Tenho a dar uma explicação ao illustre deputado.
Eu não podia garantir a s. exa. que só entrariam em discussão os dois projectos, relativos a desvios de fundos dos cofres de viação municipal.
Tendo de responder a um grande numero de perguntas que constantemente me fazem os srs. deputados, quando estou dirigindo os trabalhos da mesa, é possivel ter dito ao sr. deputado que iam entrar em discussão os dois projectos a que s. exa. se referiu; mas garantir-lhe que nenhum outro entraria tambem hontem em discussão, isso é que eu não podia fazer; e quando o tivesse garantido, assim o havia de cumprir. (Muitos apoiados.)
Alem d'isso o projecto a que s. exa. alludiu ha pouco estava já dado para ordem do dia e foi lido em voz alta na mesa, como ouviram muitos srs. deputados, que o approvaram em seguida. (Muitos apoiados.)
O sr. Ferreira, de Almeida: - Chamou a attenção do sr. ministro da marinha para um assumpto que julga muito importante.
Tinha de começar em breve a inscripção dos galeões hespanhoes para a pesca nas costas portuguezas, em virtude do convenio entre os dois paizes, para a reciprocidade da pesca.
Esse convenio ainda não está considerado como derogado, porque o tratado ultimamente approvado está dependente, para a sua execução completa, da realisação de convenios especiaes sobre varios assumptos.
Até aqui o convenio de reciprocidade de pesca trazia desgostos e conflictos, que se traduziam em indemnisações pecuniarias que Portugal tinha que pagar.
Agora ha uma rasão, que se póde dizer de salvação publica, para que esse convenio se dê por terminado o mais depressa possivel: é que o cholera está devastando as provincias do sul da Hespanha.
Os galeões hespanhoes inscrevem-se nas capitanias dos portos do Algarve, e recrutam o seu pessoal n'aquella provincia, porque os pescadores algarvios conhecem os sitios mais piscosos.
Os pescadores algarvios alistam-se nos galeses hespanhoes, porque têem ali melhor remuneração.
Os barcos vão a Hespanha levar o producto da pesca; ali os seus tripulantes communicam com as populações, e nada mais facil, portanto, que trazerem para a costa portugueza o germen da molestia.
Pedia, pois, ao sr. ministro da marinha, que visse se era possivel fazer com que o governo hespanhol concordasse em que se desse por terminado o convenio da reciprocidade da pesca, embora não esteja ainda em execução o tratado ultimamente votado.
O governo hespanhol não teria talvez duvidas nisto, quando lhe fosse apresentada uma rasão tão forte e tão justa.
O sr. ministro da marinha dissera hontem que o lazareto terrestre de Villa Real de Santo Antonio seria aberto hoje.
Perguntava a s. exa. se effectivamente já deixaram de

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se fazer ali as quarentenas em barcos sem abrigo algum, como aconteceu no anno passado.
Chamava a attenção do sr. ministro para este assumpto, porque no anno passado se deram alguns casos de congestão provenientes de insolação causada pela permanencia dos individuos n'aquelles barcos.
Pedia a s. exa. que envidasse todos os seus esforços para que o lazareto terrestre funccione o mais depressa possivel, tanto mais que o pessoal que regressa n'esta epocha de Hespanha, dos serviços da lavoura, é numeroso.
(O discurso ao sr. deputado não se publica na integra por se terem extraviado as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Sr. presidente, eu já tinha voltado a minha attenção para o assumpto, realmente importante, a que se referiu o sr. Ferreira de Almeida, e que diz respeito á inscripção dos galeões hespanhoes n'este periodo de pesca.
Officiou se já ao ministerio do reino e ao ministerio dos negocios estrangeiros; áquelle para se saber se deviamos prohibir, como medida sanitaria, a inscripção dos galeões hespanhoes para a pesca nas costas de Portugal; e ao ministerio dos negocios estrangeiros para se saber se poderemos dar por terminado o convenio relativo á reciprocidade da pesca; mas como a resolução sobre estas providencias póde demorar algum tempo, já hoje assignei uma portaria determinando que por occasião da inscripção dos barcos de pesca se insira nos respectivos certificados um certo numero de condições que possam garantir o afastamento dos galeões hespanhoes, marcando-se as distancias a que elles devem fundear, de modo a evitar-se a sua communicação com as embarcações portuguezas.
Mas em todo o caso eu tenho de chegar a um accordo com o meu collega dos negocios estrangeiros, no tocante á questão da reciprocidade da pesca.
Pelo que respeita á abertura do lazareto de Villa Real de Santo Antonio, eu não posso por ora dar ao illustre deputado e á camara outra informação alem da que dei hontem, isto é, que, segundo me informou o sr. Cunha Bellem, o lazareto devia abrir-se hoje.
Não posso, porém, affirmar, se assim aconteceu, porque ainda não recebi essa informação.
O que tive foi um telegramma do chefe do departamento maritimo do sul, reclamando uma providencia, que já se tomou hoje; isto é, a remessa de uma lancha a vapor, destinada a levar as rações aos differentes navios que andam no cruzeiro.
A lancha que vae é a que estava para ir para a Guiné, e ámanhã mandarei mais gente para completar a guarnição da canhoneira Bengo.
São estas as providencias que por agora se podem tomar pelo meu ministerio.
(S. ex. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa, em nome do sr. ministro das obras publicas e do meu, uma proposta de lei regulando o serviço das encommendas postaes.
Vae publicada no fim da sessão a pag. 2965.
Foi enviada ás commissões de obras publicas e da fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.
O sr. Presidente: - Vae ter segunda leitura uma proposta que hontem mandou para o mesa o sr. Consiglieri Pedroso.
Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que a camara suspenda a resolução sobre os projectos de desvio de fundos dos cofres da viação municipal até que a mesma camara se pronuncie ácerca do projecto de lei do sr. Avellar Machado. = Consiglieri Pedroso.
Admittida.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo quem pedisse a palavra foi posta á votação e rejeitada.
O sr. Reis Torgal: - Disse que em sessão de 1 de maio ultimo foi apresentado n'esta casa do parlamento, pelo seu excellente amigo, o sr. conselheiro Guilhermino de Barros, um projecto de lei no intuito generoso de melhorar as actuaes condições do nosso professorado primario.
O referido projecto fura enviado ás commissões de instrucção primaria e de administração publica, que, segundo crê, ainda não deram parecer sobre elle.
Sendo, como é, indispensavel acudir ao professorado portuguez, cujos justificadissimos clamores se fazem ouvir de um ao outro extremo do paiz, rogava ao sr. presidente se dignasse instar para que as respectivas commissões dessem, quanto antes, o necessario parecer a fim do projecto entrar em discussão.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente: - Como a hora está muito adiantada vae passar-se á ordem do dia.
Os srs. deputados que estavam inscriptos, e queiram mandar alguns papeis para a mesa, podem fazel-o.
O sr. Moraes Machado: - Mando para a mesa um projecto de lei, assignado por varios srs. deputados, e que tem por fim attender ás justas reclamações de uma classe de funccionarios publicos que, tendo sido onerados com augmento de serviço, não receberam ainda a recompensa correlativa.
Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Continua em discussão o projecto de lei n.° 158, que reduz o imposto do sal

O sr. Fuschini: - Continuando no uso da palavra, que lhe ficára reservada da sessão anterior, declarou que mantinha o que já hontem dissera, isto é, que a taxa do imposto do sal devia ser reduzida a 1/2 real.
Na sua opinião era indispensavel, para se lançar o imposto sobre o sal, conhecer primeiro qual das industrias que o empregam era a mais pobre, e qual era o maximo de taxa com que ella podia continuar a desenvolver-se.
Não sabia quaes foram as bases que tomara o sr. presidente do conselho para adoptar a taxa de 8 réis por litro; nem sabia quaes foram as bases que se tomaram depois para se adoptar a taxa de 2 réis por litro.
Argumentára-se com o exemplo de outros povos, antigos e modernos, mas parecia-lhe melhor estudar as condições das nossas industrias o deixar as d'esses povos.
No inquerito feito pela commissão ultimamente nomeada havia elementos sufficientes para se calcular approximadamente qual era a mais pobre das industrias que empregam o sal, e qual o maximo da taxa de imposto com que ella póde.
Por esses elementos, alguns dos quaes apresentou á camara, se via, na sua opinião, que a taxa do imposto do sal devia ser inferior a 1 real.
Disse que o governo tinha muito mais difficuldade em sustentar um imposto de rendimento que vae ferir os ricos, do que o imposto sobre, o sal, que fere os pobres, e por isso este imposto não tem sido reduzido á proporção que o devia ser.
Não tinha a pretensão de ter resolvido a questão do sal; mas entendia que a respeito d'esta questão não se podia fazer uma idéa segura, nem tomar uma resolução plausivel, sem se fazer ácerca d'ella um estudo largo.
A commissão, para adoptar a taxa de 1 real em logar de 2 réis, não apresentara trabalho algum provando que se devia adoptar a taxa de 1 real em logar de 2 réis.
O imposto sobre o sal ía recaír sobre as classes pobres, e era sua opinião que o imposto não devia ir alem da taxa que indicava.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)

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O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripçâo. Vae votar-se, começando-se pelas duas emendas apresentadas pelo sr. Castro Mattoso.
Leu-se a primeira. É a seguinte

Proposta

Proponho que fique reduzido á taxa de 1/2 real por litro o imposto estabelecido por lei de 6 de junho de 1884 sobre o sal de producção nacional que for empregado ou consumido no paiz. = Francisco de Castro Mattoso Côrte Real.
Foi rejeitada.

Leu-se a segunda

Proposta

Proponho que o imposto sobre o sal seja cobrado como imposto do real de agua. = Francisco de Castro Mattoso Côrte Real.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se agora o projecto para se votar, seguindo-se o additamento do sr. Luciano de Castro, que o sr. relator da commissão declarou acceitar.
Leu-se. É o seguinte:

Artigo 1.° Fica reduzido á taxa de 1 real por litro o imposto estabelecido por lei de 6 de junho de 1884, sobre o sal de producção nacional que for empregado ou consumido no paiz.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Posto á votação, foi approvado.

Leu-se o seguinte

Additamento

§ unico. A este imposto não é applicavel o addicional de 6 por cento estabelecido pela lei de 27 de abril de 1882. = José Luciano = Francisco de Castro Mattoso = Côrte Real.
Approvado.
O sr. Presidente: - Passa-se á discussão de outro projecto.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 173

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foram presentes: a renovação de iniciativa do projecto do nosso illustre collega o sr. Pinto de Magalhães, modificando os direitos de importação de algumas materias primas; e as representações de varios commerciantes de Lisboa e Porto sobre os direitos de entrada da farinha de pau e das feculas; e considerando que é urgente attender ás reclamações justas dos industriaes, que pedem que os direitos das materias primeiras dos seus labores não paguem muito mais do que os productos estrangeiros fabricados com essas materias primas;
Considerando que no relatorio que precede o projecto do nosso illustre collega se acha larga e substanciosamente justificada a approvação das providencias reclamadas;
Considerando que a fazenda nada tem que soffrer com a modificação da pauta n'esta parte, antes tudo a ganhar, porque o thesouro lucra sempre com o desenvolvimento das industrias nacionaes:
É de parecer, de accordo com o governo, que deveis approvar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A importação, no continente do reino e ilhas adjacentes, das mercadorias descriptas na tabella junta, ficará sujeita aos direitos que constam da mesma tabella.
§ unico. Toda a nomenclatura e direitos estabelecidos na actual classe 17.ª da pauta geral das alfandegas deverão ser substituidos pelos comprehendidos na tabella, sob identico numero.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos direitos de importação a que se refere esta lei e que d'ella faz parte

CLASSE 6.º

Algodão

Algodão em rama, sem caroço nem semente .... Livre

CLASSE 9.º

Farinaceos

Farinha de pau .... 1 kilog. 5 rs.
Amido e feculas:
Mandioca, tapioca, arrow-root e sagú. 1 kilog. 20 rs.
Todas as demais feculas, preparadas ou não, e amido .... 1 kilog. 50 rs.

CLASSE 7.ª

Linho e suas assimilações

Fios de juta ou de quaesquer filamentos vegetaes, não especificados, embora contenham linho ou canhamo .... 1 kilog. 5 rs.

CLASSE 11.ª

Materias vegetaes e mais manufacturas

Alcatrão, breu e pez .... Livres
Sementes oleosas não especificadas, excepto as de algodão .... Livres

CLASSE 13.ª

Mineraes

Cimentos, cré e gesso cru .... Livres

CLASSE 16.ª

Papel e suas applicações

Massa para o fabrico do papel em qualquer estado e de qualquer
qualidade .... Livres

CLASSE 17.ª (transformação de)

Productos chimicos

Bromo, iodo e phosphoro .... Livres
Acidos: oleico, stearico em massa .... 1 kilog. 50 rs.
e palmitico .... manufacturados ..... » » 70 rs.
Acido sulfurico ou clorhydrico ..... » » 1 rs.
Acido arsenioso .... Livres
Acido acetico (pyrolenhoso) até 6.° .... Livres
Acido azotico ou nitrico .... 1 kilog. 20 rs.
Carbonato de soda e de potassa, neutro ou mais ou menos
alcalino .... 1 kilog. 5 rs.
Alcalis causticos, propriamente ditos, solidos ou dissolvidos .... 1 kilog. 20 rs.
Sulfato de soda, de potassa, de cobre e de ferro .... Livres
Azotato de potassa (salitre).... 1 kilog. 30 rs.
Azotato de soda .... Livre
Borato de soda .... Livre
Chlorureto de cal .... Livre
Chlorureto de soda .... Litro 8 rs.
Caixotes de reagentes chimicos e exemplares para estudo .... Livres
Todos os demais productos chimicos .... ad valorem 5 a/b

Sala da commissão de fazenda, 20 de junho de 1885. = M. d'Assumpção = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = L. Cordeiro = Frederico Arouca = Pedro de Carvalho = A. C. Ferreira de Mesquita = Pedro Roberto Dias da Silva = Franco Castello Branco = João M. Arroyo = Moraes Carvalho = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

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2952 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

N.° 5-B

Renovo a iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 10 do junho de 1883, e publicado no dia 17 de dezembro do referido anno, ácerca da materia prima.
Camara 14 de janeiro do 1885. = Pinto de Magalhães.

N.º 113-D

Senhores.- Mandou o governo proceder em 1881 ao inquerito das industrias nacionaes, obedecendo nos clamores da opinião e ao voto das corporações e estardes competentes que, consultadas, foram de parecer, que elle era necessario e indispensavel, a um de que, vantajosamente se podesse renovar o tratado de commercio com a França e reformar a pauta geral das alfandegas.
No tratado celebrado com a França foram attendidas algumas reclamações apresentadas pelos nossos industriaes, e muito principalmente se teve em vista a diminuição dos direitos nas materias primas.
Effectivamente na tabella B do tratado, depois generalisada a todas as procedencias pela carta do lei de 7 de junho de 1882, foi concedida a importação livre de direitos das seguintes materias primas:
Lá em rama, madeira em bruto, materias vegetaes corantes, productos corantes especificados na classe 18.ª da pauta geral; chumbo, estanho, zinco, antimonio simples ou sulfurado, em bruto, fundidos ou laminados; azougue, enxofre em bruto ou refinado.
Foram reduzidos os direitos ás seguintes: aço e ferro batido ou laminado e seda em rama.
Não pôde o negociador da referida convenção, attender a outras reclamações das industrias, pelo que diz respeito a materias primas, e offerecia a diminuição dos direitos com que estão tributados, porque não figuram na exportação da França e são productos oriundos de outros paizes.
O governo, quando se discutia nas commissões diplomatatica e de commercio e artes o tratado de commercio com a França, solemnemente se comprometteu, como consta do relatorio e parecer das referidas commissões, a apresentar ás camaras ainda na sessão legislativa uma proposta, pela qual, sendo attendidas as reclamações apresentadas pelos industriaes, por occasião do inquerito industrial, fossem reduzidos os direitos ás materias primas, que não poderiam ser incluidas n'aquella convenção. (Parecer n.° 67 de 24 de janeiro de 1882.)
Certo do que o governo pensa em desobrigar-se de um compromisso, mas não tendo apparecido até ao presente a proposta, que se dirija á resolução d'esta questão, sendo minha opinião, que é urgente diminuir ou reduzir, quanto possivel, os direitos ás materias primas, porque é esta a mais proveitosa, efficaz e util protecção, que das pautas se póde conceder ás industrias, e que só depois de assim se ter procedido, é que haverá o direito de rasoavelmente se diminuir as taxas com que estão sobrecarregadas algumas manufacturas, com grave prejuizo da receita publica e dos consumidores; entendi dever apresentar á vossa consideração um projecto do lei, que caso não resolva a questão, ajudara pelo menos á sua resolução, ou servirá como base para discussão.
Na tabella B da convenção, hoje regimen geral, o extensiva ás mercadorias oriundas de todas as procedencias, pela lei acima referida, não foi considerado o algodão em rama. Escusado será referir as rasões por que deve ser livre a importação d'esta materia textil, havendo no nosso paiz avultados capitães empregados na exploração das fabricas de fiação e tecelagem de algodão.
Não pareça que tem pouca importancia a liberdade de direitos n'este caso, por isso que o algodão paga já o direito de 0,5 réis por kilogramma, devendo considerar-se que, sendo livre, fica isento da taxa complementar de 2 por cento, que n'este caso representa mais do quadruplo da taxa especifica.
Igualmente deixarão de ser incluidos outros productos, e entre elles os que vem especificados na classe 17.º da pauta geral das alfandegas. Serem isentos do direitos os productos corantes, e ficarem sobrecarregados com elles muitos productos que figuram n'essa classe, mal se poderá comprehender e menos explicar.
Na classe 17.ª da actual pauta geral, com uma intrincada nomenclatura, impropria de uma tarifa fiscal, que devo estar ao alcance da comprehensão do commercio e dos empregados aduaneiros, apparecem productos chimicos com applicação aos trabalhos industriaes, o muitos d'elles constituindo materias primas indispensaveis para fabricações importantes, sobrecarregados com direitos tão excessivos, que, prejudicando as industrias, só produzem receitas insignificantes para o thesouro.
O direito do 100 réis em cada kilogramma de alcali caustico representa somma superior ao valor da mercadoria; no mesmo caso estão os direitos de 10 e 50 réis impostos aos carbonatos de soda e de potassa. Estes direitos impossibilitam o adiantamento e têem tolhido a prosperidade das industrias de vidraria, de vélas de stearina, saboaria e muito principalmente a do papel, obrigando a imposição do direitos excessivos de importação, com o fim do evitarem a concorrencia dos productos similares das industrias estrangeiras, em detrimento das industrias, dos consumidores e da receita publica.
O acido azotico paga 200 réis cada kilogramma, mais do duplo do seu valor ou preço corrente no estrangeiro; por occasião do inquerito industrial, declarou o proprietario de um laboratorio de chimica no paiz, que este producto não devia pagar mais do 20 réis por cada kilogramma.
O elevado direito que paga o nitrato de prata, 6$000 réis por kilogramma, dá em resultado que todo entra dolosamente, e quasi é abastecido o consumo sem proveito para o thesouro, dando-se a anomalia de que em um paiz, aonde a entrada da, barra de prata é livre, o producto que tem por base esse metal paga, 6$000 réis o kilogramma.
Os chloratos pagam 120 réis cada kilogramma, emquanto que as manufacturas em cujo fabrico se emprega, o fogo de artificio é livre de direitos e os lumes promptos pagam 50 réis cada kilogramma.
O phosphoro paga 100 réis cada kilogramma, incluindo no peso para pagamento dos direitos a agua isoladora, os lumes promptos pagam 50 réis cada kilogramma.
Os mordentes para tinturaria o estamparia pagam direitos importantes, finalmente o chlorureto do cal, uma das materias primas que mais variadas applicações tem nas industrias, paga o excessivo direito do 20 réis por cada kilogramma.
Por todas as rasões expostas, e ainda por muitas que constam do inquerito industrial publicado, tenho a honra do apresentar vos o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° A importação no continente do reino e ilhas adjacentes das mercadorias mencionadas na tabella junta, ficará sujeita aos direitos que constam da mesma tabella.
§ unico. Toda a numenclatura e direitos estabelecidos na actual classe 17.º da pauta geral das alfandegas deverão ser substituidos pelos comprehendidos na tabella, sob identico numero.
Art. 2.º As machinas industriaes e agronomicas completas e em peças separadas, e o carvão de coke, serão isentos do pagamento da tara complementar de 2 por cento ad volorem, bem como do imposto addicional do 6 por cento.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Tabella a que se refere o artigo 1.° e seu § do projecto

CLASSE 6.ª

Algodão em rama .... Livre

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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1885 2953

CLASSE 11.ª

Alcatrão, breu e pez .... Livre
Sementes oleosas não especificadas .... Livres

CLASSE 13.ª

Cimentos, cré o gesso cru .... Livres

CLASSE 16.ª

Massa para o fabrico de papel em qualquer estado o de qualquer
qualidade .... Livre

CLASSE 17.ª (transformação da)

Bromo, iodo e phosphoro .... Livres
Acidos, oleico, stcarico e palmitico em massa ou manufacturado .... 1 kilog. 70 rs.
Acido sulfurico e chlorydrico .... 1 kilog. 1 rs.
Acido azotico ou nitrico .... 1 kilog. 20 rs.
Carbonato de soda e de potassa, neutros ou mais ou menos alkalinos .... 1 kilog. 5 rs.
Alcalis causticos, propriamente ditos, solidos ou dissolvidos .... 1 kilog. 20 rs.
Sulfato de soda, de potassa, de cobre e de ferro .... Livres
Azotato de potassa (salitre) .... 1 kilog. 30 rs.
Azotato de soda .... Livre
Borato de soda .... Livre
Chlorureto do cal .... Livre
Chlorureto de sodio .... Litro 8 rs.
Caixotes de reagentes chimicos e exemplares para estudo .... Livres
Todos os demais productos chimicos .... Ad valorem 3%

Sala das sessões, 16 do junho de 1883. = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães.

O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que os direitos sobre os carbonatos e sulfates não sejam alterados, conservando-se os actuaes. = Franco Castello Branco.
Admittida.

O sr. Azevedo Castello Branco: - Mando para a mesa uma proposta, abolindo o imposto em relação a um dos productos chimicos, incluidos na classe 17.ª
Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que no capitulo «alcalis causticos, etc.», onde se lê: «1 kilogramma, 20 réis», se leia: «livres». = J. de Azevedo Castello Branco.
Admittida.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, não pedi a palavra contra o projecto, que está em discussão, porque o um principal que tenho em vista ao fallar sobre este assumpto, é dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda a fim do eu saber se posso ou não apresentar uma proposta de additamento para a isenção ou pelo menos para a reducção do imposto, que hoje paga uma das mais importantes materias primas das nossas industrias.
Só s. exa. declarar, que ácerca d'este ponto não acceita a minha indicação, eu limito-mo a deixar consignado o meu desejo e não formulo proposta; mas se declarar pelo contrario que está, disposto a fazer alguma cousa, n'este sentido, não tenho duvida em mandar para a mesa a respectiva proposta.
A materia prima, a que eu me retiro, é o carvão de pedra.
Em principio e na hypothese actual, approvo completamente a diminuição do imposto nas materias primas o a isenção mesmo, n'um certo numero de casos tal como se propõe no parecer da commissão.
O sr. ministro da fazenda sabe, com effeito, que ha duas maneiras de favorecer as nossas industrias: uma d'ellas é levantar os direitos pautaes nos productos similares estrangeiros d'essas industrias, a outra é diminuir os direitos sobre as materias primas que servem de base ás industrias, que se querem proteger.
Elevar, como systema, em todos os casos, e indistinctamente os direitos pautaes para favorecer o trabalho nacional, é irracional e perigoso; será lançar nos sem criterio economico n'um caminho que as proprias industrias hão de ser as primeiras a condemnar, como prejudicial ao seu desenvolvimento. Pelo contrario ha, toda a conveniencia em diminuir os direitos ou antes, porque essa seria a melhor solução, em tornar livre as materias primas, que servem de base ás differentes industrias do paiz.
Visto que o governo, pela acceitação do actual projecto, parece querer entrar n'este segundo caminho, o unico justo e rasoavel, eu lembro uma substancia que póde considerar-se hoje como a materia prima de toda a grande industria, e que apesar d'isso se acha sobrecarregada com um imposto pesadissimo. Refiro-me, conforme já disse, ao carvão de pedra.
O carvão de pedra foi tributado pelo ultimo ministerio progressista em 300 réis por tonelada.
Contra similhante importo pronunciaram-se então diversas industrias importantes, queixando-se de que eram gravemente feridas por este aggravamento no custo da materia prima de maior consumo para ellas.
Na camara o partido a que o sr. ministro da fazenda pertence, e creio mesmo que o proprio sr. ministro, combateram com vehemencia o imposto, mostrando os graves inconvenientes economicos que resultariam da sua adopção.
O inquerito industrial veiu ainda ultimamente pôr a descoberto um certo numero de desvantagens do imposto de que se trata. N'estas circumstancias eu pergunto ao sr. Hintze Ribeiro se o governo está disposto, não digo já, ainda que o meu desejo fosse esse, a eliminar o imposto de importação sobre o carvão do pedra, mas a reduzil-o.
Eu sei que esse imposto rende, segundo o computo do nosso orçamento, a media de 100:000$000 a 120:000$000 réis. Mas embora, seja sempre um sacrificio para qualquer governo o diminuir as receitas publicas, o sr. ministro da fazenda não hesitará em acceitar a minha proposta, logo que considere que uma diminuição n'esta verba ha de necessariamente ser compensada, por consideravel augmento indirecto, motivado pelo maior consumo, que resultará do incremento de um certo numero de industrias hoje decadentes.
Portanto, para terminar, pergunto ao governo se acceita um additamento, ou para a eliminação do imposto sobre o carvão de pedra, pelo menos para a reducção do imposto?
Se o governo declarar que acceita a minha idéa eu formulo desde já a respectiva proposta que mandarei para a mesa.
Leu-se e foi approvada a ultima redacção do projecto de lei n.° 177.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Reconheço todo o valor das observações feitas pelo illustre deputado.
Quando se apresentou n'esta camara um projecto pelo qual ficaria tributado o carvão de pedra, projecto que, só bem me recordo, não era da iniciativa do sr. Barros Gomes, mas da, iniciativa da commissão de fazenda, eu que então tinha assento n'esta casa, combati-o; e, portanto, já o illustre deputado vê que eu não posso deixar de concordar com as idéas, que s. exa. acaba de expender em referencia a este imposto.
O meu desejo seria, como o do s. exa. que o carvão de pedra, que póde dizer-se é materia prima das mais essenciaes, ficasse completamente isento de qualquer imposto; mas encontrando eu uma receita superior a 120:000$000 réis, producto d'este imposto, não me animo por emquanto

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a acceitar nem a sua abolição, o que o illustre deputado não propõe, nem ainda qualquer reducção.
Uma cousa, porém, posso dizer a s. exa. e que espero o satisfará, por ír na corrente das suas idéas; é que me comprometto, no intervallo da sessão parlamentar, a proceder aos estudos necessarios para uma reforma geral de pautas; e muito desejarei poder, por essa occasião, senão abolir, ao menos reduzir o imposto sobre o carvão de pedra, beneficiando assim as industrias, e procurando a compensação d'este desfalque em outra qualquer medida que possa adoptar.
É necessario, porém, tomar, não uma medida simples como é a materia d'este projecto, mas uma medida completa e desenvolvida, de modo que a proposta que eu possa trazer ao parlamento satisfaça, não a uma, mas a muitas das necessidades da industria portuguesa, que desejaria conciliar, quanto possivel, com os interesses do fisco.
É por isso, repito, que a nova pauta que tenciono organisar precisa ser maduramente pensada, tendo em vista os interesses das industrias, sem deixar de attender aos do thesouro.
É d'este problema, que o illustre deputado por differentes vezes tem tratado n'esta casa do parlamento, que eu igualmente desejo occupar-me no intervallo parlamentar com o concurso dos homens mais competentes e esclarecidos no assumpto.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Carrilho: - Pedi a palavra para declarar, por parte da commissão de fazenda, que acceito as propostas apresentadas pelos srs. Franco Castello Branco e Azevedo Castello Branco, e mando, portanto, para a mesa a redacção d'este ponto do projecto em conformidade com essas propostas.
Leram-se na mesa as seguintes:

Propostas

1.ª Na verba da tabella que se inscreve «alcalis, ete.», onde se lê «1 kilogramma 20 réis», leia-se «livres». = A. Carrilho.
2.ª Para substituir a verba que se inscreve «carbonato, etc., 1 kilogramma 5 réis»:
Carbonatos:

De soda em bruto .... livre
De soda natural .... livre
Do soda artificial .... kilog. 10
Refinado .... kilog. 10
De potassa em bruto .... kilog. 5
De potassa refinado .... kilog. 50

Para substituir a verba que se inscreve «sulfato de soda, etc.»:
Sulfato de soda, de polaca, de ferro e de cobre, kilogramma 2 1/2 réis. = A. Carrilho.
Admittidas.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Como o sr. ministro da fazenda acaba de declarar á camara, que se compromette a trazer na proxima sessão legislativa um projecto de reforma da nossa pauta, cuja necessidade eu por mais de uma vez tenho n'esta casa sustentado, reservo-me para n'essa occasião, que será a opportuna, defender as idéas que apenas muito ao de leve sobre o assumpto deixei agora esboçadas, sentindo no entretanto que o sr. ministro da fazenda não quizesse desde já reparar uma das maiores injustiças da nossa legislação tributaria!
O sr. Presidente: - Vae votar-se.
Como as propostas apresentadas pelo sr. relator são substituições ás propostas dos srs. Franco Castello Branco e Azevedo Castello Branco, votam-se primeiro aquellas e se forem approvadas consideram-se as outras prejudicadas.
Lidas as propostas do sr. Carrilho, foram approvadas, ficando assim prejudicadas as dos outros srs. deputados.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto para se votar.
Leu se e posto á votação foi approvado com a respectiva tabella, sem prejuizo das emendas approvadas.
O sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão outro projecto.
Leu se o

PROJECTO DE LEI N.° 28

Senhores. - Na anterior sessão legislativa, o governo apresentou ao parlamento, pela secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, uma proposta de lei n.° 54-B, auctorisando-o a adjudicar, pelo modo que julgar mais conveniente, a construcção e exploração na provincia de Angola de um caminho de ferro que, partindo de Loanda, termine no concelho de Ambaca, seguindo a directriz que parecer mais vantajosa.
Esta proposta estabelece, para a realisação d'esta obra, uma garantia de juro não superior a 6 por cento sobre o capital empregado na construcção da linha, e consigna ao pagamento dos encargos que o governo portuguez tomar em virtude d'esta garantia, alem de outras verbas, as sommas de 18:000$000, 5:000$000, 38:000$000 e 29:000$000 réis, consignadas respectivamente, ao tempo da mencionada proposta de leis nos orçamentos das provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, para pagamento de juros e amortisação das dividas da provincia.
Por ultimo, a mesma proposta de lei auctorisa o governo a emittir as obrigações necessarias para o pagamento dos encargos contrahidos segundo essa proposta; preceitua que as obrigações serão do capital nominal de 90$000 réis, vencendo o juro de 5 por cento e amortisando-se ao par no periodo maximo de noventa annos, e que a emissão se fará por series, sendo a primeira destinada á regularização da situação financeira das provincias ultramarinas, a que nos acabâmos de referir.
Reunidas as commissões de fazenda e ultramar, decidiram substituir, de accordo com o governo, a parte d'esta proposta de lei que destinava aos encargos da mencionada garantia de juro varias verbas dos orçamentos da metropole e das provincias ultramarinas, pela responsabilidade do estado sem limitações nem restricções, resultando, portanto, de tal modificação a necessidade de considerar em projecto do lei separado o importante assumpto da regularisação ou pagamento das dividas das provincias ultramarinas.
Sobre este ponto, comtudo, não chegaram a dar parecer as commissões de fazenda e ultramar.
N'esta sessão legislativa, o governo renovou, pela proposta de lei n.° 15-11, a iniciativa da proposta de lei a que nos vimos referindo, na parto que auctorisa o governo a reembolsar os credores das provincias ultramarinas de Africa por dividas que oneram os respectivos cofres com encargos de juro e amortisação. Têem, por conseguinte, as vossas commissões de fazenda e ultramar de expor a sua opinião sobre o grave assumpto da regularisação ou pagamento das dividas das provincias ultramarinas de Africa, contrahidas para com o banco nacional ultramarino pelas juntas de fazenda de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique.
As vossas commissões de fazenda e ultramar;
Considerando que nas tabellas de receita e despeza das provincias ultramarinas do anno economico de 1884-1885, se acham fixadas as verbas de 18:432$900 réis (Cabo Verde), 6:593$990 réis (S. Thomé e Principe), 87:751$055 réis (Angola) e 28:909$000 réis (Moçambique), perfazendo a somma total de 91:686$945 réis, para juros e amortisação das citadas dividas;
Considerando que a representação da importancia d'estas dividas em obrigações emittidas na metropole, com taxa de juro que nunca poderia ser superior áquella pela qual

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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1885 2955

contrahiram emprestimos as jantas de fazenda, não traz como consequencia a necessidade de crear nova receita para o estado;
Considerando que as dividas das juntas de fazenda foram auctorisadas ou reconhecidas pelo governo da metropole;
Considerando que as dividas das juntas de fazenda foram contrahidas por precisão de realisar antecipação de receitas para pagamento do obras publicas, vencimentos de empregados, soldos e prets da força publica e outras necessidades urgentes;
Considerando que a liquidação das dividas contrahidas pelas juntas de fazenda, quer reembolsando o banco nacional ultramarino, por meio de uma emissão de obrigações feita directamente pelo estado, quer por meio de uma emissão de obrigações feita pelo banco, garantindo o governo o juro e a amortisação, é uma das mais inadiaveis medidas preparatorias para a proxima e possivel reorganisação financeira das nossas possessões de alem mar;
Considerando que a emissão de obrigações na metropole ao juro de 6 por cento, sufficiente para a representação integral da divida, produzirá diminuição sensivel nos encargos das juntas do fazenda devedoras, por isso que todos os emprestimos realisados par estas juntas com o banco nacional ultramarino, que vencem juro, foram tomados a uma taxa mais elevada, que vão até 8 1/2 por cento, e os emprestimos que não vencem juro nem 7 por cento são da importancia total da divida;
Considerando que a emissão de obrigações amortisaveis no praso, já de si não longo, de trinta annos, produzirá uma diminuição ainda mais sensivel nos encargos d'essas juntas, diminuição que deve ser calculada em mais de réis 30:000$000 annuaes;
Considerando que nas actuaes circumstancias financeiras é de todo o ponto conveniente evitar, quanto possivel, que o governo lance ao mercado novos titulos de divida publica;
Considerando que a emissão directamente feita pelo, banco nacional ultramarino, com obrigação do pagamento de juros e amortisação nos respectivos cofres das provincias das ultramarinas indicadas, forçará o banco a envidar todos os esforços para a cobrança do importe dos juros, e das quotas de amortisação, assegurando-se assim mais efficazmente a extincção das dividas;
Considerando que a auctorisação ou reconhecimento das dividas das juntas de fazenda pelo governo da metropole traz como consequencia inilludivel a obrigação d'este, em todo o caso, garantir o juro e a amortisação dos capitaes mutuados pelo banco nacional ultramarino;
Considerando que esta garantia não é geral, mas restricta ás sommas devidas pelas juntas de fazenda constantes do mappa junto ao seguinte projecto de lei, e que d'elle faz parte;
Considerando que é de toda a conveniencia para o thesouro da metropole sujeitar á previa approvação do governo os emprestimos realisados pelas juntas de fazenda do ultramar;
E, de accordo com o governo, são de parecer que a proposta do governo, apresentada na anterior sessão legislativa, n.° 54-B, deve ser convertida, quanto á parte que auctorisa o governo a reembolsar os credores das provincias ultramarinas de Africa, por dividas que oneram os respectivos cofres com encargos de juros e amortisação, no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisado o governo a garantir a emissão especial de obrigações do valor nominal de 90$000 réis cada uma e de juro annual de 6 por cento, com
amortisação ao par em trinta annos effectuada aos somestres por sorteio, que o banco nacional ultramarino póde fazer para representar integralmente a importancia de que é credor ás juntas de fazenda das provincias ultramarinas de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, fixada no mappa junto a esta lei e que d'ella faz parte, e a importancia dos juros d'essas dividas desde o dia 1 de março do corrente anão até ao ultimo dia do primeiro mez que decorrer da data da verificação e comprovação dos creditos do banco á face das declarações ou documentos enviados pelas juntas de fazenda devedoras, ou até á data da emissão, caso se realise dentro d'este mez.
§ unico. A emissão de que trata este artigo será feita com previa approvação do governo.
Art. 2.° Serão inscriptos nos orçamentos das mencionadas provincias ultramarinas os encargos de juro e amortisação do capital em divida, por cada uma d'ellas, e que tiver sido representado na emissão de que trata o artigo 1.°
§ unico. As juntas de fazenda devedoras farão separar mensalmente das receitas aduaneiras das sédes das provincias as sommas necessarias para satisfação dos encargos resultantes da emissão e que respectivamente lhes competirem, sendo essas sommas entregues aos representantes do banco.
Art. 3.° No caso de liquidação do banco, o thesouro da metropole satisfará os encargos da emissão auctorisada pelo artigo 1.°, ficando subrogado nos direitos do banco para haver das provincias ultramarinas as annuidades a vencer até completa extincção das dividas.
Art. 4.° O governo dará as providencias precisas para a cabal execução d'esta lei, de fórma que os fundos destinados para juro e amortisação das dividas não sejam em caso algum distrahidos da sua legal applicação.
Art. 5.° Para o futuro, nenhuns capitães poderão levantar por via de emprestimo, as juntas do fazenda do ultramar, sem previa approvação do governo da metropole.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario, publica;
Sala das sessões das commissões de fazenda e ultramar, 23 de março de 1885. = José Dias Ferreira (vencido em parte) = Luiz de Lencastre = Joaquim José Coelho de Carvalho = Henrique de Barros Gomes (com declarações) = P. Diniz = Franco Castello Branco = S. R. Barbosa Centeno = João Eduardo Scarnichia = Luciano Cordeiro (com declarações) = Henrique da Cunha Mattos de Mendia = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Marçal Pacheco = Correia Barata = Augusto Poppe = Tito de Carvalho = Pedro Roberto Dias da Silva = Lopes Navarro = Pedro Augusto de Carvalho = Urbano de Castro = A. C. Ferreira de Mesquita = Antonio Joaquim da Fonseca = Antonio Maria Pereira Carrilho = João Marcellino Arroyo, relator.

Mapa das sommas devidas pelas juntas de fazenda das provincias ultramarinas de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique ao banco nacional ultramarino até 28 de fevereiro de 1883, incluindo os juros por pagar vencidos até esta data, segundo as notas e documentos fornecidos por este banco.

Cabo Verde

Expedição de Caconda .... 3:100$000
Edificação da alfandega da cidade da Praia ..... 21:196$400
Soccorros á ilha de Santo Antão .... 10:333$335
Contrato de 28 de outubro de 1878 .... 12:400$000
Emprestimo á commissão de 3 por cento da ilha de Santo Antão .... 715$415
Titulos de vencimento de empregados publicos .... 17:293$624

S. Thomé e Principe

Contratos de 29 de novembro de 1876 e de 5 de fevereiro de 1877 .... 40:904$521
Contrato de 22 de setembro de 1883 .... 8:534$335

Angola

Titulos de liquidação de fornecimentos para diversas estações publicas, em 1875 .... 40:305$185
Importe do custo, frete e seguro de um guindaste, em 1876 .... 3:651$520

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2956 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Contrato de 12 de abril de 1877 .... 20:417$255
Contrato de 19 de abril do 1880 .... 130:548$918
Contrato do 30 do julho de 1881 .... 192:328$815

Moçambique

Saldo de letras descontada da junta de fazenda .... 90:000$000
Pagamento de recibos de empregados publicos .... 40:000$000
Contrato de 30 de outubro de 1884 .... 73:800$000
Duas letras descontadas da junta de fazenda, como consta do aviso da succursal do banco em Moçambique de 13 de novembro do 1884 .... 3:127$222
Total .... 714:158$845

N.º 15-H

Renovo a iniciativa da proposta de lei n.° 54-B de 31 de março de 1884; na parte que auctorisa o governo a reembolsar os credores das provincias ultramarinas da Africa, por dividas que oneram es respectivos cofres com encargos de juro e amortisação.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 28 de fevereiro de 1885. = Manuel Pinheiro Chagas.

N.º 54-B

Senhores. - A construcção do caminho de ferro de Ambaca, na provincia de Angola, tem sido tão instantemente reclamada pela opinião publica, tem por tal fórma conquistado a adhesão dos homens mais eminentes de todos os partidos, que exaltar figura as suas vantagens, apregoar-lhe a indeclinavel urgencia seria um verdadeiro pleonasmo.
Todos comprehendem a importancia enorme d'esse caminho de ferro para a provincia de Angola, a transformação economica que elle deve immediatamente produzir, os resultados eminentemente civilisadores que devem provir d'essa obra essencialmente fecunda. Já ninguem discute as vantagens incalculaveis da construcção de caminhos de ferro em geral; mas a construcção de um primeiro caminho de ferro n'uma provincia fertilissima, abundante em riquezas de todos os generos, que morrem no sitio que as produz, por absoluta impossibilidade de serem transportadas para o litoral, apresenta- se em condições por tal fórma superiores, que seria uma injuria á vossa intelligencia demorar-me em as demonstrar, uma injuria ao vosso patriotismo duvidar per um instante da vossa coadjuvação.
Só as circumstancias melindrosas do thesouro publico se têem opposto até agora a que os meus antecessores realisassem esse importantissimo melhoramento. A hesitação hoje, porém, seria um verdadeiro crime. Por timidez e por errada comprehensão das necessidades mais instantes do paiz, estamos deixando jacentes riquezas que só esperam o silvo da locomotiva para circularem na provincia e para pagarem exuberantemente os sacrificios feitos por quem as for procurar.
As riquezas da Africa não estrio no litoral, quasi sempre insalubre, muitas vezes arenoso e esteril, queimado pelo sol, alagadiço e pantanoso. As riquezas da Africa encontram-se no coração d'esse vastissimo continente. Bem o comprehendem os exploradores europeus, que não procuram senão afastar-se da costa o mais depressa possivel, internar-se na Africa e ir buscar as regiões salubres e ferteis, onde talvez em menos de um século pellule a colonização europêa.
Penetrando uns pelo Zaire, outros pelo Zambeze, vão demandar valles risonhos que pisou talvez a sandália humildo do missionario portuguez em epocha de heroicas aventuras, mas aonde não chega a acção directa do nosso governo. E todos se arrojam sobre essa região cubiçada e ali buscam novos mercados, novas fontes de riqueza para o commercio e para a sciencia, novos campos para a civilisação, novos estimulos para a actividade dos povos cultos.
Esta via ferrea, verdadeiro caminho de ferro do penetração, o primeiro que se faz com esse intuito em toda a Africa, se exceptuarmos os paizes do litoral do Mediterraneo, tem de ser não só um instrumento de riqueza, mas um poderoso elemento de civilização. Que será um instrumento poderoso do riqueza, ninguem de certo o contesta. Cada novo meio de communicação, por mais imperfeito que seja, que se estabeleça entre o literal e o interior da provincia, produz immediatamente os mais prodigiosos resultados.
A navegação do Quanza quadruplicou logo o movimento do porto de Loanda. N'uma recente viagem que o actual governador de Angola fez ao interior, encontrou em Cazengo 107:000 arrobas de et fé, que não saíam de lá, porque na o havia litteralmente meios de conducção. O ultimo paquete chegado de Angola veiu abarrotado de generos coloniaes, e, comtudo, muitos ficaram no interior da provincia desaproveitados por falta de transportes. As opiniões são unanimes sobre este ponto. O trafico do caminho de ferro seria, logo que a linha se estabelecesse, de uma importancia extraordinaria. O augmento dos rendimentos da provincia, que proviria d'esse desenvolvimento, bastaria de certo para acudir aos encargos do uma garantia de juro, se o trafico, apesar do incontestavelmente grande, não bastasse só por si para remunerar o capital.
Mas os capitães não são, pelo menos entre nós, aventurosos. Não se deixam seduzir facilmente pelas probabilidades mais fascinadoras. É indispensavel offerecer-lhes uma garantia segura e solida, que não esteja sujeita a eventualidades imprevistas, por mais improvaveis que sejam. Não convinha, comtudo, perturbar por qualquer fórma no momento actual a situação financeira. Foi em obediencia a estas considerações, o com o intuito de não demorar nem mais um instante a realização d'esse importantissimo melhoramento, que elaborei a proposta de lei que submetto á vossa approvação.
A emissão do obrigações é o systema adoptado por todos os governos, que pretendem construir directamente algum caminho de ferro; esse systema póde ser applicado com vantagem ao pagamento da garantia de juro, tendo assim o governo a possibilidade de adiar os encargos mais pesados para epochas futuras, em que elles já serão largamente compensados pelo incontestavel acrescimo do rendimentos que ha de resultar do estabelecimento da linha ferrea. Pagando em obrigações as sommas necessarias para complemento da garantia de juro, o governo tem só de cuidar nos primeiros annos de assegurar no orçamento quantia precisa para satisfazer os encargos d'essas obrigações.
A duas verbas existentes no orçamento das provincias ultramarinas entendo que só póde dar essa applicação, não alterando, por conseguinte, do fórma alguma, por um largo periodo, a situação financeira actual.
Uma d'essas verbas é a de 50:000$000 réis que têem eido votados annualmente, ainda que no orçamento extraordinario, para as despezas com estações civilisadoras, explorações scientificas, etc. Não creio que possa haver estações mais civilisadoras do que as estações d'este caminho de ferro, não creio que possa haver exploração mais importante para a sciencia do que a exploração tentada pelos engenheiros, que vão lançar atravez do sertão africano uma linha que prolonga, por assim dizermos, a Europa com toda a sua civilisação, com todo o seu prestigio soberano, até aos confins da barbaria. Fazer o caminho de ferro de Ambaca é preparar ás futuras explorações scientificas o seu mais poderoso instrumento. Collocar os exploradores sem fadigas nem perigos, não no insalubre litoral africano, onde começam a gastar-se-lhes as forças o a energia, mas no terminus da linha ferrea, em sitio saudavel, que terá de ser então o ponto de partida das suas explorações, e que os habilite a entrar frescos, e com os recursos que levaram da Europa ainda intactos, nas regiões que pretendem explorar, é, parece-me, prestar á sciencia o mais relevante de todos os serviços. Se entretanto for indispensavel emprehender alguma exploração scientifica, votará

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de certo a camara, por medida extraordinaria, os meios indispensaveis.
A outra verba de que pretendo lançar mão é a que nos orçamentos das differentes provincias africanas está destinada ao pagamento dos encargos de diversos emprestimos contrahidos. Esses emprestimos, cujo capital sobe a cerca de 600:000$000 réis, e em que o juro é acompanhado por uma forte amortisação, estariam integralmente pagos em poucos annos. Pelo systema que tenho a honra do propor, o governo emitte tambem as obrigações necessarias para pagamento integral aos credores das quantas emprestadas, e continua a receber das differentes colonias as verbas destinadas até agora para esse fim, consignadas d'aqui por diante ao pagamento dos encargos do caminho de ferro de Ambaca.
Não se espanto a camara com este systema que obriga, S. Thomé e Principe, Moçambique e Cabo Verde a contribuir para es melhoramentos de Angola. Não contribue já hoje Macau para a satisfação dos encargos das outras provincias ultramarinas? Se e o governo da metropole que recebe os saldos de Macau, esses saldos não os applica depois integralmente ao pagamento do deficit do ultramar? Não acceito por fórma alguma esta ficção, pela, qual se quer que pague cada colonia as suas proprias despezas. Emquanto houver deficit nos seus orçamentos a que a metropole occorra, tem o governo central plenissimo direito de transferir de umas para outras as verbas que julgar convenientes, desde o momento que e elle que suppre as deficiencias dos seus orçamentos. Quando o deficit desapparecer, quando houver saldos positivos, não é muito que as colonias onde for ocorrendo essa feliz transformação, auxiliem o governo no empenho que tem de as desenvolver a todas. Esta solidariedade intima e profunda, que liga entre si todas as colonias portuguezas, e que as liga com a mãe patria, longe do a disfarçarmos, devemos pelo contrario affirmal-a bem alto. O governo portuguez garanta com o seu credito as dividas das colonias, como as colonias deverão garantir, com o excesso das suas receitas, quando o tiverem, as dividas da metropole, contrahidas muitas vezes por causa d'ellas.
D'este modo a metropole contribuo effectivamente com a garantia do seu credito, e em especial com a somma de 50:000$000 réis annuaes para este importante melhoramento; as colonias africanas contribuem com cerca de réis 90:000$000 para o mesmo fim; Angola, alem da parte que lho cabe n'esse subsidio annual, contribue com a parte do rendimento das suas alfandegas, que exceder a verba de 450:000$000 réis, em que está calculado no orçamento do presente anno economico. No orçamento do anno economico de 1882-1883 era essa mesma verba orçada em réis 416:000$000. Sem ter ainda, esse poderoso instrumento de civilisação e de riqueza, a receita das alfandegas vão tendo um desenvolvimento natural e progressivo, que se póde dizer que só por si bastará para occorrer aos encargos contrahidos, tanto mais que é opinião dos engenheiros mais conspicuos, como o sr. Sousa Brandão, Sarrea Prado e outros, que o rendimento proprio da caminho de ferro chegará logo nos primeiros annos de exploração para garantir ao capital, relativamente pouco importante, que reclama, o juro de 6 por cento. O caminho de ferro de Ambaca não poderá ter mais de 359 kilometros (360 em numeros redondos), e exigirá um capital do 7.200:000$000 réis. Teria de só garantir, portanto, um juro do 432:000$000 réis, quando o caminho de ferro estivesse todo aberto á exploração. Se tivesse do ser pago integralmente este rendimento, o que e absurdo, o encargo das obrigações, calculando-se em 6 por cento o necessario para juro e amortização, não excederia, a somma do 25:920$000 réis. Bastaria, comtudo, que a linha tivesse um rendimento liquido de réis 1:200$000 por kilometro, para o governo não ter de desembolsar nem um real, em virtude dos seus compromissos. Bastaria que nos primeiros annos de exploração o rendimento liquido do caminho apenas subisse á quantia do 600$000 réis por kilometro, para que o governo não tivesse senão o encargo de 12:960$000 réis, que se iria accumulando, é certo, com os encargos das novas obrigações que teriam annualmente de se emittir, mas que em compensação iria. diminuindo tambem com o progresso dos rendimentos da exploração.
Senhores, o futuro d'este caminho de ferro é por tal fórma certo e incontestável, que o sr. visconde de S. Januario, cujo nome ficará indissoluvelmente ligado a esta civilisadora empreza, porque foi de quem primeiro apresentou uma proposta do lei para se conceder garantia de juro aos capitães que nessa empreza se empenhassem, entendeu que bastava consignar o excesso dos rendimentos da provincia, de Angola ao pagamento de uma garantia de juro, para, que apparecessem os capitães ambicionados. É só n'esse ponto que me afasto do projecto do meu illustre e glorioso predecessor, projecto que aliás copio e sigo passo a passo. Para as obras publicas do ultramar é essencialissima a garantia da metrópole. É certo que o sr. visconde do S. Januario pedia ao mesmo tempo auctorisação para emittir 6.000:000$000 réis de obrigações coloniaes, que tencionava provavelmente applicar em grande parte ao caminho de ferro de Ambaca; mas, forçado pelos cuidados da nossa reorganisação financeira a não tomar desde já tão largos compromissos, e certissimo, comtudo, de que nada, conseguirei sem offerecer aos capitaes uma garantia que nada tenha absolutamente de aleatorio, recorri ao systema agora proposto, que tem a dupla vantagem de adiar para um futuro mais desafogado os encargos d'esta empreza, e de ligar solidariamente entre si o com a mãe patria as colonias africanas, fazendo com que todas concorram para um melhoramento que a uma só beneficia. A seu turno a que aproveita com os sacrificios agora feitos será chamada, a contribuir para os melhoramentos das outras.
Senhores, precisa de largo estimulo e de seria attenção o desenvolvimento das nossas colonias. Só a ellas estão presas todas as glorias do nosso passado, ainda mais presas lhes estão todas as esperanças do nosso futuro. Não somos, como se diz, um povo arrumado, desde o momento que possuimos ainda a mais bella parte da Africa, desde o momento que exercemos n'esse immenso continente influencia superior á de todas as outras nações da Europa. Mas para podermos colher os resultados que esperâmos, é necessario semear, e n'aquellas terras fortissimas a colheita opulenta recompensa logo a semeadura intelligente. Não póde levar-se, bem o sabemos a extremas e consequencias a doutrina do fomento, mas a Africa portugueza acha-se exactamente no periodo em que a appiicação d'essa doutrina produz resultados maravilhosos, em que a terra, virgem e inexplorada remunera com thesouros o mais leve esforço que se faça para a fecundar. Occuparmo-nos seriamente da Africa é uma necessidade urgente e indispensavel; tornar o nosso dominio ali civilisador e benefico, é responder victoriosamente a todas as calumnias, é arredar todas as complicações, é mallograr todas as esperanças dos que pretendem valorisar em proveito proprio o solo que desbravámos. A construcção do caminho de ferro de Ambaca não tem só vantagens economicas, tem vantagens politicas da mais alta importancia. Não vale só pelo que póde produzir, vale pelos embaraços que nos evita, pelas despezas estereis que nos poupa. Firma o nosso dominio, é um novo padrão mais seguro e mais polido do que os que deixou por essas praias e por esses rios, encimados pela cruz, com as regias armas gravadas na pedra que o andar dos tempos carcomiu, mas respeitou, a audacia da nossos navegadores. Esses eram os padrões das heroicas aventuras, esto é um padrão eterno de civilisação a que o nome portuguez tambem perpetuamente se liga.
Mas, senhores, poderemos nós fazer do subito o muito que nos reclamam as nossas provincias ultramarinas? Não de certo, e devemos acautelar nos contra a precipitação

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que nos leva a intentarmos tudo ao mesmo tempo, para nada concluirmos. Concentremos os nossos esforços n'uma obra de reconhecida utilidade, e que pague de prompto em beneficios para as colonias, e reflexamente para a metropole, os sacrificios que nos custe. Aligeiremos tanto esses sacrificios quanto seja preciso, para que d'essa primeira empreza não nos resulte desde logo um fatal desequilibrio financeiro; repartamol-os tambem por todas as colonias, para que esse esforço commum seja mais vigoroso e produza o resultado que esperâmos, e que será para os outros melhoramentos coloniaes o mais poderoso de todos os incentivos; e fazendo isto, senhores, tereis prestado um serviço relevantissimo ao nosso paiz, e tereis deixado um monumento perduravel do vosso zêlo pelo nome, pela gloria, pelo prestigio e pelos sagrados interesses da nossa patria. Eu, senhores, cumpro simplesmente o meu dever, apresentando ao vosso exame e á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar, pelo modo que julgar mais conveniente, a construcção e exploração, na provincia de Angola, do um caminho de ferro, que parta de Loanda e termine no concelho de Ambaca, seguindo a directriz que parecer mais vantajosa.
Art. 2.° Para a realisação d'este melhoramento póde o governo conceder:
1.° Uma garantia de juro não superior a G por cento sobre o capital empregado na construcção da linha, não podendo o custo kilometrico d'esta ser computado em mais de 20:000$000 réis para o effeito da mesma garantia;
2.° Todos os terrenos do estado que deverem ser occupados pela linha ferrea e pelos edificios respectivos, bem como todas as madeiras do estado que estiverem sobre os mesmos terrenos;
3.° Metade dos terrenos pertencentes ao estado n'uma zona de 500 metros para cada lado do eixo da linha ferrea, fazendo se a divisão alternadamente entre o governo e a empreza, de modo que não fique pertencendo a esta nem uma parcella com um comprimento superior a 10 kilometros;
4.° O direito, durante o praso de construcção, de extrahir das florestas do estado, todas as madeiras e materiaes necessarios para a construcção da linha, com previa auctorisação do governador da provincia, de accordo com os regulamentos e instrucções que o governo entender decretar para este effeito.
Art. 3.° São consignados para o pagamento dos encargos que o governo portuguez tomar em virtude d'esta garantia:
1.° Os rendimentos das alfandegas da provincia de Angola superiores á verba de 450:000$000 réis, hoje calculada no orçamento da provincia;
2.° As sommas de 18:000$000 réis, 5:000$000 réis, 38:000$000 réis e 29:000$000 réis, hoje consignadas respectivamente nos orçamentos das provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, para pagamento de juros e amortisação das dividas actuaes da provincia, dividas, cujo capital será reembolsado aos credores pelo governo, da fórma especificada no § 1.° do presente artigo;
3.° A somma de 50:000$000 réis consignada actualmente no orçamento extraordinario do estado, para explorações scientificas, estações civilisadoras, etc., e que passarão a figurar no orçamento ordinario, no capitulo de despezas do ultramar, realisadas na metropole.
§ 1.° O pagamento do complemento da garantia de rendimento liquido de 6 por cento, e o reembolso do capital das dividas coloniaes, para cuja amortisação e juro está destinada no orçamento de differentes provincias ultramarinas uma somma que passa a ser destinada á garantia dos encargos do caminho de ferro de Ambaca, poderão ser feitos em dinheiro ou em obrigações coloniaes, emittidas nas condições do artigo 4.
§ 2.° Na concessão de terrenos o governo estabelecerá todas as restricções que forem julgadas necessarias, quer em relação ao estabelecimento das estações, quer em relação a quaesquer outros fins, que não devam ser prejudicados pela dita concessão.
Art. 4.° Fica auctorisado o governo a emittir as obrigações necessarias para o pagamento dos encargos contrahidos pela presente lei.
§ 1.° Essas obrigações serão do capital nominal de 90$000 réis, vencerão o juro de 5 por cento, e serão amortisaveis ao par no periodo maximo de noventa annos.
§ 2.° A emissão far-se-ha por series, sendo a primeira destinada á regularisação da situação financeira das provincias ultramarinas, a que se refere o n.° 2.° do artigo antecedente, e as seguintes quando por exames fiscaes se reconheça a obrigação de pagar o complemento do juro garantido.
§ 3.° O juro e amortisação serão pagos por semestres vencidos nas praças de Lisboa e Porto, Londres, París, Bruxellas e Amsterdam, indistinctamente á escolha do portador.
Art. 5.° O governo fará todos os regulamentos que forem necessarios, não só para a fiscalisação e construcção, e exploração do caminho de ferro, como tambem para a fiscalisação das contas e mais actos que sejam precisos para se liquidar annualmente a garantia de juro que for devida.
Art. 6.° Se a construcção e exploração da linha ferrea não for adjudicada aos primitivos concessionarios o governo, depois do consultadas as estações competentes, fixará a indemnisação que devo ser dada aos ditos concessionarios pelo estudo a que elles procederam, devendo o valor da indemnisação, attribuido ao aproveitamento dos ditos estudos, ser pago pela empreza, á qual for adjudicada a linha ferrea.
Art. 7.° O governo dará conta annualmente ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 31 de março de 1884. = Manuel Pinheiro Chagas.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Frederico Laranjo: - Se algum dia se fizer a historia parlamentar de Portugal, a actual sessão legislativa ha de ficar descripta com traços negros n'essa historia, se a escreverem com imparcialidade. (Apoiados.) Começou pela infracção violenta de uma lei feita o anno passado, e que tem por assumpto o modo de julgar as eleições duvidosas, quando quinze ou mais deputados requerem o julgamento por um tribunal especial; (Apoiados.) continuou pela risonha representação das reformas politicas, e termina por um drama, que póde ter um desenlace triste, o drama das despezas collossaes ou das pequenas despezas, mas que avolumam muito, porque são muitas, porque desfilam em rapido e longo cortejo. (Apoiados.)
E vota-se tudo de um modo alegre, e digo de um modo alegre, para não fazer uma classificação um pouco mais aspera; (Apoiados.) na occasião da discussão está a sala quasi deserta; quando chega o momento da votação, agita-se desesperadamente a campainha, e surgem então os representantes do paiz, que mesmo fóra da sala tomaram conhecimento das objecções que se oppozeram aos projectos, das respostas com que se refutaram, e das substituições, additamentos, alterações e emendas que foram apresentadas. (Apoiados.)
Se por um artificio qualquer, sr. presidente, esta casa podesse ser vista de todos os pontos do paiz, e elle podesse ver com todos os pormenores e incidentes tudo quanto aqui

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se passa, talvez que o conspecto de tal quadro corrigisse a indifferença de que são culpados os proprietarios, os directores naturaes das massas populares nas luctas politicas; (Apoiados.) talvez que se arrependessem, uns de apoiarem todo e qualquer governo, sejam quaes forem os seus actos, a troco de mesquinhos interesses ou de ainda mais mesquinhos caprichos; (Apoiados.) outros de se desinteressarem dos negocios publicos, dizendo que querem apenas tratar da sua casinha; como se não fossem todos interessados no que se passa n'esta grande casa, que é o paiz; (Apoiados.) como se quando um navio vae ao fundo podessem ficar á tona da agua os beliches dos passageiros. (Apoiados.)
E esta anarchia politica, e esta anarchia parlamentar aproveita a o governo, para fazer votar anarchicamente projectos de toda a natureza. (Apoiados.)
Durante quatro annos tem-se deixado subsistir a anarchia administrativa no continente e no ultramar; agora aproveita se este estado de cousas, de que todos os partidos são culpados, maioria e opposição. (Apoiados.)
Uma voz: - Pelo menos faz justiça a todos.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Faça s. exa. favor de abrir uma excepção para a opposição republicana.
O Orador: - Não; não posso exceptuar nenhum partido; mas posso testemunhar com verdade que o illustre deputado tem zelado os seus deveres, combatendo constantemente o governo.
O sr. Elvino de Brito: - Creio que eu não tenho desamparado o meu posto.
O Orador: - Sim; o illustre deputado tem sido infatigavel; mas eu estou apreciando uma situação geral; não posso, nem devo, estar a incluir ou a excepcionar nomes.
Uma voz: - Todas as regras têem excepções.
O Orador: - Dizia eu que o governo, tendo deixado subsistir a anarchia em todos os serviços, vem agora pedir remedio ou sancção para os deploraveis effeitos que d'ella têem resultado. É preciso, diz elle, no projecto que se discute, regularisar as dividas do ultramar; regularisar é a palavra euphonica empregada pelo governo para significar pagamento de dividas, quando é o estado que paga, mesmo sem dever. (Apoiados.)
N'este assumpto de regularisações d'esta natureza temos ido longe este anno. Começou-se pela apresentação de um projecto auctorisando a venda de inscripções pertencentes ao estado, para pagamento de dividas que não eram do estado; continuou-se pelo projecto aqui muito bem denominado - da remissão das dividas da camara municipal de Lisboa - e agora vamos tratar de regularisar as dividas das juntas de fazenda do ultramar; vamos garantir um empréstimo de 714:158$845 réis, emittido pelo banco ultramarino, para elle se pagar com o producto d'essa emissão do que lhe devem as juntas de fazenda, que, segundo o projecto, hão de pagar religiosamente capital e juros.
Estes emprestimos contrahidos pela administração ultramarina, e estes pagamentos que sempre se promettem, são um systema de ficções com que todos os annos os ministros da marinha nos vem aqui illudir. (Apoiados.)
E que a administração ultramarina anda enredada num vicioso systema de obscuridades e enganos demonstram-n'o perfeitamente os considerandos d'este projecto, que vou por isso analysar.
Dizem os dois primeiros considerandos que nas tabellas de receita e despeza das provincias ultramarinas estão fixadas verbas prefazendo a somma de 91:686$945 réis, para juros e amortisação das dividas de que se trata; e que por isso a representação da importancia d'estas dividas em obrigações emittidas ha metropole não necessita da creação de nova receita.
O governo a este respeito segue um methodo realmente curioso. Põe num projecto qualquer de despeza uma determinada garantia do pagamento d'ella; depois quando esse projecto está votado e está esquecido, toma essa mesma garantia, subtráe a á despeza a que se applicára, e appli-ca-a como garantia de outra despeza nova!
Este é o methodo pratico com que o governo, illudindo-nos e illudindo-se, resolve com facilidade todas as questões! É assim que servem n'este projecto de garantia ao emprestimo proposto do banco ultramarino as dividas das juntas de fazenda, que n'outra proposta garantiam em parte o caminho de ferro de Ambaca; foi assim que para o subsidio que o governo tem de dar para a caixa de aposentações, se foram buscar os lucros da caixa geral de depositos, que estavam applicados á amortisação da divida publica. Não ha necessidade de crear nova receita, exclama o governo contentissimo, quando se tem servido d'este artificio; esquecendo-se ou querendo-nos fazer esquecer que se não ha tal necessidade nos projectos de que se trata, ella apparece nas leis que elles modificam. (Apoiados.)
O seguinte considerando do projecto que é necessario ligar com o antepenultimo, consigna o facto que as dividas das juntas de fazenda foram auctorisadas e reconhecidas pelo governo, e fim como consequencia d'essa auctorisação e reconhecimento a obrigação inilludivel que tem o governo da metropole de garantir o juro e amortisação dos capitães d'essas dividas.
Esta doutrina é realmente estranha; desde que o governo auctorise, ou, pelo menos, reconheça uma divida contrahida pelas juntas de fazenda, o governo por esta theoria fica responsavel por essa divida; passam assim para o estado responsabilidades que lhe não pertencem.
Eu peço ao sr. ministro da marinha e ao illustre relator da commissão que appliquem o principio de que se servem neste projecto ás camaras municipaes e ás juntas geraes de districto, e ahi temos as juntas immediatamente responsaveis pela maior parte das dividas das camaras, e o estado immediatamente responsavel pela maior parte das dividas das juntas; porque, como é sabido, ha emprestimos que as camaras não podem contrahir sem auctorisação das juntas, e emprestimos que as juntas não podem contrahir sem auctorisação do governo.
Eu sei que o illustre relator da commissão me vae responder que no tempo do governo progressista se publicou a portaria de 21 de agosto de 1880, na qual se apresentava esta mesma doutrina de que es emprestimos legalmente contrahidos pelas juntas de fazenda com o banco ultramarino eram garantidos pelo estado, por isso mesmo que as provincias ultramarinas faziam parte da monarchia portugueza; e que por esses emprestimos, quando fossem legalmente contrahidos, ora responsavel o estado.
Declaro que acho illegal a doutrina d'esta portaria, e não ha de ser uma portaria publicada por um ministro do meu partido que me ha de impedir de dizer o que penso; (Apoiados.) não se póde ír, para se desculpar um erro, apoiar uma enfiada de erros; protesto contra a doutrina da portaria e d'este projecto; similhante doutrina leva a ruins conclusões; mas assim como não louvo, nem approvo a portaria do ministro progressista, tambem devo dizer que esse ministro tinha uma desculpa que não têem os ministros actuaes, porque encontrára a administração ultramarina em circumstancias verdadeiramente deploraveis; tambem devo dizer que os factos que determinaram a portaria não eram da responsabilidade d'esse ministro; mas datavam de 1876 e de 1879. (Apoiados.)
No 5.° considerando diz-nos o governo e a commissão que o pagamento d'estas dividas das juntas de fazenda é uma medida preparatoria indispensavel para a proxima e possivel reorganisação das finanças do ultramar.
Consinta-me a camara que eu recorde a este respeito um facto da historia recente de uma nação nossa vizinha e nossa parenta muito proxima. N'essa nação fuzilavam-se os accusados interinamente, reservando-se a faculdade de se absolverem depois de mortos.
O methodo do sr. ministro da marinha é muito pareci

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do; s. exa. arruina primeiro aã finanças do ultramar, mas promette-nos que depois de completamente arruinadas as ha do reorganisar. O pagamento d'estas dividas é uma das mais inadiaveis medidas preparatorias, diz o relatorio, para a proxima e possivel reorganisação financeira do ultramar: mas eu vou demonstrar á camara que antes d'essa reorganisação nos teremos que pagar novas dividas, e que este preparatorio do que nos falla a commissão só é preparatorio para novas dividas e para, novos projectos d'esta natureza. (Apoiados.)
Ao tempo da apresentação da proposta do governo, em 31 de março de 1884, as juntas de fazenda deviam ao banco ultramarino 600:000$000 réis; agora as juntas de fazenda devem já, segundo o mappa junto ao projecto, 714:000$000 réis; as dividas vão, pois, em constante augmento; o deficit apparece todos os annos; e eu pergunto como é que as juntas de fazenda hão de occorrer ao pagamento d'elle?
Na lei de meios votada este anno apresenta-se para as despesas extraordinarias do ultramar a quantia do réis 245:700$000. Julga porventura o sr. ministro da marinha sufficiente esta quantia para o deficit do ultramar?
Consultando a Conta geral do estado, eu vejo que quasi todos os annos a despeza extraordinaria do ultramar e muito mais elevada; assim no exercicio de 1877-1878 essas despezas, ou deficit, que é o mesmo

Subiram a .... 759:386$197
No exercicio do 1878-1879 a .... 330:000$000
No » de 1879-1860 a .... 1.187:575$000
No » de 1860-1881 a .... 48:825$000
No » de 1881-1882 a .... 61:886$980
No » de 1882-1883 a .... 628:114$278
No » de 1883-1864 (conta proviria) a .... 405:744$680

Em sete exercicios, apenas em dois o deficit foi inferior a 245:000$000 réis, e não investigarei agora o motivo da mesquinha inferioridade d'esses exercicios; n'um dos outros o deficit quasi attinge o quintuplo do que se calcula este anno; portanto é provavel, é quasi certo poios antecedentes e pelas despezas que se têem votado este anno para o ultramar, que esta quantia de 245:000$000 réis votados na lei do meios não chega; e só não chega, como hão de as juntas de fazenda satisfazer aos seus encargos?
Hão de deixar de pagar os ordenados e os soldos?
Hão de suspender os vencimentos aos empregados?
Não póde ser.
Hão de recorrer aos expedientes do costume; como não podem sacear sobre o ministerio do ultramar, que só lhes póde abonar aã quantias votadas, hão de recorrer outra vez ao banco nacional ultramarino; e para o anno o governo vem dizer-nos de novo - agora vamos outra vez regularisar o estado financeiro das provincias ultramarinas, auctorisando o banco ultramarino a emittir outro emprestimo para se pagarem estas dividas.
Isto não póde ser. (Apoiados.)
E que não póde, e não deve continuar assim confessa-o o sr. ministro da marinha, de accordo com a commissão, que diz que julga necessario dar uma nova reorganisação financeira ás provincias do ultramar.
Mas, se é uma necessidade, porque é que a não satisfazem desde já?
Porque não começam por dizer a verdade ao parlamento e ao paiz?
Porque não tomam pelo menos os expedientes necessarios para que as juntas de fazenda fiquem com meios de satisfazerem aos seus encargos, sem caírem nas mãos do banco ultramarino, fazendo emprestimos onerosos para ellas e perigosos para o banco o para o paiz?
O governo tinha sobre o assumpto um bom exemplo que podia e devia ter seguido.
Quando o sr. Barros Gomes esteve no governo adoptou este systema: abriu no ministerio da fazenda uma conta corrente com as juntas de fazenda; conta de que as juntas se serviam para pagarem aquelles encargos que é costume pagar na metropole.
As juntas pagavam por essas quantias abonadas os juros que o estado pagava pela divida fluctuante; o que era muito mais barato do que estes emprestimos que estão fazendo com o banco ultramarino; acrescendo que o estado tinha na sua mão a vigilancia, a fiscalisação dos emprestimos que as juntas contrahiam, e não tinha necessidade de vir, passado tempo, dizer: ou haveis de fazer com que o banco tenha uma perda; o que pódo ser a sua ruina, ou haveis de concordar comtudo quanto elle e as juntas fizerem illegalmente (Apoiados.)
O projecto que se discute simplesmente manifesta que o governo com relação ao ultramar não tem tido idéas algumas do administração, e ora nos embala com ficções, ora nol-as desfaz, pedindo-nos o pagamento das despezas que ellas encobriram por algum tempo, mas tendo o cuidado de nos trazer ficções novas. (Apoiados.)
E que o governo tem administrado mal vae-o evidenciar a analyse dos dois considerandos seguintes.
Esses considerandos dizem:
«Considerando que a emissão de obrigações na metropole ao juro de 6 por cento, sufficiente para a representação integral da divida, produzirá diminuição sensivel nos encargos das juntas de fazenda devedoras, por isso que todos os emprestimos realisados por estas juntas com o banco nacional ultramarino, que vencem juro, foram tomados a uma taxa mais elevada, que vão até 8 1/2 por cento, e os emprestimos que não vencem juro nem 7 por cento são da importancia total da divida;
«Considerando que a emissão de obrigações amortisaveis no praso, já de si não longo, de trinta annos produzirá uma diminuição ainda mais sensivel nos encargos d'essas juntas, diminuição que deve ser calculada em mais de 30:000$000 réis annuaes;»
Em primeiro logar, devo dizer que o facto da emissão produzir uma diminuição sensivel nos encargos das juntas, dependo da cotação do emprestimo; se a cotação for alta, póde ser que appareça uma diminuição sensivel n'esse encargo; mas se, peto contrario, a cotação for baixa, em vez de diminuição póde apparecer um aggravamento.
Para que a diminuição seja effectiva, tenciono mandar para a mesa um additamento, quando se discutir a especialidade do projecto; additamento que vou ler já, para a commissão tomar d'elle conhecimento.
É o seguinte:
(Leu.)
Mas, passando á demonstração que prometti, da ruim administração do governo, eu pergunto: se o governo está convencido de que, fazendo as juntas de fazenda os emprestimos por esta fórma, elles sáem muitissimo mais baratos do que os que têem sido feitos com o banco ultramarino, porque não tem lançado mão d'este meio? (Apoiados.)
Se os emprestimos feitos segundo o methodo do projecto, dão uma diminuição, que deve ser calculada em mais de 30:000$000 réis annuaes, na phrase do relatorio, quantos 80:000$000 réis, pergunto eu, tem feito perder ás juntas a cumplicidade do governo em lhe deixar fazer emprestimos por outra fórma? (Apoiados.)
É bom, é util, converter emprestimos onerosos noutros que o sejam menos; mas seria melhor, mais sensato, começar por preferir esses emprestimos menos onerosos; e é inadmissivel que, depois de só conhecer que uma fórma de credito dá grandes encargos e outra encargos menores, se continue com a primeira, para se ter o prazer de a substituir de anno em anno pela segunda; e é o que o governo faz, collocando as provincias ultramarinas na necessidade de recorrerem de novo ao banco ultramarino.
A conversão é util; mas a não necessidade d'ella seria

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melhor; os encargos que se accumulara emquanto ella se não faz não se podem eliminar, e podiam ter-se evitado.(Apoiados.)
O considerando que se segue, diz que se deve permittir a emissão ao banco, porque nas actuaes circumstancias financeiras é do todo o ponto conveniente evitar, quanto possível, que o governo lance no mercado novos títulos de divida publica.

que?! Pois as circumstancias financeiras não são optimas, não são risonhas, não são prosperas?
Esta declaração corrobora as palavras que se encontram no relatório do sr. ministro da marinha; o sr. ministro escreve a este respeito: "Não convinha, comtudo, perturbar por qualquer forma, no momento actual, a situação financeira".
De modo, que uma emissão de 700:000$000 réis perturba a situação financeira no momento actual, segundo a declaração do sr. ministro da marinha, confirmada pela commissão; que estado é então o nosso?
E é n'estas circumstancias que se estão votando todos os dias projectos de despezas colossaes! E quando, por confissão do governo, não convém perturbar por qualquer fórma a situação financeira, que ella se perturba por todas as fórmas, sorrindo, brincando! (Apoiados.)
Apanhámos, por fim, uma, declaração do governo; escapou-lhe, por fim, da penna, uma verdade!
Durante quasi toda a sessão dissemos aqui ao governo que a situação financeira era má; os ministros respondiam-nos, contando-nos maravilhas; mas agora, a propósito de 700:000$000 réis, dizem-nos que não é conveniente que governo os emitta, porque a situação financeira, é tal, que uma emissão de 700:000$000 réis póde affectar o credito publico!
Chegamos emfim a uma confissão franca; o que é pena é que não se tirem d'ella os resultados que se deviam tirar: abster-se o governo de propor e o parlamento de votar mais despezas; mas ao contrario vào-se propondo o vão-se votando às cegas. Quem vier depois que pague.
Parece que não pesam sobre o governo e sobre o parlamento as responsabilidades graves em que incorrem; é uso mesmo no parlamento dizerem de quando em quando em tom altivo os representantes do paiz, que tomam sobre si as responsabilidades de tudo que votam, por mais estranho e inconsiderado que o voto seja. Permitta-se-me observar, em resposta, que é muito facil acceitarem alegremente os deputados graves responsabilidades, quando a carta constitucional os declara irresponsaveis; quando essas responsabilidades ninguém lhas pede lá fora; quando, fechada esta casa, dispersos todos, o deputado, demasiadamente condescendente com propostas ruinosas e com administração anarchica, desapparece, e fica o homem com as suas qualidades particulares, as
mais das vezes benéfico, obsequioso e amável com a populaçào que o rodeia. (Apoiados.)
Parece que ao entrar-se aqui se perdeu...
O sr. Franco Castello Branco: - A honestidade?
O Orador: - Não a honestidade, mas a noção clara das responsabilidades e effeitos que derivam dos próprios actos.
Para o systema parlamentar estar como está, era muito melhor que elle fosse substituído por uma delegação de alguns homens apenas.
Essa delegação teria mais escrúpulos do que tem o parlamento no seu todo, porque sobre ella, haviam de pesar, um pouco mais fortemente, as responsabilidade que, divididas por tantos, parece que são ligeiríssimas e não pesam nada.! (Apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco: - Estes liberaes!
O Orador: - A respeito de liberaes e de liberdade, respondo ao illustre deputado:
Isto nem é liberdade, nem é economia; e, visto que não é liberdade, nem é economia, eu, á falta de economia e de liberdade, prefiro antes economia sem liberdade.
Mas, voltando ao projecto, diz o considerando que não convém que o governo lance directamente no mercado 700:000$000 Réis de títulos de divida publica; e, porque não convém que o governo lance directamente no mercado 700:000$000 réis, o que se faz é auctorisar o banco nacional ultramarino a emittil-os, garantindo o governo a emissão.
Não será, porém, a mesma cousa? (Apoiados.)
Desde o momento em que o governo garante a emissão, parece que o governo tem mais credito do que o banco, e que ha de ser o credito do governo que ha de valer ao banco a possibilidade de collocar os títulos. (Apoiados.)
De maneira que, por este considerando, prova-se aquillo que eu disse no principio, e é que vivemos n'um systema de ficções, que com estas ficções nos divertimos, que d'estas ficções não saímos, mas que emfim por estas ficções
Podemos chegar á mais triste das realidades. (Apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco: - O senhor D. Miguel era melhor.
O Orador: - Não era melhor o senhor D. Miguel; mas de certo também não é bom isto que está. Pelo facto de não ter sido boa uma cousa que passou não se segue que seja bom aquillo que lhe succedeu; e entre o regímen absoluto e o regímen em que vivemos, ha outro de certo melhor - o regímen verdadeiramente parlamentar, lealmente interpretado e religiosamente cumprido. (Apoiados.) E quando se fazem á administração actual accusações como aquellas que eu lhe estou fazendo, accusações justificadas pelas próprias declarações da commissão e do governo, não me parece que seja resposta sufficiente dizer-se que era melhor substituir este regímen pelo do senhor D. Miguel.
Mas diz mais o relatório que é de toda a conveniência para o thesouro da metrópole sujeitar á previa approvação do governo os empréstimos realisados pelas juntas de fazenda do ultramar, e o artigo 5.º do projecto consigna esta doutrina.
Eu approvo o artigo, mas o que não posso approvar é o considerando que o precede; a disposição que em si seria útil tornar-se perniciosa, se se estabelece que a approvação do governo ás dividas das juntas de fazenda dá em resultado ser o governo responsável por todas essas dividas; approvo pois o artigo, mas rejeito a consequência que com elle se pretende ligar.
Passando dos considerandos ao projecto, e a respeito do empréstimo e das dividas que são uma das suas garantias, devo dizer que por contrato de 31 de dezembro de
1881 o banco ultramarino contrahiu um empréstimo de 3.366:000$0000 nominaes, sendo d'esse emprestimo réis 2.357:000$000 garantidos por obrigações prediaes, e sendo 434:000$000 réis, garantidos por estas dividas das juntas de fazenda.
Estas dividas das juntas de fazenda, que vão servir de garantia para este emprestimo que se vae emittir, já estão, pois, consignadas como garantia de 434:000$000 réis, emprestados ao banco; é de esperar da boa fé do banco que
elle embolsará esses credores, assim garantidos por taes dividas, pelo producto d'este empréstimo; em todo o caso será bom assegurar isto, e não vendo disposição alguma a este respeito, desejava que a commissão a inserisse no projecto, e a isso a convido.
Continuando a ler o artigo 1.° do projecto vejo que o emprestimo que se vae auctorisar é não só para representar integralmente a importancia do capital de que o banco é credor, mas tambem a importância dos juros d'esse capital desde o dia 1 de março do corrente anno até ao ultimo dia do primeiro mez que decorrer da data da verificação e comprovação dos créditos do banco.
De maneira que por este projecto vae emittir-se um emprestimo para pagar capital e juros. Mas se actualmente as

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juntas de fazenda não estão habilitadas para pagar os juros, como o hão de estar d'ora em diante?
Para isto era melhor incluir no orçamento da metrópole as despezas reaes das provincias ultramarinas. Oneral-as de encargos com que não podem, consentir-lhes que façam emprestimos onerosos, capitalisar-lhes os juros, não é de certo preparar a sua prosperidade o melhorar as suas finanças.
Lendo ainda o mesmo artigo vejo que a comprovação dos creditos do banco se ha de fazer á face das declarações ou documentos enviados pelas juntas de fazenda devedoras.
De maneira que os créditos de que se pede o pagamento ao banco não estão comprovados; o governo apresenta um projecto de lei para se pagar uma determinada quantia, que não se sabe bem se se deve, nem como e por que motivos se deve; mas n'esse caso, pergunto, como foi que se organisou o mappa das dividas annexo ao projecto, e o que é que elle representa e vale? (Apoiados.)
E se os creditos não estão comprovados, o artigo 1.° do projecto traz uma auctorisação que eu acho perigosa, auctorisação para o serem por documentos, ou por simples declarações das juntas de fazenda. Realmente nos tribunaes judiciaes, a proposito da comprovação de dividas, parece-me que não se é tão latitudiario.
Termino aqui as minhas considerações sobre o projecto; o visto que elle é um preparatorio para a proxima reorganisação financeira do ultramar, pergunto ao sr. ministro quando é que vem essa reorganisacão, e qual é o plano de s. exa. a tal respeito.
O sr. ministro da marinha e ultramar tem idéas sobre essa reorganisação, pois que falla n'ella, pois que o relatorio diz que será proxima; convém que as exponha ao parlamento; o illuttre ministro não quererá ser como aquelle egoísta do que falla o evangelho que occultava a luz debaixo do alqueire; póde por um incidente qualquer sair s. exa. do ministerio, e nós e o paiz ficarmos privados de idéas proveitosas, de um plano util para as finanças do ultramar; exponha pois s. exa. o seu plano de reorganisação, e a opposição não terá duvida, se elle for aproveitável e salutar, de terminar por uma moção de louvor este debate, aberto por censuras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. João Arroyo (relator): - Nota que o sr. dr. Laranjo atacou mais o seu relatório do que o projecto em discussão, o que considera muito honroso para si.
Analysou os trabalhos da actual sessão legislativa, demonstrando o importancia, proficuidade e justiça das suas deliberações.
Disse que a regularisação das dividas das juntas de fazenda ao banco nacional ultramarino é uma medida financeira que attesta as boas intenções e a energia do governo, medida que os gabinetes anteriores não haviam conseguido levar á realisação. E é singular que se accuse o governo por uma obra de boa administração colonial, indispensável á reorganisação financeira ultramarina.
Desenvolveu este ponto.
Demonstrou que do projecto em discussão não resulta favor algum para o banco nacional ultramarino, cujos creditos são perfeitamente exigiveis, como se prova á face da historia das obrigações e dos princípios que regem o pagamento das dividas pagas por prestações.
Demonstrou que, asseverando no relatorio que a remissão a fazer não tornava necessaria a creação de nova receita, não escrevera uma ficção orçamental. Ao contrario, a ficção orçamental existe nas contas correntes entre as juntas de fazenda e o governo da metropole, quando as juntas de fazenda não podem satisfazer as suas dividas. E foi nesta confusão que incorreu o sr. Laranjo, em todo o seu discurso. Referiu-se ainda, na explanação d'este ponto, às quotas de amortisação inscriptas nas tabellas de despeza das provincias ultramarinas em consequência de um emprestimo celebrado em 1880, mostrando que em tal caso é que existe verdadeira ficção orçamental.
Justificou a doutrina do projecto e do relatorio á face dos principios administrativos que regulam as relações entre o governo da metropole e as juntas de fazenda do ultramar, comparadas com as relações existentes entre o governo e as juntas geraes de districto e as camaras municipaes. Provou como o projecto estabelece a única disposição efficaz para coarctar os abusos possíveis por parte das juntas de fazenda. Justificou a portaria do sr. visconde de S. Januário de 21 de agosto de 1880.
Apresentou em seguida os motivos por que affirmára que a operação proposta era uma medida preparatoria indispensavel á reorganisação financeira das províncias ultramarinas, notando que a considera, não como o meio de alcançar essa reorganização, mas como uma das obras a effectuar para a tornar possível e rápida.
Deteve se na analyse das condições e do estado em que se acham as obrigações contrahidas pelas juntas de fazenda.
Disse que o sr. Laranjo havia incorrido em plena contradicção, defendendo o systema da conta corrente, applicado a corporações que não pagaram as annuidades respectivas dos emprestimos que o estado não póde fazer directamente, e negando por outro lado a responsabilidade do estado pelas dividas da junta de fazenda que elle auctorisou ou reconheceu.
Desenvolveu e justificou o seu relatorio, na parte em que calcula a vantagem resultante da emissão em uma diminuição de encargos de mais de 30:000$000 réis annuaes, tanto á face da cotação actual dos nossos fundos, como do estado d'essa cotação ao tempo da feitura do relatorio.
Sustentou que o estado actual da fazenda foi descripto e avaliado, tanto pelo governo como pela maioria, exactamente pela fórma por que o faz o relatorio, e que esse estado é grave, embora o não considero perigoso.
Disse que ha grande differença de utilidade para o estado entre uma emissão feita directamente por elle e uma emissão feita por um estabelecimento bancario, garantindo o estado o juro e a amortisação; e que este lhe pareceu o parece o meio preferível para se realisar a operação financeira que se discute.
Defendeu o projecto na parte em que estabelece uma disposição limitativa das faculdades das juntas de fazenda, respondendo ainda aos argumentos adduzidos pelo sr. Laranjo, para demonstrar a irresponsabilidade do governo da metropole pelas dividas das juntas de fazenda.
Mostrou que o projecto em discussão em nada prejudica nem tem nada de commum com o contrato realisado em 1880 entre o banco nacional ultramarino e o comptoir d'escompte de Paris.
Declarou, todavia, em nome da commissão, que não teria duvida em acceitar uma proposta de additamento ao projecto, no sentido de ficar bem explicito que as suas disposições nenhuma modificação poderão introduzir nas condições do referido contrato, embora considerasse inutil tal acrescentamento, se a camara entendesse que dahi poderia advir qualquer facilidade para a emissão das obrigações.
Declarou acceitar o additamento do sr. Laranjo ao § único do artigo 1.° do projecto, acrescentando-se às palavras "divida consolidada" as palavras interna ou externa, para desfazer qualquer duvida que a esse respeito se podesse levantar.
Justificou desenvolvidamentc o artigo 1.° do projecto, na parte em que fixa o limite do praso cujos juros respectivos se capitalisarão e em que se estabeleceu a jurisprudência de admittir as declarações das juntas de fazenda, como comprovação das cifras fornecidas pelo banco ultramarino, sempre que por motivos ponderosos se explicar a ausencia de documentos perfeitamente regulares e authenticos.

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Notou que o § unico do artigo 1.° estabelece uma garantia solida da verdade dos calculos que hão de servir de base á operação.
Analysou por ultimo o artigo 2.° do projecto, mostrando que é perfeitamente conforme às boas regras da economia e da equidade, e a melhor maneira de fazer responder as juntas de fazenda devedoras pelas obrigações que contrahiram, sempre que os governos forem zelosos em tornar effectiva essa responsabilidade.
(O discurso será publicado na integra, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Frederico Laranjo: - Começo por ler a minha moção de ordem, que é uma proposta de adiamento, que é a seguinte.
(Leu.)
Tem sido enorme a onda de projectos que têem apparecido durante esta sessão, augmentando todos as despezas publicas; enorme a dos que vieram á ultima hora mostrar a maravilhosa fecundidade do governo, sempre que se trata desse augmento; o seu credito a este respeito está estabelecido; não é preciso, para o tornar inabalável, mais este projecto, que por nenhum titulo se recommenda; e, se se reconhece que é indispensavel reorganisar as finanças do ultramar, liquidem-se quando vier essa reorganisação, que é esse o tempo proprio, as dividas das juntas de fazenda e a situação em que ellas se acham com o banco ultramarino; proponho por isso o adiamento do projecto, que a habil argumentação do sr. relator me parece que não pôde defender.
Disse o sr. relator, a quem agradeço as palavras lisonjeiras que me dirigiu, que eu não atacara o projecto; que me limitara a atacar os considerandos do seu relatório; mas se os considerandos do relatorio são a defeza do projecto; se estão intimamente ligados com elle, como uma demonstração com a proposição demonstranda, é claro que atacar e refutar os considerandos, é atacar e refutar o projecto; tristes dos considerandos de um projecto de lei que podessem ser refutados sem que ficasse refutado o projecto!
Disse o sr. relator que eu, censurando o governo pelo facto de ter apresentado uma proposta para a regularisação das dividas das juntas de fazenda do ultramar, lhe fazia o maior elogio que lhe podia tecer.
Facil de contentar é o governo, se taes elogios lhe bastam.
Este elogio resume-se em muito pouco; é uma censura apenas. O que são os factos? Os factos são estes:
O governo consentiu, durante uns poucos de annos, que as juntas de fazenda do ultramar estivessem contrahindo emprestimos que o sr. relator da commissão e o sr. ministro vem agora declarar que foram onerosos e que é preciso substituir por outros que o sejam menos.
O sr. Arroyo (relator): - Nem todos.
O Orador: - Mas basta que sejam alguns, e s. exa. disse que só 7 por cento desses emprestimos não eram onerosos é que todos os mais o são.
(Interrupção do sr. relator.)
Visto que ha duvidas, eu vou ler.
(Leu.)
Segue-se que o facto fica o mesmo, isto é, o governo consentiu durante uns poucos de annos que as juntas de fazenda do ultramar tivessem contrahido emprestimos com um juro oneroso, e, depois de ter subsistido isto durante um certo numero de annos, vem agora dizer que esses emprestimos são onerosos, e que é preciso substituil-os por outros que o sejam menos; portanto, merece uma grande censura por não ter feito substituir aquelles emprestimos e não ter tomado as providencias necessárias para que as juntas de fazenda os não contrahissem d'aquella forma.
O sr. Arroyo: - Os gabinetes precedentes fizeram o mesmo.
O Orador: - Os gabinetes precedentes fizeram alguma cousa melhor do que o actual.
Fallou s. exa. na conta corrente que foi pedida ao parlamento pela proposta de lei de 23 de fevereiro de 1880; esta operação, que teria livrado as colonias dos onerosos emprestimos que se pretendem agora substituir; esta operação, que foi o que fez neste assumpto o gabinete precedente, em vez de merecer os elogios do sr. dr. Arroyo, mereceu, pelo contrario, as suas acres censuras.
O sr. Arroyo : - Eu não apreciei essa operação.
O Orador: - S. exa. esteve constantemente dizendo, durante o seu discurso, que esta conta corrente estabelecia uma verdadeira ficção com respeito ao pagamento das dividas; e essa conta corrente, assim acoimada de ficção, era um systema muitissimo mais favoravel para as juntas de fazenda do ultramar e para o paiz do que o systema ou falta de systema do actual governo.
Pela conta corrente as juntas de fazenda podiam contrahir os emprestimos que lhes fossem permittidos por lei com os mesmos encargos com que os contrahe o estado, ficando obrigadas a pagar o capital dos emprestimos, e pagando o juro d'elles emquanto se não effectuasse o pagamento do capital; pelo systema, ou falta de systema do gabinete regenerador, as juntas contrahem, sem fiscalisação alguma, emprestimos com o banco ultramarino, sob condições tão onerosas que obrigam a vir o governo propor que os emprestimos sejam substituídos por outros. A propria substituição veiu demonstrar que o systema que se seguira era mau. (Apoiados.)
Referiu o illustre deputado o sr. Arroyo, que eu dissera, que este projecto de lei representava um favor para as juntas de fazenda, ou para o banco ultramarino; respondia s. exa., que não era favor para o banco nacional ultramarino, porque não lhe constava que se fizesse favor a ninguém, pagando-se-lhe aquillo que restrictamente se lhe devia.
Eu replico que pagar o que se deve, não é favor; mas que já o é acrescentar-se á responsabilidade do devedor uma outra responsabilidade, que não existia, e que torna a divida mais garantida, e o pagar-se esta antes do praso convencionado; ora são ambas estas cousas que se fazem por este projecto.
Não é a primeira vez, disse o sr. Arroyo, que o banco nacional ultramarino tem feito adiantamentos às juntas de fazenda, e não é a primeira vez que é apresentado um projecto desta natureza.
Eu digo que é a segunda, a terceira, a quarta, a centessima vez, se s. exa. quizer; tem-se continuado até agora neste vicio; havemos de anno para anno ver igual procedimento; e é exactamente disso que eu me queixo; a confissão de que vamos num errado caminho não nos faz voltar para outro; a experiencia não nos corrige, e servi-mo-nos dos erros passados unicamente para desculpar erros novos.
O que eu queria era substituir este systema por outro que desse em resultado o pagamento das dividas do ultramar em condições muito menos onerosas; e se não se póde apresentar já um projecto para a reorganisação completa da fazenda ultramarina, póde pelo menos adoptar-se um expediente: o que foi adoptado pelo sr. Barros Gomes. Siga-se pois; adopte-se.
Disse o sr. Arroyo que o estado era responsavel pelas juntas de fazenda; e não póde comprehender, como é que eu pude comparar os resultados das auctorisações do governo aos emprestimos das juntas de fazenda com os resultados d'essas auctorisações aos emprestimos das juntas geraes de districto; pois que são corporações que se não podem confundir, sendo umas delegações directas do governo, outras corpos locaes autonomos.
Mas eu não confundi as duas instituições; para fazer uma comparação entre duas coisas não é preciso que ellas sejam identicas; se as juntas de fazenda e as juntas ge-

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raes de districto fossem a mesma cousa, então é que o meu raciocinio não teria logar, porque equivaleria a demonstrar uma cousa pela mesma cousa; eu demonstrei a falsidade de um principio applicando-o a diversas hypotheses; agora repito que a responsabilidade do estado pelas dividas de qualquer instituição não deriva de ser ella mais ou menos autónoma, mas da determinação d'essa responsabilidade na lei.
Não é por um meio indirecto, mas por uma disposição precisa de lei que essa responsabilidade se fixa e limita.
E da doutrina do governo e do sr. Arroyo tira-se uma conclusão contra o próprio governo.
Se estão convencidos de que o estado é responsavel por todas as dividas contrahidas pelas juntas de fazenda, pergunto: porque é que o governo, que tem esta responsabilidade sobre si, consente que se estejam a contrahir dividas por modo oneroso?
Ainda se comprehenderia a falta de vigilancia, se o estado não fosse responsavel; mas se o é, como affirmam, que pouco que têem pesado, e que pouco que têem importado ao governo essas graves responsabilidades!
Se já é um grave delicto exercer mal a sua funcção de tutela sobre as colónias, deixando que abusem ou usem mal do credito; quanto maior não é, se em todos esses abusos do credito vae compromettida a responsabilidade do estado!
A doutrina do governo volta-se contra elle.
Disse o sr. Arroyo que a reorganisação que eu pedia para as finanças do ultramar se não póde fazer desde já, sem que se façam os estudos previos.
Concordo realmente que uma reorganisação, como é a da fazenda do ultramar, se não faz sem estudos previos; mas pela resposta do sr. Arroyo devo notar que os taes estudos previos não estão feitos; e eu suppuz e tinha direito a suppôr, pelo que diz o sr. Arroyo no relatorio do projecto, que estavam concluídos.
Pois o que nos diz s. exa.?
Diz-nos que este projecto é uma medida preparatoria para a indispensavel reorganisação financeira, que proximamente será apresentada; portanto, estando tão proxima uma reorganisação, devem estar já feitos todos os estudos previos e não previos, todos numa palavra, sejam de que natureza forem.
Parecia-me, pois, e foi por isso que redigi a rainha moção num sentido pouco desfavoravel ao governo, que, visto que estavam feitos todos os estudos para ser apresentada num periodo muito proximo uma reorganisação financeira ultramarina, não convinha que estivéssemos, quasi que conjunctamente com essa organisação, apresentando em separado medidas preparatorias, que com ella tinham completa intimidade; e que o melhor era fazer-se tudo de uma vez, visto que a reorganisação definitiva se dizia estar tão proxima.
(Interrupção do sr. Arroyo.)
Eu não invento nada, s. exa. é que falla no projecto em proxima reorganisação financeira, e então entendi que estavam feitos todos os estudos necessarios para uma reorganisação tão importante, e que viria tão proximamente. S. exa. entende, segundo o que diz, que ella virá proximamente, mas pouco a pouco; quer dizer: agora apresenta-se esta medida preparatoria; para o anno vem um projecto, que não será uma auctorisação de pagamento de dividas, mas que com isso se parecerá; no outro anno a mesma cousa; e assim, por este systema do sr. relator, é necessaria uma multidão indefinida de annos, para reorganisar a fazenda do ultramar, que nunca se dá reorganisada; e adeus bellas esperanças de reorganisação financeira do ultramar que o relatorio nos dizia proxima!
Disse mais o sr. Arroyo, que parecia impossivel que alguém se admire de que se apresente ao parlamento um projecto, que tem por fim aplanar o campo para essa reorganisação financeira
Mas o que contesto a s. exa. é que este, "aplanar o campo", seja de tal fórma profícuo e de tal forma efficaz, que appareça em resultado, ficar aplanado, sem que seja preciso para o anno aplanal-o outra vez; e eu apresentei já as provas de que com esta medida não se tiravam senão difficuldades de momento, mas que ellas cresciam immediatamente depois de votado o projecto.
Este systema a que o sr. relator chama "aplanar o caminho B, não é senão aplanal-o para se contrahirem novas dividas. Para esse effeito eu preferia que não ficasse tão plaino; e foi para que com o conhecimento verdadeiro do presente se não amontoassem mais difficuldades que eu disse que era muito melhor ser franco, em vez de estar a calcular muito baixo o deficit das provincias ultramarinas, de modo que se podesse dizer ao paiz que o estado do thesouro não era grave. (Apoiados.)
A verdade é que esse estado é grave; o illustre relator do projecto tem feito hoje a este respeito declarações sinceras; mas se o estado da fazenda publica é grave, delicada e melindroso, porque o não dizia o governo quando nos apresentava aqui a questão de fazenda?
(Interrupção.)
É por isso que eu preferia a conta corrente estabelecida pelo sr. Barros Gomes.
O sr. Arroyo não quer a conta corrente, porque, diz s. exa., as juntas não podem pagar os juros; mas se as juntas não podem pagar os juros ao governo, porque é que os hão-de poder pagar ao banco ultramarino?
Responde o sr. Arroyo que o banco vela, faz esforços para que as juntas paguem.
Esta resposta é uma acre censura ao governo que o sr. Arroyo defende; reduz-se a dizer que o banco tem energia sufficiente para obrigar as juntas de fazenda a pagar o juro e o capital, emquanto que o governo não tem força nem para lhe fazer pagar os juros.
(Interrupção do sr. Arroyo que se não ouviu.)

O meu argumento não é compromettido em nada com a explicação de s. exa.
Uma conta corrente aberta com uma junta de fazenda do ultramar, obriga essa junta a pagar, mas sendo o juro o mesmo que o governa paga quando obtem dinheiro de emprestimo.
Se as juntas de fazenda não podem pagar juros pequenos ao governo, muito menos podem pagar juros grandes a qualquer estabelecimento de credito; e se podem pagar estes, por maioria de rasão podem pagar os primeiros; se o governo não tem energia para os cobrar, isso é com os ministros que o sr. Arroyo apoia; elles que se defendam. (Apoiados.)
Disse o illustre deputado, para demonstrar que as emissões auctorisadas pelo projecto são menos onerosas que os empréstimos que substituem, que foi ver qual era a cotação dos fundos públicos nessa occasião, e que foi essa cotação que serviu de base ao seu calculo; mas foi por isso mesmo que eu asseverei que do projecto provinha uma diminuição possível de encargos para as juntas de fazenda; mas uma diminuição possível, não é uma diminuição necessaria; o que me levou a apresentar o additamento, que s. exa. acceitou.
N'este ponto estamos, pois, de accordo; a acquiescencia do sr. relator e do governo á minha proposta demonstra a procedencia das minhas objecções.
Disse o sr. dr. Arroyo que acha que as circumstancias do thesouro são delicadas, mas que não é por este projecto que essas circumstancias se aggravam; estranhou ouvir-me fallar em augmento de despezas, a propósito d'este projecto.
Quando fallei em augmento de despezas, em despezas collossaes, e noutras pequenas, mas que avolumavam, porque eram muitas, era claro que não me referia só a este projecto, mas a muitos que tinham aqui vindo, como o dos

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melhoramentos do porto de Lisboa, o dos consules e chancelleres, etc.
Vozes: - Deu a hora.
O Orador: - Como deu a hora, tenho concluido, reservando-me apresentar algumas emendas quando se discutir a especialidade.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o adiamento do projecto n.º 28, e que o governo apresente ao parlamento a proposta de reorganisação da fazenda do ultramar.= J. Frederico Laranjo.
Foi admittida.

Leu-se e foi approvada a ultima redacção do projecto de lei n.º 175.
O sr. Presidente: - Fica pendente a discussão do projecto n.º 28.
A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada e mais o projecto n.º 179; devendo começar-se na ordem do dia pela continuação da discussão do projecto relativo ao districto do Congo.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Proposta de lei apresentada nesta sessão pelo sr. ministro da fazenda, em seu nome e no do sr. ministro das obras publicas.

N.º 182-A

Senhores. - O serviço de transporte de encommendas postaes que no principio deste anno se limitava apenas a vinte e cinco paizes, tende hoje a abranger todo o territorio da união postal universal dos correios.
A Hespanha o Brazil e outras nações adheriram ultimamente á convenção geral relativa a este assumpto; e a Gran-Bretanha celebrou com a administração portugueza um accordo no mesmo sentido, o qual deverá ser em breve ratificado.
A influencia que taes factos podem ter no porvir deste serviço, na parte que nos respeita, sendo o porto de Lisboa ponto forçado na via mais curta e mais natural, entre a Europa e America do Sul, é facil de apreciar.
Se, deixando estas considerações geraes, entrarmos no exame da historia domestica d'este serviço, desde logo nos convencemos da sua importancia actual e do grande futuro que o espera, aconselhando-nos a preparar convenientemente os elementos que devem constituil-o para que corresponda ao que d'elle têem a esperar os interesses publicos.
A lei de 7 de julho de 1880, no artigo 7.°, e o regulamento geral provisorio de 23 de setembro do mesmo anno, estabeleceram este serviço deixando ao cuidado do governo pol-o em pratica. Realisou essa promessa o decreto de 26 de setembro de 1882 de um modo cauteloso, por ser impossivel de prever o seu futuro desenvolvimento.
Começando a funccionar a secção de encommendas no mez de novembro do referido anno, deu logo;:
Entrados em Lisboa 61 volumes.
Do estrangeiro 144 volumes.
Saídos 39 volumes.
Os quaes produziram de impostos aduaneiros e postaes 217$000 réis.
No mez seguinte:
Entraram 682 volumes.
Saíram 605 volumes.
E o producto ascendeu a 371$961 réis.
Um empregado do quadro postal, e outro de fora do quadro, e um representante do fiel da administração, difficilmente acudiam a este serviço mormente na chegada dos paquetes; não obstante achar-se em principio a sua execução!
O commercio principiou desde logo a aproveital-o em larga escala, e o publico, apreciando as suas vantagens, seguiu o seu exemplo.
Dahi a pouco abriam-se novas estações postaes ao transporte de encommendas alem de Lisboa e Porto, e regularisava-se o serviço das ilhas adjacentes.
No fim de 1883 a secção de encommendas postaes manipulara 28:057 volumes, os quaes rendiam 30:040$970 réis.
O mappa adjunto desenvolve estas cifras de um modo claro.
Este augmento de serviço trouxe a necessidade do que por via de despachos successivos se augmentassem os elementos de trabalho que os empregados primitivamente nomeados desempenhavam com summa difficuldade, não podendo, apesar da melhor boa vontade, servir o publico como cumpria.
Se o decreto, pois, de 26 de setembro de 1882 não pôde ha muito satisfazer o seu fim, exigindo modificações successivas, tambem é certo que não poderá occorrer convenientemente ao desenvolvimento futuro do serviço em questão, tornando-se de indisputável necessidade, não só regularisar a situação creada por aquelle decreto a despachos successivos, mas ainda acautelar o porvir.
Convém, todavia, que nas prescripções que se estabelecerem sê não perca de vista, como se fez no alludido diploma, que o serviço de encommendas participa do caracter postal e ao mesmo tempo do de recovagem, entrando no quadro dos serviços do correio como tantos outros que a singular e exclusiva multiplicidade de meios de acção em todos os pontos do território e as suas convenções internacionaes que abrangem o globo, lhe trazem naturalmente.
Por este motivo a secção de encommendas, não obstante a sua dependencia das administrações telegrapho-postaes, deve, comtudo, possuir uma vida própria e independente, ter uma fiscalisacão especial, pois só deste modo poderá ser bem ordenado e regular um serviço que occupará as vias marítimas, os caminhos de ferro, as malas-postas, as conducções a cavallo, e que pôde attingir ainda maior importancia quando estabelecido no interior das cidades.
Berlim, por exemplo, transmitte de um ponto para outro do seu ambito 8:000 volumes por dia.
Se a todas as rasões dadas acrescentarmos uma outra, isto é, que attendendo á situação actual d'este serviço e ao que o futuro promette, é de crer que o seu rendimento dará de sobejo para remunerar os que hajam de desempenhal-o, julgo que o parlamento não deverá ter duvida em approvar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° O serviço de encommendas postaes, creado pela carta de lei de 7 de julho de 1880, é desempenhado por uma secção subordinada á administração telegrapho-postal e de pharoes de Lisboa, denominada "secção de encommendas".
§ 1.° Compõem a secção um fiscal encarregado da inspecção d'este serviço em todo o reino, dois fieis para o dirigir, um em Lisboa, outro no Porto, dois adjuntos a esses fieis, e o numero de aspirantes telegrapho-postaes indispensáveis.
§ 2.° O vencimento do fiscal, fieis e adjuntos são respectivamente os de chefe de repartição, primeiros e segundos officiaes da administração de Lisboa.
§ 3.° Os fieis prestam fiança fixada pelo governo.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério das obras publicas, commercio e industria, em 7 de julho de 1885.= Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello - Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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Mappas do movimento e rendimento geral na secção de encommendas postaes desde 1 de novembro de 1882 a 31 de dezembro de 1883

[Ver tabela na imagem]

Resumo

Volumes.... 28:057
Rendimento....30:040$970

Secção de encommendas postaes, em 31 de dezembro de 1883.= O encarregado da secção, Alfredo Peres Furtado Galvão.

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Mappas do movimento e rendimento geral na secção de encommendas postaes, desde 1 de janeiro a 31 de dezembro de 1884

[Ver tabela na imagem]

N. B. Durante o 2.° semestre de 1884 esteve suspensa a recepção de encommendas, em virtude das medidas sanitarias adoptadas pelo governo.

Resumo comparativo do 1.º semestre de 1883 com o de 1884

[Ver tabela na imagem]

Secção de encommendas postaes, em 25 de junho de1885.= O chefe da secção, Alfredo Peres Furtado Calvão.

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Discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso na sessão de 3 de junho, e que devia ler-se a pag. 1972, col. 2.ª

O sr. Consiglieri Pedroso (sobre a ordem): - Sr. presidente, tendo pedido a palavra sobre a ordem, na conformidade do regimento, vou mandar para a mesa a minha moção; antes de ler, comtudo, permitta-me v. exa. que eu faça urna declaração, que julgo indispensável, para poder entrar completamente desafogado no exame da importante questão que o parlamento portuguez está discutindo.
Ao tratar das nossas questões de política interna, têem sido até hoje as minhas palavras nesta casa apenas constrangidas pelas disposições do regimento.
Ao occupar-me, porém, de um assumpto em que Portugal collaborou com as demais nações da Europa, e cuja discussão poderá não ficar, como a de tantos outros da política caseira, ignorada dentro dos estreitos limites das fronteiras da nossa terra, farei sobre mim mesmo um esforço, para me conservar moderadissimo nas minhas apreciações, procurando alem disso manter-me inflexivelmente dentro das mais correctas normas da cortezia internacional. (Apoiados.)
Fique, portanto, v. exa., sr. presidente, tranquillo; fique tranquillo o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e fique tranquilla a camara toda, que eu, embora tenha de ser por vezes vehemente e severo, saberei conter-me no justo meio parlamentar, respeitando as conveniencias diplomaticas e respeitando acima de tudo a minha posição nesta camara. (Apoiados.)
E para provar aos meus collegas que estou firmemente resolvido a não ultrapassar esta linha que a mim próprio tracei, farei desde já notar que a moção que vou ter a honra de ler, é redigida com as palavras textuaes do parecer da illustre com missão dos negocios externos. Chamo para este ponto a particular attenção do sr. Luciano Cordeiro, porque s. exa. ha de bem reconhecer a sua propria redacção. (Riso.)
A moção é a seguinte:
"A camara, considerando que a solução da questão do Zaire, tal como ella resultou da conferencia de Berlim, é a consequencia inevitavel de Portugal se haver desonerado dos cuidados e dos esforços de uma politica colonial previdente e continua, e de não se ter affirmado por uma acção sufficientemente vigorosa, habil e expansiva, ao passo que por abandono proprio permanecia afastado das grandes questões da politica internacional, lamenta que com similhantes precedentes se tivesse apresentado o nosso paiz no conselho das nações, e passa á ordem do dia.= O deputado, Consiglieri Pedroso.
O sr. ministro dos negócios estrangeiros, ao findar o seu discurso, terminou pouco mais ou menos com estas palavras que eu passo a repetir á camara: é possivel que tenha deixado de responder a algumas preguntas feitas pelo illustre deputado que me precedeu, mas se assim foi, quando novamente tomar a palavra, satisfarei os seus desejos.
Parece-me que s. exa. ha pouco, ainda tão modesto em mais de uma asserção do seu discurso, foi de extraordinaria modestia nessa sua ultima declaração. E eu digo a v. exa. porque.
V. exa. não só deixou de responder a algumas perguntas feitas pelo sr. Barros Gomes; mas até mesmo não respondeu a nenhumas! S. exa. admira-se desta minha affirmação?
Vou demonstral-a!
Em primeiro logar tratou o sr. ministro dos negócios estrangeiros de provar que tanto elle como o seu antecessor tinham seguido invariavelmente nas negociações para o reconhecimento dos nossos direitos no Zaire os precedentes, que todos os anteriores ministros haviam deixado a respeito desta questão.
Não virei eu neste momento, sr. presidente, examinar minuciosamente perante a camara se porventura a linha de conducta diplomatica do sr. Antonio de Serpa e do sr. Bocage, foi na negociação de que se trata identica á dos seus antecessores.
Admitiamos mesmo por hypothese, que foi, Quid inde?
Eu pergunto, com effeito, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros em que ficou o governo portuguez exonerado por esse facto, das grandes responsabilidades que sobre elle pesam?
E sabe v. exa., sr. presidente, porque motivo eu faço similhante pergunta?
Porque não basta que o actual ministro e o seu antecessor hajam seguido o exemplo dos anteriores ministros dos estrangeiros; é necessario demonstrar, no caso de assim ter sido, que as circumstancias da política europêa continuavam a ser as mesmas, pois se taes circumstancias houvessem variado, gravissimo erro seria o de não ter a nossa diplomacia contado com esse novo estado de cousas para imprimir uma discussão nova às negociações.
Mas seriam em 1883 as condições políticas da Europa idênticas às de outras epochas, em que por parte do governo portuguez se começara a tratar da questão do Zaire?
Não eram!
E para disso nos certificarmos, é sufficiente recordar as profundas alterações que o chamado equilibrio europeu teve de soffrer na ultima decada, em virtude da posição adquirida pela Allemanha depois dos successos de 1870-1871.
Quer v. exa. apreciar por um facto bem eloquente como as circumstancias da politica geral da Europa tinham mudado radicalmente até mesmo com relação ao nosso proprio paiz?
Em 15 de março de 1883, dizia lord Granville ao governo portuguez:
"Ainda que o governo de Sua Magestade Britannica estivesse preparado a acceitar menos favoráveis condições para o commercio britannico, a sua acceitação seria sem valor para Portugal, porque dificilmente se poderia esperar que outros governos, cujos súbditos são interessados n'isto, seguissem o mesmo caminho, e Portugal nada lucraria se a Inglaterra se achasse isolada no seu reconhecimento.
"Não bastará um mero accordo entre os dois paizes, porque é obvio que não poderia haver vantagem em concluir um tratado que não fosse acceito por outras potências, cuja acceitação seria indispensável antes de ella entrarem vigor.
Desde quando é que o gabinete de Londres se acostumara a fallar n'este tom, elle, que com lord Palmestron, sómente tinha por habito contar com a vontade soberana da omnipotente Inglaterra?!
Evidentemente depois que nos horisontes da Europa surgira um novo astro de primeira grandeza a perturbar com a sua poderosa influencia o equilíbrio até então estabelecido em favor das potencias tradicionaes e de prestigio consagrado pela opinião unanime das nações.
O governo de Portugal, porém, na sua leviana altaneria desprezou o prudente conselho de lord Granville, sem se lembrar que podia mais tarde ser obrigado a reconhecer pela imposição collectiva da Europa, como de facto aconteceu, o que nesse momento ainda teria com certesa alcançado por iniciativa propria e sem o desdouro de uma violência mais ou menos desfarçada! (Apoiados.)
Que respondeu, com effeito, o sr. Antonio de Serpa, então ministro dos negocios estrangeiros, á previdente nota do governo do sr. Gladstone?
O seguinte:
"De que a soberania de Portugal no Zaire depois de feito o tratado com a Gran-Bretanha não seja reconhecida por qualquer nação, não tem o governo de Sua Magestade o mínimo receio!!"
Oh! sr. presidente! Eu acredito na sinceridade destas palavras, porque não posso acceitar nem por um momento

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a idea de que o sr. Antonio de Serpa estivesse scientemente atraiçoando os interesses de Portugal! Mas que singular e inexplicavel desconhecimento da situação geral da Europa revela similhante affirmação!
Mas que profunda ignorancia das intenções das chancellarias europêas indica esta ingenua asserção, sobretudo da parte de um ministro dos negocios estrangeiros!
Para que nos serve então a luxuosa diplomacia que mantemos!
Nem para informar o nosso governo tem prestimo, ja que para se resolver qualquer assumpto mais espinhoso é mister substituil-a regularmente por delegados especiaes?!
O certo é que o gravíssimo erro de havermos desprezado a Europa, obstinando-nos a tratar unicamente com a Inglaterra, viemos a pagar o bem caro!
As negociações para o tratado do Zaire tiveram com o gabinete de Londres duas phases.
Primeiramente a Inglaterra concordava em abrir negociações sobre a base do reconhecimento dos nossos direitos no Zaire, e sendo esta a unica nação que até então se negára a tomar taes direitos em consideração, entendo que o governo não póde ser condemnado por ter nesta primeira phase da questão appellado para a Gran-Bretanha.
Houve, porem, um momento em que, sem se saber bem porque, a Inglaterra, mudando repentinamente de tom, declarou terminantemente, como se vê de um despacho celebre contido no Livro branco, que a questão do Zaire não era para ella uma questão de reconhecimento de direitos,mais ou menos contestáveis, mas uma questão de utilidade para todos os paizes que tinham nas bocas do grande rio africano interesses commerciaes a salvaguardar.
Sobre essa nova base declarava lord Granville II não ter duvida em abrir definitivas negociações.
É n'este ponto que, segundo o meu entender, o governo portuguez commetteu o primeiro grande erro diplomatico!
O sr. Antonio de Serpa, uão percebendo bem o laço que lhe armava o ministro inglez, apressou-se em declarar que o governo da Lisboa se prestava a tratar a questão de baixo do ponto de vista, que preferia lord Granville, dando-se por satisfeito se d'esta fórma se chegasse a um resultado qualquer.
O resultado de nós termos consentido que a questão se deslocasse do campo inattacavel dos nossos direitos historicos, para o terreno litigioso e escorregadio dos interesses commerciaes, já todos infelizmente o sabemos!
Desde o momento em que surgiram os interesses, surgiram os obstaculos que por fim se tornaram, como era de esperar, insuperaveis! (Apoiados.)
Tinha chegado o momento de nos imporem as suas condições as potencias que tão levianamente haviamos desprezado!
A posição dos differentes estados da Europa tinha, com effeito, conforme eu já disse, variado radicalmente mesmo com relação a politica colonial.
Apparecêra com o imperio allemão um novo factor preponderante na politica europêa, o qual depois de ter assegurado a sua hegemonia no seio do continente, por uma expansão, que era facil de prever, mesmo quando d'ella não tivessemos provas eloquentes, havia de ser levado a intervir cada vez mais directamente no movimento colonial contemporâneo, em que até esse instante a Inglaterra exercera uma acção exclusiva!
O novo factor allemão desprezamol-o ou desconhecemol-o completamente! De toda essa enorme agitação que havia annos se manifestava na Allemanha com o fim de chamar a attençào dos poderes públicos para os importantíssimos problemas da emigração e da colonisação, nada, absolutamente, nada chegara ao conhecimento da nossa legação em Berlim!
Nem mesmo, quando já os protestos contra o tratado do Zaire se succediam uns aos outros na chacellaria do império, nem mesmo quando as camaras de commercio de Chemenizte, Planen, Limburgo, Pforzheim, Hannover, Nurnberg, Alfona, Elberfeld, Dortmund, Stolberg, Moguncia, Munich, Offenbach, Wesel, Colonia, Harburgo, Francfort e Wiesbaden adheriam á representação da camara da Solingen, a nossa diplomacia acordou!
E não basta dizer, como disse ha pouco o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que os nossos diplomatas mandaram para o ministerio respectivo officios sobre officios relativamente a esta questão.
É necessario mesmo, acceitando sem mais exame similhante declaração, saber qual o valor d'estes officios e qual a importancia d'essas communicações! (Apoiados.)
Pois, diz o sr. ministro dos negocios estrangeiros, em resposta a uma das perguntas do sr. Barros Gomes, que era por fonte segura, (e frisou bem a phrase)...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Apoiado!
O Orador: - Que era por fonte segura, que o sr. barão de S. Pedro tinha conhecimento e assim o declarava ao governo em 10 de abril, que a chancellaria allemã estava completamente desinteressada nos assumptos coloniaes...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Apoiado!
O Orador: - Estimo muito ouvir os apoiados do sr. ministro, porque indicam a fórma correcta como eu estou relatando os factos...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Apoiado!
O Orador. - Pois bem! Eu abro o Livro branco allemão, distribuído ha pouco ao reichstag e n'elle encontro uma nota a que já allidiu o sr. barros Gomes, a qual vem mostrar quanta rasão eu tinha quando affirmei que s. exa. não havia respondido a nenhuma das perguntas que o mesmo deputado formulára.
E senão, vejamos.
O parecer da illustre commissão da negocios externos diz que existe uma nota da Allemanha, datada de 18 de abril, a qual não foi communicada ao nosso governo!
Sr. presidente, se por "communicação de uma nota" se entende a remessa por copia do referido documento, eu desde já digo tambem que a nota de que se trata não foi communicada.
Para se saber isto, não era necessario que o sr. relator o affirmasse no parecer. Bastava ler no Livro branco allemão o texto da mencionada nota.
Ha com effeito um periodo n'esse documento, a que ainda ninguem alludiu, e que immediatamente exclue a communicação na integra da nota do conde de Hatzfeldt ao nosso governo.
O sr. Barbosa du Bocage, que é director dos negocios diplomaticos, sabe bem, que ha tres qualidades da notas diplomaticas nas relações intornacionaes: ha as que se remettem ao ministro acreditado junto de um governo para que elle entregue a esse governo uma copia textual; ha as notas de caracter completamente reservado, que contêem instrucções particulares do governo aos seus enviados, e ha finalmente as notas que sem serem secretas por uma certa liberdade ou franqueza, no entretanto, com que estão redigidas, deve apenas communicar-se o seu conteúdo, sem que o governo a quem são dirigidas tenha desde logo conhecimento da sua redacção.
Ora, precisamente a nota do conde de Hatzfeldt ao ministro allemão em Lisboa, o barão de Schmidthals, pertence a esta terceira categoria, pois diz o seguinte no seu ultimo paragrapho, que eu passo a traduzir litteralmente:
"Rogo encarecidamente a v. exa. que se abra neste sentido com o sr. ministro dos negocios estrangeiros".
Não lhe diz que entregue a nota, diz-lhe apenas que dê conhecimento do assumpto.
Mas, pergunto eu, em que pode esta circumstancia attenuar a falta do governo? Nota ou communicação verbal,

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importa pouco para o caso. O facto é que antes do fim de abril ja o sr. ministro dos negocios estrangeiros estava informado officialmente da opposição da Allemanha ao tratado anglo portuguez!
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Á pergunta precisa, se recebi communicação da nota, respondo - não recebi communicação da nota.
O que recebi foi sem referencia a nota alguma. Tive uma conversação com o sr. conde de Rex, da qual se dá conta na nota, e nessa nota se diz que conversára commigo.
Estas são as minhas palavras positivas.
O Orador: - Não foi uma conversação que v. exa. teve com o sr. conde de Rex, foram duas!
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Foram duas.
O Orador: - Não é a mesma cousa! Mas isso não faz variar de modo algum o estado da questão. Se v. exa. não teve conhecimento da attitude da Allemanha por meio de notas transmittidas pela respectiva legação, sabia, por communicação oral, o que bastava para se illucidar.
Não ignorava até a importancia da nova posição tomada pelo principe de Bismarck na questão colonial, segundo se deprehende da leitura de uma nota do conde de Rex, datada de 30 de abril, e igualmente incluida no Livro branco allemão.
D'essa nota citarei o primeiro e o ultimo paragrapho. Dizem assim:
"Em resultado da nota de v. exa. de 18 do corrente mez, relativa á questão do Congo, tive uma conversa com o ministro dos negocios estrangeiros, no decurso da qual o puz ao corrente do assumpto da nota acima referida."
...............
"Hoje, procurou-me o mesmo ministro, na minha propria residencia, para me declarar que o governo português persistia no tratado de 26 de fevereiro, até que a questão da ratificação do mencionado tratado fosse decidida por parte da Inglaterra. O sr. Bocage repetiu-me, porém, varias vezes, que o governo portuguez estava prompto a dar completa satisfação aos interesses commerciaes allemães.
Então, conhecia ou não o governo portuguez a attitude hostil da Allemanha?
Não é a nota do conde de Hatzfeldt um verdadeiro protesto?
A Allemanha, do mesmo modo que a França, declarou que não se podia considerar ligada pelo tratado de 26 de fevereiro, celebrado entre a Inglaterra e Portugal. E em presença de similhante opposição o que fizemos nós? Declarámos, conforme se vê da nota ha pouco lida, que persistiamos no tratado de 26 de fevereiro até que a Inglaterra resolvesse!
(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros.)
O facto é que o governo allemão declarou que não se considerava ligado às clausulas do convenio anglo-portuguez. Portanto, o sr. ministro dos negocios estrangeiros nada tinha a esperar da Allemanha, senão uma opposição que cada dia se havia de accentuar mais!
Esta é a triste verdade!
E note v. exa., sr. presidente, ao passo que o governo portuguez se obstinava, por uma cegueira incomprohensivel, em fechar os olhos a evidencia, a opposição da Allemanha ao tratado anglo-portuguez era até conhecida oficialmente das potencias de segunda ordem. Assim, recorrendo ao Livro branco allemão, encontro, com data de 18 de maio um despacho do conde de Solms, ministro da Allemanha em Madrid, dirigido ao principe de Bismarck, nos seguintes termos:
"O conteúdo da nota de vossa alteza de 21 do mez passado, relativamente á posição para nós creada pelo tratado anglo-portuguez do Congo, de 26 de fevereiro do anno corrente, não deixei de o fazer objecto de uma conversa
confidencial com o ministro de estado Elduayen, marquez del Pazo de la Merced.
"O referido ministro já tinha sido informado do nosso modo de ver a respeito desta questão, e conhecia tambem a declaração por nós feita em Lisboa, em virtude da qual nós não consideravamos obrigados pelo alludido tratado. Disse me, comtudo, que até então não tivera tido tempo de se occupar do assumpto com os collegas.
Fica, pois, assente, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, logo depois do dia 18 de abril de 1884, sabia que a Allemanha oppunha a tão seria resistencia ao tratado, como a oppunha a França. Mas sendo assim, é extraordinariamente curiosa a correspondencia que se encontra no Livro branco portuguez, pois até á ultima hora, até uma data em todo o caso posterior a communicação do ministro allemão em Lisboa, o sr. ministro dos negocios estrangeiros parece ignorar absolutamente o que se havia passado nas duas entrevistas successivas que tivera com o sr. conde de Rex!!
Como se explica, por outro lado, a nota enviada em data de 19 de abril, pelo sr. barão de S. Pedro ao nosso governo, onde, entre outras cousas, se lê o seguinte:
"Até ao presente tem sempre o governo imperial mostrado pouca vontade de attender a estas idéas, tornando assim evidente a preferencia que da aos negocios da politica continental, e pondo de parte a sua ingerencia nos assumptos da politica colonial das outras nações!?
É verdade que o mesmo funccionario, parodiando um celebre despacho do sr. marquez de Penafiel, nosso ministro em Berlim, havia ainda mais explicitamente affirmado alguns dias antes, a 17 de abril: "que o governo allemão continuava a affirmar que se desinteressava das questões coloniaes africanas", isto, note-se, na vespera de ser expedida a nota do conde de Hatesfeldt ao ministro allemão em Lisboa!! Digna da habilidade deste encarregado de negocios só a boa fé do ministro, que em 12 de abril lhe escrevia estas memoraveis palavras:
"Não ignora v. sa. que o governo allemão se tem até agora desinteressado completamente de qualquer intervenção nas questões coloniaes e muito particularmente nas africanas, que mais directamente interessam a Portugal. É de crer que a sua attitude não tenha mudado.
Chega a ser espantoso!!
Pois o governo portuguez em presença da communicação do conde de Rex, não comprehende a necessidade de informar d'este facto o nosso ministro em Berlim, pedindo-lhe ao mesmo tempo mais precisas informações sobre a attitude do governo imperial? Parece que não, por isso que no Livro branco não se encontra nota alguma a tal respeito! Repito, chega a ser espantoso!
Mais ainda. Era natural que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, tendo tratado com a Inglaterra e estando em correspondencia activa com o nosso representante em Londres, o informasse da attitude da Allemanha.
Pois o governo portuguez nunca em tal pensou!
Trocam-se notas sobre notas e de Lisboa não se diz uma palavra a similhante respeito! Pelo contrario! E o sr. Dantas, nosso ministro em Londres, quem, num telegramma datado de 9 de maio, informa o governo portuguez que o "embaixador da Allemanha dissera a lord Granville que as camaras de commercio allemães faziam representações contra o tratado, e que o principe de Bismark o tinha avisado de que ia occupar-se da questão do Congo, e que lhe parecia querer elle dar-lhe caracter internacional".
Note a camara por um lado, que antes de 30 de abril já o sr. ministro dos negocios estrangeiros sabia isto mesmo, pouco mais ou menos por intermedio da legação allemã em Lisboa, e por outro lado que as primeiras representações das camaras de commercio allemães contra o tratado anglo-portuguez datavam de março, epocha em que, por

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exemplo, as de Hamburgo e Solingem, começaram a pronunciar-se!
Mais uma vez repito, sr. presidente, tudo isto é espantoso, extraordinario!
Já vê, pois, v. exa. que por circumstancias que eu não posso comprehender, o sr. ministro dos negocios estrangeiros não tomou na devida consideração a conversação em que o sr. conde de Rex lhe communicou a resolução do seu governo; deixou que as resistencias se accentuassem e que as nossas relações com as demais potencias se fossem aggravando, e só acordou da sua triste illusão no momento em que como um raio caiu em Lisboa aquelle despacho de Londres annunciando que, em vista da opposição da Europa, o tratado do Congo se não discutiria!
Eis a habilidade diplomatica do governo! A isto não respondeu o sr. ministro dos negocios estrangeiros, pela simples rasão de que nada tinha a responder!
Passemos a outro ponto. Com respeito a este igualmente o sr. ministro dos negocios estrangeiros ficou silencioso.
Refiro-me á circular dirigida por s. exa. aos nossos ministros nas côrtes estrangeiras, circular em que se aventou pela primeira vez a idéa da reunião de uma conferencia para resolver a questão do Zaire.
Evidentemente o governo lançou-se de coração leve e sem estar previamente preparado n'esta aventura internacional, que podia ter tido como resultado uma tremenda catastrophe para o nosso dominio africano!
Mas pelos documentos não só se vê isto, como tambem ainda se deprehende que houve uma grave inconfidencia da parte da nossa diplomacia a tal respeito!
E senão vejamos. O sr. Barros Gomes perguntou se a nota circular de 13 de maio tinha sido communicada aos governos estrangeiros; e o sr. Barbosa du Bocage respondeu que não!
Ora, eu peço licença a s. exa. para lhe replicar que foi!
É verdade que a referida nota termina pelas seguintes palavras: «Julgo desnecessario dizer a v. exa. que esta noticia (a da reunião de uma conferencia) é inteiramente reservada, e que deve ter o maximo cuidado nas conversações relativas aos negocios do Zaire».
Mas por isso mesmo é que eu sustento que houve inconfidencia.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - Essa circular foi enviada para os nossos representantes e só para elles; não foi communicada a nenhum governo.
O Orador: - E eu insisto que foi e vou proval-o! O sr. ministro dos negocios estrangeiros ha de em pouco apreciar a discrição da nossa diplomacia.
Quer a camara saber como começa uma nota expedida pelo encarregado dos negócios da Allemanha em Paris o sr. Buloso ao principe de Bismark, em data de 29 de maio, isto é, pouco mais de uma semana depois do sr. ministro dos negocios estrangeiros ter exigido aos nossos representantes a maxima discrição?!
Começa assim, conforme se lê a pag. 26 do Livro branco allemão:
«Tive hontem occasião de me occupar com o presidente do conselho de ministros francez da proposta portuguesa para uma conferencia a respeito do Congo. O sr. Ferry disse-me estar prompto a tomar parte numa conferencia internacional para decidir esta questão.»
O que quer isto dizer?! Pois o chefe da diplomacia portugueza intima os nossos representantes no estrangeiro para que usem da maxima reserva a fim de não transpirar o segredo de uma nota diplomatica, e uma semana depois d'essa nota lhes ter sido communicada apparece um despacho do encarregado dos negocios do imperio allemão em Paris informando o seu governo que tinha tido uma conferencia com o ministro francez exactamente ácerca do assumpto que o governo portuguez queria conservar secreto?
Então, sr. ministro dos negocios estrangeiros, foi ou não a nota communicada? Houve ou não inconfidencia?
(Áparte do sr. Luciano Cordeiro.)
Acceito a explicação que acaba de dar-me o sr. relator da commissão, e que me parece ser partilhada pelo sr. ministro, segundo deprehendo do gesto affirmativo que s. exa. acaba de fazer.
Mas agora o meu espanto sobe de ponto e continuo a não comprehender os mysterios da nossa diplomacia...
O sr. Carlos du Bocage: - Não é uma proposta, é uma suggestão.
O Orador: - Ora! proposta ou suggestão têem n'este caso o mesmo valor. É melhor sermos francos é não levarmos o debate para subtilezas byzantinas, porque acima de tudo ha o senso commum...
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barbosa du Bocage): - É para elle que appello agora.
O Orador: - Ha o senso commum que é o bastante para a apreciação d'estes documentos!
O sr. Presidente: - Eu pedia ao orador que se dirigisse para a mesa, e aos srs. deputados que não fizessem interrupções.
O Orador: - Agradeço a advertencia de v. exa. pois reconheço a conveniencia de me dirigir para a mesa, mas lembro ao sr. presidente que foi o sr. ministro que me interrompeu, e não eu que perturbei o debate. Demais são-me absolutamente indifferentes as interrupções. Até as estimo!
Como não desejo que a hora dê sem eu ter analysado tanto quanto possível todas as respostas do sr. ministro dos negocios estrangeiros, vou referir-me ainda a dois ou tres pontos tocados por s. exa. Um d'elles é o que diz respeito á missão do sr. conselheiro António de Serpa Pimentel.
Quando principiaram a apparecer officialmente as primeiras manifestações de desagrado por parte da Europa contra o tratado anglo-portuguez e, que se receiou por consequencia que elle não podesse ir por diante, o governo em tão difficeis circumstancias e cheio de patrióticas angustias, e isto é dito com toda a sinceridade, porque qualquer que fosse o ministro que se sentasse n'aquellas cadeiras havia de estar possuido do mesmo sentimento; fez o que já outro governo em circumstancias bem mais graves, não ha duvida, mas até certo ponto analogas, tinha feito, servindo-se da habilidade diplomatica de um dos seus melhores estadistas para conjurar um perigo nacional.
Todos se recordam que a França, quando os exercitos allemães talavam os seus campos e incendiavam as suas cidades, no momento de ver ameaçada a sua própria existencia de nação, periclitante em presença da maior invasão que registam os annaes das guerras modernas, mandou o mais previdente e o mais respeitado dos seus homens públicos numa dolorosa peregrinação pelas côrtes europêas, com o fim de arrancar ao indifferentismo dos diversos governos algumas adhesões para a causa que entre ferro e fogo se estava debatendo no solo da pobre França, victima das audacias do primeiro Bonaparte e das cobardias do segundo!
Não condemno, pois, o governo portuguez, por ter em circumstancias que podiam importar serio perigo tambem para a conservação do nosso dominio ultramarino, mandado um delegado conferenciar com os governo donde principalmente partira opposição contra é tratado anglo-luso de 26 de fevereiro.
Comprehendo mesmo que esse delegado levasse plenos poderes para abrir novas negociações, se assim se julgasse conveniente. Mas então era necessario que ao parlamento se viesse depois expor lealmente o resultado das negociações, ou ellas tivessem tido bom exito ou não; porque essas negociações duraram até á ultima hora, e n'ellas parece que o governo muito confiou.
Era sobretudo instructivo saber como os nossos aluados, se é que actualmente podemos coutar com a alliança de al-

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guina potencia, defenderam os interesses portuguezes ameaçados.
E já que pela primeira vez me refiro a este ponto, melindroso de certo para ser tratado em sessão publica de um parlamento, permitta-me a camara que, com as cautelas; exigidas pela posição que occupo, eu lastime o equivoco; procedimento internacional, que comnosco teve o paiz a cuja frente estão homens tão eminentes e tão sympathicos como Gladstone, Chamberlain e Charles Dilke, dando assim ao mundo essa nação ou o triste exemplo de uma fraqueza diplomatica sem precedentes na sua historia, ou a clara demonstração de que nos abandonou na hora critica porque eramos debeis, o que seria ir de encontro às suas melhores tradições!
Quem sabe quantas vezes, depois d'este acto de lealdade internacional, não terá já a Inglaterra sentido bem amargos e pungentes remorsos pelo exemplo que deixou ficar consignado á face da diplomacia europêa! (Apoiados.)
Quem sabe se na occasião em que saíam do ministerio dos negocios estrangeiros de Londres officios sobre officios, notas sobre notas, telegrammas sobre telegrammas, para, á custa do orgulho britannico, abrandar a cholera do possante collosso do norte que lá ia, conscio da sua força, pouco a pouco invadindo a Asia central e ameaçando com os seus cossacos o vasto imperio das Indias; quem sabe se n'esse momento em que a soberba Inglaterra se via submettida a tão duras provações, não teria passado pelo espirito de lord Granville a lembrança do que, em caso analogo, soffrêra o ministro dos negocios estrangeiros de Portugal, ao ter de ceder perante as imposições da força! (Apoiados.)
Ha evidentemente, srs. deputados, uma justiça na historia, que não é licito desconhecer e muito menos provocar!
Mas voltando á missão do sr. Antonio de Serpa, repito, que não condemno o governo por ter mandado este homem d'estado conferenciar com diversos governos estrangeiros, a fim de aplanar as dificuldades que tinham surgido contra a approvação do tratado do Zaire.
O que me admira sobremaneira é o sr. ministro dos negócios estrangeiros não ter feito incluir no Livro branco o resultado das negociações em que o sr. Antonio de Serpa andou empenhado.
Não se comprehende o motivo d'este singular silencio!
Foi a missão do sr. Antonio de Serpa uma missão secreta?
O governo que o diga!
Mas se foi uma missão secreta, se foi uma missão cujo resultado não póde ser communicado á camara, como é que a viagem d'este homem politico andou assoalhada por todos os jornaes da Europa e miudamente descripta em todas as correspondencias diplomaticas?!
Estranho segredo, que toda a gente sabia, ignorando-o apenas officialmente o parlamento portuguez!
Se a missão, pelo contrario, não foi secreta, porque é que deixou de se communicar ao parlamento o resultado dos esforços empregados pelo sr. António de Serpa?
Se s. exa. procurou com verdadeiro patriotismo salvar alguma cousa do naufragio dos nossos direitos, é digno da consideração do paiz, embora os esforços que para isso envidou não tivessem sido coroados de bom exito!
Porque se escondem então essas diligencias do publico?!
Eu não sou d'aquelles, sr. presidente, que levantam hossannas apenas aos vencedores!
Pelo contrario, os vencidos merecem-me sempre uma profunda sympathia se na derrota souberam manter intacta a honra e a dignidade! É o momento de acceitar a doutrina do conhecido verso latino:

Victrix causa diis placuit, sed victa Catoni!

Mas por isso mesmo desejo saber o que foi essa missão, que não posso deixar de classificar de missão mysteriosa porque o sr. ministro dos negocios estrangeiros nada a esse respeito quer communicar ao parlamento! (Apoiados.)
O que é que o sr. Antonio de Serpa andou a pedir pelas cortes estrangeiras? (Apoiados.)
Passemos á mediação da Italia, e ao referir-me a este acto internacional... morto em embrião, (Riso) seja-me licito notar que a questão do Zaire pela fórma como está sendo discutida por parte dos oradores do governo, é não raro transportada do campo dos factos, taes como vem mencionados nos documentos officiaes, para a hermenêutica casuística e cheia de subtilezas de uma interpretação mais ou menos arguta de palavras e de formulas diplomaticas!
Apparecem, por exemplo, no Livro branco duas notas, alludindo ao que póde bem chamar-se a mediação da Itália, isto é: a um promettimento do sr. Mancini, ministro dos negocios estrangeiros d'aquella nação, de usar da sua influencia a favor de Portugal na questão que se debatia. Depois o Livro branco é mudo a tal respeito, e nós sómente sabemos dos favores diplomáticos da Itália pelo procedimento do sr. conde de Launay, delegado italiano na conferencia de Berlim, cujas propostas, segundo se deprehende dos protocollos da mesma conferencia, embora inspiradas nas melhores intenções e obedecendo evidentemente aos mais nobres intuitos, foram no entretanto um dos maiores embaraços que os delegados portuguezes encontraram n'aquella assembléa!
Ninguem póde ler o segundo volume do Livro branco sem ficar com este convencimento.
De modo que a supposta mediação italiana, que nós adiantadamente agradecemos, veiu a reduzir-se ás propostas ultra-livre cambistas do sr. Launay! (Riso.) Dá vontade de dirigir ao sr. Mancini aquelle celebre pedido que um supersticioso, temendo a gettatura de Pio IX (era fama de que a tinha) lhe fazia, com a maior ingenuidade: «Per dio, Santo Padre non benedica d'Italia»! (Riso.)
Em resposta, porém, a esta arguição, já o sr. ministro dos negocios estrangeiros declarou ao sr. Barros Gomes, que não fôra «mediação» que a Italia promettera, mas apenas fizera um «oferecimento de bons officios».
O sr. ministro dos negocios estrangeiros que deve, pelos deveres do seu cargo, ser lido em assumptos de direito internacional, sabe bem, e eu posso, para tirar qualquer duvida, citar sobre este ponto as opiniões de Bluntchli e de Heffter que o offerecimento de bons officios é o primeiro grau da mediação, e portanto uma verdadeira mediação em começo.
De modo que, o que digo com respeito á primeira hypothese, repito-o exactamente para o caso de verificar-se a segunda.
Em que ficaram os bons officios da Italia, que nós agradecemos calorosamente ao sr. Mancini?
É preciso que o governo responda categoricamente a este ponto!
Apparece tambem um offerecimento de bons officios da parte da Hespanha, e no Livro branco lê-se uma nota do sr. ministro dos negócios estrangeiros igualmente agradecendo por intermedio do nosso encarregado de negócios em Madrid esses bons officios á nação vizinha.
Percorro, porém, toda a serie de documentos officiaes e em vão pergunto: que fez em nosso favor a mediação da Hespanha?
Não consta nada desta mediação! (Apoiados.)
Pelo contrario, no Livro branco allemão, quando se falia de umas conferencias, a que eu já me referi, entre o conde de Solms e o marquez del Pazo de la Merced, póde ver-se que tão pouca importancia merecia este assumpto do Zaire ao ministro dos negocios estrangeiros de Hespanha, que elle declarava ao embaixador allemão não ter tido ainda tempo de com os collegas d'elle se occupar! Pergunto, pois, ao governo tambem: qual foi o resultado da mediação da Hespanha? O sr. ministro dos negocios es-

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trangeiros no discurso que acabou de fazer a nada d'isso respondeu!.
De modo que a resposta do sr. ministro dos negócios estrangeiros não sei a quem satisfaça porque ou se limitou a nada absolutamente dizer, como fez a proposito da viagem do sr. Serpa a Berlim, ou então quando respondeu fel-o por fórma que ficaram exactamente de pé as mesmas duvidas, e duvidas que requerem por parte do governo uma explicação mais formal, mais completa e mais categorica! (Apoiados.)
E agora que assim respondi n'esta primeira parte da sessão de hoje, ao discurso do sr. Bocage permitta-me v. exa. que, sem entrar em largas considerações, eu faço uma brevissima resenha dos assumptos que desejo mais especialmente tratar.
Duas palavras, comtudo, são ainda necessarias, como introducção, a respeito d'esse paiz que mais uma vez encontrámos no nosso caminho e que tão grande parte occupa na historia dos nossos desaires e das nossas luctas nacionaes. Foi, com effeito, a Belgica, e foi um Leopoldo, que em 1836, alimentaram as intrigas de Van der Weyer contra a gloriosa revolução de setembro. E hoje tambem a Belgica e é tambem um Leopoldo, que alimentam as intrigas de Stanley contra o dominio portaguez no Zaire! Singular coincidencia, sobretudo realçada pelos laços de parentesco que existem entre as casas reinantes das duas nações!
Então no primeiro periodo do nosso constitucionalismo a Belgica, faltando a todos os preceitos e a todas as regras do direito internacional, não tinha duvida de vir aqui, por intermedio do seu embaixador e do principe, que devia ser mais grato ao seu paiz de adopção, fazer-se o centro de uma conspiração criminosa contra o homem mais popular da nossa historia, contemporanea, contra Passos Manuel!
Hoje, ainda a mesma nação, por intermedio de um aventureiro Yankee, e de um rei que mais parece o gerente de alguma companhia commercial do que o chefe de um estado culto, desprezando as boas normas de leal camaradagem, que devem ligar por estreita solidariedade as nações da Europa occidental e muito especialmente as latinas, faz-se o promotor da campanha do descredito, que por toda a parte e junto de todos os governos, procura traiçoeira mente ferir os nossos mais legitimos direitos!
E note a camara que em 1836, assim como em 1885, é sempre um pedaço da Africa o pomo ambicionado pelos intrigantes de Bruxellas, como se invencivel fatalidade impellisse á politica colonial exactamente o unico paiz, que nunca póde ligar o seu nome ao mais humilde descobrimento ou á mais esteril empreza de colonisação!
Eu sei, sr. presidente que por parte da Belgica não se trata de gloria, mas de ganho! No entretanto, mesmo n'este caso, a anomalia é manifesta, porque se se comprehende sem custo no seculo XVI um D. Manuel, caixeiro de pimenta; na segunda metade do seculo XIX um Leopoldo caixeiro do marfim, da borracha e da ginguba, será sempre um ridiculo anachronismo, nem sequer conciliavel com a bandeira azul estrellada da primitiva associação internacional!
Vozes: - Deu a hora, muito bem.
O Orador: - Ouço dizer que deu a hora. Como não posso concluir as minhas observações peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte. (Apoiados.)

Continuação do discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso na sessão de 3 de junho, e que devia ler-se a pag. 1979, col. 1.ª

O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, depois de me ter referido na primeira parte do meu discurso ás respostas dadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, passarei hoje a fazer algumas considerações a respeito do acto geral da conferencia de Berlim e do tratado com a associação internacional do Congo.
Mas, primeiramente permitta-me v. exa. recordar á camara que o acto geral da conferencia de Berlim, tal como hoje o discutimos, é a consequencia logica das negociações anteriores, que se prendem com o tratado anglo-portuguez de 26 de fevereiro; de modo que impossivel se torna separar uma questão da outra, se as desejâmos compreheuder na sua complexidade.
Não receie, comtudo, a camara, que eu faça reviver n'este momento um debate até certo ponto prejudicado.
Simplesmente me basta accentuar que a responsabilidade d'este tratado não está toda contida dentro das negociações que propriamente lhe dizem respeito, mas tem de ir buscar-se em parte ás negociações entaboladas pelo sr. Antonio de Serpa para realisar o tratado do condomínio anglo-portuguez no Zaire.
Os factos a que alludo são bem conhecidos, de resto, e escuso portanto de insistir mais n'elles.
Dois pontos levantaram principalmente, no tratado de 26 de fevereiro, a opposição declarada da Europa, ou melhor da França e da Allemanha: um d'esses pontos foi a creação da commissão mixta anglo-portugueza, e o outro foi a clausula, na apparencia insignificante, da cedencia eventual do forte de S. João Baptista de Ajudá á Inglaterra.
E facil é de ver, sr. presidente, o motivo por que particularmente esta ultima disposição havia de levantar decidida resistencia, sobretudo do lado da França. Emquanto sobre a costa de Africa, com effeito, pesou apenas a sinistra lenda do que similhante territorio não passava de um triste presidio para degredados, ou de uma lugubre gemonia de escravos; é emquanto por outro lado, as nações da Europa, tendo que resolver os problemas gravissimos da sua organização interna e da sua emancipação politica não sentiam a necessidade de procurar a todo o custo mercados novos e inexplorados para os productos das suas industrias, nenhumas attenções se voltavam para as obscuras questões que se debatiam n'aquelle continente. Os mais previdentes estadistas da Europa olhavam com a mesma differença para as margens ignoradas do Zaire ou do Zambeze, com que Volyaire nos fins do seculo passado via ceder á Inglaterra essas geiras de neve, que um seculo depois haviam de constituir o florescente dominio do Canadá!
Desde o momento, porém, em que por circumstancias economicas, conhecidas de todos, as principaes nações da Europa se viram sobrecarregadas e opprimidas com um excesso de producção, que começou a ser para ellas causa de violentas crises, necessitaram ir buscar novos mercados ás regiões que ainda se apresentavam, por assim dizer, virgens da influencia europêa. D'ahi o afan com que especialmente n'este ultimo decennio todas as zonas inexploradas principiaram a ser percorridas, e a importancia que pouco a pouco foram adquirindo os territorios ainda não submettidos a uma soberania culta. Hoje lucta-se por um palmo de terra na Africa, como outrora se batalhava para conquistar os sitios onde exhalára o ultimo suspiro o Redemptor; porque se espera tambem do continente negro a redempção economica das nossas sociedades do occidente, anemicas por não terem campo sufficientemente vasto para expandirem as forças da sua enorme producção!
N'estas condições nunca podia ser indifferente ás demais nações coloniaes o direito eventual que a Inglaterra ia adquirir sobre mais um ponto da costa de Africa.
No Livro branco allemão, exactamente logo no primeiro despacho, que n'elle se encontra, datado de 6 de março e dirigido pelo conde de Münster, embaixador da Allemanha em Londres, ao principe de Bismark, lê-se com effeito, o seguinte:
«O artigo 14.° (do tratado anglo-portuguez) tem finalmente interesse, porque por elle se obriga Portugal a ce-

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der com todos os seus direitos á corôa de Inglaterra, no caso em que pense alguma vez em alienal-o, o forte de S. João Baptista de Ajudá, actualmente em seu poder.»
Vê-se, portanto, que a importancia d'esta clausula não escapou á diplomacia allemã.
Escaparia á franceza?
É o que vamos averiguar.
O memorandum do ministro francez nesta corte, que abre o segundo volume do Livro branco portuguez, relativo aos negocios do Zaire, termina pelas seguintes palavras de significação inequivoca:
«Ainda que o convenio, de que se trata, se relacione mais especialmente com a situação internacional dos territorios situados entre o 8° e o 5° e 12' de latitude austral, contem em todo o caso uma clausula em virtude da qual a côrte de Lisboa se obriga desde já a não dispor dos direitos que possa reivindicar sobre a parte da costa do Oiro, comprehendida entre o 5° de longitude E. e o 5° de longitude O. sem ter previamente offerecido a cessão d'elles ao governo britannico.
«O governo portuguez não ignora os interesses que nós proprios temos nestas paragens. Não deverá surprehender-se, portanto, que nós não possamos olhar com indiferença a estipulação pela qual julgou assim dever desde já coarctar a sua liberdade de acção, com respeito a um território situado na vizinhança immediata de estabelecimentos francezes e isto exactamente no momento em que os dois gabinetes pareciam admittir a opportunidade, de um accordo geral com relação á delimitação das respectivas possessões na costa Occidental da Africa.»
N'este ultimo paragrapho está a mais severa condemnação, quanto a mim, do tratado anglo-portuguez.
Eis o que desde logo nós deviamos ter visto! (Apoiados.)
A opposição da França e da Allemanha ao tratado era de prever, e sómente a ignorou até á ultima hora a nossa diplomacia!
Por cegueira? Por ignorancia? Por menos patriotismo? Talvez por todas estas rasões juntas!
O sr. ministro dos negocios estrangeiros quando tomou a palavra na sessão de hontem citou, para se desculpar, o exemplo da Inglaterra, que teria na opinião de s. exa., ignorado tambem durante muito tempo a verdadeira attitude do principe de Bismark n'esta mesma questão!
É possivel que assim seja, ainda que o mal dos outros em cousa alguma attenua o nosso; mas se o sr. Bocage quer invocar o acontecido com a diplomacia ingleza, para salvaguardar a sua propria responsabilidade, ha de então permittir, que eu lhe applique tambem o correctivo, que para o conde Granville aconselha um conhecido jornal londrino de grande auctoridade.
Diz, com effeito a Pall Mall Gazette, em um artigo transcripto em parte na Gazeta de Colonia de 5 de março ultimo a respeito do procedimento do Foreign Office:
«O ministerio dos negocios estrangeiros para accordar e ver o que querem os nossos vizinhos, precisa que lhe puxem com força as orelhas ou que devéras o pisem.»
Será este o remedio que teremos de applicar á somnolencia do ministerio dos negócios estrangeiros de Portugal?
Mas occupemo-nos da conferencia de Berlim.
A conferencia de Berlim, sr. presidente, da qual saímos mal feridos, por mais que os oradores ministeriaes digam o contrario, podia pela fórma como ali comparecemos ter sido para nós um gravissimo, senão mesmo irreparavel desastre.
É preciso que uma nação, pequena ou grande pouco importa isso, mas as nações pequenas com mais rasão, porque não têem fortes exercitos, nem poderosas esquadras para fortalecerem os protestos do seu direito, é preciso digo que uma nação nas circumstancias de Portugal, sobretudo, não se abalance de coração leve a um acto tão serio como o de uma conferencia com as primeiras potencias da Europa e do mundo, sem ir de antemão preparada a bem defender-se, pela correcção da sua conducta, no taboleiro onde tantas vezes se envolvem as dificuldades diplomaticas dos legistas e dos jurisconsultos com a espada dos generaes e com essa ultima rasão dos reis, que se chama a metralha dos canhões!
É preciso que uma nação nas melindrosas circumstancias da nossa não se arrisque a um passo d'estes sem previamente ter procurado ao menos saber quaes os limites dentro dos quaes se vae discutir o seu direito, e quaes os elementos de protecções ou de auxilios com que póde contar n'esse debate de interesses encontrados e egoistas!
Fizemos nós porventura isso? Não o fizemos, sr. presidente! (Apoiados.)
Depois de levianamente termos aventado a idéa de uma conferencia para resolver a questão do Zaire fomos para Berlim abandonados, e abandonados ali continuámos a estar até que á ultima hora a França, que nos tinhamos desprezado, com quem nos não tínhamos entendido para o tratado de 26 de fevereiro, se prestou a servir de medianeira, e porventura a livrar-nos de um mau passo, ao realisar-se por todas as nações o reconhecimento da associação internacional do Congo!
E assim devia ser, sr. presidente, porque infelizmente com relação á conferencia de Berlim commetteu-se um erro tal por parte do governo portuguez, que eu deveras me felicito por elle não ter tido mais lastimaveis consequências para nos.
Sabe v. exa. qual foi esse erro?
Ninguem ignora que pelo tratado anglo-luso havia ligado o seu nome ás estipulações mais antipathicas d'essa convenção um illustre estadista do nosso paiz, cujos meritos e cujo valor eu não pretendo, n'este momento, amesquinhar, mas cuja intervenção n'aquella negociação malfadada o forçava a uma absoluta reserva, na nova phase que a questão assumíra.
Todos sabem, pela leitura do Livro branco, que o sr. Antonio de Serpa foi o campeão decidido e intransigente da commissão mixta anglo-portugueza para o Zaire, isto é, da exclusão da Europa, da fiscalisação dos interesses commerciaes que andam ligados ao grande rio africano.
Lord Granville, como diplomata habil, e prevendo bem que era n'aquella clausula que devia naufragar a obra do sr. Antonio de Serpa, por mais de uma vez repetiu, não sei se sinceramente ou não, ao governo portuguez, que lhe parecia imprudente excluir as demais nações da commissão, porque a Europa não poderia nunca consentir no predomínio de dois unicos estados no Zaire, onde tantos e tão diversos interesses estavam compromettidos.
O sr. Antonio de Serpa terminantemente declarou não acceitar n'este ponto modificação alguma, e por consequencia triumphou a idéa da commissão mixta.
Pergunto agora, srs. deputados, com precedentes desta ordem, que auctoridade podia ter, para comparecer perante a Europa, o homem que mais adverso se mostrara á idéa de uma leal cooperação das nações interessadas para a solução da questão do Congo?
De duas uma, com effeito: ou sr. Antonio de Serpa ia a Berlim continuar, isolado ou não, a defeza do tratado de 26 de fevereiro, o que era perigoso; ou o sr. António de Serpa ia sujeitar-se a ver na sua presença rasgar esse tratado, o que era affrontoso para a dignidade do cargo de que estava revestido. Em qualquer das duas hypotheses a sua nomeação para nos representar na conferencia, constituia grave erro. Por um concurso de círcumstancias, todas ellas de grande peso na politica internacional, o sr. António de Serpa era exactamente o unico portuguez que não podia ser mandado a Berlim, para uma missão que havia de ter por principal objectivo congraçar comnosco a Europa justamente escandalisada pelo nosso pouco correcto procedimento diplomatico.

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O governo, porém, não entendeu assim os seus deveres, e por isso nós passámos pela vergonha de ver receber com inequivocas provas de desconfiança e frieza os representantes de Portugal, que todos sem excepção suspeitavam de irem ser os doceis instrumentos do gabinete de Londres, na campanha que elle contava travar contra os interesses da Europa colligada!
Para confirmação das minhas palavras eu invoco o testemunho, embora tacito, de dois dos srs. deputados que se acham presentes e que representaram o nosso paiz na conferencia de Berlim.
E depois, para que se mandou á capital do imperio allemão o negociador do tratado de 26 de fevereiro, se quaesquer que fossem os seus esforços em favor d'este tratado o resultado da conferencia era em grande parte inevitavel?!
Eu sou o primeiro que o reconheço, e na minha moção de ordem faço completa justiça á fatalidade das circumstancias que nos impozeram o desgraçado convénio com a associação internacional do Congo.
Tinha chegado para nós o momento de colhermos o amargo fructo de trinta ou quarenta annos de desleixo da nossa administração colonial e de meio seculo de carencia absoluta de uma politica internacional previdente e reflectida!
Uma voz: - Apoiado.
O Orador: - Folgo muito de ouvir o apoiado do meu illustre collega, apoiado que tem no caso presente significação especial, por partir de um distinto funccionario que já foi governador do ultramar, o que de certo póde dar testemunho do estado de anarchia e de confusão cahotica em que se encontra a administração colonial portugueza.
O sr. Ferreira de Almeida: - Anarchia que começa na desorganisação da secretaria do ultramar, onde o funccionalismo, que é composto de dramaturgos, romancistas, poetas e governadores aposentados, etc., saberá de tudo menos de cousas do ultramar.
O Orador: - Perfeitamente de accordo, e é por isso que hoje temos de nos sujeitar resignados, a que a Europa nos exproprie de parte do que não temos sabido administrar em tantos annos!
Já que estâmos, pois, discutindo um facto que, pela logica da historia, é em grande parte fatal e inevitavel, oxalá que tiremos d'este debate algum proveitoso ensinamento, oxalá que ao menos d'esta discussão, bem dolorosa para todo o portuguez, possa brotar um pensamento, uma idéa luminosa e util, um plano emfim que é exactamente o que até hoje tem faltado na administração das nossas colonias e na direcção superior da nossa diplomacia. (Muitos apoiados.)
Mas teve a conferencia de Berlim para nós outra significação alem da que directamente diz respeito á questão do Zaire? E formulo esta proposta, para poder responder a uma asserção optimista, que se encontra no parecer da commissão, mas que acaba de ser solemnemente desmentida em face da Europa inteira!
É mais uma illusão caída d'esta corôa (apontando para o parecer.) entretecida ainda de tantas outras! (Apoiados.)
Diz, com effeito, o illustre relator em uma das confissões sinceras, que se encontram neste parecer, (Apoiados.) o seguinte:
«De ha muito que andavamos afastados, por abandono próprio, que é o que principalmente explica o esquecimento alheio, das grandes questões da politica internacional.
«Também sob este aspecto haveis de permittir que a vossa commissão se congratule comvosco e com o paiz por se nos ter offerecido o ensejo de affirmar, por uma fórma que se nos afigura decisiva a nossa cooperação e o nosso direito no concerto das nações, fazendo votos por que não abandonemos mais o logar que retomamos agora ao cabo dos setenta annos decorridos, desde o congresso de Vienna.
Vae n'isso a honra do nosso nome e o interesse da nossa independência.»
Sr. presidente, subscrevo completamente a esta ultima consideração contida no paragrapho que acabo de ler do relatorio do sr. Luciano Cordeiro.
Se a conferencia de Berlim podia para nós ter alguma importancia, era exactamente essa; de pela primeira vez, depois do congresso de Vienna, sermos admittidos a deliberar conjunctamente com as potencias de primeira ordem, prestando-se assim homenagem ao direito de soberania, que é igual para todas as nações, qualquer que seja a força material de que ellas possam dispor.
Não abandonar mais esse logar, importa, segundo á opinião do sr. relator, á honra do nosso nome e ao interesse da nossa independencia!
Não o abandonámos nós já, porém, apenas a alguns dias de distancia d'estes patrioticos sonhos do sr. Luciano Cordeiro?!
Sr. presidente, acaba de reunir-se em Paris um congresso para tratar da neutralisação do canal de Suez.
Parecia que, por uma coincidencia para nós extraordinariamente propicia, logo depois da conferencia de Berlim se apresentava na tela da discussão um assumpto de direito internacional, em que éramos dos principaes interessados.
D'este modo a nossa entrada nos conselhos da Europa, difficil como não podia deixar de ser no seu começo, era mais uma vez facilitada por circumstancias particularmente favoraveis!
Portugal era a segunda ou a terceira nação que tinha interesses vitaes a leste do cabo de Boa Esperança, e para quem por consequencia a neutralisação do canal de Suez significava uma verdadeira vantagem.
Basta considerar a importancia de ficar desempedida a passagem do Mediterraneo e mar Vermelho para as nossas communicações com a provincia de Moçambique, India, Macau e Timor.
Pois bem!
Passam apenas alguns mezes sobre a conferencia, que na opinião do sr. relator devia fazer entrar Portugal no conselho das nações, e Portugal é excluido da conferencia de Suez, sem motivo plausivel, e até mesmo sem pretexto!
Em que ficou a honra do nosso nome e o interesse da nossa independencia?
Triste, srs. deputados! Muito triste, sr. relator! Triste e deploravel, sr. ministro dos negocios estrangeiros!
Chego ao ultimo ponto que tenciono tratar, ponto que para mim é grave, que é importante, e que me parece ter sido resolvido pelo governo de um modo menos conveniente para a dignidade nacional.
Refiro-me ao reconhecimento da associação internacional do Congo, como estado soberano.
As nossas relações com a associação patricionada pelo rei dos belgas são a maior prova do nosso desleixo político e da nossa incuria colonial.
Desprezamos, emquanto a elles nos podiamos oppor, os manejos da internacional, apesar de sabermos bem que por detrás da bandeira sympathica que de principio ella hasteou, e em torno da qual não podiam deixar de reunir-se todos os amigos da civilisação, se occultava outra bandeira, que tinha por divisa os mais sordidos interesses e as mais baixas especulações! (Muitos apoiados.)
Deixámos, que Stanley fosse indevidamente reivindicando pouco a pouco para o seu nome e para a associação, de que era salariado, glorias que de direito nos pertenciam e honras que eram indisputavel patrimonio dos exploradores portuguezes! (Muitos apoiados.)
Deixámos leviana e descuidadamente que todas estas usurpações se realisassem sem um unico protesto e só accordámos quando vimos que a conferencia de Berlim, apparentemente convocada para definir um programma de politica colonial, tinha como principal missão preparar o terreno para o reconhecimento do estado livre do Congo!

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2976 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não tenho duvida, sr. presidente, em approvar os termos em que o sr. ministro dos negocios estrangeiros e refere á associação internacional, no seu despacho de 31 de julho, dirigido ao nosso ministro em Londres; mas por isso mesmo admiro-me e espanto-me, de que chegado o momento critico, de sermos finalmente obrigados a encetar relações com essa associação, nós não tivessemos levantado com toda a firmeza a questão de direito, relativamente ao reconhecimento da mesma associação, como estado soberano!
Entendo que o governo portuguez nas negociações prévias, ou melhor, como questão prévia a toda e qualquer negociação, para o reconhecimento do estado livre do Conqo devia ter levantado a questão de direito, e devia ter formulado clara e explicitamente diante dos plenipotenciarios das nações medianeiras, o seu protesto contra um acto juridicamente nullo, pois que o direito internacional o condemna sem remissão por todos os seus principios, por todas as suas regras e por todas as suas praxes!
Perdiamos?!
Eramos obrigados a ceder?!
Que importava?
Não tinhamos nós tantas vezes, cedido no decurso d'essas mesmas negociações?!
Pois o sr. ministro, dos negocios estrangeiros não teve dolorosamente de ceder quando escreveu desalentado aquelle seu ultimo despacho, em que se resignava a perder Banana, isto é: a parte da margem direita do Zaire, que para nós representava um altissimo valor commercial?! (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Luciano Cordeiro.)
Eu apenas digo a v. exa. como resposta ás seguintes palavras que se encontram no parecer «que seria ingenuidade ou absurdo suppor que os nossos plenipotenciarios poderiam resistir ao que nos impunham as outras nações», que nem todos os homens publicos de Portugal pensam da mesma maneira!
Quer v. exa. uma prova?
O sr. procurador geral da corôa no memorandum que apresentou aos nossos delegados, para ser lido na conferencia de Berlim, diz o seguinte:
«A idéa de não reconhecer soberania privativa de nação mais civilisada no Congo, que comprehende a navega cão do grande rio e o regimen das regiões marginaes, seria a creação de um systema não reconhecido no direito publico da Europa.
«Não posso acreditar que visasse a isso a proposição pouco definida do Instituto de direito internacional..
«É pois mister distinguir duas questões: 1.ª, a da soberania do Congo; 2.ª a do seu regimen commercial.
«Sobre o primeiro ponto não póde acceitar-se discussão, porque não póde haver transacção possivel; é o artigo 1.º do tratado de 26 de fevereiro ou a recusa de Portugal a continuar na conferencia.»
Já vê, pois, v. exa. que ha alguem, muito altamente collocado na politica portugueza, que não pensa precisamente, como o sr. relator da commissão. (Apoiados.) Mas, repito eu, que importava que tivessemos de ser obrigados a ceder? Que importava que tivessemos apenas de nos contentar com o protesto? Ao menos esse protesto ficaria archivado nas chancellarias europeus. (Apoiados.) Era a nossa obrigação, era o nosso dever!
Assim como levantámos a questão de limites com a associação internacional, assim como discutimos com as potencias medianeiras ácerca dos territorios que nos deviam pertencer, assim tambem e com muito maior rasão devia-mos ter levantado esta questão previa!
A associação internacional do Congo não possue as condições de um estado; e por consequencia não podia reclamar nunca para si o direito de ser tratado de igual para igual, pelas nações constituidas da Europa e da America que tem a sua soberania fundada era uma nacionalidade de ha muito unanimemente reconhecida! Para sustentar esta doutrina tinhamos felizmente a opinião dos mais eminentes publicistas, sem duvida alguma insuspeitos para os plenipotenciarios da França, da Allemanha e da Inglaterra, as tres nações que nos enviaram a nota quasi collectiva, em virtude da qual o reconhecimento do estado livre do Congo se realisou por parte do nosso paiz.
Aos argumentos dos plenipotenciarios allemães teriamos opposto o seguinte trecho de Heffter, tirado do seu Direito internacional da Europa:
«A existencia de um estado suppõe tres condições, a saber: 1.ª Uma sociedade assás numerosa e capaz de existir por si propria e independentemente; 2.ª Uma vontade collectiva regularmente organizada ou uma auctoridade publica encarregada da direcção da sociedade para o fim que acabâmos de indicar; 3.ª A permanencia da sociedade (status), base natural de um desenvolvimento livre e permanente, o qual essencialmente depende de uma propriedade territorial sufficiente, e da aptidão intellectual e moral dos seus membros.
«Onde estas tres condições não se encontrarem em toda a sua plenitude, não existe senão um embrião de estado ou um estado transitorio, simples aggregado de individuos para determinados fins. São hordas, sociedades selvagens que, desprovidas de todos os elementos de desenvolvimento interno, estão condam nadas a dissolverem-se por si proprias. Sobre este ponto a theoria antiga está de accordo com a theoria moderna, pois que aggregados d'este genero não podem ser considerados como estados.
Não parece, que o fallecido professor da universidade de Berlim, quiz de antemão criticar n'este trecho decisivo a obra de Stanley e dos seus régios protectores!?
Mas a propria Allemanha ainda nos fornecia novas armas para a nossa defeza, armas de que infelizmente nos não quizemos aproveitar.
Quer v. exa., sr. presidente, saber o que diz no seu Direito internacional codificado o celebre Bluntschli, cujas opiniões em direito publico e internacional não podem ser suspeitas ao principe de Bisrnarck?
«Sempre que um povo, administrado por um governo, se tornou num determinado território, um «todo» offerecendo garantias sufficientes do estabilidade, é considerado esse povo como um estado pelo direito internacional.»
E mais adiante:
«O direito internacional não cria novos estados, reune apenas os estados, que existem n'uma certa epocha, por leis e por principios communs, baseados na justiça e na humanidade.»
Não parece que o grande publicista allemão, nas palavras que muito de proposito eu accentuei, estava a alguns annos de distancia condemnando irrevogavelmente a obra complementar da conferencia de Berlim?!
Esta mesma é a theoria dos jurisconsultos inglezes, a qual não poderia sor renegada pelos plenipotenciarios da Gran-Bretanha. Senão vejamos: Um despacho de lord Russel, datado de 2 do agosto de 1862 (Laurence, tomo I) diz o seguinte:
«Para ter direito a um logar entre as nações independentes na terra, um estado deveria não sómente possuir força e recursos durante um certo tempo, mas ainda seria necessario que se podesse esperar da sua parte estabilidade e duração.»
A proposito do reconhecimento do Texas ainda lord Palmerston se pronunciava de um modo analogo ante o parlamento (Laurence, tomo I):
«O novo estado deve estar sufficientemente consolidado para poder sustentar com os outros paizes relações internacionaes; deve possuir bona fide uma completa independencia como estado autonomo. É preciso que ahi exista um governo reconhecido pela nação, e capaz de tomar a responsabilidade dos actos do povo, á frente do qual se acha.»

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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1885 2977

Podem porventura as legitimas exigencias dos dois grandes ministros inglezes para o reconhecimento de um novo estado, encontrar-se nesse aggregado informe de tribus selvagens e escravos, que por eufemismo se denomina o estado livre do Congo?!
Pois, nem com tão irrespondiveis argumentos nós soubemos fazer valer o nosso direito!
E no entretanto a occasião era para isso apropriada, pois seria esse ou nunca o momento, em que a voz do direito devia protestar se a força quizesse mascaradamente, e até com o assentimento dos fracos, dar a lei! (Apoiados.)
Eis aqui, sr. presidente, a principal censura que tenho a fazer aos nossos plenipotenciarios, ou antes ao governo, com relação ao reconhecimento da associação internacional do Congo.
Era forçoso, no estado a que aã cousas tinham chegado, não demorar por mais tempo esse reconhecimento? Muito embora! Mas ao menos tivesse-se levantado a questão de direito e sobre ella lavrado o protesto, que pedia a nossa dignidade.
Para terminar, resta-me ainda dizer algumas palavras com relação ao valor do que nós conseguimos trazer da conferencia de Berlim.
Quer v. exa. saber, sr. presidente, o que diz o Livro branco com relação á importancia commercial da parte da margem esquerda do Zaire, que nos foi deixada? Eu leio.
O sr. visconde de Azevedo da Silva, nosso encarregado de negocios em Paris, n'um despacho dirigido ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, em 14 de janeiro de 1885, diz o seguinte ácerca das pretensões, que n'essa data tinha a associação internacional do Congo: «Estas extraordinarias condições, que sem commentarios transmitto a v. exa., são, com pouca differença, as mesmas a que eu já alludíra no meu officio confidencial de 6 do corrente... Apenas nos cederiam agora uma parte mais extensa da margem esquerda, a qual, convem notal-o, é a menos util e productiva, e onde não existem, a bem dizer, feitorias nem commercio».
Esta mesma é a opinião do sr. Ferry, como se vê de um despacho datado de 17 do janeiro e enviado pelo já referido funccionario do nosso governo. Diz se n'esse documento, com effeito, o seguinte: «O sr. Ferry reconhece que a parte da margem esquerda, que a associação nos abandonaria, é a menos productiva e a menos commercial de todo o Zaire, que esta sociedade não tem direito algum sobre os territorios do Baixo Congo, que ella pretende monopolisar, etc.»
Que diz a isto o governo, e especialmente o sr. relator, que ainda hontem declarava não acreditar nas informações de todo o ponto identicas, que se encontram no bem elaborado relatorio do sr. juiz Pinto?
Mas ha mais ainda. Não só a parte da margem esquerda do Zaire que nos foi deixada é na opinião do nosso representante em Paris e na opinião do presidente do conselho de ministros francez, a menos importante a menos commercial e a menos productiva, mas ainda o traçado dos territorios, cuja soberania nos foi reconhecida, é na opinião de pessoa bem insuspeita, prejudicial aos interesses das populações, que nos vão ficar sujeitas.
Diz-se, e para este ponto chamo a attenção da camara, n'um dos ultimos boletins em francez do Jornal do commmercio, folha, cujo director foi nosso representante em Berlim, o seguinte:
«A noticia da annexação de Banana ao territorio da associação africana, parece não ter causado no Congo favoravel impressão, mesmo entre os europeus. Parece tambem que a delimitação dos territorios do novo estado livre, poderá causar certas difficuldades, por isso que a linha de demarcação traçada pela conferencia atravessa e corta em dois os territorios occupados por tribus particularmente affeiçoadas á soberania portugueza, especialmente no reino indigena de Cabinda.»
Como é então que o sr. marquez de Penafiel diz num dos seus despachos, que nós conseguimos manter sob o nosso dominio a raça dos cabindas que nos é, effectivamente, tão affeiçoado, quando o sr. Antonio de Serpa confusa que foi cortado pelo meio o territorio d'estes povos?! Não comprehendo!
Eis, sr. presidente, o triste balanço de meio seculo de incuria no governo das nossas colonias!
Houve um estadista em Portugal, que ha quarenta annos soube, com uma rara previdência advinhar o importante papel que estava destinado ao Zaire. Esse estadista foi o sr. marquez de Sá.
N'uma das suas obras, intitulada O trabalho rural africano e a administração colonial, encontram-se as seguintes propheticas palavras, que pena foi, elle proprio nunca as ter podido realisar, em algumas das vezes que passou pelo governo: «Talvez que esta questão (a do reconhecimento dos nossos direitos no Zaire) suscitada pelo governo inglez, em novembro de 1816, não existisse, se o vice-almirante Noronha tivesse tido tempo, como governador geral de Angola, de pôr em execução as instrucções reservadas, assignadas por mim em 4 de outubro de 1838, que recebeu na occasião da sua partida de Lisboa para a Africa, nas quaes se comprehendiam as disposições seguintes:
«No § 3.º, tratando-se do Zaire, dizia-se que a grandeza d'este rio, a sua navegação e a riqueza dos paizes a que dá accesso, indicavam que uma cidade que fosse edificada em alguma das suas margens, em sitio apropriado, havia de tornar-se, com o tempo, um dos maiores empórios do commercio da Africa occidental. E por isso se ordenava ao governador geral, que com todo o cuidado fizesse encolher um local, que a todos os respeitos fosse o melhor, para ahi se fundar uma grande colonia, a qual se chamaria Nova Lisboa, pela bem fundada esperança de que ella, crescendo em commercio, riqueza e população, se tornaria merecedora de tal denominação...
Isto pensava o marquez de Sá em 1838. De então até hoje o que se fez mais n'este sentido? Nada!
Estâmos por isso colhendo o amargo fructo do nosso desleixo, pois que quarenta e sete annos perdidos, de braços crusados, a cantar o hymno esteril das nossas passadas glorias, são irreparaveis! Talvez possa parecer ainda pouco que só tenham produzido por ora o meio desastre de Berlim! Tenho Dito. (Apoiados.)

Redactor. = S. Rego.

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