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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Approvada a acta, leu-se um officio do ministerio da marinha remettendo documentos ácerca do caminho de ferro de Mormugão, e deu-se conta de outro do sr. conde da Praia da Victoria, participando que tinha recebido noticia do fallecimento de pessoa da sua familia, e que por esse motivo não póde comparecer por alguns dias ás sessões da camara. - Teve segunda leitura um projecto de lei do sr. Firmino João Lopes, assignado tambem pelos srs. Moraes Machado, Azevedo Castello Branco, Lopes Vieira, Correia de Oliveira, Mouta e Vasconcellos e Miguel Dantas, elevando a 800$000 réis o ordenado dos thesoureiros pagadores dos cofres centraes dos districtos administrativos. - O sr. Torres Carneiro chama a attenção do governo, advogando a urgente necessidade de se concluirem em algumas estradas districtaes no circulo de Arganil, e bem assim a estrada de Coimbra a Castello Branco, que tambem interessa áquelle circulo. - O sr. Consiglieri Pedroso apresenta uma representação assignada por 500 operarios empregados no fabrico dos phosphoros contra o projecto n.º 142-B, que lança um imposto n'aquella industria a favor da instrucção primaria. - Chama tambem a attenção do governo para o facto que se está dando de se encerrarem numa barraca situada na Avenida da Liberdade, no centro da cidade, indivíduos que conseguiram atravessar o cordão sanitario estabelecido na fronteira, em vez de serem enviados para o lazareto. - Responde o sr. ministro da marinha. - O sr. Moraes Machado apresenta uma representação da commissão executiva da junta geral do districto de Bragança, pedindo que se resolva a crise agrícola por medidas que se tomem ainda nesta sessão legislativa - Justificam faltas os srs. Alfredo da Rocha Peixoto, Luiz Ferreira de Figueiredo e conde da Praia da Victoria. - Apresentam requerimentos de interesse publico os srs. Luiz de Lencastre e Alfredo da Rocha Peixoto.
Na ordem do dia continuou a discussão do projecto de lei n.º 171 (creando um districto no Congo). - Entra em discussão o artigo 1.º, usando da palavra os srs. Barbosa Centeno, que apresenta propostas, Vicente Pinheiro e Elvino de Brito, que apresenta uma substituição ao projecto. - O artigo é approvado sem prejuizo das propostas que foram remettidas á commissão. - Entra em discussão o artigo 2.º, e fica pendente, usando da palavra o sr. Rodrigo Pequito.

Abertura - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 42 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Torres Carneiro, Silva Cardoso, Lopes Navarro, Fontes Ganhado, Santos Viegas, Sousa Pavão, Seguier, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Searnichia, Franco Castello Branco, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, José Frederico, Oliveira Peixoto, Luciano Cordeiro, Luiz dê Lencastre, Bivar, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Guimarães Camões, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs,: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, A. J. d'Ávila, Pereira Borges, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Fuschini, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Firmino Lopes, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Martens Ferrão, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Baima de Bastos, João Arrojo, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. J. Alves, Avellar Machado, José Borges, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria Borges, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Santos Diniz, Pedro Roberto, Visconde de Ariz e Visconde de Reguengo.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Pereira Cõrte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Cunha Bellem, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão do Bania lho, Barão de Viamonte, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Emygdio Navarro, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Melicio, Souto Rodrigues, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, J. Alves Matheus, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Dias Ferreira, Laranjo, Lobo Lamare, José Luciano, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do sr. conde da Praia da Victoria, participando que tendo recebido a noticia do fallecimento de pessoa de sua familia, não póde comparecer, por alguns dias, ás sessões da camara.
Mandou-se lançar na acta.

2.° Do ministerio da marinha, remettendo os pareceres da junta consultiva de obras publicas e minas ácerca do caminho de ferro e porto de Mormugão.
Á secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Os thesoureiros pagadores dos districtos administrativos recebem o ordenado do 600.0000 réis, fixado por decreto de 3 de novembro de 1860, e as gratificações relativas a algumas funcções exclusivamente próprias do districto e compensação para falhas.
Desde aquella data tem-se operado na remodelação do serviços por fórma que actualmente os thesoureiros pagadores precisam, ao menos, um auxiliar garantido, a quem devem pagar quantia igual á metade d'aquelle ordenado.
Ainda ultimamente o regulamento postal reduziu a gratificação concernente ao pagamento dos vales do correio. E assim, á proporção que as necessidades do serviço crescem, os rendimentos diminuem.

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O vencimento é a paga do trabalho; para não haver injustiça, o acrescimo de ordenado devia ser proporcional ao acrescimo de serviço, que triplicou com variadas funcções, por exemplo: de pagamentos militares, pela extincção das pagadorias privativas; de venda e escripturação do papel sellado, letras e estampilhas de correspondencia com a caixa geral de depósitos; de distribuição e venda de franquias do correio; de pagamento dos empregados do correios e telegraphos; de cobrança de letras endossadas dos juros de emprestimos e inscripções, e outros.
Sem muito aggravar as forças do thesouro, é de justiça e equidade acrescer com 200$000 réis, ao menos, o ordenado annual dos referidos empregados, sobre os quaes pesa bastante responsabilidade, e para isso temos a honra de submetter á elevada apreciação da camara o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É elevado a 800$000 réis o ordenado dos thesoureiros pagadores da cofres centraes dos districtos administrativos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, em 3 de julho de 1885. = Firmino João Lopes = Moraes Machado = José de Azevedo Castello Branco = A. X. Lopes Vieira = Manuel Correia de Oliveira = F. A. F. de Mouta e Vasconcellos = Miguel D. G. Pereira.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Da commissão executiva, delegada da junta geral do districto de Bragança, pedindo que se tomem ainda na actual sessão legislativa as medidas mais convenientes para resolver a crise agrícola por que está passando o paiz.
Apresentada pelo sr. deputado Moraes Machado, enviada á commissão especial de inquerito sobre a crise agrícola.

2.ª De quinhentos operarios das fabricas de phosphoros da cidade de Lisboa, contra o projecto de lei n.° 142-B, que tem por fim estabelecer um imposto nos phosphoros.
Apresentada pelo. sr. deputado Consiglieri Pedroso, enviada a commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me sejam enviados, com a maxima urgencia (por copia) o decreto de pensão concedido á viuva do fallecido major da província de Angola, Serra, e bem assim a consulta do conselho ultramarino que serviu de base ao referido decreto. = Luiz de Lencastre.

2.° Requeiro que ainda na presente sessão legislativa ou logo n'um dos primeiros dias da seguinte, me sejam remettidos, pelo ministerio do reino, os seguintes documentos:
Relação nominal dos professores de instrucção superior que nos ultimos quinze annos tenham sido nomeados pelo governo para missões scientificas em paizes estrangeiros;
Relatorios, em original ou por copia, apresentados por esses professores;
Relação nominal dos professores de instrucção superior que, juntamente com as funcções do magisterio, exerçam outros empregos publicos permanentes estranhos ao magisterio. - Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo que o deputado o sr. Luiz Ferreira de Figueiredo tem faltado a algumas sessões e ainda faltará a outras por motivo justificado. - O deputado, Silva Cardoso.
Para a acta.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Bernardino de Saavedra Prado e Themes, alferes reformado e ex-sub-director da alfandega de Montalegre, pedindo que se lhe conceda a reforma no logar de chefe de divisão das alfandegas.
Apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.

O sr. Santos Viegas: - Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa um requerimento de Bernardino Saavedra Prado e Shemes, alferes reformado director da alfandega de Portalegre.
Este cavalheiro pretende que, revogado o decreto de reforma no posto de alferes e seja, reformado no logar de chefe de divisão das alfandegas.
Apresenta para justificar a sua pretensão muitos documentos.
Eu sei que a sessão está muito adiantada para as commissões poderem dar o seu parecer, em todo o caso peço a v. exa. que se digne dar o devido destino para ser apreciado em occasião opportuna.
O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo, pelo ministerio da marinha, copia do decreto da pensão concedida, á viuva do fallecido major da provincia de Angola, Serra, e bem assim a consulta do conselho ultramarino que serviu de base ao referido decreto.
O sr. Guilherme de Abreu: - Por parte do meu illustre collega e amigo, o sr. Rocha Peixoto, que não póde comparecer por incommado de saude, mando para a mesa um requerimento.
Para a acta.
O sr. Torres Carneiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do nobre ministro das obras publicas para uns melhoramentos materiaes que ha a fazer com urgencia no circulo por onde fui eleito.
S. exa. não está presente; como, porém, não tenho a certeza de o ver aqui antes da ordem do dia, em alguma das poucas sessões que faltam, uso da palavra, pedindo ao meu collega e meu amigo o exmo. ministro da marinha que lhe transmitia as considerações que vou fazer.
Sr. presidente, no circulo por onde fui eleito andam em construcção, por conta do governo, a estrada districtal n.° 57, de Miranda do Corvo a Santa Comba Dão; a estrada districtal n.º 57-A, do Porto, de Louredo a Galizes; e a estrada real de Coimbra a Castello Branco.
D'estas tres estradas a primeira, a do n.° 57, está construída e aberta á circulação já ha muito tempo, desde Miranda até Góes, na extensão de mais de 24 kilometros, assim como o está desde Arganil até Santa Comba Dão, na extensão tambem de mais de 24 kilometros; e a segunda, a do n.º 57-A, está construída e aberta á circulação desde o Porto de Louredo até Góes, na extensão de mais de 28 kilometros; e de Arganil até Galizes póde dizer-se quasi construída, pois que, tendo de extensão 25 kilometros, em 18 d'estes está completamente acabada e em 4 anda em construcção, já bem adiantada.
No lanço, porém, entre Goes e Arganil, commum a ambas estas estradas, acha-se muito atrazada a construcção, porque, tendo de extensão 13 kilometros, apenas em 5 d'estes estão feitos os terraplanamentos e em parte já tambem os empedramentos.
Já se vê, pois, que é de toda a urgência a conclusão deste lanço entre Goes e Arganil, que é o centro e o coração de ambas as ditas estradas districtaes.
Sr. presidente, estas estradas não foram creadas sómente para porem Arganil e as outras povoações intermediarias em communicação com o caminho de ferro em Santa Comba Dão e com a estrada da Beira em Galizes, e sómente para haverem boas vias de transito de Goes para o Porto

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de Louredo e para Miranda do Corvo; mas sim o foram para que as suas vantagens podessem ser aproveitadas em cada uma d'ellas em toda a sua extensão, de extremidade a extremidade.
É duro, sr. presidente, que vindo passageiros por qualquer d'aquellas estradas até Goes, com toda a commodidade em bons carros (tem havido ha muito tempo diligencias diarias de Coimbra para Goes, por Louzã, pela estrada n.° 57, e agora tambem as ha, tres vezes por semana, de Coimbra para Goes, por l'oiares, pela estrada n.° 57-A), e querendo seguir para Arganil, Tábua, Santa Comba Dão, Coja, Avó, etc., tenham de recorrer a cavalgaduras, se as encontrarem, ou a carros de bois, para continuarem de Goes para Arganil por estradas bem pouco boas, podendo d'ahi por diante arranjar aquellas mesmas commodidades; e que o mesmo aconteça aos passageiros que vierem ter a Arganil para seguirem para Goes, Louzã, Poiares, etc.
Também é duro, sr. presidente, que estando uma d'estas estradas toda concluida até Goes, o de Arganil por diante, e estando a outra tambem toda concluida até Goes, e quasi concluida de Arganil por diante, esteja por construir o lanço, centro de ambas, que põe em communicação a sede da comarca com um dos melhores concelhos da mesma comarca.
Alem d'isto, sr. presidente, o concelho de Góes é muito importante, não só pela riqueza da sua producção agricola, mas tambem pela sua industria. Ha na villa de Goes e na varzea bons estabelecimentos commerciaes. Ha na varzea uma excellente fabrica de fiação e de moagem; ha na Ponte Solam outra fabrica de papel que rivalisa com as melhores do nosso paiz; e ha outra fabrica de fiação e de tecidos de boreis e outros pannos em Alvares, onde alem d'isto se exerce em grande escala esta mesma industria em muitas casas nas diversas povoações d'essa freguezia.
É por isso muito grande a importação de objectos commerciaes e de matéria prima, e a exportação dos productos das industrias; e é certo que para uma e outra se fazerem, para o lado do nascente, a melhor via suo as ditas estradas districtaes de Góes para Santa Comba Dão, por Arganil e Tabua, e do Goes para Galizes por Arganil, Coja e Avô, das quaes ambas faz parte o dito lanço de Goes a Arganil. Ainda ha mais, sr. presidente. Desde que veiu a molestia ás vinhas, em 1852, os concelhos de Goes, Louzã e Miranda, vão buscar o vinho, para a maior parte do seu consumo, aos concelhos de Arganil, Oliveira do Hospital, Tábua, etc., e sem duvida as estradas mais aproveitaveis para a conducção de todo este vinho, que se faz em muitos centos de pipas por anuo, são aquellas districtaes, de que é centro o dito lanço, como já disse.
É, pois, evidente, sr. presidente, que é de toda a urgência, por ser do maior interesse publico, a conclusão da construcção da estrada entre Goes e Arganil.
Sr. presidente, tambem anda em construcção, dentro do concelho de Góes, como já disse, a estrada real de Coimbra a Castello Branco. Esta estrada está ha muito aberta á circulação até á Portella de Goes, donde segue para Goes a dita districtal n.° 57; e já tem alguns lanços construidos d'ali para diante pela serra fóra para o lado da Pampilhosa: mas ainda não chega á Portella do Vento, sitio fronteiro á villa de Alvares, séde da freguezia de Alvares, de que já fallei. Ora a camara municipal do concelho de Goes, reconhecendo a necessidade de pôr em communicação os povos d'esta freguezia, uma das mais importantes do concelho, pela sua grande população, pela sua riqueza e pela industria a que já me referi, com aquella estrada real, que os leva a outras estradas e caminhos de ferro, para irem commodamente á cabeça do seu concelho e às terras onde exerçam o seu commercio, já obteve a approvação de uma estrada municipal da dita villa de Alvares áquelle sitio da Portella do Vento, onde ha de passar a dita estrada real; e está resolvida a tratar quanto antes da construcção d'essa estrada municipal.
Por isso, como esta estrada municipal não pode produzir o seu fim sem que a estrada real chegue á Portella do Vento, ha para a construcção do lanço desta estrada até esta Portella, alem das rasões geraes de interesse publico, as especiaes do interesse da dita freguezia, que é muito importante, como já disse.
Alem d'isto, sr. presidente, ainda ha outra estrada a fazer, e com urgencia. É a estrada de Avô, onde passa a districtal n.° 57-A, a Pomares, freguezia importante do concelho de Arganil, e para a qual as vias de communicação não são más, são pessimas.
O governo já reconheceu a necessidade da construcção d'esta estrada, porque foi elle mesmo que mandou estudal-a; e os estudos estão no ministerio das obras publicas, com parecer favoravel da junta consultiva.
Era por tudo isto que eu queria pedir ao sr. ministro das obras publicas, que na distribuição, que em breve tem de fazer, da somma orçada para obras publicas, contemplasse estas quatro estradas: as duas districtaes, 57 e 57-A, com as verbas necessarias para a sua conclusão, o que não será muito, porque n'uma só falta o lanço entre Goes e Arganil, e n'outra, alem d'esse lanço commum, um pequeno pedaço; a real, com a verba indispensavel para ao menos ser construida até á Portella do Vento, onde ha de vir entroncar com ella a municipal de Alvares, quando não seja possível contemplai-a com. verba sufficiente para a construcção se fazer até á Pampilhosa, como eu muito desejava; e a de Avô a Pomares, que é reclamada pela maior necessidade, com a verba já orçada para a sua prompta construcção.
Como o nobre ministro não está presente, peço ao meu prezadíssimo amigo, o sr. ministro da marinha, que transmitia áquelle seu collega o meu pedido, afiançando-lhe que confio plenamente em que s. exa. me attenderá, não por mim, que nada valho, mas pela bem evidente justiça do pedido.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - E para dizer ao illustre deputado e meu estimavel amigo, o sr. Torres Carneiro, que participarei ao meu collega as sensatissimas considerações, que s. exa. acaba de fazer.
O sr. Moraes Machado: - Mando para a mesa uma representação da commissão executiva da junta geral do districto de Bragança, em que pede se tomem ainda na actual sessão legislativa as medidas mais convenientes para resolver a crise agrícola por que está passando o paiz. Desejava que fosse consultada a camara para auctorisar a publicação no Diario do governo.
O sr. Pedro Diniz: - Mando para a mesa um projecto da commissão de marinha ácerca do projecto n.° 175-B, que tem por fim elevar o vencimento que a titulo de comedorias se abona aos officiaes da armada.
Peço que seja enviado á commissão competente para sobre elle dar o seu parecer.
O sr. Presidente: - Vae ser enviado á commissão de fazenda.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente: pedi a palavra a fim de mandar para a mesa, uma representação, assignada por quinhentos operários empregados na industria dos phosphoros, em que se pede á camara dos srs. deputados que tenha em consideração, as rasões expostas nesse documento contra o projecto de lei, ha dias apresentado ao parlamento, para que o estado assuma o monopolio da referida industria.
Os requerentes esperam que a camara não dará andamento a uma idéa, que, a realisar-se, teria como inevitavel consequencia a miseria de mais de quinhentas familias.
Como o projecto não tem ainda parecer da commissão respectiva, não desejo estar tomando tempo á camará, com

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um assumpto que não foi sujeito por ora á sua apreciação.
Reservo-me, pois, para em momento opportuno fazer as considerações indispensaveis no sentido de reforçar as rasões apresentadas pelos signatarios da mencionada representação.
Desde já, porém, declaro a v. exa. e á camara que hei de oppor-me por todos os modos, e hei de levantar quantos embaraços possa, ao andamento d'esse projecto, que reputo economicamente absurdo o alem disso altamente nocivo para uma das industrias que na capital alimenta maior numero de braços!
Peço a v. exa. que consulte a camara para saber se ella permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo, visto estar redigida em termos convenientes.
É passando a outro assumpto, aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da marinha, isto é, um membro do governo, para chamar a attenção de s. exa. e da camara, para dois factos que reputo da mais alia gravidade para o paiz e especialmente para a cidade de Lisboa, não devendo por consequência passar desapercebidos do parlamento.
Refiro me ao modo como está funccionando o cordão sanitario da fronteira, e á ordem (não sei de quem) de irem fazer quarentena para a avenida de Liberdade os individuos, que entram na capital, tendo logrado illudir á vigilancia da policia da raia para não entrarem nos lazaretos terrestres.
Sr. presidente, v. exa. não ignora que ha dois annos consecutivos o governo tem apresentado n'esta, camara pedidos de auctorisação para abrir creditos extraordinarios na importancia de algumas centenas de contos de réis, a fim de armar o paiz com os meios indispensaveis de defeza contra a epidemia que infelizmente está devastando a Hespanha com tão grande intensidade.
Sr. presidente, a propria opposição, embora salvaguardando o seu direito de fiscalisação sobre o modo como os dinheiros publicos são gastos, não se tem negado até hoje de votar ao governo as necessárias auctorisações para que elle possa decretar, entre outras medidas, o estabelecimento de um cordão sanitario na fronteira.
Infelizmente, a fórma por que o serviço d'este cordão está sendo feito começa a levantar em todo o paiz, como levantou no anno passado, as mais justas e merecidas queixas!
Pela minha parte nunca lastimarei o dinheiro, que possa gaitar-se com a saude publica e em livrar-nos de uma grande catastrophe, qual seria a entrada da epidemia em Portugal, toda a vez que esse dinheiro seja efficazmente empregado.
O que não estou, porém, disposto a consentir, pelo menos com o meu voto ou com o meu silencio, e que se despendam 400:000$000 réis ou 500:000$000 réis, sob o pretexto de salvar o paiz do cholera, continuando o desleixo que no anno passado caracterizou o serviço do cordão sanitario da fronteira, que só impedia a passagem a quem não queria illudir a vigilancia das sentinellas! (Apoiadas.)
Já que nós pagâmos tão caro este serviço, torna-se necessario que ao menos possamos ter confiança na fórma como elle e desempenhado, e nas garantias que nos offerece! (Apoiados.)
Se votâmos creditos tão largos, que por si só, contribuem para desequilibrar o nosso orçamento, e se chega a provar-se que, apesar de tudo, estes creditos são applicados sem vantagem alguma para o resguardo do paiz, vale mais abandonar o cordão sanitario e applicar o dinheiro que com elle se havia de despender a organisar um systema de providencias para com todo o vigor atacar a epidemia logo que entre nós, em algum ponto, venha a manifestar-se!
Eu não venho repetir aqui os factos que eloquentemente mostram a maneira como Q cordão preenche os seus fins.
São conhecidos de todos, porque têem sido denunciados pela imprensa de todos os matizes politicos.
É raro o dia, com effeito, em que não chegam pelo caminho de ferro, á capital, indivíduos que conseguiram passar a raia e evitar os lazaretos, subornando os empregados da fiscalisação e as tropas do cordão sanitario, ou porque acharam a fronteira aberta, e não encontraram obstáculo algum!
D'esses individuos são presos os que a policia reconhece; mas ficam livres os que com alies no mesmo wagou viajaram durante um dia inteiro! É inacreditavel!
Os presos pão conduzidos para um barracão que existe ao fim da avenida da Liberdade, e ali permanecem em observação durante alguns dias. É este o segundo ponto para que eu desejo chamar a attenção do governo e da camara.
Nós temos um lazareto do outro lado do rio, com os necessários resguardos, exigidos pelos estabelecimentos d'esta ordem. Não comprehendo, pois, que principies de hygiene publica podiam ter determinado a auctoridade competente a estabelecer no centro de Lisboa um segundo lazareto, sem condições para isso apropriadas, antes, pelo contrario, condemnado por todas as pessoas competentes! Porque, ou a reclusão, a que ahi obrigam os individuos fugidos á vigilancia da fronteira, é inutil ou é perigosa.
Se esses individuos não vem inficionados, para que lhes havemos de impor um encarceramento desnecessario, alarmando alem d'isso a população de Lisboa com um apparato, que não contribue de certo para que a tranquillidade do espirito publico se mantenha?
Se pelo contrario esses individuos vem inficionados, que garantia póde haver que os germens da doença se não propaguem, visto o isolamento ser absolutamente nullo, pela facilidade com que se communica com os quarentenarios?
Que rigor hygienico é então este, em virtude do qual vamos transformar o coração de Lisboa em um verdadeiro foco do cholera?
Não comprehendo! Como se póde impedir, alem d'isso, que os individuos que atravessem o cordão sanitario, se vão espalhando por todas as estações intermedias que existem entre as estações de Badajoz e Marvão e a da capital? Ou mesmo que se espalhem pela capital, illudindo a policia á chegada, assim como a illudiram á saída da fronteira?
Como se ha de evitar que os individuos, porventura inficionados, communiquem com os outros passageiros que vem nas mesmas carruagens, e aos quaes se não póde deixar de dar livre pratica ao entrarem em Lisboa?
Como é que podemos ter a certeza de que ha de dar o mais pequeno resultado o ir a policia escolher ao acaso, sem indicações precisas, dois ou tres individuos fugidos, com effeito, aos lazaretos da raia, para os encerrar na barraca da avenida da Liberdade?
Não será esse supposto rigor perfeitamente inutil, e até mais prejudicial, por nos incutir uma falsa confiança?! Eu creio que sim, sr. presidente!
Todos sabem que a imprensa dos differentes matizes, porque não estamos em presença do uma questão partidaria, mas sim de uma questão que interessa o paiz inteiro, todos sabem, repito, que a imprensa dos differentes matizes, - a do governo mesmo em primeiro logar - tem-se referido desfavoravelmente, e por varias vezes, a estes factos anomalos, e que não têem explicação possivel. Peço, portanto, ao sr. ministro da marinha, que communique ao seu collega do reino as observações que acabo de fazer, a fim de que, com a maior brevidade, s. exa. se apresente n'esta camara, para sobre o assumpto dar as necessarias explicações.
O sr. ministro do reino tem por mais de uma vez apresentado como pretexto, para não assistir ultimamente às sessões da camará, o cumprimento dos seus deveres offi-

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ciaes, que o obrigam a dedicar a sua attenção aos assumptos de sanidade e de hygiene publica.
Pois um assumpto que se refere ás condições sanitarias da capital, e portanto ás de todo o paiz, como é aquelle de que me occupo n'este momento, está exactamente no mesmo caso...
(Áparte.)
O facto é de tal ordem, srs. deputados, que eu não acrescentarei uma palavra mais. E creio que as considerações apresentadas serão sufficientes para que o sr. ministro do reino, na proxima sessão, aqui venha, a fim de conforme disse já, se apurar officialmente, o perante o parlamento, o modo por que é desempenhado o serviço sanitario, tanto na fronteira, como em Lisboa.
N'essa occasião, e á vista das explicações dadas pelo governo, não terei duvida em louvar ou censurar o sr. ministro do reino, segundo elle merecer!
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - O illustre deputado disse muito bem que este assumpto se refere a uma pasta que imo está a meu cargo, e por conseguinte pouco posso dizer a s. exa. a tal respeito, limitando-me a declarar que transmittirei ao meu collega do reino as observações feitas pelo illustre deputado, e elle de certo se apressará a vir responder a s. exa. Apenas acrescentarei, e o illustre deputado sabe-o perfeitamente, que, por mais rigorosa que seja a fiscalisação sanitária na fronteira, ha sempre meio de illudir a vigilância da auctoridade.
Com relação ao segundo ponto, chamarei para elle a attenção do sr. ministro do reino, e direi apenas que o meu collega não tem tomado resolução alguma com respeito á questão sanitaria, sem consultar a opinião da junta consultiva de saude, que tem a seu lado, e dos homens competentes que o podem esclarecer sobre o assumpto.

ORDEM no DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 171 creando um districto no Congo

O sr. Presidente: - Como a camara sabe, foi votada na ultima sessão nocturna a generalidade deste projecto, agora vae entrar-se na discussão da especialidade, e vae ler-se o artigo 1.°
Leu-se.
É o seguinte:
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a crear na provincia de Angola um districto denominado «districto do Congo», comprehendendo os territorios que ficam entre o extremo septentrional do districto do Loanda e a margem esquerda do Zaire até Ango Ango, seguindo para leste o parallelo de Noqui até ao Cuango; e os terrenos ao norte do Zaire situados entre Cabo-Lombo e a fronteira das possessões francezas.
«§ 1.° O governo subdividirá o districto em cinco ou mais circumscripções, á testa de cada uma das quaes collocará um residente.
«§ 2.° A sede do governo do districto será estabelecida no ponto que as informações ulteriores mostrarem ser mais conveniente.
«§ 3.° Haverá postos militares nos sítios onde se repute necessario o seu estabelecimento.»
O sr. Barbosa Centeno: - Tendo assignado este projecto com declarações, entendo do meu dever expor franca e lealmente os motivos por que assim procedi, e porque, com grande magoa minha, divirjo da opinião do sr. ministro da marinha e ultramar em tão grave e momentoso assumpto.
Durante perto de quarenta annos, era virtude da opposição feita por uma potencia que se dizia, e não sei se ainda se dirá nossa amiga, não podemos occupar a região a que se refere o artigo 1.° do projecto.
Durante esse tempo os povos que habitavam e habitam ainda ao norte do Loge estiveram privados da protecção que lhes podiam conceder as auctoridades portuguezas, e da civilisação que ha longos seculos estamos habituados a levar ás regiões da Africa, quer oriental, quer occidental, apesar de quanto hão dito contra nós os que para ali entrarem carecem do nosso apoio e precisam aprender a nossa lingua. (Apoiados.)
Foi necessario que na conferencia de Berlim as potências da Europa e uma nação da America se congregassem contra nós para que a força do nosso direito podesse ser sobrepujada pelo direito da força dos mais vigorosos e mais possantes. (Apoiados.)
Ao terminar a conferencia de Berlim, os povos que habitam ao norte d'aquelle rio, na região que nos fica pertencendo achavam-se n'uma situação menos avantajada do que aquelles que estiveram sempre debaixo do nosso dominio, porque o seu grau de civilisação, graças a uma certa philantropia que não quero classificar, (Apoiados.) é manifestamente inferior aquelle que possuem os seus irmãos d'entre Loge e Cabo Frio.
Esta rasão seria bastante para justificar e demonstrar a necessidade de que esses povos fossem sujeitos a um regimen inteiramente diverso d'aquelle que sempre permaneceu e permanece na provincia de Angola. Mas outras rasões igualmente ponderosas avigoram a minha opinião.
Pela acta geral da conferencia de Berlim estatuiu se que nos territorios; a que se refere o projecto, se devia implantar o regimen da liberdade de commercio, de navegação e de religião.
Assim do Massabi ao Loge e d'ahi para o sul temos dois regimens perfeitamente distinctos e diversos.
Ao passo que na região do norte vigora a liberdade do coiumercio, na do sul temos o systema protector, não da industria portugueza infelizmente, porque essa industria é tão acanhada e tão pobre que quasi não existe, mas o systema protector de meia duzia de casas, cujas operações se limitam, ao que se diz geralmente e parece demonstrar-se, a importar dos paizes estrangeiros diversos productos que se nacionalisam na alfandega de Lisboa e só exportam depois para as nossas colonias. (Apoiados.)
Protecção é esta que se torna em extremo onerosa para as colónias e de pouca vantagem real para a metropole.
Mas visto ficarem subsistindo os dois regimens, convém ponderar que se confiarmos toda esta vasta região ao governo de um homem só, esse homem terá de ser ao norte livre cambista, e ao sul proteccionista.
Este dualismo ha de ser perigoso, porque creio que será absolutamente impossivel a um individuo, por mais illustrado e intelligente, por mais despreoccupado dos preconceitos de uma escola economica, será impossivel, repito, que abstraia da escola a que pertence a ponto tal que possa ser alternada e successivamente livre cambista aqui e proteccionista acolá. (Apoiados.)
Este dualismo parece-me que ha de ser prejudicial ao serviço publico, e ha de collocar a auctoridade superior da provincia em uma situação embaraçosa, e muitas vezes cheia de perigos.
Pelo artigo 1:315 do codigo do commercio as mercadorias só podem ser transportadas da metropole para as colonias e reciprocamente em navios portuguezes.
Isto a respeito das provincias da Africa occidental, porque relativamente a Moçambique, á India, Macau e Timor está hoje estabelecida a mais perfeita e completa liberdade de navegação, e bem assim de umas para outras colonias.
D'este modo os productos da região a que se refere o artigo 1.° podem ser transportados em qualquer navio, seja qual for a nação a que pertença, e os productos da região sul e é podem ser transportados para a metrópole em navios portuguezes e vice-versa.
As mercadorias da metropole só podem ser transportadas para alem do Ambriz em navios portuguezes.

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Isto tambem impõe ao governo geral da provincia a obrigação de ser livre cambista ou proteccionista conforme a zona para que tenha de providenciar.
Pelo artigo 6.° da carta constitucional da monarchia portugueza é prohibida a liberdade de cultos, e pelo artigo 145.° § 4.° da mesma carta a ninguém é tolhida a liberdade de consciência, sendo por ambas estas disposições devidamente combinadas, permittido a qualquer individuo praticar a religião que lhe aprouver, sem offensa da religião catholica, que é a unica reconhecida oficialmente, e com tanto que os diversos actos do culto, hajam logar em casa particular sem fórma exterior de templo.
Pela acta geral da conferencia de Berlim é permittida a todos a liberdade de religião, de modo que qualquer individuo pertencente ás communhões religiosas dissidentes do catholicismo, ou a outras religiões que nada tenham de commum com o christianismo, póde fundar ao norte do Loge uma casa com fórma exterior de templo.
Assim o governador geral de Angola e do Congo tem de prohibir as manifestações exteriores dos cultos não catholicos desde o Loge a Cabo Frio, e tem de as permittir desde Loge ao Massabi!
N'estas condições o mesmo governador geral terá de ver-se por muitas vezes em situação bastante critica no desempenho dos diversos actos relativos ao exercicio de seu cargo.
Isto é da maxima inconveniencia.
Parece que seria de toda a vantagem politica e administrativa dividir este territorio em dois governos distinctos para evitar ao governador da provincia de Angola as dificuldades que deixo expostas e que não são meramente imaginarias.
Mas não é só isso.
Aquella provincia tem uma extensão de 300 léguas e 150 de largura; não ha ali caminho de ferro, não ha estradas, não ha nenhum dos meios de transporte facil e rapido que torne menos embaraçosa a administração publica, e por consequencia o seu governo é hoje difficil para qualquer homem, por mais experimentado que seja.
Pois não obstante vamos ainda acrescentar essas dificuldades, addicionando áquelle governo mais cento e tantas léguas de costa! (Apoiados.)
Outras rasões não menos ponderosas me levam a fallar contra o pensamento do artigo 1.°
A provincia a que alludo tende a prosperar dia a dia, e o sr. ministro da marinha repetidas vezes tem afirmado e os factos o demonstram, que o seu estado é tão prospero, que de anno para anno augmentam os seus rendimentos, desmentindo assim as previsões orçamentaes.
Por isso, em poucos annos póde succeder que a provincia de Angola tenha, não direi um saldo positivo, mas perfeito equilibrio orçamental, e esteja em condições de poder dar largas ao desenvolvimento da viação publica e a outros melhoramentos. (Alfaiados.)
Mas acrescentando-se-lhe agora o novo territorio, onde não ha receitas e donde só tarde poderemos havel-as de alguma valia, a provincia de Angola que hoje é prospera, em poucos annos terá de luctar com um deficit mais ou menos consideravel, conforme a differença que houver entre a despeza originada neste projecto e a receita que possa advir da occupação do territorio a que elle se refere, receita nos primeiros annos muito problematica. (Apoiados.)
É esta mais uma rasão para eu não acceitar o pensamento do artigo 1.º, mas se ella de nada vale, e se não póde determinar a camara no sentido da minha convicção, invocarei um argumento de auctoridade para as illustres commissões e que se encontra nas palavras do illustre relator que se têem na primeira columna do projecto.
Referindo-se á proposta do governo diz:
«Tem ella uma excepcional importancia, porque os territórios do Congo não são como quaesquer outros d'aquelles que já dominávamos, nem como outros quaesquer podem administrar-se.»
Ora se os territorios do Congo não são como quaesquer outros, e claro que não são como os de Angola; se não podem administrar-se como quaesquer outros, é indubitavel que não podem administrar-se como tem sido e ainda é administrada aquella provincia. (Apoiados.}
Por consequencia, o illustre relator, talvez contra sua vontade, é da minha opinião e entende em sua consciencia que a região ao norte do Loge deve constituir uma provincia independente.
Eis os motivos que actuaram no meu espirito para não acceitar o pensamento do artigo 1.° e para assignar o parecer com declarações.
Como não desejo tomar a palavra segunda vez, aproveito este ensejo para expor franca e lealmente o motivo por que divergi tambem ácerca de outras disposições do projecto.
O artigo 3.° da proposta do governo fixava as condições necessarias para a nomeação do governador.
Não me oppuz ao pensamento d'este artigo, achei-o rasoavel e congratulei-me por ver consignado expressamente, pela primeira vez, em um diploma legislativo, o principio altamente sensato e justo de que os governos do ultramar podem ser confiados a individuos de qualquer classe, militar ou civil, sem excepção da benemerita classe judiciaria do reino ou das colonias.
Só este principio, tacitamente comprehendido no artigo 7.° do decreto de 1 de dezembro de 18G9, tivesse sido attendido com a necessária discripção, quer parecer-me, sr. presidente, que outra haveria sido a sorte do nosso ultramar, tão avido e tão carecido de governadores á altura da sua elevada missão, e que saibam comprehender a gravíssima responsabilidade que assumem com a investidura d'aquelles cargos.
Um dos primeiros requisitos que deveria exigir-se aos governadores do ultramar, alem da probidade e moralidade, era a sciencia provada da administração publica, era o conhecimento theorico e pratico da administração colonial. (Apoiados.)
A este artigo apresentei uma proposta definindo a situação dos magistrados judiciaes do ultramar, quando fossem nomeados governadores.
Em vista d'isto deu-se-lhe uma nova redacção. É por outras palavras a do artigo 7.° do decreto de 1809, a que já me referi e em virtude do qual em meu entender não é prohibido ao governo nomear para o logar de governador do ultramar qualquer individuo paisano, como tambem afirmei.
Não concordei com a nova redacção, da qual divirjo muito mais que da primitiva, pois que tende a conservar as administrações coloniaes enfeudadas á classe militar, que embora muito util e muito prestante, não é a unica habilitada a bem gerir os negocios d'alem-mar.
É já tempo de mudarmos de systema, pois que os factos a isso nos incitam a cada instante.
Não haja monopolio para as classes civis, mas acabe-se com o monopolio das classes militares.
Onde houver uma illustração provada, uma capacidade administrativa já experimentada, uma intelligencia affeita ao estudo das nossas questões coloniaes, ahi deverá ir buscar se um governador. (Apoiados.)
A esse respeito mando para a mesa a seguinte proposta.
(Leu.)
Não impugnei nas commissões a creação da comarca do Congo, comquanto esteja convencido de que nos primeiros annos não é de absoluta necessidade; mas tendo pertencido á magistratura do ultramar, com o que muito me honro, e pertencendo ainda, pois estou collocado no respectivo quadro, entendi que não devia oppor-me á creação d'essa comarca, porque oppor-me seria o mesmo que duvidar da

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efficacia da administração da justiça nas províncias ultramarinas.
Divergi um pouco ácerca da fórma do processo.
Deu-se uma nova redacção ao artigo 5.°, com a qual não me conformo inteiramente, pois que no meu modo de ver não é mais do que a redacção do artigo da proposta do governo, com ligeiras differenças.
Também discordei absolutamente do artigo 11.° do projecto, porque entendi que não ha necessidade de crear novos batalhões no ultramar.
A minha opinião e que deviam ser completamente extinctos os corpos ali existentes, destacando-se para cada província um, ou mais regimentos do reino, a que seriam aggregadas companhias indígenas, recrutadas por processos racionaes e justos, estatuidos por lei.
Esses regimentos destacariam por annos, por biennios, ou como se entendesse mais conveniente ao serviço, e seriam collocados nos pontos mais salubres de cada provincia.
Serviriam de nucleo á forca publica de cada colonia, e constituiriam escola para a instrucção militar dos indigenas, excellentes soldados, quando bem instruidos e bem disciplinados.
As companhias de indigenas seriam destinadas ao serviço de policia e de guarnição nas diversas circumscripções territoriaes; os regimentos conservar-se-íam nos pontos mais salubres, promptos para acudirem a qualquer levantamento em um ou outro ponto da respectiva colonia.
Assim tinhamos talvez a vantagem de fazermos uma grande economia, ou de com pouco dispendio mais termos uma força perfeitamente adestrada e instruída na arte militar, cousa que infelizmente não existe alli.
Constituiriamos em bases convenientes a segunda linha de que temos em cada concelho fragmentos dispersos e desordenados, e assim, ficaríamos com forças mais numerosas e mais uteis do que temos hoje.
Extinguiriamos tambem o regimento do ultramar, ácerca da utilidade do qual tenho bem fundadas duvidas.
Quando por infelicidade minha em 1881, tive de ir em serviço de inspecção aos diversos concelhos da regia o leste de. Angola, não só como curador geral mas em commissão especial do governador da província, avaliei bem o estado das nossas forças no interior.
Se o tempo m'o permitisse e se cousas taes podessem ser ditas deste logar, eu demonstraria mais clara e cabalmente a inconveniencia de continuar a actual organisação das tropas do ultramar. (Apoiados.)
Entendo tambem que o exercito deve ser um só, como é só uma a nação, o que o militar, qualquer que seja o ponto em que assenta praça deve defender o solo sagrado da patria onde quer que ella perigue. (Apoiados.) Portanto o militar que é natural de Lisboa, tem tanta obrigação de defender a integridade da metropole como a integridade das colonias, por mais longínquas e mais insalubres que ellas sejam.
É um dever de honra, a que nenhum portuguez digno deste nome, a que andam ligadas tão nobres tradições, saberia faltar.
Não ha, pois, rasão para que os militares tenham o privilegio de servir só em um ou entro ponto quando é certo que metropole e colonias são a pátria de todos nós, porque constituem a gloriosa e nobre nação portugueza. (Apoiados.)
O artigo 13.° do projecto indica as diversas despezas a que são destinados os 500:000$000 réis, e pela minha parte não me opponho a essas despezas, porque entendo que são indispensaveis.
Falta uma que é a mais reproductiva talvez, a viação, de que não podemos, nem devemos prescindir.
Visto que vamos estabelecer-nos em vima região nova cercada de feitorias estrangeiras que têem já hoje as suas correntes commerciaes estabelecidas, parece-me que seria de vantagem facilitar a essas correntes o accesso aos nossos territorios, e parece-me tambem altamente político fixar desde já uma quantia maior ou menor para a construcção de uma ou mais estradas, tantas quantas sejam necessarias para que as diversas correntes commerciaes possam convergir ao novo districto.
Tornado facil o transito, ninguem poderá competir com o nosso commercio que tem por muitas rasões a preferencia e a sympathia do indigena. (Apoiados.)
Desejava tambem fallar de um ponto ácerca do qual aqui se tem levantado larga discussão, mas desejo ser tão breve, que apenas me limito a fazer rapidas e succintas considerações.
Tem-se fallado na necessidade de reformar a secretaria do ultramar. Entendo que essa reforma é necessaria, não pelas rasões que actualmente se apontam, mas por outras que não me é licito occultar.
A reforma de 13 de setembro de 1879 é de tal modo acanhada, que por melhor que seja a vontade dos funccionarios d'aquella secretaria, d'estado, por maior que seja a sua illustração e zelo, não podem desempenhar os diversos serviços a seu cargo com a presteza que seria de desejar, e que se torna indispensavel.
Acresce que o serviço colonial augmenta constantemente.
Basta lembrarmo-nos de que a primeira repartição abrange todas as materias que na metropole são tratadas por dois ministérios, o da justiça e o do reino.
Isto é sufficiente para mostrar a urgente necessidade do reformar aquella repartição, de modo a que possa preencher cabalmente o fim a que se destina.
E assim poderemos dizer a respeito das outras.
É necessario que aquella secretaria seja organisada de modo que o seu pessoal tenha conhecimentos especiaes da administração do ultramar, e possa fornecer individuos habilitados para exercerem diversos Jogares nas nossas colonias. Deve ser a um tempo escola dos que vão para o ultramar, e apanagio dos que ali serviram com intelligencia, zêlo e probidade.
Não posso comprehender que um funccionario qualquer, que vem do ultramar onde exerceu um lograr superior ou inferior durante um certo numero de annos, com honra para si e proveito para o paiz, venha para o reino e não tenha collocação condigna, nem ao menos na secretaria do ministerio debaixo de cujas ordens esteve servindo, e onde são bem conhecidos os seus serviços e merecimentos!
Entendo que é altamente justo que ao funccionario do ultramar que tenha desempenhado o seu legar com zêlo, intelligencia e probidade, se garanta uma collocação no reino.
De outro modo não ha estimulo para bem servir nas colónias, nem será facil encontrar funccionarios babeis e zelosos que para ali vão.
Tem-se de ha muito como pratica prover nos logares superiores d'aquelle ministerio individuos, que embora muito illustrados, talvez em toda a sua vida antes de serem despachados para algum emprego da secretaria do ultramar, não tivessem pensado meia duzia de horas no que são e no que podiam e deviam ser as nossas colonias.
Ao passo que isto se faz, os funccionarios que regressam do ultramar, tendo servido honrada e distinctamente, nem sequer podem alimentar a esperança do uma collocação condigna n'aquella secretaria d'estado.
Têem como premio a consciencia de bem haverem servido o paiz, e os estragos que as febres lhes deixaram!
É muito de certo, mas não bastai (Apoiados.) Contra isto protesto com toda a força da minha indignação.
Sem garantias no futuro não é possivel encontrar para os differentes logares do ultramar pessoal habilitado; é impossivel despertar o zêlo, tão facil de amortecer n'aquellas paragens.
Poderia contar uma annedota attribuida ao contra-almi-

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rante Gonçalves Cardoso em uma das vezes que governou Angola, aneedota que demonstra bem o que pela maior parto são os funccionarios de certas classes que para ali mandam. (Vozes: - Conte, conte.)
Nomeou-se em epocha, mais ou menos remota, um director para a alfandega de Loanda; o qual se apresentou ao governador, como é de lei e estylo, ao chegar á capital da provincia.
O governador perguntou-lhe se tinha conhecimentos especiaes ácerca da administração aduaneira, ou se ao menos havia estudado as pautas da provincia, e designadamente a de Loanda, onde ia servir.
Deu uma resposta, que define a sua incompetencia e ingenuidade: «Olhe, sr. governador, disse elle, a respeito de pautas, eu só conheço aquellas por onde me ensinaram a escrever, quando era creança»! (Riso.)
O governador não mandou dar-lhe posso e remetteu-o para a metropole no primeiro paquete.
Limito aqui as minhas considerações relativamente á secretaria do ultramar; mas entendo, que desde o momento em que n'esta camara e fóra d'ella, se levanta a questão da reorganização d'aquella secretaria, lembrando uns a necessidade do petroleo contra o qual eu me iusurjo, porque entendo que com elle nada só póde organisar, antes se desorganisa e aniquila tudo, (Apoiados.) e lembrando outros, como por exemplo o sr. relator, a necessidade de aproveitar o Alviella para expurgar aquella secretaria d'estado...
O sr. Carlos du Bocage:- Se v. exa. me permitte, explico a minha phrase; porque não fui bem comprehendido.
Eu fiz uma comparação com a falta de agua, mas foi n'um sentido diverso d'aquelle que v. exa. referiu. Eu disse que poderia fazer se o alargamento das disposições do projecto tanto como o Alviella veiu alargar o abastecimento do agua na cidade de Lisboa; mas defendi a secretaria das accusações que lhe tinham sido feitas, no mesmo sentido que v. exa., accusando a estreiteza dos quadros.
Estimo muito ter esta occasião de explicar a minha phrase, porque vejo que foi entendida em sentido contrario á minha intenção. (Apoiados.)
O Orador: - Não tive intenção de attribuir á phrase do illustre deputado um sentido que s. exa. não quiz dar-lhe e que estava longe do seu pensamento, como está do meu, porque como funccionario que fui do ultramar durante quasi tres annos, só tenho, no que a mim respeita, motivo de reconhecimento para com aquella repartição do estado.
Mas desde o momento que na opinião publica se levantam tantos clamores contra ella, clamares mais devidos á excessiva e absurda centralisação de serviços do que a outras causas que desconheço, e em que não creio, parece-me conveniente que os poderes publicos a reformem no sentido mais vantajoso ao serviço.
É tempo de pensar tambem no restabelecimento do antigo conselho ultramarino, cuja extincção foi um dos maiores males para a administração colonial. (Apoiados.)
De outros assumptos quizera fallar, por exemplo da administração ecclesiastica, da administração da justiça, porque reputo insustentavel a actual situação da magistratura colonial, e nociva em uma grande parte do ultramar a legislação do processo ali vigente.
Quizera fallar tambem da instrucção publica, dos serviços do saude, da reorganisação das juntas do fazenda em ordem a tornal-as responsaveis e uteis, da reforma pautal, da alteração do systema das contribuições de repartição, da liberdade bancaria e de alguns monopolios, da emigração, da agricultura e do desenvolvimento necessario, indispensavel, urgente da viação publica; mas a brevidade que a mim mesmo impuz e que a estreiteza do tempo reclama, obriga-me a passar em silencio tão graves problemas, que ouso recommendar á illustração do nobre ministro da marinha e ultramar, certo de que s. exa. não deixará de prestar lhes a mais cuidadosa attenção.
Outro ensejo se ha de deparar para que eu possa referir-me a alguns d'esses pontos, ou a todos elles.
Não demore o nobre ministro a resolução d'estes problemas, que n'isso vae o futuro de todo o ultramar portuguez. (Apoiados.)
Mando para a mesa sete propostas relativas a diversos artigos do projecto.
O sr. relator declarou, que acceitaria qualquer substituição á palavra residente. Eu apresento duas substituições; em vez de residente, diga-se provedor ou curador: provedor, foi uma auctoridade que tivemos pela reforma administrativa de 1832, correspondente ao actual administrador do concelho; curador, é outra auctoridade que temos hoje na provincia de Angola, embora com a denominação de curador geral; qualquer d'ellas nos póde convir.
No artigo 2.° determina-se quem deve ser membro do conselho do governo e esqueceu-se o delegado do procurador da corôa e fazenda. Este magistrado é membro do conselho do governo nas provincias onde não ha relação judicial, e não me parece justo excluil-o do conselho, que se organisa pelo artigo 2.°
Ao artigo 3.° apresento a proposta que ha pouco disse.
No artigo 5.° substituo a palavra convenha por haja de. No § 1.° parece que se deixa ao arbitrio da auctoridade escolher a fórma de processo, que poderá ser ordinario, arbitral ou qualquer outro que convenha.
Eu entendo que se deve supprimir essa phrase, para evitar equivocos; e que em vez de convenha applicar-se, se diga: haja de applicar-se a legislação, etc.
Ao artigo 5.° § 2.° proponho o seguinte additamento: podendo preparar quaesquer causas eiveis, cujo valor não exceda 100$000 réis.
Pela novissima reforma judiciaria os juizes ordinarios tinham competencia para preparar e julgar processos dentro da alçada dos juizes de direito e para preparar sómente os processos cujo valor excedia a alçada d'aquelles magistrados.
Esta disposição acabou com o codigo do processo e todavia parece-me conveniente restabelecel-a em todo o ultramar e especialmente no novo districto, visto que a comarca a que se applica tem uma area superior á de todo o reino de Portugal.
É conveniente para a boa administração da justiça que os residentes, ou provedores, ou curadores, ou como queiram chamar-lhes tenham competencia para preparar os processos que excedam a sua alçada, pelo menos até certa quantia, a fim de se economisar despezas e incommodos aos pleiteantes.
No artigo 12.° n.° 1.º, concede-se o beneficio de 50 por cento aos officiaes e officiaes inferiores que forem servir no districto do Congo, mas ficaram esquecidos os soldados.
Parece-me que estes pobres servidores do estado toem tanta ou mais rasão que os officiaes e officiaes inferiores, para gosarem similhante beneficio, porque os seus vencimentos são insignificantes e de todo o ponto insufficientes.
Por consequencia proponho que a este n.° 1.° do artigo 12.° se addicione: e aos soldados. (Apoiados.)
No n.° 3.° do artigo 12.° houve um lapso de redacção; por isso proponho que se substituam as palavras: d'este projecto de lei, por: da presente lei.
São estas as considerações que eu tinha a fazer, e mais desenvolvidas seriam se, como já disse, a estreiteza do tempo não me obrigasse a deixar de referir diversos assumptos da maxima importancia para a boa e regular administração das nossas provincias do alem mar.
Vozes: - Muito bem.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Ao artigo 1.°:
Proponho que a palavra residente, que se lê no § 1.°

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d'este artigo e em outros logares do projecto, seja substituida por algumas destas : provedor ou curador. = Barbosa Centeno.

Ao artigo 2.°:
Proponho que no § 2.°, em seguida ás palavras: juiz de direito da comarca, se acrescente: do delegado do procurador da corôa e fazenda. - Barbosa Centena.»

Ao artigo 3.°:
Proponho que em seguida á palavra individuos se addicione:
... de qualquer classe civil ou militar, habilitados com o curso de alguma das escolas do reino, e... = Barbosa Centeno.

Ao artigo 5.°:
Proponho que no § 1.° se substitua a palavra convenha por haja de applicar-se. = Barbosa Centeno.

Ao artigo 5.°:
Proponho que no § 2.° se acrescente o seguinte: podendo preparar quaesquer causas civeis, cujo valor não exceda réis 100$000. = Barbosa Centeno.

Ao artigo 12.°:
Proponho que ao n.° 1.° se addicione: e aos soldados. = Barbosa Centeno.

Ao artigo 12.°:
Proponho que no n.° 3.° as palavras d'este projecto de lei, sejam substituidas por da presente lei. = Barbosa Centeno.
As propostas foram admittidas.

O sr. Presidente: - Devo dar conta á camara de um officio que foi recebido do sr. conde da Praia da Victoria, participando que não comparece a algumas sessões da camara, em consequencia do fallecimento de um seu irmão.
O sr. deputado será desanojado.
Vou agora consultar a camara sobre se permitte que sejam publicadas no Diario do governo as representações mandadas para a mesa pelos srs. Consiglieri Pedroso e Moraes Machado.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Vicente Pinheiro: - Não estranhe v. exa., sr. presidente, nem estranhe a camara, que eu me tenha inscripto a favor do artigo 1.° Eu sei zelar, como a minha dignidade me ensina, o meu logar n'esta camara de deputado da opposição; (Apoiados.) e não ha, a meu ver, a menor quebra do deveres partidarios no facto de me ter inscripto a favor d'este primeiro artigo do projecto em discussão.
Procedo com a convicção do que cumpro com as obrigações de representante do meu paiz, e busco uma occasião de expor as rasões da minha assignatura no parecer das commissões reunidas de fazenda e do ultramar, que estudaram o projecto do governo, dando ao parlamento e ao meu partido as explicações das responsabilidades que d'esse facto me advem. (Apoiados.) A minha responsabilidade n'este projecto é limitada pela minha assignatura com declarações; e, desde que não assignei vencido no parecer das commissões, é claro que no projecto ha alguma cousa que tem o meu voto e d'ahi a permissão que julgo ter de me inscrever a seu favor, sobre tudo n'este primeiro artigo, que essencialmente se resume em crear no Congo um districto da provincia de Angola e não uma provincia independente. (Apoiados.)
De mais, procuro n'este momento, como disse, uma occasião de descriminar as minhas responsabilidades n'este projecto, visto que não tomei a palavra na discussão da sua generalidade, onde talvez teriam melhor cabimento as considerações que vou ter a honra de fazer á camara.
A discussão na generalidade foi rapida, e principiou logo de tal maneira alevantada, pela exposição dos principios mais scientificos que em sociologia, e na critica superior de uma elevada philosophia, devem presidir ao estudo do complexo problema da colonisação dos povos em paizes exoticos, em meios differentes d'aquelle em que vivem os povos da velha Europa, que francamente, recuei, e entendi que a todo o tempo tinham opportunidade as minhas modestas declarações; e, que sem estorvar o andamento regular da discussão, me podia reservar para a sua especialidade.
A discussão da generalidade do projecto foi inaugurada pelo meu illustre amigo, o sr. Azevedo Castello Branco. Fez s. exa. por essa occasião um dos discursos mais scientificos e litterarios que se têem feito n'esta camara, na actual sessão, sentindo apenas pela minha parte que esse discurso fosse mais um bello exordio de uma grande oração, do que um discurso inteiramente completo, visto que foi essencialmente theorico e nada apresentou s. exa. de pratico em relação á reforma da administração colonial.
E, no que disse s. exa. ao que me parece, foi mal apreciado pela imprensa, e pela opinião geral d'esta camara. No meu entender s. exa. não defendeu a escravatura. Nem o espirito, nem a educação intellectual do illustre deputado, a isso o podiam levar. S. exa. defendeu o meio termo do systema hollandez, servindo-se até d'estas palavras, e estou certo que, se desse ás suas idéas o desenvolvimento necessario, outro teria sido o conceito que do seu discurso se fez. (Apoiados.)
Isto não quer dizer que concorde inteiramente com s. exa. nas idéas que apresentou; as minhas opiniões ácerca do ultramar são conhecidas. Os meus actos officiaes sobre o trabalho livre, tal como o temos regulamentado nas colonias de Africa, põem-me a salvo de qualquer errada apreciação. Se me demorei em referencias ao discurso do sr. Azevedo Castello Branco, a isso me impelliu apenas um sentimento de justiça e uma consideração muito particular de antiga e boa camaradagem de amisade. (Apoiados.)
Aqui termino essas referencias, declarando, que sobre a organisação do trabalho rural dos indigenas da Africa, o governo do meu paiz nada mais tem do que fazer observar as nossas leis, e que pelo exacto cumprimento d'ellas eu instarei sempre que tenha voz na tribuna parlamentar, ou que se me depare lá fóra legar em que me possa fazer ouvir. (Apoiados.)
Mas não foi só o sr. Azevedo Castello Branco que se manteve na discussão da generalidade, no campo dos principios sobre a colonização em geral; foram todos os que n'essa discussão tomaram parte, e eu desejava discutir este projecto por um lado essencialmente differente. Pretendo dar ao que disser um caracter pratico de administração.
Entendo que se não devem agora fazer discursos de principios, e quereria apenas, se isso me fosse possivel, tratar o assumpto com methodo e com factos.
Conheço a difficuldade do meu intento, e sobretudo porque me lembro agora de uma das cousas que mais caracterisa esta sessão parlamentar.
É notavel, e esta opinião vae-se fazendo, que quem consultar os archivos parlamentares d'este anno não encontra n'elles vestigios de uma lucta renhida, vehemente, entre a opposição e o governo e a maioria que elle representa no poder, mas achara n'elles documentos valiosos de estudo, que attestarão sempre quanto se tem elevado entre nós as discussões parlamentares, pela proficiencia com que têem sido tratadas n'esta sessão as questões da administração publica.
Lamento, comtudo, que os archivos parlamentares de 1885 não encerrem esses vestigios da lucta politica continua e ardente, tão necessaria ao systema liberal e condição da dignidade e independencia dos partidos fortemente constituidos.
Folgo ao mesmo tempo, que desde que a decadencia parlamentar se accentua entre nós, e que os partidos vão no

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caminho da dissolução que affecta profundamente os mais velhos agrupamentos politicos das nações estrangeiras, ao menos fiquem nos annaes parlamentares provas brilhantes de muito estudo e de muito talento, taes como aquellas que n'este annos deram oradores do merito superior do sr. Antonio Candido e do sr. Fuschini, alem de muitos outros que a camara conhece e eu escuso de mencionar.
Vou, pois, tratar, não da colonisação segundo os pontos de vista da sciencia, mas da administração propriamente dita. O que penso sobre os principios ou sobre a philosophia que deve presidir ao nosso regimen colonial, já o disse aqui, por occasião da discussão do acto geral da conferencia do Berlim; o que não disse então facilmente se deduz e se conclue dos principios que estabeleci e expuz.
Tratemos da parte administrativa.
Este projecto tem innovações na nossa administração colonial; este projecto vem quebrar aquelle systema de symetria, de unidade, de igualdade com que até hoje, desde 1834, temos constantemente legislado para o ultramar, no seguimento de uma theoria, inspirada por uma philosophia erronea, a que se póde chamar á theoria do liberalismo, na idéa de querer constantemente assimilhar o ultramar á metropole! (Apoiados.)
Terrivel idéa, sr. presidente, foi a de chamar ás nossas colonias provincias ultramarinas.
Este facto de as designar como provincias ultramarinas, principiou a fazer crer, e a arreigar no espirito de todos, a idéa de que as provincias ultramarinas eram provincias como as da metropole sómente distanciadas de nós pelo mar. (Apoiados.)
Se, pois, o projecto da organisação do districto do Congo contem uma ou outra innovação administrativa, e é uma excepção á lei geral de administração no ultramar, rasão tenho eu para applaudir essa excepção e apoiar essas innovações. O que é possivel é que as rasões que assim me determinam não se harmonisem com as idéas do illustre ministro do ultramar. Duvido que a s. exa. agrade a defeza que faço do projecto em geral, e do artigo em particular. Não me penalisa este facto, confesso-o; a minha defeza de um pensamento do governo só póde ser occasional, e faço-a segundo as minhas idéas, sem curar de saber se são ou não as do sr. ministro, tanto mais quanto eu continuo a ignorar qual é o seu plano de administração colonial. Conservou-se silencioso o sr. ministro da marinha durante a discussão do acto geral da conferencia de Berlim, e pouco disse ainda na discussão que se ventila agora.
Acceito, como disse, essas innovações, que se podem resumir em dois pontos: a maneira especial de julgar os indigenas, e a creação dos residentes, que ainda não são os residentes que tem a Hollanda e a Inglaterra, mas que é já um passo para elles.
Decreta-se uma legislação especial para o Congo, que me agrada, e que acceito, não como uma transicção, mas como uma innovação introduzida na nossa legislação ultramarina, que se deve estender ao resto da provincia de Angola.
Isto é, entendo que as simplificações de administração e a legislação especial que vão constituir a organisação do governo do districto do Congo, sejam uma base da reforma da administração da provincia de Angola, que está mal administrada, como disse o illustrado relator d'este parecer, e não uma medida transitoria para ser substituida pelo actual regimen administrativo das nossas colonias.
Nas commissões reunidas apresentei algumas idéas, que se não foram completamente acceitas pelo sr. ministro da marinha, algumas o foram com modificações.
Folgo que o projecto não indique Cabinda como capital, porque me parece que a capital do novo districto deve ser no Zaire, e não creio que outro ponto se recommende melhor do que a bahia de Santo Antonio, ponto forçado a todos que demandam aquelle rio.
As minhas grandes divergencias do projecto são a creação da comarca e a creação de novo batalhão. Desejo ao menos que esse batalhão seja composto unicamente de indigenas, commandado por officiaes europeus, e que não seja um batalhão, como os de Angola, composto de degredados e de soldados deportados, por que isso é um elemento de desordem e de anarchia.
Eu quero a força publica bem organisada e bem disciplinada, e mais tarde direi como queria que fosse organisado o batalhão do Zaire.
Uma das rasões que me fez acceitar este projecto, como disse, e o motivo que me levou a inscrever-me a favor d'este artigo, em seguida ao sr. Centeno, foi o saber que este meu collega, atacava o projecto que cria o districto do Congo, porque desejava a creação de uma provincia independente.
Eu sou de opinião que os territorios do Zaire devem fazer parte da provincia de Angola, por ser o Zaire a frontreira natural d'aquella provincia, e porque não comprehendo que vantagens haja em ter differentes governos independentes num territorio continuo, e, mais ou menos, igual nas suas condições geographicas e ethnographicas.
Não me convence o argumento que se tem apresentado em favor da creação de uma provincia independente, por se ter de adoptar um regimen economico para o Congo differente do da provincia de Angola, ficando assim, dizem, uma provincia metade livre-cambista e metade proteccionista.
Pouco importa este argumento.
O regimen economico adoptado no Congo nada tem com o regimen economico adoptado na provincia de Angola.
A provincia de Angola está destinada pela natureza da sua extensão, e da sua importancia a ser administrada sob differentes aspectos, não só em relação ao regimen aduaneiro, mas a todo o seu systema economico, sem que isso nos obrigue a quebrar a unidade politica do seu governo.
A variabilidade das suas leis economicas deve obedecer aos interesses do commercio em geral, e em particular, ás condições das suas zonas agricolas e ás differenças de altitudes das suas cordilheiras.
Nada nos obriga a ampliar o regimen da bacia convencional do Zaire á provincia de Angola.
Por mais liberal que seja o systema aduaneiro a estabelecer no Zaire, mais livre era o que havia até agora, que era a absoluta isenção de tributos.
No Zaire vão pagar-se impostos de exportação, que se não pagavam até agora, alem dos impostos especiaes para melhorar a navegação d'aquella grande arteria fluvial.
Nós, portuguezes, alem de termos até aqui a entestar com Angola estes territorios inteiramente fóra do alcance das leis fiscaes, mantivemos sempre o encargo de policiar as aguas do Zaire, sem d'ahi tirarmos outro interesse que não fosse o sacrificio de muitas vidas ao bem geral da humanidade, impedindo o trafico, e os serviços feitos ao commercio de todas as nações.
E se financeiramente crescem agora os nossos encargos, em compensação dilatámos a provincia de Angola e obteremos receitas de alguma importancia, se soubermos chamar á margem esquerda do Zaire uma grande parte do commercio do interior, que ali pode vir embarcar para a Europa.
O sr. dr. Pinto, no seu importante relatorio da sua missão ao Zaire, calcula o movimento commercial d'este rio em 6.000:000$000 réis.
Não é de crer que, immediatamente á conferencia de Berlim, augmente de um anno para o outro o commercio do Zaire.
Ha de augmentar muito o commercio na Africa central nos nossos dias, mas não se fará esse augmento de um dia para o outro.
Temos, é certo, que reformar nas pautas actuaes de Angola, mas nada nos póde levar a uma precipitação irreflectida e doutrinaria, de que resulte uma completa mudança

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do actual systema economico de Angola, só com a preoccupação pueril de harmonisar a legislação aduaneira de toda a provincia, ou com medos phantasticos de ver perder o commercio de Angola por haver ao norte do Loge maior liberdade de commercio.
Sejâmos prudentes; estudemos com mais patriotismo e menos generosos intuitos cosmopolitas, a nossa questão colonial em relação ao commercio.
Mais uma vez chamo a attenção de todos sobre este importante ponto.
Não desnacionalisem o commercio que temos com a costa Occidental de Africa, que produzem de momento uma grande crise na praça de Lisboa e destroem para sempre uma base fundamental de todo o nosso engrandecimento. (Apoiados.)
Na administração do ultramar devemos convencer-nos de tres cousas, que s ao os pontos fundamentaes que devem presidir a toda a idéa de reforma.
Primeiro, as colonias são differentes e não podem ter uma administração igual.
Segundo, não podemos reformar a administração de todas ao mesmo tempo.
Terceiro, é necessario começar por Angola.
Assente o nosso dominio nas vastas terras que descobrimos e conquistámos no ultramar, colonisámos os Açores, a ilha da Madeira e fizemos o Brazil por um systema de administração essencialmente differente d'aquelle que hoje adoptámos.
O estudo do methodo e das leis por que fizemos essas grandes obras de colonisação e de civilisação, encerra ainda hoje uma lição proveitosa, que é mister não esquecer, apropriando á actualidade os processos da nossa tradição colonial.
O systema do enfeudamento das terras conquistadas, tinha em si uma grande força que impulsionou fortemente o desenvolvimento colonial. Essa força era a unidade de acção no governo da colonia e o desafogo da sua vida local, desprendida das formalidades da centralisação administrativa da metropole. Quando o estado fez reverter a si as terras enfeudadas, constituindo-as em capitanias geraes e em estados, encontrou essas terras povoadas por colonos, por feitores e plantadores europeus, que a iniciativa particular havia para lá levado. (Apoiados.) E note-se que, depois da nação chamar á sua administração directa as colonias, ella soube transmittir aos vice-reis e aos capitães-generaes muitos dos poderes dos antigoa donatarios, necessarios ás administrações de terras e de povos afastados do reino pela distancia, pela civilisação e peia natureza propria de cada colonia.
A decadencia da India tem outras explicações que não estão na crueza e nas delapidações dos vice-reis, como não foram os capitães-geueraes de Africa que transformaram as bahias e os rios africanos em embarcadouros do escravos. A nossa decadencia colonial era uma consequencia da ruina do paiz, e ainda assim, quando a desorganisação no reino lavrava em maior grau, o Brazil tinha forças para proclamar a sua independencia. (Apoiados.)
Depois de 1834 quebrámos toda a tradição da nossa administração colonial. Dominados por um espirito de liberalismo, extraordinariamente metaphysico, outorgámos as nossas franquias constitucionaes a povos barbaros de differentes raças e commettemos o erro de dar á administração um cunho de unidade e uniformidade incompativel com a diversidade das nossas colonias, e demasiadamente pautado pelas leis administrativas do paiz. (Apoiados.)
Ficaram por esta fórma excessivamente restringidas as faculdades dos representantes do governo da metropole, e ampliaram-se os poderes das corporações locaes, que ou são estorvos na administração, ou existem apenas na lei.
Inspirados os nossos estadistas n'uma philosophia de philantropia e de liberdade pouco pratica, deslumbrados pela generosa idéa de assimilar o ultramar ao reino quando se lhes falia em descentralisação, imaginam o alargamento dos poderes locaes conferidos a corporações administrativas, como se nas colonias tivessemos uma numerosa população europêa, ou filha da colonisação ou resultante de uma emigração importante e constante.
Não ternos nada d'isso. Nós vivemos nas nossas colonias de Africa continental com um pessoal europeu essencialmente restricto, geralmente insignificante, e com poucos negociantes e agricultores, entre os quaes facilmente se apontam os que se fazem notar pela sua illustração.
As colonias differem essencialmente. O archipelago de Cabo Verde, as ilhas de S. Thomé e Principe e Moçambique, são colonias inteiramente differentes pelas suas condições geographicas e ethnographicas da provincia de Angola. Approximar a India de qualquer das colonias de Africa e pretender administral-a pelas mesmas leis, é uma cousa que mal se comprehende, como é anormal dar a Macau, que é uma cidade muito especial, uma organisação moldada por um identico typo.
Não se comprehende, não se póde admittir como principio de boa administração, a nossa absoluta identidade de legislação, nem podemos, sem inconvenientes, dar á administração de povos tão diversos e tão afastados de nós, as mesmas leis que nos regem. (Apoiados.)
E, possuindo nós tão vastas colonias, não podemos ao mesmo tempo, através das nossas difficuldades financeiras e com as necessidades proprias do desenvolvimento do continente, acudir a todas, impulsionando o seu progresso e reformando-as administrativamente.
Trata-se de conhecer as necessidades mais urgentes de cada colonia. Procure-se no seu tanto satisfazer essas necessidades; mas escolha-se a colonia que entre todas mais particularmente deva merecer a attenção governativa.
Essa colonia é na actualidade Angola, que tem já hoje importantes relações commerciaes com Lisboa, e aquella que póde, pela sua riqueza futura e pela sua posição, vir a dar-nos na Europa um papel importante e servir os interesses sociaes do nosso commercio, das nossas industrias e da emigração nacional.
Cuidemos de Angola.
Sr. presidente, quem estudar a organisação das colonias que possuem as nações estrangeiras, vê immediatamente que as organisações coloniaes variam, e em quasi todas existem duas differentes especies de leis.
As colonias de importancia pela sua riqueza e extensão de população, têem uma lei organica e fundamental, que é uma especie de codigo politico, e têem depois leis administrativas e complementares d'essa lei organica.
A lei organica, a que eu chamo codigo politico da colonia, investe de todas as forcas necessarias o magistrado superior que representa o governo metropolitano para sustentar o principio da auctoridade, a unidade politica da administração, promovendo o progresso e o desenvolvimento colonial. As leis complementares de administração buscam moldar-se nos usos e no caracter dos povos submettidos, e servir os interesses dos colonos na exploração do trabalho colonial, que obedece a leis naturaes proprias do meio em que elle se realisa.
Não quero tomar tempo á camara, nem fazer alarde de erudição, fazendo uma exposição de estudo e de critica das organisações das colonias de todas as nações estrangeiras. Faltarei d'aquellas que melhor nos podem aproveitar como modelo. Da França, apenas direi que intenta hoje corrigir os erros do passado, refazendo o seu poder colonial a fim de resolver n'elle muitos dos seus problemas sociaes, e procura readquirir no oriente a influencia que teria se os desastres da guerra de 1746 e a incapacidade dos ministros de Luiz XV, não estorvassem a realisação do plano do valente almirante Duplaix que pretendia fazer do Industão um imperio francez, sobre os destroços da confederação dos afghans e do imperio tartaro do seculo XVI.

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Referir-me-hei, pois, ás colonias inglezas e á administração das Indias neerlandezas.
A Inglaterra é a primeira potencia colonial por excellencia, embora lucte n'este momento com difficuldades que lhe arriscam a conservação do seu poder no oriente. E quando mesmo a Inglaterra decáia colonialmente em extensão de dominio em outras partes, a sua decadencia não traduzirá para esta nação um grande perigo economico, e nem por isso deixarão de ser modelos a seguir os methodos por que ella dominou e colonisou uma grande parte do mundo, espalhando por tantas e longinquas terras a civilisação occidental da Europa.
Ha pouco tempo um illustre homem de estado da Inglaterra, o sr. Forster, soltou este grito: «Vão-se as colonias inglezas!» querendo significar que o exemplo da America do norte ia ser seguido. Assim poderá acontecer; mas a nação que vê transformar-se em nações independentes as suas colonias, não perde em mérito, e ficam por muito tempo as novas nacionalidades ligadas por justos e importantes interesses á nação a que deveram as forças que lhes permittiu proclamar a sua autonomia. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
A emancipação das colonias não se traduz em ruina para a metropole.
A administração colonial da Inglaterra é aquella em que melhor se póde ver a utilidade de dar a cada colonia uma organisação propria e um systema de administração especial.
A colonia de Victoria, na Austrália, é uma colonia cuja lei politica é essencialmente uma monarchia constitucional.
O governo inglez limita-se a nomear o governador. Este magistrado representa na colonia de Victoria o poder moderador, governa com um ministerio que elle tira da maioria do parlamento.
O parlamento compõe se de duas camaras. A camara alta ou conselho legislativo (legislative council) é formado por trinta membros escolhidos entre as classes ricas e instruidas, e eleitos em seis circumscripções. A camara baixa (legislative assembly) é composta por setenta e oito membros eleitos pelo suffragio universal.
O self-governement tem uma exacta observancia no regimen politico da colonia; os poderes do governador limitam-se ás funcções de um verdadeiro monarcha constitucional.
A administração municipal existe em todas as cidades e villas de Victoria, tanto no littoral como no interior.
Os contribuintes elegem os maiores e os seus conselhos departamentaes.
Mas o que é a colonia de Victoria?
É uma colonia essencialmente europêa, formada pela colonisação e pela nacionalisação de muitos emigrantes europeus e americanos, que formam uma população de 927:000 habitantes, entre os quaes as estatisticas accusam 3:000 medicos e cirurgiões, 1:400 magistrados e advogados, 7:000 professores e 2:300 homens de sciencia e de letras.
A população indigena está quasi extincta; em 1877 havia 770 adultos e 297 creanças.
A colonia de Victoria produz trigo e gado em abundância, e não carece de recorrer á importação para alimentar a sua nova população europêa.
Comprehende-se assim a administração liberal que a Inglaterra lhe outorgou e os progressos que esta, aliás pequena colonia de Victoria, tem feito depois que em 1851 se descobriram as suas ricas minas de oiro.
Não é necessario recorrer a todas as colonias inglezas para provar o acerto com que a Inglaterra sabe escolher para cada colonia o typo proprio de administração que convem á sua maneira de ser, segundo as condições naturaes de cada uma.
Passemos á colonia do cabo da Boa Esperança.
A colonia do Cabo tem um parlamento desde 1874. O governador é tambem obrigado a escolher os seus ministros da maioria d'esse parlamento. A constituição do Cabo já não é tão livre como a de Victoria. O parlamento é composto unicamente de uma camara, e o governador é o chefe das tropas militares que a metropole manda para lá, e se escolhe os seus ministros da maioria do parlamento, ainda assim, é obrigado a seguir a politica que o gabinete da metropole lhe indica.
A população d'esta colonia é do 780:000 habitantes, sendo um terço de população europêa.
A cidade do Cabo tem 28:000 habitantes.
Temos, pois, uma organisação politica menos liberal, o que se comprehende pela situação da colonia em contacto com tribus selvagens, com menores condições de acclimação, e com um fundo importante de população indigena com leis e habitos differentes dos colonos europeus.
As pequenas colonias da costa occidental da Africa, a Serra Leôa, a Gambia, Costa da Mina, Lagos, Costa do Oiro, são governadas por um regimen mais ou menos auctoritario, sendo-lhes completamente negado o self-governement.
N'estas colonias, em geral, todos os poderes estão concentrados no governador, sendo assistido de conselhos executivos ou consultivos, que em algumas é eleito pela população, quando não é composto por funccionarios.
A differença que existe entre o extremo sul da Africa e estas possessões tropicaes explica ainda a desigualdade do systema dos seus governos.
A população europêa limita-se aos chefes e caixeiros das feitorias. A vida do europeu é difficil pelo clima, e pela falta de generos de primeira necessidade, que se importam da Europa. Ninguem procura ali o trabalho se não de levante. As casas commerciaes são obrigadas a substituirem, de tempos a tempos, os seus empregados ou a conceder-lhes licenças para virem restabelecer a sua saude nos ares patrios. Os negociantes, feitas as suas fortunas, trespassam as feitorias. A emigração europêa e sempre limitada em numero e em illustração, e materialmente só trabalha o negro, que os inglezes sabem educar no ensino da lingua ingleza, um pouco melhor do que nós, a bem do seu commercio.
Em taes condições, um governo descentralisador, com corporações administrativas, seria um erro que a Inglaterra jamais praticaria.
Mas não pára n'estas colonias o typo das administrações auctoritarias.
Na ilha da Assumpção a auctoridade do governador é absoluta. A lei equipara essa ilha a um navio surto no alto mar. O governador é - le maitre apràs Dieu.
Na ilha de Ceylão, que é uma colonia com 2.500:000 indigenas, e cuja capital tem 100:000 habitantes, a administração faz-se ali com um pequeno numero de empregados inglezes.
O notavel professor Ernesto Haekel, que visitou em viagem scientifica a India ha dois annos, escreve no seu interessante o bem feito livro, Lettres d'un voyageur dans l'Inde, phrases de verdadeira admiração sobre a simplicidade com que é governada a bella cidade de Colombo, que, como disse, tem 100:000 habitantes, população que não só as nossas mais importantes cidades do ultramar, mas até alguma das nossas colonias, estão longe de ter, como estamos tambem longe de possuir esta simplicidade de administração.
Que difficuldades acarretam á nossa administração o nosso complicado organismo administrativo, falho de pessoal em numero e em qualidade! (Apoiados.)
Do Canadá não fallo. É uma confederação, que desde 1867, vive quasi independente, e cuja população cresce na proporção de 50:000 almas, sendo o elemento - imigrante - de 27:000, inglezes, allemães, italianos, etc.
Mas fallemos da India e assentemos desde já este ponto importante: as administrações das colonias inglezas, va-

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riando segundo as suas condições geographicas e o caracter dos seus habitantes, mantêem uma base lixa, que é uma lei politica especial para cada colonia, e n'essa lei fundamental estatuem-se faculdades superiores concedidas ao poder central, isto é, o governador da colonia como representante do governo, da metropole é sempre revestido do supremo grau de auctoridade, claramente expresso na lei, quer elle desempenhe as funcções de poder moderador, que é em toda a parte o mais elevado grau da gerarchia politica e como tal cercado de considerações e auctoridade moral, ou intervenha no poder executivo com maiores ou menores faculdades de administração.
Na India ingleza, depois dos actos dos annos 24.°, 25.°, 28.°, 32.° e 33.° do reinado da rainha Victoria, o governador, assistido de um conselho, tem o direito de fazer leis - to make laws, para todas as pessoas originarias da Gran-Bretanha, da India ou de outros paizes que residam nos territorios da India ingleza, quer nos territorios administrados directamente pelo governo inglez, quer nos governados pelos principes Indianos sujeitos á corôa britannica. Este conselho, com que o governador faz as leis, é composto de cinco membros, encarregados do gerirem os negocios estrangeiros, a fazenda publica, a administração em geral, a administração militar e as obras publicas. O commandante em chefe do exercito é membro extraordinario do conselho.
O governador, militar ou civil, mas quasi sempre civil, se não commanda directamente o exercito da India, como chefe superior da administração, tem intervenção n'esse cominando e tem casa militar, o que se comprehende, porque toda a organisação colonial desde a mais rudimentar á mais desenvolvida e ampla, se assemelha sempre á constituição de um estado de que é primeiro magistrado o governador, como representante do poder central da metropole.
Por isso, os governadores civis têem estas honras e esta auctoridade, pela mesma rasão que a constituição dos Estados Unidos, no artigo 2.°, da secção 2.ª, diz que: o presidente da republica é o commandante em chefe das forças de mar e terra dos Estados Unidos, e da milicia dos differentes estados, quando for chamada ao serviço activo.
O governador da India ingleza tem, pois, o poder de fazer leis, de accordo com o seu conselho - leis especiaes; com relação ás leis geraes elle está collocado sob as vistas do governo da metropole, com o qual se acha em communicação constante por intermedio do telegrapho que lhe transmitte a politica e as ordens, pensadas e discutidas na secretaria d'estado dos negocios da India, de que faz parte um conselho, de que é presidente o respectivo ministro, composto de quinze membros, oito dos quaes são de nomeação da corôa, tirados sempre das pessoas que tenham residido pelo menos dez annos na India.
As nomeações dos cinco membros do conselho do governador da India, do commandante do exercito e dos governadores das presidencias e das provincias, pertence ao ministro de estado da India. Os outros funccionarios são da nomeação do governador sujeita á approvação do secretario d'estado.
Com esta organisação politica, cujos traços geraes indiquei, governam-se 239.395:498 habitantes.
Sempre, em todas as organisações coloniaes a que me tenho referido, existe uma certa autonomia da administração local, seja qual for a fórma que ella revista.
Entre nós acontece exactamente o contrario. É occasião de se dizer qual é o verdadeiro motivo por que todos que estudam as questões coloniaes atacam a secretaria de marinha e se insurgem contra ella.
A secretaria de marinha soffre as consequencias das idéas erroneas a que obedece a nossa administração colonial, e é victima da sua detestavel organisação.
Entende-se entre nós que as colonias se devem administrar directamente do ministerio do ultramar e que o meio de as fazer progredir é dar-lhes uma organisação simula ante aos nossos districtos administrativos.
A secretaria do ultramar mette-se em tudo, nos pontos mais insignificantes da administração local, pretendo nada ignorar e o resultado final é as mais das vezes o não saber cousa nenhuma.
Os governadores se, por uma excepção muito rara, usam da faculdade do § 2.º do artigo 15.° do acto addicional da carta, são admoestados, e por isso elles preferem, quando têem de fazer qualquer acto do governo, basear-se nas suas portarias em auctorisações de caracter particular do ministro, recebidas até pelo telegrapho, do que revestirem os seus actos, legalmente, com a citação de uma lei constitucional.
As faculdades ordinarias mais amplas que têem, provem-lhe do codigo administrativo de 1842, um codigo feito para o reino e de uma pratica ridicula e tumultuaria nas colonias. (Apoiados.)
Ultimamente tem-se concedido a alguns funccionarios coloniaes o direito de se corresponderem directamente com o ministro do ultramar, de fórma que muitas vezes chegam ao ministerio informações contrarias, e como se generalisa a idéa de que ha nas colonias mais do que um funccionario da confiança do governo, produz-se uma tal confusão e anarchia, que faz entrar na intriga colonial a secretaria do ultramar, e sacrificam-se governadores aos interesses particulares dos apadrinhados. (Apoiados.)
É necessario definir as attribuições que devem pertencer á secretaria da marinha e as que devem pertencer ás colonias. É necessario fazer uma divisão de trabalho da nossa administração colonial.
Sem este trabalho previo, em que deve assentar uma salutar reorganisação da secretaria do ultramar, é impossivel até termos os conhecimentos necessarios ao estudo das nossas colonias.
Por exemplo: eu lanço mão de um livro qualquer para estudar uma determinada colonia estrangeira e sei immediatamente tudo quanto ha em relação á estatistica, a costumes, a densidade e qualidade da população, á sua arca
geographica, ás condições do seu clima, ao seu estado de producção, encontro emfim todos os elementos de estudo, sobre os quaes só é licito basear um systema de administração. Na nossa secretaria do ultramar não ha trabalho algum completo d'este genero em relação a nenhuma colonia. Não é porque não sejam do ultramar enviados alguns d'estes elementos, mas é que no ministerio, não ha materialmente tempo de os systhematisar, de os coordenar. Tantos são os negocios e as pequenas questões que mensalmente: chovem das nossas colonias sobre aquella secretaria, que o tempo não chega para estudos de uma certa ordem. Tudo leva um tempo enorme a resolver e quasi sempre se resolve mal. Só quem tem estado na secretaria da marinha em dia de paquete é que faz idéa d'aquella atrapalhação.
Não são os homens os culpados. O talento de muitos e a boa vontade de todos não póde ser superior aos defeitos da nossa organisação administrativa. (Apoiados.)
A formula para mim de uma reforma larga está em descentralizar a administração da metropole e em a centralisar nas colonias.
Sem a acceitação d'este principio pouco podemos melhorar. E note-se que eu quero levar a intervenção da colonia á confecção, a serio, dos orçamentos que, sem se dar este passo, eu não creio na reforma financeira do ultramar; com proveito para as colonias o para a fiscalisação dos dinheiros publicos feita na metropole. Largo capitulo poderia aqui abrir sobre os orçamentos das provincias ultramarinas e sobre a sua violação, por ordens do ministerio, se me propozesse a tratar especialmente d'esta parte da administração.
Se a administração de Angola é má, e é necessario reformal-a, se a população europêa n'esta provincia não é

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numerosa, nem tem probabilidades de augmentar em importancia e qualidade, se o trabalho agricola é explorado pelo branco e feito pelo preto, se os indigenas sujeitos á nossa civilisação se limitam aos poucos que trabalham nas fazendas e nos servem nas feitorias, nas cidades e nos que estão alistados no exercito, convirá a Angola uma organisação como a de Victoria, como a do Cabo ou como a da India? Claramente que não.
Nem tão pouco se lhes deve apropriar qualquer das organisações rudimentares das colonias inglezas da costa da Mina e da costa d'Oiro.
Evidentemente Angola carece de um systema adequado ás suas condições especiaes e não se póde continuar a administrar por uma fórma igual áquella com que devemos administrar a India, onde deixámos uma colonia de descendentes de puro sangue portuguez, onde ternos uma parte da população feita pelo nosso crusamento, e onde existem os representantes de uma velha e nobre raça, que pertenceu a uma antiga civilisação, e que soffreu os golpes de D. Francisco de Almeida - que para vingar a morte de um filho seu parecia querer beber o sangue do oriente todo, se um Albuquerque successor da sua crueldade e seu governo lhe não viera tirar das mãos a espada! Como Jacintho Freire fez fallar Coge-Cofar ao rei de Cambaia.
Ali existem outros elementos e a raça indigena tem um outro grau de progresso que não tem o preto. (Apoiados.)
A organisação a adoptar como typo para Angola, a meu ver, é o systema colonial neerlandez.
Convem, porém, distinguir na administração colonial holandeza duas cousas. É necessario distinguir o systema, isto é, a philosophia predominante no systema colonial holandez e a sua organisação administrativa.
O systema de explorar 14.000:000 de homens pelos monopolios das culturas ricas, pelo trabalho forçado e pelo emprego de todos os horrores a que dá causa a exploração organisada como principio fundamental de todo o systema colonial, que ultimamente tão grandes clamores tem levantado, não o recommendo eu como exemplo.
A nossa tradição colonial não é essa.
Nós emprehendemos as navegações e as conquistas com, outro espirito aventureiro em que havia cavalheirismo e fé, e as rudezas das crenças de então, explicam ainda muitas das barbaridades commettidas por nós.
Os hollandezes, ao contrario, appareceram nos mares em perseguição das armadas catholicas de Filippe II; buscavam destruir o poder dos seus inimigos, e o seu espirito mercantil levava-os a estabelecer feitorias.
Nós fomos por outra fórma.
Em nós havia a intenção de propagar a religião catholica, de fundar e conquistar reinos e imperios. Os valentes marinheiros da Zelandia, corridas as frotas d'aquelle que pretendeu impor á patria de Guilherme, o Taciturno, e de Mornix uma religião que não queriam, tinham só por ideal o mar livre em favor do commercio das especiarias. (Vozes: - Muito bem.)
Assim se estabeleceram as feitorias hollandezas do oriente, que passaram para a administração da poderosa companhia das Indias orientaes, formadas pelos negociantes de Amsterdam, de cuja posse passaram as mais importantes ilhas da oceania para o estado que hoje continua a exploral-as.
O systema de exploração é condemnavel, mas a organisação da sua administração, posta ao serviço de outras idéas, quer-me parecer boa.
Eu sei que actualmente na Hollanda se ataca muito a administração das suas colonias, depois que desappareceram os saldos, principalmente, e que a questão colonial é hoje no parlamento uma questão aberta.
Podia citar nomes, como Van der Hoeven, Van Putte, Van Henkelom e outros, que combatem o systema hollan-dez, mas o que eu sei tambem é que o conde de Beauvoir no seu excellente e curioso livro sobre Java, Sião; e Cantão, conta com enthusiasmo os processos simples do mechanismo administrativo de Java, por fórma que me não posso furtar a dar conta á camara, lendo do seu livro um periodo, que é uma amostra clara da superior e bem entendida organisação d'esta colonia.
Diz o sr. de Beauvoir a pag. 178 do livro que citei: «Este poder exerce se de uma maneira tão simples quanto economica: admirar-vos-heis de saber que o estado maior de um exercito de 27:000 homens (11:000 europeus, 15:000 indigenas e 1:000 africanos), conta unicamente 2 generaes, 2 coroneis e o máximo 4 tenentes-coroneis. Nas Indias um capitão commanda muitas vezes uma expedição que entre nós se julgaria bastante importante para a confiar a um gereral.»
Vejam a simplicidade com que o elemento militar nas colonias hollandezas está organisado. Comparem com a organisação dos nossos exércitos da Africa occidental e oriental. E notem que nas colonias hollandezas ha potentados independentes, posto que o governo dos seus principados seja dirigido indirectamente pelos residentes. Esses principes têem luxuosas côrtes, largas regalias, que sabem zelar, descendentes da casta superior dos guerreiros do Himalaya, vivem entre festas apparatosas, obrigando os seus subditos a trabalhar para o governo hollandez, que lhes sustenta o luxo e a vida de prazeres, porque lá, como em toda a parte, quem trabalha é o paria. (Vozes: - Muito bem.)
Quando qualquer potentado se intromette nos negocios ou na vida particular do seu vizinho, a força publica tem de restabelecer a paz violentamente.
A Hollanda tem actualmente um deficit colonial. Esse deficit é de 3.200:000$000 réis; e desde que esse deficit existe, é que todos os hollandezes, como disse, atacam o seu systema; emquanto houve saldos coloniaes, ninguem o combatia. (Apoiados.)
Os rendimentos, porém, das Indias orientaes são consideraveis. O orçamento de 1883 calculava a sua receita em 53.607:000$000 réis.
A despeza do ministerio das colonias na Hollanda é de 449:000$000 réis. A despeza do nosso ministerio do ultramar, pelo ultimo orçamento rectificado, foi de 760:000$000 réis.
A Hollanda tem uma esquadra que se compõe de 138 navios; entre estes navios contam-se: 32 navios blindados, 95 vapores (30 corvetas, 31 canhoneiras, 22 barcos torpedeiros, 12 vapores); 6 navios de porto, 10 navios escolas, etc.
O effectivo da sua marinha em 1883 era de 6:641 homens, sem contar 600 milicianos de marinha e 1:177 marinheiros indigenas em serviço nas Indias.
O orçamento do ministerio da marinha é de réis 4.740:000$000, numero redondo.
Nós temos uma esquadra composta de 22 navios e um effectivo de 3:063 homens, incluindo os officiaes, e as despezas do ministerio da marinha excederam, no orçamento rectificado do exercicio de 1884-1885, incluindo as despezas extraordinarias, 2.000:000$000 réis.
Estas approximações tornar-se-íam mais interessantes, se comparassemos agora as áreas dos territórios das duas nações, as suas populações, as suas situações economicas e a extensão das colonias dos dois paizes.
Vejâmos, porém, a administração da India hollandeza.
Aqui tenho a sua lei orgânica. O primeiro capitulo inscreve se: «Da composição do governo da India hollandeza».
O artigo 1.° diz:
«O governo das colonias e possessões do imperio na Azia, fórma o territorio da India hollandeza, e é exercido em nome do rei por um governador geral, segundo as disposições deste regulamento. Todo aquelle que habitar a India hollandeza é obrigado a reconhecer o governador geral como o representante do rei, e de o respeitar e lhe obedecer como tal.»

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O capitulo 2.° trata das attribuições e deveres do governador.
Tem este capitulo quarenta e quatro artigos. N'elles lhe são definidas as suas largas faculdades e regulamentado o conselho das Indias, formado tambem por cinco membros.
Os artigos 37.° a 40.° corrigem as amplitudes dos poderes concedidos ao governador geral, definindo a sua responsabilidade e estabelecendo a forma do processo da sua accusação e julgamento, perante o parlamento hollandez.
Segue-se o capitulo 3.º e o capitulo 4.°, o primeiro dos quaes trata da administração geral e o segundo da administração provincial e local.
O capitulo da administração geral tem tres artigos sómente e o da administração provincial sete.
Comprehende-se a rasão. Esta lei é uma lei de organisação politica: contem apenas as bases da administração. O resto depende das leis de administração propriamente dita, de leis complementares e de regulamentos especiaes, n'uma grande parte feitos e promulgados em Java.
Sr. presidente, se compararmos os quarenta e quatro artigos do capitulo 2.° da lei hollandeza, sobre as attribuições do governador gorai, com as disposições dos treze artigos da lei de 2 de dezembro de 1869, que é a nossa lei organica colonial, fica-se espantado como para se governar a India hollandeza são necessarios quarenta e quatro artigos, emquanto que nós, para governarmos seis provincias ultramarinas, inteiramente differentes, temos apenas treze artigos!
Esse espanto cresce, quando sabemos que administrativamente a lei de 2 de dezembro de 1869 se completa com a execução do codigo administrativo de 1842, feito para o paiz e mandado vigorar na Africa e na Oceania, em pontos aonde a colonia europêa é essencialmente limitada, insignificante a população indigena civilisada; terras, emfim, onde a grande massa das populações ou são rudes, ou selvagens. (Apoiados.)
As leis complementares do systema colonial hollandez, como as leis administrativas das colonias inglezas, suo leis especiaes e proprias dos povos e das colonias em que têem execução.
As leis de administração de justiça e de administração hollandezas são differentes para os indigenas e para os europeus, com processos especiaes para as suas reciprocas relações.
São justamente estes principios que entendo que é necessario levar para toda a provincia de Angola, dando aos residentes, que nós felizmente creámos n'este projecto ainda que mais em nome que era attribuições, o seu verdadeiro caracter. (Apoiados.)
Não quero que se faça uma reforma profunda na provincia de Angola, mas desejava que se acceitassem algumas cousas da organização neerlandesa, e que nos deixassemos da phantasia de transplantar para Angola as nossas corporações administrativas, como, por exemplo, as camaras municipaes.
A Hollanda deve a sua nacionalidade aos municipios.
Nas guerras com a Hespanha, as cidades hollandezas, entre as quaes Leyde, foi de um heroismo epico, repellindo a invasão estrangeira, fortaleceram por tal fórma o principio municipal que se tornou o elemento preponderante do governo da Hollanda, e desde então para cá, toda a administração do paiz assenta sobre o poder municipal. (Apoiados.)
É justamente porque o municipio na Hollanda tem uma tão grande extensão, que elle tende a abusar ás vezes por ter no largo exercicio de muitos annos de poder, creado uma forte e rica burguezia; n'essas occasiões, o poder central intervem a favor do povo.
Esta tradição é antiga e por isso os Oranges são estimados na Hollanda. (Apoiados.)
A Hollanda, apesar d'esta influencia, que n'ella tem o municipio, nunca pensou em crear nas suas colonias camaras municipaes.
Agora mesmo póde a Hollanda reformar sob um ponto de vista mais liberal a administração colonial das Indias neerlandezas, mas camaras municipaes é que ella não creará com certeza.
Pois o que são as camaras municipaes?
Os municipios nasceram na civilisação por um espirito de reacção da tribu pastoril e agricola contra a banda guerreira.
Esta reacção nasceu por um determinismo biologico, que produziu a communa, o burgo, o municipio.
Quem attentar na historia da civilisação e estudar as raças aricas em todas as suas crises mais definidas e as suas catastrophes mais complicadas, vê que ellas devem sempre a sua salvação ao municipio, como elemento de liberdade local contra o centralismo.
A renascença occidental do seculo XII, quando na Italia cada cidade era um municipio, deveu-se ao elemento municipal.
Mas uma cousa é o seu apparecimento por uma ordem natural, outra cousa é a sua creação artificial n'um meio exotico, e onde não povoações - brancas importantes. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Temo-l'as nas cidades do littoral, onde apenas ha insignificantes populações europêas, fluctuantes. Já agora deixemos ficar essas, visto que commettemos o erro de as crear, mas nada de crear ou conservar camaras municipaes no interior, em qualquer reforma de administração que se faça para Angola. (Apoiados.)
Stanley n'uma conferencia que fez contra nós em Manchester disse: «Dêem aos portuguezes o Congo, que no dia seguinte têem lá camaras municipaes».
É que as camaras municipaes são a final obstaculo á civilisação na Africa.
O dr. Winckel, que foi em Java advogado junto do conselho de justiça de Samarang, escreveu este livro - Essai ser les principes régissant l'administration de la justice aux Indes orientales hollandaises - que é um commentario de merecimento da organização de justiça em Java e em Madura.
São mais ou menos conhecidos os tribunaes indigenas das colonias hollandezas, ordinariamente presididos pelos residentes, e são simples as fórmas do seu processo.
Alguns potentados gosam mesmo de uma autonomia judiciaria.
Os europeus são julgados por leis que buscam concordar com as leis de justiça hollandeza e quasi todos os processos são revistos pelo tribunal superior da India hollandeza, cujo presidente é nomeado e demittido por decreto real. As relações entre europeus e indigenas têem, tambem, processos especiaes e o contencioso administrativo tem uma resolução prompta e immediata na colonia, intervindo o governador geral com o conselho da India, segundo os preceitos do acto legislativo geral.
Accusa muitos erros n'esta organisação de justiça o dr. Winckel, mas chega-se á conclusão do que o mau d'estas leis provem mais do systema de exploração que a Hollanda exerce sobre os javanezes, que da sua fórma e dos seus preceitos. Assim como tambem muitas das suas estravagancias se explicam pela propria originalidade das leis e dos costumes hollandezes. (Apoiados.)
Este auctor não combate fundamentalmente a necessidade de uma organisação especial, nem condemna a maior parte das disposições existentes; aponta abusos, e tanto que elle se queixa do parlamento hollandez se metter a fazer leis de vez em quando, ainda que leis geraes, para as colonias, sem um cabal conhecimento do que as cousas são em Java. E mais diz que apesar dos estudos especiaes, que os magistrados e os funccionarios trazem da metrópole, são surprehendidos pelo que encontram na colonia. O que é certo é que na Hollanda se preparam com es-

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tudos muito especiaes os funccionarios coloniaes. Os que se dedicam á magistratura judicial ou civil tomam os seus graus de doutores, estudando na universidade de Delft: direito mahometano, instituições e costumes dos povos das Indias neerlandezas; direito publico e organisação das colonias do estado e das possessões ultramarinas. Os empregados habilitara se com o curso da lingua e litteratura do archipelago Indiano, comprehendendo as seguintes disciplinas : o árabe, as instituições do islanismo, o sanskrito, a archeologia das Indias, a geographia physica do archipelago, a litteratura e a lingua malaia e javaneza, a historia da litteratura, da antiguidade e das instituições usos e costumes da raça malaia.
Aqui tem a camara a maneira como n'aquelle paiz se instruem os funccionarios coloniaes. O funccionalismo vão preparado com estas grandes bases para poder desempenhar-se da sua missão; e bem remunerado, e se não serve ou não está contente, o governador geral demitto-o e tem sempre quem o substitua.
Tenho para mim que, embora existam erros na administração colonial hollandeza, ella, é ainda no seu mechanismo um grande modelo de estudo.
Referindo-me ao livro do dr. Winckel indiquei que difficilmente se comprehendia, que a organisação colonial hollandeza não d'esse occasião na pratica a grandes e condemnaveis abusos, pelo facto d'ella obedecer toda a um pensamento systematisado de exploração.
De um artigo notavel do sr. Roorda vau Eysinga, distincto official de engenheria que serviu em Java, publicado ha dois annos na Revista de philosophia positiva, concluo eu o mesmo. O que, fundamentalmente, ha a condemnar é o systema de exploração e não a organisação politica, administrativa e judicial das colonias hollandezas.
Este artigo, de que vou citar um ou outro ponto, é escripto como resposta e observação a algumas considerações feitas em artigos publicados na mesma revista por dois illustres publicistas, os srs. de Fontpertuis e Pène-Siefert, que têem tratado de estudar qual o melhor systema que a França deve seguir no seu desenvolvimento colonial. E não estão longe estes dois escriptores de concordarem que na Cochinchina se deve adoptar o systema de organisação administrativa, que a Inglaterra tem na India, e que á Africa intertropical convem a organisação administrativa das Indias neerlandezas.
É claro que nenhum d'elles foi a Java; e, sem uma observação directa do modo como fuucciona essa administração, são naturaes os erros de apreciação e as demasias do enthusiasmo. A leitura, porém, do artigo do sr. Rooda faz-me a impressão que expuz.
Como é possivel, por acaso, deixar de ser abusiva e criminosa uma administração que se inspira em idéas como as que resaltam do seguinte periodo: «Mas as cousas não se passam tão livremente. Alguns eleitores da metropole prefeririam ter um caminho de ferro, ou um canal, ou um edificio escolar, sem tirar o dinheiro da sua propria bolsa; fatigam de pedidos o seu deputado obsequioso que declara que Java poderá ainda produzir algum café. Java é a vacca a mugir, a bomba aspirante que deve fornecer oiro. O ministro, para o continuar a ser, ordena ao governador geral que plante mais café. Este repete a ordem ao director do interior, e a ordem desce a escala hierarchica.»
Que importa que tantas vezes o chefe da aldeia, os povos clamem que o solo está gasto, que a altitude do terreno não convém a esta cultura? Uma unica resposta recebem essas vozes: o governo ordenou.
O preço do trabalho para o governo paga-se com um salario muito inferior ao que offerece o particular. É necessario que o preço do picol do café attinja uma alta cotação no mercado, para que elle se reflicta n'um augmento para o indigena, que faz as suas vendas ao governo. A cultura do opio e um monopolio. Finalmente, o trabalho forçado do javanez é terrivelmente penoso, e elle luta com uma crise filha do augmento da familia e do empobrecimento das terras cansadas de produzir.
N'este crescente de exigencias do trabalho do javanez comprehende-se uma ruina fatal como fim natural. E o governo da Hollanda tem de mudar de systema e de procurar as suas receitas em novas fontes, a não correr o perigo de uma grave crise. Muito têem já dado á metrópole as suas possessões.
Ha na Hollanda um adagio popular que diz: «Deus fez o mundo e um hollandez a Hollanda».
A Hollanda vive noite e dia vigiando a segurança dos seus diques. Tem feito obras de esgotamento muito importantes como o do esgoto do lago de Harlem, e vae emprehender, n'este genero, obra ainda mais assombrosa como é o esgotamento do golfo do Zuiderzée.
De obras tão colossaes pela sua difficuldade, custo e importancia carece a Hollanda para que ella subsista e prospere; simplesmente é tempo, em verdade, de ser sómente o trabalho dos Indios quem as pague.
O distincto engenheiro auctor do artigo de que acabei do ler um periodo, cita mais adiante uma phrase caracteristica de um ministro que não se envergonhou, como elle diz, de escrever ao governador geral da India, as seguintes palavras: «É necessario que Java seja sempre a cortiça sobre a qual a Hollanda possa fluctuar».
Ora, desde que principios d'esta ordem presidem a uma administração colonial, por melhor que ella seja organisada, ha de logicamente, ser má a sua pratica e produzir vicios que explicam o seu descredito.
A minha formula: descentralisação da metropole quanto possivel e centralização na colonia, tem na organisação colonial hollandeza uma completa observancia e julgo-a a base essencial de uma util reforma para Angola.
Os poderes locaes, para poder haver administração fecunda, larga e energica, carecem de uma vasta iniciativa e não lhes quadra uma descentralisação regulada pelas nossas administrações locaes, por serem as suas condições totalmente differentes no seu meio, na sua vida economica e civil. O ministerio do ultramar occupando se superiormente da administração, da politica colonial baseada em elementos de trabalhos especiaes, e na organisação dos conhecimentos proprios e necessarios ao estudo de cada colonia, reveste-se a si de outra força, de outro valor moral e scientifico, consolidando ao mesmo tempo o principio de auctoridade no ultramar. (Apoiados.)
Administrar as colonias do reino intervindo na nomeação de todos os empregados, na promulgação dos mais insignificantes regulamentos provinciaes, na apreciação o direcção das obras publicas de somenos importancia, e pondo de parte as indicações e os trabalhos dos governadores, que se pretende que sejam apenas manequins á disposição das phantasias dos governantes de cá, é um systema que deve terminar.
Governar é uma sciencia, e é necessario assentar este principio na pratica, fazendo as reformas necessarias que permitiam possuir os elementos indispensaveis a uma boa administração colonial.
Contava ver tomar parte n'esta discussão o illustre parlamentar o sr. Julio de Vilhena, que sinto não ver presente agora, ainda que ha pouco tivesse esse prazer, e desejava referir-me com largueza ao seu codigo administrativo do ultramar.
Sinto deveras que s. exa. não tomasse a palavra na discussão d'este projecto, como aliás o faziam suppor as suas declarações nas commissões, porque tenho de dizer que o seu codigo é o cumulo da theoria da assimillação da administração do reino ao ultramar, e como tal merece toda a minha reprovação.
A sua execução seria funesta.
Antes me quero com a lei de 2 de dezembro de 1869, que ainda se parece alguma cousa com uma lei de organisação politica, e que se fosse acompanhada de leis espe-

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ciaes de administração proprias a cada uma das nossas colonias teria dado outros resultados.
A camara far-me-ha justiça de não ver n'estas palavras nada de desrespeitoso para com um cavalheiro cujo talento reconheço. Contraponho apenas idéas a idéas. (Apoiados.)
Se me queixo das limitadas faculdades concedidas aos governadores, como posso eu acceitar como base da legislação colonial um codigo administrativo que é quasi a copia do nosso actual codigo, em que s. exa. trabalhou, e do qual se levantam diariamente queixas contra a insignificante esphera de acções que este codigo concede aos governadores civis, limitados a fazer a politica pequena dos partidos e a recommendar ao governo os despachos e as mercês dos influentes eleitoraes.
Imagine-se isto no ultramar!
Ainda hontem um illustre membro d'esta casa, e meu amigo, que ha pouco exerceu as funcções de governador civil, se me lamentou da impossibilidade de presidir e dirigir as administrações districtaes com o actual codigo administrativo.
E nós, que sabemos a que mãos vão parar, nos nossos districtos, a administração nas juntas geraes, nos concelhos de districto e nas camaras municipaes podemos, sem grande esforço, nem necessidade de provada competencia, calcular como se podem compor as corporações administrativas na Africa, e como as nossas colonias são economicamente pequenas e populosamente insignificantes, para complicar com processos de uma civilisação adiantada um organismo social muito rudimentar. (Apoiados.)

u sei que o governo tem pressa de ver terminar esta discussão.
Quando pela primeira vez fallei em questões coloniaes com maior largueza, ataquei o sr. ministro da marinha a fim de ver se s. exa. tomava a palavra; não me cansarei n'esta occasião em repetir esse ataque porque seria, naturalmente, de novo infructifero.
O governo tem pressa e não quer perder tempo em discussões. As conveniencias do governo não sacrifico eu o que entendo ser o meu dever.
Não tenho culpa que o tempo falte para os arranjos politicos do governo. Ainda que me parece que, quem teve o parlamento aberto até agora, podia tel-o por mais alguns dias e tratar com mais vagar a questão colonial; (Apoiados.) e tratal-a com reflexão, tratal-a como ella deve e merece ser tratada.
Este é o momento em que se devia discutir amplamente a administração ultramarina, como a questão do Zaire foi a occasião propria para discutir a politica colonial. (Apoiados.)
Infelizmente a decadencia do parlamentarismo, como disse, é já tão grande que chega até nós. Emquanto, porém, se não tenta substituil-o por novas fórmas mais recommendaveis, e por novas praticas de maior seriedade, fiquem os meus simples protestos n'este logar, e socegue o nobre ministro da marinha que eu não o incommodarei d'esta vez com as minhas objurgatorias.
O sr. Andrade Corvo no relatorio que apresentou ao parlamento na sessão de 1875 escreveu estes conselhos:
«É preciso que a administração em Angola vá perdendo cada vez mais o seu caracter militar, mas sem perder nada da sua força. As auctoridades devem compenetrar-se da idéa de que a sua missão é de paz, e de que na moralidade dos seus actos está a mais essencial condição da sua influencia e prestigio. Não é, nem deve ser o nosso systema de administração colonial fundado no poder das armas ou na separação absoluta dos interesses da raça europêa, e da raça indigena, ou no exterminio d'esta; o nosso systema de administração colonial não póde parecer-se, nem de longe, com o de outras nações onde o exclusivismo de raça parece dominar todos os outros sentimentos.»
É com estes principios, como base da nossa acção na Africa, que eu quizera ver adoptar uma administração em Angola similhante á de Java, e ir andando com ella pelo interior dentro, dominando os sobas e chamando ao trabalho e ao convivio da civilisação os povos negros.
Não ponho de parte as estações civilisadoras, nem as missões religiosas, quando estas percam o seu caracter platonico, e se tornem pequenos centros de educação e de trabalho. Pouco se me importa que os padres tenham de comprar os seus discipulos, como conta o sr. dr. Pinto no seu relatorio, que aconteceu á missão de Landana. O que é necessario é que as missões sejam pequenas, mas importantes centros do educação pelo trabalho agricola, como ali succede, e que nos povoados onde o nosso dominio for mais amplo pelo desenvolvimento da nossa civilização, cada missionario seja um professor da nossa lingua.
Pouco ganhamos com a pregação da fé dos nossos frades; o seu espirito asceta impellia-os para a cathechese do gentio que é uma utopia.
Temos de realisar a nossa influencia na Africa e desenvolvermos o futuro de Angola, por processos differentes dos que seguimos até hoje.
Precisamos dar protecção ao nosso commercio e fazei-o manter e alargar as suas relações com a costa de Africa o curar de fomentar o maior desenvolvimento agricola. (Apoiados.)
A educação do preto só se fará pelo trabalho regulamentado por leis especiaes, mas livre, e ainda bem que na maior parte de Angola só as suas condições climatologicas permutem o arduo trabalho das plantações ao indigena, sob a direcção do europeu, que n'isso está uma vantagem que temos em conservar ali o nosso poder e em podermos influir na civilisação.
Porque, embora o sr. ministro da marinha dissesse aqui, na primeira sessão em que se discutiu este projecto, que era velha a classificação das colonias, em colonias propriamente ditas, em feitorias e em fazendas; esta classificação não é tão velha como s. exa. julga.
Por isso o sr. Consiglieri Pedroso, meu amigo e erudito professor, lhe soube replicar, muito a tempo, que emquanto Rocher sustentar na Allemanha essa classificação, ella não perde o seu merecimento e a sua actualidade na sciencia. (Apoiados.)
O que eu creio é que se pode aproveitar muito da administração javaneza para Angola, como o sr. Azevedo Castello Branco disse com as palavras - um meio termo - fazendo servir um pensamento colonial mais humanitario e civilisador. (Apoiados.)
O forçado javanez, de cuja educação e civilisação se esquece o governo hollandez, tem ainda assim progredido ao contacto da raça branca, no convivio da vida economica que se faz á sua vista e com o seu trabalho, e em resultado dos grandes melhoramentos materiaes que no seu paiz se tem effectuado.
O que eu penso, é que, se variam os caracteres ethnographicos das populações de Angola comparados com os da raça malaia, se aproximam as condissões do seu terreno, que dão identicos productos, em raras partes de Angola encontraremos planaltos proprios para fixar os nossos emigrantes produzindo a colonisação. Excepções de melhor aclimação, para os europeus viverem com maior sogurança da sua vida, tambem Java as possue, n'uma ou n'outra montanha, sem que, até agora, a Hollanda se tenha abalançado a tentar a colonisação da sua formosa o grande ilha.
É certo que em muitas zonas de Angola só podemos estabelecer a feitoria, e que tendo nós individualmente as melhora condições physicas para, esse trabalho, somos, como nação, aquelles a quem mais falta o commercio e as industrias precisas para desenvolver esse typo colonial.
Outro tanto não succede com a fazenda que se póde desenvolver inicialmente com pequenos capitães, e isso o provam a historia das importantes fazendas que temos não só em Angola, mas em S. Thomé e no Principe.

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Urge fomentar e proteger esse trabalho. Urge reformar a administração em melhores bases e fazer o fomento da provincia. (Apoiados.)
Quanto á colonisação do sul da provincia de Angola que parece ter os enthusiasmos de muitos, eu recommendo muita prudencia em não abusar da boa fé dos nossos emigrantes.
Lembro ao sr. ministro da marinha que uma das colonias da Australia, que tem hoje grande desenvolvimento, fez-se, é verdade, com as correntes de emigrantes que o governo engajava, mas que se dirigiam para uma terra n'outras condições de clima e de productibilidade, onde já se presumia que é elemento indigena desappareceria, e que ainda assim o governo inglez não consentia que embarcassem para Sydney quem não levasse comsigo mil libras.
Esse capital dava garantia ao estabelecimento de cada um, e á iniciativa do seu trabalho.
Os nossos emigrantes são proletarios, vão para a Angola sem recursos, e o governo provincial deve luctar com grandes embaraços para os agasalhar e facultar-lhes trabalho.
Receio que haja por lá muitissimos desastres, e as consequencias de desastres d'esta ordem, traduzem-se num descredito colonial. (Apoiados.)
Sobre o meio mais pratico de chamar parcial e gradualmente, com vantagens seguras para os emigrantes e para o desenvolvimento colonial, eu indiquei, quando servi na Africa, ao governo, um systema que me parece, alem de muito util, seguro. Tive ha dias o contentamento de o ver adoptado pelo governo do imperio do Brazil. Uma recente correspondencia do Rio de Janeiro para um jornal do Porto, diz que ia ser presente na camara dos deputados uma emenda ao orçamento, auctorisando o governo a gastar até 3.000:000$000 réis com a concessão de passagens aos emigrantes chamados por suas familias estabelecidas no Brazil.
A camara sabe que o imperio brazileiro tem como um dos seus mais difficeis problemas de administração chamar a si um numero sufficiente de colonos, que dê uma maior consistencia e densidade á sua população, e que n'esse sentido tem tentado um grande numero de expedientes.
A mim quer-me parecer que ha de lucrar mais com esta medida menos arrojada do que muitas outras, iras com melhores condições de garantia e de prosperidade para os que procurarem a fortuna ali.
Este systema adoptado por nós, seria uma maneira pratica de levarmos a colonisação para a Africa. Comprehendem-se as vantagens de dizermos aos europeus que foram espontaneamente para lá, e que lá têem interesses creados: «se tendes na vossa terra parentes ou amigos que podeis empregar nas vossas fazendas ou feitorias, se podeis conseguir junto de vós trabalho para lhes dar, mandae-os vir, que o governo paga as passagens».
Por este methodo não iriam só emigrantes para o commercio e para a agricultura, iriam muitos operarios e artistas que seriam outros tantos mestres dos seus officios para a educação dos indigenas. (Apoiados.)
Não sei até que ponto o governo e a camara desejam deixar continuar esta discussão; eu espero ainda fallar sobre o artigo 12.°, e não me demorarei no uso da palavra tão largamente como agora o fiz.
Conto apresentar uma emenda ao artigo que acabo de citar, baseada no projecto de reforma da administração ultramarina de 1880, apresentado n'esta camara pelo sr. marquez de Sabugosa, aonde me parece que se foi buscar a idéa das aposentações dos funccionarios, a que diz respeito a tabella B d'este projecto. Desejo contribuir por este modo para que não fique sem realidade o pensamento que se quiz aproveitar do notavel projecto do sr. marquez de Sabugosa, e digo notavel, porque depois da lei de 1869 é esse o melhor de todos os projectos que se tem feito.
Tinha o projecto de lei de 18 de fevereiro de 1880 de feitos, segundo o meu modo de ver, e um d'elles era dizer respeito a todas as nossas possessões; mas mantinha o caracter de uma lei organica politica, e encerrava alguns principios de muito boa administração. Entre elles citarei as disposições relativas ás nomeações dos governadores, sem praso fixo, sem postos de accesso, rasoavelmente remunerados, com uma aposentação no fim de dez annos de serviço, podendo ser accumulada com outro vencimento proveniente de carreiras publicas a que pertencesse o funccionario na metropole; o estabelecimento das missões civis no interior com encargos de educação dos indigenas pelo trabalho e com uma determinada jurisdicção nos seus pleitos; as juntas protectoras dos emigrantes; a protecção a todas as seitas religiosas; e, finalmente, a declaração expressa da obrigação do exercito do reino servir nas colonias sempre que as circumstancias o exigissem.
Eu sei que este ultimo ponto se deduz dos principios estabelecidos na carta constitucional, e que esta obrigação foi, na camara dos dignos pares, sustentada briosa e patrioticamente pelo nobre marquez de Sá; mas julgo util que essa disposição se estatua expressamente nas nossas leis, tanto mais quanto sou da opinião que devemos, na Africa, ter apenas forças indigenas para o serviço das guarnições das cidades do littoral e dos pontos mais importantes do interior, devendo assentar toda a nossa força armada na constituição de uma fórte marinha colonial.
Quanto á organisação das forças indigenas, entendo que deve ser extremamente simples, á javaneza, commandada por officiaes do exercito do continente.
Creio, sr. presidente, que tenho feito as considerações necessarias sobre a reforma da nossa administração colonial, a principiar no ministerio do ultramar. Faço votos para que o governo do meu paiz se convença da necessidade de começar com methodo este importante trabalho, e que principie pela reforma da administração da provincia de Angola.
Comprehendo que não se reforma sem dinheiro, e que as colonias antes de poderem render carecem de que se gaste com ellas, habilitando-as a darem saldos á metropole; porém, quanto mais depressa emprehendermos essa util empreza, mais proxima virá a compensação dos sacrificios realisados, livrando-nos do onus, até agora permanente, de pagarmos o seu deficit.
E, como quero concluir, rematarei com a indicação de dois principios que julgo fundamentaes.
O liberalismo, inspirando a elaboração das leis de administração do ultramar, é um erro. O self-help, como base dos progressos economicos, é um desastre, emquanto a metropole não habilitar moral e materialmente a colonia a progredir.
Vozes : - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Elvino de Brito (sobre a ordem): - Disse que, tendo assignado com declarações o parecer que se discute, corria-lhe o dever do dar a rasão do seu voto.
Não faria um discurso, nem dissertaria sobre os diversos systemas de administração colonial até ao presente conhecidos. Não julgava isso proprio na discussão da especialidade de um projecto, e considerava-se dispensado de o fazer, pois que no projecto de substituição que tinha a honra de mandar para a mesa vem compendiados os principios mais praticos que, era relação ás condições de infancia em que se encontram os territorios do Zaire, lhe pareciam perfeitamente applicaveis n'uma organisação, que não póde deixar de ser embrionaria e incompleta.
Comprehendia as difficuldades com que teria luctado o illustre ministro da marinha para elaborar o seu primitivo projecto de organisação. Em Inglaterra,
e pedia licença para fallar n'aquelle paiz, que tão citado tem sido na sessão de hoje, as cousas coloniaes, no que respeita á sua organisação politica e administrativa, correm de outro modo, porque ali a orientação governativa encontra-se, para

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assim dizer, prefixada nas obras dos principaes legistas inglezes.
Para se fazer uma idéa exacta das relações das colonias inglezas com a metropole e do seu modo de governo, convém, em primeiro logar, examinar de que modo essas possessões foram adquiridas pela Inglaterra. Todos sabem que são de duas categorias as colonias da Gran-Bretanha; as colonias adquiridas por direito de primeiro occupante, e as colonias adquiridas por direito de conquista ou por cessão, vulgarmente conhecidas pelo nome de colonias da corôa.
De direito, a legislação da mãe patria é a legislação de todas as possessões de primeira categoria. Blackstone, o conhecido legista inglez, definiu esta regra, pouco mais ou menos, nos seguintes termos: - «Como a lei ingleza é um patrimonio que pertence a todo o subdito britannico por direito de nascença, e que elle póde levar comsigo para toda a parte onde vá, segue-se que se elle põe o pé sobre uma terra nova e inhabitada, leva comsigo, por este só facto, a legislação ingleza, que desde logo fica sendo a lei do novo paiz».
Todavia, é certo que estas colonias não aproveitam da legislação ingleza senão o que podem comportar a sua posição e o seu estado de infancia, como, por exemplo, as leis que se referem ao direito de transmissão dos bens por herança e á segurança das pessoas.
De modo que na Gran-Bretanha, se uma colonia é formada pela occupação de territorios desoccupados, os habitantes têem logo direito a uma legislatura contendo o elemento representativo. É a regra de Blackstone. Como consequencia natural d'esta regra, a feitura das leis e a determinação da fórma do governo nos paizes desoccupados e colonisados por subditos inglezes constituem uma func-ção nacional, que deve ser exercida pelo poder collectivo do parlamento metropolitano.
Ao contrario, as colonias da corôa, isto é, as que são adquiridas por direito de conquista ou por cessão, são collocadas sob a auctoridade immediata do soberano, que regula a sua constituição como melhor lhe apraz; todavia estas colonias - e n'isto consiste o senso pratico do systema administrativo inglez, que quasi não existe entre nós, - conservam as leis que ellas possuiam no momento da conquista ou da cessão, leis que só a pouco e pouco, e sem attritos com os potentados ou com as tribus que habitam as mesmas colonias, se vão modificando, affeiçoando-se ao espirito das leis metropolitanas.
É assim que as leis de Hespanha, da Hollanda e da França estão ainda em vigor, no todo ou em parte, nas coloniaes adquiridas pela Inglaterra a essas diversas potencias: em Santa Lucia por exemplo, o codigo francez da Martinica; no Baixo Canadá, uma parte das leis feudaes da França, concernente á propriedade da terra; na Mauricia, uma grande parte do codigo Napoleão; nas ilhas da Mancha, o antigo costume da Normandia; na Trindade, a lei hespanhola das Indias; na Guyana ingleza, no cabo da Boa Esperança e em Ceylão, a lei romana-dinamarqueza das sete provincias unidas; em Malta, as antigas leis sicilianas; emfim, na India ingleza, as leis hindus e mussulmanas.
Detestava a harmonia e a symetria a que se tem sacrificado o regimen administrativo nas colonias portuguezas, e, sobre tudo, deplorava o systema pelo qual, graças a essa symetria, affluiam ao ministerio respectivo os mais miudos e insignificantes negocios, que podiam e deviam ser resolvidos no ultramar. Comprehendia que nem todas as colonias portuguezas estivessem no caso de resolver por si um certo numero de negocios da maior importancia e gravidade, e não era da opinião que todos tivessem a liberdade da acção para gerirem a administração provincial independentemente da immediata fiscalisação da metropole. Mas tambem é certo que algumas estão no caso, como a India, por exemplo, de ser governadas com responsabilidade propria, pela acção do elemento legislativo na propria provincia.
A Inglaterra, que é uma nação essencialmente pratica, e que tem administrado as suas colonias com elevado criterio, divide-as em tres classes:
1.ª As colonias da corôa, nas quaes a metropole exerce a mais completa fiscalisação sobre a legislação, e onde a administração colonial é confiada a funccionarios publicos collocados sob a vigilancia do governo metropolitano.
2.ª As colonias que possuem instituições representativas, mas que não têem um governo responsavel, nas quaes a corôa não tem senão um simples veto sobre a legislação, e onde o governo metropolitano conserva a vigilancia sobre todos os funcionarios publicos.
3.ª Finalmente, as colonias que possuem instituições representativas e um governo responsavel, nas quaes, a corôa não tem senão um simples veto sobre a legislação, e onde o governo metropolitano não exerce fiscalisação de especie alguma sobre nenhum funccionario publico, exceptuando o governador.
N'estas circumstancias comprehendia-se que ao colonial office não affluissem as pequeninas questões e as mil reclamações que pejam a nossa secretaria do ultramar e que tiram um tempo immenso aos empregados respectivos e ao proprio ministro.
Fez ainda algumas considerações sobre o actual systema de administração colonial, adoptado em Portugal, combatendo em varias das suas disposições o decreto organico de 18 de, setembro de 1878, que classificou de absurdo e ridiculo; e passando a analysar o seu projecto de substituição, disse que as modificações mais profundas que introduzira n'esse projecto diziam respeito á organisação judiciaria, eliminando a comarca no Zaire, como idéa pouco seria e por agora inacceitavel, mas creando um juiz consultor, junto do governador, como as condições de infancia, dos novos territorios o estão aconselhando; á organisação da fazenda, que, segundo o seu modo de ver, deve distanciar-se do actual systema, que ninguem já acceita como bom, antes todos o condemnam, insistindo pela extincção das juntas da fazenda do ultramar; e á organisação militar, assumpto este sobre que, embora não esteja de accordo com os oradores precedentes sobre a urgencia de fundir n'um os dois exercitos, pelas difficuldades praticas que esta idéa levantaria, tinha comtudo desde muito um modo de ver especial. Entendia que ao governo cumpria reorganisar todo o serviço militar na nossa Africa, como o fizera o sr. visconde de S. Januario, em 1880, com relação ás provincias de Cabo Verde e S. Thomé e Principe; e deixar-se de propor mais batalhões ou mais baterias de artilheria, a proposito da occupação, do Zaire.
É um problema, que carece de ser estudado maduramente, e não póde ser descurado pelo sr. ministro.
Convem abandonar o caminho de expedientes, e entrar abertamente na senda de reformas uteis e radicaes.
No seu projecto tivera o cuidado de redigir o artigo respectivo por modo a não sacrificar este pensamento.
Fez ainda largas considerações, justificando um a um os artigos que compõem o seu projecto em discussão.
Mandou para a mesa a seguinte substituição ao projecto:
Artigo 1.° Os territorios que ficam entre o extremo septentrional do districto de Loanda e a margem esquerda do Zaire até Ango-Ango, seguindo para leste o parallelo do Noqui até ao Cuango, e os territorios ao norte do Zaire situados entre Cabo-Lombo e a fronteira das possessões francezas ficarão constituindo a colonia portugueza no Zaire com organisação especial e dependente, do governo geral de Angola, nos termos da presente lei e dos regulamentos que o governo opportunamente decretará.
§ 1.° A colonia portugueza do Zaire compor-se-ha de tantas divisões administrativas quantas se julgue precisas para a boa regularisação do serviço publico, e á testa de

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2998 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cada uma será collocado um agente do governo, nomeado peio Rei, com attribuições designadas na presente lei e em regulamentos especiaes.
§ 2.° Em cada uma das divisões administrativas haverá empregados subalternos, cujo numero, attribuição e vencimentos serão propostos pelo governador, em conselho, e fixadas pelo governador geral de Angola, a quem incumbem as respectivas nomeações.
Art. 2.° O governo da colonia portugueza do Zaire será confiado a um governador nomeado pelo Rei, e no acto da sua nomeação ser-lhe-hão dadas, em decreto,
instrucções especiaes para, de accordo com o governador geral de Angola, regular os actos occorrentes na administração da respectiva colonia, durante a sua gerencia.
§ único. A séde do governo da colonia será opportunamente fixada pelo Rei, em decreto especial.
Art. 3.° Haverá, junto do governo da colonia, uma secretaria para o expediente dos negocios, a qual será dirigida por um chefe nomeado pelo Rei, e terá empregados coadjuvantes, cujo numero e vencimentos serão propostos pelo governador da colonia.
§ único. A nomeação d'estes empregados será feita pelo governador geral de Angola, sobre proposta do governador da colonia.
Art. 4.° Para os cargos de governador, dos agentes do governo e de chefe de secretaria da colonia portugueza do Zaire serão escolhidos, tanto quanto possivel em concurso, os individuos que tenham dado seguras provas de conhecerem os negocios de administração colonial, sendo preferidos, em igualdade de provas, os que hajam servido com distincção qualquer cargo no ultramar.
§ unico. A primeira nomeação para cada um dos referidos cargos póde ser feita independente do concurso.
Art. 5.° É creado, junto do governador da colonia, um juiz consultor, com a categoria de juiz de direito, cujas attribuições, alem de consultar sobre negocios em que o governador o queira ouvir, serão opportunamente determinadas em decreto especial, não só no que respeita á sua propria alçada na colonia, obrando por si ou delegando, em certos limites, nos agentes das divisões administrativas, senão tambem nas suas relações com os tribunaes judiciaes da provincia de Angola, que o governo é auctorisado a reorganisar augmentando, se preciso for, o numero das actuaes comarcas judiciaes.
Art. 6.° Logo que seja installado o governo da colonia serão codificados os usos e costumes das diversas tribus, em ordem a serem definitivamente fixadas as attribuições das auctoridades locaes em relação aos indigenas.
Art. 7.° Haverá na séde da colonia um conselho privado, presidido pelo governador e composto do juiz consultor, dos delegados de fazenda e de saude, do official mais graduado residente na séde do governo, do parocho da respectiva divisão administrativa e do chefe da secretaria, o qual servirá de secretario do conselho.
Poderá o governador, quando o julgue conveniente, convidar para fazer parto extraordinariamente do conselho os commandantes dos navios de guerra portuguezes surtos no porto da séde do governo.
§ 1.° O conselho privado consultará sobre as questões propostas pelo governador, não sendo este obrigado nos actos que houver de praticar, sob sua responsabilidade, a seguir a opinião da maioria do conselho.
É obrigado, todavia, a remetter ao governador geral de Angola, dando-lhe conta das providencias adoptadas, as actas do conselho, cumprindo ao mesmo governador geral proceder nos termos dos regulamentos que o governo decretar.
§ 2.° Um decreto especial fixará os casos em que o governador da colonia poderá exercer, em conselho, mas sob condição da approvação do governador geral de Angola, funcções extraordinarias e de alçada superior; e aquelles em que deverá corresponder-se com o governo da metropole dando immediato conhecimento ao governador geral da provincia.
Art. 8.° Na séde de cada divisão administrativa haverá um parocho missionario, que será ao mesmo tempo professor de instrucção primaria.
§ 1.° Poderá haver missões religiosas extraordinarias na colonia portugueza do Zaire, onde e quando o governador geral de Angola, de accordo com o prelado da diocese e tendo ouvido o governador da colonia, o julgar conveniente.
§ 2.° Em cada uma das divisões administrativas haverá ensino profissional, ministrado por mestres de officios idos do reino.
§ 3.° Tanto a escola primaria como o ensino profissional ficarão sob a especial fiscalisação do chefe da respectiva administração.
§ 4.° Um decreto especial fixará o numero, vencimentos e outras vantagens dos mestres de officios, e bem assim as instrucções praticas pelas quaes deverão dirigir o respectivo ensino.
Art. 9.° A legislação tributaria da colonia portugueza do Zaire será estabelecida em harmonia com as disposições adoptadas com relação á bacia commercial do Zaire.
§ 1.° Para arrecadação e administração das receitas e valores da colonia será nomeado pelo governo um delegado de fazenda, devendo a nomeação recair em pessoa de reconhecida competencia e pratica nos negocios de contabilidade publica, e devidamente afiançada.
§ 2.° Se para este cargo for nomeado um empregado da repartição de contabilidade da direcção geral do ultramar, não só não perderá o seu legar no respectivo quadro da metropole, mas ser-lhe-ha contado o tempo de serviço, já para a reforma, já para a promoção, pelo dobro.
§ 3.° O delegado da fazenda será auxiliado no serviço por um ou dois empregados coadjuvantes, cujos vencimentos serão propostos pelo governador da colonia ao governador geral de Angola, a quem incumbe a nomeação dos mesmos.
§ 4.° O delegado da fazenda corresponder-se-ha directamente com o chefe da repartição de contabilidade da direcção geral do ultramar, e receberá ordem da mesma repartição no serviço da tua competencia.
§ 5.° Um decreto especial regulará o modo de ser da delegação da fazenda da colonia do Zaire, em relação á junta de fazenda de Angola, emquanto se não reorganisar de vez a fazenda publica em todo o ultramar; e bem assim determinará qual a fórma da respectiva escripturação.
Art. 10.° O governo reorganisará a força destinada á segurança e policia de toda a provincia de Angola, creando um logar de commandante geral das forças da Africa occidental, que será official distincto do exercito do reino, com attribuições especiaes e a possivel independencia, nos termos dos decretos regulamentares.
Art. 11.° O governo organisará o serviço de saude e o dos portos na colonia portugueza do Zaire.
Art. 12.° A todos os funccionarios da colonia portugueza do Zaire serão, para os effeitos da reforma ou aposentação, contados mais 50 por cento sobre o tempo de serviço effectivo.
Art. 13.° Os vencimentos dos funccionarios e empregados da colonia portugueza do Zaire serão os marcados na tabella A, que, com a tabella B, faz parte d'esta lei.
Para os effeitos da aposentação, nos termos da legislação em vigor, os vencimentos serão os da tabella B.
Art. 14.° O mesmo que o artigo 13.° do projecto.
Art. 15.° O mesmo que o artigo 14.° do projecto.
Art. 16.° O mesmo que o artigo 15.° do projecto. = Elvino de Brito.

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A

Governador.... 4:500$000
500$000
5:000$000
Chefe de secretaria .... 2:250$000
Agente do governo (divisões administrativas).... 1:800$000
Parocho .... 350$000
Gratificação como professor.... 350$000
700$000

Juiz consultor .... 1:800$000
Delegado da fazenda .... l:200$000

B

Governador .... 1:200$000
Chefe da secretaria .... 800$00
Agente .... 600$000

Elvino de Brito.

Foi admittida.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra se a tempo restituir as notas táchygraphicas)
O sr. Arroyo : - Por parte da commissão de administração, mando para a mesa um parecer sobre o projecto que faz algumas modificações no decreto regulamentar de 26 de julho de 1876.
Approvou-se a ultima redacção do projecto n.º 158.
Foi enviado para a outra camara.
O sr. Carrilho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga sufficientemente discutida a materia do artigo 1.°
Consultada, a camara, resolveu afirmativamente.
O sr. Carlos du Bocage (sobre o modo de propor): - Peço a v. exa. que se digne enviar á commissão todas as emendas que têem sido apresentadas durante a discussão do projecto, a fim de por ella serem consideradas, sem prejuizo do andamento do mesmo projecto.
O artigo 1.° foi approvado, sem prejuizo das emendas, que vão ser remettidas u commissão.
Artigo 2.°
O sr. Pequito: - Tendo assignado o projecto com declarações, precisava explicar as rasões por que assim procedêra.
Tinha assistido á primeira sessão das commissões reunidas em que o projecto se discutiu, e não teve tempo de fazer as declarações a que se referia a sua assignatura por ter faltado ás outras sessões por motivos alheios á sua vontade.
Não entendia que se devesse apresentar para a organisação dos territorios do Zaire um projecto incompleto.
Julgava então mais conveniente que se apresentasse um projecto, no qual o governo pedisse uma auctorisação para regular o assumpto como melhor entendesse, e para tomar as providencias que julgasse indispensaveis para proceder em harmonia com a conferencia de Berlim.
O projecto vinha contradizer as aptidões, ou melhor, os conhecimentos que Portugal devia ter, do modo como devia proceder no territorio africano.
Portugal tinha elementos proprios e informações praticas, para poder tomar qualquer resolução, sem ter necessidade de estar á espera de ver o que hão de fazer as outras nações que têem territorios no Congo.
Parecia-lhe, por isso, que uma simples auctorisação ao governo, para elle proceder como julgasse mais conveniente, seria preferivel ao projecto que se discute.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Ferreira de Almeida.
O sr. Ferreira, de Almeida: - Como a hora está quasi a dar, parece-me que era melhor reservar as observações que tenho a fazer para a sessão de ámanhã.
O sr. Presidente: - Fica a palavra reservada ao sr. deputado.
A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais o projecto de lei n.° 167.
Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas da tarde.

Redactor. = Rodrigues Cordeiro.

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