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N.º 8. SESSÃO DE 9 DE JULHO. 1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada. — Presentes 61 srs. deputados.

Abertura: — As 11 horas e um quarto.

Acta: — Approvada.

O sr. Nazareth: — Mando para a mesa uma declaração de voto, que vai tambem assignada por muitos outros srs. deputados, contra a proposta do sr. Placido, que deduz das quantias destinadas para obras no districto de Vizeu a quantia de 4:000$000 réis para as obras do districto da Guarda.

Eu queria que para as obras do districto da Guarda se applicasse alguma quantia, o que é de muita justiça; por isso votarei pela proposta do sr. deputado Fonseca Castello Branco, para que da quantia de […]0:000$000 réis destinada para a estrada de Aldea-gallega ao Caia se deduzam 4:000$000 réis para as obras do districto da Guarda. Mas por fórma nenhuma convenho em que se subtraia a mais pequena verba da somma destinada ás obras do districto de Vizeu, prejudicando assim a proposta, que eu fiz para ser applicada a quantia de 4:000$000 réis á estrada da Foz-Dão a Mangualde, proposta em que concordaram muitos dos membros da commissão das obras publicas, e que espero não será inutilisada; pois tenho toda a confiança, que aquella obra ha de principiar-se, e muito breve.

Mando pois para a mesa a seguinte Declaração de voto: — Declaro que votei contra a proposta do sr. deputado Placido, para que se tire das quantias destinadas para obras no districto de Vizeu a somma de 4:000$000 réis para as estradas da Guarda a Vizeu. — Nazareth = Castro e Abreu — Paiva Barreto Vasconcellos e Sá = Avila — Mello Soares = Pinheiro Ozorio = Pinto de Almeida = Gomes Corrêa = Saraiva de Carvalho = Menezes e Vasconcellos.. Mandou-se lançar na acta.

O sr. Placido de Abreu: — Eu pedi a palavra para declarar, que a proposta que fiz hontem, foi por parte da commissão de obras publicas.

O sr. Pinto de Almeida e outros srs. deputados pedem a palavra.) (Susurro)

O sr Presidente. — Eu peço aos srs. deputados, a todos em geral e a cada um em particular, sem particularmente me dirigir a nenhum, que vejam que estão na camara dos deputado da nação portugueza.: que não devem vir aqui fazer prevalecei caprichos particulares, e com elle suscitar questões que não fazem senão arredar do objecto que se deve ter em vista: (Apoiados) eu declaro mesmo que para sustentar caprichos não dou a palavra a nenhum dos srs deputados, excepto se a camara me ordenar que a dê. (Apoiados) (O sr. Pinto de Almeida — Eu não pedi a palavra para sustentar caprichos) Eu disse que não me dirigia a nenhum sr. deputado em particular, mas que me dirigia a todos em geral e a cada um em particular. E, senhores, é preciso que acabemos com isto, cuidemos dos negocios de que temos a cuidar (Apoiados); não estejamos aqui sempre com incidentes que não fazem senão desacreditar o systema representativo (Apoiados) e desacreditar completamente esta camara digna de melhor sorte.

O sr. Nogueira Soares: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Declaração de voto: — Declaro que votei contra a applicação de 50:000$000 á estrada de Aldêa-Galega ao Caia, e que, se me chegasse a palavra sobre o capitulo 8.º do ministerio das obras publicas, propria a applicação de uma parte daquella verba á construcção das estradas do Minho, e aos estudos preliminares necessarios para a canalisação do Tamega, = Nogueira Soares.

Mandou-se lançar na acta.

O sr. Santos Monteiro: — Mando tambem a seguinte

Declaração de voto: — Declaro que na verba para estradas, só votei a totalidade. — Santos Monteiro = Maia (Francisco) Mandou-se lançar na acta.

CORRESPONDENCIA.

Declaração: — Do sr. Castro e Lemos, de que o sr. D. Antonio José de Mello não póde comparecer II sessão de hoje por incommodo de saude. = Inteirada.

Officio: — Do sr. Fonseca Castello Branco, pedindo licença para deixar de assistir ao resto das sessões, por ter urgente necessidade de saír de Lisboa. = Foi concedida.

Deu-se pelo mesa destino ao seguinte Officios: — 1.º Do ministerio do reino, acompanhando as cópias da consulta do conselho superior de instrucção publica, de 8 de novembro de 1850, e do projecto que a acompanhava, relativamente á formação de um curso administrativo; satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de instrucção publica.

2.º Do mesmo ministerio, acompanhando o reque-

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rimento documentado de José Maria Sodré, e outros commerciantes de Ponta Delgada, acêrca do modo de arrecadar-se na dicta cidade o imposto municipal sobre liquidos espirituosos; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Soares de Albergaria. — Para a secretaria.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Deveria agora ter segunda leitura uma proposta do sr. Carlos Bento; mas como o sr. deputado não está presente, fica reservada para outra occasião.

O sr. Vasconcellos e Sá; — Sr. presidente, hontem foi mandada para a mesa, por parte da commissão das obras publicas, pelo sr. deputado Placido, uma proposta tirando 4:000$000 réis á verba votada pela commissão para a estrada de Vizeu a Coimbra; porém eu, sendo membro desta commissão, não fui ouvido sobre essa proposta, e o mesmo succedeu a outros membros, quando acredito que nesta camara ha muitos srs. deputados que farão justiça de me considerar como pessoa competente nestas questões de construcção de estradas (Apoiados) e por isso julgara-me com direito a ser ouvido.

Intendo; que depois dos decretos que mandavam construir dois caminhos de ferro no nosso paiz, a lei de 22 de julho de 1850 ficou modificada no systema que tinha estabelecido para construir a viação geral do continente de Portugal. Esta viação ficou, como devia ser, um composto de linhas ferreas e estradas empedradas que entronquem naquellas, e os fundos destinados a taes estradas são quantias que ficam aproveitadas para o futuro, o que não succede a outras que forem applicadas ás estradas que vão ficar prejudicadas com a construcção da linha ferrea de Lisboa ao Porto; por exemplo, a estrada de Vizeu á Mealhada é daquellas que estão no primeiro caso, e quando se devesse tirar alguma quantia para outras, nunca deve ser della, mas das outras que estão no segundo caso.

Eu procuro sempre ser consciencioso nos pareceres que assigno para serem presentes a esta camara....

O sr. Presidente: — Observo ao sr. deputado que isso é um objecto vencido, por consequencia não fazemos nada agora com estar a discuti-lo. O que o sr. deputado queria declarar, creio eu, era que não fôra ouvido sobre a proposta, e parece-me que já o fez.

O Orador: — Mas eu não podia ficar silencioso á vista do que se aqui passou hontem, invocando-se, para poder passar uma medida, o apoio de uma commissão á qual pertenço, e não sendo ouvido, estando presente, sobre uma questão em que sou competente, o que succedeu igualmente a outros membros da commissão. Entretanto conformando-me com a advertencia de v. ex. pararei aqui, deixando de fazer outras considerações que aliás leriam muito logar nesta occasião.

O sr. Vellez Caldeira: — Peço a v. ex.ª que me dê a palavra quando esteja presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — O sr. Placido mandou para a mesa a seguinte:

Declaração: — «Declaro que a proposta que mandei hontem para a mesa, para se destinar a quantia de 4:000$000 réis para o districto da Guarda, tirando-os da verba da estrada de Vizeu á Mealhada, foi por parte da commissão de obras publicas)? — Placido de Abreu.

O sr. Vasconcellos e Sá: — Peço que sejam ouvidos todos os membros da commissão ácerca dessa proposta que apparece agora na mesa.

O sr. Presidente: — Uma vez que não haja reclamação, não póde deixar de se lançar na acta esta declaração; agora o que convém para evitar estes incidentes um pouco desagradaveis, é que daqui em diante, como creio que era practica em outro tempo, quando se propuzer alguma emenda, additamento ou substituição por parte de qualquer commissão, é que ella seja assignada pela maioria da commissão; (Apoiados) era practica antiga e é muito conveniente que continue a observar-se.

O sr. Pinto de Almeida: — Sr. presidente, quando eu pedia palavra, não foi para sustentar caprichos, mas sim para pedir a v. ex.ª que convidasse os membros da commissão de obras publicas a que declarassem se concordavam ou não com a declaração do sr. Placido, porque vejo que o sr. Vasconcellos e Sá que acabou de fallar, declarou que a commissão não concordou: parece-me impossivel que o sr. Placido mandasse uma proposta para a mesa em nome da commissão sem ella ser sabedora! Por consequencia peço a v. ex.ª que convide cada um dos membros da commissão de obras publicas a declarar se concordam ou não com essa declaração.

O sr. Presidente: — Não posso deixar progredir este incidente. (Apoiados) Os membros da commissão de obras publicas ou estão agora presentes ou estiveram hontem, e assim como um delles já declarou que não fôra ouvido, os seus collegas podiam fazer a mesma declaração, e desde que a não fazem, intende-se que convieram na proposta ou que convém. E como este incidente não conduz a cousa alguma, eu dou-o por terminado.

O sr. Placido de Abreu; — Sr. presidente, a verdade é que estando hontem neste logar, reuniram-se aqui alguns membros da commissão das obras publicas, e concordaram em se fazer a proposta que mandei para a mesa. Se o sr. Vasconcellos e Sá não foi ouvido sobre ella, é porque isso não foi possivel no momento: entretanto é preciso que se saiba que nem sempre são ouvidos todos os membros de uma commissão, quando, no meio de uma discussão, convém mandar uma proposta para a mesa; algumas vezes eu tenho deixado de ser ouvido em iguaes circumstancias, sem que por isso uma unica vez me queixasse; e nem isto é parlamentar, nem está nas practicas desta casa.

Intendo, pois, que não ha motivo para se fazerem as queixas que se teem feito, tanto mais que a proposta esteve hontem em discussão, e, tendo eu declarado que a mandava por parte da commissão das obras publicas, ninguem então se levantou para impugna-la. Portanto é muito para sentir que se façam hoje similhantes declarações, e que nellas se diga, que a proposta é do deputado fulano; porque, ainda que isso seja honroso para o deputado a quem diz respeito, todavia, a verdade é que foi apresentada por parte da commissão das obras publicas; e é tanto mais para admirar, quanto que um deputado se julga auctorisado a affirmar que a proposta não era por parte da commissão quando o relator dessa commissão, em pleno parlamento e na presença de todos, assim o declarou, sem ser contrariado por alguem. A vista do que acabo de dizer, não sei, como conceituar este incidente.

O sr. Vasconcellos e Sá: — Se hontem não pedi a

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palavra, é porque o estado da camara já nem permittia que se fallasse sobre a ordem.

Mandou-se lançar na acta a declaração do sr. Placido de Abreu.

SEGUNDAS LEITURAS.)

Proposta: — Proponho que, no capitulo 8.º do orçamento das obras publicas (despezas diversas) se accrescente uma verba de 500$000 réis, com o destino de auxiliar o estudo que a academia das sciencias de Lisboa pretende fazer sobre a doença da vinha na ilha; da Madeira, e nos districtos do reino, cujos vinhedos forem atacados — Julio Pimentel — Moniz.

Foi admittida — F remetteu-se á commissão de fazenda.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, res tando muito pouco tempo da presente sessão, e estando por ventura a expirar o meu mandato, aproveito a presença do sr. ministro da marinha, para, lhe dirigir alguns pedidos, que julgo urgentes.

Declaro á camara, que a instrucção publica primaria em Gôa está sufficientemente provida; mas ha nella uma lacuna muito palpavel no que diz respeito á instrucção do sexo feminino, para o que apenas ha uma escóla estabelecida ha pouco na capital: recommendo, pois, a s. ex.ª o sr. ministro da marinha, e peço-lhe, que estabeleça, com urgencia, ao; menos duas escólas para o sexo feminino, uma em Mapuçá, e outra em Margão, capitães de dois vastissimos e principaes concelhos do Estado de Gôa, ficando opportunamente de prover a instrucção publica em Gôa, approvando o plano da sua organisação apresentado ha 5 annos pelo sr. Pestana, quando governador geral.

Peço-lhe igualmente, que cuide de transferir de Chorão para Bardez o seminario de Chorão; porque este sitio é tão doentio, que constantemente ha nelle major numero de alumnos doentes, e muitas vezes tem estado fechado pela doença de todos os mestres.

Consta-me que a camara geral de Bardez se offerece a fazer as despezas necessarias para construcção do novo seminario, e sua transferencia; com tanto que se destine para amortisação desta quantia, que generosamente adianta, o producto da bulla daquelle Estado, o que é justo, e conforme ao fim daquella instituição.

Tendo ouvido que estava para partir neste mez o novo governador de Damão para seu destino, peço que o sr. ministro da marinha lhe recommende particularmente, por positivas instrucções, ou por outro meio conveniente, que dê attenção especialmente ás graves e urgentes necessidades daquelle estabelecimento, expostas na consulta da junta geral do districto, e n'uma memoria, que intendo deve estar pendente na secretaria da marinha, e vem impressa no almanak de Gôa de 1840; devendo notar, que o prover a estas necessidades está sob as attribuições do ministerio, e assim o exige o interesse daquelle estabelecimento, outr'ora, commercial e rico, o que presentemente vai declinando, e até despovoando-se.

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Atouguia): — Reconheço a necessidade de se augmentar a instrucção do sexo feminino nos Estados de Gôa; e posso assegurar, que o governo não se tem descuidado deste objecto; e está entregue ao conselho ultramarino, para sobre elle consultar, o projecto do sr. Pestana, a que se referiu o illustre deputado, e que diz respeito a toda a instrucção de Gôa; sendo nesse projecto que tem cabimento tractar da instrucção do sexo feminino.

Em quanto á mudança do seminario de Chorão para Bardez, tambem estou conforme com a opinião do sr. deputado, de que elle não está alli bem collocado em consequencia da insalubridade de Chorão; e o governo tambem tem este objecto em sua consideração.

Relativamente a Damão o governo de certo ha-de tomar as providencias que sejam convenientes para este estabelecimento.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do orçamento da despeza.

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MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR

[VER DIARIO ORIGINAL]

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Desenvolvimento das despezas que devem substituir as dos artigos 21.º, artigo 38.º (Secções 1.ª e 2.ª), e artigo 42.º (Secção 5.ª) do orçamento do ministerio dos negocios da marinha e ultramar para 1853 — 1854.

[VER DIARIO ORIGINAL]

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Capitulo 1.º — Secretaria de estado e repartições annexas 49:625$126 réis.

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, quando se tractou da discussão do orçamento na generalidade, não pude responder a certas proposições emittidas pelo sr. ministro da fazenda em resposta a algumas reflexões que apresentei, acerta da falta que faziam os relatorios, que pela primeira vez não eram trazidos á camara, a tempo de servirem na discussão do orçamento; porque s. ex.ª me fez notar, que não era propria a occasião para discutir o ministerio da marinha. S. ex.ª disse, que quando viesse á discussão este orçamento, estava prompto a responder pela sua exactidão e legalidade; porque, ainda que não era o ministro daquella repartição, tinha comtudo feito pela sua propria mão o orçamento de 1852 a 1853, de que este era quasi uma cópia, e que por isso estaria prompto a responder sobre qualquer ponto. Declarei então que para agora me guardava, para mostrar á camara as inexactidões do orçamento que s. ex.ª fez pela sua propria mão, a sua falla completa de systema, e a confusão que reina em todos os seus pontos.

A maneira porque s. ex.ª cumpre as suas promessas, faz-me crer que s. ex.ª ainda virá hoje á camara, e por isso não tractarei por ora de lhe responder.

A pesar de que o sr. ministro da marinha me facilitou todos os documentos, e esclarecimentos que lhe pedi, tornando como transparentes as paredes da secretaria; não me acho ainda sufficientemente habilitado para discutir como convinha o orçamento deste ministerio, porque ha apenas dois dias que recebi os documentos mais escenciaes para estudo, e não imaginava que tão cedo se chegasse ao ministerio da marinha. Quasi que não houve tempo de tomar uma vez a respiração, desde que se começou ate que se acabou a discussão dos orçamentos da fazenda, guerra, reino, justiça e obras publicas. Este anno foi como nunca.

Estas questões que deveriam ser as que mais tempo levassem, voaram com uma velocidade quasi fabulosa. Assim fui como surprehendido, tenho as idéas concebidas, mas não tenho coordenados os trabalhos, nem formulado as proposições, e feito todas as verificações necessarias, e por isso muitas cousas me escaparão e em outras não tocarei por não ter na mão as provas necessarias. Mas assim mesmo a camara ouvirá cousas que de certo a maravilharão.

Em tudo que passo a dizer, tenho por fim provar que este orçamento não exprime nada, encobre o que póde, e confunde tudo; que foi aquillo a que me comprometi.

A camara avaliará depois, se quando eu disse que o orçamento parecia mais um montão decifras de proposito organisadas para não poderem ser fiscalisadas, o disse com intenção de offender o sr. ministro da fazenda e o governo, como s. ex.ª disse, ou se foi o resultado de uma profunda convicção, e como um grilo espontaneo da alma, sem animo de offender, apesar de ter sido tractado menos convenientemente. A camara verá se eu não intendi o orçamento por ser novo, e por o não ter estudado sufficientemente, ou se pelo contrario, pelo ter estudado mais do que s. ex.ª, é que linha chegado á convicção de que o orçamento é uma impostura.

Admirei-me muito de ouvir dizer ao sr. ministro da fazenda, que tinha feito pela sua propria mão o orçamento de que este era cópia fiel, e que respondia pelo methodo e verdade com que elle estava confeccionado, protestando que nenhuma verba ali vinha que não estivesse auctorisada por uma lei; quando eu vou provar que nem methodo, nem ordem, nem verdade, nem lei se encontram neste orçamento; nem por consequencia no anno de 1852 a 1853, que s. ex.ª fez pela sua propria mão. Se s. ex. ao menos tivesse seguido o errado principio que aqui annunciou, que o orçamento é a cópia do orçamento anterior, teria feito um serviço ao seu paiz, porque teria apresentado um orçamento como o de 1850, aonde s. ex.ª podia ter aprendido a saber para que serve um relatorio e a que fim deve satisfazer um orçamento. As alterações que s. ex.ª fez naquelle orçamento, foram verdadeiros ataques á sciencia. Com ellas perdeu o orçamento da marinha toda a significação que linha, deixou de exprimir cousa alguma, tornou-se confuso, e em tudo uma verdadeira miseria de contabilidade parlamentar. Não é digno como está, este orçamento de ser apresentado ao exame do parlamento. Mas agora não insistirei mais sobre este ponto, reservando-me para quando estiver presente o sr. ministro que tomou a responsabilidade destas alterações.

Passando a tractar com a illustre commissão de fazenda, parece-me que ella não fiscalizou nem verificou este orçamento como elle devera ser verificado e fiscalisado, não querendo eu com isto culpar a commissão, porque um orçamento como este é infiscalisavel, nem se póde verificar sem um trabalho insano, e a que um deputado se mio póde dar quando cumprir as obrigações que lhe marca o regimento, e que eu não tenho cumprido á risca para chegar ao estado de instrucção a que cheguei a respeito delle.

Perguntarei primeiro á illustre commissão, qual foi o systema que seguiu no exame que fez deste orçamento? Acaso seria o que o sr. ministro da fazenda aqui disse que tinha seguido? Isto é, verificar se cada verba do orçamento tinha a sua existencia garantida por uma lei especial. Não, por certo, que não foi este o systema; porque os primeiros artigos do orçamento foram consignados pelo governo, e admittidos e approvados pela illustre commissão, não obstante a sua illegalidade. E para conhecer se foi este o systema seguido pela illustre commissão e pelo governo, começarei por mandar para a mesa uma proposta para que os primeiros seis artigos do orçamento voltem á commissão para os corregir e formular na conformidade das leis.

Com effeito, a unica lei que fixou o quadro da secretaria da marinha, foi a de 12 de junho de 1822. Essa lei deu á secretaria 1 official maior, 6 officiaes de secretaria, 4 amanuenses, 1 porteiro, 1 continuo, e os correios necessarios para O bom desempenho do serviço; e no orçamento vem como quadro effectivo — 2 officiaes maiores effectivos, 3 officiaes maiores graduados, 3 officiaes de secretaria, 3 dictos graduados, 4 amanuenses de primeira classe; 8 de segunda, 1 porteiro, 1 ajudante de porteiro e os correios. Além destes, vem mais 7 empregados addidos ao quadro, e não sei como a illustre commissão, que tanta generosidade leve com os outros, não admittiu estes tambem no quadro.

Uma commissão que de accordo com o sr. ministro da fazenda tinha tirado aos ajudantes de ordens do commandante em chefe do exercito as gratificações por não serem de lei, devia agora tambem fazer o mesmo ás gratificações dos officiaes maiores e officiaes

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de secretaria, que estavam no mesmo caso, e inscrever como addidos ao quadro todos os empregados que lia a mais do quadro legal, ou então fazer um projecto de lei para auctorisar este quadro fingido.

O governo que tanta organisação e desorganisação fez na marinha, devera tambem ler organisado a 1.ª repartição daquelle ministerio, que de modo nenhum póde funcionar, pelo menos em relação ao ultramar, com a organisação postiça que tem em quanto ao numero de empregados.

Os correios a cavallo vem com 480$000 reis, e os correios a pé com 29-2$000 réis, quando o decreto com força de lei de 29 de setembro de 1836 dá aos primeiros 500$000 réis, e aos segundos 300$000 réis.

Ora é verdade que esta ultima circumstancia já se acha em outros orçamentos e é em vantagem da fazenda, mas para um ministro e uma commissão que declararam que o orçamento não fixava nem alterava os ordenados, mas era só o resultado das leis organicas, era isto uma grande irregularidade e provava que s. ex.ª não tinham intendido o orçamento, aliás não leriam deixado passar tudo isto.

Por ultimo encontrei neste artigo uma cousa que chegou a extasiar-me — e foi ver como a illustre commissão deixou passar um augmento de 100$000 rs que nenhuma lei auctorisa, para um ajudante de porteiro.

É realmente inexplicavel como o illustre ministro da fazenda concordou nisto com a commissão, e concordou tambem com o corte na gratificação dos ajudantes de ordens do marechal, que estavam muito mais auctorisados. Estes 2 factos existindo simultaneamente não explicam muito favoravelmente a intelligencia de s. ex.ª em materia de orçamentos. Nem ao menos a engraçada explicação que vinha no orçamento para motivar este augmento acordou a commissão. — Para os igualar aos vencimentos dos porteiros das outras secretarias.!. Que motivo?.. Eis ahi como são os nossos orçamentos! Crescem por justa posição de moléculas como os mineraes.

Os outros porteiros recebem aquelle ordenado, por que os orçamentos em que os seus augmentos escaparam, não foram examinados, e agora este escapava do mesmo modo.

Tenha a illustre commissão paciencia, mas este negocio não póde passar assim; dêem-lhe o remedio que quizerem, mas que seja digno da camara.

Ha tambem neste capitulo uma cousa muito curiosa e que mostra bem a confusão e systema de embrulhar tudo, com que foi feito este orçamento.

No art. 7.º deste capitulo que tracta da contadoria falla uma verba para pagar as comedorias a 4 officiaes de fazenda que o decreto da dictadura de 12 de dezembro de 1851 manda que haja naquella repartição com este vencimento.

Declaro que isto vem no orçamento, mas noutro capitulo, embuçado, com uma mascara e com outro nome. Convido a illustre commissão a adivinhar esta charada que eu adivinho. E se a illustre commissão a adivinhar, eu sei quem lho disse; e será peior a situação em que fica, se disser que já o sabia por ter consentido, sabendo-o, que uma despeza legal se escondesse em um misterioso esconderijo, entrando sem passaporte e com um nome falso as portas do orçamento.

Ficarei agora por aqui para não privar a camara de ouvir desde já as explicações da illustre commissão sobre este capitulo parecendo-me que já disse alguma cousa para mostrar que neste capitulo, que é dos menos obscuros, a confusão e a falta de systema são a ordem do dia, e por isso nem a illustre commissão que examinou o orçamento, nem o illustre ministro que declarou lel-o feito por sua propria mão, seguiram systema algum. Podendo agora a camara começar a avaliar a importancia que merece o enthusiasmo com que o sr. ministro da fazenda declarou que era opinião sua que o nosso orçamento era perfeito e o melhor da Europa.

Concluo mandando para a mesa a seguinte.

Proposta: — «A lei de 12 de junho de 1822, que fixou o quadro da secretaria da marinha, e que ainda vigora, por não haver outra lei que a revogue, estabelece como quadro effectivo para esta secretaria o seguinte:

1 Official-maior.

6 Officiaes de secretaria.

2 Amanuenses de 1.ª classe.

2 Dictos de 2.ª dicta.

1 Porteiro.

1 Correio fixo para servir de continuo.

E os correios necessarios para o prompto expediente das ordens.

13 Total — menos correios.

No orçamento vem como quadro effectivo da secretaria:

2 Officiaes-maiores.

3 Dictos graduados.

3 Officiaes de secretaria.

4 Dictos graduados.

4 Amanuenses de 1.ª classe.

8 Dictos de 2.ª dicta.

1 Porteiro, guarda-livros.

1 Um ajudante do dicto.

1 Um servente.

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2 Correios a cavallo.

2 Dictos a pé.

Além de 7 empregados addidos ao quadro.

Havendo o abono de gratificações para 2 officiaes-maiores, 7 chefes de repartições, e 1 archivista.

A vista do exposto, proponho que os artigos 2.º, 3.º. 4.º e 5.º voltem á commissão de fazenda para formular um parecer na conformidade da lei. — Arrobas.

Considerada esta proposta como adiamento, foi apoiada, e entrou em discussão.

O sr. Avila: — Sr. presidente, eu tenho que chamar a attenção da illustre commissão de fazenda sobre uma irregularidade que acho neste orçamento, e é esta a razão porque eu voto a favor do adiamento.

Comparando o orçamento que está em discussão com os orçamentos dos dois annos anteriores, vejo por exemplo, na secção 1.ª do artigo 4.º, capitulo 1.º, um porteiro e guarda livros com o vencimento de 500$000 réis, e vejo um ajudante de porteiro como vencimento de 400$000 réis (O sr. Arrobas:_

Isso disse eu tambem) Parece-me que tambem tenho direito de o dizer eu (O sr. Arrobas: — Pensei que v. ex.ª julgava que eu o tinha calado) Acho uma explicação a este respeito na nota preliminar, mas não

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acho que se deva seguir o caminho que nella se apresenta. Diz a nota preliminar a este respeito o seguinte. (Leu)

«Porém, attendendo a que os ajudantes dos porteiros das mais secretarias de estado tem vencimento superior ao desta secretaria, para o equiparar vai mencionado com igual vencimento; donde provém a differença de... 100$000 réis.»

Isto é uma grande irregularidade.

Aqui ha duas irregularidades. Primeiramente este empregado não é ajudante de porteiro, enganaram o sr. ministro da marinha dizendo-lhe que este empregado era ajudante do porteiro, não é, este empregado é continuo graduado em porteiro; o sr. ministro da marinha se examinar os orçamentos de 51 a 52 e de -50 a 51 lá acha isto, não havia no quadro da secretaria da marinha ajudante de porteiro; ha um porteiro, e ha um continuo que está hoje graduado em porteiro. Ora este continuo tem o mesmo vencimento que os demais continuos das outras secretarias, 300$000 réis, e o que se lhe fez agora? Chamou-se-lhe ajudante do porteiro, e diz-se — como os ajudantes de porteiro das outras secretarias tem 400$000 reis, logo é preciso que este tambem tenha 400$000 réis; isto é, a nota do orçamento eleva a 400$000 réis o vencimento de 300$000 réis — Eis-aqui a hypothese a que eu desejo que a commissão attenda. Eu não impugno a creação do logar de ajudante de porteiro na secretaria de marinha, se o governo acha que este logar é preciso, repito, se o governo acha que o logar de ajudante de porteiro é preciso, eu não me opponho, a que o continuo seja nelle provido; mas que sem haver esse logar no quadro da secretaria, o governo faça ou nomeie ajudante de porteiro um continuo graduado em porteiro e lhe dê um ordenado que elle não tem, isto realmente repugna completamente com o que está estabelecido, com as idéas que tem vogado e sido seguidas inalteravelmente por esta camara, e com aquillo que está adoptado em materia de orçamento. Por consequencia o illustre deputado que pediu a palavra para me responder immediatamente, ha de difficilmente provar que este negocio não carece de ser corregido: deve-o ser pela commissão de fazenda, e depois traze-lo emendado á camara. (O sr. Santos Monteiro: — Já temos aqui uma proposta que a camara approva, e então póde votar-se a verba) Realmente é muito saber. Já sabe o illustre deputado que a camara ha de approvar a proposta? Quem lho disse? Pois não podem apresentar-se considerações que levem a camara a não querer votar este augmento de despeza? Para que tornar complicada uma questão que de si é facil e que eu não quero complicar nem tornar difficil como podia fazer se quizesse? Eu podia até fazer uma grande censura ao governo pela circumstancia de se dizer á camara uma cousa que não é exacta. Diz-se no orçamento, que ha o logar de ajudante de porteiro no ministerio da marinha, quando tal ajudante de porteiro não ha, e sim um continuo graduado em porteiro com o vencimento de continuo.

Eu sinto bastante que quando se confeccionam os orçamentos, se lhes não dê mais attenção. Faço justiça aos ministros, elles não podem ver tudo; esta irregularidade que eu notei a respeito do ajudante de porteiro sai dos empregados encarregados da feitura do orçamento, que nem sempre applicam a severidade e escrupulo que devem na organisação destes

trabalhos. Digo no estado actual da questão, o, unico meio de saír da difficuldade, e de remediar esta irregularidade, é o seguinte: — apresentar-se uma proposta ou projecto de lei, pelo qual se supprima o logar de continuo na secretaria do ministerio da marinha, e se crie o logar de ajudante de porteiro: e depois o ministro promova a ajudante de porteiro o continuo que está hoje graduado em porteiro, dando-lhe o ordenado ou vencimento igual ao que tem os demais ajudantes de porteiro nas outras secretarias de estado. Em se fazendo isto, está a questão acabada; d'outro modo é caminhar muito irregularmente.

O sr. Santos Monteiro: — Pedi a palavra contra o adiamento, movido mais pelas razões apresentadas pelo sr. Arrobas, que encetou a discussão, e quer que a materia deste capitulo seja adiada, do que pelas observações, aliás muito justas, que fez o illustre deputado o sr. Avila.

O sr. deputado Arrobas arguiu a commissão de fazenda muito á sua vontade, fez poesia tanta quanta lhe foi possivel, por isso não lhe quero mal, provou que tem talento para a fazer; o sr. Arrobas disse que o quadro da secretaria da marinha estava fixado por uma lei, que é a de 1822, e que era a unica que existia a não ser a do orçamento; porém o sr. Arrobas não se lembra, ou não lhe lembraram como lhe deviam lembrar, que essa lei de 1822 não é lei. (O sr. Arrobas: — Porque?) Porque? Porque ha muitos annos, e talvez o illustre deputado ainda não existisse nesse tempo, porque, digo, ha muitos annos deixou de ser lei, como deixaram de ser leis todas as do congresso constituinte. As leis das côrtes de 1822 foram revogadas quando El-Rei D. João foi para Villa Franca, com a unica excepção daquella que estabeleceu o banco de Lisboa, e a que tractava do emprestimo, todas as mais já não existem. (O sr. Arrobas: — Então existe simplesmente o arbitrio) O illustre deputado diz que existe simplesmente o arbitrio, é verdade, póde ser que actualmente não exista senão o arbitrio; mas é um arbitrio que está sanctificado pelos factos, e pelas repelidas votações de muitos parlamentos. O nobre deputado tambem não devia esquecer-se de que o proprio governo, em quanto usou dos poderes dictatoriaes, reconheceu que as secretarias não tinham a organisação que deviam ter, e por isso promulgou um decreto, auctorisando-se a si proprio, para organisar as secretarias, decreto que é hoje lei do estado, e que, como disse, auctorisava o governo a fazer uma nova organisação de secretarias, e esse mesmo facto obrigou-nos a nós de certo modo a reconhecer o que existe, até que sejam de novo organisadas de outro modo; e debaixo desse ponto de vista é que nós inserimos áparte do pessoal do ministerio da marinha tal como vem no parecer, que não differe daquelle que tem sido votado nos orçamentos anteriores, reconhecendo-se a existencia do facto, e pela approvação constante de differentes parlamentos. Não ha lei nenhuma que marque o quadro da secretaria de estado dos negocios da marinha; porque anteriormente a 1822, como todos os srs. deputados sabem, o numero dos officiaes de secretaria podia ser maior ou menor á vontade do soberano; por isso agora o illustre deputado deve receber o quadro como está, que não é o da lei de 1822, é sim o quadro que consta do orçamento, que tem passado de anno para anno, e que tem até aqui sido sempre recebido por todos os parlamentos.

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Agora pelo que respeita ás observações feitas pelo illustre deputado o sr. Avila, digo que s. ex.ª tem razão quanto ao vencimento, e preciso ser muito franco, nós errámos, não admira, quem é que está isento de errar? Digo, tem razão quanto ao vencimento; mas não quanto ao lugar; porque o lugar de ajudante de porteiro existe de ha muito, e existe por virtude do decreto de 15 de fevereiro de 1843, assignado pelo sr. Joaquim José Falcão — no regulamento da secretaria de estado dos negocios da marinha apparece um porteiro, e um ajudante de porteiro; o que effectivamente não existia era o ordenado de 400$000 réis a que foi agora elevado no presente orçamento, e por esse unico effeito concordo em que é necessario o projecto de lei a que se referiu o sr. deputado Avila. (O sr. Arrobas — E os officiaes de fazenda?) Os officiaes de fazenda cá estão, procure bem o illustre deputado que os ha-de achar comprehendidos no artigo 14 do capitulo 2.º

Não admira que o sr. Arrobas queira dar-se ao incommodo de indagar, de saber, de se instruir iras cousas mais miudas do ministerio da marinha, o que admira é que no ministerio da marinha haja quem forneça certos esclarecimentos, e a certos respeitos ao sr. Arrobas. (O sr. Arrobas: — Foi por ordem do ministro) Não digo o contrario disso. Entre os esclarecimentos deram-lhe porém um, o que se refere ao quadro estabelecido em 1822, que pelo modoporque foi dado, faz suspeitar da boa fé do informante, faz suspeitar que se queria tornar sensivel a circumstancia, devida a causas que se não devem censurar, de existirem dois officiaes-maiores, talvez com o fim piedoso de pôr um na rua, para ficar um só. Isto talvez explique tudo. Talvez prenda aqui toda a questão do quadro, talvez que este seja de facto.......

(Interrupção vehemente da parte do sr. Arrobas) Eu não me refiro a v. ex.ª, eu reconheço a justeza, as boas qualidades, e a muita intelligencia do illustre deputado, mas s. ex.ª não está isempto, nem eu, e nem nenhum de nós, de ser surprehendido por alguem. (O sr. Arrobas (com vehemencia): — Eu não offendo o sr. deputado!) Essa não está má! Tambem eu o não offendo, s. ex.ª sabe que eu sou seu amigo, sabe que lhe tenho constantemente elogiado a coragem que tem desenvolvido na apreciação de muitas cousas; mas nestas cousas não é possivel, mesmo como o illustre deputado disse ha pouco, senão guiarmo-nos por informações dadas por terceiro. Existem dois officiaes maiores com ordenados iguaes, senão por lei expressa, por um facto que tem sido conservado por todos os parlamentos; isto não se póde negar. Aqui bate o ponto, não fallemos mais nisso.

Eu não tenho duvida absolutamente nenhuma, por parte da commissão, de concordar no adiamento desta verba para o unico fim de considerar se o ordenado do ajudante do porteiro deve effectivamente ser elevado á quantia de 400$000 réis, porque só o póde ser por um projecto de lei, ou se deve continuar em 300$000 réis. A commissão concorda no adiamento, mas por este unico motivo, e só a respeito da verba que prende com esta alteração,

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, se a illustre commissão concorda no adiamento do artigo 4.º, por existir ali um augmento de ordenado que não está auctorisado por uma lei, tambem devia concordar para o facto de legalisar o quadro da secretaria de estado para o qual a illustre commissão declarou não haver lei alguma permanente; porque a razão é a mesma em um e outro caso.

Em quanto ao que disse o sr. deputado (que é o segundo a fallar em nome da commissão sobre este ministerio) relativamente ao facto de ter sido por medida geral derogada quando o sr. D. João 6.º foi a Villa Franca, a lei de 12 de junho de 1822, sempre direi a s. ex.ª que houve depois um aviso do mesmo sr. D. João 6.º, declarando que continuava em vigor a lei que em 1822 organisou as secretarias de estado, e por isso ella ainda hoje é lei do estado. Mas em todo o caso acceito a declaração do segundo relator da commissão, porque sendo o meu fim provar que uma parte destes artigos era illegal, vem a illustre commissão confirmar o que eu declarei, e accrescentando ainda ao que disse — eu contentava-me que se reconhecesse que uma parte dos artigos estava illegal — a illustre commissão declara, que illegal está a totalidade; que só o arbitrio tinha dado o nome do quadro ao que vem como tal designado para a secretaria. Acceito, e agradeço á illustre commissão o grande serviço que me fez.

Não comprehendi bem como a illustre commissão quiz justificar a approvação que deu a um quadro que ninguem competente marcou, com a auctorisação que o governo tinha e de que se não serviu para organisar as secretarias. Tambem agradeço muito ao sr. novo relator este argumento que me forneceu contra o governo e a commissão, e do qual ses. Ex.ªs me não tem lembrado, eu não leria feito uso. Se o governo se auctorisou a si proprio para organisar as secretarias, e não usou dessa auctorisação, prova-se que essa auctorisação de poderes não era urgente, e que se podia esperar pelas cortes. A illustre commissão tinha mais um motivo para ser severa com o governo que parece zombar com o parlamento. O governo só practicou o que a medida linha de máo, o não fez o que ella podia ler de bom. Era uma razão bastante para ser censurado e rejeitado um quadro, que pela incuria do governo e pouca consideração que mostra pelo poder legislativo, ainda se apresentava illegal no orçamento.

Em quanto ao que o sr. deputado pareceu querer insinuar, quando disse que lhe parecia que se queria por este modo sacrificar um dos officiaes maiores, não respondo; porque achei isto tão baixo, que farei como se o não tivesse ouvido. Deixo ao sr. segundo relator toda a gloria da sua digna invenção.

Em quanto ao que disse s. ex.ª a respeito dos empregados que me tinham dado as informações, é tão justo como tudo o mais que s. ex.ª tem dicto. Eu recebi os documentos e informações que possuo por ordem expressa do sr. ministro da marinha, e assim é sobre s. ex.ª, o não sobre os empregados, que devem pesar as arguições do sr. deputado; arguições, que são o maior elogio que se tem feito a um ministro em parlamento. S. ex.ª foi o primeiro ministro que fez esforços para esclarecer o parlamento. Honra lhe seja por isso. Só por este facto eu lhe dava o meu apoio. Isto só prova a sua lealdade, o seu desejo de acertar, o quanto s. ex.ª respeita as fórmas constitucionaes.

Como este anno a sessão está avançada, e não será possivel haver tempo para se corregir todas as irregularidades que tem o orçamento, e porque já tenho conseguido o meu fim, por isso que a illustre commissão reconheceu que os artigos que se referem á se

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cretaria, estão ilegaes e que a verba que no artigo 7.º devia existir para pagar as comedorias aos officiaes de fazenda em commissão na contadoria, está encoberta no capitulo 2. artigo 14., com o nome de maiorias; peço a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que eu retire a minha proposta de adiamento.

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu queria sómente dizer a v. ex.ª e á camara que faço meu o adiamento do sr. deputado.

O sr. Presidente: — Então é inutil consultar se a camara consente que se retire, porque o sr. Corrêa Caldeira fel-o seu.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, o estado da discussão mostra que não póde deixar de ser approvado pela camara o adiamento, salvo se tomarmos desde já a resolução de eliminar por uma proposta que se póde formular e mandar para a mesa, os 100$000 reis illegaes acrescentados ao emprego de que se tracta; eu não o proponho, mas era este o unico modo legal que a camara tinha para saír desta difficuldade depois do que se disse e confessou.

Ora, consta-me que, não por acto de s. ex.ª mas por acto creio que do sr. marquez de Loulé foram nomeados tres practicantes, que serviram durante muito tempo sem vencimento algum, mas que posteriormente se lhes deu vencimento sem que appareça mencionado em nenhuma das verbas deste orçamento, e eu vou dizer a s. ex.ª como, segundo as informações que tenho, se procedeu ao pagamento desta gratificação sem se introduzir uma verba nova no orçamento. Parece que dois amanuenses de 2.ª classe do ministerio da marinha saíram em commissão para fóra do reino, o sr. Margiochi e o sr. Sousa, e parece que dos ordenados que pertenciam a estes empregados, e que estavam votados no orçamento porque faziam parte do quadro legal, distraiu-se a parte correspondente para satisfazer a gratificação destes practicantes. Eu não posso asseverar a s. ex.ª este facto porque não tenho, como disse em outra occasião, documentos officiaes em que me firme; mas se isto assim é, s. ex.ª não póde deixar de reconhecer que se deu infracção da lei se houve nomeação de empregados sem vencimento, e se houve pagamento a esses empregados sem auctorisação especial para o lazer. Por consequencia eu creio que nem s. ex.ª, porque não foi quem nomeou estes empregados, nem a commissão de fazenda estão habilitados para responder sobre este assumpto, e então claro é que o caminho rasoavel e logico a seguir é propôr que o capitulo seja adiado até que a commissão estudo esta especie, se informe do facto e traga o seu parecer á camara.

O illustre deputado o sr. Arrobas fallou da inconveniencia e illegalidade com que appareciam neste ministerio dois officiaes maiores: talvez que o illustre deputado não saiba bem a razão disto. Não havia senão um official maior effectivo que era o sr. Lima, mas no ministerio do sr. marquez de Loulé foi feito official maior o que actualmente está servindo, dando-se-lhe a antiguidade que tinha o outro official maior, que, em virtude disso, ficou fóra da effectividade: por consequencia desde esse despacho do sr. marquez de Loulé houve dois officiaes maiores.. (O sr. Arrobas — O outro já o era) o outro era graduado. (O sr. Ministro da Marinha — Nada, até era mais antigo) As informações que eu tenho são que o sr. Carvalho era official maior graduado, e que foi feito official maior effectivo pelo sr. marquez de Loulé; (Vazes — não, não) o que se segue d'ahi é que as minhas informações em parte não eram exactas.

Esquecia-me accrescentar a respeito do ajudante de porteiro e pedir ao illustre deputado que me permitta ponha em duvida a legalidade com que no regimento interno da secretaria se alterou o quadro della, isto não é documento que se produza n'uma camara para auctorisar essa alteração; mas ainda desejo saber outra cousa; o sr. ministro póde dizer se este empregado tem um diploma que o despache ajudante de porteiro 1 Creio que nem isso ha; por consequencia por uma especie de symetria, como os ajudantes de porteiros das outras secretarias tinham 400$000 réis e se queria dar a este empregado 400$000 réis, intitulou-se ajudante de porteiro, e designou-se-lhe a somma de 400$000 réis; mas isto não póde ser, é irregular, abusivo e digno do quantos epithetos se possam accrescentar da mesma natureza.

O sr. Ministro da Marinha: — O nobre deputado indicou um facto que eu ignorava, deterem sido admittidos na secretaria tres practicantes contra uma resolução passada nesta camara, resolução que metem servido de muito, porque a tenho na minha gaveta e com ella respondo aos immensos pretendentes que querem levar seus filhos á secretaria entrando sem vencimento; e já s. ex.ª vê que eu achando essa disposição de grandissima vantagem não praticaria esse facto, que, como digo, ignorava.

Quanto á illegalidade que s. ex.ª indica a respeito do ajudante de porteiro, o que se diz a respeito desse empregado, póde-se dizer a respeito de todos os outros que são empregados da secretaria; porque o orçamento que se póde dizer uma lei consuetudinaria, tem sido sempre assim organisado, chamando-se quadro e fóra, do quadro aquillo que o orçamento indica. Ora, sr. presidente, eu intendo legal, exacto o da maior regularidade o que indicou o nobre deputado que acabou de fallar, e tambem o que disse o illustre deputado por Villa Real; mas effectivamente este homem exercendo já este emprego e sendo tão bom empregado como os das outras repartições, e estando esta entidade no regulamento assignado pelo sr. Falcão em 43, foi apresentado no orçamento porque effectivamente é alli que se determinam os vencimentos dos differentes empregados. Em rigor todos os vencimentos devem ter uma lei especial, mas tambem o orçamento é uma lei consuetudinaria. Em quanto aos amanuenses examinarei o que ha a esse respeito, e pelo que toca a esta parte do ajudante do porteiro no rigor dos principios, intendo que o governo não deve deixar de apresentar uma proposta para determinar o vencimento.

O sr. Avila (Sobre a ordem): — Eu não insisto no adiamento senão em relação a regular-se o augmento de vencimento, e parecia por consequencia que a questão do adiamento estava acabada desde a declaração feita pela commissão e do nobre ministro. Eu pela minha parte conviria em que se votasse o capitulo, deixando esta parte unicamente para ir á commissão. Se v. ex.ª quizer por á votação desta maneira pela minha parte não tenho difficuldade em que não se vote o adiamento, mas unicamente que esta parte vá á commissão, porque tambem a minha intenção não foi prejudicar este empregado de quem tenho boas informações.

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O sr. Arrobas (Sobre a ordem): — Convenho com o que disse o sr. Avila: se retirei o meu adiamento foi unicamente para conservar no orçamento aquella parte que não ha razão nenhuma para ser demorada.

O sr. Tavares de Macedo: — Peço a v. ex.ª a bondade de me dizer em que consiste propriamente o adiamento proposto?

O sr. Presidente: — O adiamento proposto pelo sr. Arrobas, tomou-o o sr. Corrêa Caldeira, e é para voltarem á commissão os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do capitulo 5.º: agora o sr. Avila tinha sustentado o adiamento em relação ao augmento do vencimento do porteiro; mas como a commissão convinha em que era necessario apresentai um projecto de lei para se legalisar este vencimento, parecia-lhe que se podia votar o capitulo, salva a parte relativa a este vencimento.

O sr. Corrêa Caldeira (Sobre a ordem): — Eu depois do que o nobre ministro acaba de dizer, se s. ex.ª se compromette a dar estes esclarecimentos a respeito dos practicantes, não tenho duvida pela minha parte, em retirar o adiamento.

O sr. Ministro da Marinha: — Eu já disse que ignorava que o facto existisse, e por consequencia, não estou preparado para responder desde já, mas hei-de procurar informar-me, e trazer a camara os esclarecimentos que colher. Parece-me que deste modo satisfaço nos desejos do illustre deputado.

E consultada a camara, permittiu que o adiamento fosse retirado — E continuando a discussão do capitulo, disse

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, no artigo 9.º vem o conselho ultramarino; este tribunal existe em virtude de uma lei e por isso esta verba deve ser votada: não posso porém deixar de fazer agora algumas reflexões sobre a má organisação que eu julgo ser lai que como está, não me parece merecer esta repartição a despeza que com ella se faz. O. tribunal é puramente consultivo; os seus membros são inamoviveis e não tem responsabilidade alguma. O governo não é obrigado a consultal-o nas questões de que mais depende a prosperidade do ultramar Se se tracta de governadores ou dos altos funccionarios de que tanto depende o prosperidade das nossas possessões, não se consulta o conselho, porque a maior parte das vezes esses logares se dão ao patronato e não á competencia, e o conselho consultaria contra; mas se se tracta de um amanuense ou de qualquer outro pertendente insignificante e sem protecção, então consulta-se o conselho. Pode-se dizer que sobre cousas importantes o tribunal tem sido duas ou tres. vezes consultado. Que tem feito o governo das consultas que o tribunal lhe tem enviado? Quaes são as medidas a que ellas serviram de base? Nenhumas, ou quasi nenhumas As 60 ou 70 consultas que tem havido lá estão cobrindo-se de pó abandonadas. E o peior é que esta annullação se faz gastando a nação algumas dezena» de contos de réis. E assim esta despeza é completamente perdida. Parece que o tribunal foi estabelecido para accommodar protegidos e não para um fim serio. O proprio ministro que o creou e que hoje serve na, fazenda, não o consultou uma só vez durante os mezes que ainda esteve dirigindo a pasta da marinha.

Um dos objectos importantes que lera a desempenhar o conselho, é a confecção do orçamento das provincias ultramarinas. Estará o tribunal collocado em circumstancias de brim desempenhar este dever?

Poderá elle fazer com que as juntas de fazenda das provincias ultramarinas dêem as contas que á tanto tempo não dão? O governo mesmo parece não ter força para isso.

Que podem nestas circumstancias ser os orçamentos que é conselho confecciona) Uma perfeita poesia. Ha 2 annos que o conselho ahi está. Peço que me mostrem um orçamento que elle fizesse e que mereça este nome.

Ainda no do anno passado vem como governador de Bissau um homem que já á 10 annos não exercia tal logar.

Que tem o governo feito das muitas consultas que o tribunal lhe tem enviado? Nada.

O conselho ultramarino é uma cousa muito util em theoria, mas no nosso paiz com os ministros que lemos, com o estado de relaxação do serviço no ultramar, e com a organisação que tem o tribunal, elle não póde desempenhar a sua missão, e poderia dar-se outra melhor applicação aos fundos que se destinam para esse fim. Além disto parece-me que a existencia simultanea do conselho ultramarino e da secção do ultramar do ministerio da marinha não dão grande vantagem. Estas duas entidades rivaes poderão funccionar por muito tempo sem que se estabeleça unia lucta de attribuições e um ciúme de auctoridade prejudicialissimo ao serviço? Não o creio.

Dai ao conselho a administração do ultramar, com responsabilidade dos conselheiros; dai a presidencia ao ministro da marinha, dai-lhe uma organisação analoga ao conselho do almirantado em Inglaterra, e então eu votarei com satisfação esta verba que poderá produzir a prosperidade das nossas provincias ultramarinas, mas que por agora é principalmente destinada a manter um ninho para os afilhados do poder.

Concluo por santo votando contra este capitulo por não estar em conformidade com as leis do paiz e pela falta de confiança que tenho da utilidade das despezas que alli se acham consignadas, pela má organisação que se dá no pessoal que ahi figura.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, respeito muito os cavalheiros, membros do conselho ultramarino; sou honrado com a sua amisade, e reconheço que são pessoas muito habilitadas para tractarem dos negocios relativos ao ultramar. O estabelecimento do conselho ultramarino merece a minha approvação; com tudo intendo no meu fraco pensar que elle é incompativel com a secção do ultramar: queria que o conselho ultramarino tivesse mais attribuições, do que as que lhe foram dadas; desejava que certos negocios fossem decididos como em outro tempo, por provisões do conselho ultramarino. Se este conselho estava guardado para ser meramente um corpo consultivo, então intendo que elle não devia ter a cathegoria que se lhe deu.

Parece-me que é muito conveniente para a boa decisão dos negocios do ultramar, que á testa deste conselho se ache o ministro da marinha e ultramar; porque sendo presidente deste tribunal, está ao alcance de todos os objectos que alli se tractarem. Ha muitas consultas do conselho ultramarino na mão do governo, e muito poucas estão decididas, isto por que o sr. ministro antes de as resolver precisa estudar as questões, as quaes s. ex.ª teria estudado, se fosse presidente deste tribunal.

Portanto, não querendo occupar por mais tempo

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— 151 -a attenção da camara, lembro unicamente ao illustre ministro da marinha a conveniencia de se dar uma nova organisação ao conselho ultramarino, a fim de se remediarem quanto possivel algumas disposições que se dão na actual organisação do mesmo conselho, e as quaes não são muito uteis ás provincias ultramarinas.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, eu não tinha tenção de fallar no paragrafo 1.º, e por isso direi muito pouco, e esse mesmo pouco fui seduzido a dizel-o por algumas expressões que ouvi aos illustres deputados que me precederam. Sr. presidente, é-me bastante doloroso ouvir alguma cousa que não abone muito o conselho ultramarino.. O conselho ultramarino não tem, é verdade, feito muito no pouco tempo em que existe; mas advirta-se que não é possivel esperar, que creações novas, estabelecimentos novos produzam immediatamente os melhores effeitos. O que se disse até certo ponto, como censura ao conselho ultramarino, tambem se podia applicar a outras repartições novas que existem entre nós, e que não produziram, desde Jogo os melhores resultados. Sei que na secretaria de marinha existem algumas consultas do conselho ultramarino, sem que até agora tenham tido resolução alguma; mas isto prova que o conselho ultramarino alguma cousa tem feito, por isso que tem consultado o governo. O governo ainda não tem resolvido essas consultas, mas quer a camara saber as razões porque não as tem decidido? Uma dellas é estar a camara aberta ha 7 mezes e o fazerem-se, da parte dos srs. deputados, requerimentos sobre requerimentos, propostas sobre propostas, e só para os ministros darem respostas promptas gastam todo o tempo. O estar o parlamento aberto concorre poderosamente para os ministros não poderem tractar os negocios publicos.

Tambem se disse que o conselho ultramarino precisa de uma nova organisação; mas isto é objecto de opiniões: uns deputados podem ter uma opinião, e outros outra.. A frente desta repartição estão individuos de muito merecimento, de muita auctoridade e de muito patriotismo, e com muito interesse pelas cousas publicas.

Os trabalhos do sr. Arrobas são muito louvaveis, mas o seu enthusiasmo proprio da sua idade, tem-o levado a empregar expressões que mais parecem censuras ao conselho ultramarino do que recommendações ao governo.

Sr. presidente, eu tinha tenção de fallar em outros capitulos, mas unicamente para dirigir alguns pedidos ao sr. ministro da marinha; lodos tendentes ao melhoramento das nossas possessões e não para censurar; porque censura por censura nada ha que não as mereça. Concluo declarando que não tenho a menor duvida em votar pelo capitulo como elle se acha.

O sr. Tavares de Macedo: — Sr. presidente, os illustres deputados que me precederam, alargaram-se em considerações certamente muito ponderosas, sobre o conselho ultramarino; no entretanto, o conselho hoje é unia instituição legal, que ha muitos annos reputo indispensavel, e me comprazo em a vêr estabelecida. Não entrarei nos pormenores da sua instituição, nem nos defeitos que se lhe possam notar, porque não ha instituição nenhuma que não possa ser melhorada, nem que ao principio não apresentasse inconvenientes.

Desejava que o sr. Arrobas não tivesse dicto que ha antagonismo entre a secretaria de marinha, e o conselho ultramarino: intendo que tal antagonismo se não dá, nem o conselho ultramarino tem cousa alguma com a secretaria. Os membros deste conselho quasi todos são amigos intimos dos officiaes da secretaria, por consequencia longe de se dar antagonismo, elle não só se não dá, mas até era possivel existir.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, maravilhei-me de ouvir dizer ao sr. Pegado, que eu fiz censura ao conselho ultramarino: eu unicamente notei e pedi ao sr. ministro da marinha que tivesse attenção á organisação do conselho ultramarino, que na minha opinião me parecia que devia ser organisado de outro modo.

Disse o sr. Pegado, que isto não era mais que opinião: eu mesmo assim o disse, que era opinião minha; por consequencia nisto não dá o illustre deputado novidade alguma. Eu não censurei nem era capaz de censurar.

Agora o que poderia dizer-se é que o illustre deputado aproveitou este ensejo mais para elogiar os membros do conselho do ultramar, do que para outra couza. Não contesto que o illustre deputado lenha razão; mas o que digo é que não houve espirito de censura da minha parte, e sim unicamente recommendar a s. ex.ª a melhor organisação; e disse francamente o que intendo, e até é o que tenho ouvido dizer a pessoas muito competentes.

O sr. Ministro da marinha: — Sr. presidente, eu julgo que o que se tem dicto a respeito do conselho ultramarino, tem sido de grande utilidade para aquelle conselho, e para os individuos que formam parte delle, e mesmo para esclarecimento da camara. Comtudo devo dizer em abono deste estabelecimento (e não desejo demorar-me muito neste ponto, porque não creio que seja necessario em objectos desta ordem) que muitas consultas tem sido mandadas ao governo, e existem em meu poder, e a que eu não tenho podido dar andamento; porque, digo a verdade, algumas dellas versam sobre medidas de natureza legislativa, e devendo vir a esta camara, e tendo de seguir lodosos tramites ordinarios de serem remettidas ás commissões respectivas para as examinarem, e darem sobre ellas -o seu parecer, e ser discutido, tudo isso levaria muitissimo tempo, e então pareceu-me, e entrei em duvida, se deveria uzar de auctorisação, que não sei se poderia pedir depois de as ler mandado para a camara, para as mandar por em execução.

Eis-aqui a razão porque tem havido alguma demora em mandar pôr em execução medidas de grande utilidade, e do maior interesse para as provincias do ultramar.

O sr. L. J. Moniz — Sr. presidente, é com a maior repugnancia, que vou fallar em uma «causa, onde, talvez, attenta a minha posição, me devia dar por suspeito; que se fóra por meu respeito sómente, que me sentisse disposto a fallar, entregaria a minha causa ao juizo da camara, relativamente ao que os dois illustres deputados (o que tem assento defronte de mim, e o sr. deputado por Gôa) acabam de expender ácerca do conselho ultramarino.

Ambos os illustres deputados parecem concordar no pensamento que inspirou a creação deste conselho;,mas o primeiro que fallou, o fez dizendo depois taes cousas, que se eu orador bem o comprehendi, mui pouco ha que approvar naquella instituição.

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Em verdade, uma nação que tem mui vastas colonias, mui ricas em preciosos e mui variados productos, situadas em regiões longínquas, e ellas mesmo mui distantes umas das outras; com terrenos e climas mui differentes, com habitantes mui diversos em lingoas e costumes; e por todas estas razões, divergindo muito tambem em sua legislação local, e em seus governos, em muitos dos quaes tudo está ainda em um estado de muito atrazo, e, para assim dizer, como em embrião, e precisando muito de desenvolvimento; e em outros, tudo ou quasi tudo, por muito tempo, em estado de confusão, e precisando de reformas radicaes; uma nação, digo, que demais a mais, nessas provincias tivera o theatro de sua maior gloria, mereceria, com razão, a taxa de mui descuidada, se não possuisse um corpo permanente, onde recolhesse todos os conhecimentos relativos ás mesmas provincias; e pelo qual consultasse sobre todos os negocios graves da sua administração, e preparasse todas as medidas importantes dessa mesma administração; e por esta razão, desde tempos mui remotos, com este ou com outro nome, tem existido na metropoli um tal corpo collectivo.

For longos annos existiu durante a monarchia absoluta, e foi o depositario de valiosas riquezas desta natureza, e o creador de muitas outras da mesma especie: só por motivos politicos, e talvez por ler degenerado de sua instituição, foi extincto com a restauração do governo representativo; mas, logo depois muito se sentiu a sua falla; e por essa razão, governos de differentes, e até de oppostas parcialidades politicas, tinham ou creado ou conservado uma commissão permanente e extra-parlamentar, para preencher uma parte das funcções do antigo conselho do ultramar; mas esta commissão não se achava sufficiente para conhecer, com proveito publico, de lodo» os negocios das provincias de alem-mar; porque um tão arduo, tão complicado, e tão variado e incessante trabalho, não é para se fazer de graça, e por pessoas pertencentes a outras repartições, ellas mesmas já mui trabalhosas; ou que eram obrigados para o desempenhar a ficar por muitos tempos ausentes, e muito longe de suas casas, de seus negocios, como me aconteceu a mim, e a outros que comigo serviram, gratuitamente, por muitos annos naquella commissão.

Finalmente viera um ministro que, seguindo estas idéas, e para assim dizer, não fazendo senão transformar em lei o pensamento de todos, estando neste numero o de alguns de seus antecessores, que levados do mesmo impulso para o mesmo fim, haviam apresentado propostas mui desenvolvidas ás cortes, o qual ministro, aproveitando-se dos poderes extraordinarios da dictadura em que se viu, se resolveu a crear, ou para melhor dizer, a revivificar o conselho ultramarino. -E bem haja o illustre ministro, em vista das razões expendidas, pois sem elle esta nação e o seu governo dariam de si um documento que nenhuma nação possuidora de colonias importantes e numerosas, hoje provincias de alem mar, jámais déra.

Pareceu-me que o illustre deputado que primeiro fallou, se queixara que no conselho do ultramar nada se sabia das cousas do ultramar, que tudo ficava na secretaria preso, não sei por quem. O que posso assegurar ao sr. deputado é que, tanto nas leis da creação e organisação do conselho, como no seu regimento, ha elementos e disposições para se saber tudo o que cumpre saber para o bom regimen das terras do ultramar; porque segundo aquella legislação, tres são as classes de que deve ser composto o conselho; a 1.ª de vogaes que tenham sido governadores ou auctoridades superiores daquellas provincias por mais de tres annos; a C. de pessoas que, alem da devida aptidão e honradez, sejam naturaes daquellas provincias, ou nellas residentes por mais de sei annos; a 3. de pessoas que tenham provados conhecimentos em materias de administração publica em geral, o que póde comprehender tambem os das cousas do ultramar, ou em materias de jurisprudencia. Já véo illustre deputado e a camara, para muitos dos membros da qual póde não ter havido occasião de ler chegado até elles o conhecimento destas circumstancias, que ha naquella legislação meios para haver no conselho uma combinação de conhecimentos locaes, e de conhecimentos geraes em todos os assumptos conducentes á boa administração dos estados do ultramar: que em nenhum dos ramos em que a lei Os exige, falta no conselho alguem que os possua. Dispõe mais a lei que no conselho haja sempre algum membro dotado dos conhecimentos locaes adquiridos no governo ou administração da justiça de cada uma daquellas terras; não ha uma só das provincias que não tenha entre os membros ou supplentes um vogal que a represente a este respeito; e se mais forem necessarios está providenciado na lei que possam ser chamados a auxiliar o conselho, não só dentre os supplentes, mas dentre os empregados superiores da secretaria e até de fóra. Além das pessoas dotadas dos conhecimentos especiaes e geraes de que acabo de fallar, ha no conselho vogaes com habilitações scientificas nas sciencias naturaes. O mesmo illustre deputado alludiu a uma época em que o conselho não tinha que fazer, porque o governo nada para lá mandára, e pareceu-me que o sr. deputado attribuiu isto a uma especie de monopolio que a secretaria queria exercer. Não sei se intendi bem o sr. deputado, mas este é o sentido que deprehendi das suas expressões.

Sr. presidente, eu sou o mais novo no conselho, mas não faço parte delle senão desde 13 de abril; dessa época por diante de continuo tem sido enviados negocios a consultar, uns de alta monta e summa difficuldade, outros de muito menor importancia, mas que revelam no sr. ministro o melindre, e escrupulo. O conselho com um assiduo trabalho não tem podido vencer ainda tudo; mas poiso assegurar á camara, que lá ninguem está de braços cruzados: pelas datas dos officios de remessa, observei eu que grande parte desses negocios já lá tinham chegado antes da minha entrada; e pela synopse dos trabalhos anteriores notei que havia já antes muitos e importantissimos negocios examinados e resolvidos; repartições inteiras organisadas, reformas valiosas, propostas, e muitos outro negocios em consideravel andamento. As partes impacientam-se na demora de suas pretenções, e a attribuem muitas vezes a descuido das auctoridades ou funccionarios quando só a devem imputar a difficuldades das mesmas pertenções: bem sabido é de todos os que tem experiencia de qualquer ramo do serviço, que não ha pertendente que não considere a sua pertenção como de inquestionavel justiça e facillima resolução, quando muitas vezes é o contrario, e outras, ainda que a justiça seja manifesta, não é igualmente facil deparar com o modo de lha fazer sem offender direitos de outros, ou achar os meios pecuniarios para esse fim.

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Nunca descobri na secretaria disposição alguma a monopolizar: no conselho ha um funccionario superior da secretaria, sempre prompto a prestai todas as informações que não dependam para isso da auctoridade do ministro; e o illustre deputado é mesmo testimunha de quanto o actual ministro e franco em materia de informações; mas se o conselho descobrisse que tal era a disposição da secretaria, de certo lho não tolerava, e procuraria logo o remedio legal a esse abuso. Eu, por minha parte, posso asseverar, que tanto na qualidade de deputado, como de membro do conselho, como mesmo de particular, nunca encontrei naquella secretaria nos empregados e em todos os mais, senão muita benevolencia, muita cortezia, e muita promptidão em me ministrar todos os informes e esclarecimentos que pedi; porque tenho sempre muito cuidado de não pedir senão aquelles que se podem dar sem offensa da justa reserva official dos empregados; ou para outros quaesquer, preparo-me com a auctoridade prévia do ministro.

Fallou o illustre deputado no orçamento do ultramar, e não só se queixou que não tinha vindo perfeito, mas que nunca havia de vir. A confecção do orçamento do ultramar é um dos principaes objectos a cargo do conselho pelo seu regulamento, e é um dos que todos os membros do conselhos tem mais a peito, e em que se tem empenhado os maiores esforços, e continuam a empenhar, para que se chegue a ultimar pelo modo mais completo; e os membros do conselho não acompanham o sr. deputado no scepticismo que parece dominal-o. Já o conselho tem em seu poder trabalhos de orçamento vindos do ultramar, mui perfeitos, e até que podem servir de modêlo: ainda quando todos não cheguem á mesma perfeição, espera o conselho que hão-de corresponder ao fim desejado. E não admira que não tenham chegado até agora todos os orçamentos parciaes de terras ião distantes, e donde as correspondencias são tambem tão distantes em tempo, quando mesmo nos districtos do reino, e até mesmo da visinhança da capital, nem todos os documentos desta natureza chegam tão regularmente como era para desejar: o conselho, em uma palavra, fez com os dados que teve, o mais que era possivel; e tem tomado, e ha de tomar todas as medidas para esta obra se aproximar ornais que ser possa á perfeição, e apparecer no tempo competente perante o governo e esta camara.

O illustre deputado alludiu a uma synopse dos trabalhos do conselho: eu tenho a satisfação de lhe annunciar, que os seus desejos para que haja uma synopse de todos os trabalhos do conselho, estão de ha muito antecipados pelo conselho, e muitos outros meios de informação estão em andamento por ordem do coselho.

Ambos os illustres deputados, que discorreram nesta materia, arguiram, o conselho, por um lado como deficiente, por outro como em excesso de attribuições; mas uma e outra cousa de uma maneira vaga, e não definida; nenhum designou quaes eram os pontos precisamente em que o conselho precisa de reforma. Apenas o primeiro dos dois srs. deputados alludiu ás attribuições do antigo conselho do ultramar como preferiveis: eu porém, não posso deixar de dizer ao illustre deputado, em continuação do que já referiu outro illustre deputado, tambem filho de uma provincia ultramarina, e della representante, que naquelle conselho havia estas attribuiçoes, que são incompativeis com a reforma representativa do governo que nos rege; e que não podiam ser adoptadas sem uma flagrante violação da actual constituição do estado; e que só podiam existir sob a fórma da antiga monarchia simples e absoluta.

O illustre deputado proferiu uma expressão, pela qual até me pareceu querer que o conselho podesse castigar as auctoridades do ultramar que prevaricassem. O illustre deputado é. ainda que mui novo, mui illustrado para emittir uma tal expressão seriamente, pois o illustre deputado sabe que isso e moralmente impossivel, porque é constitucional; pois só aos tribunaes de justiça, segundo a divisão dos poderes, principio fundamental sem o qual não ha liberdade, pertence castigar, isto e, impôr penas por uma sentença proferida em virtude de um processo executado segundo as leis; e o conselho não é um tribunal de justiça, mas um corpo consultivo, e administrativo.

Todavia ao conselho pódem ir a consultar informes, e papeis que possam conduzirá demissão de empregados de qualquer cathegoria, e mesmo a mandar-lhes formar causa pelos tribunaes de justiça; o de facto já alguns tem ido, e alguns existem no tribunal com este caracter; que não tem dado pouco que fazer aos vogaes do conselho.

O illustre deputado fez uma distincta allusão ao modo de prover logares. O mais geral, segundo o regimento do conselho, é o methodo salutar dos concursos; o conselho o tem adoptado até para aquelles casos em que, se elle não é prescripto, tambem não é prohibitivo; todavia ha exemplos de casos para os quaes as leis os não tem estabelecido, como são os casos das promoções militares de accesso; e outros em outras classes onde são por accesso e por antiguidade mui definidos. Ha outros onde elles não existem, talvez, que por serem logares de immediata confiança, em que os chefes precisem de estar em toda a liberdade de escolha, porque tem toda a responsabilidade pelos escolhidos. Não tracto de, por agora, decidir se mesmo para estes as auctoridades superiores não farão bem em mandar proceder ao concurso, por isso que, sendo elle consultivo, em nada as prendia, se os consultados lhe não merecerem a confiança; e lhes fornece bons meios de informação.

O illustre deputado por Gôa pareceu querer que o conselho do ultramar não fosse mais que uma secção junto á secretaria. Parece-me que essa posição não era compativel com uma das mais proficuas condições do conselho, que é a de serem os seus membros tirados das classes superiores do serviço do estado no ultramar, ou mesmo no reino; como são os que teem sido governadores daquellas provincias, juizes das suas relações, e até ministros de estado do ultramar, etc. Ora, descer destas cathegorias para uma de simples adjuntos a uma secretaria, parece-me que era caír de mais e sem proveito nenhum, antes em grande prejuizo para o serviço da nação no ultramar, era um paradeiro bem rasteiro e bem baixo para homens que têem encanecido no serviço naquelles climas inhospitos, ou em algum outro ramo de igual valia. Os que tinham servido bem em taes cargos no ultramar, no antigo conselho vinham achar, com utilidade para a nação, e com dignidade para si, o posto de repouso; esta sim, e outras disposições similhantes acho eu mui dignas de serem copiadas do antigo conselho, e, na verdade, o foram; e só o não foi a

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dos antigos ordenados, porque a nação hoje não tem meios para tanto; e, para dar mesmo os actuaes, se tem sempre attendido, nas nomeações, a que ellas, ao passo que recaiam em pessoas legalmente habilitadas, recaiam tambem, no maior numero que ser possa, em pessoas que, por terem outros vencimentos, ou como aposentados, ou como jubilados, ou por alguma outra razão, poupem ao thesouro essa parte dos vencimentos.

Em conclusão: os illustres deputados não consideram o conselho do ultramar obra perfeita; tambem eu não a tenho como lai, para o que basta ser obra humana; mas não posso deixar de a considerar como uma instituição muito proveitosa, mesmo indispensavel, e como contendo, pela lei de sua organisação, excellentes elementos para produzir os resultados que o legislador levou em vista. O mais, como muito bem observou o illustre deputado por Macáo, deverá ser obra do tempo e de uma experiencia pausada e mui reflectida, á luz da qual se vão notando as, imperfeições, e procurando os remedios; e nesta marcha pódem os illustres deputados estar descançados, que teem muito bons representantes dos seus desejos nos membros do conselho ultramarino.

Não sei se alguma cousa me escapou dos muitas que me pareceu ouvir aos dois illustres deputados, um por Gôa, e outro que defronte de mim tem assento (os srs. Jeremias e Arrobas); nem mesmo devêra ter levado tanto tempo á camara com. as minhas reflexões; porque grande parte da camara está muito ao alcance dos meios de poder avaliar as ideas dos illustres deputados; mas, como os mesmos srs. deputados, principalmente o primeiro que fallou, são uma prova de que se póde ser membro desta camara, e não estar senhor de toda a legislação, ou avalial-a differentemente; e como o que aqui se diz não é só para nós, mas para a nação, que aqui nos mandou para zelar a sua bolsa, pareceu-me que não devêra deixar passar sem resposta cousas que foram dictas por occasião de uma verba importante do orçamento; e que, a irem sem ella, poder iam fazer impressão em alguns dos membros desta camara, e em alguma parte do publico, contra uma corporação, que eu considero como de summa utilidade para a nação, e sem a qual o serviço publico soffreria uma lacuna mui grande e mui prejudicial.

Só me resta advertir que me parece ter-me escapado declarar que nenhum conflicto tem havido entre o conselho e a secretaria, como já advertiu um illustre deputado, mui distincto official de secretaria, e mui benemerito membro da commissão externa, que, por muitos annos, serviu em parte do conselho do ultramar; — que a minha humilde pessoa foi o que menos me induziu a occupar a camara por algum tempo, a respeito da qual bem pouco disse; mas por esse mesmo pouco, peço desculpa á camara, pois e natural a qualquer o desejo de não parecer que disfructa o dinheiro da nação no ocio, ou em empregos inuteis.

E pondo-se logo á votação o

Capitulo 1.º, salvo o que se houver de legalizar a respeito da verba de 100$000 reis ao ajudante de porteiro — foi approvado.

Capitulo 2.º -Officiaes militares e civis — 44:1571$007.

O sr. Arrobas: — Como já disse, sr. presidente, ha nesta repartição 4 amanuenses servindo utilmente ha muitos annos, mas não figuram no orçamento.

Desejava agora vêr aqui o sr. ministro da fazenda, que disse fizera pela sua mão o orçamento por onde este foi copiado, para que s. ex.ª me explicasse como mandava pagar a estes empregados quando foi ministro e fez o orçamento em que elles não figuram, pelo menos, claramente. Ou elles são necessarios, ou não: se o são, o sr. ministro estava em dictadura, organisasse aquella repartição; se o não são, então é um ninho que s. ex.ª conserva, e vem de modo no orçamento que a camara o não póde verificar. Serão elles marinheiros, despezas eventuaes, ou madeira para construcções? A illustre commissão saberá explicar-nos isto?

Esta repartição substituiu o conselho do almirantado, que reunia toda a parte technica e administrativa da auctoridade naquelle ramo de serviço, ficando ao governo a parte politica. Reconheço que a antiga, organisação não era boa, mas lamento muito que sempre que uma cousa em o nosso paiz náo estiver bem, o remedio que se lhe dá é a destruição. A maioria general substituiu o conselho, e ficou com todas as suas attribuições, mas em breve a lucta que sempre houve, e ha-de haver, entre o elemento militar e o civil daquella repartição, em todas as nações, acabou por despojar o major general de todos os meios de poder responder pela boa ordem, exactidão, e rapidez das operações de marinha.

Hoje, sr. presidente, aquella auctoridade não é mais do que um chefe do pessoal puramente militar. Não póde consultar o governo sobre questão alguma. A unidade e systema desapareceu. Para saír um navio é necessario tractar com uma quantidade immensa de repartições, que unicamente dependem da secretaria, aonde não ha uma parte technica. Foi por isso que os vapores da fiscalisação se compraram, bem como os cascos velhos que ahi temos.

Ninguem póde agora dizer ao governo de repente, em quantos dias um navio poderá armar e saír, porque uns não sabem dos outros os diversos ramos do serviço. Cada qual vive em seu reino — arsenal — cordoaria. — hospital — contadoria — etc. etc. Na lucta venceu a parte civil: a militar, por agora, o completamente passiva e secundaria. Eis-ahi uma das razões por que a nossa marinha tem chegado a este estado lastimoso! Chamo a attenção do governo, convidando-o a que, na proxima sessão, apresente as respectivas propostas para remediar estes inconvenientes, e muitos outros, que ha naquelle ramo de serviço publico.

Se o governo creasse o conselho do almirantado, de modo que alli houvesse representantes de todas as especialidades do ramo de marinha, sendo presidente o ministro da marinha, e não mandasse para alli os fosseis, veria como desappareciam todas as irregularidades que hoje existem. A despeza não seria maior, porque este conselho podia accumular as attribuições do supremo tribunal, e o que se gasta com ambos é mais que sufficiente para elle se manter. Confio muito no sr. ministro actual, e por isso dou por este modo a minha opinião, esperando não ter perdido o meu tempo

Quanto a auditoria, parece-me que esta repartição não funcciona como deve, por isso que é muito morosa. Esta repartição custa ao estado 880$000 réis cada anno, e deixa estar presos ha immenso tempo, definhando-se entre ferros no castello de S. Jorge, muitos marinheiros, que fazem de despeza 2 contos

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e tanto. Até aqui os marinheiros estavam presos a bordo, e faziam certos trabalhos, e hoje, depois da existencia do corpo de marinheiros militares, vão para o castello, estão dentro de ferros, alguns, ha muitos anno, sem se lhes fazer o processo. Voto, por tanto, por esta verba; porque a acho legal, mas não posso deixar de fazer estas considerações, por isso que esta repartição faz mais prejuizo do que aquillo que se lhe dá.

Quanto as capitanias dos portos e ilhas, tenho a dizer, sr. presidente, que a commissão se esqueceu dos patrões mores da ilha Graciosa e do Rio Douro, os quaes tambem recebem vencimento. Parece-me que, recebendo do estado, deviam figurar no artigo 13.º; e, no entretanto, nem no orçamento apresentado pelo governo, nem no parecer da commissão, se falla em similhantes individuos.

Em quanto aos officiaes que se acham em commissões, servindo em terra direi que no orçamento só falla só em 2 chefes de divisão graduados, em (pranto existem 3, que são os srs. barão de Roboredo, João da Costa Carvalho, e Joaquim Antonio de Castro: no entretanto no orçamento vem só 2. Perguntarei á commissão, se tambem se esqueceu deste chefe de divisão graduado?

O orçamento marca tambem 5 capitães de mar e guerra, e no entretanto, pelos documentos que pedi, e pelas informações que obtive, vi que em logar de o, são 7, porque falla mencionar o sr. Scarnichia, e o sr. Francisco Pedro Limpo, que se acha em França. Por tanto, tambem os capitães de mar e guerra não são 5, mas 7, como acabo de demonstrar. No orçamento vem como primeiro constructor, um segundo constructor, o que dá de differença 1$200 réis por dia: tambem a commissão não veria isto?

Quanto ao supremo conselho de justiça militar, direi, que no orçamento não vejo arbitrada nenhuma gratificação para o capitão de mar e guerra graduado, quando exercesse as funcções de vogal deste conselho. Intendo, que o governo não póde saber quando ha-de mandar funccionar este individuo no supremo conselho. Elle está nomeado vogal suplente do conselho, e ha-de ir exercer as suas funcções quando houver vaga; e no entretanto, o governo não pede á camara meios para lhe pagar.

Quanto ás capitanias dos portos, ainda direi que 110 orçamento vem propostas gratificações para 9 capitães-tenentes, mas falta uma para o capitão do porto da Madeira, (O sr. Ministro da marinha.: — Cedeu de tudo). Não vejo que este militar cedesse do seu soldo.

Sr. presidente, ha outra circumstancia quanto aos officiaes empregados na commissão hydrografica. Este corpo foi instituido ha muito pouco tempo, e estes officiaes acham-se trabalhando na commissão geodesica, mas não estão na commissão em que devem estar.

E sobre este ponto, perguntarei: teremos nós cartas hydrograficas; estarão ellas reconhecidas? Consta-me, que estes officiaes vão sair da commissão geodesica, e passam a trabalhar no ministerio da marinha, listará o governo habilitado para pagar-lhes as despezas que se fizerem?...

Na relação dos capitães tenentes e primeiros tenentes, não vem todos aquelles a quem se paga. Ha 1 director de trabalhos a quem se paga pelo arsenal, e que não está na relação.

O sr. Francisco de Paula e Sousa tambem recebe maioria, e não vem no orçamento como tal. O sr. Lourenço do O, e outro senhor empregado nas galeotas, não recebem os vencimentos que a lei lhes dá, e recebem outros.

O sr. Osorio e Brito não recebe maioria, em quanto que a recebe o sr. Esteves; e se a lei a dá a um, tambem a dá a outro. O sr. Esteves é lente da escóla do exercito, e o sr. Osorio é lento da aula do commercio.

Faltam 4 inspectores de trabalhos, porque no orçamento vem só 2; e quanto aos officiaes de fazenda vem 5, e elles são 7, e direi os nomes dos que faltam: são os srs. Macedo Valladas, que está em commissão, e João Ignacio Vianna. A commissão esqueceu tambem uma entidade muito importante, que são as maiorias para 2 constructores, que não vem no orçamento, e era preciso que viessem, porque elles recebem. São as maiorias do sr. Moraes, e do sr. Sampayo, que não só é ajudante do constructor, mas tambem empregado na escóla naval.

Falta mais um cirurgião, que se acha em commissão no hospital da marinha, e que recebe comedorias.

Na verdade, tenho dó deste orçamento, quando vejo uma confusão de tal ordem em todos os seus artigos; vejo, por exemplo, na verba da extincta brigada, dois brigadeiros reformados com mais 4$000 réis cada um do que o vencimento dos effectivos; vejo mais abaixo um cirurgião-mór graduado, que é capitão, com um soldo maior que o de um tenente-coronel.

Sr. presidente, cança o apontar tantas irregularidades, que não teriam logar se o orçamento, a par de cada verba, tivesse a lei que a auctorisa; porque deste modo conhecer-se-ia logo se estava ou não em conformidade com a lei, e de certo isto não se explica nas contas de gerencia que o sr. ministro indica, e que ou, por mais diligencias que fiz, não pude alcançar.

Portanto, não me demorarei mais neste artigo, porque tenho ainda cousas muito importantes que dizer em outros.

O sr. Santos Monteiro: — Eu não sei como o nobre deputado avalia a intelligencia do illustre ministro da fazenda, e não sei nem se o illustre ministro sabe que cousa é conta de gerencia, nem se sabe que cousa é conta de exercicio; como s. ex.ª está ausente, é necessario que alguma voz se levante em sua defesa. Eu estimaria muito saber metade do que elle sabe, é assim que respondo ao illustre deputado.

Vamos a esta questão, a mais impertinente decerto de todas quantas teem apparecido no parlamento desde que se discutem orçamentos.

Eu e a camara toda não lemos remedio senão fazer cada vez mais justiça aos bons desejos, e até á paciencia, levada ao ultimo ponto, do illustre deputado nas muitas indagações a que procedeu. O illustre deputado leve a bondade de assegurar á camara que a commissão do fazenda não podia ser arguida por não ter dado com esses achados com que deu o illustre deputado; mas esqueceu-lhe dizer uma cousa, e era muito conveniente que a dissesse, esqueceu-lhe dizer, que sendo o illustre deputado convidado pela commissão do fazenda na qualidade de relator da illustre commissão de marinha, a fim de a auxiliar com as suas luzes, com o seu muito saber, e com o seu trabalho no exame do orçamento, não nos forneceu absolutamente nenhum esclarecimento, achando-me

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lhor dar aqui este espectaculo, que se fosse traduzido como se póde traduzir, nós tinhamos de sair daqui para fóra dizendo que o ministerio da marinha não era senão um roubo; mas felizmente não é assim (O sr. Arrobas: — Nem eu o disse).

Ora o illustre deputado tem feito uma figura brilhante em quanto mostra que se deu a um trabalho improbo, e em quanto dá um novo testimunho de que é incansavel em indagar o que se faz em uma repartição que felizmente tem um curador tão officioso como é o respeitavel deputado. Mas eu não podia por fórma alguma, nem nenhum dos membros da commissão, vir aqui preparado para um exame vago, e por uma especie inteiramente nova e differente de tudo o que se tem feito até agora. (O sr. Arrobas: — Peço a palavra) V. ex.ª já a pediu.

Eu vou explicar á camara porque a commissão de fazenda parece vergar debaixo de uma responsabilidade extraordinaria, porque parece que não fez nada, que olhou para isto superficialmente, que não cumpriu o seu mandato, e que de certo tem de ser occupada. Mas ha de ser absolvida. O illustre deputado confessou ainda não ha muito tempo que a propria commissão de fazenda lhe forneceu o unico documento que tinha, e que a 9. ex.ª, que possuia outros, serviu para melhor firmar as suas arguições. A commissão de fazenda não podia examinar o orçamento, especialmente em relação aos dois capitulos que teem estado em discussão senão pelos documentos que lhe fossem fornecidos pelo ministerio: é o que fez, e a vista desses documentos intendeu que o governo não pediu verbas maiores do que as necessarias para as despezas que vinham votadas para os differentes individuos mencionados na relação nominal que mandou para a camara, e á vista disso não teve duvida nenhuma de julgar o orçamento conforme. -Mas como o illustre deputado (e a mesma franqueza que s. ex.ª tem, tenho eu) já tem tido a bondade de me fazer unia outra vez uma ou outra observação que me tem obrigado a eu tambem indagar, e preparar-me para este combate, que póde ser mais ou menus renhido, e eu sei a razão porque elle cahe agora sobre a commissão de fazenda, eu sei a razão porque a commissão de fazenda está no posto. O nobre deputado, que se não encobre muito, já aqui explicou, de modo que todos nós intendemos, quem elle queria que estivesse no nosso logar. Mas nós oferecemo-nos ao martyrio, e como nos foi annunciado com antecedencia, preparamo-nos para elle; preparamo-nos todos, tambem me preparei eu, repito.

Ora o illustre deputado pediu, obteve, ou deram-lhe, ou tem em seu poder documentos que provam qual é o serviço em que se acham occupados actualmente (aqui vai a questão) diversos officiaes da armada, e diversos empregados (O sr. Arrobas: — Não senhor, ha muito tempo.) Não me interrompa, pelo amor de Deos, porque eu tenho tido a paciencia, e todos nós, de o não interrompermos, nem havemos de interromper, nem isto presta para nada. Eu posso estar n'um engano, deixe-me estar enganado, gósto muito de estar enganado, mas supponho que os documentos que o illustre deputado tem em seu poder, e que lhe teem servido para arguir fortemente a repartição da marinha, se referem ao serviço que actualmente estão prestando differentes empregados; mas nós examinámos o orçamento feito ha 9 mezes em relação ao serviço que se prestava nessa época, isto por uma parte, e da outra parte deve a camara observar e notar que o illustre deputado ainda não fez arguição importante que não traga o seguinte resultado — ha individuos que vencem, e não se pede para esses vencimentos verba. Estimamos muito que a não peça o ministro, porque se elle não pedir verba, se esta camara lha não votar, se pagar, se esta camara não fôr dissolvida, eu serei o primeiro a accusar o sr. ministro por pagar sem estar auctorisado (Uma voz: — Tomo nota Pois a quem dó o dente, e aquelle que tiver a dôr. (Riso).........................

Eu não posso seguir o illustre deputado em tudo quanto disse, na mesma ordem em que o disse, por que não julguei que houvesse uma discussão tão minuciosa, e por conseguinte é-me inteiramente impossivel fazel-o; mas tendo-se feito referencia á maioria de vencimentos, observarei quanto ao empregado de Val de Zebro, que elle não figura neste artigo 14.º, porque tem a gratificação na verba correspondente do orçamento. Fallou-se tambem nas maiorias dos patrões das galeotas: procure-as o illustre deputado no artigo 3.º, que lá as ha de achar. Pelo que toca aos inspectores dos trabalhos que se quer que vençam maiorias, direi, que não é este o vencimento dos inspectores de trabalhos, porque vencem como officiaes embarcados, e lá estão no logar competente. (O sr. Arrobas: — Ah!) O illustre deputado admira-se do que eu digo? Pois não tem de que se admirar: teem vencimentos de embarcados.

Os officiaes de fazenda que o illustre deputado quer que figurem nesta verba como 7, não podem figurar senão 5, porque o sr. Valladas figura como official empregado no armamento naval, o por conseguinte lá tem o seu vencimento no artigo respectivo, e o outro de Val de Zebro já disse que tem a gratificação no artigo competente.

Ora eu tenho estas informações e O illustre deputado póde ter outras. Não sou dos que tê in muitas relações com o ministerio da marinha, mas tenho um ou outro amigo que me póde informar; e se eu quizesse tambem tomar caracter official, tambem lá podia chegar, o creio que o illustre ministro da marinha não havia fechar-me a porta. (O sr. Ministro da Marinha): — Apoiado: a nenhum sr. deputado).

Tambem me pareço que o illustre deputado fez uma referencia a officiaes que effectivamente estão despachados para o supremo tribunal de justiça militar. Quanto a este ponto o illustre deputado devia saber, e eu faço-lhe a justiça de acreditar que sabe, que o facto do despacho para supplente, não dá vencimento, o nunca se pediu nos orçamentos, o vencimento para os supplentes, porque elles não recebem senão quando effectivamente servem

Ora o illustre deputado disse mais que unia verba votada para um fim, para uma certa applicação, era muitas vezes applicada para outro destino. Eu intendo que o é, e que o póde ser, uma vez que esteja no mesmo capitulo, mas o que não póde é transferir-se uma verba de um para outro capitulo. Esta applicação póde dai-se muitas vezes, e o sr. ministro não póde ser arguido, porque obra dentro da lei.

O illustre deputado disse que não ha contas de gerencia, e eu tenho as aqui presentes: repare bem o illustre deputado que tem confundido contas de gerencia, com as contai de exercicio. Eu tenho aqui as contas de gerencia de 1851 — 1852, mas é necessario não confundir contas de exercicio, com contas de ge-

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rencia: é necessario não trocar os nomes destas contas. A conta de exercicio é o desenvolvimento de cada uma das verbas do orçamento em referencia á applicação que leve, fins para que foi applicada, e época em que foi votada, e o proprio illustre deputado foi o mesmo que reconheceu que o sr. ministro da marinha não podia apresentar contas de exercicio com a regularidade com que podiam ser apresentadas por outros ministerios, porque, existem embarcações a muitas distancias com serviços demorados, e por consequencia, só na volta dessas embarcações para o paiz, depois de prestarem contas os respectivos officiaes de fazenda, é que as contas de exercicio se poderiam apresentar.

Infelizmente não ha lei nenhuma que previna esta hypothese; mas ha uma razão que é superior a todas as leis que faz com que isto aconteça, que é a impossibilidade de fazer as cousas. É inteiramente impossivel ajustar as contas de uma embarcação que se acha em serviço muito distante da rnetropoli; já se vê pois que as contas de exercicio do ministerio da marinha não é uma cousa que se possa fazer com promptidão, e que ao contrario ellas demandam muito tempo para se poderem legalisar, e para poderem ser presentes ao corpo legislativo.

Eu gosto sempre de, defender os ausentes: não quero dizer que o systema da contabilidade do ministerio da marinha seja o melhor, e seja o mais methodico em relação aos conhecimentos modernos; mas o funccionario que montou aquella repartição é dos homens mais probos; conheço-o desde a infancia, honro-me de ter sido sempre seu amigo, ainda nos tractamos da mesma sorte, apezar de elevado a grandes logares — é o sr. Falcão

Não será o systema que elle estabeleceu, o mais aprimorado em relação aos progressos desta qualidade de serviço, porém o que não duvido de dizer bem alto é, que por meio delle se hão de evitar as fraudes, e que ha de ressumbrar em tudo a probidade do creador da contadoria geral da marinha depois da restauração. Duvido que serviço feito debaixo das vistas deste digno funccionario, desse motivo justo para se lhe fazerem organisações.

Em conclusão repito que a commissão de fazenda no exame a que procedeu, não leve em vista nem podia ter senão os papeis officiaes que lhe foram remettidos pela auctoridade competente, e quanto a legalidade das contas não é nem ella nem a camara que as ha de julgar; lá está o tribunal competente, que é o tribunal de contas; e se o sr. ministro póde occorrer ás necessidades do serviço, com as verbas que aqui estão votadas, e se ellas conferem com os documentos apresentados, a commissão nada mais cumpre, que votar estas verbas; e se o sr. ministro pagar mais do que aquillo para que esta auctorisado por lei, a camara póde fazer effectiva a sua responsabilidade.

Em quanto a saber ou indagar as causas miudas a que desceu o sr. Arrobas, a commissão de fazenda não está constituida em commissão de inquerito. Era melhor que o illustre deputado em boa camaradagem nos tivesse ministrado todos os esclarecimentos que lhe fosse possivel prestar, e sinto que os não tivesse prestado, para depois vir dar o espectaculo que acabamos de presencear.

O sr. Ministro da Marinha: — Pouco terei que accrescentar ao que acaba de dizer um illustre membro da commissão de fazenda: no entretanto preciso rectificar uma doutrina aqui apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Arrobas, que me poria em difficuldade se eu a seguisse como s. ex.ª a intende.

Sr. presidente, vejamos qual é a obrigação do ministro na execução quéda ao orçamento que apresenta. O ministro calcula, orça pouco mais ou menos aquillo que é necessario para poder dirigir a repartição a seu cargo, e vem ao corpo legislativo pedir ser auctorisado com os meios que indica; e o nobre deputado em tudo que até aqui tem apresentado parece que me faz saír desta casa com o receio de ser accusado, por ter excedido as verbas que foram votadas pelo parlamento.

Sr. presidente, o nobre deputado pareceu-me não querer intender o que foi dicto pelo meu collega o sr. ministro da fazenda, quando teve logar a discussão na generalidade; eu não estava presente nessa occasião, mas segundo se deprehende das proprias asserções do illustre deputado, havendo s. ex.ª dicto, que pela conta da gerencia é que se conhecia se era ou não exacto o ter-se dado cumprimento ás verbas votadas no orçamento, disse uma verdade; mas, sr. presidente, o governo, como já observou um illustre deputado membro da commissão de fazenda, não póde exceder averba que lhe está votada no orçamento, e se em casos extraordinarios fôr preciso fazer uma despeza maior do que a que está votada, fala embora, mas vem depois pedir um bill de indemnidade á camara.

Sr. presidente, o nobre deputado pela fórma com que se exprimiu, pareceu vêr neste orçamento uma organisação tal, que se procurava occultar ao corpo legislativo despezas que aliás se faziam — despezas occultas — usou s. ex.ª desta expressão, e s. ex.ª sabe por experiencia, que a expressão é menos digna do parlamento. Desde que entrei no ministerio sempre intendi que aos srs. deputados como fiscaes da bolsa do povo, as repartições publicas devem ser abertas de par em par; é o que aconteceu para com o sr. Arrobas a respeito da repartição da marinha (O sr. Arrobas — É verdade). Aqui devo reivindicar o caracter e moralidade de alguns dos empregados desta repartição, que á alguem pareceria lerem dado as informações a que o illustre deputado se referiu; e por esse facto se tornariam menos dignos dos cargos que exercem: todas essas informações recebeu-as o nobre deputado por ordem.

Sr. presidente, apezar do medo que incutiu, o nobre deputado mostrou que em quasi todas as verbas a que se referia, em cada uma havia falla de meios para satisfazer a ellas; mas parece-me que se ainda para o anno estiver atesta desta repartição hei de mostrar ao nobre deputado que faço o serviço unicamente com as verbas que se aqui apresentaram. O governo, como já disse o illustre membro da commissão de fazenda, não póde exceder essa verba; mas a lei permitte ao ministro que possa servir-se da somma votada para uma despeza qualquer em um capitulo, e applical-a a outra despeza dentro do mesmo capitulo; mas o que não póde, é tirar de uns para outros capitulos; e se por conveniencia publica, em casos extraordinarios, que seja em bem da nação, tiver necessidade de fazer uma despeza maior do que aquella que está votada para os differentes capitulos, torno a repelir, tem de vir á camara pedir um bill de indemnidade, ou receber o castigo que constitucionalmente lhe está determinado.

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Vejo que o nobre deputado seguindo o systema que intendeu conveniente, pôde achar muita cousa hoje, que existia, talvez quando se organisou o orçamento; o que em comparação a essa época póde em resultado apresentar algumas irregularidades, mas que de certo não provém de outras cansas.

Relativamente ás despezas eventuaes, o sr. deputado tambem indicou que seria uma cousa de espanto se ellas aqui apparecessem: s. ex.ª sabe que as despezas eventuaes vão ás vezes ás contas de gerencia, e por isso é nessas contas de gerencia que o illustre deputado hade conhecer a applicação que se dá a esses meios; e o que acontece nas contas de gerencia, é que muitas vezes dentro do anno não apparece senão parte da despeza que se fez, porque a outra parte hade liquidar-se quando se fôr ás contas de exercicio.

Sr presidente, não tendo estado presente quando o nobre deputado fallou na generalidade do orçamento, não posso responder a todas as observações por elle feitas nessa occasião, e que me parece terem sido respondidas pelo meu collega o sr. ministro da fazenda: por isso lendo tratado do ponto principal a que me propuz responder, que é sobre a organisação do orçamento, e modo de o executar nada mais direi por agora.

O sr. Maia (Francisco): — Sr. presidente, talvez teria de ceder da palavra, porque creio que este capitulo está sufficientemente discutido; mas pareceu-me necessario chamar a attenção do illustre deputado que encetou a discussão, para considerar qual o modo de se intender a discussão do orçamento tanto em geral, como em particular a cada um dos differentes ministerios. O nobre deputado divagou sobre o modo de reformar estabelecimentos ou instituições que existem neste ministerio; porém com quanto poisam ser bem justificadas, ou uteis as reflexões que fez o sr. deputado, comtudo não é aqui o logar. O nobre deputado tem a liberdade de uzar da sua iniciativa para, se intender que o estabelecimento, por exemplo, do conselho ultramarino não preenche os fins para que foi creado, propôr a sua reforma ou alteração, e dar-lhe aquellas attribuições que julgar convenientes.

Mas deixando isto de parte direi que o nobre deputado intendeu que a commissão de fazenda, ou outra qualquer commissão da camara, tem obrigação de saír daqui para ir vêr os estabelecimentos, e visital-os como inspector de revistas, indo ao arsenal, cordoaria, e secretaria de estado etc, fazer uma chamada, conferir os individuos que existem, e vêr se estão conformes com as relações do governo; e examinar se os vencimentos são aquelles que Vem designados no orçamento, ou se são maiores ou menores etc. Intendo que tal encargo não foi commettido nem á commissão de fazenda nem a nenhuma outra, parecendo-me por isso fóra de toda a ordem as reflexões apresentadas pelo illustre deputado.

Como póde a commissão de fazenda examinar se havia mais um ou outro empregado, mais um ou outro official de marinha, e no orçamento não existe? Se as reflexões do illustre deputado fossem por haver empregados de mais, ainda poderiam ser justificadas; mas sendo ellas por haver despezas que não tem verba expressamente designada, já a isso se respondeu por parte da commissão, e do sr. ministro da marinha — que o governo póde applicar qualquer verba de despeza para outro objecto differente daquelle que está determinado, sendo dentro do mesmo capitulo.

Estou certo que o illustre deputado convencido por essas observações, evitará que nos outros artigos se consuma tanto tempo que vai correndo, o que deve ser bem aproveitado.

E pondo-se logo á votação o

Capitulo 2.º — foi approvado.

O sr. Julio Pimentel (Sobre a ordem): — Por parte da commissão das pautas peço a palavra para lêr o seguinte relatorio e projecto. (Leu, importava o parecer sobre a proposta do sr. Carlos Bento ácerca, da exportação do trapo).

O sr. Pinto de Almeida: — Peço que seja julgado urgente.

Julgou-se urgente para se imprimir, e discutir-se. (Transcrever-se-ha quando entrar em discussão.)

E continuando com o orçamento do ministerio da marinha, passou-se ao

Capitulo 3.º — Armamento naval — 331:213$615.

O sr. Mello Breyner: — Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar a illustre commissão se quer ler a bondade de explicar duas verbas que se acham neste orçamento, uma que diz respeito ao capitulo que está em discussão, e é sobre medicamentos, dietas e luzes, e outra que está no capitulo 6.º artigo 38.º secção 3.ª e diz respeito a certos aprestos de enfermaria.

Estas verbas são calculadas segundo a força que foi votada para a marinha de 2:300 praças: — parece-me uma verba demasiado grande em comparação com a que está no orçamento do ministerio da guerra, applicada para ama força inquestionavelmente muito superior; porque para o exercito votaram-se 24 mil praças e lemos 20 e tantos hospitaes militares, com um movimento mais consideravel do que o da armada, como se vê das estatisticas de 1852.

Parece-me que esta verba é extraordinaria, e por isso desejaria ouvir algum dos membros da illustre commissão.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, não obstante as reflexões do illustre deputado referirem-se a verbas que correspondem a differentes capitulos, não duvido responder-lhe já, porque realmente a questão é connexa uma com a nutra. Nós vemos bem d'onde nasce a confusão de s. ex.ª Notou s. ex.ª que as duas addições sommadas teem certa desproporção comparando-as com a despeza que se faz a respeito do exercito sobre objecto analogo.

A primeira verba na parte que se refere a medicamentos, comprehende os das boticas de bordo, que vão para tantas embarcações quantas se armam para serviço, e creio mesmo que em alguns casos compreenderá medicamentos mandados -para o ultramar. A respeito da segunda verba é necessario que s. ex.ª note, que parte do que sobre este artigo figura como despeza, entra como receita n'outra parte — são 3 contos e tanto em que é orçada aquella que figura como receita dos doentes que entram no hospital da marinha, que não são individuos do corpo da armada, mas sim da guarda municipal e tambem paizanos, e todos indemnisam o hospital. Aqui está a verba nos diversos rendimentos do estado, e ha de ser tomada em consideração quando votarmos a lei respectiva.

Ora como aqui neste artigo 24.º na verba «medicamentos» se comprehendem luzes, creio eu que são as luzes para os officiaes que embarcam. Não é possivel por modo algum poder discriminar o que per-

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tence a uma ou outra verba, mas é necessario tornar ainda a observar neste logar, que effectivamente o orçamento auctorisa para dispender mas da auctorisação para dispender a dispender vai uma differença muito grande. Talvez devesse ser mais desenvolvida esta verba; não obstante não é occasião agora de explicar aqui o que são contas, e, como já disse, como ha uma differença muito grande entre auctorisar para dispender effectivamente, a commissão não leve duvida nenhuma de propôr a despeza,

O sr. Arrobas: — Sr. presidente, a totalidade ou quasi totalidade das verbas de que se compõe este capitulo, umas são contra lei e outras não veem conformes aos quadros legaes...

(O Orador fez a respeito deste capitulo largas considerações, que repetiu na sessão seguinte, para a qual lhe ficou reservada a palavra, e nella se consignarão).

O sr. Quelhas: — Peço a v. ex.ª consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até o sr. deputado acabar o seu discurso.

A camara não approvou.

O sr. Ministro da Marinha: — Mando para a mesa uma proposta de lei sobre a patente, que deve ter o official militar que haja de ser nomeado governador do castello de S. Jorge.

Ficou para se lhe dar destino na sessão seguinte.

O sr. Presidente; — A ordem do dia para segunda feira e a continuação da de hoje. Está levantada, a sessão. — Eram quatro horas e meia da tarde.

O 1º REDACTOR

J. B. Gastão.

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