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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

(Tendo-se publicado no Diario de Lisboa, n.° 280, na sessão de 7 do corrente, a continuação do discurso do sr. ministro da fazenda com algumas inexactidões, novamente se publica.)

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello: — Sr. presidente, sou chamado pelo meu dever a continuar o meu discurso que deixei interrompido na sessão de hontem, e confesso que o faço com difficuldade, porque a minha saude se acha bastante alterada; e se não julgasse um encargo de honra continuar a expor á camara as observações que ainda me faltam para me justificar de ter feito o contrato de 14 de outubro do corrente anno, certamente que me não acharia n'este logar na presente occasião. É por isso que eu solicito a benevolencia da camara, benevolencia que tantas vezes me tem prodigalisado, de certo com menos motivo do que no momento actual.

Dizia eu hontem que os meus illustres adversarios tinham procurado combater o contrato de 14 de outubro; assentando hypotheticamente certas bases d'onde partiam para chegarem ao resultado que se propunham. Estas bases eram, na minha opinião, empiricas, não tinham rasão de ser, nem fundamento algum para existirem. E não era eu que o dizia, senão os proprios illustres deputados que, apresentando-as, declaravam á camara a carencia absoluta de dados estatisticos com que as justificar (apoiados).

É por isso que eu entendi dever seguir um caminho diverso do seu; e em logar de partir de hypotheses mais ou menos gratuitas, mais ou menos proximas ou distanciadas da verdade, a fim de chegar á conclusão pretendida, e obter assim a differença dos encargos entre os contratos de 29 de maio de 1860, 23 de maio de 1864, e o de 14 de outubro do corrente anno, procurei fundar todos os meus argumentos em dados estatisticos authenticos que o governo possue, e que são do dominio de todos na sua maxima parte, para que seguindo de inducção em inducção eu houvesse de chegar a um resultado, cuja consequencia podesse ser tida como uma verdade segura e não como uma hypothese arbitraria, filha de outras. Foi n'este intuito que eu asseverei o poder chegar a um resultado approximativo do valor do producto bruto kilometrico, se acaso me fosse dado conhecer qual era a importancia da industria agricola nos districtos que a linha ferrea atravessava, qual o algarismo da população d'esses mesmos districtos, e qual emfim a tonelagem das mercadorias que por esses districtos se transportavam; alem de outras considerações accessorias de menor valia, que podessem servir acaso para o calculo desejado do producto bruto kilometrico.

Na falta em que me achava de um cadastro perfeito, com relação ás provincias, do Alemtejo e Algarve, e bem assim na falta dos dados estatisticos necessarios para poder saber qual era a producção effectiva d'estes dois districtos, recorri ao rendimento do imposto pessoal, industrial e predial, para que a media de todos estes impostos me desse uma idéa, sequer approximada, da producção e riqueza d'aquella região importante do paiz. Achei primeiro que era de 729:000$000 réis a somma dos impostos nos districtos por onde passa a rede do caminho de ferro de leste e norte, e que era de 425:000$000 réis a somma dos mesmos impostos nos districtos que são atravessados pela rede do caminho de ferro do sul.

A confrontação dá portanto 61:000$000 réis proximamente para mais do que metade, no segundo algarismo comparado ao primeiro.

D'aqui pretendo eu concluir o seguinte — que quando mesmo se podesse ajuizar do producto bruto kilometrico de um caminho de ferro pelo quantitativo do movimento do mesmo caminho em relação ás mercadorias, e isso não é exacto, porque as mercadorias constituem apenas, segundo a affirmação dos competentes, duas terças partes do producto bruto kilometrico dos caminhos de ferro; teria assim maias metade do rendimento na rede do sueste, com relação rede de leste e norte.

Debaixo d'estes fundamentos que já hontem tinha começado a apresentar á camara, e seguindo sempre á mesma ordem de idéas, passo agora a indicar quaes são os resultados que os outros elementos, a que me referi, me ministram com relação ao producto bruto, kilometrico dos caminhos de ferro do sul e sueste.

Fui examinar a população, adoptando o ultimo recenseamento feito nos districtos atravessados pelas linhas de ferro do norte e leste, e compara-la com a população dos districtos atravessados pelas linhas ferreas do sul e sueste, tendo o cuidado de excluir Lisboa d'este estudo, por ser Lisboa commum ás duas redes e ser demais a testa das duas linhas, e não excluir o Porto por se não darem, com respeito a esta cidade, as mesmas circumstancias apontadas. Comprehendendo portanto o Porto n'este, computo, acho que os districtos atravessados pelas linhas do norte é leste contam uma população de 1.200:588 almas, emquanto que á rede da linha do sul e sueste corresponde uma população de 615:389 almas, o que quer dizer, mais que metade da população dos districtos que são atravessados pelas linhas ferreas de leste e norte. Eu mando para a mesa estes dados, extraídos dos documentos officiaes, a fim de que os illustres deputados os possam apreciar devidamente.

A camara já vê a extrema lealdade com que eu procedo n'este argumento.

No relatorio que precede a proposta de lei respectiva ao contrato de 14 de outubro do corrente anno, eu procurei apresentar o mais imparcialmente que me foi possivel os dados estatisticos que pude obter no sentido de illustrarem a proposta que submettia á deliberação da camara. Se eu quizesse torcer argumentos para fazer valer e abonar o resultado que tenho em vista, qual é a approvação do contrato de 14 de outubro, pois que estou convencido profundamente da sua utilidade; se eu quizesse proceder assim, não viria apresentar ao parlamento dados que, á primeira vista, parecem não favorecer muito o algarismo do producto bruto kilometrico da linha de sueste. Porém eu chegarei logo a outras conclusões, fundadas em documentos officiaes, as quaes hão de provar á camara, espero-o, que erradamente andam aquelles que pretendem que o producto bruto kilometrico dos caminhos de ferro do sul e sueste é insufficiente para satisfazer ás esperanças que se levam em vista no contrato de 14 de outubro.

Pêlo estudo da população temos pois que o producto bruto kilometrico das linhas do sul e sueste é superior á metade do producto bruto kilometrico das linhas Correspondentes do norte e leste.

Mas prosigamos n'esta ordem de argumentação. Ninguem estranhará que eu vá procurar qual era o movimento maritimo e de cabotagem, que existia antes da construcção do caminho de ferro do norte, entre as cidades do Porto e Lisboa, e que o vá comparar com o movimento de cabotagem que existe actualmente, quando ainda não ha caminho de ferro construido para o, Algarve, entre os portos d'aquella provincia e o porto da capital. Afigura-se-mo ser este um argumento proprio para convencer a camara de que o producto bruto do caminho de ferro de sueste deverá ter, por estes fundamentos, uma relação proxima da metada do producto bruto kilometrico do caminho de ferro do norte.

Acho, por exemplo, que no anno de 1855 o movimento de cabotagem entre as cidades do Porto e Lisboa foi de 39:679 toneladas, comprehendendo n'este numero as das embarcações que entraram e saíram dos dois portos. No mesmo anno de 1855 o movimento entre os portos do Algarve e Lisboa foi de 24:625 toneladas. Quer dizer que uma certa producção de figo e alfarroba que n'outro dia produziu hilaridade na camara, representa vinte e quatro mil seiscentas e tantas toneladas no movimento annual entre os portos do Algarve e Lisboa! (Apoiados.) Parece-me que não é esta uma circumstancia a desattender; aquelle numero significa mais de metade do movimento que havia entre as duas primeiras cidades do reino antes de estarem ligadas por caminhos de ferro.

(Interrupção que não se percebeu.)

Pelo cahique? Em qualquer embarcação, cahique ou vapor, porque a tonelada pésa igualmente tanto no cahique como no vapor. A tonelada é sempre uma, venha em que navio vier.

Uma voz: — A differença está no preço.

O Orador: — Peço perdão; o preço do transporte é funcção da distancia, e não da qualidade do navio que o faz; está enganado o illustre deputado (apoiados). Não é porque um navio seja cahique ou rasca, que são em geral os navios que usam fazer o commercio de cabotagem entre esses portos, que a sua tripulação se volve maior ou menor.

A tripulação pôde ser a mesma relativamente entre navios de differentes lotes, e a tripulação e as distancias, e não a fórma dos navios, é que determinam os preços dos transportes. Por consequencia, o ser cahique, rasca ou hiate, é questão completamente indifferente para o nosso estudo.

E para o Algarve tambem ha vapores, e já os havia em 1855.

Aqui tenho eu a nota do movimento maritimo de então entre os portos do Algarve e Lisboa, em vapores e navios de vela; assim como tambem a do movimento entre Lisboa e Porto, assim em vapores como em navios de vela: