O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3066 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ás suas forças, sem descanço, sem esperança e quasi sem comprensão.
A um ou outro philantropo, mesmo das classes interessadas, que elevava a voz humanitária em favor daquella escravatura infame e pedia commiseração e caridade, respondia-se lhe com as grandes conveniências das industrias nacionaes, com a necessidade de conservar a hegemonia industrial, e de entrar bem armada e forte na lucta da concorrência.
Se algum pensador mais ousado emprehendia a cruzada n'um campo mais vasto, e procurava levantar perante os parlamentos a opinião do paiz, então os interesses concitados cobriam-se pudicamente de indignação, e levantavam-se violentamente em nome das liberdades publicas e particulares contra a ousadia de regular o trabalho.
Os interesses da industria, a riqueza da nação, os direitos e as liberdades, a própria conveniência das famílias operarias, as theorias da limitação da acção do estado, toda essa bateria de artifícios e de grandes períodos, que o egoísmo do interesse tem sempre assestada para esmagar o audacioso e para aturdir a opinião publica, retumbava vigorosa e eloquentemente.
Na discussão da lei sobre o trabalho dos menores na camara dos pares de França, Gay-Lussac, o sabio physico, levanta-se indignado e solta a seguinte phrase: «Eis um começo de saint simonismo e de phalansterianismo! O fabricante é senhor em sua casa. Quem lhe garantirá as perdas se, pela nova lei, as vier a soffrer. Devemos deixar tudo ao seu livre arbítrio». Outro, atacando a lei em nome dos direitos e da conveniência da família operaria, dizia: «Para serdes lógicos estabelecei tambem a taxados pobres, a fim de poderdes indemnisar o tempo perdido pela creança».
Os exemplos e as citações podiam accumular-se; sempre que uma lei de protecção para uma classe social se apresentou num parlamento, os interesses contrários, afivelando a mascara dos interesses e conveniências geraes e nacionaes, empregaram este systema ou outro similhante, esquecendo-se de que o primeiro interesse nacional é que a harmonia das ciasses sociaes seja completa, e o seu bem estar relativa e proporcionalmente o mesmo; porque se alguns milhares de cidadãos soffrem ou se depauperam as gerações futuram, a riqueza de uma nação, principalmente constitui da pela paz interna e por cidadãos robustos e sadios, póde por-se em duvida ou perigar na sua conservação.
Em Inglaterra, aonde foi iniciado o systema de protecção para os menores, a lucta foi vigorosa e accentuada.
Em trinta annos apenas a acção da moderna organisação da industria fizera-se sentir profundamente. Os grandes centros manufacturares do condado de Lancaster foram exactamente aquelles em que, por terem já uma industria considerável, primeiro se manifestou a acção do grande agente transformador, e os tristes inconvenientes da nova organisação industrial.
Em 1802 um riquissimo industrial de Bury, quasi um suburbio de Manchester, que teve a gloria de ser pae de Robert Peel, o celebre ministro que libertou o povo inglez das leis proteccionistas sobre os cereaes, levantava perante o parlamento inglez a grave questão do trabalho dos menores.
Testemunha occular das misérias soffridas pelas pobres creanças, o philantropo millionario era a voz poderosa, que no seio da representação ingleza repetia o que os médicos, os homens illustrados e desinteressados, e principalmente os ministros anglicanos propagavam com aquella resistente persistência tão própria e característica do génio inglez.
A lei do Robert-Peel não abrangia senão as fabricas e officinas aonde se manipulava a lã e o algodão; o desenvolvimento destas industrias não creara ainda essas enormes industrias subsidiarias, como lhes chamamos que mais tarde exigiram tambem no mesmo sentido a vigilância do estado.
De resto, como é sabido, o espirito da legislação ingleza não é o da extrema generalisação; o legislador inglez, espirito seguro e pratico, legisla para a necessidade evidente e para os factos que lhes são bem conhecidos, longe de procurar abranger em poucas regras geraes elementos desconhecidos e por vezes pouco harmónicos.
O caracter restricto da lei, provavelmente a auctoridade do seu proponente e, digamos ainda, a imperfeição dos seus meios de applicação e a largueza dos seus princípios, contribuíram bastante para que fosse approvada e depois sanccionada em 22 de junho de 1802.
A simples analyse d'esta lei vae esclarecer-nos e fezer-nos conhecer, ainda que indirectamente, quão pesado era o trabalho das crianças nas fabricas de tecidos de lâ e algodão do Lancashire.
A lei em primeiro logar refere-se apenas a aprendizes, empregados nas fabricas de tecidos de lã e algodão, e nas officinas em que se empregassem mais de vinte operários ou de três menores, daqui se póde inferir immediatamente o caracter restricto da protecção. Restringe a doze horas por dia o trabalho dos menores qualquer que seja a sua idade inferior a deseseis annos! E não determina o mínimo da idade para a admissão na officina e no trabalho.
Imagine-se quando a protecção philantropica fixava estes largos limites, apenas temperados porque neste espaço o aprendiz devia receber alguma educação, imagine-se qual seria realmente o período de trabalho das pobres creanças!
A execução e fiscalisação da lei foram entregues no respectivo districto ao juiz de paz e a um ministro anglicano; mas estas funcções eram gratuitas.
N'estas bases a lei não levantou grandes difficuldades, porque não foi cumprida. Como a aprendizagem em Inglaterra era caracterisada por contratos, que duravam sete annos, o industrial inglez illudiu immediatamente a lei não contratando dahi em deante menores senão por um período inferior e, afinal, recebendo-os a jornal.
O legislador inglez, que não admitte senão a interpretação rigorosa do texto da lei, viu assim annullar-se-lhe toda a protecção, que pretendera conceder às pobres creanças.
De resto, como os juizes de paz eram geralmente industriaes e os pobres ministros anglicanos dependiam directamente desses poderosos capitalistas, a execução e a fiscalisação da lei, as visitas aos estabelecimentos e a inspecção das officinas, que só por si ainda poderiam dar resultados benéficos, foram uma perfeita letra morta.
A experiência, porém, tem demonstrado que uma idéa generosa e boa, lançada na corrente da opinião publica, não deixa nunca de produzir, mais cedo ou mais tarde, fructos apreciáveis. Este principio não foi neste caso, felizmente, excepção á regra. A propaganda, que tinha indicado a necessidade da primeira lei, continuou activa e enérgica; o resultado favorável da primeira tentativa animava para segunda empreza; novos factos colhidos por toda a parte accentuavam ainda mais a conveniência de uma lei, que desse garantias; o desenvolvimento da industria, engrossando o mal, dava origem a uma corrente de opinião de dia para dia mais enérgica e profunda.
O velho proponente da lei de 1802 apparece novamente na scena política em 1815, luctando em defeza do seu elevado principio e propondo um novo projecto de lei, em que eram eliminadas algumas das mais importantes faltas da lei anterior. A experiência, embora incompleta, da lei precedente tinha, porém, posto alerta os interesses, e a lucta presentemente ia ser vigorosa, visto que tambem por outro lado uma profunda corrente de favorável propaganda se estabelecera em favor do principio proteccionista.
A primeira tentativa foi de protelar a medida, e para isso a camara dos communs deliberou entregar o estudo do projecto de lei a uma commissão parlamentar de inquérito. Três annos se passaram estudando o grave problema, e durante elles apuraram-se factos importantes.