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3072 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Entre nós nada se tinha feito, salvo algumas indicações isoladas e perdidas entre a indifferença geral das classes sociaes preponderantes, quando em 1880, um homem de grande valor intellectual do que haveria a esperar um estadista, só a morte tão cedo o não arrebatasse. Saraiva de Carvalho, então ministro das obras publicas da situação progressista, levantou a questão do trabalho dos menores. Uma das clausulas do programma do partido, em que milita-va, impoz-lhe evidentemente esta iniciativa, que, por incompleta que seja e sem resultado, não deixa de ligar honrosa memória ao nome do proponente.
O projecto Saraiva de Carvalho traduzia quasi unicamente a lei franceza de 1874, e fraquejava, a nosso ver, no ponto referente á execução e fiscalisação da lei, onde se manifestava a parcimonia do ministro. Em 14 de fevereiro de 1880, o seu auctor sujeitava-o á competência da sociedade das sciencias medicas de Lisboa.
Não conhecemos a discussão, que no seio d'aquella douta associação motivou a proposta, em 3 de julho de 1880, porém, respondia ella ao ministro com as seguintes conclusões :
1.° Nas industrias portuguezas nenhum menor de qualquer sexo deve ser admittido antes dos doze annos, a não ser nas profissões que um inquérito industrial indicar como não sendo nocivas às creanças, entre dez e doze annos. Provisoriamente poderão admittir-se nas diversas industrias os menores de entre essas duas idades, que certidões de dois facultativos, dos, quaes um, pelo menos, commissionado pelo governo, affirmarem que podem, pelo seu desenvolvimento especial, entrar na excepção indicada;
2.° O inquerito, a que se refere a primeira conclusão, deve estudar e indicar quaes as profissões defezas á mulher, antes dos quinze annos, tendo em attenção a sua funcção especial;
3.° Na letra do artigo 4.° 1 da proposta em questão, deve mudar-se para dez o máximo das horas de trabalho;
4.° Todos os artigos da mesma lei, onde se estabeleça o máximo de doze horas de trabalho, devem ser modificados segundo a precedente conclusão;
5.° No artigo 18.° 2 deve limitar-se a cinco horas a duração do trabalho diário;
6.° O trabalho dos ventiladores deve prohibir-se aos menores, acrescendo este novo paragrapho aos do artigo 19.°
7.° Deve instituir-se na lei um serviço de inspecção e vigilância sanitárias para a admissão de menores, e para a Bua permanência nos estabelecimentos industriaes;
8.° Esse serviço de inspecção e vigilância deve ser feito pelo facultativo municipal, com remuneração consoante o serviço prestado, ou por outro facultativo nomeado pelo município;
9.° As commissões districtaes devem incumbir os serviços attribuidos aos inspectores, na secção VI.
10.° N'essas commissões, compostas de três membros, deve haver sempre um medico; os outros dois deverão ser um engenheiro e um industrial com longa pratica.
11.° Devem ser eliminadas do artigo 65.° 3 as palavras «com funcções gratuitas» e additadas estas: «D'esses cinco membros dois serão médicos, outro engenheiro, outro industrial e outro escolhido por arbítrio do governo».
Estas indicações da associação medica, que todas são justas e acceitaveis, levaram o ministro a determinar um inquérito industrial baseado sobre os seguintes quesitos especiaes:
1.° Idade em que os menores são admittidos na industria, indicando quaes as profissões, que não são nocivas às creanças de dez a doze annos;
2.° Quaes as profissões industriaes, que devem ser defezas á mulher antes dos quinze annos;
3.° Se as horas do trabalho estão reguladas de modo que não extenuem as forças dos que o prestam;
4.° Se os empregados fabris se preoccupam da instrucção e da morigeração dos menores.
Estas indicações seriam sufficientes, para que se podesse fazer um trabalho positivo e pratico sobre a protecção dos menores, se porventura o inquérito tivesse sido organisado por outra forma; ainda aqui o principio da economia excessiva inutilisou as melhores intenções.
A commissão de inquérito 1 nomeada em 12 de julho de 1880, composta por dois médicos distinctos, por dois deputados, homens de superior talento e por um industrial dos mais illustrados e talentosos desta classe, fora bem escolhida; mas não era assas numerosa, nem os seus illustres membros dispunham do tempo material para colleccionar todos os elementos indispensáveis, relativos ao problema social que se ventilava.
Nem mesmo lhes seria facil cumprirem a sua missão, embora podessem applicar ao trabalho todo o seu tempo util, e não cortado pelas obrigações da sua vida particular, num paiz não preparado para os inqueritos industriaes, contra os quaes por um lado reage o espirito acanhado e desconfiado dos cidadãos, e por outro contraria o descuido e o abandono do estudo da estatística e a preparação dos meios seguros de a obter; visto que nos contentámos, geralmente, em organisar repartições de estatistica, que sem recursos nada podem fazer, suppondo mesmo que a sua organisação é boa; e em publicar uns volumes de tardias estatisticas officiaes, os quaes antecipadamente declarámos imperfeitas e incorrectas.
A commissão de inquérito dividiu os seus trabalhos, encarregando um dos seus membros, o sr. dr. Motta, de responder ao primeiro dos quesitos; outro, o sr. dr. Fialho Gomes, de responder ao segundo e finalmente o sr. Ennes e Anjos de responderem ao terceiro e quarto, e nomeou relator geral o sr. Oliveira Valle. São os resultados destes trabalhos, que vamos succintamente relatar.
Em relação ao primeiro quesito apresentou o sr. dr. Motta alguns dados, que nós compendiamos, dando-lhes a forma de mappa por ser esta a que melhor se presta a uma rápida comparação (annexo n.° 1). Os primeiros nove estabelecimentos foram directamente visitados pela commissão; a estes acrescem onze para os quaes as observações foram fornecidas pelo sr. dr. Ferraz de Macedo.
As seguintes conclusões do illustre medico são dignas do maior reparo:
Não admitte o emprego dos menores na industria antes dos doze annos.
Entende que a lei deve apenas conter os princípios geraes, que differentes regulamentos, elaborados pelos agentes directos da inspecção, devem traduzir e applicar às especialidades numerosas e só então bem conhecidas da nossa economia industrial.
O sr. dr. Fialho Gomes diz em relação ao segundo quesito: que não conhece profissão alguma, que deva ser defesa á mulher antes dos quinze annos, mas sobre este assumpto julga indispensável chamar a attenção de homens versados

1 Artigo 4.° De doze a dezeseis annos, os menores não poderão trabalhar em vinte e quatro horas mais de doze, divididas por dois descanços iguaes ao dos adultos, e á mesma hora, não sendo cada descanço inferior a uma (Proposta Saraiva, artigo 3.° da lei franceza.)
2 Artigo 18.° Estes trabalhos (os subterraneos) não poderão ser accumulados com outros, e não durarão mais de oito horas no espaço de vinte e quatro, com o descanço de uma pelo menos: (Proposta Saraiva, regulamento francez sobre minas de 12 de maio de 1875, artigo l.º)
3 Artigo 65.° Junto do ministerio das obras publicas haverá uma commissão de cinco membros, com funcções gratuitas, e será encarregada de : vigiar pelo cumprimento desta lei, centralisar as propostas e relatorios das commissões districtaes e dos inspectores; consultar sobre as providencias que o governo tomar ou propozer ao poder legislativo com relação a este assumpto; propor ao governo em lista tríplice os inspectores do districto. (P. Saraiva) (Artigo 23.° da lei franceza)

1 Os srs. Eduardo Augusto Motta, presidente, e João Fialho Gomes, médicos, Joaquim José Maria de Oliveira Valle e António José Ennes, deputados, e Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, commerciante e industrial.