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SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1885 3073

e entendidos em questões de hygiene industrial, o termina aconselhando que se não restrinja muito o campo á actividade feminina.
O relatório dos srs. Ennes e Anjos envolve tambem considerações da maior importância. É um documento madura e fortemente pensado e escripto em bom estylo. Juntâmol-o a este relatorio (annexo n.° 2) como um dos raros subsídios, que encontram entre noa os que desejam formar uma opinião positiva sobre a necessidade de regular o trabalho dos menores na industria.
As conclusões do trabalho dos srs. Anjos e Ennes, podem assim resumir-se:
1.° Das creanças empregadas na industria e condemnadas a prematuro trabalho, parto são victimas da ambição, do desleixo e da incuria dos paes, que se eximem aos grandes deveres impostos peia paternidade, outra da miseria real das famílias operaria?, a Pelo desamor dos pães, ou pela miséria real todas merecem e precisam, pois, de que a legislação actual as tutele e proteja e as contemplações, que se houvesse de ter pela necessidade de umas, não deveriam aproveitar á especulação, que sacrifica as outras »
2.° O salario dos menores é geralmente muito pequeon. «Em Lisboa regula de 80 a 100 réis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias ainda costuma ser mais escasso»
3.° Poucas creanças saem habilitadas das fabricas, poucas conseguem fazer-se bons operarios. «Mas cada um d'estes afortunados, que o foram quasi sempre por mercê de especial habilidade ou por encontrarem alguma protecção, viu passar pelo estabelecimento, onde tem vivido os largos annos das suas promoções, milhares e milhares de creanças, que entraram e saíram, saindo tão pouco habilitadas para proverem á sua sustentação como tinham entrado; porém geralmente mais eivadas de enfermidades e mais desgostosas do trabalho, que só conhecem ingrato.»
4.° A cultura intellectual e moral dos menores empregados na industria é inteiramente nulla. «Geralmente, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pola instrucção ou moralisação das creanças, que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações que não sejam as de patrão e operario.»
5.° Devem, á imitação da lei hespanhola, os estabelecimentos industriaes, que empregam um certo numero de creanças (fixa este numero em 50, pelo menos) ser compellidos a sustentar uma escola de instrucção primaria. «Talvez se objecte que o estado não tem direito de impor similhante encargo, embora leve, de transferir para particulares o dever de ministrar gratuitamente a instrucção primaria; esta objecção, porém, afigura-se-nos tão pouco fundada como a que se oppozesse, em nome da liberdade individual, aos preceitos legaes, que exigem nas officinas asseio e outras condições hygienicas».
6.º Aconselha a creação de creches nos estabelecimentos industriaes «Creches, onde seja numerosa a população operaria feminina, escolas, onde trabalhem muitos menores, é o menos que o interesse social e o sentimento humano podem pedir às industrias para os seus obreiros mais infelizes.»
Taes são as principaes conclusões do excellente relatorio dos srs. Ennes e Anjos. A importância destas opiniões deriva não só da observação directa dos signatários do documento, mas cresce ainda pelo facto de ser industrial um delles. Não são juízos suspeitos de homens adversos e desconhecedores dos interesses industriaes, que desenrolam, movidos por um sentimento generoso, um quadro das misérias dos menores empregados na industria, é um industrial, que ousada e honradamente expõe as verdades e. os factos colhidos na própria experiencia.
O resultado de todos estes trabalhos foi o projecto de lei regulando o trabalho dos menores na industria, apresentado á camara dos deputados na sessão de 8 de janeiro de 1881. Nas suas disposições geraes este projecto de lei copiava um pouco servilmente, seja dito em boa verdade, a legislação franceza, sem todavia aproveitar tudo quanto ella tem proveitoso e applicavel; não era isto, porém, o que mais prejudicava a proposta.
Entre nós, attendendo a carência de dados estatisticos seguros e á falta de conhecimento quanto possível exacto da nossa organisação industrial, uma primeira lei desta ordem não pode deixar de ser uma imitação da legislação actual estrangeira, principalmente da França, paiz que mais de nós se approxima pelos caracteres do raça e de organisação social; o peior defeito da proposta Saraiva de Carvalho consistia no systema adoptado para a fiscalisação do trabalho dos menores.
Uma junta central composta de cinco membros, de nomeação regia, constituía uma espécie de corporação consultiva junto do ministerio das obras publicas. As attribuições d'esta junta eram insignificantissimas, como a gratificação de 300$000 réis concedida a cada vogal era diminuta. N'estas condições a junta, se se houvesse formado, seria composta por cinco nullidades, das que em volta dos governos enxameiam, procurando engrossar os ordenados que por via de regra não merecem.
Uma commissão, delegada da junta geral, sem remuneração fixada na proposta de lei, que apenas concede as juntas geraes a faculdade de pagarem aos seus membros, se assim o tivessem por conveniente, desempenhava as funcções fiscaes no districto, e sobretudo vigiava o serviço dos inspectores.
Nos inspectores residia o principio de toda a fiscalisação; estes, porém, em numero de cinco, para o continente e para as ilhas, não poderiam, por maior que fosse a sua actividade, preencher as suas numerosas e difficeis funcções. A remuneração deste agente elevava-se a 1:000$000 réis, sendo 500$000 réis por vencimento de categoria, 200$000 réis pela primeira visita a todos os estabelecimentos industriaes do seu respectivo circulo, 200$000 réis pela segunda visita, e 100$000 réis pela apresentação do relatório annual, alem de 2$000 réis de ajuda de custo por saída a mais de 10 kilometros da sua residência.
Esta organisação que, alem doestes defeitos tinha o de ser mal remunerada, ainda soffreu n'este sentido profunda alteração na commissão de fazenda da camara dos deputados. Aos membros da junta central, que, segundo a proposta ministerial, seriam gratificados com 300$000 réis por anno, reduziu-se a gratificação a 250$000 réis. obtendo se por esta forma uma economia total de 250$000 réis annuaes!
Os inspectores deviam ser escolhidos dentre os engenheiros ou officiaes habilitados do ministerio das obras publicas, visto que este pessoal, no dizer do relator o sr. Mariano de Carvalho, excedia as necessidades do serviço.
A proposta ministerial estudada pelas commissões de fazenda e de commercio e artes, e transformada em projecto de lei, foi apresentada á camara em 9 de março de 1881. A queda do ministerio progressista occorrida alguns dias depois inutilisou esta tentativa, que, apesar de incompleta, teria dado alguns resultados benéficos; sobretudo a vantagem de iniciar entre nós um período de sensatas reformas sociaes.
Triste é confessal-o! Os ministérios succedem-se-no nosso paiz sem idéas de administração com partidos sem programmas políticos, com estadistas, cujo principal, talento é governar com expedientes e segundo os interesses de pequenas facções, com a opinião publica perfeitamente desorganisada ou pelo scepticismo e pela desconfiança, que gera a immoralidade dos governantes, ou pela indifferença que produz nos cidadãos a ignorância dos direitos e dos deveres sociaes, os governos em Portugal sobrepõem-se sem theoria alguma de governação publica, sem unidade dê administração, sem estudo, sem convicções, e por vezes sem moral política.
A proposta Saraiva de Carvalho caiu, pois, no olvido dos archivos parlamentares, até que em 1883 foi renovada a iniciativa pelo deputado dr. Santos Viegas. Esta nobre