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SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios-os exmos. srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno

SUMMARIO

Segundas leituras e admissão de um projecto de lei do sr. Cunha Bellem; de outro do sr. Fuschini, apresentado n'esta sessão e julgado urgente, e de um requerimento ou proposta do sr. Sebastião Centeno. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Sant'Anna e Vasconcellos, Ribeiro Cabral e previdente. - Requerimento de interesse publico mandado para a mesa pelo sr. Searnichia. - Justificações de faltas dos srs. Mariano de Carvalho, barão do Ramalho, Teixeira de Sampaio, Vieira das Neves. A. da Rocha Peixoto, Manuel Bento da Rocha Peixoto. Oliveira Peixoto, Simões Dias e Jalles. - Declaração de voto do sr. Fuschini - Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. Pereira dos Santos e Luciano Cordeiro. - Apresenta um projecto de lei sobre trabalho de menores o sr. Fuschini. - É declarada urgente e approva-se uma proposta do sr. Sousa Machado. - Requer o sr. Costa Pinto e a camara approva que seja remettida ao governo uma proposta sobre gratificações ao director do lazareto, que se acha affecta á commissão de fazenda. - O sr. Ribeiro Cabral faz diversas considerações sobre uma representação que mandou para a mesa. - O sr. Beirão refere-se ao pedido que fez na sessão anterior, com respeito á nota da divida fluctuante e pergunta se o seu requerimento foi expedido. - Responde-lhe o sr. secretario, Mouta é Vasconcellos, e dá explicações o sr. ministro da fazenda. -Toma parte neste incidente o sr. Barros Gomes e de novo fallam sobre o assumpto os sr. ministro da fazenda e Beirão. - O sr. Cypriano Jardim propõe e a camara approva um voto de sentimento pela morte do sr. general visconde de Sagres. - O sr. Laranjo manda para a mesa uns documentos sobre irregulidades na organisação das matrizes no districto de Portalegre. - Falla o sr. Mattoso Côrte Real sobre abusos dos empregados da fiscalisação rio imposto do real de agua em Coimbra. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda.- O sr. Sousa e Silva apresenta um parecer da commissão de obras publicas e pede dispensa do regimento para entrar em discussão. - A camara annue e o parecer é approvado sem discussão.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 186. reduzindo as importâncias de rendimento e de contribuição industrial ou bancaria, lixadas no artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, para a nomeação e eleição de pares do reino. - E combatido pelos srs. Consiglieri Pedroso e José Luciano de Castro, respondendo ao primeiro o sr. Moraes Carvalho, relator, e ao segundo o sr. presidente do conselho. - Tomam parte no debate os srs. Barros Gomes, impugnando, como o sr. José Luciano a opportunidade do projecto, e Bernardino Machado, que faz algumas considerações e expõe duvidas, aguardando explicações para se decidir sobre o seu voto. - De novo usa da palavra o sr. Luciano de Castro, a quem responde o sr. presidente do conselho, seguindo-se-lhe o sr. Barros Gomes, - A requerimento do sr. Borges de Faria julga-se a meteria discutida. - Requer o sr. Carrilho e a camara approva que a votação seja nominal. - Sobre o modo de votar fallam os srs. Bernardino Machado e Lobo d'Avila. - É approvado por 74 votos contra 15. - Manda para a mesa um parecer de commissões o sr. Luiz de Lencastre. - Dispensa-se o regimento e é approvado o parecer sobre as contas da junta administrativa da camara.- É nomeada a commissão parlamentar para se occupar de negócios do ultramar. - Sob propria do sr. Luciano de Castro consigna se um voto de louvor á mesma pela boa direcção dos trabalhos.

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Presentes á chamada - 59 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, A. J. d'Avila, António Ennes, Lopes Navarro, Santos Viegas, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Fuschini, Pereira Leite, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Conde de Thomar, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, E. Coelho, Elvino de Brito, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Filippe de Carvalho, Francisco Beirão, Correia Barata, Castro Mattoso, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Costa Pinto, Baima de Bastos, Melicio, Scarnichia, Souto Rodrigues, João Arroyo, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. J. Alves, Simões Ferreira, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, José Frederico, José Maria Borges, Luciano Cordeiro, Bivar, Luiz Osorio, Aralla e Costa, Guimarães Camões, Santos Diniz, Sebastião Centeno, Pereira Bastos, Vicente Pinheiro, Visconde de Balsemão e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Torres Carneiro, Sousa e Silva, António Centeno, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Augusto Barjona de Freitas, Neves Carneiro, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Mártens Ferrão, Franco Castello Branco, J. A. Neves, José Borges, Dias Ferreira, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Lopo Vaz, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, Manuel d'Assumpção, Correia, de Oliveira, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro de Carvalho, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Albino Montenegro; A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, António Candido, Pereira Côrte Real, A. M. Pedroso, A. Hintze Ribeiro, Barão do Ramalho, Barão de Viamonte, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Mattos de Mendia, Silveira da Motta, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Correia de Barros, Oliveira Peixoto, J. M. dos Santos, Simões Dias, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Martinho Montenegro, Pedro Correia, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Visconde de Alentem, Visconde de Reguengo e Wenceslau de Lima.

Acta-Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A equidade na distribuição dos impostos consiste em tratar desigualmente o que por sua natureza é desigual: e a lei, sabia e previdente, estabeleceu categorias ou classes com relação ao mesmo imposto, para d'esta arte attingir o fim de pedir a cada um os sacrificios conforme os seus recursos.
Para os effeitos de contribuição industrial são as diver-

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sas terras do paiz classificadas por ordens, a que corresponde differente taxa de encargo, e n'esta desigualdade reside a equidade da lei.
Ora acontece que Obidos está classificada na quarta ordem, o que é manifestamente injusto em absoluto e ainda mais relativamente se considerarmos que as Caldas da Rainha estão classificadas na mesma ordem.
Com effeito as Caldas da Rainha têem uma importância industrial muito superior a Obidos, concelho essencialmente agricola, mas de limitadíssima actividade de industria e por conseguinte a equidade reclama que os dois concelhos não estejam de par na mesma ordem.
Por todos estes motivos tenho a honra de apresentar á vossa esclarecida attenção o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de Obidos é passado á 3.ª classe para os effeitos de contribuição industrial.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 10 de julho de 1885. = António Manuel da Cunha Bellem.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores.- No meiado do século passado, em 1765, os successivos aperfeiçoamentos introduzidos por Watt na machina a vapor, permittindo generalisar esta força poderosa e económica, rasgaram novos horisontes á industria, e prepararam esta febril actividade de producção, que caracterisa a nossa epocha.
Em alguns annos apenas o uso deste precioso motôr, infatigavel operario que o somno e o cansaço não interrompem no seu constante e sereno trabalho, generalisou-se nos grandes centros manufactureiros da Inglaterra, e d'ahi a pouco e pouco irradiou para o mundo inteiro.
Inventada a machina, o productor do movimento, a sua applicação às differentes industrias foi um problema relativamente facil, que esforços perseverantes em breve resolveram. Os grandes centros fabris de Birmingham, Liverpool, Manchester, Preston, todo esse industrial condado de Lancaster, adoptaram a grande descoberta de Watt e, em dezenas de annos apenas, centuplicaram a sua producção, elevando-a a numeros quasi fabulosos 1.
A applicação da machina de vapor às grandes industrias creadas operou a seu turno um desenvolvimento sempre crescente das industrias, por assim dizer subsidiarias, que fornecem o ferro e a hulha, as duas matérias primas mais valiosas da industria moderna.
A machina a vapor exigira o ferro e a hulha; a extracção destes mineraes e a transformação do primeiro alargou o emprego dessa força prodigiosa, que transformou rapidamente a organisação social do universo 2.
As forças naturaes supplantou-as o vapor pela regularidade da acção, pela facilidade do emprego, que a vontade do homem dirige e determina e pela faculdade do ser produzido, fácil e economicamente, em toda a parte. A força do vento é incerta, e a queda de agua, a mais económica de todas as forças naturaes, não se proporciona ao homem senão em circumstancias excepcionaes; a machina a vapor, que funcciona regular e vigorosamente, desenvolvendo uma força prodigiosa, e accommodando-se em qualquer parte do globo aonde abunde o combustível, em breve venceu e supplantou as forças naturaes, cujo emprego, baratissimo aliás, offerecia dificuldades e inconvenientes.
Vencidas as forças naturaes, as animaes nem poderam sustentar a comparação; carissimas na sua applicação, sujeitas a interrupções forçadas, á contingencia de milhares de circunstancias fortuitas ou voluntárias, o trabalho do homem, como esforço inconsciente e mechanico e o trabalho do animal, que em muitos casos podiam luctar com o emprego das forças naturaes, foram condemnados irremediavelmente por esse apparelho em que o vapor da agua, n'um espaço limitado e quasi sem condições de escolha, desenvolve à possança incansavel e ininterrupta de muitos homens e de muitos animaes 1.
O desenvolvimento do emprego da machina a vapor foi, pois, rapidissimo, principalmente na Inglaterra, o paiz por excellencia do ferro e da hulha, em que o emprego do vapor fora estudado e sucessivamente applicado em misteres secundários, até que as descobertos de Watt o tornaram próprio para os mais delicado; trabalhos industriaes; na Inglaterra, emfim, em que a industria attingira as maiores proporções e que, dominadora dos mares, abria largos e vastos mercados aos seus artefactos, já dominando as industrias rivaes pela perfeição e barateza dos seus productos e tornando feudatarias do seu commercio as nações civilizadas, já, com a maior sagacidade mercantil, creando e desenvolvendo vastas colónias, aonde mais tarde a sua vertiginosa producção fosse encontrar quasi inexgotaveis mercados.
Qualquer que seja a nossa opinião ácerca dessa grande nação ingleza, conjuncto de qualidades excepcionaes e de defeitos detestáveis, dessa ardente cultora do trabalho e da liberdade que ao mesmo tempo despovoa systematicamente e tyranisa a pobre Irlanda, qualquer que seja a nossa opinião ácerca d'esse povo excepcional, a historia da industria moderna, das suas mais poderosas conquistas scientificas e dos seus mais singulares resultados, ha de estudar-se nos seus annaes e por muito tempo ainda, emquanto a hulha e o ferro abundarem nas entranhas da ilha privilegiada e a actividade não esmorecer naquella raça excepcional, a deslocação da sua soberania commercial e industrial será uma tentativa vã e infructifera 2.
O apparecimento, por assim dizer brusco, e o emprego rapidíssimo de um poderoso elemento de producção, no regimen industrial do século passado devia necessariamente produzir, e produziu, urna alteração profunda nesse regimen, e condições differentes não só no trabalho mas nas relações intimas entre o patrão e operário, entre o capital e o salário.
A principal consequência do emprego do vapor foi a extincção do trabalho isolado e particular. A producção morosa, embora por vezes mais perfeita, do operário isolado não lhe permittia entrar em concorrência com a producção rápida dos novos processos, a que um artificio engenhoso, a devisão do trabalho, vinha ainda augmentar a rapidez e a economia. A liberdade e o bem estar da familia operaria fugiram espavoridos ante o silvo do grande motor; a casa alegre e florida foi abandonada pelo centro fabril, aonde o operário foi procurar um salário reduzido e por vezes ganho cruelmente. Os grandes centros fabris modernos, as officinas, vastos pandemonios, em que milhares de operários se agglomeram no trabalho commum, esta organisação enorme, que estonteia quando vista, que admira quando estudada, não existiu no regimen passado da industria, foi o grande motor que principalmente a exigiu e a indicou como necessária.
Na antiga industria existiram, sem duvida, os centros industriaes; mas a sua organisação era differente, o operário e o patrão incarnavam-se geralmente no mesmo homem,

1 Liverpool, o principal porto de exportação dos productos fabris do condado de Lancaster, em 1879 exportou 2.595:000 de jardas de algodões, ou seja 2.362:868 de metros.
2 Glasgow, que nos princípios deste século pouco ou nada exportava em ferro e hulha, exporta actualmente (anno de 1878) 600:000 toneladas de hulha e 279:000 de ferro.

1 Calcula-se que as machinas a vapor actualmente existentes em Inglaterra fazem um trabalho correspondente a 30.000:000 ou 40.000:000 do homens.
2 Em 879 os mineraes extrahidos em Inglaterra foram avaliados em 66.000:000 de libras, isto é, 297.000:000$000 réis! Nesta prodigiosa somma a hulha representou um valor de 211.000:000$000 réis e os metaes, principalmente o ferro, de 76.000:000$000 réis! A exportação da hulha elevou-se a cerca de 130.000:000 de toneladas, e do ferro a 3.000.000 de toneladas. No passado anno de 1884 a exportação da hulha attingiu 160.000:000 de toneladas.

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e quando a fabrica tinha mais alguns operarios havia relações tão intimas entre aquelle e estes, tão próximas eram as suas necessidades e as suas opiniões, que o trabalho corria sereno na intimidade de interesses quasi communs. Na maioria das vezes os centros industriaes eram formados pelas condições de uma zona ou de uma região, e as officinas mais ou menos próximas contavam-se quasi pelo numero das casas e dos lares, que habitavam as famílias operarias.
Quando, porém, a grande lucta da producção se estabeleceu, e o consumo enorme e crescente não conseguiu sempre vencer a estagnação dos productos industriaes; quando foi preciso crear os grandes estabelecimentos e montar os poderosos machinismos, em que dia e noite o trabalho se succedia offegante e pressuroso, a fim de produzir muito e barato ; quando a matéria prima teve de ser procurada em regiões longínquas e os algodões da índia, da Austrália e da America tiveram de vir transformar-se na Europa para vestirem aquelles mesmos, que os tinham cultivado; quando o producto teve de ir a todos os pontos do globo procurar o consumidor, então o pequeno pecúlio da família operaria não pode multiplicar-se milagrosamente, e um a um os misteres particulares furam fechando as suas portas para entrar nas fabricas e nas officinas collossaes, que exigiam um grande capital; então se viu lavrar as primeiras desconfianças entre patrões e operários, entre o capital e o salário, e no horizonte desenharem-se os primeiros lineamentos dos mais graves e delicados problemas sociaes.
As grandes ambições humanas convergiram rapidamente para essa nova região de enormes riquezas, descoberta pela sciencia, e a poderosa industria e o grande commercio modernos constituíram um vasto campo de exploração, em que se lançavam ávidos aquelles a quem animava a sede de oiro.
Uma classe social bem definida elevou-se sobre esta poderosa organisação industrial e commercial, classe distincta pelo seu amor ao trabalho e á economia, mas que a par d'estas qualidades, manifesta muitas vezes, um espirito despido d'aquelles sentimentos delicados, que a religião denominou caridade, e dominado por um egoísmo frio e despiedado.
Mais de um aspecto n'este phenomeno social moderno faz tristemente recordar a ambiciosa sede de oiro, que nos séculos XV, XVI e XVII arremessou os descobridores de mundos novos para as regiões desconhecidas, em que sonhos e lendas fabulosas amontoavam riquezas phantasticas nas regiões do Eldorado ou nas minas de Ophir; e a audácia dos Pizarro e dos Cortez, que arrancavam aos Incas e aos Montezumas, pela violencia e pelo martyrio, os segredos dos seus thesouros, talavam os campos e queimavam os índios para lhes salvar as almas e empolgar-lhes os bens, cobrindo e cohonestando tantos horrores com a santa palavra da religião, não excederam certamente a violência, o egoísmo e a ambição com que os príncipes da industria e do commercio, enriquecidos rapidamente, exploraram essa grande massa do proletoriado, que a força das circumstancias lhe lançara inerme e faminta nas fabricas, nas minas, nas officinas, em toda a parte, em fim, em que um reduzido salário podia dar-lhe quanto bastasse para sustentar a miseranda vida.
Como outrora os outros trabalhavam em favor da santa religião, e o oiro ensanguentado das conquistas ambiciosas entrava nas arcas de S. Pedro, convertendo-se nos holocaustos incruentos das conquistas da fé, estes palliavam tambem o seu egoísmo, as suas ambições illegitimas, que tantas lagrimas custavam e tantas misérias, com a solemne affirmação dos grandes interesses nacionaes, e com a necessidade de sustentar a posição soberana na lucta industrial e commercial, travada entre as nações civilisadas.
D'este terrível estado de escusas nasceram e formaram-se em breve essas reacções surdas e terriveis, que sob mil nomes variados, aqui scientificas e philosophicas, alem sentimentaes e religiosas, n'outro ponto anarchicas e violentas, e em toda a parte ganhando enorme terreno, trazem, suspensa e vacillante a sociedade actual nos seus fundamentos mais profundos e importantes, na sua organisação economica.
Nós não temos a pretensão de traçar um quadro das miserias profundas das classes trabalhadoras, nem de esboçar sequer as que tem soffrido e continua ainda a soffrer o trabalho assalariado; foi, todavia, no estudo e na contemplação destas desgraças, que se elevaram as primeiras vozes philantropicas, que em nome da humanidade protestaram com esta espécie nova de escravatura; foi na rude experiência desses soffrimentos, que se formaram as primeiras associações de lucta e de reacção, e a pouco e pouco foram ganhando força e pela forca as concessões, que por direito e por humanidade lhes não tinham sido concedidas.
O que em nome da liberdade da industria se fez principalmente no começo d'este século, o que ainda hoje se pratica, embora em menor escala, não poderia ser enumerado e descripto nos limites de um relatório parlamentar a lucta pela reducção das horas de trabalhos; a lucta contra a imposição do consumo obrigatório nos estabelecimentos do próprio patrão; a lucta continua e porfiada contra o abaixamento do salário, que attingia muitas vezes o mínimo do que exige a sustentação do individo, quando os dividendos e os proventos do capital industrial se conservavam os mesmos senão mais elevados; o emprego da mulher e da creança em serviços penosos, que lhes extinguiam a saúde e lhes faziam desapparecer a vida; a carestia das subsistencias, a falta de hygiene nas habitações a ausência de ensino profissional, todas essas misérias, enfim, que são as vastas fontes de onde brotam variados e graves problemas sociaes, tudo isso era defendido em nome da liberdade da industria, em nome da liberdade dos contratos, em nome das conveniências geraes da nação!
Liberdade dos contratos entre o capital e o salário! Como se a primeira condição da liberdade dos contratos não fosse a igualdade do circumstancias, a independencia e autonomia individual; liberdade dos contratos, quando de um lado existe o capital procurado e do outro o trabalho que se offerece, quando em uns havia a possibilidade de acceitar ou rejeitar, salvo perdas momentaneas mais ou menos importantes, em outros apenas a necessidade de acceitar, porque o salário, ao contrario do capital, não tem uma existência própria; aonde o trabalho cessa, o salário desapparece e com elle a existência do assalariado!
A questão restricta de que vamos occupar-nos será todavia, assas importante para corroborar os princípios geraes expostos, e para nos mostrar as difficuldades e o tempo, que uma idéa justa e humanitária tem de vencer para entrar no domínio das applicações sociaes.
A moderna organisação da industria, Lao exibindo como outrora, o emprego de forças consideráveis, que actualmente lhe eram económica e quasi indefinidamente proporcionadas pelo vapor; tendo alem d'isso de empregar maior numero de braços foi procurar entre as mulheres e creanças operários assas intelligentes para desempenharem o seu mister, e bastante fracos e numerosos para que o salário descesse a um valor insignificantissimo.
A miseria das familias operarias, a necessidade de elevar o salario paterno que mal alimentava a familia; a falta de educação moral dos paes, essa singular opinião que se manifesta muitas vezes nas classes pobres, de que o filho é uma especie de importuno intruso, cujo dever é de trabalhar bem cede em beneficio da familia, proporcionaram e facilitaram aos ávidos industriaes o emprego na industria das mulheres e das crenças.
E como nada limitava esse emprego, cujas vantagens revertiam em beneficio do industrial, estes seres fraquissimos e desprotegidos eram esmagados por trabalho superior

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ás suas forças, sem descanço, sem esperança e quasi sem comprensão.
A um ou outro philantropo, mesmo das classes interessadas, que elevava a voz humanitária em favor daquella escravatura infame e pedia commiseração e caridade, respondia-se lhe com as grandes conveniências das industrias nacionaes, com a necessidade de conservar a hegemonia industrial, e de entrar bem armada e forte na lucta da concorrência.
Se algum pensador mais ousado emprehendia a cruzada n'um campo mais vasto, e procurava levantar perante os parlamentos a opinião do paiz, então os interesses concitados cobriam-se pudicamente de indignação, e levantavam-se violentamente em nome das liberdades publicas e particulares contra a ousadia de regular o trabalho.
Os interesses da industria, a riqueza da nação, os direitos e as liberdades, a própria conveniência das famílias operarias, as theorias da limitação da acção do estado, toda essa bateria de artifícios e de grandes períodos, que o egoísmo do interesse tem sempre assestada para esmagar o audacioso e para aturdir a opinião publica, retumbava vigorosa e eloquentemente.
Na discussão da lei sobre o trabalho dos menores na camara dos pares de França, Gay-Lussac, o sabio physico, levanta-se indignado e solta a seguinte phrase: «Eis um começo de saint simonismo e de phalansterianismo! O fabricante é senhor em sua casa. Quem lhe garantirá as perdas se, pela nova lei, as vier a soffrer. Devemos deixar tudo ao seu livre arbítrio». Outro, atacando a lei em nome dos direitos e da conveniência da família operaria, dizia: «Para serdes lógicos estabelecei tambem a taxados pobres, a fim de poderdes indemnisar o tempo perdido pela creança».
Os exemplos e as citações podiam accumular-se; sempre que uma lei de protecção para uma classe social se apresentou num parlamento, os interesses contrários, afivelando a mascara dos interesses e conveniências geraes e nacionaes, empregaram este systema ou outro similhante, esquecendo-se de que o primeiro interesse nacional é que a harmonia das ciasses sociaes seja completa, e o seu bem estar relativa e proporcionalmente o mesmo; porque se alguns milhares de cidadãos soffrem ou se depauperam as gerações futuram, a riqueza de uma nação, principalmente constitui da pela paz interna e por cidadãos robustos e sadios, póde por-se em duvida ou perigar na sua conservação.
Em Inglaterra, aonde foi iniciado o systema de protecção para os menores, a lucta foi vigorosa e accentuada.
Em trinta annos apenas a acção da moderna organisação da industria fizera-se sentir profundamente. Os grandes centros manufacturares do condado de Lancaster foram exactamente aquelles em que, por terem já uma industria considerável, primeiro se manifestou a acção do grande agente transformador, e os tristes inconvenientes da nova organisação industrial.
Em 1802 um riquissimo industrial de Bury, quasi um suburbio de Manchester, que teve a gloria de ser pae de Robert Peel, o celebre ministro que libertou o povo inglez das leis proteccionistas sobre os cereaes, levantava perante o parlamento inglez a grave questão do trabalho dos menores.
Testemunha occular das misérias soffridas pelas pobres creanças, o philantropo millionario era a voz poderosa, que no seio da representação ingleza repetia o que os médicos, os homens illustrados e desinteressados, e principalmente os ministros anglicanos propagavam com aquella resistente persistência tão própria e característica do génio inglez.
A lei do Robert-Peel não abrangia senão as fabricas e officinas aonde se manipulava a lã e o algodão; o desenvolvimento destas industrias não creara ainda essas enormes industrias subsidiarias, como lhes chamamos que mais tarde exigiram tambem no mesmo sentido a vigilância do estado.
De resto, como é sabido, o espirito da legislação ingleza não é o da extrema generalisação; o legislador inglez, espirito seguro e pratico, legisla para a necessidade evidente e para os factos que lhes são bem conhecidos, longe de procurar abranger em poucas regras geraes elementos desconhecidos e por vezes pouco harmónicos.
O caracter restricto da lei, provavelmente a auctoridade do seu proponente e, digamos ainda, a imperfeição dos seus meios de applicação e a largueza dos seus princípios, contribuíram bastante para que fosse approvada e depois sanccionada em 22 de junho de 1802.
A simples analyse d'esta lei vae esclarecer-nos e fezer-nos conhecer, ainda que indirectamente, quão pesado era o trabalho das crianças nas fabricas de tecidos de lâ e algodão do Lancashire.
A lei em primeiro logar refere-se apenas a aprendizes, empregados nas fabricas de tecidos de lã e algodão, e nas officinas em que se empregassem mais de vinte operários ou de três menores, daqui se póde inferir immediatamente o caracter restricto da protecção. Restringe a doze horas por dia o trabalho dos menores qualquer que seja a sua idade inferior a deseseis annos! E não determina o mínimo da idade para a admissão na officina e no trabalho.
Imagine-se quando a protecção philantropica fixava estes largos limites, apenas temperados porque neste espaço o aprendiz devia receber alguma educação, imagine-se qual seria realmente o período de trabalho das pobres creanças!
A execução e fiscalisação da lei foram entregues no respectivo districto ao juiz de paz e a um ministro anglicano; mas estas funcções eram gratuitas.
N'estas bases a lei não levantou grandes difficuldades, porque não foi cumprida. Como a aprendizagem em Inglaterra era caracterisada por contratos, que duravam sete annos, o industrial inglez illudiu immediatamente a lei não contratando dahi em deante menores senão por um período inferior e, afinal, recebendo-os a jornal.
O legislador inglez, que não admitte senão a interpretação rigorosa do texto da lei, viu assim annullar-se-lhe toda a protecção, que pretendera conceder às pobres creanças.
De resto, como os juizes de paz eram geralmente industriaes e os pobres ministros anglicanos dependiam directamente desses poderosos capitalistas, a execução e a fiscalisação da lei, as visitas aos estabelecimentos e a inspecção das officinas, que só por si ainda poderiam dar resultados benéficos, foram uma perfeita letra morta.
A experiência, porém, tem demonstrado que uma idéa generosa e boa, lançada na corrente da opinião publica, não deixa nunca de produzir, mais cedo ou mais tarde, fructos apreciáveis. Este principio não foi neste caso, felizmente, excepção á regra. A propaganda, que tinha indicado a necessidade da primeira lei, continuou activa e enérgica; o resultado favorável da primeira tentativa animava para segunda empreza; novos factos colhidos por toda a parte accentuavam ainda mais a conveniência de uma lei, que desse garantias; o desenvolvimento da industria, engrossando o mal, dava origem a uma corrente de opinião de dia para dia mais enérgica e profunda.
O velho proponente da lei de 1802 apparece novamente na scena política em 1815, luctando em defeza do seu elevado principio e propondo um novo projecto de lei, em que eram eliminadas algumas das mais importantes faltas da lei anterior. A experiência, embora incompleta, da lei precedente tinha, porém, posto alerta os interesses, e a lucta presentemente ia ser vigorosa, visto que tambem por outro lado uma profunda corrente de favorável propaganda se estabelecera em favor do principio proteccionista.
A primeira tentativa foi de protelar a medida, e para isso a camara dos communs deliberou entregar o estudo do projecto de lei a uma commissão parlamentar de inquérito. Três annos se passaram estudando o grave problema, e durante elles apuraram-se factos importantes.

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Os debates parlamentares começaram finalmente em 1818; se as difficuldades levantadas pelos interesses adversos tinham sido vigorosas e capazes de suffocar os protestos humanitários durante quatro annos, as resistências parlamentares foram enormes e as discussões acaloradas.
Os argumentos, que expozemos ha pouco, foram violentamente lançados contra o projecto.
Exigiu-se a liberdade do mercado do trabalho (market of labour) tal como existia a de qualquer outro mercado commercial; protestou-se em nome da industria nacional, em nome dos interesses públicos e não esqueceu o próprio interesse das famílias operarias.
A esta ultima asserção a resposta foi concludente: milhares de operários dirigiram-se ao parlamento, peticionando que fosse approvado o principio de protecção não só para as creanças, mas ainda para as mulheres e para os velhos operários, aos quaes o egoísmo sordido de alguns industriaes lançava á margem e atirava á miseria, quando as forças lhes desfalleciam precocemente, gastas por trabalho immoderado.
Por outro lado a iniciativa particular e philantropica fazia engrossar em todo o paiz a corrente proteccionista e favorável ao projecto de lei.
No parlamento eloquentes vozes defendiam o bello principio ; entre ellas a do grande philantropo Wilberforce, cuja palavra enthusiastica e incisiva arrancara ao parlamento a celebre lei da abolição da escravatura. O auctor da primeira proposta para a extincção da escravatura não podia deixar de pôr ao serviço da protecção dos menores a sua grande auctoridade e o seu profundo enthusiasmo religioso. Era ainda uma variedade do infame trafico humano, que se procurava destruir!
A lucta correu longa e porfiada, e provavelmente a victoria foi devida em grande parte á poderosa influencia de Robert Peei, o filho do proponente da lei, já nessa época predominante na camara popular pela sua eloquência, pela sua auctoridade política e pela sua enorme riqueza.
Na camara dos lords o bispo de Chester, cuja diocese n'aquelle tempo comprehendia quasi a totalidade das industrias de fiação e tecidos, a que a lei principalmente se referia, secundava os esforços dos philantropos, e com a sua grande auctoridade episcopal e com a sua palavra severa e eloquente, como testemunha presencial das misérias das officinas, dizia á camará: «o meu dever de prelado e de ecclesiastico era de visitar pessoalmente as numerosas manufacturas da minha diocese, nas quaes tantos seres fracos segundo uns nada soffrem, e segundo outros padecem muito na sua saúde e na sua moral, em resultado de um trabalho que, excessivamente prolongado, os embrutece e os esmaga. Cumpri o meu dever; tudo VI com os meus próprios olhos, e declaro que o excesso do trabalho é tal que hão prejudica sómente as forças e as faculdades dos menores, mas que lhes faz perigar as próprias vidas.
O grande philantropo socialista Robert Owen, o creador das vastas officinas de New-Lanarck, secundava entre o publico esta poderosa acção parlamentar com a sua palavra activa, e com os exemplos admiráveis do que elle conseguira pela moralisação e boa direcção no operário: fora mesmo o período do trabalho fixado por Owen nos estabelecimentos de New-Lanarck, que servira de norma ao projecto de Robert Peel.
Apesar de tudo a lei de 1819, que resultou do longo inquérito e da discussão de 1818, poucos ou nenhuns resultados práticos deu; ganhara se apenas abranger não só os aprendizes mas todos os menores; de resto o numero de horas de trabalho, que era de dez no projecto, conservou-se de doze, como na precedente lei, para os menores de nove a dezeseis annos. O mais grave, porém, foi não serem modificados os meios de fiscalisação e execução da lei; que continuaram a constituir funções gratuitas.
A nova lei manifestou bem depressa tão impotente, como a precedente o tinha sido, para evitar os abuses dos industriaes no trabalho dos menores.
Em 1825 novas queixas se elevaram no parlamento, mas foram quasi infructiferas, porque encontraram a opposição systematica de Robert Peel filho, então ministro do reino;
apenas aos menores de idade inferior a dezeseis annos foi reduzido a nove horas o trabalho ao sabbado.
O principio, porém, tinha lançado profundas raízes na opinião, e força era que tivesse resolução mais perfeita e completa.
Em 1832 a questão do trabalho dos menores foi novamente levantada no parlamento por lord Shaftesbury.
O nome de Ashley-Cooper é conhecido na historia da protecção do trabalho dos menores. Annos e annos este generoso philantropo, representante da illustre família dos condes de Shaftesbury, que tinha dado a Inglaterra estadistas celebres e homens de grande valor, luctou pelo melhoramento das condições dos menores empregados na industria, sustentando pertinazmente o seu celebro bill das dez horas de trabalho, que só logrou ver transformado era lei do estado no anno de 1847.
A iniciativa de lord Ashley, todavia, se não produziu N'aquella occasião resultados completos e decisivos, motivou um longo e bem dirigido inquérito parlamentar, que precedeu e preparou a lei de 29 de agosto de 1833. Esta lei, apesar de não abranger senão as manufacturas de tecidos em que se empregavam machinas a vapor e hydraulicas, foi uma batalha decisiva ganha pelos protectores das creanças.
Os menores foram classificados em duas categorias: uma comprehendendo os de nove a treze annos (children) outra os de treze a dezoito annos (young persons). Para a primeira o trabalho não podia exceder nove horas diárias, ou quarenta e oito semanaes, porque o trabalho do sabbado era menos longo; para a segunda o trabalho era de doze horas por dia ou de sesenta e nove por semana. O limite para a admissão nos trabalhos das industrias, a que a lei attendia, foi fixado aos nove annos. O trabalho nocturno, que a lei considera ser o realisado desde as oito horas da tarde ate às cinco da manhã, foi absolutamente vedado aos menores de dezoito annos, e para os menores de treze ficou sendo obrigatória a frequência da escola primaria por duas horas diárias, pelo menos. A lei impõe ao patrão o encargo de conceder annualmente dois dias completos e oito meios dias de licença a todos os operários menores de dezoito annos.
Todos estes preceitos eram indiscutivelmente muito superiores aos da legislação anterior; a parte mais importante, porém, da lei de 1833 é a que se refere á sua execução e á fiscalisação do trabalho dos menores nos estabelecimentos industriaes e nas officinas; para este effeito foram creados quatro inspectores e um grande numero de sub-inspectores (quarenta, salvo erro) com largas attribuições policiaes e todos bem remunerados. Assim se preencheu a peor lacuna da legislação anterior, que todos reconheciam. Os factos vieram comprovar esta opinião.
Tres annos apenas de pratica da nova lei, energicamente executada e fiscalisada, produziram 2:000 processos de contravenção das suas disposições!
As idéas do generoso e humanitário Wilberforce tinham, finalmente, vingado, e o bom velho e o grande patriota, cuja vida se passara a sustentar os mais bellos princípios, a luctar por elles com a sua pertinaz actividade e com a sua incansável e incisiva eloquência, entrava na eternidade deixando na posse da humanidade duas leis grandiosas, uma que abolia a escravatura 1 nos vastos domínios

1 A lei do emancipação dos escravos das colónias inglezas foi sanccionada em 28 de agosto de 1833 na véspera da sanação da lei sobre o trabalho dos menores Admirável coincidência! A primeira concedia a liberdade a cerca de 800:000 homens, quantas miserias quantas vidas não resgatou a segunda!

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nglezes, outra que amparava milhares de seres fracos, tambem explorados por um mercantilismo abjecto e egoísta !
Os princípios fundamentaes da lei de 1833 foram a base da legislação ingleza posterior, e directamente têem influenciado a legislação de todos os paizes civilisados, que se têem occupado d'esta, questão social. Em volta della vieram successivamente grupar-se differentes leis, que generalisarão a todas as industrias a protecção dos menores e prepararam a codificação de 1878.
Assim a lei de 6 de junho de 1844 reduziu o trabalho dos menores (children) de nove a 6 horas e meia diarias, descendo, por uma transigência com os industriaes, o mínimo da idade de admissão de nove a oito annos. Esta mesma lei envolve um principio importantíssimo, que actualmente se conserva na legislação ingleza, igualou o trabalho das mulheres aos dos adolescentes, (young persons) dando-lhe o máximo de doze horas de trabalho por dia. Ao mesmo tempo alongava a três horas o espaço de frequência dos menores (children) às escolas primarias.
As leis de 1847 e 1850 reduziram o dia de trabalho a dez horas e meia para os adolescentes, a de 1861 estendeu o regimen de protecção às fabricas de rendas e de filó; a de 1865 abrangeu as industrias perigosas e muito penosas; a de 1867 alargou a esphera da protecção levando-a até às officinas em que eram empregados cinco operários e attendeu às officinas de impressão sob estofos, tinturarias, fabricas de conserva, etc., etc.; finalmente, a lei de 1874 considerou outras necessidades industriaes, elevou o minimo de admissão dos menores a dez annos, e encurtou o período da adolescência fazendo começar aos quatorze annos.1
Esta simples exposição demonstra, que os princípios geraes e fundamentaes da lei de 1833 tinham sido bem fixados e que, principalmente, a execução da lei dera bons resultados; por quanto nas leis que citamos e ainda mesmo na de 1878, foram conservados os processos de fiscalisação da lei de 1833.
Desviando agora a nossa attenção para a França, vejamos tambem qual foi o movimento da opinião publica, que produziu as leis de protecção dos menores, historiando prefunctoriamente os factos mais importantes a que deram origem.
Industrialmente muito menos adiantada do que a Inglaterra, a França, que desde 1802 até 1833 tinha visto succederem-se tres systemas de governo, empobrecida pelas guerras de Napoleão e pela invasão de 1815, rasgada interiormente pelas profundas dissenções políticas, que enchem o período da restauração bourbonica até á rápida e sanguinolenta revolução de julho, a Franca, dizemos nós, não se encontrara em circumstancias favoráveis para apreciar e resolver as altas questões sociaes.
O período de paz e de prosperidades, que acompanhou os primeiros annos da monarchia de Luiz Filippe, e muito naturalmente a discussão parlamentar e o grande movimento da opinião publica ingleza, que produziu a discussão da lei de 1833, deveram sem duvida alguma fazer convergir a attenção popular sobre a interessante e sympathica questão do trabalho dos menores.
E certo que sobre este assumpto uma ou outra voz auctorisada se tenha elevado e mais de um philosopho e de um philantropo havia condemnado o trabalho excessivo das creanças, mas essas vozes isoladas não tinham encontrado echo na opinião concentrada nas questões políticas por via de regra mais attrahentes, ainda que bem menos profícuas, do que as económicas e sociaes.
Em 1827 apenas começou a accentuar-se a propaganda, que sempre antecede as grandes reformas sociaes.
Como em Inglaterra foi de Mulhouse, um dos primeiros centros da industria manufactureira da França, que partiu o impulso inicial; foi tambem um grande industrial fabricante de tecidos, Broucart, que, como Roberto Peel, apontou as misérias dos pequenos operarios.
A associação de Mulhouse em dez annos de activa propaganda, dirigindo-se aos poderes publicos, publicando manifestos, organisando inqueritos, conseguiu fazer-se escutar. Em 1837 o governo presidido por Molé mandava abrir um inquérito sobre as condições dos menores na industria, e dirigia-se a todas as corporações, que pelas suas luzes e experiência podiam elucidar e esclarecer o assumpto.
Ao mesmo tempo a academia das sciencias moraes e politicas, impressionada por um discurso pronunciado por um dos seus membros, Villermé, sobre a extrema duração dos trabalhos dos menores, encarregava este illustre medico de proceder a um inquérito sobre as condições do trabalho dos menores na industria.
Os trabalhos officiaes e os particulares harmonisaram-se e os resultados excederam a expectativa; em algumas fabricas, em Roubaix, creanças de seis annos eram obrigadas a um trabalho de treze a quatorze horas e «pallidas, anemicas, com movimentos morosos e olhar tranquillo, apresentavam um exterior de miséria, de soffrimento e de abatimento, que contrastava com a cútis rosada, com a gordura, com a vivacidade e com todos os signaes de uma magnifica saúde, que se observam nas outras creanças da mesma idade».
«Para melhor apreciarmos, continua o auctor 1, quanto é longo o dia de trabalho das creanças nas officinas, lembre-mo-nos que o dia de trabalho dos forçados é apenas de doze horas, reduzidas a dez pelo tempo de descanço!»
Em Elbeuf o dia de trabalho elevava-se a quinze, deseseis e desesete horas! Citavam se ahi como exemplo de philantropia as fabricas de Cunin-Gridaine, o futuro ministro do commercio, em que o trabalho dos menores durava apenas quatorze horas!
Em Lyão nas fabricas de chalés o trabalho dos menores attingia dezoito horas!
O resultado d'estes excessos era o empobrecimento rapidíssimo das populações industriaes, directamente accusado pelas estatísticas demographicas e pelas inspecções militares. Sobre a moral das creanças os effeitos dos trabalhos nas officinas foram tambem claramente demonstrados; em vista dos resultados obtidos pelos inquéritos manifestava-se, pois, a necessidade de legislar; restava saber se havia força para conseguir alguma medida pratica e útil.
Finalmente o parlamento occupou-se do assumpto, e tanto na camara dos pares, como na dos deputados elevaram-se vozes auctorisadas, pedindo a intervenção do estado no trabalho dos menores para corrigir os demonstrados e provados abusos do egoísmo industrial.
O industrial Cunin-Gridaine, então ministro do commercio, viu-se, pois, compellido a apresentar o projecto de lei, quasi exigido pelas duas camarás, sobre o trabalho dos menores na industria. Tal é a origem da primeira medida legislativa, apresentada pelo governo do marechal Soult á camara dos pares em 11 de fevereiro de 1840.
Quem não desconhece a essência política da monarchia de julho, que principalmente se firmava na classe média, apurando de entre esta os seus mais fervorosos apóstolos e defensores na burguezia mais rica, no alto commercio e na grande industria; quem não ignora a versatilidade política do chefe do gabinete, bonapartista com Bonaparte, realista e par de França com a Restauração, e ferrenho orleanista com Luiz Filippe, que sobre elle exercia a mais poderosa influencia, e attender finalmente a que a iniciativa partia de um grande industrial philantropo, que unicamente obrigava os menores a um trabalho diário de 14 horas, não se illudirá por um momento sobre a importância desta medida legislativa.

1 No annexo n.° 4 fazemos uma resenha das principaes leis ingle

zas.

1 Tableau de l'etat physique et moral des ouvriers Villermè, citado por Jay. Travail des infants e des filles mineurs dans l'industrie.

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Apesar de tudo o projecto de lei foi recebido com applauso de uns e com violentos ataques de outros, o que ao mesmo tempo indicava a profunda e urgente necessidade social, a que elle correspondia. Idênticos interesses aos que tinham agitado a Inglaterra combinaram as suas forcas para directa ou indirectamente, clara ou subrepticiamente, atacar o projecto de lei, não como offerecendo serias consequências na sua applicação, visto que as suas disposições eram quasi innocentes, mas para evitar a introducção de um justo principio na legislação nacional, que o tempo e a experiência fariam fructificar.
O projecto ministerial compunha-se de seis artigos!
No primeiro estatuia-se que os menores de 16 annos, não se fixando limite para a admissão, não podiam ser admittidos na industria sem que regulamentos especiaes,
feitos pelo governo, determinassem a duração do trabalho, e corrigissem os abusos do emprego dos menores n'aquelles misteres, que obstassem ao seu desenvolvimento physico, intellectual e moral. No segundo e terceiro determinava se a forma destes regulamentos, que, podendo ser geraes ou locaes, seriam organisados pelos prefeitos, depois de consultas de algumas corporações especiaes, e definitivamente approvados pelo ministro da agricultura e do commercio. O quarto e o quinto impunham multas aos industriaes e aos paes dos menores, quando não cumprissem as determinações dos regulamentos. O sexto, finalmente, concedia ao governo a auctorisação facultativa de nomear inspectores, mas sem fallar em remuneração alguma.
Francamente, depois das longas discussões do parlamento inglez, e da experiência das leis protectoras, que aquelle povo havia feito desde 1802 até 1833, não póde ninguém tomar a serio, não dizemos só a letra do projecto de lei, mas até a honestidade política dos apresentantes. De resto o relatório do próprio ministro fora moldado por forma, que não concitasse contra o governo as iras dos industriaes, indicando-lhe positiva e claramente a inutilidade dos seus preceitos.
A legislação, escreveu o ministro, no seu relatório, deve sem duvida oppôr-se ao mau uso, que paes ávidos (não fallava nos industriaes) podem fazer da sua auctoridade em detrimento dos seus filhos; mas isto deve ser com extrema reserva e unicamente para o caso em que o mal é certo e o remédio efficaz. Se o mal é local, não é permittido applicar forçadamente senão ahi o remédio e na justa proporção das necessidades. D'aqui um grande numero de opiniões que não admittem senão regulamentos locaes a particulares; a lei neste caso deveiria, apenas reconhecer o principio e auctorisar a sua applicação, entregando-a, porém, á prudência do governo. Esta ultima disposição pareceu a unica conveniente e o projecto de lei foi elaborado em conformidade com ella.
Aconteceu, porém, que a commissão nomeada pela camara dos pares para estudar o projecto não achou verdadeiras as subtis e melifluas palavras do ministro, e alterou radicalmente as suas idéas; por felicidade o relatório de Villermé, apresentado á academia em fins de 1839, viera demonstrar a falsidade do optimismo de Cunin-Gridaine, e pôr em evidencia o martyrio obscuro das pequeninas victimas.
O contra projecto da commissão, feito sob a influencia da lei ingleza de 1833, applica-se às industrias de fiação, fabricação e impressão de tecidos; o minimo da idade para a admissão na industria foi fixado aos 8 annos; como na lei ingleza os menores foram divididos em duas classes, os de 8 a 12 annos annos com um dia de trabalho de 8 horas, os de 12 a 16 annos com um dia de trabalho de 12 hora, sendo o dia de trabalho em ambos os casos dividido por um descanço.
A fiscalisação dos preceitos da lei foi confiada ao prefeito, ao sub-prefeito e ao maire (administrador da communa) que nas visitas ás officinas podiam fazer-se acompanhar por um medico.
Pois este projecto, que, apezar de muito superior ao primitivo, não oferecia probabilidade alguma de bom êxito na pratica, levantou contra si violentas tempestades!
Que era um começo de saint-simonismo e de phalanterianismo, exclamava Gay-Lussac. Que era o empobrecimento das classes operarias, lei talvez indispensável em Inglaterra, aonde os administradores das parochias, mercadejavam até com o idiotismo cios menores 1, mas inconveniente em França, paiz livre e parlamentar em que a liberdade individual era a base do direito publico.
O grande economista Rossi, insurgia-se contra a lei em nome da liberdade do trabalho, e cousa singular! combatia a instrucção obrigatoria!
É d'elle o seguinte dialogo entre um menor e um industrial: «- Dai-me trabalho.-Não tens trabalho porque não vaes á escola.- Meu pae tambem perdeu o seu salário. - Pouco me importa, visto que não vaes a escolar - morrerei de fome! -Ainda uma vez, não, é a lei; tu frequentas a escola.»
«É a lei, dizeis vós, respondia-lhe eloquentemente o relator, mas então não a haveis sequer lido. Vós attribuis-lhe um cruel absolutismo, que fundaes sobre um primeiro paragrapho; paraes como para impôr o ferro em braza da humanidade sobre o hombro dos profanadores e não vos dignaes de ler o segundo paragrapho, que diz immediatamente depois: «far-se-ha excepção quando o estabelecimento permitir a frequencia dos menores á escola primaria». O meu collega ha-de permittir que lhe diga, que pelo seu dialogo impressivo encontrou a eloquência mas, fazemol-o a elle próprio juiz (sic) encontraria tambem a verdade?»
Apontada nos seus geraes lineamentos unicamente, sob pena de escrevermos volumes, tal foi a natureza da discussão, que, tanto na cardara dos pares como na dos deputados, soffreu o projecto da commissão.
Discussão scientifica e elevada realmente, aonde a paixão por vezes transluzia sob a filagrana da argumentação contraria, e em que se distinguiu o relator da commissão, o barão Carlos Dupin; magnifico combate parlamentar, cujos resultados foram a insignificante lei de 23 de março de 1841.
Não é preciso discutir profundamente a lei de 1841, para immediatamente descobrir a origem da sua fraqueza. Limitada a sua acção às fabricas e officinas, que tivessem mais de vinte operários, não abrangendo nas suas disposições os aprendizes, a protecção legal desamparava completamente 40 por cento dos menores, que em Franca e naquella epocha se suppunham empregados na industria, como simples trabalhadores ou como aprendizes 2. Imperfeita como era, menos avançada do que a lei ingleza de 1833, que aliás imita, a lei franceza trazia ainda um grande vicio de origem, a falta de tuna boa fiscalisação remunerada e independente.
Realmente não se comprehende mesmo, como a experiência da legislação ingleza não suggerisse esta observação aos que mais defendiam o principio da protecção, porque em quanto aos adversários o seu silencio neste ponto explica se pela plena certesa da improficuidade dos preceitos dos legaes, exactamente o que desejavam.
As rasões deste abandono de uma parte importante do projecto de lei não são fáceis de attingir; mas se os motivos são difficeis de destrinçar, as suas consequências, essas, são palpaveis e indiscutíveis.
A lei de 1841 produziu resultados insignificantissimos. Apenas em cinco departamentos, dos oitenta e seis em

1 Em um dos inquéritos inglezes apurou-se que um administrador parochial (overseer) contratara com um industrial do Lencashire o fornecimento de menores, se este se obrigasse a tomar um idiota por cada vinte creanças intelligentes.
2 Menores empregados na industria.

trabalhadores.... 125:000
aprendizes.... 25:000
150:000

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que então se dividia a França, os conselhos geraes cuidaram na execução da lei, nomeando inspectores remunerados; nos restantes, entregue a commissões locaes não remunerados, e a empregados especiaes, como aos inspectores da instrucção publica, dos pesos e medidas, engenheiros etc., a lei não foi executada e nalguns nem mesmo conhecida.
Em 15 de fevereiro de 1847 o mesmo ministro Cunin-Gridaine apresentou novamente á camara dos pares uma modificação da lei de 1841.
N'este projecto generalisavam-se as disposições da lei de 1841 a todas às industrias, fixava-se o mínimo da idade da admissão aos dez annos; todavia, o dia de trabalho dos dez aos dezeseis annos era igual e de doze horas.
Comparando os preceitos deste projecto de lei com os da lei do 1841, não se comprehende bem claramente o seu fim e o seu propósito, a menos que se não supponha unicamente como tendo em vista, sob a concessão sympathica de elevar o mínimo da admissão, o interesse de augmentar em mais quatro horas o dia de trabalho dos menores de dez a doze annos, que a lei de 1841 fixava em oito horas apenas. Tanto esta hypothese é mais admissível, quanto, sendo muito mais considerável na industria o numero dos menores de dez a doze annos do que de oito a dez annos, a final a modificação reverteria em beneficio dos industriaes. Contra o projecto se levantou immediatamente a voz auctorisada de Jules Simon, declarando que elle constituía a postergação de todos os bons princípios.
A commissão da camara dos pares, porém, ainda d'esta vez ludibriou os designios do ministro. O barão Dupin, o mesmo que relatara a lei de 1841, na sessão de 20 de junho de 1848 apresentou á camara um contra-projecto de lei, em que as idéas ministeriaes foram totalmente desprezadas. Deste relatório, modelo de trabalhos parlamentares desta ordem, se deprehendia a plena desesperança do mais ardente apostolo da protecção do trabalho dos menores.
Um extracto d'este relatório vae esclarecer-nos sobre o espirito da lei de 1841 e sobre os seus resultados directos num período de seis annos.
«As camaras então (em 1840 e 1841) entendiam que o successo, de uma legislação favorável aos pequenos operários, não podia conseguir-se senão pelo concurso do legislador e do poder executivo. Ao legislador cumpria fixar as bases geraes, os limites extremos e os menos favoráveis que se podessem conceder, deixando á administração publico os adoçamentos graduaes, que a experiência, attentamente consultada, indicasse como uteis e praticos.
« Tinhamos nós admittido muito novos os menores de oito a doze annos no trabalho das manufacturas em geral ? Concedíamos aos regulamentos da administração publica a faculdade de elevar o limite inferior dessa idade para todas as industrias, nas quaes o trabalho dos menores excedesse a sua força e fizesse perigar a sua saude.
«Existem espécies de fabricação, nas quaes os trabalhos attribuidos á infancia e á adolescência sejam muito rudes e muito difficeis para durar respectivamente oito a doze horas? Os regulamentos de administração publica envolviam igualmente a faculdade de reduzir esta duração a limites convenientes.»
«Ainda mais; certos ramos de industria são presentemente, ou tornar-se-hão um dia, muito pesados e muito perigosos pura ser consentido o emprego dos menores?
A lei concedia aos regulamentos da administração publica o direito absoluto de prohibir o seu emprego.
«Este processo, como vedes, tinha todas as vantagens e nem um só inconveniente. Deixava ao poder executivo a parte agradável das medidas futuras em favor dos menores. Não se adiantava, esperava a experiência. Abaixo dos preceitos geraes, mínimo possível da protecção, abria a porta às protecções especiaes, que a administração gradualmente reconhecesse, como sendo justas e caritativas, para os differentes elementos da industria nacional.
«Nós lamentámos que o ministro não tenha querido fazer uso do nobre papel, que lhe reservou a confiança do legislador. Mais de seis annos são passados depois da promulgação da lei, que concedia esta generosa protecção, e durante elles a administração não achou que fosse perigosa uma só industria, que uma só fosse mais particularmente penosa para os menores!»
«N'este mesmo lapso de tempo grandes industriaes, de alta intelligencia, ordenaram para os seus estabelecimentos restricções similhantes, e o seu exemplo não foi seguido pela auctoridade para indicar as mesmas regras aos estabelecimentos da mesma natureza no resto do reino!»
«O governo tinha a faculdade de alargar, tanto quanto julgasse conveniente, o circulo das manufacturas, das fabricas e das officinas submettidas á lei, e della não fez uso algum 1.»
Estes eloquentes periodos, que são ao mesmo tempo a condemnação da política egoista do ministerio e da insufficiencia da lei, completam-se com á idéa que presidiu á elaboração do contra-projecto de 1847. O novo projecto da commissão generalisa a protecção a todos os industriaes, logo que occupem dez pessoas entre maiores e menores, ou cinco apenas se forem creanças (oito a doze annos) adolescentes (doze a dezeseis annos) e mulheres. Nesta disposição manifesta-se claramente a influencia da lei inglesa de 1844.
As disposições da lei de 1841 relativamente ao limite de admissão e á duração do dia de trabalho são conservadas, equiparando, porém, o trabalho das raparigas e das mulheres ao dos adolescentes. Aonde, porém, o projecto da commissão accentuava o seu espirito decidido e pouco transigente, bem differente da lei de 1841, era na organização da fiscalisação. Creava 4 inspectores geraes, cada um dos quaes teria às suas ordens, pelo menos, 1 inspector de divisão. Os logares de inspectores geraes e de divisão eram remunerados e incompatíveis com outras quaesquer funcções publicas. Uma rotação regular fal-os-ía successivamente fiscalisar as quatro grandes divisões da França manufactureira.
Commissões especiaes, nomeadas pelo governo e presididas pelos inspectores geraes ou de divisão, tinham a seu cargo as inspecções locaes. A cada inspector geral impunha-se-lhe a obrigação de relatar annualmente o resultado da sua inspecção, devendo os relatórios ser publicados e apresentados á camara dos deputados.
A commissão, se nos é permittida a phrase, rompera finalmente com o ministro, fazendo agora obra viável, por que o systema de inspecção era aquelle que tinha adoptado o legislador inglez, e que já naquella epocha tão bons resultados produzira.
A revolução de fevereiro de 1848, transformando o regimen constitucional da França, veiu inutilisar esta tentativa, que pena é não ter vingado.
E cousa singular! a constituinte de 1848 tão compenetrada de espirito socialista, encontrando na tela da discussão um assumpto humanitário e sympathico á opinião, abandonou-o completamente, lançando-se no caminho mais perigoso da reducção das horas de trabalho para o operário em geral.
As conveniencias políticas ainda uma vez sacrificaram as melhores medidas economicas e moraes. A lei de 9 de setembro de 1848, reduzindo a doze horas o dia do trabalho para os adultos, foi certamente um meio de attrahir as boas graças da enorme massa dos operários de Paris; de cercar de sympathias o governo provisório; mas o grande principio da protecção dos menores fora esquecido e a justiça das pobres creanças não conseguiu irromper atravez

1 Le travail des enfants, qu'emploient lês ateliers, les usines et les manufactures, considere daus les intérêts mutuels de la societé des familles et de Findustrie, seconde partie, pur le baron Charles Dupin. Paris 1847, pag, 27.

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dos grandes interesses politicos, que sobretudo se preoccuparam em conquistar o apoio das massas socialistas.
A lei de 22 de fevereiro de 1852, sobre os contratos de aprendizagem, veiu por ultimo transformar algumas das disposições da lei de 1841, e abranger na protecção legal não só os aprendizes, que esta lei não comprehendia, mas ainda sujeitar a inspecção as officinas e as industrias que haviam sido exceptuadas. Em virtude das suas disposições os menores foram classificados em duas categorias: os aprendizes menores de quatorze- annos, para os quaes o dia do trabalho não podia exceder dez horas; os de quatorze a dezeseis annos, não podendo trabalhar mais de doze horas; o trabalho nocturno e dominical para os menores (Testas duas categorias foi absolutamente prohibido, e imposta aos patrões a responsabilidade de os obrigar á frequência das escolas publicas.
Esta lei, completando a de 1841, teria sido um largo passo para a resolução do delicado problema da protecção dos menores em França, se a lei de 1841 comprehendesse, ou se esta preceituasse, um bom systema de fiscalisação, a que nem uma nem outra tinham attendido.
Temos por esta forma esboçado a historia da legislação sobre o trabalho dos menores nos dois paizes, que pelas suas condições industriaes "foram primeiro obrigados a estudar desenvolvidamente esta importante questão social. Foi o nosso intento demonstrar, pela lição de dois grandes povos, como tem sido lenta e cheia de peripécias a evolução de uma das idéas mais nobres e santas, que têem brotado da intelligencia humana, guiada pelos mais subidos princípios de amor do próximo, de respeito pela fraqueza e de piedade enrista.
Hoje que o sublime principio, graças á lucta hábil e valentemente sustentada pela caridade e pela philantropia contra o egoísmo das ambições sórdidas faz parte do grande capital de verdades, que constitue o progresso geral da humanidade, custa quasi a comprehender as difficuldades que se elevaram contra a sua realisação social!
Sirva-nos isto de exemplo: à pertinácia das grandes e serenas convicções acaba sempre por vencer e esmagar os conluios dos interesses, ainda quando estes se incarnam nos poderosos e nos grandes da terra.
Outra conclusão tiraremos tambem das paginas históricas que compulsámos: as leis de protecção social são sempre improfícuas e inúteis, quando, ao lado dos seus preceitos salutares, o legislador não cria e desenvolve um bom systema de execução e de activa fiscalisação das suas disposições.
Tendo em vista estes dois principies, demonstrados pela experiência da vida, e justo que todos os homens de boas intenções liguem os seus esforços para a protecção da maior e da mais santa fraqueza - a das creanças.

II

Legislação actual sobre o trabalho dos menores

Desde 1869 observa-se nos paizes europeus uma grande actividade no sentido da protecção dos menores. Quer por meio de leis especiaes, quer descrevendo preceitos em leis geraes sobre a industria, as principaes nações da Europa têem cuidado deste momentoso assumpto.
Em 1869 a Áustria numa lei geral sobre a industria; em 1873 a Hespanha e a Dinamarca em leis especiaes; em 1874 a França, a Holanda e a Rússia em leis especiaes; em 1877 a Suissa em lei especial; finalmente, em 1878 a Inglaterra numa lei especial, codificação da legislação anterior, e a Allemanha numa lei gorai sobre a industria. Se a estas nações acrescentarmos a Suécia, que se occupou da questão em 1846 numa lei geral sobre a industria, concluiremos que actualmente das nações da Europa apenas cinco das mais importantes não possuem legislação sobre o trabalho dos menores: a Itália, a Bélgica, Portugal, a Turquia e a Grecia, não entrando em linha de-conta-com os pequenos estados danubianos.
Das grandes nações dos outros continentes, a maior som duvida e a mais adiantada, os Estados-Unidos da America, possue uma extensa legislação sobre o assumpto; visto que cada estado se tem occupado da protecção dos menores em leis, successivamente remodeladas conforme a experiência e a necessidade de novos preceitos; por exemplo: o Massachusetts, que em 1880 modificou a sua legislação sobre o trabalho nas manufacturas e o de New-York em 1881.
Este grande movimento de legislação parece-nos prova evidente do profundo interesse, que este problema social está merecendo em todos os pontos -do- globo, aonde a industria tem, ou tende a tomar, grande desenvolvimento.
Entre as nações da Europa duas ha, nas quaes deverá causar estranheza a ausência da legislação sobre o trabalho dos menores: a Belgica e a Italia, principalmente a primeira como paiz essencialmente industrial e commercial.
Não acontece isto certamente, porque não haja na Bélgica um movimento favorável proteccionista; em 1875 foi apresentado á camara dos deputados pelo sr. Vanhonten uma petição, assignada por 32:000 operários, em que se podia a legislação sobre o trabalho dos menores.
As causas d'esta falta na legislação belga são conhecidas: «ha quinze annos que a Bélgica deveria ter uma lei desta natureza, mas não se fará, porque o poder reside nas mãos de uma burguezia industrial, que apenas procura enriquecer-se», exclamava o deputado francez Laurent, quando se discutia a lei franceza de 1874.»
A segunda causa é a extrema hostilidade dos partidos, que divide os belgas em duas fracções irreconceliaveis.
«As forças d'estes partidos igualando-se quasi, cada um receia armar o outro contra si, alargando as attribuições do estado. Consentir aos inspectores do governo e às commissões locaes, por elle nomeadas, entrar a qualquer hora nas officinas e exigir a apresentação dos livros, seria, segundo pensam, entregar aos adversários o segredo da fabrica e o estado dos seus negócios Seria permittir aos adversários lançar n'uma situação desastrosa os fabricantes do outro partido, exigindo delles uma estricta observância da lei e consentindo a sua violação por parte dos fabricantes amigos, para lhes assegurar, com o trabalho das creanças, o benefício de uma mão de obra barata 1.»
Estas monstruosidades, que proveem da pessima organisação económica e política do paiz, engrandecida nos seus perniciosos resultados pela elevação do censo eleitoral, que só permitte representação a classes interessadas e egoístas, dão nos a fácil explicação de um facto, que longe de condemnar o principio da protecção do trabalho doe menores, pelo contrario demonstra e prova a sua necessidade.
Emquanto á Italia, a sua recentissima unidade, que data da occupação de Roma em 1870, explica a falta da legislação protectora, que em breve, é de crer, será preenchida. O parlamento italiano, actualmente, dos mais distinctos pela superioridade dos homens que o constituem, e pelo modo brilhante e ao mesmo tempo profundo, por que n elle são tratadas as mais árduas questões da administração publica, não deixará de enriquecer a legislação pátria com uma lei, cujo alcance social, moral e económico é hoje incontestável.
De resto, na camara italiana já em 1875 foi apresentado um projecto de lei sobre o trabalho dos menores e renovado em 1879; finalmente, em 1880 outro projecto, firmado poios dois ministros Miceli e Depretis, começou a ser estudado, sem que até agora conste ácerca d'elle nenhuma resolução definitiva.

1 Bulletin de la société de législation comparée, mars 1880. Mémoire de Hubert-Valleroux, pag. 203.

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Entre nós nada se tinha feito, salvo algumas indicações isoladas e perdidas entre a indifferença geral das classes sociaes preponderantes, quando em 1880, um homem de grande valor intellectual do que haveria a esperar um estadista, só a morte tão cedo o não arrebatasse. Saraiva de Carvalho, então ministro das obras publicas da situação progressista, levantou a questão do trabalho dos menores. Uma das clausulas do programma do partido, em que milita-va, impoz-lhe evidentemente esta iniciativa, que, por incompleta que seja e sem resultado, não deixa de ligar honrosa memória ao nome do proponente.
O projecto Saraiva de Carvalho traduzia quasi unicamente a lei franceza de 1874, e fraquejava, a nosso ver, no ponto referente á execução e fiscalisação da lei, onde se manifestava a parcimonia do ministro. Em 14 de fevereiro de 1880, o seu auctor sujeitava-o á competência da sociedade das sciencias medicas de Lisboa.
Não conhecemos a discussão, que no seio d'aquella douta associação motivou a proposta, em 3 de julho de 1880, porém, respondia ella ao ministro com as seguintes conclusões :
1.° Nas industrias portuguezas nenhum menor de qualquer sexo deve ser admittido antes dos doze annos, a não ser nas profissões que um inquérito industrial indicar como não sendo nocivas às creanças, entre dez e doze annos. Provisoriamente poderão admittir-se nas diversas industrias os menores de entre essas duas idades, que certidões de dois facultativos, dos, quaes um, pelo menos, commissionado pelo governo, affirmarem que podem, pelo seu desenvolvimento especial, entrar na excepção indicada;
2.° O inquerito, a que se refere a primeira conclusão, deve estudar e indicar quaes as profissões defezas á mulher, antes dos quinze annos, tendo em attenção a sua funcção especial;
3.° Na letra do artigo 4.° 1 da proposta em questão, deve mudar-se para dez o máximo das horas de trabalho;
4.° Todos os artigos da mesma lei, onde se estabeleça o máximo de doze horas de trabalho, devem ser modificados segundo a precedente conclusão;
5.° No artigo 18.° 2 deve limitar-se a cinco horas a duração do trabalho diário;
6.° O trabalho dos ventiladores deve prohibir-se aos menores, acrescendo este novo paragrapho aos do artigo 19.°
7.° Deve instituir-se na lei um serviço de inspecção e vigilância sanitárias para a admissão de menores, e para a Bua permanência nos estabelecimentos industriaes;
8.° Esse serviço de inspecção e vigilância deve ser feito pelo facultativo municipal, com remuneração consoante o serviço prestado, ou por outro facultativo nomeado pelo município;
9.° As commissões districtaes devem incumbir os serviços attribuidos aos inspectores, na secção VI.
10.° N'essas commissões, compostas de três membros, deve haver sempre um medico; os outros dois deverão ser um engenheiro e um industrial com longa pratica.
11.° Devem ser eliminadas do artigo 65.° 3 as palavras «com funcções gratuitas» e additadas estas: «D'esses cinco membros dois serão médicos, outro engenheiro, outro industrial e outro escolhido por arbítrio do governo».
Estas indicações da associação medica, que todas são justas e acceitaveis, levaram o ministro a determinar um inquérito industrial baseado sobre os seguintes quesitos especiaes:
1.° Idade em que os menores são admittidos na industria, indicando quaes as profissões, que não são nocivas às creanças de dez a doze annos;
2.° Quaes as profissões industriaes, que devem ser defezas á mulher antes dos quinze annos;
3.° Se as horas do trabalho estão reguladas de modo que não extenuem as forças dos que o prestam;
4.° Se os empregados fabris se preoccupam da instrucção e da morigeração dos menores.
Estas indicações seriam sufficientes, para que se podesse fazer um trabalho positivo e pratico sobre a protecção dos menores, se porventura o inquérito tivesse sido organisado por outra forma; ainda aqui o principio da economia excessiva inutilisou as melhores intenções.
A commissão de inquérito 1 nomeada em 12 de julho de 1880, composta por dois médicos distinctos, por dois deputados, homens de superior talento e por um industrial dos mais illustrados e talentosos desta classe, fora bem escolhida; mas não era assas numerosa, nem os seus illustres membros dispunham do tempo material para colleccionar todos os elementos indispensáveis, relativos ao problema social que se ventilava.
Nem mesmo lhes seria facil cumprirem a sua missão, embora podessem applicar ao trabalho todo o seu tempo util, e não cortado pelas obrigações da sua vida particular, num paiz não preparado para os inqueritos industriaes, contra os quaes por um lado reage o espirito acanhado e desconfiado dos cidadãos, e por outro contraria o descuido e o abandono do estudo da estatística e a preparação dos meios seguros de a obter; visto que nos contentámos, geralmente, em organisar repartições de estatistica, que sem recursos nada podem fazer, suppondo mesmo que a sua organisação é boa; e em publicar uns volumes de tardias estatisticas officiaes, os quaes antecipadamente declarámos imperfeitas e incorrectas.
A commissão de inquérito dividiu os seus trabalhos, encarregando um dos seus membros, o sr. dr. Motta, de responder ao primeiro dos quesitos; outro, o sr. dr. Fialho Gomes, de responder ao segundo e finalmente o sr. Ennes e Anjos de responderem ao terceiro e quarto, e nomeou relator geral o sr. Oliveira Valle. São os resultados destes trabalhos, que vamos succintamente relatar.
Em relação ao primeiro quesito apresentou o sr. dr. Motta alguns dados, que nós compendiamos, dando-lhes a forma de mappa por ser esta a que melhor se presta a uma rápida comparação (annexo n.° 1). Os primeiros nove estabelecimentos foram directamente visitados pela commissão; a estes acrescem onze para os quaes as observações foram fornecidas pelo sr. dr. Ferraz de Macedo.
As seguintes conclusões do illustre medico são dignas do maior reparo:
Não admitte o emprego dos menores na industria antes dos doze annos.
Entende que a lei deve apenas conter os princípios geraes, que differentes regulamentos, elaborados pelos agentes directos da inspecção, devem traduzir e applicar às especialidades numerosas e só então bem conhecidas da nossa economia industrial.
O sr. dr. Fialho Gomes diz em relação ao segundo quesito: que não conhece profissão alguma, que deva ser defesa á mulher antes dos quinze annos, mas sobre este assumpto julga indispensável chamar a attenção de homens versados

1 Artigo 4.° De doze a dezeseis annos, os menores não poderão trabalhar em vinte e quatro horas mais de doze, divididas por dois descanços iguaes ao dos adultos, e á mesma hora, não sendo cada descanço inferior a uma (Proposta Saraiva, artigo 3.° da lei franceza.)
2 Artigo 18.° Estes trabalhos (os subterraneos) não poderão ser accumulados com outros, e não durarão mais de oito horas no espaço de vinte e quatro, com o descanço de uma pelo menos: (Proposta Saraiva, regulamento francez sobre minas de 12 de maio de 1875, artigo l.º)
3 Artigo 65.° Junto do ministerio das obras publicas haverá uma commissão de cinco membros, com funcções gratuitas, e será encarregada de : vigiar pelo cumprimento desta lei, centralisar as propostas e relatorios das commissões districtaes e dos inspectores; consultar sobre as providencias que o governo tomar ou propozer ao poder legislativo com relação a este assumpto; propor ao governo em lista tríplice os inspectores do districto. (P. Saraiva) (Artigo 23.° da lei franceza)

1 Os srs. Eduardo Augusto Motta, presidente, e João Fialho Gomes, médicos, Joaquim José Maria de Oliveira Valle e António José Ennes, deputados, e Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, commerciante e industrial.

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e entendidos em questões de hygiene industrial, o termina aconselhando que se não restrinja muito o campo á actividade feminina.
O relatório dos srs. Ennes e Anjos envolve tambem considerações da maior importância. É um documento madura e fortemente pensado e escripto em bom estylo. Juntâmol-o a este relatorio (annexo n.° 2) como um dos raros subsídios, que encontram entre noa os que desejam formar uma opinião positiva sobre a necessidade de regular o trabalho dos menores na industria.
As conclusões do trabalho dos srs. Anjos e Ennes, podem assim resumir-se:
1.° Das creanças empregadas na industria e condemnadas a prematuro trabalho, parto são victimas da ambição, do desleixo e da incuria dos paes, que se eximem aos grandes deveres impostos peia paternidade, outra da miseria real das famílias operaria?, a Pelo desamor dos pães, ou pela miséria real todas merecem e precisam, pois, de que a legislação actual as tutele e proteja e as contemplações, que se houvesse de ter pela necessidade de umas, não deveriam aproveitar á especulação, que sacrifica as outras »
2.° O salario dos menores é geralmente muito pequeon. «Em Lisboa regula de 80 a 100 réis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias ainda costuma ser mais escasso»
3.° Poucas creanças saem habilitadas das fabricas, poucas conseguem fazer-se bons operarios. «Mas cada um d'estes afortunados, que o foram quasi sempre por mercê de especial habilidade ou por encontrarem alguma protecção, viu passar pelo estabelecimento, onde tem vivido os largos annos das suas promoções, milhares e milhares de creanças, que entraram e saíram, saindo tão pouco habilitadas para proverem á sua sustentação como tinham entrado; porém geralmente mais eivadas de enfermidades e mais desgostosas do trabalho, que só conhecem ingrato.»
4.° A cultura intellectual e moral dos menores empregados na industria é inteiramente nulla. «Geralmente, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pola instrucção ou moralisação das creanças, que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações que não sejam as de patrão e operario.»
5.° Devem, á imitação da lei hespanhola, os estabelecimentos industriaes, que empregam um certo numero de creanças (fixa este numero em 50, pelo menos) ser compellidos a sustentar uma escola de instrucção primaria. «Talvez se objecte que o estado não tem direito de impor similhante encargo, embora leve, de transferir para particulares o dever de ministrar gratuitamente a instrucção primaria; esta objecção, porém, afigura-se-nos tão pouco fundada como a que se oppozesse, em nome da liberdade individual, aos preceitos legaes, que exigem nas officinas asseio e outras condições hygienicas».
6.º Aconselha a creação de creches nos estabelecimentos industriaes «Creches, onde seja numerosa a população operaria feminina, escolas, onde trabalhem muitos menores, é o menos que o interesse social e o sentimento humano podem pedir às industrias para os seus obreiros mais infelizes.»
Taes são as principaes conclusões do excellente relatorio dos srs. Ennes e Anjos. A importância destas opiniões deriva não só da observação directa dos signatários do documento, mas cresce ainda pelo facto de ser industrial um delles. Não são juízos suspeitos de homens adversos e desconhecedores dos interesses industriaes, que desenrolam, movidos por um sentimento generoso, um quadro das misérias dos menores empregados na industria, é um industrial, que ousada e honradamente expõe as verdades e. os factos colhidos na própria experiencia.
O resultado de todos estes trabalhos foi o projecto de lei regulando o trabalho dos menores na industria, apresentado á camara dos deputados na sessão de 8 de janeiro de 1881. Nas suas disposições geraes este projecto de lei copiava um pouco servilmente, seja dito em boa verdade, a legislação franceza, sem todavia aproveitar tudo quanto ella tem proveitoso e applicavel; não era isto, porém, o que mais prejudicava a proposta.
Entre nós, attendendo a carência de dados estatisticos seguros e á falta de conhecimento quanto possível exacto da nossa organisação industrial, uma primeira lei desta ordem não pode deixar de ser uma imitação da legislação actual estrangeira, principalmente da França, paiz que mais de nós se approxima pelos caracteres do raça e de organisação social; o peior defeito da proposta Saraiva de Carvalho consistia no systema adoptado para a fiscalisação do trabalho dos menores.
Uma junta central composta de cinco membros, de nomeação regia, constituía uma espécie de corporação consultiva junto do ministerio das obras publicas. As attribuições d'esta junta eram insignificantissimas, como a gratificação de 300$000 réis concedida a cada vogal era diminuta. N'estas condições a junta, se se houvesse formado, seria composta por cinco nullidades, das que em volta dos governos enxameiam, procurando engrossar os ordenados que por via de regra não merecem.
Uma commissão, delegada da junta geral, sem remuneração fixada na proposta de lei, que apenas concede as juntas geraes a faculdade de pagarem aos seus membros, se assim o tivessem por conveniente, desempenhava as funcções fiscaes no districto, e sobretudo vigiava o serviço dos inspectores.
Nos inspectores residia o principio de toda a fiscalisação; estes, porém, em numero de cinco, para o continente e para as ilhas, não poderiam, por maior que fosse a sua actividade, preencher as suas numerosas e difficeis funcções. A remuneração deste agente elevava-se a 1:000$000 réis, sendo 500$000 réis por vencimento de categoria, 200$000 réis pela primeira visita a todos os estabelecimentos industriaes do seu respectivo circulo, 200$000 réis pela segunda visita, e 100$000 réis pela apresentação do relatório annual, alem de 2$000 réis de ajuda de custo por saída a mais de 10 kilometros da sua residência.
Esta organisação que, alem doestes defeitos tinha o de ser mal remunerada, ainda soffreu n'este sentido profunda alteração na commissão de fazenda da camara dos deputados. Aos membros da junta central, que, segundo a proposta ministerial, seriam gratificados com 300$000 réis por anno, reduziu-se a gratificação a 250$000 réis. obtendo se por esta forma uma economia total de 250$000 réis annuaes!
Os inspectores deviam ser escolhidos dentre os engenheiros ou officiaes habilitados do ministerio das obras publicas, visto que este pessoal, no dizer do relator o sr. Mariano de Carvalho, excedia as necessidades do serviço.
A proposta ministerial estudada pelas commissões de fazenda e de commercio e artes, e transformada em projecto de lei, foi apresentada á camara em 9 de março de 1881. A queda do ministerio progressista occorrida alguns dias depois inutilisou esta tentativa, que, apesar de incompleta, teria dado alguns resultados benéficos; sobretudo a vantagem de iniciar entre nós um período de sensatas reformas sociaes.
Triste é confessal-o! Os ministérios succedem-se-no nosso paiz sem idéas de administração com partidos sem programmas políticos, com estadistas, cujo principal, talento é governar com expedientes e segundo os interesses de pequenas facções, com a opinião publica perfeitamente desorganisada ou pelo scepticismo e pela desconfiança, que gera a immoralidade dos governantes, ou pela indifferença que produz nos cidadãos a ignorância dos direitos e dos deveres sociaes, os governos em Portugal sobrepõem-se sem theoria alguma de governação publica, sem unidade dê administração, sem estudo, sem convicções, e por vezes sem moral política.
A proposta Saraiva de Carvalho caiu, pois, no olvido dos archivos parlamentares, até que em 1883 foi renovada a iniciativa pelo deputado dr. Santos Viegas. Esta nobre

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tentativa devia ainda ser infructifera, como o são geralmente no nosso parlamento os tentamens desta ordem; a apresentação de projectos de lei a que não seja apposta a chancella ministerial.
Finalmente em princípios do corrente anno, o sr. António Augusto de Aguiar, então ministro das obras publicas, renovou novamente a proposta Saraiva de Carvalho; a alta posição do proponente dava esperanças de que, emfim o nosso paiz daria mais um passo avançado na senda do progresso moral, quando uma crise inesperada, levando áquella pasta outro estadista, afastou, ainda por algum tempo, a realização do humanitário principio da protecção legal concedida pelo estado aos menores empregados na industria.

III

Da necessidade entre nós da legislação protectora dos menores

Em regra a legislação desta natureza deve ser preventiva e não repressiva. A protecção dos menores não constitue apenas dever de caridade e de philantropia, mas ainda, sob o ponto de vista social, uma necessidade hygienica e um meio indispensavel de conservação e robustecimento das classes populares.
Não ha de ser quando as ultimas camadas sociaes, de geração em geração extenuadas pelo excesso do trabalho e pela pobreza, não ha de ser quando o rachitismo e a tysica lavrem funda e extensamente nas familias, e o numero dos incapazes e dos idiotas venha engrossar esse triste exercito da miséria, que envergonha as sociedades modernas, não ha de ser então que o legislador tardiamente regule áquella protecção, pela qual teria evitado a tempo a situação desastrosa, que exigirá agora cuidados vigilantes e dezenas de annos para obter difficil remédio.
Por isso nós asseveramos que as leis desta natureza são antes preventivas dos causas desorganisadoras, de que repressivas dos abusos de que são geralmente victimas as classes populares mais pobres.
Estes raciocinios servirão de resposta áquelles que porventura nos digam que Portugal não é, infelizmente, um paiz industrial; por pequena e insignificante que seja a nossa população operaria infantil deve ella merecer nos os cuidados que a justiça, e não o numero, nos impõe, e nos determina o amor do próximo.
De resto o excesso do trabalho prematuro constitue uma das causas mais importantes de depauperamento physico e intellectual da raça humana; atacar directamente essa origem de empobrecimento nacional é, pois, um dever sagrado, que nos exigem a religião, a philosophia e os grandes interesses da pátria.
Alem d'isso a nossa industria tende a desenvolver-se; nem será mesmo difficil de demonstrar, ha trinta annos a esta parte, um crescimento importante em alguns dos seus ramos, por exemplo: a fiação e tecidos, a estamparia, para não citar senão estes. Este desenvolvimento industrial, principalmente accentuado em industrias que mais empregam menores e mulheres, deve-nos rasoavelmente fazer esperar um futuro largo e prospero; assim, pois, se o presente nos indica desde já a necessidade e a conveniência de uma lei reguladora do trabalho, o futuro aconselha-nos a prevenir os males do enfraquecimento da nossa raça, do empobrecimento das classes populares, aonde a nossa industria, cada vez mais poderosa, irá procurar os seus exércitos de operários. Que a experiência dos outros nos sirva tambem de ensinamento, poupando-nos os soffrimentos e as luctas que sempre a acompanha, e sem as quaes, diga-se em verdade, parece muitas vezes ser improfícua a sua lição!
Se estas generalidades, que acabamos de expor, não fossem por si suficientes para aconselhar uma medida legislativa, exigida pela caridade em nome da religião, pela philantropia em nome da humanidade, e pelas conveniências sociaes em nome da nação, o estudo do nosso meio actual motivaria desde já uma tentativa desta ordem seria e desenvolvida.
Em geral a nossa estatística tem andado descurada; não fallâmos só da estatística official, isto é, daquella que collecciona os factos, que diariamente se produzem nos diffe-rentes órgãos do grande machinismo governativo, mas ainda, e principalmente, daquelle ramo importantíssimo, que reúne e agrupa os phenomenos, manifestados pelas variadas forcas económicas e sociaes, que constituem a nação.
Nesse ponto, principalmente, a nossa incúria tem sido completa, e absoluta é a ausência de elementos estatísticos, sérios e positivos, em que o economista, o financeiro e o legislador possam fundar as suas theorias, e sobretudo estudar a applicação util dos seus preceitos.
Alem da insignificante publicação de elementos estatísticos officiaes, quasi sempre demorada por tal forma que os pequenos subsídios, que poderiam prestar ao estudioso, são quasi completamente annullados pelo atrazo da sua referencia, os grandes phenomenos económicos, os factos da nossa organisação social, na sua mais lata accepção, são apenas presentidos.
Investigação directa e constante desses phenomenos, reunião methodica e ordenada desses factos, cousas são de que poucos curam, não sendo raro que uma grave medida financeira seja levada ao parlamento e transformada em lei, fundando-se o seu proponente nuns raciocinios mais ou menos subtis, corroborados por alguns algarismos com que a moda das discussões positivas constella, de quando em quando, os largos discursos de pura feição metaphysica e casuistica 1.
Não era de esperar que esta grave lacuna deixasse de existir no estudo dos phenomenos do trabalho nacional; se a propriedade e o capital não têem merecido aos governos do paiz um aturado estudo, não é para estranhar que o seu irmão bastardo, o salário, tenha sido absolutamente descurado.
Tudo quanto forma o que actualmente se chama a estatística do trabalho, que outra cousa mais não é do que o conhecimento das condições económicas particulares e sociaes das classes assalariadas e proletárias, é absolutamente desconhecido entre nós. A nossa emigração annual é enorme? Pois bem, o único trabalho, aliás incompletissimo, que a similhante respeito possuímos foi organisado por um inquérito parlamentar e tem a data de 1872! Organisou-se em 1881 um inquérito industrial? Pois bem, as mais serias questões positivas do salário, da constituição das classes operarias, das subsistencias, nem sequer foram esboçadas e as nossas condições económicas industriaes ficaram pouco menos obscuras, do que o eram precedentemente.
Suppõe alguém haver exagero n'esta affirmação?
Uma prova concludente temos, a nosso ver, no relatório apresentado pela repartição de estatística do ministerio das obras publicas, documento mandado organisar pelo ministro Hintze Ribeiro (annexo n.° 3.°)
Qual é o numero de menores, que trabalha nas differentes industrias? A esta pergunta tão simples, que primeiro occorre, respondem os cinco enormes volumes do inquérito industrial com superficialidade pouca digna de trabalhos d'esta ordem.
Inútil, pois, será procurar nas nossas estatísticas nacionaes elementos positivos e sufficientes para estudar proficientemente um assumpto d'esta importância; o mais a que podemos aspirar, será a demonstrar por meio dellas a necessidade de uma lei protectora; d'aqui se conclue tambem a

1 As leis relativas ao imposto do consumo do sal são entre nós a demonstração da verdade da nossa asserção. Lançou-se sobre o paiz e sobre as classes pobres, principalmente, um imposto vexatório, desconhecendo-se absolutamente o regimen económico particular das industrias, que iam ser feridas!

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necessidade impreterivel, de que esta mesma lei contenha em si os elementos indespensaveis para a organização da estatistica do trabalho.
Vejamos, pois, o que nos dizem os poucos elementos, que podemos colligir ácerca do trabalho dos menores na nossa industria. Demos neste ponto a palavra ao chefe da repartição da estatística, o sr. Costa Terenas:
«Resulta dessas declarações, e é por assim dizer nota predominante em todas ellas, que a industria nacional definha e se atrophia por falta de instrucção geral e especial, e só póde desenvolver-se e prosperar melhorando-se as condições physicas do operario pela hygiene, e as condições intellectuaes pelo ensino. Nas fabricas de vidro, por exemplo, e sob o regimen actual, ou antes, com a actual falta de regimen, difficilmente podem os menores chegar a adultos com a necessaria robustez. «Creados n'estas condições, diz o chefe de um estabelecimento d'esta natureza, de mil haverá um, que chegue a adquirir a robustez precisa!»
« Raro é o industrial que se não queixa da ignorancia dos operarios, filtrando-a na falta de escolas profissionaes, e na de contratos de aprendizagem. Alguns, com grande lucidez e elevado criterio, attribuem. Alguns, com grande lucidez e elevado criterio, attribuem grande parte dos males de que soffre a industria não só a essa causas, mas á falta de lei reguladora do trabalho dos menores.
«E até ha quem, na espectativa de uma proposta de lei n'este sentido, recuse admittir menores e aprendizes nas suas officinas, emquanto essa proposta não for convertida em lei. No relatorio da visita ás fabricas do districto do Porto, fallando dos operarios das officinas de serralharia e ferraria de gaia, diz a sub-commissão: «aturdidos pelo malhar da forja desde a primeira infancia, rotos, anemicos, immundos, essa gente é condemnada pela sorte á condição de praias. Fiscalizar o regimen do trabalho n'estas e n'outras officinas, legislando as condições de idade, de ensino, de hygiene, é um dever urgente.»
Este pequeno mas eloquente quadro refere-se a uma população já importante de operarios menores. Segundo os calculos do illustre estatistico, o numero dos menores empregados na grande e na pequena industria nacional póde avaliar-se em 70:000, isto é, em perto de 8 por cento do numero total dos menores de seis a quinze annos accusado no recenceamento da população!
Ninguem por certo affirmará que tal numero de menores não constitue já um elemento aprecialvel de população, uma quantidade de força viva digna da attenção do legislador.
As condições especiaes d'esta população operaria não são muito prosperas.
A idade de admissão começa aos cinco e seis annos; este facto é attestado pelo inquerito industrial e reconhecem-n'o os srs. Ennes e Anjos no seu relatorio. Os resultados do inquerito industrial, compilados no annexo n.º 3, não accusam tão diminuta idade, mas ainda assim provam que o trabalho dos menores começa muito cedo; 10 por cento dos menores de sexo masculino, 5 por cento dos femininos, têem a idade de seis a dez annos.
Se a idade da admissão é curta, ao contrario é longo o periodo diario de
trabalho. Em geral o menor trabalha dez horas por dia, muitas vezes trabalha doze, poucas vezes nove horas; este trabalho diurno não exclue, todavia, o nocturno ou os serões (annexo n.º3).
O annexo n.º 1 fornece-nos, porém, mais valiosos esclarecimentos o dia de trabalho chega a ser de quatorze horas, com um só intervallo de meia hora para descanço e refeição! Ste horas de trabalho seguido e continuo, pelo menos.
Enquanto ao salario, a compensação do trabalho das creanças, esse é diminuto: 70 a 130 réis por dia de trabalho de quatorze horas, 60 a 240 réis por dia de trabalho de sol a sol, com meia hora de intervallo, quer de verão, quer de inverno! (Annexo n.º 1).
E, todavia, este salario é relativamente remunerador; segundo o inquerito industrial o salario dos memores começa em 20 réis diarios (annexo n.º 3).
«Em Lisboa regula por 80 a 100 réis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias costuma ser mais escasso» ( annexo n.º 2).
Se ao menos a creança recebesse a instrucção primaria, que aliás é obrigatoria entre nós?!
«Emquanto á instrucção apenas se apurou das informações dos industriaes que a maior parte dos menores são analphabetos, e quanto aos meios de a adquirir verá v. ex.ª (o ministro) que se acha em buraco a columna das escolas das fabricas, e que a das escolas externas apenas menciona 52 menores, que as frequentam.
«A fabrica Lealmente do Porto é a única que, de entre as horas uteis de trabalho, concede duas aos menores para frequentarem a escola» (annexo n.º 3).
Geralmente, dizem os srs. Ennes e Anjos, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pela instrucção ou moralisação das creanças, que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações, que não sejam as de patrão e operario (Annexo n.º 2).
As obeservações dos srs. drs. Motta e ferraz de Macedo não contrariam estas indicações; de 361 menores, entre seis a dezeseis annos, apenas 52 sabem ler e escrever e 103 frequentam a escola. ( Annexo n.º 1).
Eis o quadro que nos pintam sem discrepancia os tres documentos que temos á vista; é curto mas edificante. Em todas as questões d'esta ordem ha o que se vê e o que se não vê.
Veja-se o que escrevemos, attenda-se ao que comparamos, e sobretudo leia-se o documento mais importante que existe sobre este assumpto, o relatorio dos srs. Ennes e Anjos e conclua-se pelo que se vê, o que realmente será o trabalho dos menores na industria!
Ser egoista e pouco caridoso são vicios, infelizmente, vulgares na especie humana, mas quem os tem, tal é a força da virtude, procura escondel-os aos olhos dos outros.
Para chegar a irromper o que sabemos ácerca do trabalho dos menores, quando havemos ainda de ignorar!
Quantas brutalidades, desprezos, abandonos e indifferenças se accumularão sobre as pequeninas cabeças, atrophiando-lhes o physico e prevertendo-lhes a alma?
Porque é bem certo que a felicidade predispõe para a bondade, que a alegria e o bem estar dão á alma humana a suavidade, de onde brotam sentimentos generosos e espontaneos; emquanto o infortunio e o trabalho brutal e sem esperanças, infiltram a pouco e pouco no individuo a desconfiança, o odio, a surda reacção, ás vezes inconsciente, que desenvolvem os grandes culpados, e originam os maiores crimes.
E se alguem podesse duvidar dos martyrios que as creanças soffrem, do trabalho prolongado, em que o excesso se combina com a brutalidade dos homens para as esmagar, bastaria ver esses pequenos sotas, que até altas horas da noite conduzem os americanos e os riperts. Escolhidos entre os mais pequenos para o seu peso não estrague o animal, dominados pelo sommo, profundo e natural da sua idade, e ainda augmento pelo trabalho de muitas horas, cabeceando, frios e encharcados, sobre as mulas manhosas e bravas, expostos aos tratamentos grosseiros dos que outr'ora como elles experimentaram iguaes sacrificios, sem que a memoria embrutecida lhes aponte agora a humanidade, aquellas creanças são a manifestação clara de quanto a fraqueza infantil soffre e padece.
E os que sentem pulsar o coração, os que se recordam que n'aquelle momento os seus filhos, creanças como aquellas, dormem, conchegados e fartos, affligem-se com as monstruosas desigualdades que a natureza expontaneamente semeia entre os homens e o abandono social desenvolve e acentua, rechonhecendo a necessidade de que o estado, o supremo regulador das funcções sociaes, intervenha para que

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a audacia e o egoismo dos interesses não esmague os direitos dos fracos e dos pequenos.
Descendo mais ainda na escala da miséria e do abandono encontraremos esses pequeninos martyres, que, alugados e mal tratados, esmolam durante a noite a caridade dos transeuntes; e essas pobres creanças que bem cedo começam a triste aprendizagem dos miseráveis segredos da devassidão, praga secreta, profunda doença moral que afflige e enfraquece a civilisação moderna.

IV

Exposição dos princípios geraes do projecto de lei

Como dissemos precedentemente, uma lei reguladora do trabalho dos menores, em Portugal, não poderá deixar de seguir os preceitos geraes da legislação estrangeira sobre o assumpto. Não só a natureza do problema é a mesma para todos os povos modernos, mas nós especialmente não estamos ainda preparados com os indispensáveis elementos positivos, para que os legisladores nacionaes possam organisar o seu trabalho, tendo apenas em vista, a natureza da nossa industria, a sua organisação, e o numero de menores empregados nos seus differentes ramos.
Como julgámos ter demonstrado no capitulo anterior, a necessidade de legislar ácerca da protecção dos menores parece-nos instante e necessária; não podendo, pois, por emquanto legislar com o pleno conhecimento do modo de ser actual da nossa industria, fomos procurar na legislação dos povos mais cultos, e entre estes n'aquelles em que O interessante problema tem sido mais estudado, os preceitos geraes, que a todas as nações convêem, e os especiaes que a critica nos indicou como applicaveis utilmente ao nosso paiz. Era certamente este o caminho mais sensato, que deveríamos seguir.
O projecto de lei não adopta exclusivamente, portanto, o plano e as disposições de qualquer lei estrangeira; mas de todas aproveitou o que melhor pareceu, reunindo tudo um quadro geral. E claro que a França e depois a Inglaterra nos forneceram principalmente os elementos do nosso trabalho; como paizes que mais directa e profundamente têem estudado a questão que nos interessa, natural era que ahi fossemos respigar os mais valiosos subsídios.
Pelo que respeita ao plano geral do projecto segui mós o único caminho, que a pobreza dos nossos conhecimentos especiaes nos impunha; não envolve elle mais do que os princípios geraes applicaveis a todas as industrias.
O estudo directo da nossa esphera industrial, para o qual no proprio projecto propomos um poderoso e producente meio, completará successivamente a generalidade da futura lei, especialisando os seus preceitos, regulando os e amoldando-os às differentes necessidades dos variados ramos do trabalho nacional.
Este modo de legislar, não só é indicado pelas circumstancias, mas tem ainda sido aconselhado por auctoridades importantes; relembraremos n'este ponto a opinião, expendida, pelo illustre professor o sr. dr. Mota, que transcrevemos n'outra secção d'este relatório.
Como se vê folheando o projecto, dividimol-o em duas partes uma contendo a exposição das doutrinas e os princípios fundamentaes e geraes, que; sendo approvados, constituirão a lei propriamente dita outra comprehendendo tabellas em que as industrias se especializam com as respectivas condições de trabalho para os menores, definidas sempre no campo limitado pelos preceitos geraes desenvolvidos no projecto; esta segunda parte successiva, e continuamente variará, conforme o estudo directo dos nossos differentes ramos industriaes mostrar esta necessidade.
Por esta forma julgâmos ter conseguido harmonisar a conveniência da fixação por lei dos principios geraes da protecção dos menores, com as successivas transformações e modificações, de forma e não de essencia, que esses principios devem experimentar nos multiplices e variados ramos industriaes, cujas condições de organisação interna nos são, em alguns, completamente desconhecidos.
Os principios geraes da lei só outra lei os poderá alterar; mas a applicação especial d'esses principios será consentida quando a experiencia e o estudo positivo indicarem a natureza d'essa nova applicação; tal é a doutrina fundamental do projecto de lei.
Do que acabâmos de expor, se conclue que as tabellas annexas ao projecto de lei são de uma subida importância; para as organisar convenientemente tornam-se indispensáveis largo estudo, grande conhecimento e directa observação dos phenomenos industriaes; não temos nós, pois, a pretensão rio apresentar trabalho completo, nas que acompanham o projecto de lei, mas unicamente desejâmos não só crear desde já uma base de operações e de trabalho, como ainda exemplificar clara e expressamente a nossa idéa.
As tabellas que apresentámos, tendo sido organisadas segundo; preceitos da legislação franceza, é provável que envolvam disposições para nós perfeitamente inuteis, ou manifestem lacunas importantes. Só o estudo directo e minucioso dos phenomenos industriaes poderá de futuro eleminar as primeiras e preencher as segundas.
Leis d'esta ordem não estão jamais completas ou perfeitas, porque não só o estudo vae desvendando successivamente novos factos, mas ainda porque as condições industriaes podem soffrer de um momento para outro profundas alterações; o legislador, n'um e n'outro caso, é forçado a acompanhar este engradecimento e esta variabilidade de phenomenos, senão para alterar os princípios geraes da sua lei, ao menos para os adequar e ajustar às novas exigencias 1.
Expostas estas generalidades ácerca do projecto passemos ao desenvolvimento de algumas das suas doutrinas mais importantes.
Admissão, duração e regulação do trabalho por idades.- A primeira questão séria e grave pelo seu alcance moral e economico, que n'este ponto merece a nossa attenção, é a do limite minimo da idade, em que póde começer o trabalho da creança.
Esta ponte deve ser discutido principamente sob o ponto de vista da hygiene e da conservação da creança, muito embora sejam tambem elementos apreciaveis para qualquer resolução as necessidades do trabalho nacional e da economia das familias pobres.
Consultada sobre este assumpto, a sociedade das sciencias medicas de Lisboa respondeu, como póde ver-se n'outro ponto d'este relatorio, que o minimo da idade de admissão não devia ser inferior a doze annos, salvo para industrias muito especiaes em que poderia excepcionalmente descer a dez annos. O sr. dr. Eduardo Motta, que assigna como presidente o parecer d'esta corporação, mais tarde em documento da sua única responsabilidade define clara e expressamente a sua opinião: «quanto á segunda parte, isto é a determinar quaes as profissões não nocivas de dez a doze annos permitta v. exa. (escreve o illustre professor dirigindo se ao dr. Oliveira Valle, relator) que me afaste um pouco da opinião da sociedade das sciencias medicas, entendendo que não devem ser admittidos menores nas fabricas, antes dos doze annos, seja qual for a industria. É esta hoje a opinião mais geralmente seguida. O congresso internacional de hygiene reunido em Turim (1880) depois de ouvir o dr. Napias ácerca do seu Estudo critico das medidas legislativas com o fim de dar protecção às creanças, que trabalham nas industrias e em seguida a judiciosas observações apresentadas pelos srs. Perrin e Manzini, relati-

1 Em França, por exemplo, depois da lei de 23 de junho de 1874, publicaram-se ácerca do trabalho dos menores mais de cincoenta actos officiaes, mais importantes, sendo 16 decretos, 23 circulares ministerios, e 12 circulares do prefeitura!
Em Inglaterra a lei do 1878 foi precedida de numerosos actos legislativos, factories-acts; vide annexo n.° 4.

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vamente   idade das crean‡as, e pelo sr. Hoechlin Schwartz sobre a dura‡Æo do trabalho, foi do parecer que em todos os paizes a idade da admissÆo nas industrias nÆo deve, em caso algum ser inferior a doze annos e a dezeseis annos para os trabalhos nocturnos.¯
Em regra a pratica das na‡äes tem sido a aconselhada pelos hygienistas. O minimo da idade de admissÆo ‚ geralmente de doze annos, fazendo na Euripa apenas excep‡Æo a Inglaterra, a Hespanha e a Dinamarca, que baixaram esse minimo a dez annos, e a Suissa que o elevou a quatorze annos.
Na Inglaterra, todavia, esta fixa‡Æo mais baixa do minimo ‚ at‚ certo ponto compensada pela classifica‡Æo dos menores em dois grupos, children e young persons, que sÆo considerados pela lei em differentes condi‡äes de trabalho, epela exigencia dos certificados de aptidÆo physica, passados aos menores por medicos commissionados.
Na organisa‡Æo do projecto de lei seguimos todos estes preceitos.
Os menores serÆo classificados em tres grandes grupos.
1.§ Menores de idade inferior a dez annos. Excluidos de qualquer trabalho (artigo 2.§).
2.§ Menores de dez a doze annos. Admittidos a certos e determinados trabalhos (artigos 3.§ e 4.§).
3.§ Menores de doze a dezeseis annos. Subdivididos ainda em duas categorias, uma comprehendendo os de doze a quatorze annos e outra os de quatorze a dezeseis annos (artigo 5.§).
N'este ultimo grupo pareceu nos conveniente ainda a differen‡a de condi‡äes do trabalho, quer em dura‡Æo quer em esfor‡o, para os menores de doze a quatorze annos e de quatorze a dezeseis annos.
Os menores comprehendidos nos dois ultimos grupos sÆo admittidos no trabalho industrial mediante estas condi‡äes geraes:
1.§ O conhecimento das disciplinas da instruc‡Æo primaria obrigatoria, ou pelo menos a frequencia regular   escola;
2.§ A aptidÆo physica para os misteres que vÆo desempenhar, certificada pelos medicos commissionados, (artigo 39.§);
3.§ Limite das cargas ou esfor‡os physicos.
Parece nos, por esta f¢rma, Ter regulado sobre bases geraes, justas e rasoaveis, o trabalho dos menores, na industria.
Como excep‡Æo a esta regra entendemos que o trabalho nocturno e em dia santificado, ou de descan‡o, nÆo deve ser consentido, salvo em casos muito excepcionaes, quer  s mulheres de idade inferior a vinte e um annos.
A leitura do projecto de lei dispensar-nos-ha de explica‡äes muito circumstanciadas sobre estas doutrinas, que sÆo ali s as seguidas em Fran‡a e em Inglaterra.
Um segundo ponto importantissimo convemdiscutir igualmente n'uma lei de protec‡Æo dos menores: a protec‡Æo concedida ao menor de sexo feminino dever  ser igual   do sexo masculino e offerecer a mesma dura‡Æo?
N¢s respondemos affouta e conscienciosamente com a negativa.
As differen‡as essenciaes dos dois sexos manifestam-se e accentuam-se com a idade: que a protec‡Æo seja igual para ambos os sexos comprehende-se nos verdes annos da juventude; mas nÆo se justifica, a nosso ver, quando a idade originou condi‡äes differentes nos menores, que por isso exactamente exigem cuidados e cautelas da outra especie.
µ medida que as crean‡as se approximam da puberdade as qualidades sexuaes definem-se, e todos os elementos physicos e animicos do individuo harmonisam-se e completam-se para o grande fim, que a natureza impoz a todas as especies vivas superiores.
A partir d'essa epocha as condi‡äes dos individuos dos dois sexos sÆo mui differentes e adequadas ao papel, que devem representar nas fun‡äes genesiacas; differen‡as profundas se manifestam e caracterisam principalmente nos phenomenos de origem physica.
Igualar nas condi‡äes de protec‡Æo o rapaz de dez annos com a rapariga da mesma idade, eis o que nÆo envolve absurdo; mas sujeitar ao mesmo regimen de trabalho o homem e a mulher de dezoito annos, parece-nos a maior das desigualdades.
A especie de trabalho que as leis protectoras tˆem principalmente em vista, exigendo como elementos principaes a for‡a physica e a energia moral, os dois sexos, pelo menos sob este ponto de vista, acham-se em condi‡äes bem desiguaes e differentes.
NÆo se tem attendido a isto na legisla‡Æo dos povos cultos, como porventura seria de justi‡a e de conveniencia; esta falta, por‚m, deve mais attribuir se aos interesses economicos geraes e individuaes, de que ao desconhecimento d'essa justi‡a e d'essa conveniencia.
Como d'essa justi‡a e d'essa conveniencia.
Como o trabalho da crean‡a nÆo p¢de ser igual ao do adulto, o trabalho da mulher nÆo deve ser igual ao do homem; as condi‡äes physicas e moraes, os fins sexuaes e mesmo sociaes de um e outro exigem e determinam a differen‡a. O legislador inglez de ha muito comprehendeu esta necessidade e traduziu a na sua legisla‡Æo.
Nas officinas, que empregam ao mesmo tempo crean‡as e adolescentes, amulher ‚ equiparada para todos os effeitos a estea ultimos; quando as officinas; por‚m, nÆo empregam menos o trabalho feminino ‚ regulado especialmente 1.
Procurando applicar entre n¢s este justo e salutar principio, nÆo nos atrevemos a prop“l-o com a latitudade da legisla‡Æo ingleza; transigindo com as necessidades creadas e existentes, apenas estendemos a protec‡Æo   mulher dos dezoito aos vinte e um annos, que nos termos do artigo 8.§, nÆo poder  trabalhar mais de dez horas por dia.
Emquanto, pois, a lei ingleza limitada o trabalho da mulher de qualquer idade superior a dezoito annos, a sessenta e uma hora por semaba; n¢s segundo o projecto, limitaremos o trabalho semanal a sessenta horas para as mulheres at‚ vinte e um annos.
Fiscalisa‡Æo e execu‡Æo da lei: - Como precedentemente nos parece Ter demonstrado pela li‡Æo da historia, as leis de protec‡Æo carecem de um systema completo e activo de fiscaliza‡Æo, afim de produzirem os seus beneficios resultados.
Este principio nÆo carecia at‚ de uma larga demonstra‡Æo; bastar-nos-¡a tÆo s¢mente observar que a protec‡Æo do estado tem sempre por alvo uma classe popular fraca e pobre, geralmente esmagada pelos interesses ou abandonada pela indifferen‡a das classes poderosas e ricas.
N'um ou n'outro caso para vencer as reac‡äes vigorosas ou para preencher a falta de caridade e philantropia, o estado ‚ obrigado a desenvolver uma actividade continua e vigilante, que nÆo poder  conseguir senÆo por meio de orgÆos especiaes e numerosos.
A natureza da questÆo exige, a nosso ver, a creac‡Æo de vastos e poderosos organismo social, por meio do qual a ac‡Æo uniforme e rigorosa das leis se propague rapidamente, levando a todos os pontos do paiz e a todos os cidadÆos interessados os beneficios que essas leis procuram

1 Lei de 17 de maio de 1878. Artigo 15.§. Nas officinas em que forem empregadas mulheres (pessoas do sexo feminino de mais se dezoito annos, solteiras ou casadas) conjuntamente com crean‡as (menores de quatorze annos de qualquer sexo) e adolescentes (mais de quatorze e menos de dezoito annos) a dura‡Æo e as condi‡äes do trabalho serÆo para ellas iguaes  s dos adolescentes. Nas officinas em que nÆo trabalhar empregados adolescentes ou crean‡as, as mulheres poderÆo trabalhar desde as seis horas da manhÆ at‚  s nove horas da noite, e nos sabbados at‚  s quatro horas da tarde; e terÆo, tanto para refei‡Æo, como para sair da officina, pelo menos quatro horas e meia cada dia e no sabbado duas horas e meia. Nenhuma officina ser  considerada como nÆo admittindo mulheres ou adolescentes senÆo depois de communica‡Æo feita pelo proprietario ao inspector do seu proposito de adoptar este regimen.

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traduzir na sociedade; e que inversamente, permitta-se-nos a expressão, mergulhando as suas ultimas ramificações nas massas proletarias e assalariadas, possa d'ellas tirar os factos singulares, os phenomenos obscuros e os dados positivos, cuja reunião constitue a moderna estatistica de trabalho.
As vantagens d'este novo machinismo social não as ennumeraremos detidamente. Seria quasi desnecessario observar que sem elle continuarão passando, quasi desapercebidos e mal interpretados, phenomenos e factos que se realisam entre a população assalariada, que é exactamente a que mais precisa de ser vigiada em nome da ordem social e em nome do auxilio, que se devem prestar reciprocamente as differentes classes da nação.
Nem as sciencias sociaes, quer sejam de administração civil, politica ou financeira, poderão esperar uma pratica segura e justa, emquanto para as classes predominantes e para os homens d'estado houver no paiz, que dirijem e governam, um povo inteiro, cujas condições moraes, physicas e economicas, conhecem peior do que a vida elegante e faustuosa das grandes capitaes do mundo civilisado.
Ora, exactamente succede que este povo, quasi desconhecido, é a grande maioria da nação; a que vive do trabalho assalariado ou a que exerce as pequenas industrias.
Hoje que a sciencia do governo deixou de ser um compendio de principios geraes e abstractos, para se subordinar tambem ao methodo positivo da observação e da experiencia, o conhecimento completo das condições sociaes da maioria da nação constitue uma necessidade para o legislador e para o estadista.
O systema de fiscalisação, que o projecto de lei desenvolve, tem, pois, como fim principal crear e organisar entre nós a estatistica do trabalho, proporcionando ao mesmo tempo a execução rigorosa de todas as leis protectoras das classes pobres, ou, segundo a expressão moderna, de todas as leis sociaes.
A necessidade de uma instituição d'esta ordem faz-se geralmente sentir nas sociedades modernas, onde a par do espirito de liberdade os principios da igualdade e do bem-estar relativos das classes sociaes se enraizam e ganham em influencia e em proselytos.
Em 1880 o principe de Bismarck creou um conselho economico, com o fim de preparar e colligir elementos para os seus trabalhos sociaes. Mais tarde este illustre politico, cujas tendencias pronunciadamente conservadoras são conhecidas, n'um projecto de lei sobre seguros contra os aceicentes na industria propoz a organisação de uma repartição especial para estudar as graves e complexas questões da estatistica do trabalho.
Entre nós o sr. deputado Consiglieri Pedroso apresentou ao parlamento, na sessão de 17 de março, passado um projecto de lei sobre o mesmo assumpto l.

1 Projecto de lei n.° 26-B

Artigo 1.º E creado um serviço especial e permanente, denominado «inspecção de estatistica do trabalho nacional».
Art. 2.° Tem por fim este serviço:
1.° Colligir todos os dados que possam esclarecer o estado das industrias do paiz, especialmente nas suas relações com a população operaria n'ellas empregada;
2.° Systematisar todas as informações relativas á condição moral, intellectual, economica e hygienica das classes trabalhadoras, tanto dos campos como das cidades, estudando ao mesmo tempo os meios mais efficazes de melhorar taes condições;
3.º Reunir todos os elementos, que possam contribuir para a solução racional das questões que mais interessam as classes trabalhadoras, como: a cooperação, a participação nos lucros, o dia normal de trabalho, o trabalho dos menores e das mulheres, as caixas de credito, os seguros contra as doenças, velhice, falta de trabalho e accidentes nas fabricas, minas, caminhos de ferro, etc., o aprendizado, as indemnisações aos estropiados ou ás familias dos mortos por desastre, e em geral todos os problemas que resultam do desenvolvimento progressivo da grande industria e das relações do capital com o trabalho;
4.° Indicar as modificações ou os principios novos a introduzir na legislação vigente, no sentido de lançar as bases de um justo e equitativo codigo de trabalho;
Expostas estas doutrinas em que não insistiremos, porque a verdade e as vantagens sociaes da sua applicação são de sobra conhecidas, vejamos em rapidos traços em que consiste a organisação que propomos.
O centro de todo o systema está no conselho geral da estatistica do trabalho, composto de sete membros sob a presidencia do ministro das obras publicas. A importancia d'este elemento no mechanismo da organisação é por si evidente; d'elle partirá a acção central energica e harmonica, para elle convergirão os resultados obtidos pela inspecção directa e activa das commissões de districto e dos inspectores.
N'estas condições a lei deve garantir aos vogaes d'este conselho a maior independencia; sobretudo afastal-os cuidadosamente da acção da politica, quer na sua origem, quer durante o jogo das suas importantissimas funcções.
Ora, para conseguir o trabalho de homens honrados, activos e honestos a primeira condição necessaria é pagar-lhes bem; certamente que nem sempre um bom salario produz bom trabalho, porque muitas vezes a escolha do assalariado foi mal feita; mas certo é tambem que jamais com diminuto salario se poderá conseguir resultado util, porque não está na regra geral da natureza humana a abnegação e o trabalho desinteressado, o que funda o seu interesse simplesmente no dever e na satisfação animica de o cumprir.
Por outro lado não basta tão sómente a independencia nas funcções, mas é ainda indispensavel a de origem; por isso o projecto prefere a eleição de algumas corporações scientificas, por ahi encontrar as maiores probabilidades de boa escolha, á nomeação do governo; n'este ponto de vista dos sete vogaes, que constituem o conselho geral, cinco são eleitos e apenas dois nomeados pelo poder executivo.
A creação do conselho geral de estatistica do trabalho ficaria, porém, incompleta, e imperfeita a execução da lei, se a acção central não podesse rapidamente divergir para todos os pontos do paiz por meio de um organismo simples, de uma rede de funccionarios promptos a transmittil-a, e aptos para estudarem e colligirem os dados positivos e as observações directas da vida social das classes pobres.
Este organismo, constituindo por assim dizer as raizes, as radiculas e os espongiolos que vão profundar nas ultimas camadas sociaes, é formado pelos inspectores, pelas commissões districtaes e pelos medicos commissionados.
O continente e as ilhas adjacentes formarão, pois, quatro grandes circumscripções, cada uma presidida por um inspector. As funcções dos inspectores são importantissimas, já consideradas em relação á grande area das circumscripções, já, e principalmente, apreciadas na sua intima essencia e natureza. Do zêlo, da actividade e da illustração d'es-

5.° Velar pela execução e effectivo cumprimento das leis protectoras do trabalho nacional.
Art. 3.° O serviço de inspecção e estatistica do trabalho nacional compôr-se-ha de uma secção central, que funccionará junto do ministerio das obras publicas, e de secções districtaes com séde na capital de cada um dos districtos administrativos do continente e ilhas adjacentes.
Art. 4.° Tanto na constituição da commissão central como na das commissões districtaes o elemento operario estará representado.
§ unico. Uma lei especial estatuirá tudo o que diz respeito á organisação da commissão central e das commissões districtaes, sua composição, dotação, funccionamento e meios de investigação e de inspecção.
Art. 5.° A commissão central será obrigada a apresentar annualmente ao parlamento e dentro do primeiro mez de cada sessão um relatorio geral, acompanhado das propostas que forem julgadas mais urgentes para melhorar as condições, tanto physicas como moraes e economicas das classes operarias, ou para conjurar os effeitos de alguma crise subitamente manifestada, como o encarecimento das subsistencias, a cessação repentina de procura n'um certo ramo do trabalho nacional, etc.
Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara, 17 de março de 1885. = Consiglieri Pedroso.

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tes agentes depende, em grande parte, o resultado completo e util da nova instituição; por isso a sua escolha dever ser cautelosa e larga a sua remuneração.
Não nos faremos cargo n'este ponto de demonstrar a importancia dos inspectores; do que temos dito n'outros pontos deste relatorio se infere esta importancia. Exemplificaremos apenas com o que se passa em Inglaterra, paiz que, no assumpto que nos occupa, merece a maior consideração. A Inglaterra acha-se actualmente dividida em duas grandes inspectores, tendo a sua testa dois inspectores geraes. Estes inspectores têem as suas ordens 51 sub-inspectores, cujos vencimentos variam de 1:350$000 a 2:160$000 réis annuaes, conforme o tempo de serviço.
Uma testemunha ocular, o sr. conde de Paris, diz-nos o seguinte ácerca dos trabalhos d'estes inspectores: «estes relatorios (os dos inspectores) proporcionam os documentos mais interessantes para o estudo da situação dos operarios; e quando os inspectores que a lei do sr. Joubert (transformada na lei de 1874) propõe crear em França não prestassem outro serviço senão o de publicar resumos, tão justos, tão escrupulosos, e tão imparciaes como os dos seus collegas inglezes, o parlamento não terá de lamentar a creação d'estes novos funccionarios 1.»
Estas phrases, que nossas fazemos, manifestam a importancia dos trabalhos dos inspectores; esperemos que em Portugal estes funccionarios correspondam ao seu elevado e digno fim.
Como‚ manifesto quatro inspectores, por maiores que sejam o seu zêlo e a sua actividade, não poderão desempenhar as suas extensas e complexas funcções. Tinhamos, pois, a seguir dois caminhos, ou augmentar o seu numero, ou crear outras entidades que compartissem com elles o trabalho da fiscalisação e de estudo. Seguintes este ultimo alvitre, porque nos pareceu mais economico para o thesouro, mais producente e mais em harmonia com a nossa organisação administrativa.
Effectivamente as commissões districtaes, que derivam das juntas geraes, podem muito regularmente ser pagas pelos cofres districtaes, ou peias derramas sobre as camaras municipaes do respectivo districto; por outro lado certo‚ que, constituidas por cidadãos pertencentes ao districto, deve animal-as um bom desejo de o servir, quando‚ certo tambem que possuirão largo e profundo conhecimento das necessidades locaes. De resto a coexistencia n'uma instituição fiscal de elementos de origem differente constituo sempre, a nosso ver, motivo de emulação e de reciproca fiscalisação.
Por ultimo teremos em cada conselho administrativo um ou mais medicos commissionados pelas commissões districtaes para inspeccionar os menores, que desejem empregar-se na industria. É grande a importancia d'este elemento de fiscalisação, quando aliás a despeza para o estado é nulla.
Tal é, succinta e perfunctoriamente descripta, a organisação, que propomos no projecto, para que a lei futura seja rigorosa e fielmente cumprida.
Deve alem d'isso observar-se que o novo quadro do pessoal não tem por fim exclusivo fiscalisar o trabalho dos menores, mas ainda, como dissemos, crear os elementos necessarios para a organisação da estatistica do trabalho nacional.
A despeza respectiva está, como vamos provar, longe de ser exagerada. Emquanto a nós seria um erro querer baixar os ordenados dos agentes que a lei deve empregar. É possivel que ainda assim se não encontrem individuos habeis e trabalhadores, mas é certo que se não encontrarão para serviço difficil bons agentes mal remunerados.
Calculemos agora o total da despeza com a creação do novo serviço:

Conselho geral de estatistica do trabalho:
7 vogaes a 1:600$000 réis .... 11:200$000
Expediente, etc., etc. .... 3:800$000
15:000$000

Inspecções:
4 inspectores a 1:200$000 réis .... 4:800$000
4 (180 dias a 2$000 réis para saídas) .... 1:440$000
Premio de 200$000 réis para o melhor relatorio dos inspectores .... 200$000
4 prémios de 100$000 réis para o melhor relatorio das commissões de districto (1 por circumscripção) .... 400$000
6:840$000

Commissões districtaes:
Lisboa e Porto (commissões de 5 vogaes).
10 vogaes a 300$000 réis .... 3:000$000
10 (120 dias a 1$500 réis para saídas) .... 1:800$000
Restantes districtos (commissões de 3 vogaes em 10 districtos e de 2 em 9).
48 vogaes a 300$000 réis .... 14:400$000
43 (120 dias a 1$500 réis para saídas) .... 8:640$000
27:840$000

A despeza total ascende, pois, a 49:840$000, réis dos quaes 21:840$000 réis tenso de ser satisfeitos pelo thesouro, e 27:840$000 réis pelos cofres districtaes. Ninguem por certo affirmará que a verba total é exagerada, tanto mais se se tiver em vista a importancia innegavel e indiscutivel do novo serviço social.
A verba districtal, por exemplo, que nos termos do projecto de lei terá para origem de receita as derramas sobre as camaras municipaes, representará apenas a media de 106$000 réis por concelho, visto que os concelhos continentaes e insulanos se elevam a 263.
São exactamente as despezas d'esta ordem as mais reproductivas. Um augmento de saude publica, ou o que é o mesmo, o crescimento da vida média corresponde a um capital creado mais ou menos importante. Para aquelles que não vêem em medidas d'esta ordem uma obrigação social, uma origem da harmonia, entre as differentes classes nacionaes, sirva-lhes ao menos de incentivo a riqueza publica.
Um só facto citaremos mais para tornar clara e positiva a nossa affirmação, do que pelo valor estatistico que realmente lhe ligamos: em 1860 começou a vigorar no districto de Leeks, no condado do Stafford, em Inglaterra, uma lei de protecção dos menores e das mulheres na industria. N'este districto, onde principalmente existem as industrias da seda, havia uma população de 10:540 habitantes, dos quaes mais de 1:232 empregados na industria.
Desde 1850 a 1860, no decennio que precedeu a execução da lei, a vida média era:

Para os homens de .... 23 annos - 6 mezes
Para as mulheres de .... 25 annos - 11 mezes

A execução da lei durante 7 annos modificou completamente estas médias; effectivamente de 1860 a 1867 a vida media foi:

Para os homens de .... 29 annos - 1 mez
Para as mulheres de .... 36 annos - 3 mezes

«Póde concluir-se, acrescenta o auctor d'onde extractámos estes dados 1, que a influencia salutar da lei, durante 7 annos, salvou 14:191 annos de vida, isto é, 347 vidas médias completas!

1 De la situation des ouvriers en Angleterre, pag. 232.

1 O sr. conde de Paris. Obra citada.

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«Notar-se-ha tambem que o crescimento é maior nas mulheres do que nos homens; deve attribuir-se esta differença á condição acima indicada que priva os rapazes de 11 annos do beneficio do half-time. Estes algarismos bastam para mostrar quanto as prescripções da lei, estrictamente applicadas, podem beneficiar a população operaria. Dois annos mais tarde podiam apreciar-se ainda novos progressos no districto.»
Devemos confessar francamente que no exemplo citado nos impressiona um pouco a exiguidade da vida media no primeiro periodo; todavia, o publicista, que o cita, pela sua alta posição teve certamente os melhores elementos de informação, e por outro lado as estatisticas inglezas, nas questões de saude publica, não são descuradas como as nossas.
Seja, porém, como for, é certo que a execução rigorosa de leis da natureza do projecto, que temos a honra de submetter ao parlamento, terá como necessaria e logica consequencia o crescimento da vida media; ora como o capital nacional não é mais do que a somma total dos capitaes individuaes e estes o producto da economia do cidadão, economia maior ou menor, segundo o espaço de tempo de trabalho de cada um, é claro que o augmento da vida média se traduzirá em crescimento de trabalho, de economia individual e portanto do capital nacional.
Se as estradas, as vias ferreas, os portos de mar, são grandes factores da riqueza publica, porque simplificam e embaratecem as transacções, desenvolvem a vida e as relações commerciaes, e facilitam a formação de grandes centros de producção, proporcionando-lhes largos e longinquos mercados de consumo, isto é, n'uma só phrase, porque indirectamente criam trabalho; as leis sociaes criam-n'o directamente, arrancando á podridão da sepultura annos da vida humana. Eis o que perante a sciencia moderna é incontestavel.
Terminâmos, pois, pedindo ardentemente á camara dos deputados que se digne discutir um dos mais sympathicos problemas da moderna sociologia.

Projecto de lei sobre a regulação do trabalho dos menores na industria

CAPITULO I

Admissão, duração e regulação do trabalho por idades

Artigo 1.° A regulação do trabalho dos menores, nos termos d'esta lei, abrange ambos os sexos.
§ 1.° Para o sexo masculino a idade de protecção decorre dos dez aos dezeseis annos.
§ 2.° Para o sexo feminino a idade de protecção decorre dos dez aos vinte e um annos.
§ 3.° N'esta lei a expressão menor comprehenderá sempre ambos os sexos, qualquer que seja a sua nacionalidade, salvo as excepções expressamente definidas.
§ 4.° Sempre que n'esta lei se empregar a expressão «agentes aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei», deverá o comprehender-se: os vogaes das commissões districtaes os inspectores e os vogaes do conselho superior da estatistica do trabalho.
Art. 2.° Os menores de idade inferior a dez annos completos não poderão, em circumstancia alguma, ser admittidos a trabalhar em fabricas, officinas, minas, pedreiras ou em estabelecimentos industriaes de qualquer natureza.
Art. 3.° Os menores de dez annos completos até doze annos, só poderão ser admittidos nos trabalhos industriaes, designados na tabella A: satisfazendo, porém, ás seguintes condições geraes:
1.ª Se souberem as disciplinas, que constituem-a instrucção primaria elementar e obrigatoria, ou se por certificado authentico provarem assidua frequencia á escola;
2.ª Se apresentarem compleição physica robusta e tiverem boa saude;
3.ª Se forem empregados em misteres, que não exijam o emprego de esforços physicos.
§ 1.° Ainda nas condições expressas n'este artigo o trabalho dos menores de dez a doze annos não poderá ser superior a seis horas por dia, divididas por um
descanço pelo menos de uma hora; não devendo nenhum menor trabalhar seguidamente mais de quatro horas.
§ 2.° O periodo de trabalho dos menores de dez a doze annos não poderá começar antes do nascer do sol, nem terminar depois do pôr do sol.
Art. 4.° Os menores até doze annos completos não poderão ser empregados como sotas, ou conductores a cavallo de quaesquer vehiculos, sejam estes de serviço publico ou de particular.
Art. 5.° Os menores de doze annos completos até dezeseis annos só poderão ser admittidos nos trabalhos industriaes, satisfazendo ás seguintes condições geraes:
1.ª Se souberem as disciplinas, que constituem a instrucção primaria e obrigatoria, ou se, por certificado authentico provarem assidua frequencia á escola;
2.º Se forem sufficientemente robustos para o trabalho que vão desempenhar;
3.ª Se não tiverem de praticar esforços physicos que excedam:
a) Para os de doze a quatorze annos: 10 kilogrammas de carga á cabeça ou ás costas e 80 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal;
6) Para os de quatorze a dezeseis annos: 15 kilogramas de carga á cabeça ou ás costas e 100 kilogrammas de carga, comprehendendo o vehiculo, sobre terreno horisontal.
§ 1.° Ainda nas condições expressas n'este artigo o trabalho dos menores de doze a quatorze annos não poderá ser superior a oito horas e os de quatorze a dezeseis annos a dez horas por dia, divididas em ambos os casos por dois intervallos de descanço pelo menos de uma hora; não devendo nenhum menor trabalhar seguidamente mais de quatro horas.
§ 2.° O periodo de trabalho dos menores, salvo as excepções expressas n'esta lei, não poderá começar antes do nascer do sol nem terminar depois do pôr do sol.
§ 3.° A tabella B conterá os estabelecimentos, operações e misteres, em que o trabalho dos menores é permittido mediante certas condições e limitações.
Art. 6.° Os menores de doze a dezeseis annos não poderão ser empregados em trabalhos comprehendidos nas seguintes classes:
1.º Manipulação ou fabricação do materias explosivas, detonantes, ou de quaesquer substancias explosindo pelo choque ou pelo contacto de corpo inflamado;
2.º Preparação, distillação ou manipulação de substancias corrosivas, venenosas, ou que desenvolvam gazes deleterios, corrosivos ou explosivos;
3.º Qualquer manipulação a secco de objectos ou substancias, que produzam poeiras venenosas ou nocivas;
4.ª Manipulação de substancia que, pela aspiração ou absorpção cutanea, podem introduzir no organismo causas desorganisadoras;
5.º Trabalhos que exigem esforços violentos, constantes ou contrafeitos, ou se fazem em condições perigosas para o pequeno operario;
6.º Trabalhos de lubrificação, untura, limpeza, inspecção ou reparação de machinas, ou machinismos em actividade;
7.º Trabalhos nas officinas em que houver em actividade machinas a vapor, hydraulicas ou de qualquer natureza cujos elementos perigosos, como peças salientes moveis, engrenagens, volantes, rodas, correias sem fim, etc., etc., não sejam revestidas por anteparos, ou quaesquer meios protectores;
8.ª Trabalhos que, embora não possam ser considerados

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como industriaes, contrariam o desenvolvimento normal da creança ou a expõe a perigos.
§ unico. Em conformidade com o espirito d'este artigo, os menores de doze annos a dezeseis annos completos não poderão ser admittidos nos trabalhos especificados na tabella C.
Art. 7.° Os menores de idade inferior a dezeseis annos não poderão, em espectaculo publico, fazer exercicios, gymnasticos ou acrobaticos, em que perigue a sua existencia ou se contrafaça o seu desenvolvimento physico.
§ unico. As auctoridades policiaes, que presidirem aos espectaculos publicos, farão immediatamente suspender os exercicios, que julgarem comprehendidos nas disposições d'este artigo, e não os permittirão depois sem que o contrario seja decidido pela respectiva commissão de districto, pelo inspector, ou pela opinião escripta e fundamentada de dois medicos, consultados pela mesma auctoridade.
Art. 8.° As mulheres, de dezeseis a vinte e um annos completos, não poderão trabalhar nos estabelecimentos industriaes e nas officinas senão das seis horas da manhã até às oito horas da noite, tendo porém, durante esse tempo, quatro horas, pelo menos, para refeição, descanço e saida.
Art. 9.º O governo, por proposta fundamentada do conselho geral da estatistica do trabalho, poderá introduzir nas tabellas A, B e C, que ficam fazendo parte integrante d'esta lei, as alterações e os desenvolvimentos que, de accordo com o espirito da mesma lei, sejam indicados pela experiencia e pelo estudo das industrias nacionaes.

CAPITULO II

Trabalho nocturno e em dias santificados

Art. 10.° Os menores até dezeseis annos completos não poderão ser empregados em trabalhos nocturnos, excepto nos casos e nas condições mencionadas nesta lei.
§ 1.º Considera-se-ha trabalho nocturno, o que for realisado no espaço, que decorre desde uma hora depois do sol posto até uma hora antes do nascimento do sol.
§ 2.° A exclusão do trabalho nocturno nas officinas e fabricas abrangerá os menores do sexo feminino de dezeseis a vinte e um annos completos; excepto se houver durante o trabalho, realisado nos termos dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo seguinte, perfeita separação de sexos e as entradas e saidas se operarem em horas do dia.
Art. 11.° O trabalho nocturno só poderá ser consentido aos menores pela commissão de districto ou pelo inspector da circumscripção;
1.° Depois de uma interrupção accidental ou forçada de trabalho;
2.° Por qualquer circumstancia imprevista e de força maior.
§ 1.° Em circumstancia alguma a somma do trabalho nocturno e diurno será superior a dez horas, não podendo o nocturno exceder seis horas, divididas por um descanço de uma hora pelo menos.
§ 2.° Se o menor tiver só trabalho nocturno não poderá este exceder sete horas, divididas por um descanço de um hora pelo menos.
§ 3.° Nenhum menor será occupado duas noites seguidas em trabalhos nocturnos.
Art.º 12.° Os menores de doze annos completos até dezeseis annos poderão ser empregados em trabalhos nocturnos, nas industrias de fogo continuo mencionados na tabella D e nas condições n'ella prescriptas.
§ 1.° Para esta classe de trabalhos vigoram as disposições dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo antecedente, salvo as excepções expressas no seguinte paragrapho.
§ 2.° Quando o trabalho nocturno, nas officinas de fogo continuo, for dividido por turnos, revezando-se successivamente, os menores de cada turno poderão trabalhar até doze noites por quinzena, logo que em duas noites consecutivas um turno não trabalhe durante o mesmo periodo.
§ 3.° São applicaveis á tabella D as disposições do artigo 9.° d'esta lei.
Art. 13.° Os menores do sexo masculino até dezeseis annos completos e do sexo feminino até vinte e um annos completos não poderão ser empregados pelos patrões em trabalho algum nos domingos e dias santificados, ainda mesmo na limpeza das officinas.
§ unico. Exceptuam-se os menores empregados nos trabalhos de fogo continuo; todavia, n'este caso ainda, a distribuição do trabalho deve ser feita por modo que permitia n'esses dias um largo intervallo, pelo menos de seis horas, para descanço e passeio, e para satisfação dos deveres religiosos.

CAPITULO III

Trabalhos subterraneos

Art. 14.° Os menores até aos doze annos completos não poderão ser empregados nos trabalhos subterraneos.
§ 1.° É prohibida a admissão n'estes trabalhos dos menores de sexo feminino até vinte e um annos.
§ 2.° O trabalho subterraneo dos menores de doze a dezeseis annos será regulado pelas disposições do artigo 5.° d'esta lei.
Art. 15.° Os menores nos trabalhos subterraneos não poderão ser empregados nos trabalhos de mineiro, propriamente dito, taes como: cortes, broqueamentos, escoramentos e escavações.
Art. 16.° Poderão, apenas, os menores ser utilisados na escolha e carregamento do mineral, na manobra e na tracção dos vagonetes, na guarda e na manobra das portas de ventilação e dos ventiladores e n'outros trabalhos accessorios, não excedendo as suas forças e sob as condições geraes expressas n'esta lei.
§ unico. No trabalho de rotação dos ventiladores não poderão os menores trabalhar mais de quatro horas, divididas por um descanço de meia hora, pelo menos.

CAPITULO IV

Hygiene e segurança

Art. 17.° Nas officinas e estabelecimentos industriaes seguir-se-hão os melhores principios da hygiene. Os agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, velarão cuidadosamente sobre este assumpto, embora se empreguem apenas operarios maiores.
Art. 18.° Nenhum menor de vinte e um annos poderá ser admittido em officina ou estabelecimento industrial sem ser vaccinado.
§ unico. Os menores deverão ser revaccinados em periodos não excedentes a dez annos.
Art. 19.° Qualquer menor, que se desconfie attacado de doença epidemica, endemica ou contagiosa, será immediatamente tratado e cuidadosamente separado dos outros menores ou operarios.
Art. 20.° As rodas, as correias sem fim, as engrenagens, as peças moveis salientes dos motores mechanicos e todos os apparelhos, em que haja causa da perigo, serão resguardados, ou separados dos operarios por forma que d'elles não seja possivel a approximação descuidada ou involuntaria.
§ unico. Os poços, alçapões, aberturas para descida do material, as escadas ou quaesquer vazios perigosos serão resguardados por anteparos, ou indicados por modo visivel.
Art. 21.° Quando algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, verificar em qualquer officina ou estabelecimento industrial, a existencia de um foco de infecção ou origem de insalubridade, ou a pratica de factos ou omissões contrarias á saude publica e particular, avisará immediatamente e por escripto a auctoridade competente, a fim de que esta faça desapparecer taes inconvenientes e abusos, se para isso a lei não lhe der faculdade expressa e propria.

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§ unico. Para cumprimento dos preceitos d'este artigo o agente em visita a qualquer officina ou estabelecimento industrial, poderá fazer-se acompanhar pelo respectivo delegado ou sub-delegado de saude, por qualquer outro agente da saude publica, ou por medico commissionado ou não.
Art. 22.° Quando algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, julgar que algum mechanismo, apparelho, peça ou orgão de machina, cuba, cadinho ou bacia contendo liquido, metal em fusão, etc., etc. ou similhantes, por falta de defeza ou conveniente resguardo, póde ser origem de perigo para os operarios menores ou maiores, intimará por escripto o responsavel do estabelecimento industrial ou da officina, para que este faça realisar dentro do certo praso as indicações, que lhe deverão ser feitas na mesma intimação.
§ 1.° No praso de dez dias da data da intimação, poderá o intimado requerei ao agente que o assumpto seja submettido a juizo arbitral, sendo n'este caso nomeados dois peritos especialistas, um pelo intimado, outro pelo agente, os quaes no praso de quinze dias da data da nomeação proferirão o seu julgamento arbitral, ou declararão o seu desaccordo.
§ 2.° Só entre os peritos não houver accordo, será nomeado, nas mesmas condições e no praso de dez dias da communicação d'este facto, um terceiro perito pelo juiz de direito da comarca, em que for situado o estabelecimento industrial ou officina; os tres peritos proferirão o seu julgamento arbitral no praso de quinze dias da data da nomeação do ultimo.
§ 3.° Sendo a decisão arbitral favoravel ao intimado, será considerada como nulla a intimação do agente, e todas as despezas serão satisfeitas por conta da administração publica.

4.° Se não requerer o juizo arbitral em tempo competente, ou a decisão arbitral lhe for adversa, o intimado cumprirá a intimação do agente, ou a sentença arbitral, se esta tiver modificado a intimação; n'este caso todas as despezas serão pagas pelo proprietario, individual ou collectivo, do estabelecimento industrial.
§ 5.º Para os effeitos d'este artigo considerar-se-hão apparelhos, os andaimes, bailéus e similhantes.
Art. 23.º Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e officiaes são obrigados a communicar immediatamente a algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, qualquer accidente produzido por machinas, apparelhos ou similhantes, que produza incapacidade de trabalhar por mais de quarenta e oito horas.
Art. 24.° Quando occorrer caso de morte ou de ferimento, por culpa ou desleixo do responsavel de um estabelecimento industrial ou officina, ao proprietario, individual ou collectivo, do estabelecimento industrial ou officiua será comminada a multa de 450$000 réis no maximo, sendo o seu producto, no todo ou em parte, concedido como indemnisação á pessoa ferida, ou no caso de morte á pessoa de familia que elle ampare.
§ 1.° Se o individuo fallecido não tiver pessoa a que legitimamente possa ser concedida a indemnisação, será a importancia applicada nos termos do artigo 79.° d'esta lei.
§ 2 ° Para todos os effeitos d'este artigo tão os mestres de obras ou encarregados da direcção de trabalhos responsaveis pelos operarios, que trabalham sob a sua fiscalisação devendo-hes, no caso de sinistro, ser imposta a multa que este artigo determina ou, no caso de falta de recursos, a prisão de um mez a tres mezes.
Art. 25.° Todas as paredes interiores, portas, tectos e cobertura das salas, casas, corredores e escadas dos estabelecimentos industriaes ou officinas serão pintados a oleo de sete em sete annos, pelo menos, ou caiados annualmente.
§ unico. Sendo pintados a oleo ou envernizados serão, pelo menos, lavados uma vez por anno.

CAPITULO V

Creches

Art. 26.° Nas fabricas em que trabalham mulheres haverá creches, com as accommodações e condições hygienicas indicadas pela sciencia.
Art. 27.° A mulher não será admittida ao trabalho nas officinas ou fabricas senão quinze dias, pelo menos; depois do parto.
Art. 28.° A mãe poderá ir á creche amamentar o filho às horas e pela forma indicada nos regulamentos especiaes publicados pelas instancias competentes.

CAPITULO VI

Instrucção primaria elementar

Art. 29.º As emprezas agricolas ou industriaes, os donos de fabricas ou officinas, que tiverem ao seu serviço, nos termos d'esta lei, doze menores de dez a dezeseis annos, que não saibam as materias que constituem a instrucção primaria elementar, serão obrigados a sustentar uma aula, cuja duração será, pelo menos, de duas horas por dia util.
§ 1.° Se o numero de menores n'estas condições for inferior a doze a sustentação da escola não é obrigatoria, mas será consentida a esses menores a frequencia da escola publica, pelo menos, por duas horas por dia util.
§ 2.° É permittido às camaras municipaes subsidiar as escolas, de que trata este artigo, quando lhes forem favoraveis as informações da commissão do districto e do respectivo inspector.
§ 3.° As escolas, de que trata este artigo, ficam para todos os effeitos sujeitas á inspecção das auctoridades escolares e ao mesmo regimen das publicas.
Art. 30.° Os professores das escolas publicas ou particulares lançarão na caderneta dos menores, de que trata o artigo 31.° d'esta lei, a data da sua matricula, e mensalmente notarão a sua frequencia, rubricando-a de modo que não possa haver falsificação.
§ 1.° O director em chefe do estabelecimento tomará nota da frequencia no livro de registo de que trata o artigo 34.° d'esta lei.
§ 2.° A frequencia dos menores será, tanto nas escolas publicas como particulares, durante o tempo livre de trabalho e fora das horas de descanço.

CAPITULO VII

Vigilancia dos menores

Art. 31.° Aos paes ou tutores dos menores, que, nos termos d'esta lei, tenham de ser empregados na industria, entregarão os administradores do concelho, aonde residirem, uma caderneta numerada contendo o nome e o appellido do menor, a data, o logar do seu nascimento e o seu domicilio.
§ 1.° Nenhum menor poderá ser recebido em qualquer trabalho industrial sem apresentar a caderneta, de que trata este artigo.
§ 2.° A caderneta apenas será concedida ao menor, que apresentar certidão de idade, do registo parochial ou civil; e certidão de ter sido vaccinado.
Art. 32.º Todos os mezes o administrador do concelho enviará para a commissão de districto respectivo uma relação dos nomes e das idades dos menores, a que forem concedidas cadernetas, e quanto possivel das profissões, officios ou trabalhos industriais, a que se tencionavam dedicar.
Art. 33.° Os patrões, chefes ou directores de officinas ou estabelecimentos industriaes notarão na caderneta de cada menor a data da admissão e da saida dos respectivos estabelecimentos, bem como a natureza industrial d'estes.
Art. 34.° Os responsaveis dos estabelecimentos indus-

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triaes ou officinas, quando empregarem qualquer menor, enviarão á commissão de districto um aviso contendo o nome do respectivo estabelecimento ou officina, o do menor que empregaram, o genero de trabalho, a hora a que este começa e acaba e o tempo de descanço.
§ 1.° Nenhuma alteração nas condições da entrada do menor se poderá realisar sem novo aviso.
§ 2.° Exceptuam-se das disposições d'este artigo os casos, em que for urgente substituir em determinados trabalhos um operario impedido.
Art. 35.° Os menores de idade inferior a dezeseis annos, ainda nas condições d'esta lei, não poderão ser empregados nas officinas e estabelecimentos industriaes per mais de um mez, se os responsaveis dos mesmos estabelecimentos e officinas não apresentarem um certificado, em forma, de um medico, no qual se affirme sob juramento ter o menor as condições physicas para desempenhar o trabalho de que está incumbido.
§ unico. Haverá em cada concelho administrativo, para os effeitos d'este artigo, um ou mais medicos encarregados pelas commissões de districto de inspeccionar os menores e do passar estes certificados, mediante uma remuneração perfixada.
Art. 36.° O mesmo certificado do medico commissionado poderá abranger todos os menores de um mesmo estabelecimento industrial ou officina, ou ainda os menores de todos os estabelecimentos industriaes e de todas as officinas do mesmo proprietario, se existirem no mesmo concelho.
§ 1.° Os certificados deverão por todas as formas demonstrar a identidade do menor, a que se referem, e conter a sua idade, conforme a certidão do baptismo ou do registo civil, sob pena de serem annullados por decisão n'elles escripta por algum dos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei.
§ 2.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e das officinas serão sempre obrigados a apresentar aos agentes, aos quaes compete a execução d'esta lei, os certificados de aptidão physica, quando lhes forem pedidos.
Art. 37.° Os certificados de aptidão physica não poderão ser passados senão depois de exame directo e pessoal do menor, a que se referem.
§ 1.° Os medicos commissionados, não inspeccionarão os menores senão nos estabelecimentos industriaes e nas officinas em que devem ser empregados; exceptuando o caso de auctorisação escripta e motivada dos agentes, ou se O estabelecimento industrial ou officina empregar menos de seis menores.
§ 2.° O medico commissionado, que se negar a passar um certificado de aptidão physica, deverá dizer por escripto, se isto lhe for exigido, as rasões da sua recusa.
Art. 38.° Os agentes, aos quaes compete a execução desta lei, poderão fazer suspender o trabalho de um menor, sempre que julgarem não ter tile as condições physicas necessarias para o desempenhar. Dentro do praso de dez dias da suspensão, sob pena d'ella cessar, o menor será novamente inspeccionado pelo medico commissionado, ou por outro escolhido pelo respectivo inspector.
Art. 39.° O conselho geral da estatistica do trabalho, tendo em vista as informações fornecidas pelas commissões de districto e pelos inspectores, fixará as tabellas dos honorarios dos serviços dos medicos commissionados.
§ 1.° Em todos os concursos, a que possam concorrer os medicos commissionados, em igualdade de circumstancias o desempenho zeloso, attestado pelo respectivo inspector sobre informação da commissão districtal, do serviço, pelo menos durante dois annos, que lhes é attribuido n'esta lei, constituirá uma rasão de preferencia.
§ 2.° Para a conta dos annos indispensaveis para a reforma, jubilação ou aposentação o desempenho zeloso, attestado pelos respectivos inspectores sobre informações das commissões de districto, do serviço, que lhes é attribuido
n'esta lei, durante cada periodo de dez annos será levado em conta por um anno.
Art. 40.° Nas officinas ou estabelecimentos industriaes, que empregarem, ou tenham empregado durante o anno, mais de quinze operarios por dia, tanto maiores como menores, haverá um livro de registo, aonde serão lançados pelos agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, as observações os preceitos, que tiverem por uteis e necessarios.
§ unico. Nos trabalhos nocturnos, subterraneos, insalubres ou perigosos será sempre obrigatoria a disposição d'este artigo, sem limitação do numero de operarios.
Art. 41.° Os patrões, chefes ou directores de oficinas ou estabelecimentos industriaes, em que forem empregados menores, farão affixar em legar bem visivel a tabella dos nomes dos menores com a indicação dos dias de trabalho, das horas a que este começa e acaba e do tempo de descanço.
§ 1.° No mesmo logar estarão bem patentes ou se affixarão:
1.° Esta lei e os seus respectivos regulamentos;
2.° Os nomes e as moradas dos membros da commissão do districto e do inspector, a cuja fiscalisação está sujeito o estabelecimento industrial ou officina;
3.° O nome e a morada do medico do estabelecimento;
4.° Tudo quanto dever ser affixado por determinação e por indicação dos agentes, a quem compete a fiscalisação d'esta lei.
§ 2.° A tabella de que trata este artigo será rubricada, pelo menos, por um membro da commissão do districto ou pelo inspector.
Art. 42.° Aquelles que se tornarem proprietarios de estabelecimentos industriaes ou officinas, depois da promulgação d'esta lei, no praso de um mez, deverão communicar por escripto para a respectiva commissão de districto o nome e a firma social do estabelecimento ou officina, a especie do trabalho, a natureza e a força do motor empregado.
Art. 43.° Os responsaveis dos estabelecimentos industriaes e das officinas farão manter os bons costumes e a observancia da decencia publica nas salas do trabalho.
Art. 44.° Todos os estabelecimentos industriaes ou officinas serão considerados como admittindo menores, excepto aquelles cujos responsaveis tenham expressamente declarado por escripto á commissão do districto a resolução de os não admittir.
§ unico. Em caso algum a declaração subtrahirá os estabelecimentos industriaes ou officinas á inspecção dos agentes, aos quaes compete a execução d'esta lei.

CAPITULO VIII

Commissões de districto

Art. 45.° Em cada districto administrativo haverá uma commissão especial, encarregada de fiscalisar o rigoroso cumprimento das prescripções d'esta lei e de fornecer todos os elementos estatisticos e observações, que sobre este ramo de serviço possam colher-se pela inspecção directa.
§ 1.° As commissões de districto serão, em regra, compostas de tres vogaes: podendo, porem, esto numero ser elevado a cinco nos districtos em que a industria offereça ou venha a ter, um grande desenvolvimento; ou baixado a dois nos de menor importancia industrial.
§ 2.° A nomeação destas commissões é da competencia do governo, ouvido o conselho geral da estatistica do trabalho e sobre proposta era lista triplico das juntas geraes e recahirá, quando possivel, em um medico, em um engenheiro e em um industrial residentes no districto.
§ 3.° Cada commissionado perceberá uma gratificação de 300$000 réis annuaes, uma ajuda de custo de 1$500 réis por dia de saida em inspecção, até ao maximo de cento e vinte dias por anno, e transportes em caminhos de ferro e navios do estado.

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§ 4.° Aos commissionados insulanos serão alem d'isso abonadas as despezas de viagens, que não possam ser realisadas nos navios do estado.
§ 5.° Estes vencimentos, ajudas de custo e despezas de viagens serão pagos pelos cofres das juntas geraes; a receita para este effeito provirá das derramas sobre as camaras municipaes do respectivo districto.
§ 6.º O exercicio das funcções d'esta commissão é compativel com qualquer outro cargo publico.
Art. 46.° As commissões districtaes serão nomeadas de dois em dois annos, podendo ser reconduzidas quando lhes forem favoráveis as informações dos respectivos inspectores.
Art. 47.° Compete a estas commissões:
1.° Visitar todos o§ estabelecimentos industriaes e officinas do seu districto, pelo menos duas vezes no anno, lavrando desta visita um termo, que será assignado por algum dos directores, proprietários ou chefes de serviço de cada estabelecimento inspeccionado.
2.° Levantar em duplicado autos de contravenção desta lei enviando um immediatamente ao ministerio publico e outro ao respectivo inspector.
3.° Exarar no livro a que se refere o artigo 40.° as observações que a sua visita lhes suggerir, indicando as providencias a adoptar nos estabelecimentos para melhor hygiene e segurança dos operários maiores e menores.
4.° Rubricar as tabeliãs de serviço e descanço dos menores, de que enviarão copia aos respectivos inspectores.
5.° Verificar se houve ou não força maior sempre que tenha occorrido a interrupção de trabalho a que se refere o n.° 1.° do artigo 11.°
6.° Syndicar immediata e rigorosamente das causas de sinistros que se derem nos estabelecimentos industriaes, apurando a responsabilidade legal e moral dos que dirigirem os trabalhos, e participando o occorrido ao respectivo inspector e ao ministerio publico, se para isso houver motivo.
7.° Exercer vigilancia sanitaria sobre a permanencia dos menores nos estabelecimentos industriaes.
8.° Elaborar relatorios semestraes que serão enviados ao respectivo inspector, sob pena de suspensão, até 28 de fevereiro e 31 de agosto de cada anno, contendo pelo menos:
a) Numero de visitas a todos os estabelecimentos industriaes existentes no districto, comprovados pelos autos de que trata o n.° 1.° d'este artigo;
b) Classificação dos estabelecimentos industriaes por industrias, e forças motrizes;
c) Numero dos assalariados maiores por categorias, idades, sexos e salarios respectivos;
d) Numero dos assalariados menores em exercicio, nos mesmos estabelecimentos e sua distribuição por profissões, sexos, idades e salarios;
e) Media dos salarios correspondente às profissões, sexos e idades;
f) Numero das participações mandadas para juizo e das reclamações dos patrões e menores, ou pessoas que os representem;
g) Descripção dos sinistros succedidos, das suas causas e das medidas tomadas.
h) Dados estatisticos e considerações geraes sobre o preço das subsistencias e da alimentação dos operarios nos centros industriaes e medidas, que forem julgadas conducentes para melhorar o seu bemestar.
i) Dados estatisticos sobre a emigração das classes pobres, observações geraes sobre a direcção e valor das correntes de emigração, suas causas, origens e meios conducentes para as derivar ou diminuir.
§ unico. As visitas aos estabelecimentos industriaes e às officinas poderão ser feitas por um unico membro das commissões ; todavia, nenhum estabelecimento industrial ou officina deverá ser duas vezes consecutivas inspeccionada pelo mesmo vogal da commissão.
Art. 48.° Em serviço de inspecção poderá qualquer membro da commissão tomar as providencias extraordinarias exigidas pelo bem do serviço, dando immediatamente conta das resoluções ao respectivo inspector.
Art. 49.° O governo e o conselho geral da estatistica do trabalho poderão incumbir estas commissões de qualquer trabalho, que especialmente tenha em vista estudar ou melhorar as condições sociaes e industriaes das classes pobres ou assalariadas.

CAPITULO IX

Inspectores

Art 50.° O continente do reino será dividido em tres zonas, e constituirão os archipelagos dos Açores e da Madeira uma só circumscripção, para os effeitos d'esta lei.
§ unico. A zona do norte será constituida pelos seguintes districtos: Aveiro, Braga, Bragança, Guarda, Porto, Vianna, Villa Real e Vizeu, tendo a sede na cidade do Porto; a zona do centro será constituida pelos seguintes districtos: Castello Branco, Coimbra, Leiria, Lisboa e Santarém, tendo a sede em Lisboa; a zona do sul será constituida pelos seguintes districtos: Portalegre, Evora, Beja e Faro, tendo a sede em Beja; a circumscripção insulana terá a sede em Ponta Delgada.
Art. 51.° Em cada uma das zonas continentaes e na circumscripção insulana haverá um inspector nomeado pelo governo, ouvido o conselho geral da estatística do trabalho.
§ 1.° Os logares de inspector são de commissão; o exercicio das suas funcções é incompativel com o de qualquer outro emprego publico ou particular.
§ 2.° No fim de cada triennio serão transferidos os inspectores de umas para outras circumscripções; podendo, todavia, soffrer excepção esta regra para algum ou para todos os inspectores por proposta fundamentada do conselho geral da estatistica do trabalho, approvada pelo ministro.
§ 3.° A permanencia em cada zona ou circumscripção não poderá em caso algum exceder seis annos.
§ 4.° Ultimados os trabalhos de cada anno poderá o governo, sob consulta favoravel do conselho geral da estatistica do trabalho e por conveniencia do serviço, transferir os inspectores de umas para outras circumscripções.
Art. 52.° O governo nomeará os inspectores de entre os engenheiros civis e militares em serviço no ministerio das obras publicas.
§ 1.º Os vencimentos de cada inspector civil será de 1:200$000 réis annuaes e o do inspector militar o soldo da patente e uma gratificação, que eleve o total do vencimento áquella quantia. Alem d'este vencimento, das ajudas de custo e gratificações expressamente determinadas n'esta lei, os inspectores não poderão receber remuneração alguma a titulo de qualquer serviço extraordinario.
§ 2.° Não poderá ser nomeado inspector o individuo, que tiver mais de quarenta e cinco annos de idade.
§ 3.° Os inspectores, em visita aos estabelecimentos industriaes ou em inspecção às commissões districtaes, perceberão uma ajuda de custo de 2$000 réis diarios, até ao limite de cento e oitenta dias por anno, e transporte em caminhos de ferro e navios do estado.
§ 4.° Ao inspector insulano serão alem disso abonadas as despezas de viagens, que não possam ser realisadas em navios do estado.
§ 5.° As viagens a Lisboa por ordem do ministro não serão contadas nem comprehendidas no numero de saidas designado no § 3.°; mas contar-se-hão á parte e nas condições do mesmo paragrapho.
Art. 53.° A residencia official do inspector será sempre na sede da sua zona ou circumscripção.
Art. 54.° Compete aos inspectores:
1.° Visitar annualmente todos os estabelecimentos industriaes da sua zona, uma vez pelo menos, lavrando

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d'esta visita um termo, que será assignado por algum da directores, proprietarios ou chefes do serviço do estabelecimento inspeccionado.
2.° Inspeccionar os trabalhos das commissões districtaes.
3.° Resolver, as duvidas apresentadas e as consultas, que lhes forem dirigidas pelas commissões districtaes.
4.° Vigiar pela uniformidade na applicação d'esta lei, tomando conhecimento dos apgravos feitos aos industriaes pelas commissões districtaes, e resolvendo-os como for de justiça e lei.
5.° Visitar extraordinariamente os estabelecimentos industriaes, quando haja conflicto entre as commissões districtaes e os industriaes, ou quando o governo assim o determinar.
6.° Relatar circumstanciadamente ao governo tudo que se refere ao serviço de inspecção dos menores, tomando para base os relatorios das commissões districtaes e as observações e dados estatisticos directamente colhidos nas suas visitas e excursões. Estes relatorios, abrangendo um anno economico, deverão dar entrada no ministerio das obras publicas até 30 de outubro de cada anno, sob pena de suspensão.
7.° Organisar a estatistica industrial da sua zona ou circumscripção.
8.° Apreciar e graduar os relatorios das commissões districtaes propondo ao governo:
I. Um premio pecuniario de 100$000 réis para o relatorio mais graduado.
II. Uma portaria de louvor para o segundo em merito.
Os relatorios assim considerados serão publicados na folha official.
9.° Prestar ao governo e ao conselho geral da estatistica do trabalho as informações sobre os trabalhos das commissões districtaes, aptidão dos commissionados, e em geral as que lhes forem exigidas sobre os assumptos das suas funcções.
Art. 55.° Em serviço de inspecção poderá qualquer inspector tomar as providencias extraordinarias exigidas pelo bem do serviço, informando immediatamente o conselho geral de estatistica do trabalho e o ministro das obras publicas.
Art. 56.° O governo e o conselho geral da estatistica do trabalho poderão incumbir os inspectores de qualquer trabalho, que especialmente tenha em vista estudar ou melhorar as condições sociaes e industriaes das classes pobres e assalariadas.

CAPITULO X

Conselho geral da estatistica do trabalho

Art. 57.° Junto do ministerio das obras publicas constituir-se-ha um conselho geral da estatistica, do trabalho, cujas attribuições serão as seguintes:
1.° Estudar as condições, sociaes e particulares, das classes operarias e desvalidas.
2.º Investigar as transformações favoraveis, que naquellas condições se poderão operar e os meios conducentes a este fim.
3.° Organisar a estatistica de todos os factos e a serie de todas as observações, que interessem a existencia collectiva e individual dos operarios e cidadãos pobres.
4.° Propor ao governo as medidas sociaes dignas de ser apresentadas á approvação parlamentar.
5.° Desenvolver e animar a iniciativa publica e particular, esclarecendo os assumptos e os problemas sociaes, e propagando ácerca d'elles idéas justas, verdadeiras e scientificas.
6.° Consultar sobre todas as questões, que lhe forem sujeitas pelo governo.
7.° Preparar e pôr em pratica, depois da auctorisação do governo, inqueritos industriaes geraes ou especiaes.
8.° Classificar as artes e as industrias nacionaes e fixar a sua technologia.
9.° Fiscalisar, nos termos das leis especiaes, o cumprimento rigoroso e justo de toda a legislação social e organizar os respectivos regulamentos.
§ unico. São leis sociaes, aquellas que tiverem por fim b protecção e o auxilio directos, qualquer que seja a sua natureza, prestados pelo estado a uma classe social, ou grupo de cidadãos ligados por interesses identicos ou similhantes. Art. 58.° O conselho superior da estatistica do trabalho era composto de sete membros, cinco eleitos pela forma indicada nos seguintes paragraphos e dois nomeados pelo governo.
§ 1.° Os lentes, quer proprietarios quer substitutos da universidade de Coimbra, os professores do respectivo lyceu, e os estudantes, premiados ou distinctos de qualquer faculdade ou anno, elegerão um membro do conselho.
§ 2.° Os professores, quer proprietarios quer substitutos das escolas superiores e do lyceu de Lisboa, e, os estudantes, premiados ou distinctos de qualquer escola ou anno, elegerão um membro do conselho.
§ 3.° Os professores, quer proprietarios quer substitutos das escolas superiores e do lyceu do Porto e os estudantes, premiados ou distinctos de qualquer escola ou anno, elegerão um membro do conselho.
§ 4.° A academia real das sciencias elegerá um membro do conselho.
§ 5.° As associações commerciaes de Lisboa e Porto elegerão um membro do conselho.
§ 6.° Os vogaes, eleitos pelas differentes corporações mencionadas nos paragraphos anteriores, poderão ser escolhidos nas próprias corporações, exceptuando os estudantes que não podem ser eleitos, ou fora d'ellas, logo que não sejam pares do reino ou deputados.
§ 7.° Os vogaes do conselho geral da estatistica do trabalho serão inelegiveis para es cargos legislativos e não poderão ser nomeados pares do reino.
§ 8.° O governo, quando houver de se proceder á eleição geral, ou a qualquer supplementar, indicará a forma por que ella devo ser realisada.
Art. 59.° As funcções de vogal do conselho superior da estatistica do trabalho serão incompativeis com as de outro qualquer cargo publico, e a todas preferem.
§ 1.° O vencimento de cada vogal será de 1:600$000 réis por anno.
§ 2.° A duração das suas funcções será de seis annos, findos os quaes se renovarão todos os vogaes do conselho; podendo ser reeleitos ou reconduzidos, conforme a sua classe.
Art. 60.° A constituição interna do conselho, a duração dos trabalhos e a fixação dos dias e da duração das sessões serão da sua inteira competencia.
§ 1.° O conselho terá, pelo menos, duas sessões publicas por semana.
§ 2.° O conselho poderá dispender no expediente e secretaria até á somma de 3:800$000 réis annuaes.
§ 3.º O conselho poderá resolver, com approvação do ministro, que algum dos seus vogaes seja enviado a qualquer ponto do continente do reino ou das ilhas adjacentes em missão do serviço temporario; n'este caso ser-lhe-ha abonada a ajuda de custo diaria de 3$000 réis e o transporte em navio ou caminho de ferro. As despezas d'esta ordem não serão levadas á conta da auctorisação do paragrapho anterior.
Art. 61.° O conselho geral da estatistica de trabalho publicará trimestralmente o boletim dos seus trabalhos, compendiando n'elle os dados estatisticos e experimentaes que tiver colligido, os estudos que tiver realisado e quaesquer artigos e publicações originaes ou traduzidas, que se refiram a assumptos da sua competencia.
§ unico. A impressão do boletim será feita â expensas do thesouro na imprensa nacional.
Art. 62.° Os vogaes do conselho geral da estatistica do trabalho poderão ser substituidos, por nova eleição, ou por

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nomeação, conforme a classe a que pertencerem, antes da terminação do praso fixado no artigo 59.° § 2.°:
1.º Quando se inutilisarem por motivo de doença;
2.° Quando abandonarem as suas funcções;
3.° Quando incorrerem na pena comminada nos artigos 65.° e 66.° d'esta lei.
Art. 63.° O presidente do conselho geral da estatistica do trabalho será o ministro das obras publicas; o conselho elegerá vice-presidente e secretario.
§ unico. O presidente e o vice-presidente, no caso de empate, terão voto de qualidade.
Art. 64.° Alem da competencia geral definida no artigo 57.° o conselho geral da estatistica do trabalho, terá para os effeitos da presente lei, as seguintes attribuições especiaes:
1.º Apreciar e classificar os relatórios dos inspectores propondo ao governo:
a) Um prémio pecuniario de 200$000 réis para o melhor relatorio;
b) Uma portaria de louvor para o segundo em merito;
2.ª Elaborar as syntheses dos relatórios dos inspectores, os quadros synopticos de todos os dados estatisticos, condensando n'um só relatorio todos os factos e observações, dos quaes possam inferir-se principios geraes ou leis experimentaes.
O relatorio do conselho, que deverá ser apresentado ao ministro até 31 de janeiro de cada anno, será publicado em separado e acompanhado dos relatorios dos inspectores;
3.º Formular as propostas e as consultas, a que se refere esta lei, e os regulamentos para a sua execução;
4.ª Propor ao ministro a serie de medidas, que julgar necessarias, para a applicação uniforme e vigilante da lei, ou para a sua transformação, tendo em vista o estudo dos phenomenos sociaes e da industria nacional;
5.ª Indicar aos inspectores os processos geraes, por que devem proceder na elaboração das estatisticas, as normas dês seus relatorios e todos os preceitos, que dêem unidade, rapidez e perfeição, aos serviços de que são incumbidos;
6.ª Resolver as dificuldades e responder às consultas, que lhe apresentarem os inspectores.

CAPITULO XI

Penalidades

Art. 65.º Os agentes, aos quaes compete a fiscalisação desta lei, não divulgarão os segredos industriaes que, porventura, venham a conhecer no exercicio das suas funcções, sob pena de demissão e de responderem criminalmente nos termos do artigo 462.° do codigo penal, e civilmente por perdas e damnos.
Art. 66.° Os agentes, aos quaes compete a fiscalisação d'esta lei, que, abusando da sua auctoridade e influencia, por qualquer forma, directa ou indirectamente, usarem d'ellas para angariarem votos para eleições, provado que seja este delicto, serão immediatamente demittidos, sendo-lhes applicaveis as penas comminadas no § 1.° do artigo 40.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884.
Art. 67.° O director, patrão ou seu representante, que admittir na sua industria menores fóra das condições d'esta lei, será punido com a multa de 5$000 a 20$000 réis por cada menor, que tenha admittido.
Art. 68.° O director, patrão ou seu representante que infringir as outras disposições d'esta lei, ou dos seus regulamentos, será punido com a multa de 2$000 a 10$000 réis por cada contravenção.
§ 1.° Das disposições d'este artigo exceptuam-se as contravenções dos artigos 23.°, 41.°, 42.° o 44.° desta lei, às quaes serão respectivamente comminadas as multas de 20$000, 30$000, 18$000 e 100$000 réis.
§ 2.° No caso de reincidencia as multas serão de valor duplo do determinado neste artigo.
§ 3.° As multas e custas judiciaes serão cobradas executivamente, servindo o estabelecimento de garantia.
Art. 69.° Os directores, patrões ou seus representantes, serão admittidos a provar judicialmente que a infracção resultou de erro nos attestados ou nas cadernetas, por conterem falsas indicações. N'este caso serão isentos da pena; mas os falsarios e os cumplices serão punidos nos termos da lei penal.
Art. 70.° Os directores, patrões ou seus representantes, que não franquearem á inspecção os seus estabelecimentos, ou se oppozerem ao disposto nos artigos antecedentes, serão processados como desobedientes aos mandados da justiça.
Art. 71.° No caso de terceira reincidencia o juiz aggravará a pena, ordenando que seja publicada á custa do reincidente a sentença condemnatoria nos jornaes mais lidos e que seja tambem affixada no estabelecimento e em logar bem publico.
Art. 72.° Os professores que não cumprirem o disposto no artigo 30.° terão punidos com a multa de 1$000 réis, ou com a deducção correspondente nos seus ordenados.
Art. 73.° Se o menor não apresentar com regularidade a sua caderneta, ou d'ella constar que faltou muitas vezes á escola, sem motivo justificado, o patrão pagará por elle até 1$000 réis, que lhe descontará no salario. Neste caso, o patrão, ou o menor, poderão dar prova em contrario.
Art. 74.° Aos que não sendo cegos nas das e praças publicas mendigarem, acompanhados por creanças, de que não sejam pães, proximos parentes ou únicos protectores, será comminada a multa de 500 a 2$000 réis ou a pena de prisão de 8 a 15 dias.
Art. 75.° A mulher matriculada que tenha em sua companhia menor do sexo feminino, que não seja sua filha, será comminada a multa de 5$000 a 20$000 réis, ou a pena de prisão de 15 dias a um mez.
Art. 76.° A forma do processo para as contravenções d'esta lei será a seguida nas contravenções de posturas municipaes.
§ unico. As contravenções prescrevem passado um anno, exceptuando as reincidencias que só prescrevem passados dois.

CAPITULO XII

Disposições geraes

Art. 77.° As disposições d'esta lei comprehendem os menores admittidos como aprendizes, na parte que lhes for applicavel.
Art. 78.° Os menores encontrados nos estabelecimentos industriaes serão considerados como empregados n'elles, salvo prova em contrario.
Art. 79.° O producto das multas comminadas n'esta lei será recebido pelo estado, a fim de constituir uma das receitas da caixa nacional dos seguros contra os accidentes na industria.
§ unico. Emquanto estes seguros nacionaes não estiverem legalmente organisados, o producto das multas entrará na caixa geral de depositos, vencendo o juro de 5 por cento ao anno com capitalisação trimestral.
Art. 80,° O governo, sob proposta, ou consultado o conselho geral de estatistica do trabalho, publicará os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.
Art. 81.° Os menores existentes nos estabelecimentos industriaes, ao tempo da publicação desta lei, n'elles poderão continuar, qualquer que seja a sua idade, comtanto que se observem as outras disposições, na parte que lhes forem applicaveis.
Art. 82.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 11 de julho de 1885. = Augusto Fuschini, deputado pelo circulo n.° 81 (Santiago do Cacem e Grandola.)

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Tabellas da lei sobre a regulação do trabalho dos menores na industria

TABELLA A

(Artigo 3.º da referida lei)

[Ver tabela na imagem]

TABELLA B

(Artigo 5.º § 3.º da referida lei)

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

TABELLA D

(Artigo 12.º da referida lei)

[Ver tabela na imagem]

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ANNEXO N.º 1

Resultado do inquerito industrial a que procedeu a commissão nomesda pela portaria de 12 de julho de 1880 (os nove primeiros estabelecimentos) e dos esclarecimentos colhidos pelo dr. Ferraz de Macedo em 1876 (os onze ultimos estabelecimentos)

[Ver tabela na imagem]

(1) Menores quasi todos acima de 11 annos, apenas 4 ou 5 d'esta idade. Trabalham principalmente, como em todas as fabricas d'este genero, nos bancos de fiação. Horas de trabalho as mesmas para adultos e menores.
(2) Não se admittem menores antes dos 10 annos. Horas de trabalho as mesmas para adultos e menores.
(3) Idem, idem.
(4) Admittem-se menores aos 7 e 8 annos para o serviço leve (dar tinta aos estampadores, etc.). Não os ha de sexo feminino.
(5) Não se admittem, em geral, menores antes dos 12 annos, nem alem dos 14, e só do sexo masculino. Os aprendizes trabalham tanto como os operarios.
(6) Não se admittem, em geral, menores antes dos 11 annos. Ha só 2 de 8 annos.
(7) Menores quasi todos do sexo feminino e admittem-se dos 10 aos 14 annos. Só havia menores da sexo masculino dos 11 aos 13 annos, empregados em conduzir taboleiros às empreiteiras, fazer cigarros, escolher tabaco e varrer.
(8) Os menores mais novos tinham 11 annos.
(9) Admittem-se menores aos 10 annos.
(10) Tinham algum conhecimento da instrucção primaria os 19 classificados como sabendo ler e escrever.
(11) Tinha escola nocturna paga pela companhia.
(12) São quasi todos analphabetos, diz a informação.
(13) Os menores eram considerados aprendizes, por um contrato com os pães ou tutores, e toem do permanecer na officina por espaço de 7 annos. Todos eram obrigados a frequentar as escolas do estabelecimentos as do instituto industrial do Porto.

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ANNEXO N.° 2

Illmo. e exmo. sr. - Na divisão de trabalho que a portaria de 12 de julho de 1880 incumbiu á commissão de que v. exa. é digno relator coube-nos, a nós, informar especialmente ácerca dos factos e das circumstancias economicas relativas aos serviços dos menores na industria, e bem assim das condições intellectuaes e moraes da população infantil das fabricas e officinas. Não podemos desempenhar-nos como desejaramos da nossa tão importante quanto sympathica missão. Encontrámos falta de informações officiaes, de dados estatisticos, dos subsidios de diversas naturezas necessarios ou uteis para elucidação do assumpto que nos cumpria aprofundar, e a estreiteza do tempo, ainda mais cerceado pelas nossas occupações publicas ou particulares, não nos permittiu remediar essa falta por meio da investigação pessoal e directa, tão vasta e tão detida quanto era mister que fosse para se tornar inteiramente proveitosa e fecunda. Ainda assim, o nosso zeloso desejo de corresponder á confiança do exmo. ministro das obras publicas obrigou-nos a estudos e a exames, que nos parecem suficientes para fundamentar as considerações, que vamos ter a honra do expor á v. exa.
Não nos compete, de certo, fornecer esclarecimentos ou emittir opinião ácerca da influencia, que poderão exercer sobre as condições de producção das industrias portuguezas quaesquer leis, que, diminuindo as horas de trabalho dos menores que n'ellas se empregam, hajam de contribuir para elevar o custeio d'essas industrias ou afrouxar-lhe a productividade. Este problema é muitissimo complexo, e só poderia ser esclarecido em todas as suas partes mediante um vasto e minucioso inquerito industrial, que indubitavelmente o nobre ministro das obras publicas não pensou em incumbir-nos e naturalmente dispensa, pois que o seu proposito de regular o trabalho dos pequenos operarios de modo que lhes não arruine o corpo nem atrophie o espirito, nasce de considerações de ordem superior a quaesquer objecções derivadas de interesses economicos, ou sejam conectivos ou individuaes. A parte economica do nosso estudo deve, pois, limitar se, a nosso ver, a dois pontos principaes, e são elles: 1.º, a maior ou menor necessidade que os trabalhadores infantis têem dos salarios que vencem, para provetem á sua alimentação ; 2.º, até que ponto esses salarios se podem considerar justamente remuneradores do serviço a que correspondem e suficientes para o custeio da vida de quem os recebe.
O primeiro d'estes dois pontos podia ser thema para largas dissertações, para volumes de considerações, em que haveriam de figurar os defeitos organicos da nossa sociedade, que tão escassos meios fornece ainda aos herdeiros da miseria para se libertarem das condemnações da herança. Não entraremos, porém, num campo onde só poderiamos ir reconhecer as impotencias dos legisladores, e apenas diremos, como observação geral, que os factos por nós verificados, não só justificam, senão que reclamam a intervenção do estado, intervenção severamente paternal, para cohibir os abusos, os verdadeiros crimes, com que o desamor e egoismo vicioso, a ignorância imprevidente da paes e tutores tantas vezes victimam as creanças. Especialmente em Lisboa, não é sempre, e talvez não seja na maioria dos casos, a miséria, a absoluta necesssidade, que conduz as creanças às fabricas, afastando-as da escola, fechando-lhes em apertado circulo os horisontes do futuro, estragando-lhes a saude, encurtando-lhes a vida; conduzem--nas os paes viciosos, ou preguiçosos, ou simplesmente avidos de tirarem proveito dos filhos, como de capitães que não querem ver empatados. Mais de uma vez ouvimos os pequenos operários, por nós interrogados ácerca da situação da sua familia, dizerem que os pães não queriam trabalhar, ou accusarem-nos ingenuamente dos desmandos e desregramentos em que roubavam o pão dos filhos. Nos ceatros fabris, o mandar as creanças para as fabricas logo que têem algum prestimo, torna-se um uso corrente, que é acceito sem a menor instigação de pobreza, porque tem a vantagem de dispensar os paes de pensarem na carreira que hão de dar aos filhos, e até porque os livra dos incommodos que causam as travessuras da infancia. Não se julgue que esta ultima rasão, por ser futil, contribua pouco para povoar os estabelecimentos fabris. É notorio que entro o povo muitos paes mandam os filhos á escola só para ficarem descansados em casa; ora a fabrica presta o mesmo serviço, acrescido com o provento da feria, e dos damnos que causa não cura a ignorancia. Filhos unicos de officiaes de oficio, que ganham em Lisboa salarios elevados, encontrámos nós a estiolarem-se em atmospheras insalubres, emparelhados com as machinas na continuidade e inintelligencia do trabalho; e ninguém dirá que os tivesse ali sacrificados a miseria da familia.
Não pretendemos, porém, negar que grande parte das creanças que trabalham não hajam sido condemnadas pela fome a anteciparem os deveres da virilidade. As fabricas são depositos e museus das miserias sociaes. O moralista que nos acompanhasse havia de notar com pavor quanto avultam nas suas populações os filhos illegitimos, abandonados pelos paes e lançados por elles a cargo de pobres mulheres, cujo trabalho mais rude escassamente produz para o seu proprio sustento. E a par d'estas victimas da desgraça, outras e outras muitas se encontram, cuja curta e lastimosa historia faz reflectir em quanto faltam ainda entre nós, em quanto seria obra philantropica o promover a fundação ou o desenvolvimento de instituições que amparassem da fome os pobres amargurados na sua pobreza pela doença e invalidez, que facilitassem aos operários assegurarem alguns subsidios às suas viuvas, que ajudassem as mães desprotegidas a poderem com os encargos materiaes da maternidade. E a fabrica, força é confessal-o, que tem de supprir a falta ou a deficiencia destas instituições, e então é como um asylo, e o trabalho que proporciona parece uma caridade. Mas é sempre uma caridade relativa, que oxalá se podesse dispensar; um beneficio que só deixa de ser uma desgraça quando comparada com outra mais pungitiva; e ainda quando o trabalho do menor tem o caracter de uma necessidade real, digamol-o tambéem, essa necessidade póde ser satisfeita em condições mais suaves do que o está sendo geralmente nos estabelecimentos industriaes do nosso paiz, onde é muitos vezes explorada com verdadeira crueza.
Creanças condemnadas ao trabalho prematuro pelo desamor dos paes ou pela miseria real, todas merecem e precisam, pois, de que a legislação as tutele e proteja, e as contemplações que se houvesse de ter pela necessidade de umas não deveriam aproveitar á especulação que sacrifica as outras. E, por outra parte, essas contemplações não podem exceder a linha alem da qual passariam a ser abandono, não podem permittir que se despendam saúde e vida, que se embruteça o espirito, que se paralysem as faculdades em troca de um salario minguado, ainda que esse salário represente o pão quotidiano. O pequeno operario não poderá viver com menos ; mas a industria poderá de certo pagar mais, ou pagar tanto por menor trabalho. E se não poder, ceda logar a outra mais justamente remuneradora.
O salario das creanças é, em regra, muito diminuto. Em Lisboa regula por 80 a 100 réis, raras vezes chega a 120 réis, e nas provincias ainda costuma ser mais escasso. Dêmos que esta taxa de salarios represente, o maximo que as industrias podem pagar, e confessemos que, em todo o caso, tem a especie de legitimidade que resulta do livre jogo das leis de procura e offerta, sendo para notar-se que no nosso caso a offerta é superior á procura, e ponto dos donos de fabrica considerarem favor e caridade a admissão de menores ; esta taxa de salarios, dizemos, ainda quando seja perfeitamente equitativa, nem por isso deixa de ser insuficiente para o custeio minimo da vida, mesmo de uma creança. De facto, a alimentação dos pequenos operarios é pouco reparadora e sadia, tanto mais que as nossas populações fabris ainda se não acostumaram e como que resistem a arranchar-se. Trabalham de mais e sustentam-se mal. Os seus ganhos, os seus sacrificios, nem sequer os collocam em condições regulares de existencia physica. Chegam-lhes apenas para os preservar da fome, e o beneficio que podem produzir na economia das familias a que elles pertencem deve ser quasi insensivel onde não haja a mais extremada penúria Falta totalmente a proporcionalidade entre o que perdem em robustez, em instrucção, em futuro, e o que lucram com o trabalho precoce. Algumas occupações ha, embora raras, que proporcionam aos menores que as exercem certo bem estar relativo, porventura certos commodos e regalos que são tal ou qual compensação dos sacrificios e prejuizos a que os sujeitam; os sotas da companhia carris de ferro de Lisboa, por exemplo, vencem honorários que muitos homens feitos invejarão e que o trabalho puramente material nem sempre alcança. A regra, porém, não é esta, e os serviços fabris que maior numero de creanças empregam, são retribuidos de forma que nem quasi deixam perceber a quem recebe as retribuições a vantagem de trabalhar.
E não se diga que os menores ganham tambem as habilitações que adquirem. Em regra geral não adquirem nenhuns. Empregam-se em serviços rudimentares que não desenvolvem nenhuma aptidão progressiva, e que quasi sempre só podem exercer em quanto lhes dura a infancia. Finda ella, já não servem para o que serviam e não aprenderam a servir para outra cousa. Saem então das fabricas, e vão procurar outras carreiras ; vão começar vida nova depois de já serem quasi veteranos da milicia do trabalho. Esta é, repetimos, a regra geral, comquanto tambem seja certo que, especialmente em determinadas industrias, das creanças admittidas para misteres faceis e mal pagos algumas vão, com o tempo, passando a exercer outros de mais estimação, e conseguem às vezes chegar aos mais elevados graus da hierarchia operaria. Mas cada um d'estes afortunados, que o foram quasi sempre por mercê de especial habilidade ou por encontrarem alguma protecção, viu passar pelo estabelecimento onde tem vivido os largos annos das suas promoções, milhares e milhares de creanças, que entraram e sairam, saindo tão pouco habilitadas para proverem á sua sustentação como tinham entrado, porém geralmente mais eivadas de enfermidades e mais desgostosas do trabalho, que só conheceram ingrato.
Não nos parece, pois, que as vantagens que os menores auferem do trabalho industrial sejam taes e tantas que o legislador haja de abster-se de regulamentar esse trabalho, por modo de que resulte da regulamentação o fecharem-se as fabricas e oficinas aos pequenos operários que as procuram. Esse resultado não é de esperar desde que a lei saiba conter a sua acção tutelar dentro dos limites do direito e da justiça; quando, porém, se verificasse, o prejuizo que soffreriam alguns necessitados seria, por certo, sob o ponto de vista social, compensado em grande parte pelo enorme beneficio de se evitarem muitos sacrificios inuteis e estereis.

Se as condições economicas dos menores empregados na industria são precarias, a sua cultura intellectual é inteiramente nulla. Pelo escasso salario que recebem, vendem estes infelizes, e vendem para toda a vida, a instrucção que o estado lhes offerece gratuitamente, e

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com ella a possibilidade de medrarem no campo das concorrencias sociaes. A fabrica, nos logares onde existe, é o mais terrivel immigo da escola. As creanças não só deixam de ir á escola para irem a fabrica, saem da escola para entrarem na fabrica, e desaprendem na fabrica o que na escola aprenderam. Com rarissimas excepções, toda a população infantil dos estabelecimentos industriaes é analphabeta. Alguns directores e gerentes desses estabelecimentos confessaram-nos que, precisando às vezes applicar a serviços elementares de escripta alguns dos seus pequenos operarios, nem um só encontravam, entre centenares, com habilitações para taes serviços. Isto observa-se tanto em Lisboa como nas provincias, e com singular uniformidade em toda a parte. Só uma variedade se encontra. Em certas localidades, em Santo Amaro, por exemplo, muitas e muitas crenças, talvez a maioria, frequentam a escola todos confessam, porém, que, ou não chegaram a aprender, porque passaram para a fabrica, ou que se esqueceram n'ella do pouco que sabiam. N'outros sitios e assim succede em Xabregas, é rara a que alguma vez foi leccionada. É claro que estes dois casos diversos correspondem á existencia ou não existencia, nas proximidades, de escolas publicas. E nós especialisâmol-os muito de proposito para fazer sentir que, infelizmente, até na nossa capital e nos seus suburbios mais contiguos, em locaes densamente populosos, ainda rareiam as casas de instrucção.
Quando, porém, ellas fossem mais numerosas e bem distribuidas, pouco aproveitariam às creanças destinadas ao trabalho industrial, emquanto elle existisse nas condições actuaes. O menor que lida, dez horas por dia, com pequenas interrupções preenchidas pelas comidas, não póde de certo ir á escola, não, póde sequer exercitar-se eu leitura ou escripta para aperfeiçoar ou conservar o que aprendeu.
Só tem a noite livre, e a noite é insufficiente para o descanso. Todavia, as aulas nocturnas estabelecidas nos centros fabris talvez dessem algum resultado; mas, infelizmente, são rarisssimas. E esta nossa esperança não é de todo infundada , resulta da observação. Nas fabricas, quasi todas de estamparia, situadas em Alcantara, quasi não ha uma creança que aprendesse ou aprenda a ler, a não ser algumas que, residindo do sitio dos Terremotos, frequentam uma escola nocturna que funcciona em campo de Ourique. Alegrou-nos e enterneceu-nos o como heroismo d'aquelles rapazinhos que, depois de um largo dia de canceiras e de terem percorrido enormes distancias, ainda tiravam tempo ao repouso para irem mortificar o espirito com o estudo! Mas estes casos são verdadeiras excepções. A regra é a ignorância e a indifferença pela instrucção, aggravadas pela escassez de e colas estabelecidas em condições de poderem de algum modo ser concorridas pelos operarios das fabricas.
E já que, temos em mãos este interessante assumpto, não será descabido registar aqui, para conhecimento dos poderes públicos, um abuso, uma ridicula costumeira, que encontrámos a constituir mais um estorvo á diffusão da instrucção primaria. Ha muitos professores officiaes que não admittem nas aulas creanças descalsas. Entendem estes descaridosos sacerdotes do ensino que devem excluir da sua communhão a pobreza, que não póde conformar-se no seu trajar cem o figurino que elles decretam; exigem aos seus alumnos uma especie de titulo de capacidade passado pelo sapateiro, e com esta exigencia absurdamente aristocratica afastam da escola precisamente os tristes que mais precisam preparar n'ella um futuro melhor do que o seu disvalido presente.
O exmo ministro das obras publicas, na portaria que nomeou esta commissão, encarregou-a tambem de examinar se nos estabelecimentos iudustrises existam quaesquer instituições destinadas a promover a educação moral e intellectual dos operarios menores. Somos forçados a dizer, com muita magua, que não tivemos noticia de nenhuma instituição d'essas em estabelecimento particular dos que visitamos ; apenas no arsenal do exercito existi uma escola com dois graus de ensino, para os aprendizes das diversas officinas da fabrica de armas e da fundição de canhões, escola que, no momento em que a visitámos, era frequentada por cerca de oitenta alumnos ; tem dado optimos fructos, e é um modelo muito para inculcar-se á industria particular, que da sua imitação tiraria incontestáveis proveitos. Na fabrica da companhia de fabrico de algodões de Xabregas, houve outr'ora uma especie de hospicio, onde, por accordo com a auctoridade administrativa do districto do Lisboa, se recolhiam os menores de ambos os sexos que a policia encontrava ao desamparo ou prendia por vagabundos; esses menores trabalhavam nas officinas, abonando-se-lhes salario, e recebiam instrucção elementar em aulas especiaes a cuja frequencia ficavam obrigados. A instituição era indubitavelmente benefica e moralisadora; teve, porém, curta existencia, porque lhe poz termo um incendio, antes que a administração do estabelecimento se cansasse da empreza pouco fructuosa de disciplinar rebeldias, de corrigir vicios inveterados, de acostumar ao trabalho e ao viver honesto caracteres formados pela liberdade ociosa e desregrada. Fechou-se, pois, o hospicio, e abortou uma generosa tentativa, que o estado ou o municipio talvez devessem ter feito sua, pois que são tutores natos das creanças abandonadas ao acaso da vadiagem e dos pequenos criminoso, e estuo mal dotados de instituições em que a sua tutela e exerça efficazmente.
Geralmente, os industriaes não mostram a menor solicitude, o minimo interesse pela instrucção eu moralisação das creanças que empregam, e não estabelecem com ellas outra ordem de relações que não sejam as de patrão o operario. Recebem um determinado serviço, pagam o salario ajuntado, e se dispensam o serviço ou não estão satisfeitos com elle despedem quem lh'o prestava. Por isso tambem, na grande maioria dos casos, não ha para as creanças castigos cspeciaes; o castigo é a reprehensão ou a despedida, a que todos os operarios estão sujeitos. De maus tratos, de correcções physicas, não achâmos vestigios.
O legislador que quizer providenciar para que as numerosas creanças destinadas desde tenra idade á labutação das industrias não fiquem privadas de toda a luz da instrucção, terá de recorrer ao expediente já vulgar em paises estrangeiros, e tambem recommendados por motivos de ordem physica: à diminuição das horas de trabalho. Devemos observar, porém, que ainda que o trabalho deixe tempo disponivel para a escola, esse tempo não poderá ser aproveitado se a escola se não facultar muito aos pequenos operarios. Por outra parte, se a lei exigir d'elles, como deve, para lhes permitir o trabalho, que adquiram ou tenham adquirido certa cultura intellectual, contrahirá, por esse facto a obrigação de lhes facilitar essa cultura para que a sua exigencia se não torne prohibitiva. Ora, no momento actual, o estado não está habilitado para se desempenhar d'essa obrigação, que só se deve considerar cumprida quando haja uma escola na vizinhança de cada fabrica importante ou de cada grupo de fabricas proximas, pois que é de todo o ponto impossivel forçar creanças a percorrerem grandes distancias para irem e voltarem da fabrica á aula, quando na maioria dos casos acrescerá ainda a essas distancias é trajecto da fabrica ao local da residencia.
Afigura-se-nos por isso que seria util imitar entre nós a lei hespanhola na parte em que ordena que cada estabelecimento fabril, que empregue certo numero de menores, tenha uma escola custeada pela sua administração. Poder-se-ia estatuir tambem que onde houve mais de uma fabrica comprehendida dentro de um circulo de 1 kilometro de diametro, essas fabricas sustentassem uma escola a expensas communs, quando o numero de menores empregados em todas ellas excedesse o minimo estabelecido pela lei. Estas escolas seriam organisadas em harmonia com os preceitos superiormente determinados, e ficariam sujeiras á fiscalisação permanente do estado. As creanças frequental-as-iam obrigatoriamente durante as horas e nos dias prescriptos pelos regulamentos. E tendo a instrucção e o trabalho dentro do mesmo edificio ou no mesmo local, economisariam tempo que aproveitaria tanto á escola como á fabrica, e forrar-se-iam a incommodos e distracções nocivas.
E será penosa para os estabelecimentos industreas a obrigação de manter e sustentar uma aula de primeiras letras? Esta obrigação só recairia inteira sobre aquelles que empregassem certo numero de creanças, que não deveria ser inferior a cincoenta; só recairia, portanto, sobre estabelecimentos importantes. Ora, qual será a industria desenvolvida, que de trabalho a numeroso pessoal, que não possa supportar, sem os sentir, o encargo annual do ordenado de um professor primário e o desembolso do capital correspondente ao custo da mobilia de uma aula? Talvez se objecte que o estado não tem direito de impor similhante; encargo, embora leve; de transferir para particulares o seu dever de ministrar gratuitamente a instucção primaria: esta objecção, porém, afigura-se-nos tão pouco fundada como a que se oppozesse, em nome da liberdade individual, aos preceitos legaes que exigem mis officinas asseio e outras condições hygienicas. Demais, a obrigação de sustentar a escola ficaria sendo simplesmente relativa a um acto voluntario, o de empregar na industria menores ainda não habilitados com cortes conhecimentos, que o estado julga indispensáveis a todos os cidadão. A industria a que convém o trabalho d'esses menores, e que pura o aproveitar os desvia das aulas publicas, torno possivel a conciliação da sua conveniencia com o preceito social. Parece-nos isto perfeitamente equitativo e igualmente respeitoso para com todos os direitos: o dos industriaes, que é admittirem nas suas fabricas e officinas os individuos cujos serviços lhes convém; o dos menores, que não serem privados da faculdade de trabalhar, limitada pela lei; o do estado, que consiste em exigir que todos os membros da sociedade recebam a cultura intellectual julgada necessaria para o desempenho dos seus deveres.
Somos, pois, de parecer que a commissão de que temos a honra de ser membros deverá recommendar ao excellentissimo ministro das obras publicas que promova a croeação de aulas nos estabelecimentos fabris de certa categoria. Se, porém, este alvitre parecer menos icceitavel a lei regulamentar do trabalho dos menores deverá ser acompanhada de uma serie de providencias governativas, destinadas a multiplicar as escolas publicas e a avizinhal-as dos centros fabris ou dos grandes etabelecimentos industriaes. Aliás, a obrigação de se instruirem imposta aos pequenos operarios tornar-se-lhe-ia inexequivel.
Não terminaremos esta exposição sem chamar a attenção de v. exa. para um assumpto que, embora não rigorosamente comprehendido nos limites da nossa missão official tem com ella intimas relações. O trabalho industrial não exerce influencia unicamente sobre as creanças que se lhes sujeitam aos rigores tambem pesa, sobre a existencia d'aquellas cujas mães as abandonam, na idade em que a natureza ainda as não despegou dos seios maternos, para irem lidar nas fabricas. Quem vê, como nas grandes fabricas de tabaco, officinas e officinas apinhadas de mulheres em idade nubil, pensa forçosamente, se tem coração, nos infantes que muitas d'aquellas mulheres deixaram e deixaram quem sabe onde? Porque se não estenderá a estes infelizes a providencia da lei?
Em uma fabrica de Lisboa, a da companhia de fabrico de algodão de Xabregas, a iniciativa generosa da direcção fundou uma cre-

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che para os filhos das operarias do estabelecimento. Proporcionou-nos esta creche o unico prazer do coração que nos suavisou a tarefa dolorosa de percorrer tantas e tantas officinas, que mais parecem enfermarias de rachitismo no pessoal, e enxovias de criminosos no material; foi o unico raio de sol que nos alegrou a vista! No fundo de um jardim assoalhado, uma casinha alegre, bem arejada, sadia, cheia de berços adornados pelo mais escrupuloso asseio; dormindo nos berços ou buliçando em torno d'elles, dezoito ou vinte creancinhas, de saudável aspecto, risonhas, contentes, vigiadas carinhosamente por duas boas mulheres, antigas operarias, escolhidas para esta santa missão pelo seu caracter a notável: é a creche. Este ninho de passarinhos está a dois passos da fabrica; as mães retemperam as energias da alma ouvindo por entre o estrepito ensurdecedor das machinas, os risos sonoros dos seus anjos, e se as creanças choram ou precisam alimentos, ellas largam o trabalho e vão levar-lhes o seu leite e as suas caricias. A pequenina créche é, pois, uma caridade verdadeiramente maternal para as creancinhas, um beneficio e uma economia para as operarias, que se dispensam de pagar a quem lhes tome conta dos filhos emquanto se ausentam: para os proprietarios da fabrica é um motivo de bençãos e de intimos regosijos, e todo este bem custa um sacrificio pecuniario que nem vale a pena mencionar-se. E dizemol-o sem deprimir o merecimento dos fundadores desta instituição; pequeno que seja esse sacrificio, só elles tiveram o pensamento, ou antes o sentimento de o acceitarem, o um generoso sentimento ennobrece mais a alma que o nutre, do que um punhado de oiro a mão que o dá.
Porque não haverá créches como esta em todas as fabricas, mórmente n'aquellas que como as de tabacos, têem de portas a dentro uma numerosa população feminina? Repetimos, a despeza é minima, o beneficio é enorme. Bem sabemos que algumas associações caridosas andam ahi lidando na empreza de multiplicar as creches, estabelecendo-as principalmente nos bairros operários. São utilissimas essas creches externas: mais uteis serão, porém, as que se fundarem dentro das fabricas, ao alcance das mães porque, dispensarão as creanças de recorrerem a seios estranhos e mercenarios. Sendo geralmente o trabalho fabril ajustado de empreitada, os industriaes nada perdem com o tempo que as operarias applicam á amamentação dos filhos, e lucram, por certo, em tel-as com o espirito socegado e o coração satisfeito. Não póde, pois, similhante providencia, quando ordenada por lei, ter considerada um vexame para as industrias; e já que a inspiração da iniciativa particular a não tem adoptado espontaneamente, imponha a o estado que raras vezes uma imposição sua poderá ser mais consoante a missão humanitaria era que se deve empenhar.
Créches, onde seja numerosa a população operaria feminina, escolas, onde trabalhem muitos menores é o menos que o interesse social e o sentimento humano podem pedir às industrias para os seus obreiros mais infelizes. E se estas instituições modestissimas parecerem intoleraveis encargos a quem só curar de lucros materiaes diminua-se nos salarios o que ellas possam custar; ainda que as creanças paguem a escola e as mães a créche, lucrarão em ter perto de si a instrucção ou os filhos.
Eis aqui rapida e deficientemente expostas as principaes considerações que nos suggeriu o exame perfunctorio, que nos foi licito fazer, das condições economicas, intellectuaes e moraes dos menores empregados na industria. São ellas, por certo, muito desproporcionadas com a importAncia, do assumpto e com o alcance dos nossos desejos; todavia, v. exa. ha de saber amplial-as e corrigil-as para que correspondam aos nobres intuitos do sr. ministro das obras publicas.
Deus guarde a v. exa. Lisboa, 31 de dezembro de 1880. - Illmo. e exmo. sr. relator geral da commissão de inquerito às condições de trabalho dos menores nas industrias - Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos = Antonio Ennes.

ANNEXO N.º 3
Illmo. e exmo. sr. - Percorrendo os cinco volumes do Inquerito industrial de 1881, e extrahindo das respostas dos industriaes o que estes disseram ácerca dos menores e aprendizes admittidos nas fabricas, apurou a repartição de estatistica os numeros constantes do mappa junto.
Não são estes numeros a exacta expressão da verdade, não só porque muitos industriaes não responderam aos quesitos, que sobre o assumpto lhes foram dirigidos, mas porque outros o fizeram deficientemente, incluindo os menores em o numero dos adultos, dando em globo o numero de mulheres e menores de ambos os sexos, e confundindo alguns o salario d'estes com o dos demais operarios.
Estes defeitos, que em parte derivaram da pouca atteção e algumas vezes da má vontade dos industries, tambem em parte resultaram do facto de se não terem cingido ao questionario algumas das sub-commissões districtaes encarregadas do inquerito às fabricas.
Ainda assim, e com os necessarios coefficientes de correcção, podem estes números servir de valioso subsidio ao escudo e solução de varias questões económicas; sobretudo, se juntamente com elles, forem tomados em consideração os esclarecimentos, dados pelos industriaes e as reclamações que alguns, aproveitando o ensejo, julgaram opportuno fazer.
Resulta d'essas declarações, e é por assim dizer nota predominante em todas ellas, que a industria nacional definha e se atrophia por falta de instrucção geral e especial, e ao póde desenvolver-se e prosperar melhorando-se as condições physicas do operario pela hygiene, e as condições intellectuaes pelo ensino. Nas fabricas de vidro, por exemplo, e sob o regimen actual, ou antes, com a actual falta de regimen, dificilmente podem os menores chegar a adultos com a necessaria robustez. "Creados n'estas condições, diz o chefe de um estabelecimento desta natureza, de mil haverá um que chegue, a adquirir a robustez precisa!"
Raro é o industrial que se não queixe da ignorancia dos operarios, filiando-a na falta de escolas profissionaes, e na de contratos de aprendizagem. Alguns com grande lucidez e elevado criterio attribuem uma grande parte dos males de que soffre a industria, não só a essas causas, mas á falta de uma lei reguladora do trabalho dos menores.
E até ha quem, na espectativa de uma proposta de lei neste sentido, recuse admittir menores e aprendizes nas suas officinas emquanto essa proposta não for convertida em lei. No relatorio da visita às fabricas do districto do Porto, fallando dos operarios das officinas de serralharia e ferraria de Gaia, diz a sub-commissão:
"Aturdidos pelo malhar da forja desde a primeira infancia, rotos, anemicos, immundos, essa gente é condemnada pela sorte á condição de parias. Fiscalisar o regimen do trabalho nestas e n'outras officinas legislando as condições de idade, de ensino, de hygiene, é um dever urgente."
Mais eloquentes, porém, e mais instructivas do que quaesquer considerações ou commentarios dos industriaes ou dos illustrados membros das commissões de inquerito, são os numeros, embora deficientes, que v. exa. encontrará no mappa junto. Por este mappa se vê, que o inquerito, em numeros categoricos, accusa apenas a existencia de 4:857 menores nas fabricas e officinas do paiz, pertencendo 3:155 às industrias de algodão e lanificioa, e os restantes 1:702 a todas as demais industrias. A exiguidade d'estes numeros é devida às causas que já apontei. Exemplificando temos a industria de lanificios da Covilhã, onde segundo o inquerito, não ha numero determinado de menores, por terem sido confundidos e englobados em o numero das mulheres.
Em numeros estimativos accusa o inquérito do Porto 4:666 menores existentes nas fabricas do districto, depois de deduzidos 1:426 já ineluidos em os numeros categoricos. Ainda em numeros estimativas accusa o mesmo inquerito a existencia de 2:000 menores empregados na pequena industria da cidade, e a de 6:000 empregados na pequena industria dos concelhos ruraes do districto. D'este modo o numero de menores empregados nas fabricas do districto do Porto é o seguinte:

Incluidos em o numero total dos menores empregados nas
fabricas de todo o paiz .... 1:426
Estimativa em relação às fabricas do districto do Porto .... 4:666
Idem em relação á pequena industria na cidade .... 2:000
Idem em relação á pequena industria dos concelhos ruraes 6:000
Total .... 14:092

A somma total dos numeros esmos, deduzindo aquelles .... 1:426
é de .... 12:666

Se admittirmos, que na pequena industria dos restantes districtos do reino, incluindo as omissões relativas á grande industria, ha um numero de menores igual a uma quinta parte dos que existem empregados nas industrias do districto do Porto; e, se acrescentarmos a este numero o dos menores já mencionados no Inquerito, poderemos, em numeros redondos, estimar em 70:000, o numero de menores empregados nas industrias de todo o paiz, isto é, em 8 por cento do numero total de menores de seis a quinze annos existentes em todo o reino.
O salario começa em 20 réis diarios, chega nas grandes fabricas a 200 réis, sobe em algumas officinas a 360 réis, e só n'uma a 600 réis. A idade de admissão começa aos 5 e 6 annos! Encontra-se este facto registado a pag. 77 do livro III do Inquerito. A aprendizagem nas poucas officinas onde existe, dura 5 e 8 annos. As horas de trabalho em geral são 10, em poucas fabricas 9 e em muitas 12, alem dos serões. Emquanto a inetrucção apenas se apurou das informações dos industriaes que a maior parte dos menores são analphabetos, e quanto aos meios de a adquirir verá v. exa. que se acha em branco a columna das escolas das fabricas, e que a das escolas externas apenas menciona 52 menores, que as frequentara.
A fabrica Lealdade do Porto é a unica que, de entre as horas uteis de trabalho, concede duas aos menores para frequentarem a escola.
Não se abriu no mappa a que me estou referindo uma columna para os menores que sabem ler, e outra para os que não sabem, porque os industriaes nas suas respostas ao quesito respectivo deram em globo o numero de operarios que sabem ler, e não distinguiram entre menores e adultos.
Taes hão em resumo os factos principaes, que se acham consignados nos cinco volumes do Inquerito industrial, com relação aos menores admittidos nas fabricas e officinas.
Repartição de estatistica, 30 de janeiro de 1883. = O chefe interino da repartição, João da Costa Terenas.

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Mappa demonstrativo do numero de menores salarios, idade de admissão, tempo de aprendizagem horas de trabalho, frequencia escolar nas fabricas e officinas

[Ver tabela na imagem]

ANNEXO N.º 4

Leis inglezas sobre a protecção dos menores e das mulheres na industria (factories acts)

22 de junho de 1802.-An act for the preservation of the health and morals of apprentices and others employed in cotton and woollen mills and cotten and woollen factories.- Limita o trabalho dos aprendizes, prohibindo, o nocturno desde as nove da noite até às seis da madrugada; o trabalho diario de mais de 12 horas. Em cada dia de trabalho haverá tempo sufficiente para a instrucção primaria cada a domingo uma hora pelo menos para as praticas religiosas.
1819. - Extensão cia protecção substituindo-se a palavra "aprendizes" pela "creanças" (children).
1825. - Redacção do dia do trabalho para os menores de idade inferior a 16 annos de 12 a 9 horas.
1831. - Prohibição do trabalho nocturno a todos os menores deidade inferior à 21 annos.
29 de aposto de 1833. - Restringe a 18 annos a prohibição para o trabalho nocturno. Generalisa a protecção a todas as manufacturas de tecido. Classifica os menores em duas categorias: children, creanças de 9 a 13 annos; young persons, de 13 a 18 annos: para a primeira o dia de trabalho é de 9 horas, exceptuando aos sabbados que é apenas de 3 horas; para a segunda de 12 horas, exceptuando aos sabbados que é apenas de 9 horas. O limite da idade para a admissão no trabalho industrial é fixado aos 9 annos. Aos menores de idade inferior a 13 annos é obrigatoria a frequencia á escala duas horas por dia. Organisa as inspecções especiaes.
10 de agosto de 1842. - Regulando o trabalho subterraneo e das minas para as mulheres e para as creanças.
6 de junho de 1844. - Remodelando e aperfeiçoando o serviço da inspecção; determinando varios preceitos para a segurança dos menores nas fabricas, taes como defesa das peças perigosas das machinas e varias medidas de hygiene. A idade de admissão é baixada a 8 annos, mas o dia de trabalho é tambem reduzido a 6 1/2 ou 7; trabalhando em dias alternados, o dia de trabalho póde de 10 horas. Aos sabbados o dia de trabalho deve terminar ás 4 1/2 horas da tarde. Iguala o trabalho das mulheres ao dos adolescentes. (young persons).
30 de junho de 1844, - Iguala as condições das mulheres e das creanças trabalhando nas typographias aos que trabalham nas manufacturas e sujeita á protecção legal.
30 do junho de 1847. Ten hours bill. - Sustentado brilhante e postinazmente por lord Shaftesbury. Dtermina que a partir de 1 de maio 1848 as mulheres e as creanças de idade inferior a 18 annos não poderão trabalhar senão 10 horas por dia ou 38 horas por semana. Esta lei teve poderosa influencia sobre o trabalho nas manufacturas em geral.
5 de agosto de 1850. - Modifica as horas do trabalho, que deve considerar-se nocturno, passando a ser das 6 horas da manha às 6 horas da tarde. O trabalho do sabbado termina às 2 1/2 da tarde.
20 de agosto de 1853. - Emendando a precedente n'um erro de redacção em virtude do qual as suas disposições eram applicaveis apenas aos adolescentes e não às creanças.
6 de agosto de 1860.- A protecção legal é estendida às mulheres e menores trabalhando nas tinturarias.
6 de agosto de 1861. - O mesmo para as fabricas das rendas.
11 de abril de 1862.- O mesmo para as officinas de branqueamento.
20 de junho de 1863. - O mesmo para as officinas de acabamento mechanico de pannos, etc.
31 de julho de 1863 -Prohibe aos menores de idade inferior a 18 annos que trabalhem nas padarias entre 9 horas da tarde e as 5 horas da manhã.
30 de junho de 1861 -Prohibe aos menores de idade inferior a 18 annos de trabalho nas chaminés.
25 de julho de 1865.- Entende a protecção legal ás mulheres e aos menores que trabalham no empacotamneto de pannos, cazimiras, etc.
25 de julho de 1865. Factories extension act.- Abrange na protecção legal a fundição de metaes, as fabricas de objectos metallicos, de cautchue, de papel, de vidro, de tabaco, ect. Determina que todos os estabelecimentos, qualquer que seja a sua industria, logo que n'uma ou mais officinas empreguem 5 operarios, fiquem sujeitos a inspecção e protecção legal.
21 de agosto de 1867. workshops regulation act.- Define officina (workshop) todos os estabelecimentos em que se empreguem menores de idade inferior a 18 annos e mulheres trabalhando por conta de patrão; estende áquelles a inspecção e a protecção legal.
9 de agosto de 1870. Factories and workshops act.- Permitte que em certas industrias e em circumstancias excepcionaes as mulheres possam trabalhar 14 horas por dia, durante certos mezes, logo que a excepção não exceda 96 dias por anno.
25 de maio de 1871. Factories and workshop jews act.- Permitte que nas industrias que empregam mulheres e menores judeus se possa trabalhar ao domingo, logo que n'esse dia se não venda; que os inspectors sejam admittidos como n'outro qualquer dia; que descanso do Domingo se transfira para o sabbado e a meia licença do sabbado para o domingo.
21 de agosto de 1871.- Passando para os inspectores a inspecção dos worshops, que a lei de 1867 deixará n'um regimen especial e transitorio.
30 de julho de 1874.- Melhora o regimen de trabalho em varios

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estabelecimentos, fixa em 10 annos o limito de admissão dos menores nos trabalhos industriaes e eleva a 14 annos, em vez de 13, o começo da adolescencia.
27 de maio de 1878. An act to consolidate and amend the Law relating to factories and workshops - Constitue a codificação e harmonisação de toda a legislação anterior.

Requerimento

Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que o sr. deputado conde da Praia da Victoria seja aggregado á commissão de inquerito ácerca da emigração. = O secretario da commissão, Barbosa Centeno.
Approvado.

REPRESENTAÇÕES

1.ª Do gremio dos empregados no commercio e industria de Coimbra, protestando contra uma asserção offensiva que dirigiu aos empregados no commercio a direcção commercial de Coimbra na representação que fez subir á camara dos senhores deputados em 20 de junho ultimo.
Foi apresentada pelo sr. presidente Bivar, e enviada á commissão de legislação criminal.

2.ª Da camara municipal do concelho de Trancoso, pedindo providencias que obstem á crise cerealifera.
Apresentada pelo sr. deputado Ribeiro Cabral, e enviada á commissão especial de inquerito sobre a crise agricola.

3.ª Da camara municipal do concelho de Sant'Anna, districto do Funchal, pedindo que se proceda a algum melhoramentos n'este concelho.
Apresentada pelo sr. deputado Sant'Anna e Vasconcellos, enviada às commissões de obras publicas e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Por parte da commissão do ultramar, requeiro que os documentos juntos que foram pedidos em tempo á secretaria do ultramar e que dizem respeito ao sargento ajudante da guarnição de Macau, Aurelio Xavier, sejam devolvidos á quarta repartição d'aquelle ministerio. =João Eduardo Scarnichia, deputado por Macau. Ordenou se que fossem remettidos.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei a algumas das anteriores sessões por motivo de serviço publico (exames na escola polytechnica).= Mariano de Carvalho.

2.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado barão do Ramalho não tem comparecido às sessões por motivo justificado. = Sousa e Silva.

3.ª Os srs. deputados J. Teixeira de Sampaio, F. Vieira das Neves, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, Manuel Bento da Rocha Peixoto e José Maria de Oliveira Peixoto têem faltado às sessões por motivo justificado, bem como o Br. deputado José Simões Dias. = O deputado, Santos Viegas.

4.ª Tenho a honra de participar a v. exa. e á camara que, por motivo justificado, não me fui possivel comparecer nas sessões de 2, 6, 7 e 9 do corrente mez. - O deputado, Antonio Maria Jalles.
Para a acta.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente á discussão e votação do projecto do lei que auctorisa a reforma dos serviços technicos do ministerio das obras publicas tel--o-ia rejeitado. = Fuschini.
Para a acta.

O sr. Pereira dos Santos : - Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto de lei do sr. Alfredo Barjona, auctorisando a camara municipal do concelho de Alcacer do Sal a desviar do respectivo fundo de viação a quantia de 4:000$000 réis, destinada á reconstrucção das cadeias comarcas.
Foi enviado á commissão de administração publica.
O Sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de marinha sobre o projecto do lei destinado a preencher, por parte do nosso paiz, a obrigação estabelecida na convenção internacional de 14 de março de 1884 para a protecção dos cabos telegraphicos submarinos.
A imprimir.
O sr. Fuschini: - Usando da minha iniciativa de deputado mando para a mesa um projecto de lei sobre o trabalho dos menores e das mulheres no industria.
O facto de o apresentar na ultima sessão indica me a necessidade de fazer á camara algumas considerações, que, se v. exa. m'o permitte, vou succintamente desenvolver.
Sr. presidente, não tenho a menor esperança, nem a mais leve confiança em que os nossos governos voltem a sua attenção para o estudo delicado e complexo das questões sociaes.
A menor parte dos homens que, entre nós, se sentam nas cadeiras ministeriaes parecem encarar a sua alta magistratura mais como sinecura deleitosa, em que as gloriolas de uma posição invejada lhes satisfazem as vaidades, do que como difficil cargo em que a responsabilidade moral se salva por um trabalho arduo e aturado.
Alem das questões politicas, que assim se chamam entre nós uns certos prelios rhetoricos, jogos floraes, como outr'ora lhes chamei, em que as combinações de palavras supprem a deficiencia das idéas que o estudo apenas produz ; alem das questões de administração, das quaes cada ministro em regra procura as mais apparatosas e as mais laceis para accentuar o que entre nós se chama iniciativa parlamentar; alem das propostas do creação ou remodelação de impostos, apresentadas á ultima hora, quando as exigencias do thesouro as torna instantes e quasi impossivel a sua discussão, o parlamento portuguez poucas vezes se occupa d'esses modestos projectos sociaes, que por vezes transformam o modo de ser de uma classe inteira da nação, e semeiam novas origens de ordem e de riqueza publica.
O assumpto, a que se refere o meu projecto de lei, póde servir de exemplo ao que acabo de affirmar.
Quando quasi todas as nações civilisadas se tinham já occupado do gravissimo problema da protecção dos menores, em Portugal nada se tinha feito, até que o ministra progressista Saraiva de Carvalho apresentou sobre esta questão a primeira proposta de lei, que a queda do ministerio inutilisou.
Depois o sr. Hintze Ribeiro lembrou-se de recomeçar esta nobre tentativa; outros trabalhos, porém, afastaram s. exa. d'este proposito.
O sr. deputado Santos Viegas renovou a iniciativa da proposta Saraiva de Carvalho, a que, por um momento, tambem o sr. Aguias, quando ministro das obras publicas, prestou attenção.
Apesar de tudo, estes esforços não conseguiram vencer a inercia das commissões parlamentaras, para as quaes, segundo parece, não tem valor algum a iniciativa particular dos deputados, uma das mais nobres regalias da representação nacional.
Mais ainda; no passado anno tive a honra de apresentar ao parlamento um projecto de lei para a construcção de

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casas economicas e salubres para habitação das classes pobres; logo no principio do corrente anno renovei a iniciativa d'este projecto, sem que até hoje conseguisse resultado algum.
Pois certamente ninguém dirá que este problema social não é importante, principalmente nos grandes centros de população, em que as classes pobres são naturalmente expulsas pelas ricas para os pontos menos salubres, e vivem agglomeradas em casebres, aonde as más condições hygienicas attingem o maximo limite.
Mais ainda; no corrente anno monarchicos e republicanos gladiavam-se n'esta casa, ácerca da eleição da Madeira; ouvindo uns, a maior fé monarchica animava aquella ilha, como outr'ora animou os heróes da Vandéa; escutando outros, por aquellas serranias em cada cabana dos villões discutiam-se as mais graves questões de direito publico, e a idéa republicana caminhava com a serenidade de uma discussão academica.
Emquanto a mim julguei apenas ver em tudo aquillo o resultado tristissimo de difficuldades economicas e de serias questões sociaes latentes, testemunhos valiosos haviam corroborado as minhas suspeitas; pois bem, julgando, como julgo ainda, que o parlamento ë o supremo regulador dos interesses publicos, pensando em que seria util para todos, para nos monarchicos e para vos republicanos, o conhecer o estado social d'aquella ilha, propuz um inquerito parlamentar.
Inutil proposta! Dorme na commissão respectiva sem que a minha voz, mais de uma vez levantada n'esta camara, consiga insuflar o zêlo ministerial, sem o qual as commissões são surdas-mudas; o que aliás me não admira, desde que os proprios combatentes encarniçados, monarchicos e republicanos, com excepção de um só, sob este ponto fizeram accordo de silencio e apenas a voz do sr. Sant'Anna e Vasconcellos, deputado pela Madeira, veiu cheia de hombridade e do isenção juntar-se á minha e pedir o inquérito parlamentar às condições sociaes madeirenses.
N'estes termos, sr. presidente, é perfeitamente differente que este projecto seja apresentado hoje ou que o fosse no começo da sessão. O resultado seria o mesmo.
Não se lucta facilmente contra a corrente, nem se combatem com vantagem os grandes e os poderosos, quando se entrincheiram n'um egoismo profundo; não ha talento, nem actividade que sejam capazes de vencer os interesses e de superar a inércia das classes illustradas, que dirigem as sociedades, quando se deixara penetrar pela indifferença e pelo egoismo.
Contra similhante desprezo, que envolve a maior responsabilidade e prepara quasi sempre ,as mais, terriveis reacções, tenho eu protestado e protesto ainda.
Emquanto tiver a honra de ser deputado da nação, apresentarei annualmente ao parlamento um projecto de lei sobre uma questão social; em vez de dissertações vagas e de affirmações theoricas, que o espirito da nossa epocha vão tornando inuteis, procurarei dar às minhas idéas uma fórma pratica e positiva.
Renovei este anno a iniciativa do projecto para edificações economicas, renovarei no futuro anno este e o do trabalho dos menores; a acção pertinaz de um membro obscuro da camara poderá talvez um dia superar a indifferença da opinião.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre a urgencia do projecto, que enviei para a mesa.
Aproveito a occasião de estar com a palavra, para mandar para a musa uma declaração de voto, visto que se estivesse presente na sessão de hontem, teria rejeitado o projecto de lei que auctorisa o inverno a reformar os serviços technicos do ministerio das obras publicas.
O sr. Presidente: - O illustre deputado, o sr. Fuschini requereu a urgencia do projecto que acaba de mandar para a mesa.
Consulto a camara.
Foi declarada a urgencia e o projecto teve logo segunda leitura, sendo admittido e enviado às commissões de commercio, artes, obras publicas e de fazenda.
Vae publicado na secção das segundas leituras.

O sr. Sousa Machado : - Mando para a mesa uma proposta a fim de ser nomeada uma commissão de inquerito, composta de 17 membros, para no intervallo da sessão se occupar de assumptos que interessem às provincias ultramarinas, junto á secretaria do ministerio da marinha.
Rogo a v. exa. se digne consultar a camara sobre a urgencia desta proposta.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja nomeada uma commissão de inquerito parlamentar, composta de vinte membros, para, no intervallo da sessão, se occupar, junto do respectivo ministerio, de assumptos que interessam às nossas provincias ultramarinas, e apresentar ao parlamento o resultado de seus trabalhos.
Sala das sessões, 11 de julho de 1885. = O deputado, Sousa Machado.
Declarada a urgencia foi a proposta admiitida e approvada.

O sr. Jayme da Costa Pinto: - Por occasião da discussão da lei de meios tive a honra de mandar para a mesa uma proposta, para ser gratificado com 400$000 réis annuaes o director do lazareto de Lisboa.
Essa proposta foi remettida á commissão de fazenda para que se dignasse dar o seu parecer, mas infelizmente chegámos ao fim da sessão e esse parecer não se apresentou, sem duvida porque á commissão faltou o tempo para se occupar d'este assumpto.
Por isso eu peço agora para que essa minha proposta seja enviada ao governo.
O director do lazareto, como v. exa. sabe, tem grande responsabilidade, e é forçado a fazer importantes despezas, e todavia o seu ordenado é igual ao dos outros facultativos.
O anno passado entraram no lazareto 16:000 quarentenarios e este anno Deus sabe quantos entrarão.
Basta esta indicação para se avaliar a grande responsabilidade d'aquelle funccionario.
Parece-me portanto de toda a justiça que seja attendida a proposta a que me refiro e que peço seja remettida ao governo.
N'este sentido mando para a mesa um requerimento.
Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que a proposta que apresentei por occasião da discussão da lei do meios, para que ao director do lazareto de Lisboa se conceda a gratificação de 400$000 réis, e que foi remettida á commissão de fazenda, seja enviada ao governo para a tomar na consideração que merecer. = O deputado, Costa Pinto.
Foi approvado.
O sr. Ribeiro Cabral: -Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Trancoso, a proposito da crise agricola, que presentemente assoberba o paiz.
Se hoje não fosse o ultimo dia de sessão, e eu me permittisse o direito de cansar a camara, havia de acompanhar a apresentação d'este documento com largas reflexões.
Assim, limitarei o mais que poder o muito que tinha a dizer.
Apoz sete mezes de sessão e de tantas representações analogas a esta que ao parlamento subiram, é, sr. presidente, lastimavel, que uma classe tão respeitavel e a mais numerosa do paiz não encontrasse junto do governo a diferencia e protecção a que tem jus.

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Esta representação é, sr. presidente; mais um brado que se vae juntar aos muitos que de todos os pontos do paiz se levantaram, accusando a situação precaria em que se encontra a nossa unica e verdadeira industria, a agricultura, e principalmente a cerealifera.
Esta crise accentua-se mais fundamente e com mais negras cores no concelho de Trancoso, e de um modo geral em toda a região norte da Beira Baixa e parte de Tras os Montes.
Isto por causa das condições geologicas, climatericas e chorographicas d'aquella parte do paiz.
As primeiras impedem que haja outra cultura que não seja centeio, que é já uma cultura pobre.
As segundas não permittem outro trabalho que não seja o braçal, pois nem mesmo admittem o recurso do trabalho animal, peio empinado das encostas crespas de serranias.
E, sr. presidente, realmente causa do ver aquella pobre e laboriosissima população mourejar todo o dia avergada á enxada para aproveitar as estreitas leiras de terra, que entre os pedregaes demoram.
Graças a este trabalho porfioso e insano conseguiu aquella pobre gente uma producção superior ao seu usual consumo.
Não estou phantasiando, e os srs. deputados conhecedores d'aquellas localidades podem dar testemunho da verdade da minha exposição.
Por uma natural lei economica a producção em excesso era levada aos mercados limitrophes. D'estes, o principal, se não o unico, era o Douro.
Mas o Douro, sr. presidente, outr'ora risonho e alegre, transbordando de vida, qual colmeia de afanosos operarios, parece-se hoje com uma vasta necropole silenciosa, onde apenas avultam videiras, das quaes umas denunciam a doença, que as corroe na côr esmaecida das folhas, e outras levantam ao céu os braços descorados, como de cadaveres.
E como se isto não bastará, é o mal ainda aggravado singularmente com a colossal avalanche de cereaes com que a America nos invade.
Esta invasão crescendo em maré immensa chega ao Tejo, e alastrando-se d'ali por todo o paiz, a favor das vias acceleradas, que, felizmente, hoje sulcam o paiz, illaqueia esta em rede apertadissima, a que nem conseguem escapar-se as aldeias mais sertanejas e os logarejos mais distantes.
E por uma fatalidade de todo o ponto extraordinaria o caminho de ferro, que devia abrir aos povos da Beira uma via de prosperidade, concorreu para mais lhe afreimar a sua já difficil situação economico-agricola, falseando-se assim n'aquelle rincão portuguez aquella lei economica que se enuncia - a producção está em rasão geometrica da rapidez da circulação.
Não se diga que á America está a breve trecho do termo das suas producções gigantescas pela falta de terrenos para a cultura extensiva, que é a causa explicativa d'aquella maravilhosa fertilidade.
Não o está; e que estivesse: a India, cuja producção em dez annos subiu de 660:000 quintaes a 7.170:000, e dentro em pouco os virgens terrenos do norte da America do sul, cortado o isthmo do Panamá, virão tornar ainda afflictivas as condições precarias e lastimaveis da nossa cultura cerealifera.
N'esta conjunctura apertada, ao governo competia tomar uma attitude activa, que tendesse a minorar, senão a terminar com este estado gravoso, e não acobertar-se com a egide da commissão, para nada fazer, para cruzar os braços.
Eu votei, sr. presidente, a favor da nomeação da commissão, mas se podesse suspeitar de que o governo a invocaria mais tarde como pretexto para a sua passividade, declarar que outro teria sido o meu voto.
Não incrimino a commissão, pois sei que, seja qual for a sua vontade e energia, não póde trazer a lume o resultado dos seus estudos senão muito tardiamente, visto que não ha estatisticas organisadas sobre os assumptos de que tem de occupar-se, visto que tudo tem de crear.
O governo, porém, podia antecipar-se às conclusões d'aquella, tomando transitoriamente as medidas que julgasse mais opportunas para occorrer às justas reclamações da agricultura.
Se ao apresentar a commissão o seu relatorio, as suas medidas fossem havidas por melhores, adoptar-se-iam; se não, lograssem esse exito, continuariam a vigorar as propostas, pelo governo.
Creio que n'isto não havia desaire para ninguem, e que o alvitre tem a vantagem de ser pratico.
Era um procedimento analogo ao que o governo acaba de ter para com a questão do sal, a proposito da qual acaba de apresentar um projecto de lei, reduzindo-lhe a taxa do imposto, sem esperar pelo resultado dos trabalhos da commissão, a cargo da qual está commettido o estudo do problema.
Algumas representações de varios municipios, pedindo providencias sobre a crise agricola, que n'esta camara foram apresentadas, terminavam por pedir ao governo que augmentasse os direitos de importação sobre os trigos estrangeiros, e as classes farinadoras apodaram por isso estas representações de serem escriptas com o animo determinado e exclusivo de lhes serem hostis.
N'esta que eu apresento ninguém poderá vislumbrar qualquer sentimento de hostilidade, visto que a camara municipal de Trancoso, em nome dos seus municipes, não aponta ao governo qual o meio que, em sua opinião, d'ella melhor obviaria e guaresceria os males de que enferma a nossa agricultura; limita-se a formular uma queixa e nada mais.
Se, porém, o governo julgar que o augmento dos direitos sobre a importação cerealifera é o melhor meio de nas actuaes circumstancias, proteger a nossa agricultura, eu desde já declaro que o acompanharei, com o maior empenho, n'este caminho.
Isto sem me preocupar com os epithetos de advogado da fome ou da miseria, com que os sectarios do collecti auctoritario ou do socialismo romantico me possam acoimar.
Não me commovem esses apodos, sr. presidente, porque, educado na escola do livre cambio, tambem sou livre cambista, mas sem perder de vista as condições e o estado do meu paiz.
Em qualquer doutrina economica os extremos são sem pré prejudiciaes; e aquelles que querem applicar ao nosso paiz os principios extremos do livre cambio, em muito se assimilham com os que, fascinados com as deslumbrantes opulencias de uma flor dos tropicos, a quizessem transplantar a este porto da Europa, sem primeiro inquirirem das condições de temperatura, de humidade do clima.
De resto, nação nenhuma, nem mesmo aquellas que se honrara com serem patria dos mais considerados livre cambistas, praticam o livre cambio em todo o seu rigor.
Assim, a Inglaterra, quando a importação do gado estrangeiro a incommoda, não augmenta os direitos pautaes, mas faz melhor, decreta a febre aphtosa ou a peste bovina para as nações, cuja concorrencia quer combater.
Eis, sr. presidente, a rasão porque mo não incommoda a classificação de proteccionista.
Alem d'isto os exemplos da França, elevando a mais 540 réis os seus actuaes direitos sobre a importação cerealifera, e da Allemanha elevando os igualmente de mais 670 réis, são bom argumento para eu abonar o meu modo de ver e para aquietar as susceptibilidades dos nossos livre cambistas ou collectivistas.
A Italia não elevou os seus direitos sobre cereaes, mas espectaculo que n'aquelle bello paiz de fertil solo e risonho céu nos offerecem as classes operarias agricolas, de-

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Batendo-se com a miseria e com a sua companheira -a pellagra, não é de molde a instigar-nos a que a imitemos.
Que valo aquella população ter o pão mais barato, se no campo não tem trabalho que lhe permitta, pela sua remuneração, poder comprar aquelle pão, embora mais barato?
Na região norte da Beira, Baixa, se a situação dos agricultores não for melhorada por sabias medidas, tomadas desde já, ha de chegar-se a um resultado analogo ao da Italia, porque os grandes e pequenos proprietarios, não tendo quem lhes compre os generos, não podem arrotear as suas propriedades, não podem proceder a obras nos seus predios e, portanto, ha de faltar o trabalho aos jornaleiros, que assim não poderão adquirir a sua alimentação nem a das suas familias.
Uns e outros padecerão, proprietarios e jornaleiros, e não sei mesmo se a vida dos primeiros será mais attribulada, collocados entre as exacções do fisco e o amontoa mento dos cereaes nos celleiros sem compradores.
De um lado o exactor da fazenda publica e do outro a falta de numerario resultante da paralysia das vendas, hão de collocar os proprietarios na, situação atagantada de dizer áquelle : "aqui tendes os generos, pagae-vos com elles, visto não termos podido vendel-os", como muito bem refere a representação que vou enviar para a mesa.
É preciso não perder a lição que da historia, resulta e eu lembrarei á camara o que se passou em Inglaterra em 1842, sendo ministro sir Robert Peel.
Para conseguir uma opposição menos energica da parte de Cobdenwigh, Robert Peel lembrou-se de reduzir os direitos de varios generos de primeira necessidade, entre elles os cereaes.
A Irlanda, cujos agricultores estavam ir uma situação precaria, mesmo com os direitos cerealiferos então existentes, respondeu áquelle procedimento do ministro com um movimento agrario muito irritante e em resultado do qual venderam as suas pequenas propriedades 400:000 proprietarios, que em seguida emigraram.
Urge, pois, attender aos justos pedidos das classes agricolas, porque ellas são a base de todas as prosperidades do paiz.
Não me alongo em maiores considerações, para ser fiel ao meu proposito de não enfadar a camara e aqui lhe ponho fecho.
Antes, porém, e porque a representação vem nos melhores termos, peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação e teve o destino indicado a pag. 3096 d'este Diario.
O sr. Francisco Beirão: -Pergunto a v. exa. seja foi expedido o requerimento que tive a honra de mandar para a mesa ante hontem, pedindo a nota da divida fluctuante até á data do mesmo requerimento e se já veiu resposta a elle ou se não veiu qual o motivo porque pelo ministerio da fazenda não foi satisfeita essa requisição.
O sr. Presidente: - A nota devia ter-se expedido.
Vae verificar-se.
O sr. Secretario: - Foi expedida hontem e não veiu resposta.
O Orador:-Noto mais este facto para ficar consignado nos annaes parlamentares.
Vê-se pela resposta que v. exa. se dignou dar-me que o ministerio da fazenda não tomou as providencias necessarias para que a camara tivesse conhecimento do estado actual da divida fluctuante.
Abstendo-me de fazer considerações, limito-me a registar nos annaes parlamentares que o meu pedido não foi, como cumpria, attendido. Nada mais.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro):-Eu não tive conhecimento do pedido do illustre deputado; em primeiro logar, porque não estava na camara quando s. exa. o fez; e em segundo logar porque ainda hoje estive na secretaria e não me deram ali noticia da existencia de tal pedido.
Deseja o illustre deputado saber qual o estado da divida fluctuante em fins de julho...
O sr. Veiga Beirão:- Na data do meu requerimento.
Peço a v. exa., sr. presidente, que tenha a bondade de mandar ler o meu requerimento.
O sr. Presidente: -Está na secretaria.
O sr. Veiga Beirão : - Comprehende o estado da divida fluctuante até ante hontem.
O Orador:-V. exa. sabe perfeitamente que a publicação do balancete, é feita todos os mezes para conhecimento de quem o quizer ler; não é feita dia a dia, nem isso podia ser, porque é necessario esperar pelos esclarecimentos
da agencia de Londres. No entanto, como eu não receio dar a maior publicidade aos actos do meu ministerio, mas tambem não posso attender desde já ao desejo do illustre deputado, porque é hoje o ultimo dia de sessão, se s. exa. quizer, publicar-se-ha no Diario do governo, tão depressa

eja possivel, uma nota do estado da divida fluctuante até á data que o illustre deputado indica. A isso posso eu comprometter-me.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente:-Vou dar a palavra ao sr. Barros Gomes que a pediu sobre este incidente; mas como temos de passar á ordem do dia, pedia a s. exa. que não se demorasse nas considerações que tem a fazer.
O sr. Barros Gomes:-Cumprirei á risca as observações de v. exa.
Nada tenho com este incidente levantado pelo meu amigo o sr. Beirão, mas não podia deixar de pedir a palavra quando ouvi o sr. ministro da fazenda declarar que não se pude dizer de prompto qual o estado da divida fluctuante num certo e determinado dia.
Na parte que diz respeito á divida fluctuante interna, em consta da escripturação do ministerio da fazenda e se esta não está no cahos (como eu creio que não está) em quaes encontra conforme aqui se tem affirmado pelas pessoas para isso mais auctorisadas, a do ministerio da marinha, em poucas horas se póde saber.
Pelo que respeita á divida externa, não se poderá mandar por telegramma saber qual a situação da divida fluctuante em Londres? Poucas horas são precisas portanto para que, pelo ministerio da fazenda, se possa saber qual o estado da divida fluctuante, informando disso o parlamento.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Eu pensava que o illustre deputado que já foi ministro da fazenda, vinha dar-me alguma novidade sobre o assumpto; mas, infelizmente, s. exa. limitou-se a dizer que para se colligirem informações sobre, a situação da divida fluctuante interna, poucas horas bastavam.
Perfeitamente de accordo. Não ha duvida de que poucas horas bastam para se conhecer qual é a importancia da divida fluctuante, interna. Mas o que disse eu? Disse que como a divida fluctuante não comprehende só a divida interna, mas tambem a externa, eu, para satisfazer o pedido do sr. Beirão, precisava primeiro pedir informações á agencia financial em Londres. E desde que não assisti á sessão de hontem, desde que na minha secretaria ainda não tinha dado entrada hoje, quando lá estive, o requerimento de s. exa., é claro que não podia de modo algum satisfazer esse pedido.
Repito, porém, o que já declarei, logo que possa, mandarei publicar no Diario do governo, extraordinariamente, o estado da divida fluctuante referido ao dia que s. exa. indicou.
Creio que estamos todos de accordo n'isto; e ninguém póde, com rasão, censurar o ministro da fazenda por não mandar para a camara uns documentos que a mesa é a primeira a declarar que só hontem, já tarde, foram pedidos.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)

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O sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra para accentuar, que nem da minha parte, houve precipitação em notar, hoje, a falta de satisfação ao meu requerimento, porque ha quarenta e oito horas, que fiz com urgencia o meu pedido, nem da parte da mesa, houve a minima falta, porque acaba de dizer que se expediu, em tempo, esse requerimento, mas que effectivamente, houve falta da parte de alguém, porque tendo a nota sido expedida hontem, devia ter hontem mesmo chegado ao ministerio da fazenda, e havia, portanto, tempo, para ella ser satisfeita ainda hoje.
Desejo mais que fique registrada a promessa do sr. ministro. Pela minha parte espero, que nos primeiros dias da proxima semana, s. exa. a cumprirá, mandando fazer a publicação da nota da divida fluctuante, á data do meu requerimento no Diario do governo.
O sr. Scarnichia : - Pedi a palavra para mandar para a mesa, por parte da commissão do ultramar um requerimento acompanhando uns documentos pertencentes ao sargento ajudante, da guarnição de Macau, Aurelio Xavier, para que sejam remettidos ao ministerio da marinha e ultramar.
Mandaram-se remetter.
O requerimento vae publicado na secção competente.
O sr. Cypriano Jardim: - Sr. presidente, pedi a palavra a v. exa. para propor que se lance na acta um voto de sentimento, pela morte do digno par do reino, visconde de Sagres, general de divisão, e commandante da primeira divisão militar.
Como v. exa. acabou de dizer que a hora está adiantada e tem de se passar á ordem dia, eu não me alongarei em fazer o panegyrico d'aquelle valente official. Só desejo que fique bem consignado o cumprimento do meu deves, como deputado e como o mais humilde official do exercito portuguez, propondo este voto de sentimento pela perda de um homem, a quem tenho por maior ambição poder imitar, durante a minha vida, nas suas boas e grandes qualidades como cidadão e como militar. (Apoiados.)
Por ultimo peco a v. exa. se digne communicar á familia do fallecido a resolução da camara, que de certo não será contraria á minha proposta.
Assim se resolveu.
O sr. Frederico Laranjo: - Pedi a palavra para me dirigir ao sr. ministro da fazenda, sobre uns assumptos do concelho de Portalegre.
Ha muito que o periodico d'aquella cidade, o Districto de Portalegre, tem reclamado contra o modo por que foram organisadas na sua ultima e recente reforma as matrizes prediaes d'aquelle concelho, e ha poucos dias foram-me enviados documentos que demonstram que com effeito essa reforma é muito defeituosa, e está sendo um gravame injustissimo para muitos proprietarios.
Vou mandar esses documentos ao sr. ministro da fazenda esperando que s. exa. adopte as providencias necessarias para que os erros se corrijam, e as injustiças se reparem.
Os documentos de que eu fallo são quatro. Um, que classifico de primeiro, mostra os preços médios na occasião das colheitas dos differentes generos da producção, agricola, correspondentes aos annos de 1879, 1880 e 1881, conforme os registos camararios.
O segundo contém parte de uma acta da sessão de 11 de maio de 1883 da junta fiscal das matrizes, na qual a mesma junta, entre outras irregularidades das matrizes, declara que os preços dos generos não foram calculados como deviam ser, e que os que foram calculados differem dos que seriam conformes com a realidade e com a lei, de modo que affectavam os calculos, para o rendimento collectavel dos predios nas novas matrizes.
O terceiro contém parte da acta em que a junta fiscal resolveu dar por findo o exame das matrizes. A junta reconhece que ha nas novas matrizes illegalidades; acceita-as porém, não as repara, porque lhe parece que as differenças não são muito sensiveis; porque julga que se podem supprir por meio das reclamações e da successiva e aunual revisão; porque o trabalho da revisão seria grande; e porque o erro fora devido á camara, que calculara mal os preços, e não directamente á junta fiscal.
O quarto documento mostra, relativamente a diversos generos, os preços medios que estão produzindo effeitos nas matrizes relativamente a diversos generos. Esses preços são na maior parte excessivos; assim o azeite, cujo decalitro se vende actualmente no concelho a 900 réis e a 1$000 réis, foi calculado a 1$835 réis. A contribuição recáe pois sobre o dobro ou mais do preço do genero.
Deixo apontados estes factos, espero que o sr. ministro da fazenda os tenha em vista, e mande reparar pelos meios que tem ao seu alcance as anomalias que elles revelam, para que os contribuintes não paguem o dobro do que devem.
O Alemtejo foi a parte do paiz por onde se começou a reforma das matrizes não levantou resistencia às reformas dos serviços tributarios, não tem o egoismo e os insoffrimentos de que n'outras partes se tem dado prova sempre que se tem querido reformar as matrizes, mas merece por isso mesmo que se lhe não considerem como boas e dignas de elogio umas matrizes em que ha productos calculados pelo dobro do que valem.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): -Pedi a palavra simplesmente para dizer ao illustre deputado, que providenciarei quanto em mim couber para remediar o mal a que s. exa. se referiu.
O sr. Mattoso Corte Real: - Sr. presidente, ha tempo chamei a attenção do sr. ministro da fazenda para o modo irregular como se está procedendo á cobrança do imposto do real de agua no concelho de Coimbra.
Os empregados da fiscalisação apprehendem ali tudo quanto encontram no transita, sem tratarem de indagar se o imposto está ou não pago.
Ha tempo deu-se até o caso de apprehenderem uma porção de vinho que tinha sido enviado de presente ao sr. dr. Assis Teixeira, lente da cadeira de finanças na universidade.
Eu chamei então a attenção do sr. ministro da fazenda sobre o assumpto, e s. exa. prometteu-me providenciar. Quero crer que o fez, mas o facto é que, ou as providencias se demoraram, ou não foram dadas por forma, que fossem cumpridas pelos empregados.
E dá-se até a circumstancia de que, desde que constou o pedido que eu aqui fiz ao sr. ministro da fazenda, então é que elles desenvolveram um furor extraordinario.
E contra quem dirigiram os seus ataques?
Contra o sr. Assis Teixeira!
Quizeram assim provar que sabiam dar uma lição ao sr. Teixeira, a quem imputavam a culpa das declamações que eu aqui fiz.
É certo que elles apprehenderam uma porção de vinho; e tendo se apresentado o sr. Assis, no dia da apprehensão, ao chefe do posto fiscal declarando que queria protestar, combinou com esse empregado a hora a que iria no dia seguinte assignar o auto.
Effectivamente á hora aprasada apresentou-se o sr. Teixeira no posto fiscal, mas não encontrou o chefe. Demorou-se ali mais de uma hora, e como elle não apparecesse, dirigiu-se então a um empregado subalterno, por entender que, passado aquelle dia, já não se poderia fazer o auto, que queria assignar.
Mas qual não foi o seu espanto, quando o empregado lhe declarou que elle não podia protestar, porque o imposto estava pago!
O sr. Assis perguntou-lhe quem é que tinha pago; e o empregado declara-lhe então que não sabia, e que tendo ido, por acaso, á repartição, o escrivão lhe dera um papel, dizendo que já estava pago o imposto!

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SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1885 3101

E aqui está como os empregados fiscaes n'aquelle districto entendem que devem cumprir as suas obrigações.
Sr. presidente, tudo quanto não for generos destinados á venda para consumo, não está sujeito ao imposto.
Sei que não posso n'esta occasião tratar largamente deste assumpto, porque a camara tem de occupar-se de questão mais grave; mas não posso deixar de chamar a attenção do sr. ministro da fazenda sobre a questão dos cereaes, e pedir que, no intervallo da sessão parlamentar, o governo confeccione e traga ao parlamento na proxima sessão legislativa, uma lei pela qual se attenuem as difficuldades com que estão luctando os lavradores.
E nada mais direi.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - São tantas as hypotheses que se podem dar e tão variados os expedientes que se empregam na cobrança e fiscalisação do real de agua, que não admira que uma ou outra vez se commettam erros e exageros por parte dos empregados encarregados d'este serviço.
Não apreciarei agora o que disse o illustre deputado quanto a não dever incidir o imposto sobre os generos ou mercadorias para consumo do lavrador; nem apontarei alguma das diversas fraudes que se têem dado para illudir a fiscalisação; digo apenas a s. exa., com respeito ao caso occorrido com o sr. dr. Assis Teixeira, que é possivel ter havido abuso da parto dos empregados da fiscalisação mas é possivel tambem que tenham cumprido o seu dever.
Se reconhecer que houve abuso, não serei eu que poupe á censura os empregados que o praticaram; mas, se elles tiverem andado bem, do mesmo modo não me pouparei em elogial-os.
O que posso dizer ao illustre deputado é que, a par d'este caso; muitos outros se têem dado, e podem dar, em que os empregados fiscaes muitas vezes se vêem em difficuldades para cumprirem os deveres que a lei lhes impõe.
É permanente a lucta entre a fiscalisação e os contribuintes que querem escapar no pagamento da contribuição.
As minhas ordens, no tocante á cobrança e fiscalisação do imposto do real de agua, são sempre no sentido de se cumprirem os preceitos legaes; mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de recommendar que destrincem bem as diversas hypotheses para que á sombra de um principio justo, não escapem ao fisco as mercadorias que são fraudulentemente introduzidas com o fim de não pagarem direitos.
(S. ex. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Sousa e Silva:- Mando para a mesa um parecer da commissão de obras publicas, e como é de simples expediente, peço a v. exa. queira consultar a camara se permitte que, dispensando-se o regimento, entre elle desde já em discussão.
O sr. Presidente : - Eu consulto a camara, mas, se elle soffrer discussão, passa-se á ordem do dia.
Leu-se na mesa o seguinte

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de obras publicas foi presente um requerimento dos architectos do quadro do ministerio das obras publicas, em que pedem que lhes sejam regulados os ordenados.
A vossa commissão, attendendo a que pela camara dos senhores deputados já foi approvado o projecto de lei auctorisando o governo a organisar o pessoal technico do ministerio das obras publicas, é de parecer que o requerimento seja enviado ao governo.
Sala das sessões da commissão de obras publicas, 11 de julho de l885.- Sanches de Castro = A. Fuschini = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Antonio José d'Avila = Augusto Poppe = José de Azevedo Castello Branco = Alfredo Barjona = Sousa e Silva. = Tem voto do sr. Avellar Machado.
Approvado e enviado ao governo.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente:- Vae ler-se o projecto n.° 186, que estava dado para ordem do dia.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 186

Senhores. - A vossa commissão de reformas politicas examinou, com a devida attenção, o projecto de lei vindo da camara dos dignos pares, e destinado a ampliar as categorias 19.ª e 20.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, applicaveis á nomeação e eleição de pares do reino; e tendo em consideração as rasões expostas no respectivo parecer da commissão d'aquella camara, entende que deve ser approvado o seguinte
Artigo 1.° A importancia do rendimento e a da contribuição industrial ou bancaria, fixados como condições de categoria nas categorias 19.ª e 20.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, ficam respectivamente reduzidos de 8:000$000 réis a 4:000$000 réis e de 1:400$000 réis a 700$000 réis.
Ari. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, 10 de julho de 1885.= João Ribeiro da Santos = Lopo Vaz de Sampaio e Mello= João Arroyo = Luiz de Lencastre - A. M. da Cunha Bellem = Antonio M P. Carrilho = Antonio José d'Avila = Rodrigo Affonso Pequito = Manuel d'Assumpção.= Marçal Pacheco = Julio de Vilhena = Antonio Maria Jalles = B. Machado = Moraes Carvalho, relator.

Parecer n.° 119

Senhores. - Examinou a vossa commissão o projecto de lei n.° 122, de que tomou a iniciativa o digno par o sr. Henrique de Macedo, destinado a fixar como condições de categoria nas categorias 19.ª e 20.ª o artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878 a importancia de 4:000$000 réis de rendimento, e a importancia de 700$000 réis de contribuição industrial ou bancaria.
Na citada lei eram respectivamente de 8:000$000 réis e de 1:400$000 réis as importancias fixadas para uma das categorias das pessoas que podiam ser elevadas ao pariato.
A mediocridade das fortunas particulares no nosso paiz tornaram estas condições de tal forma difficeis de realisar, que não seria facil encontrar individuos que podessem preenchel-as alem dos poucos que em condições similhantes já fazem parte da camara dos pares.
Em metade da somma agora proposta era fixada pela constituição de 1838 a importancia do rendimento para elegibilidade de senador.

arece, pois, á vossa commissão, que desta forma, agora proposta, a categoria dos elegiveis para pares do reino com o fundamento da propriedade fica mais em harmonia com a extincção das outras categorias, cujo fundamento são as habilitações litterarias e o serviço nos cargos publicos.
Por estas rasões é a vossa commissão de parecer, que o projecto de lei n.° 122 deve ser approvado. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Marquez de Vallada = Visconde de Bivar = H. de Macedo = Vaz Preto = A. de Aguiar = A. de Serpa, relator.

N.º 184-A

Projecto de lei n.° 122

Artigo 1.° A importancia do rendimento e a da contribuição industrial ou bancaria, fixados como condições de categoria nas categorias 19.ª e 20.ª do artigo 4.° da lei de

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3102 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOB

3 de maio de 1878, ficam respectivamente reduzidos de 8:000$000 réis a 4:000$000 réis e de 1:400$000 réis a 700$000 réis.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 9 de julho de 1885.= João de Andrade Coreo= Eduardo Montufar Barreiros= Francisco Simões Margiochi.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Consiglieri Pedroso:- Sr. presidente, como estamos no ultimo dia da sessão actual, o à ontem mesmo tive ainda occasião de bem seriamente fallar á camara, permitta-me v. exa. que hoje, ao pronunciar o meu ultimo discurso n'esta constituinte, eu deixe por um momento o tom solemne que me parece melhor quadrar às nossas discussões, para muito rapidamente e de um modo brevissimo apresentar aos meus collegas as considerações, que a mensagem da camara dos pares me suggere. Infelizmente o derradeiro acto das constituintes de 1885, perfeitamente em harmonia, de resto, com toda a vida d'estas cortes, que ficarão celebres na historia da decadencia do parlamentarismo portuguez, vem acabar do mostrar aos mais incredulos o que são e o que valem as reformas, que serviram de pretexto para estarmos aqui reunidos sete mezes!
Confesso, sr. presidente, que ácerca d'este projecto tive uma quasi desillusão, quando na sessão de ante-hontem ouvi ler na mesa a respectiva mensagem da camara dos dignos pares. Suppuz, com effeito, que iamos discutir algum novo additamento permittindo aos netos dos actuaes legisladores d'aquella casa do parlamento que podessem tambem receber os beneficios do direito da hereditariedade. (Riso.) E porque não? Era uma especie de mercê em duas vidas, com que o sr. presidente ao conselho premiava as condescendencias por que se tornou tão notavel á ultima hora a camara dos nossos proceres! (Riso.)
Confesso por isso que fiquei um pouco desapontado quando vi, que ainda d'esta vez não tinha chegado a nora dos netos! (Riso. Apoiadas.)
Em todo o caso poderá estar tranquillos os srs. deputados da maioria, porque n'um futuro acto addicional, que espero, pela maneira como as cousas vão correndo, ha de ser referendado pelos actuaes srs. ministros (Riso) lá teremos a clausula permittirá aos felizes nascituros da ,segunda geração os invejaveis gosos do privilegio da hereditariedade! (Riso) Oxalá, que o destino ainda consinta ser o sr. presidente do conselho, quem ligue o nome do governo de Sua Magestade a este acto de justiça... equitativa! (Riso).
Deixando, porém, para essa occasião as considerações apropriadas a tão fausta reforma... da reforma que ha pouco votámos, passarei a analysar summariante o projecto em discussão.
Se me perguntarem, sr. presidente, se a alteração da lei de categorias, que se propõe, merece ou não o meu apoio, eu direi que, abstrahindo de toda a ordem de considerações, que em torno d'esta alteração vem naturalmente agrupar-se, não tenho duvida em confessar que ella é mais democratica do que a correspondente disposição actual, porque reduz algum tanto embora não de todo ainda, o circulo de ferro do privilegio!
O sr. Pinto de Magalhães : - Circulo de oiro !
O Orador:-Circulo de oiro, diz um illustre collega da maioria que está ao meu lado. De accordo! Circulo de oiro para os privilegiados da fortuna, que podem estar dentro d'elle; mas circulo de ferro para os que, da parte de fora, não conseguem ultrapassar-lhe os limites! (Muitos apoiados.)
Dizia eu, comtudo, que a doutrina do projecto propriamente dita, abstrahindo da opportunidade da occasião e da obra a que vem, por assim dizer, servir de remate, não podia ser em absoluto condemnada.
Esta declaração da minha parte é mais uma prova da imparcialidade e da independencia com que eu entro em todas as discussões.
Ha porém, sr. presidente, num certo numero de questões - o que se vê e o que se não vê!
Não se assuste o sr. ministro da fazenda, que na sessão de hontem, com risco de ser chamado á ordem pelo sr. presidente, esteve, contra o regimento, constantemente alludindo á outra camara, não se assuste, e digo-lhe isto para o tranquillisar, pois o vejo inquieto, porque eu não virei referir-me hoje áquella casa do parlamento senão nos limites que a discussão do projecto comporta.
O que se vê n'esta questão, de que nos estamos occupando, é uma disposição realmente democratica na apparencia o que se não vê, é o motivo occulto que levou a camara dos dignos pares a tomar a iniciativa de uma alteração na lei de categorias de 3 de maio do 1878, immediatamente depois de votada a lei eleitoral do senado, que ficará profundamente modificada nos seus resultados, se a alteração proposta for approvada!
Para eu poder bem apreciar o valor d'esta modificação e o seu alcance, preciso saber que principio ou que interesse inspirou esta proposta tardia, que no ultimo dia quasi da reunião das côrtes constituintes a camara da pares se lembrou de enviar em mensagem á camara dos deputados.
Seria por que a camara alta, curvando-se finalmente ao espirito do seculo - a este espirito ultimamente reconciliado com o sr. presidente do conselho -quiz espontaneamente abater um pouco uma das barreiras do seu privilegio?
Seria porque o exemplo das tendencias politicas contemporaneas a obrigou a prestar homenagem ao principio da democratisação dos poderes publicos?
Sr. presidente, era licito admittir esta hypothese, se factos bem recentes absolutamente a não contradissessem!
Pois a assembléa, que, ainda não ha muito, poz ao serviço das idéas mais ultraconservadoras a palavra eloquente dos seus primeiros oradores, como os srs. conde do Casal Ribeirão, visconde de Chancelleiros e visconde de Moreira de Rey, ao serviço de idéas não só conservadoras, mas tão reaccionárias que até foram repellidas pelo sr. presidente do conselho, que vejo entrar n'este momento, e que é bem insuspeito em questões de escrúpulos democraticos; (Riso.) pois a assembléa, que fez da questão da hereditariedade o pomo da discordia que esteve quasi a fazer naufragar estas pobres reformas do sr. Fontes, havia de vir agora a alguns dias apenas de distancia desdizer-se de um passado tão recente, e confessar, que, tendo encontrado o seu "caminho de Damasco", estava prompta a entoar publicamente o poenitot da sua conversão ?!
Impossivel! sr. presidente.
Os ultimos actos da camara dos pares, não só excluem esta supposição lisonjeira, senão que revelam o seu firme proposito de morrer incontricta! (Riso.)
Não foi, portanto, o desejo de prestar homenagem aos principias democraticos da sociedade contemporanea que levou a camara dos pares a propor na lei das categorias a alteração de que se trata.
Qual teria então o movel de similhante determinação?!
Confesso, sr. presidente, que n'este momento me encontro n'um grandissimo embaraço.
No caso de a iniciativa do projecto de lei, que discutimos, ter partido de um membro do governo ou da maioria da camara dos pares, o facto explicava-se naturalmente.
Mas partir de um membro da opposição progressista, e ser logo acceita a idéa pelo sr. presidente do conselho, parece me ou mysterio ou novo accordo!
E agora repetirei o que dizia aqui ha dias um illustre deputado a proposito da discussão dos melhoramentos do porto de Lisboa, fica sendo estes um dos mysterios da politica portugueza...

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Uma voz : - Não e mysterio é charada!
O Orador : - Tem rasão o illustre deputado, talvez seja antes charada e até que n'um proximo numero tenha a sua decifração. (Riso.)
Mas deixando os motivos do projecto, que um futuro muito proximo se encarregará de esclarecer, permitta a camara que n'esta occasião eu estranhe, que tanto o governo como a commissão de reformas politicas, não tivessem aproveitado o ensejo de se alterarem as condições de elegibilidade dos pares para digirem cautelosamente uma lei de incompatibilidades parlamentares de dia para dia mais necessaria em vista do triste estado de decadencia a que chegaram em Portugal os costumes publicos, infelizmente já ao nivel de um verdadeiro baixo imperio!
Abrindo o jornal official da republica franceza, sr. presidente, d'essa republica tão calumniada pelos nossos conservadores, podemos ahi ver o cuidado, a minuciosidade e os escrupulos com que urna proposta de incompatibilidades parlamentares foi discutida, examinada e transformada em lei pelas duas camaras d'aquelle grande paiz. Em França entende se, e muito bem, que o grave mister de legislar deve estar cercado de todas as garantias de incorruptibilidade politica. Em Portugal diz-se e escreve-se publicamente que as altas individualidades dos partidos militantes servem no parlamento os seus interesses particulares, e ninguém protesta! E ninguém se lembra de oppôr uma prohibição legal áquillo, que parece não ir de encontro ao sentimento moral dos nossos homens publicos!
N'estas circumstancias, pergunto, é licito tocar na lei de 3 de maio de 1878 sem se rever cuidadosamente cada uma das disposições, que se referem a incompatibilidades parlamentares ?
Já disse que o projecto em si mesmo considerado e independentemente de todas as rasões estranhas que n'elle concorrem, apesar de muito incompleto e imperfeito poderia merecer a nossa approvação.
Trata-se, com effeito, de reduzir um pouco o principio absurdo e immoral do censo, e n'isso todos os democratas estamos de accordo.
Esse principio hoje nem mesmo significa uma disposição aristocratica, dada a forma como está organisada a actual camara dos pares. (Apoiados.)
Eu não admitto de modo nenhum o canso, para o exercicio das funcções legislativas, mas comprehendendo a sua existencia nos paizes, onde a representação da grande propriedade, por exemplo, é, como na camara dos lords, o resultado de circumstancias historicas, que politico algum tem o poder de eliminar a seu talante.
No nosso paiz, porém, o que significa a ridicula exigencia de alguns contos de réis de rendimento, para se ser par do reino?
O que significa este censo caricato n'uma organisação social, que viu extinguir os morgados, e que tem a propriedade territorial desamortisada?
Absolutamente cousa alguma! Simples vaidade archeologica, inadmissivel nos tempos que vão correndo, deve quanto antes desapparecer da nossa legislação!
Nada mais direi sobre este assumpto, sr. presidente. A camara constituinte vá e terminar daqui a alguns minutos a sua derradeira sessão, e dentro em pouco os seus homens e a obra, em que tomaram parte, terão de comparecer perante o tribunal implacável da historia! Que dirá ella d'esta assembléa, que, podendo ter deixado um rasto luminoso na nossa historia contemporanea, preferiu abdicar submissamente os seus melhores direitos e as suas mais valiosas garantias perante o poder executivo?!
Que dirá ella d'este congresso, que podendo ter marcado uma nova era nos progressos politicos da nossa terra, apenas soube aggravar mais o mal de que padecem as instituições parlamentares portuguezas?!
Que dirá ella?
Não sei, sr. presidente! mas é certo quer se o governo procedeu pela forma como procedeu, n'esta longa sessão parlamentar de sete mezes, a culpa, permitia-me a camara que lh'o diga, foi unicamente sua, pois entendeu cumprir melhor o seu mandato, attendendo às exigencias da disciplina partidaria do que aos altos deveres, que lhe impunha a delegação que trouxera do paiz!
Por isso o balanço dos nossos trabalhos é apenas negativo para os interesses publicos!
Ao menos no acto addicional de 1852 houve dois ou ires principies, que de vez se conquistaram para os progressos da nossa terra.
Mudou se a forma da eleição da representantes do paiz, de indirecta para directa, quer dizer, deu-se um grande passo com relação ao aperfeiçoamento da representação popular.
Também o acto addicional de 1852 marcou um progresso importante no nosso direito publico, determinando que as convenções internacionaes não podessem ser ratificadas pelo poder executivo, sem serem previamente approvadas pelo parlamento; e se mais nada tivesse esse documento politico inscripto nas suas disposições, bastava o artigo em virtude do qual ficou abolida a pena de morte nos crimes politicos, para que o recordássemos com uma justa e merecida sympathia!
Confronte agora o sr. presidente do conselho com esta reforma do ha trinta e tres annos o acto addicional de 1885, e diga-me se não é certo que existem decadencias, que são o justo castigo de muitas vaidades sem fundamento !
O que é triste, é que o paiz haja de ser a victima d'estes retrocessos.
Emquanto á camara não a lastimo.
Teve o governo que mereceu.
Serão duras estas palavras, sr. presidente; mas quem não soube conservar-se livre e altivo no desempenho da sua nobre missão, não pode estranhar hoje, que assim seja saudada, a sua morte!
Quanto a mim ainda julgo o necrologio demasiadamente benevolo!
Tenho dito.
O sr. Moraes Carvalho: - Como relator da commissão, disse que julgava que o sr. deputado ia combater o projecto, e longe d'isso, julgára-o como uma conquista liberal, desejando, porém, que elle fosse mais liberal ainda.
O facto do projecto ter sido apresentado por um illustre membro da opposição da outra casa do parlamento, era indicio seguro de que nenhum interesse particular dominara o governo, dando a esse projecto a sua approvação.
Pondo de parte quaes foram as intenções que dominaram o illustre apresentante do projecto, diria que lhe parecia que as rasões de verdadeiro interesse publico que levaram a outra camara a approval-o, deviam levar a camara dos deputados a dar-lhe o seu voto.
(O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Luciano de Castro :-V. exa. e a camara comprehendem que no adiantado da hora, e estando apenas separados por poucos momentos do encerramento da sessão, eu não me proponho a fazer um discurso. Limito-me a registar a minha opinião sobre o assumpto, sem largo desenvolvimento.
Sr. presidente, eu não impugno o pensamento do projecto. Talvez n'outra qualquer occasião o approvasse até se elle aqui viesse por outra forma.
Quando fui ministro do reino tive occasião de conhecer que a lei de o de maio de 1878 era quasi inexequivel quanto às categorias da riqueza, n'um paiz em que a fortuna está tão dividida, como entre nós.
Portanto, sr. presidente, não discuto nem impugno o pensamento a que presidiu a elaboração d'este projecto, o que não posso deixar de sentir é que tão á pressa se viesse

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3104 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

trazer á camara uma providencia que tende a modificar consideravelmente as condições eleitoraes do pariato.
Este é um ponto gravissimo. Não preciso descrever á camara a sua importancia. Basta dizer que este projecto, logo que seja approvado; vae modificar profundamente as condições de elegibilidade do pariato.
É este um dos pontos que em todos os paizes é mais largamente debatido e meditado por todos os homens do governo.
Esta modificação importa certamente uma alteração profunda na lei de 3 de maio de 1878, e por isso não posso deixar de sentir que á ultima hora, poucos minutos antes de se encerrar a sessão parlamentar, venha trazer-se aqui um projecto tão importante.
Não posso tambem deixar de notar a pressa, o enthusiasmo, o furor com que o sr. presidente do conselho patrocinou este projecto desde que elle foi apresentado por um meu distincto correligionario, membro da outra casa do parlamento.
Se este projecto acudia a uma grande e imperiosa necessidade publica, e modificava plausivelmente a nossa legislação sobre o pariato, era provavel que o governo tivesse ha muito tempo proposto á camara a reforma da lei de o de maio de 1878 n'esta parte.
Porque deixou o governo votar ha poucos dias a lei eleitoral do pariato, revalidando por essa oceano as categorias da riqueza estabelecidas na lei de 1878, pois que a ellas expressamente se referia, tornando-as applicaveis aos pares electivos? Não seria essa a occasião mais propria para fazer esta modificação na legislação vigente?
Porque é pois que o governo obriga o parlamento a votar á ultima hora uma alteração das categorias, estabelecidas na lei de 3 de maio de 1878, recebendo avidamente das mãos de um dos membros da opposição um projecto em que o sr. presidente do conselho se apressou a por o cunho ministerial?
Ou esta reforma era desnecessaria e menos conveniente, e o governo não a devia ter aproveitado, ou era necessaria e conveniente, e n'este caso pergunto:
Desde quando é que o governo está convencido da sua necessidade?
Desde quando se persuadiu o sr. presidente do conselho que era necessario alterar a legislação que regula o pariato em Portugal?
Não era á ultima hora, quando estamos distanciados apenas alguns momentos do encerramento da sessão, que s. exa. devia vir pedir a approvação de um projecto de tanta gravidade como este. (Apoiados.}
Pois não se discutiu ainda ha poucos dias a lei eleitoral do pariato !?
Não votou o parlamento n'essa proposta que eram boas, excellentes é apropriadas às condições do paiz as categorias estabelecidas na lei de 1878!?
Não votou está camara ha poucos dias, quando approvou aquella lei, a excellencia e utilidade d'estas categorias, que se declaram agora imperfeitas, deficientes e carecidas de reforma!?
A camara votou um artigo da lei eleitoral do pariato, no qual se declara que são applicaveis aos pares electivos as mesmas categorias, incluindo as de fortuna, estabelecidas na lei de 1878; logo, a camara achou n'essa occasião esta lei boa, excellente, e acommodada às condições economicas e sociaes do paiz.
Agora, poucos dias depois, só porque um digno par da opposição se lembrou de acudir á penuria da iniciativa ministerial e dos que podem ser nomeados pares, e offerece ao governo á ultima hora de presente uma idéa diversa, o sr. presidente do conselho esquece-se logo do passado, e vem advogar fervorosamente o pensamento contrario!
Esta contradição é inexplicavel.
E são estes os grandes estadistas da nossa epocha!
São estes os politicos famosos que n'um dia vem aqui annunciar-nos a necessidade das reformas politicas em nome do espirito do seculo, affirmando o seu sincero proposito de as realisar, e que n'outro dia vem declarar-nos que as não podiam fazer!
São estes que vieram dizer que o paiz tinha pedido obras publicas, mas não reformas politicas, e poucos dias depois vieram decimar que não se podiam fazer as reformas politicas, que ficavam adiadas, que não havia accordo dos partidos, e que sem elle não se podiam realisar tão importantes reformasse no outro dia eram os mesmos homens que vinham declarar que prescindiam do accordo dos partidos, e se podiam fazer sem o accordo dos partidos, e que por fim sempre se resolvem a fazel-as sem o tal accordo !
E depois do nos terem apregoado as excellencias liberaes das reformas politicas que vieram propor, e que foram votadas á ultima hora, acceitam, como em post scriptum, uma proposta de um par do reino para declarar hereditarios os filhos dos actuaes pares do reino!
Esta é a coherencia e a sabedoria do governo!
Em vista das considerações que acabo de expor á camara, v. exa. comprehende que eu não posso applaudir o procedimento do governo, não porque condemne a idéa do projecto- já disse qual o meu sentir e o meu parecer a este respeito - mas pelo modo por que foi aqui apresentado e pela occasião em que é discutido e votado pela camara. (Apoiados.)
Está porventura a patria ameaçada de algum perigo imminente? Qual é a nossa situação? Que circumstancias extraordinarias occorrem? Ha porventura uma crise grave que exija que o parlamento vote este projecto á pressa, sem o tempo necessario para o mais leve exame? (Apoiados.) Se o governo entendia que era indispensavel fazer esta alteração na legislação do paiz, qual é a rasão por que deixou correr mezes sobre mezes, accumular sessões sobre sessões, discutir a lei eleitoral do pariato, onde este assumpto teria o seu logar, e só agora aos ultimos instantes da sessão vem exigir tumultuariamente do parlamento que lhe vote um projecto de tão largo alcance e importancia como este? (Apoiados.) E esta a interrogação que eu formulo ao governo.
Não penso em tornar a tomar a palavra, porque já disse não me propunha a levantar uma discussão larga, nem me podia lembrar de alongar demasiadamente o debate, pois sei que as horas da discussão estão fatalmente marcadas e dentro em pouco a sessão terá de encerrar-se.
Dou estas explicações unicamente para não votar silenciosamente o parecer da commissão e para que fiquem consignados nos registos parlamentares os motivos por que não me posso associar tão fervorosamente, como desejaria, ao pensamento principal que inspirou o illustre auctor do projecto.
Vozes: -Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Se o projecto que se discute não tivesse outro merecimento, teria para mim o de ter convidado o illustre deputado, o sr. José Luciano, a tomar parte hoje, ultimo dia de sessão, no debate de um assumpto que se póde dizer o complemento das reformas politicas. (Apoiados.)
Applaudo-me por isso. O meu empenho é que tanto a maioria, como a opposição, que, a final, constituem com o ministerio o governo do paiz, estejam sempre á altura da sua elevadissima missão.
Este projecto que é, como já disse, o complemento das reformas politicas, nasceu da iniciativa de um membro da opposição, (Apoiados.) que tem discutido as reformas politicas, como a maior parte dos cavalheiros que pertencem ao partido progressista, as têem discutido na outra casa do parlamento. (Apoiados.)
N'este assumpto eu não fiz mais do que acceitar um prin-

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cipio que me pareceu justo e conveniente, que aliás não tinha sido proposto por nenhum dos membros do governo.
Se a camara quer votar a reforma de que se trata, creio que pratica um acto conveniente, porque vae estabelecer um principio em virtude do qual a eleição para o pariato encontrará uma área mais larga, e portanto os eleitores mais facilidade na escolha; mas se não quizer, será isso indifferente ao ministerio, politicamente fallando, porque elle não carece d'essa reforma para governar.
Portanto não se pense que accusando o governo de vir á ultima hora fazer passar a sua maioria pelas fereas caudinas com a apresentação d'esta reforma forçando-a a momento, conseguem levantar com isso qualquer estorvo á marcha da administração. Sabem todos os illustres deputados perfeitamente, que isto não é assim e que pelo contrario podem com amplissima liberdade votar ou deixar de votar, porque de qualquer modo nenhum damno causam ao ministerio. (Muitos apoiadas ) E é claro que se isto não fosse sabido, não faltaria n'esta camara quem pó desse impedir ate às seis horas que o projecto se votasse.
Não acceito, portanto, a generosidade. No interesse da administração, acceito o voto da camara como boa resolução parlamentar, como um acto de bom juizo e de bom senso e como homenagem a um bom principio que. está em harmonia com a situação do paiz ; porque effectivamente as fortunas não são tão grandes entre nós que proporcionem, como disse ha pouco, uma area bastante larga em que os eleitores possam exercer com maior proveito publico a sua acção. E foi está a rasão por que acceitei a proposta para a reforma de que nos occupâmos.
Sr. presidente, se este projecto veiu á ultima hora, só podem os illustres deputados queixar-se de um seu correligionario, que na outra camara e á ultima hora o apresentou. O governo não apresentou a ultima hora cousa nenhuma. (Apoiados.)
Quem apresentou o projecto foi um par da opposição, repito, e portanto o governo não o podia ter acceitado antes. (Riso.) Acceitou-o á ultima hora, porque a isso foi forçado.
Também não sei quaes sejam essas mysteriosas rasões a que, se alludiu e que só depois de algum tempo se hão de conhecer. É uma charada, cuja explicação ha de sair no proximo numero, como disse um illustre deputado, que está nos bancos superiores. Eu é que não sei qual o enygma que essa charada encerra.
Mas como posso eu saber as rasões que teve, para á ultima hora apresentar a proposta, essa digno par que é um membro do partido progressista e um membro conspícuo, auctorisado e digno? (Muitos apoiadas.)
Quem as ha de saber, não sou eu, é elle; é como julgo que s. exa. está perfeitamente de accordo com os illustres deputados da opposição, e que existe a harmonia que deve haver entre os membros de um partido respeitavel, como é o partido progressista, supponho que os illustres deputados que fazem esta pergunta, têem a resposta no seu cerebro e poderiam dal a, se quizessem. Se a não dão, é porque não querem. (Apoiados.)
Sr. presidente, se é preciso, no interesse da opposição, dar á ultima hora uma carga, como se costuma dizer, sobre o governo a fim de liquidarmos as nossas contas parlamentares no momento em que nos vamos separar, eu não me opponho a isso; e da natureza das cousas. Sou parlamentar antigo e sei que assim se costuma fazer. Por consequencia, não me opponho; mas fiquemos todos sabendo e o publico, que este projecto não é do governo; que se este o acceitou á ultima hora, foi porque não podia deixar de ser assim, visto ter sido apresentado á ultima hora e que o governo póde governar tanto com este projecto approvado, como sem elle. (Muitos e repetidos apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Barros Gomes: - Começando por onde terminou o sr. presidente do conselho, e respondendo directamente ao que houve de essencial no seu discurso, direi que, õ e este projecto não e do governo, menos é do partido progressista; (Muitos apoiados.) e não o é por effeito de uma resolução do mesmo partido, que muito reflectida e terminantemente declinou de si essa responsabilidade em plena reunião da sua commissão executiva.
É certo que muito leal e dignamente o cavalheiro que o apresentou na outra camara, e que merece a consideração e a estima de todos os seus correligionarios politicos, declarara em tempo ao chefe do partido o procedimento que tencionara seguir sobre este assumpto.
Mas, não é menos certo tambem que só pôde formular e apresentar este projecto como cousa sua, perfeitamente individual e simples expressão do desejo proprio de modificar n'este ponto a lei das categorias.
Este facto responde, e creio que de modo terminante e claro, á parte essencial do discurso do nobre presidente do conselho. (Muitos apoiados do lado esquerdo da camara.)
E dito isto, acrescentarei que não teria pedido a palavra depois das declarações do meu illustre amigo o sr. Luciano de Castro, declarações que faço minhas, e que têem, proferidas por s. exa., auctoridade que, por mim, lhes não poderia dar; se não fosse o desejo de provar que continuo por meu lado obedecendo com o protesto solemne que hontem levantei n'esta camara a propósito da votação de um projecto que se levou de assalto, e á ultima hora; esquecendo para isso o que fora pactuado entre o governo e uma fracção da opposição parlamentar do modo mais solemne e terminante, de que não embaraçaríamos por nosso lado as discussões para que podessem ser votados na outra camara, como o foram, três projectos que o governo declarou indispensaveis para governar, uma vez que por parto do governo e da maioria mais nenhum se discutiria na presente sessão parlamentar.
Não posso, portanto, hoje approvar este projecto, abstrahindo completamente da sua discussão alem d'esse por muitos outros motivos, sendo um d'elles o de não querer entrar na discussão das reformas politicas, ainda que elle possa ser tido como simples modificação de uma lei ordinaria e como tal discutido pelo partido progressista, sem que isso represente quebra da resolução por elle tomada de se abster na discussão das reformas constitucionaes. (Apoiados.)
Não entrando, pois, no seu exame e declarando que, respeito as intenções de quem o apresentou, as quaes supponho inspiradas no interesse publico, (Apoiados.) e respeitando mesmo todas as considerações que possam ter influido no animo do governo para que, com tal rapidez o de um modo tão desusado, se empenhe na sua approvação, chegando-se a uma nova perfeição a de que uma lei antes de sanccionada pelo chefe do estado já vae ser revogada, (Muitos apoiados.) limito--me a protestar contra esta maneira tumultuaria de legislar e contra este systematico e profundo aviltamento do prestigio parlamentar é por isso voto contra o projecto.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Bernardino Machado: - Antes de usar da palavra propriamente no assumpto que está em discussão, preciso declarar que não me julgo incoherente por approvar este projecto depois de ter approvado o projecto das reformas politicas, e por mim acaba de responder o sr. Barros Gomes.
S. exa. entende que a lei das categorias não faz parte das reformas politicas, e entende assim para se defender de uma accusação do sr. presidente do conselho, de que o partido progressista, discutindo a lei da categoria, vinha a intervir na discussão das reformas políticas, mas se o sr. Luciano de Castro entende do mesmo modo, como é que póde imputar incoherencia ao partido regenerador? (Apoiados.)
Não preciso, portanto, responder ao sr. Luciano de Castro, porque já lhe respondeu o sr. Barros Gomes. A ver-

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dade é que tratâmos hoje de uma reforma politica, mas de uma reforma ordinaria, não de uma reforma constitucional.
Direi agora o que me parece do projecto.
Quando a proposição da camara dos dignos pares appareceu n'esta camara, eu já conhecia a sua historia parlamentar; sabia que fora apresentada por um membro da opposição d'aquella casa e que tivera a acceitação do sr. presidente do conselho, do governo, e mais ainda, porque o governo, composto dos caudilhos e do chefe da maioria, deve representar a maioria. Tinha provavelmente a proposta apresentada a acceitação do partido que está á frente dos negocios publicos.
Surprehenderam-me, pois, os discursos que acabo de ouvir n'esta camara, tanto por parte do sr. presidente do conselho, como por parte dos dois distinctos oradores da opposição, que usaram da palavra.
Então ninguém quer este projecto, e, comtudo, foi um membro da opposição quem o apresentou com o assentimento, cuidava eu, do seu partido, e comtudo adoptou o o governo!
Eu approvo este projecto, porque entendo que elle encerra um principio justo, qual é o de alargar a area aonde se ha do proceder ao recrutamento para a parte electiva via camara dos pares; mas como a camara vê bem, esta questão não é uma questão de justiça em absoluto, é altamente politica, interessa vitalmente aos partidos, porque não sei que os partidos dentro do regimen parlamentar tenham mais alta ambição, do que a conquista dos logares n'esta ou na outra casa do parlamento para servirem o paiz. (Apoiados.)
Como é que então os dignos membros da opposição se mostram indifferentes a este projecto, que foi apresentado por um dos seus collegas na outra casa do parlamento ?!
Então este projecto não tem importancia?! Tem-n'a disse o sr. Luciano de Castro, é de elevado alcance, porque trata nada mais nem menos, do que de traçar de novo a linha dentro da qual se ha de travar a lucta dos partidos para a eleição dos pares de origem popular. Esta lucta dos partidos é o acto mais grave, mais fundamental de qualquer paiz que se rege pelo systema representativo.
O sr. presidente do conselho disse nos que acceitava a proposta; e eu que conheço a historia de toda a vida publica de s. exa., que lhe presto a homenagem da minha admiração, sei que, se s. exa. acceitou a proposta, foi porque entendeu que o principio que se pretendia consignar na legislação era equitativo, que os limites ali traçados para as contribuições predial, industrial e bancaria, eram taes que com igualdade os partidos poderiam medir-se perante a uma a fim de terem logar na secção electiva da camara dos dignos pares. (Apoiado.)
S. exa. andou, quanto a mim, nobremente, acceitando aquella proposta; o que, porém, me doeu, foi ver, ha pouco, s. exa. depois de ter sido acompanhado de todos os seus correligionarios politicos, dar uma tão pequena importancia, á proposta, quando sei que na mente de s. exa. inquestionavelmente ella a tem consideravel, nem de certo s. exa. desejava o apoio da maioria para uma idéa, se a achasse insignificante.
Mas não é insignificante este projecto, nem para o governo nem para a opposição. (Apoiados.)
Eu suppunha que o digno par do reino, quando apresentara a sua proposta, estava investido de todos os poderes para o fazer, em nome do seu partido, porque, a não ser isto, a alteração da lei das categorias tomava uma feição pouco agradavel.
Podia suspeitar-se que se fazia um accordo, mas não clara, patente e solemnemente como se fizera o outro que precedeu as reformas politicas. Podia o paiz suspeitar que se fazia agora um accordo mas dissimulado, que o partido progressista para que não se dissesse que fazia um novo accordo, mandava um dos seus membros dizer ao governo que achava necessária a alteração da lei das categorias, e em seguida aparentava por outros seus membros uma completa liberdade de acção. Isto seria simplesmente medo á palavra accordo.
Eu, mais do que ninguém, estimarei que o partido progressista não só não deseje mas não necessite viver em transacção com o governo (Apoiados. Riso), mas declaro a v. exa. e á camara que para mim ha accordos nobres; este seria um d'elles. Nem mesmo o sr. presidente do conselho ajustaria um accordo se o não fosse. (Apoiados.)
Eu entrei no accordo que precedeu as reformas politicas, vim aqui defendel-o com a minha palavra, porque me pareceu um accordo honroso.
Pouco tempo depois os partidos conservador e liberal da Inglaterra uniram-se n'um accordo para resolver a questão eleitoral.
Os partidos, quando se trata de interesses que devem estar acima das suas divisões, fazem em toda a parte accordos, e esses accordos em muita parte tambem se cumprem rigorosa e lealmente. (Riso.)
Tive de me desviar um tanto das considerações que tencionava fazer. O meu fim, ao pedir a palavra, era apenas significar ao sr. presidente do conselho e aos representantes da opposição n'esta casa a necessidade de se dar á votação d'este projecto a forma mais correcta.
O sr. Luciano de Castro acaba de declarar que não gosta da forma por que o projecto veiu a esta camara. Nem eu.
Eu desejo, que de um e do outro lado se declare solemnemente que se considera este projecto de utilidade para o paiz e de conveniencia geral para todos os partidos. Ninguém mais auctorisado do que o sr. presidente do conselho para fazer esta declaração em nome do partido regenerador, e ninguém mais auctorisado para, a fazer em nome do partido progressista, visto não estar presente o seu chefe, do que os illustres deputados que acabaram de fallar.
Pedira a palavra para exprimir este desejo.
Confesso, pois, a v. exa. que fiquei surprehendido com os discursos que ouvi. Então este projecto não estabeleceu compromisso para nenhum dos partidos?
Se todos os partidos não interessam com elle volto atraz e não lhe dou o meu voto. Para que eu não tenha de proceder assim, espero que de parte a parte se reconheça desassombradamente que o projecto é com effeito de utilidade commum para todos os partidos e conseguintemente de interesse publico, ou pelo menos não o ponham em duvida.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Luciano de Castro: - Não pedi a palavra para responder ao illustre deputado o sr. Bernardino Machado, porque a hora está muito adiantada, e eu tenho de responder ao sr. presidente do conselho; não é por desconsideração para com o illustre deputado, mas porque o tempo é tão pouco, que mal poderei responder ao illustre ministro.
Preciso rebater as considerações que o sr. presidente do conselho fez, quanto às minhas contradições.
S. exa. esqueceu-se de que o projecto que se discute é uma alteração á lei de 3 de maio de 1878: não se trata da alteração ou modificação da lei sobre as reformas politicas, como ao sr. presidente do conselho se affigurou; trata-se apenas da alteração de uma lei ordinária sobre a constituição da camara dos pares, votada pelo parlamento em 1878. E a lei de 3 de maio d'este anno.
Ora, o sr. presidente do conselho esqueceu-se d'isto.
Agora preciso fazer outra declaração com relação ao que disse o sr. presidente do conselho, a fim de ver se ficamos entendidos de vez.
Quanto às reformas politicas, o partido progressista entendeu dever desempenhar o seu mandato, abstendo-se de entrar na sua discussão, mas o seu modo de pensar sobre este importante assumpto não ficou desconhecido para o paiz.

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O partido progressista entendeu que o melhor modo de deixar bem assignalada a sua reprovação que eu não quero qualificar agora, era a abstenção; mas não se illuda o sr. presidente do conselho, julgando que, por se ter abstido o partido progressista, renunciou para sempre a fazer a critica e a apreciação d'essas reformas.
Não pense que nos estamos perpetuamente inhibidos de alludir áquella discussão ou de apreciar essas reformas. As reformas politicas, desde que foram votadas peias cortes e sanccionadas pelo Rei, pertencem á historia, e podem ser livremente criticadas, dentro ou fora do parlamento.
Disse mais o sr. presidente do conselho que este projecto era da iniciativa do sr. Henrique de Macedo e que as arguições que eu lhe dirigi por tel-o apresentado tão tarde se deviam dirigir ao auctor do projecto.
Está s. exa. enganado. Está redondamente enganado.
Desde que o presidente do conselho reconhece a necessidade de uma providencia qualquer, a prefilha, e promove a sua discussão e approvação, assume perante o parlamento toda a sua responsabilidade. (Apoiados.)
N'este ponto tem sobeja rasão o sr. Bernardino Machado nas considerações que ha pouco dirigiu ao sr. presidente do conselho. Pois, s. exa., depois de levar o projecto às commissões, depois o fazer ali discutir e approvar, depois de reconhecer as suas desvantagens e de o fazer entrar em discussão, pode acaso dizer se á camara com soberbo desprezo e suprema indifferença: "votem se quizerem ; se não quizerem não votem ; para mim é indifferente; eu posso governar sem isso?" Pois, isto diz-se em face do parlamento!
Já algum homem se levantou tão alto perante a sua consciencia e perante a representação nacional, que possa proferir impunemente similhantes phrases !? (Apoiados.)
O governo, depois de achar boa uma idéa, de reconhecer a sua utilidade, de fazer partilhar por todos os seus amigos politicos a responsabilidade politica d'essa idéa, tem direito a dizer: "que votem ou que não votem, porque lhe é indifferente uma ou outra cousa, e porque está habilitado a governar de um e de outro modo"?: Isto é serio? (Apoiados.)
Permitta-me s. exa. que lhe diga que, apesar de ser mais moderno do que s. exa. no parlamento, sou todavia um velho parlamentar. Pois nunca ouvi proferir aqui taes palavras nos bancos do governo. (Apoiados.)
Se a providencia proposta lhe é indifferente, para que nos obriga a discutir uma idéa que julgo de problemática vantagem publica?
Se a proposta é boa, tem si exa. obrigação de vincular o seu nome á sua approvação. Se não presta, se não é util nem necessaria, se lhe é indifferente, corre-lhe então dever de não obrigar a sua maioria a perder tempo em discutir cousas inuteis. (Apoiados.)
Pois isso diz-se? Pois o sr. presidente do concelho imagina que entre nós os primarios e as boas praxes parlamentares estão por tal maneira desconceituados, que possa-mos ouvir estas phrases, sem logo protestarmos contra ellas? (Apoiados.) Não pode ser.
Disse mais s. exa.: "porque é que o sr. Henrique de Macedo não apresentou mais cedo este projecto?"
Pois são os membros da opposição que têem obrigação de apresentar ao parlamento as reformas que o governo quer fazer approvar ?
Pelo que vejo, anda tudo invertido !
O governo propoz as reformas politicas, e a lei eleitoral do pariato. Não se lembrou, porém, de propor esta reforma, e esperou que o sr. Henrique de Macedo viesse á ultima hera acudir-lhe com este projecto de lei, para corrigir o longo e inexplicavel esquecimento da iniciativa ministerial !
E se o sr. Macedo se esquecesse tambem de apresentar o seu projecto? Lá ficavamos privados d'esta reforma! Que desgraça !
Fallemos serio. Desde que o sr. Presidente do conselho confessou que reconhecia que a idéa do sr. Macedo era vantajosa e consoante aos interesses publicos, a sua obrigação era propol-a a tempo. Não era a opposição que cumpria corrigir os lapsos e esquecimentos do governo.
Eu sei perfeitamente que seria abuso e até crueldade da minha parte obrigar a camara a ouvir me por mais tempo.
A hora está adiantada e não quero alongar mais este debate.
Torno a dizer que o pensamento d'este projecto me é sympathico.
Reconheci praticamente que era necessaria a reforma da lei de o maio de 1878; mas não posso deixar de me associar às palavras energicas do sr. Barros Gomes, e protestar contra os commentarios que ao projecto, que se discute, fez o sr. presidente do conselho.
Vozes : - Muito bem.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello):- O que se está passando é um justo castigo do meu procedimento. E o justo castigo da minha tolerancia e da facilidade que eu tenho em acceitar o que me parece rasoavel, venha donde vier.
O que se está passando serve para me aconselhar a que nunca mais acceite, como agora, uma proposta vinda dos bancos da opposição. (Apoiados.)

m par do reino, que pertence á opposição, apresenta um projecto; o governo acceita-o, e vem depois a propria opposição accusar o governo por que não declara ministerial esse projecto! É caso virgem!(Apoiados.)
Eu não disse que o projecto era desnecessario, não disse que era inutil, e menos ainda que o principio que elle encerra era prejudicial aos interesses publicos e ao systema eleitoral que queremos manter illeso. O que disse foi que essa projecto, convertido em lei, não era indispensavel para governar, o que e uma cousa inteiramente diversa. (Apoiados.)
S. exa. que é deputado ha muitos anãos e tem sido ministro, sabe perfeitamente que ha leis de que o governo não pode prescindir para governar constitucionalmente, e ha outras que, embora consignem principios de grande interesse publico, o governo pode prescindir d'ellas, sem que, por esse facto, a sua existencia politica seja prejudicada.
Foi isto o que eu declarei e que repito agora, fundado nas boas praticas parlamentares, nas regras estabelecidas n'esta casa, ha muitos annos, e nos principios do systema representativo. O governo não pode declarar ministerial os projectos que partem opposição, mas pode e deve dizer quaes são aquelles que julga indispensaveis para o governo do paiz. (Apoiados.)
Entendo que o projecto é bom, é util, e se não o julgasse assim, não o tinha acceitado como tambem não tinha pedido aos meus amigos da commissão que o approvassem, se n'elle não se consignasse um principio que eu reputo conveniente e digno de approvação. (Apoiados.)
Mas entre isto e o tornar o projecto um acto ministerial a ponto de dizer que o governo não pode passar sem elle, ha uma distancia infinita, ha um abysmo profundo.
Eu não pronunciei o nome de ninguém, porque não costumo trazer para aqui o nome de pessoas estranhas a esta casa, quando se trata do apreciar actos parlamentares.
O que disse foi que um membro da outra camara tinha feito essa proposta ë á ultima hora. Mas, porque a não fez o governo? Porque a não julga indispensavel; note bem a camara, indispensavel, o que é cousa muito differente de conveniente ou util.
D'esta maneira nunca se podia fazer uma proposta..
O sr. Luciano de Castro:-S. exa. pronunciou mais de uma vez esta phrase "não me importa". (Apoiados da esquerda..)
O Orador: - Não me importa, certamente, sob o ponto

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de vista da responsabilidade e da existencia ministerial. (Muitos apoiados da direita.)
O illustre deputado é muito leal na sua argumentação, mas eu tambem o sou. O que digo, e repito, é que não me importa, debaixo do ponto de vista da existencia e da responsabilidade ministerial (Apoiados.); mas não porque mo repute os principios consignados no projecto uteis e vantajosos, sob o ponto de vista eleitoral e politico; aliás não o tinha acceitado, nem pedia aos meus amigos politicos que o acceitassem.
Dito isto, ou não quero saber das luctas intestinas dos partidos oppostos. Do que se passa no seio de cada um, não sei, não quero saber, nem isso me importa. Digo tambem agora "não me importa" se o partido progressista está ou não de accordo. Supponho que não está, som embargo de um dos seus membros distinctissimos ter declarado que apresentando esta proposta consultara o chefe d'esse partido. São questões de familia que fogem completamente á rainha apreciação.
Do que trato unicamente é de accentuar bem os limites da responsabilidade do governo n'esta questão e qual o seu desejo e o seu pensamento sobre o assumpto que se discute.
Direi tambem ao illustre deputado que está completamente em erro, suppondo que esta reforma não affecta as reformas politicas.
Já o sr. Barres Gomes disse, e muito bem, que o projecto approvado na outra camara, e que em poucos dias será lei do paiz, referindo-se á lei de 1878, consigna o principio de que esta fica alterada.
(Aparte.)
Pois bem, se o não disse, em todo o caso a verdade é esta.
Portanto, se elle altera a lei de 1878, tambem faz alteração á lei de reformas politicas que mantinha, no que respeita a categorias, o que estava estabelecido n'aquella lei.
Eu não quero saber se o illustre deputado e o seu partido fazem bem ou fazem mal. Fazem o que querem. Estão no sou direito; e eu não tenho nada com isso.
O facto é este; o facto é que a reforma tem este caracter, que é indiscutivel.
Agora, antes de terminar, como a hora está muito adiantada e eu não posso medir a extensão que este debate pode tomar, peço licença para neste momento, quando ninguém me provoca, quando ninguém me dirige perguntas, dar uma explicação com que preciso satisfazer ao sr. Barros Gomes a respeito de umas palavras que proferi n'uma das sessões passadas, relativamente ao emprestimo de 1880.
A camara talvez estranhe que n'esta occasião eu me occupe de um assumpto diverso; mas é que desejo referir-me agora áquelle ponto, sem provocação do illustre deputado e unicamente pelo receio que tenho de que, demorando-se por um incidente qualquer este debate, se attribua a procedimento meu, a um qualquer proposito da rainha parte, o ficar o illustre deputado sem a explicação que deseja e eu privado de satisfazer tambem ao desejo que tenho de lh'a dar.
Sem entrar largamente n'este assumpto, direi apenas que, segundo me informou o meu collega da pasta do reino, parece que o illustre deputado suppoz que eu lhe tinha feito uma insinuação.
Declaro solemnemente á camara que não fiz insinuação alguma a s. exa., porque não costumo fazer nunca insinuações a ninguem. (Apoiados.)
Eu trato os meus adversarios sempre com todo o respeito que lhes devo, (Apoiados.) com toda a consideração que me merecem, (Apoiados.) e talvez ainda com mais melindre, se é possivel, pelo facto de serem meus adversarios. (Vozes: - Muito bem.)
Não fiz insinuação alguma, repito; e, se no espirito do illustre deputado pode haver alguma duvida sobre este ponto, declaro á camara com muito prazer que tenho a mais alta consideração pelo caracter de s. exa.
Dou n'este momento esta explicação ao illustre deputado, porque talvez, pelo tempo não mo permittir, eu ficasse privado de a dar mais tarde e s. exa. me attribuisse o que não estava no meu animo, nem está nos meus habitos. (Apoiados.)
Vozes : - Muito bem.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas.)
O sr. Barros Gomes : - Sr. presidente, em primeiro logar cumpre-me agradecer ao cavalheirismo do sr. presidente do conselho a explicação que acaba de dar.
Eu vira effectivamente na insistencia com que o sr. presidente do conselho se referiu ao emprestimo de 1879, que eu tinha realizado o proposito do, lançar o desfavor sobre essa operação financeira.
Pedi a s. exa., da primeira vez que se referiu áquella operação, que declarasse de um modo terminante e formal se o que tinha dito era apenas um artificio rhetorico do genero d'aquelles mais ou menos empregados nos discursos feitos n'esta casa, ou se importava uma accusação, que n'esse caso queria ver formulada de modo a poder receber uma prompta e condigna resposta.
S. exa. não attendeu á minha interrupção, e mais tarde renovou a sua referencia.
Pedi então a palavra, porque desejava apreciar perante a camara e perante o paiz a operação financeira que tinha realisado, e que considerei sempre e considero ainda hoje como altamente vantajosa para o thesouro, e tendo contribuido como poucas para elevar a cotação dos nossos fundos.
Desejava igualmente demonstrar que, não se tratando de qualquer facto que podesse apaixonar o meu animo sob o ponto de vista politico, não se tratando de actos do governo ou de qualquer providencia administrativa, ou emfim de qualquer assumpto em que a paixão politica, á qual eu não sou dos mais atreitos, podesse influir, mas tratando-se apenas de operações financeiras que só podem ser apreciadas pelo calculo dos seus encargos, eu não poderia, sem má fé, proceder de uma ou outra forma segundo as circumstancias, ou segundo se tratava de defender actos meus ou de impugnar os do actual gabinete.
Os calculos algebricos e arithmeticos são sempre os meemos; não inventei as formulas a empregar n'estes casos; usei da mesma em 1879 e agora, e isto pode ser por todos confirmado, repelli, pois, com energia a insinuação, porque o era, de que eu vinha illudir o meu paiz, pelo uso insidioso ou propositadamente errado de formulas que são sempre as mesmas.
A operação por mim feita em 1879 foi conveniente e superior em condições às que anteriormente se haviam realizado em obrigações amortisaveis por parte dos meus antecessores. Demonstrei-o em tempo, e promptifico-me a demonstrai-o de novo, não m'o consente hoje a brevidade do tempo, e por isso me limito a prestar testemunho ao sr. presidente do conselho do cavalheirismo com que s. exa. me respondeu e da justiça que fez às minhas intenções.
E dito isto e voltando ao projecto que se discute, não posso deixar de significar quanto me surprehendeu a linguagem usada pelo sr. Fontes, quando respondeu ao sr. deputado Luciano de Castro, asseverando repetidas vezes que nada importava a sorte deste projecto para a existencia ministerial.
Pois isto é crivei?
(Tornou-se muito difiicil ouvir o sr. deputado, por causa da conversa que se estabeleceu junto á mesa dos tachygraphos.)
Como se concebe que, fazendo o governo o seu cavallo de batalha na presente sessão parlamentar das reformas politicas, lhe fosse necessario á ultima hora acceitar das

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mãos de um adversario politico esse projecto, que elle a presentou em seu nome individual e sem collaboração nem responsabilidade do seu partido? Pois em questão tão grave como é a constituição da camara dos pares, o governo não tinha ainda até esta hora pensamento definitivo?
Asseverou o sr. presidente do conselho que no seio do partido progressista ha luctas intestinas. Por onde se manifestam ellas porém? Não estamos aqui todos na brecha? Não foi o sr. Luciano de Castro apoiado ainda ha pouco por todos os membros da opposição (Apoiados.)
Onde estão pois essas dissidencias, essas suppostas luctas intestinas?
Em má hora veiu s. exa. fallarmos em tal, porque talvez nos podessemos, sujeitando-o á pena do talião, mostrar facilmente onde ellas se manifestam e muito á luz do dia.
A historia d'essas mesmas mesquinhissimas reformas politicas bem claramente veiu demonstrar qual a harmonia de pensamento e a concordia de vontades que reina nos arraiaes do governo.
Pois não vimos nos o governo com poucos mezes de intervallo sacrificar as poucas idéas que considerára fundamentaes no seu projecto de reforma?
Annuncia-se pomposamente e como necessidade inadiavel, como o sacrificio que o espirito do seculo impreterivelmente exige a abolição da hereditariedade, e á ultima hora recusa-se indefinidamente o praso para essa abolição, e amplia-se com este projecto de lei o numero dos que á sombra da categoria do rendimento poderão ter ingresso na camara alta por hereditariedade?
Admiravel logica e estupenda coherencia de idéas politicas!
E a questão do beneplacito?
Essa questão desgraçada que o governo levantou a extemporaneamente, com o unico fim, segundo creio, de acrescentar um artigo ao seu projecto de reforma, e de lisonjear uma certa opinião, e sem sequer suspeitar que por tal modo ia ferir no mais intimo as consciencias catholicas!
Verdade é que com a mesma leviandade e inconsciencia em que te suscitara um problema d'esta ordem, sob pretexto de garantir as prerogativas da corôa, com a mesma leviandade se humilhava o poder civil ao primeiro ponto de resistencia aliás justificado que do outro campo se levantava !
Uma voz: - Está discutindo as reformas politicas.
O Orador:-Não as discuto, critico-as e d'esse direito de critica não prescindirá, nem poderá nunca prescindir a opposição era presença de um facto consummado cuja responsabilidade felizmente era nada lhe pertence.
Mas, voltando ao projecto em discussão, não posso senão repetir o que classe ha pouco.
Reunida a commissão executiva do partido progressista para tratar de diversas questões, o sr. Henrique de Macedo declarou que era seu intuito apresentar este projecto de lei. O chefe do partido progressista respondeu-lhe que a persistir s. exa. n'esse intuito seria em todo o caso sem responsabilidade para o partido.
Isto confirma a lealdade com que procedeu o sr. Henrique de Macedo e a irresponsabilidade do partido progressista n'este projecto.
Mas como explicar hoje a seu respeito a attitude e a linguagem do governo?
Acceitam-se muitas vezes, é certo, as propostas da opposição, quando ellas representam um pensamento util para o paiz e esse procedimento nunca deslustrou os governos; mas, quando se acceitam perfilham se e põe-se a pasta sobre ellas porque se lhes reconheceu a conveniencia e a necessidade. (Apoiados)
Desde o momento que se reconhece que uma proposta representa uma necessidade publica, e em questão do importante de direito publico constitucional, como o é a organisação de um dos ramos do poder legislativo, não se póde dizer que tanto importa que ella seja approvada como rejeitada.
Isso não se admitte e é isso o que disse com sobrada rasão o meu illustre collega e amigo o sr. Luciano de Castro. (Apoiados.)
A hora está adiantada e não desejo por mira alongar a debate, mas entendi que as palavras do sr. presidente do conselho não podiam nem deviam ficar sem resposta. Levantei-as como soube e pude, desejando como todos os deputados d'este lado da camara que a situação do partido progressista ficasse neste caso bem claramente definida. (Muitos apoiados.)
Vozes:-Muito bem.
O sr. José Borges de Faria (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida.
Julgou-te discutida.
O sr. Carrilho (sobre o modo de votar ):-Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votar nominalmente este projecto. (Apoiados.)
Assim se resolveu.
O sr. Bernardino Machado (sobre o modo de votar) :-V. exa. e a camara comprehendem que, tendo eu terminado ha pouco o meu pequeno discurso, dizendo que, segundo as declarações que ouvisse por parte de um e outro partido, assim votaria a favor ou contra o projecto em discussão tenho necessidade de dizer n'este momento duas palavras para justificar o meu voto.
Parece-me, pois, justo que se me permitia usar da palavra antes da votação, que eu serei breve, e neste sentida peço a v. exa. se digne consultar a camara.
(s. exa. não reviu )
O sr. Presidente: -V. exa. pediu a palavra sobre o modo de votar e quer fazer um discurso.
O sr. deputado não pode agora usar da palavra porque se vae votar e d'aqui a pouco tem de se encerrar a sessão.
O sr. Bernardino Machado:-Eu tinha pedido a palavra contando com a benevolencia de v. exa. mas n'esse caso desisto do pedido.
O sr. Carlos Lobo d'Avila (sobre o modo de votar}: - Tendo indispensavelmente de sair neste momento da cala, declaro, por ruim e em nome do sr. Emygdio Navarro, que tambem teve de se ausentar, que, se estivéssemos presentes presentes á votação d'este projecto, rejeital-o-iamos, não porque não concordemos com a sua idéa fundamental, mas porque discordâmos da opportunidade da sua apresentação.
O sr. Presidente: Vae proceder-se á chamada para se votar.
Feita a chamada:
Disseram approvo os srs.: Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Garcia Lobo, Antonio Joaquim da Fonseca, Antonio José d'Avila, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Moraes Machado, Pereira Carrilho, Athaide Pavão, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Sieuve de Seguier, Urbano de Castro, Augusto Barjona, Augusto Poppe, Augusto Fuschini, Noves Carneiro, Bernardino Machado, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Carlos du Bocage, Cypriano Jardim, Ribeiro Cabral, Pinto Basto, Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Affonso Geraldes, Firmino Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, João Ribeiro dos Santos, Joaquim José Alves, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, José Frederico, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, José Maria Borges, Lopo Vaz, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Martinho Camões, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro

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Roberto, Rodrigo Pequito, Dantas Baracho, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Sebastião Centeno, Ferreira de Mesquita, Luiz de Bivar.
Disseram rejeito os srs.: Antonio José Ennes, Pereira Borges, Carlos Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Veiga Beirão, Barros Gomes, Simões Ferreira, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Frederico Laranjo, Luciano de Castro, Luiz Osório, Vicente Pinheiro, Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - O parecer foi, portanto, approvado por 74 votos contra 15.
O sr. Luiz de Lencastre: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de administração e de legislação civil, sobre o projecto de lei do sr. Mattoso Côrte Real, tendente a estabelecer disposições que dêem garantias á genuidade do recenseamento eleitoral.
A imprimir.
O sr. Presidente: - Vae ler-se um parecer, que está sobre a mesa, e que diz respeito às contas do sr. thesoureiro d'esta camara.
Leu-se.
É o seguinte:

PARECER N.º 185

Senhores.-A vossa commissão administrativa foram presentes as contas da junta administrativa d'esta camara pela sua gerencia durante o periodo decorrido de 18 de maio de 1884 a 20 de janeiro do corrente anno, acompanhadas de noventa e sete documentos para comprovar as despezas feitas n'aquelle já referido periodo, sendo a receita de 38:337$400 réis e a despeza de 37:910$005 réis e havendo assim um saldo de 427$395 réis entregue ao sr. deputado thesoureiro; e tendo a commissão procedido ao seu exame, conhecem que as contas estão exactas e as despezas feitas em conformidade com, a lei o que devem merecer a vossa approvação.
Sala das sessões da commissão administrativa, 8 de julho de 1885.= Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa = A. C. Ferreira de Mesquita = Estevão Antonio de Oliveira Junior = Pedro Augusto Franco = José Maria dos Santos, relator.
Dispensado o regimento, foi o parecer approvado sem discussão.

O sr. Presidente: - A commissão para tratar dos negócios do ultramar, segundo a proposta do sr. Sousa Machado, fica composta dos seguintes srs. deputados:

João de Sousa Machado.
Elvino José de Sousa e Brito.
João Chrysostomo Melicio.
José Luciano de Castro Pereira Côrte Real.
Tito Augusto de Carvalho.
Pedro Guilherme dos Santos Diniz.
Augusto Fuschini.
João Eduardo Scarnichia.
Antonio Joaquim da Fonseca.
Vicente Pinheiro Lobo Correia Machado de Mello e Almada.
Henrique da Cunha Mattos do Mendia.
Luciano Cordeiro.
Carlos Roma du Bocage.
Arthur Urbano Monteiro de Castro.
Joaquim José Coelho de Carvalho.
Julio Marques de Vilhena.
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita.
Sebastião Rodrigues Barbosa Centeno.
Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre.
Antonio José Pereira Borges.

O sr. Luciano de Castro:-Pediu que a camara desse um voto de louvor á mesa, pela intelligencia e imparcialidade com que dirigira os trabalhos na presente sessão. Era em nome da opposição parlamentar que pedia se lançasse na acta este voto de louvor. (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente : - Agradeço ao illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, a sua proposta, que a camara apoiou, dando á mesa um voto de louvor pelo modo como dirigiu os trabalhos parlamentares.
É muito honrosa para a mesa a manifestação que acaba de lhe ser dada, e mais uma prova da benevolencia da camara.
Teve sempre a mesa o mais decidido empenho em dirigir com toda a imparcialidade os trabalhos da camara; não obstante, é possivel que commettesse algumas faltas, que era todo o caso, creiam os illustres deputados, foram involuntarias.
Espero, por isso, que serão relevadas, na certeza de que sempre tive e tenho pelos srs. deputados, de todos os lados da camara, a maxima consideração. (Apoiados geraes.)
O sr. Luiz de Lencastre: - O que tenho a pedir é que se declare na acta, que estamos todos de accordo e que por acclamação foi votada a proposta do sr. José Luciano de Castro, (Apoiados geraes.}
O sr. Presidente : - Agradeço mais esta manifestação da camara.
Está levantada a sessão, e a do encerramento terá logar às seis horas da tarde.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Redactor =S. Rego.

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SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1885 3111

Emendas importantes no discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 22 de abril, sobre a generalidade das reformas politicas.

1.ª - Os periodos da 5.ª linha até á 9.ª têem do ser substituidos pelos seguintes:
«Referem as letras sagradas que, por invocação do Josué; fóra suspenso, por instantes, o andamento regular e eterno dos mundos. Ha quem duvide do milagre; mas esta camara viu-o reproduzido n'este importante debate. Por invocação do Josué do partido progressista, o sr. conselheiro Braamcamp, está parado e muda a voz eloquente e inspirada do meu excellente amigo o sr. Antonio Candido.»

2.ª - Pag. 1269; col. 2.ª, lin. 23.ª leia-se «maior» onde está «mais».

3.ª - Pag. 1270, col. 1.ª - O periodo de lin. 45.ª a 53.ª substitua-se pelo seguinte:
«Diante d'este quadro, como é que o sr. dr. Avelino Calixto pude accusar o partido regenerador de ter contribuido para os augmentos dos deficits? Onde encontrou o meu illustre e querido amigo esses successivos augmentos? Só pelo processo de um celebre influente eleitoral, que, tendo pedido a um ministro dos negocios eclesiasticos o despacho de um padre para, uma igreja boa; e tendo-lhe esse ministro observado que esse padre era o ultimo classificado no respectivo concurso; respondeu ao ministro insistindo no pedido com o fundamento de que o seu candidato muito bem e muito facilmente podia ficar no primeiro logar, voltando-se de baixo para cima a lista dos candidatos. Também assim, se o meu bom amigo marchar de 1683-1884 para 1860-1881, encontrará augmentos successivos dos deficits; encontrará os seguintes numeros:

3,59
11,81
20,37
29,49.»

4.ª - Pag. 1272, col. 2.ª - O periodo da lin. 13.ª á 15.ª tem de ser substituido pelo seguinte:
«Permitiam-me v. exa. e a camara que continue a comparar disposições da nossa carta do 29 de abril de 1826 com as das constituições de 1 de outubro de 1822 o 4 de abril de 1838.»

5.ª - Pag. 1277, col. 1.ª - O periodo da lin. 13.ª á lin. 18.ª seja substituido pelo seguinte:
«As nomeações de juizes de primeira instancia serão feitas, por meio de concurso documental, pelas relações judiciaes em cessões plenas, com recurso para o supremo tribunal de justiça, podendo ser admittidos a este concurso, bachareis formados na faculdade de direito que sejam ou tenham sido delegados de procurador regio, advogados ou magistrados administrativos.»

6.ª - Na 5.ª lin. da 2.ª col. da pag. 1277; leia-se «1821» onde está «1851».

7.ª - Nas lin. 49.ª e 50.ª da 1.ª col. da pag. 1278; onde está «Archimeder», leia-se «Archimedes».

8.ª - O periodo da lin. 57.ª a 60.ª da 1.ª col. da pag. 1278 leia-se assim:
«Basta que saibam que foi publicada e executada por ordem do pontifice Urbano VIII, tendo a assignatura dos cardeaes d'Ascole, Bentivoglio, do Cremone, S. Onufre, Gypsius, de Varospi e Ginetti.»

9.ª - O periodo immediato de lin. 61.ª a 66.ª substitua-se pelo seguinte:
«Lembro-me ainda de que foi com o medo da fogueira que o allemão Képler, um verdadeiro Messias, que resgatou a sciencia do influxo funesto da imaginação humana, rejeitou o convite que a republica de Veneza lhe dirigiu, em virtude de recommendação de Julio de Medicis, para ir ser professor em Padua.»

10.ª - O immediato, de lin. 67.ª a 69.ª pelo seguinte:
«Sou allemão; estou acostumado a dizer a verdade toda, mesmo imprudentemente, não quero expor me a ser queimado, como fui Giordano Bruno: dizia o precursor de Newton.»

11.ª - Na ultima linha da primeira col. de pag. 1278, leia-se «feiticeria» onde está «feiticeira».
(Estas emendas foram feitas pelo mesmo sr. deputado que proferiu o discurso a que se referem.)

Por ter saido incompleto, publica-se de novo o discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 15 de maio, a pag. 1564 e 1565 d'este Diario.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Folgo porque vamos entrar em assumptos de instrucção publica. Se me é licito aqui lembrar que tenho a honra de ser professor, agradeço a v. exa. consideração que acaba de mostrar pela instrucção nacional, escolhendo um assumpto que lho diz respeito, entre muito, que estão dados para ordem do dia.
Mas este meu agradecimento, o sincero prazer que sinto, ao ver o parlamento do meu paiz occupado em questões de instrucção publica, não significam que me pareça bem que tão serias questões sejam resolvidas e votadas como de interesse secundario.
Para mostrar a v. exa. e á camara a minha sinceridade, desde já declaro que hei de calar-me, se a camara não prestar a este assumpto a attenção que elle reclama.
Coincidencia notavel!
Estando eu aqui a tomar alguns apontamentos e a preparar-me para combater este projecto, foi exactamente então que v. exa. abriu o debate sobre este projecto, que, substituindo na faculdade de philosophia da universidade de Coimbra a cadeira de agricultura, zootechnia e economia rural pela de anthropologia, paleontologia humana e archeologia prehistorica, cria tres logares de direcção de secção no museu de historia natural da mesma universidade, sendo cada direcção independente e separada de cada uma das outras.
Dos projectos submettidos ao estudo da douta commissão de instrucção superior e especial será este o mais importante e o mais urgente? Vejamos.
Na sessão de 7 de janeiro d'este anno tive a honra do renovar a iniciativa de dois projectos de lei. Um era do fallecido deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, uma das nossas mais queridas e mais venerandas glorias, como parlamentar e como professor; o outro, de origem mais modesta era meu; era da minha iniciativa.
O primeiro, que tambem fôra renovado pelo finado deputado Roque Joaquim Fernandes Thomás, um dos mais illustrados antecessores de v. exa. n'essa cadeira, e ultimamente por mim, tende a extinguir para sempre o contrabando do ensino, prohibindo aos professores de instrucção publica, tanto superior, como especial, como secundaria, o ensino particular. O outro, prescrevendo a votação nominal e publica, em todos os exames e actos de instrucção publica, tende a elevar e robustecer a auctoridade dos professores e a garantir aos alumnos e solemne reconhecimento dos direitos que do ceu tenham recebido em talentos e do saber pelo seu trabalho alcançado.
D'estes projectos, ambos de grande interesse publico, ambos de manifesta moralidade, ambos de muita urgencia, sr. presidente, nenhum tem merecido á illustre commissão

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de instrucção superior e especial a honra de ser estudado, nem sequer de ser distribuido a um relator!
Olho ao redor de mim; percorro com a vista a sala toda; por mais que procure, não vejo aqui membro algum d'esta illustre commissão. Creio que sou o unico presente n'este momento; mas sou um bastardo no seio d'essa commissão; não posso responder por ella. Bem quizera eu que alguem me dissesse a quem foram distribuidos, que sorte têem tido estes dois projectos.
Notavel e triste coincidencia! Ambos estes projectos, de evidente interesse geral, de manifesta vantagem, absolutamente indispensaveis para que cessem muitos abusos e escândalos, nem foram ainda estudados; e já têem tido parecer outros muito menos importantes, até de mero interesse individual.
(Entrou o sr. deputado Bernardino Machado.)
Folgo de ver entrar nesta sala um dos illustres membros da commissão de instrucção superior e especial, o nosso estimavel amigo e distincto collega Bernardino Machado, que talvez possa dar-nos informações do destino que hajam tido os meus projectos. Refiro-me ao projecto do fallecido deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, cuja iniciativa foi por mim renovada n'esta sessão legislativa, para ser prohibido o ensino particular aos professores de instrucção publica; e a um meu antigo projecto para que seja abolida a votação secreta nos exames, actos, provas de concurso e informações academicas.
Espero que o meu illustre amigo e collega o sr. Bernardino Machado tenha a bondade de esclarecer-me com a informação que lhe peço.
Vejamos, sr. presidente, quaes toem sido os projectos estudados e considerados pela douta commissão; tenho-os aqui em separado.
O primeiro, n.° 22, é o que se refere aos actuaes lentes provisorios da escola medico-cirurgica do Funchal. Estabelece que estes professores sejam nomeados vitalicios, sem exame, logo que provem seis annos de effectivo serviço; equipara o ordenado de professor cathedratico da mesma escola ao de professor proprietario de lyceu central, e o de professor ajudante ao de professor substituto tambem de lyceu central.
Era de manifesta justiça. Approvei-o, porque conheço os tres professores actuaes da escola medico-cirurgica do Funchal, dois dos quaes foram meus condiscipulos n'uma aula da faculdade de philosophia. Foram todos tres alumnos muito distinctos, condecorados todos os annos dos seus cursos com premios, e seriam hoje lentes da universidade, ornamentos do professorado d'este estabelecimento de instrucção publica, se não lhes tivesse repugnado ficar a viver em Coimbra. Mas este parecer não tem a minha assignatura.
Vou informar a v. exa. e a camara do motivo por que o não assignei. Foi simplesmente porque rejeito e condemno como falsa a doutrina do relatorio do parecer.
Funda-se esta doutrina no direito que os professores provisorios dos lyceus possam alcançar pelo seu serviço, para que sejam dispensados das provas de um concurso, e na comparação dos ordenados d'estes professores com os dos professores dos lyceus centraes.
Ora os professores provisorios só podem ser invocados para que immediatamente sejam eliminados.
A existencia de similhantes professores é uma vergonha e uma calamidade.
Têem competencia? Vão mostral-a no concurso; provem ahi que são capazes de ser professores e mais capazes que outros que por ventura lhes disputem o logar. E a commissão, longe de reprovar este erro e de propor emenda prompta, eleva-o á altura de uma rasão!
Impressionou-se a commissão porque «não é justo que os professores, cathedraticos e ajudante da escola medico-cirurgica do Funchal sejam menos remunerados do que são os professores proprietarios e substitutos dos lyceus centraes».
Mas é certo que um lente substituto de qualquer das faculdades da universidade ou de qualquer dos institutos de instrucção superior de Lisboa ou Porto, tem remuneração inferior á de um professor proprietario de lyceu central.
Eu não podia acceitar essas rasões; não assignei o parecer, cuja justiça eu bem reconhecia e cuja boa sorte bem do coração desejava.
Aproveito a occasião para lavrar o meu protesto, que é de profunda convicção, contra a existencia, ou antes tolerancia, de professores provisorios nos lyceus. Custa a crer que haja quem acceite similhante posição, só dada por favor; todavia, tantos professores ha que a acceitam, tantos que a têem solicitado ou mendigado!
Uma triste praga!
Tambem já foi approvado por está camara o projecto que reorganisa a academia polytechnica do Porto. Teve elle o meu voto. E é o unico que tem a minha assignatura.
Sou contrario a reformas parciaes, principalmente em instrucção publica; considero-as um estorvo para uma reforma geral que seja efficaz, reforma geral que é urgente para o ensino nacional:
Esta reforma parcial é uma somma de esforços e diligencias que se perde.
Individuos e corporações que andam empenhados em alcançar a satisfação de uma necessidade propria, desde que tenham alcançado a reforma que lhes convenha, não se importam mais com as necessidades dos outros, nem com as geraes.
Mas ainda assim assignei o parecer relativo á reorganisação da academia polytechnica do Porto. Querem v. exas. saber porque?
Na altura a que se tem elevado a academia polytechnica do Porto, cumpre aos poderes publicos empenhar-se em auxiliar os esforços dos distinctos professores d'aquella escola, que tão feliz tem sido na escolha do seu pessoal docente.
Mas ha mais.
Tive outra rasão, que declaro com muitissima satisfação. Desde que n'aquella escola está como professor o primeiro mathematico de Portugal e Hespanha, o unico homem de genio que conheço n'este paiz, entendo que os poderes publicos devem cercar aquelle estabelecimento de todas as vantagens de uma grande instituição.
Outro parecer considerado pela commissão de instrucção superior e especial é o n.° 65, o do «superintendente»; ficaria melhor «hyperintendente regio dos estudos e espectaculos musicaes!»
Apresentado a esta camara pelo seu illustre auctor e meu prezado amigo no dia 4 do corrente, teve logo no dia 11 (exactamente uma semana depois) parecer da commissão de instrucção superior e especial, tendo tido antes, no dia 6, o da commissão de fazenda.
Notavel circumstaucia. O parecer da commissão de fazenda a preceder o da commissão de instrucção superior!
V. exa. e a camara talvez estejam persuadidos de que estou a fazer estas apreciações com o fim de gastar tempo até que dê a hora da ordem do dia. Asseguro a v. exa. e á camara que, para impugnar este parecer, nem uma hora me chegaria para cada um dos seus artigos, embora eu fosse mais que preciso, embora fosse mesmo rapido! Se apresento estas reflexões, é para bem frisar a desigualdade enorme com que as illustradas commissões consideram e tratam os projectos confiados ao seu exame especial.
Pois apresentei dois projectos de interesse geral e de moralidade publica; n'um d'elles pedia a abolição do escrutinio secreto nas provas em que sejam julgados alumnos ou candidatos, escrutinio secreto que reputo um crime imposto pela lei á consciencia; no outro pedia que aos pro-

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fessores de instrucção publica seja prohibido o ensino particular, para pôr termo a vendas torpes de approvações em exames; e estes dois projectos, que não envolvem augmento de despeza, que são apenas de justiça e moralidade, suo abandonados pela commissão...
O sr. Presidente: - Observo ao illustre deputado que está irrogando uma censura ás commissões. Peço que não prosiga.
O Orador: - Estou dizendo que na sessão de 7 do janeiro renovei a iniciativa de dois projectos, envolvendo cada um d'elles uma questão de moralidade; que esses projectos não têem ainda parecer; e que vem agora á discussão um outro muito menos importante.
(Interrupção do sr. Poppe.)
O illustre deputado é muito illustrado e considerado pela camara; póde portanto emittir a sua opinião; não precisa de que eu falle por s. exa. Fallo por mim; e com a firme convicção de quem advoga uma questão de moralidade.
O artigo 1.° d'este projecto é uma inutilidade. O governo está legalmente auctorisado para decretar a substituição pretendida.
O eminente mathematico Gomes Teixeira, o unico homem de genio que actualmente Portugal possue, meu excellente amigo e collega, na sessão legislativa de 1879, apresentou n'esta camara um projecto de lei para que, na 4.ª cadeira da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra, fosso explicada, alem da geometria descriptiva, a geometria superior, sendo metade do anno lectivo destinada á geometria descriptiva e outra metade á geometria superior.
Tive a honra de assignar tambem este projecto, que era uma necessidade urgente e manifesta para o ensino superior das mathematicas.
Qual foi o parecer da illustrada commissão de instrucção publica d'esse tempo? Aqui o têem v. exas.; é o n.º 83 de 1879. Disse a commissão:
«Não ha duvida de que algumas doutrinas que constituem o programma da 4.ª cadeira da faculdade de mathematica são dispensaveis para os alumnos que se destinam ás escolas de applicação e completamente inuteis para os que aspiram ao professorado, para os quaes aliás a geometria superior é de incontestavel proveito. Não obstante, parece á vossa commissão que, na legislação academica, a principiar no titulo X do decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844, estão indicados os meios necessarios para a melhor distribuição das materias de ensino, ahi muito judiciosamente consideradas como objecto de disposições regulamentares; devendo conservar-se, por motivos que são abvios a determinação a este respeito estabelecida na legislação vigente.»
O relator foi o distincto mathematico e illustre parlamentar o sr. conselheiro Antonio José Teixeira; e, com s. exa., assignaram este parecer os srs. José Vicente Barbosa du Bocage, Moreira Freire e Gomes Teixeira, tendo este assignado com declarações, e os fallecidos deputados de saudosa memoria, Alves Passos e Luiz Garrido.
Não reconhece esta doutrina a douta commissão de instrucção superior e especial? Porquê?
O artigo 2.° envolve, n'um periodo proximo talvez, augmento de despeza; e é rasoavol que sobre este ponto seja ouvida a commissão de fazenda, que não o viu ainda.
Note v. exa. que, para discutir o artigo 1.° com a importância que elle tem, em todas as questões complexas que elle abrange, todos nós, creio que sem excepção, teriamos de fazer um estudo serio. Para isso fôra mais conveniente adiar esta discussão.
Mas, n'este momento, posso ainda apresentar algumas considerações que hão do convencer a todos de que não é conveniente que este projecto seja convertido em lei.
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que de por terminadas as suas observações, porque é chegada a hora do se passar á ordem do dia.
Se s. exa. quer continuar na sessão seguinte, fica-lhe reservada a palavra.
O Orador: - Peço então a v. exa. que me reserve a palavra.
(Ente discurso, foi revisto pelo orador.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 16 de maio, e que devia ler-se a pag. 1607, col. 1.ª

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto (sobre a ordem):- Antes de ler a minha moção de ordem, permitta-me v. exa. uma breve e sincera explicação.
Declarei, ha pouco, a v. exa. que tinha de fallar a favor do parecer que nos occupa em parte e contra em outra, exactamente como fizera o nosso illustre collega o sr. Teixeira de Sampaio, na discussão das reformas politicas.
Ha de v. exa. lembrar-se de tel-o inscripto contra, depois d'esta declaração.
Antes d'isto, o mesmo tinha succedido com outro collega, de cujo nome não me recordo n'este momento.
Como, pois, duvidou v. exa. conceder-me a palavra era seguida ao sr. relator?
Não comprehendo esta distincção.
O sr. Presidente: - As condições que se davam então, não são as mesmas de hoje, e desde o momento em que estava inscripto o sr. Elias Garcia contra, eu não podia dar a palavra a v. exa. uma vez que se não inscrevesse do mesmo modo, visto como acabava de fallar um orador a favor.
O Orador: - Não pedi a v. exa. que me inscrevesse a favor.
Nem a favor, nem contra; foi o que eu disse; e v. exa. sabe que esta phrase tem a significação parlamentar de ser parte a favor e parte contra.
Quando n'esta sessão legislativa, pela primeira vez, fallei sobre a questão de fazenda, na discussão da organisação dos serviços fiscaes e aduaneiros, declarei a v. exa. que nunca havia de concorrer para que se fizesse politica partidaria em questões de fazenda, de instrucção publica, de obras publicas e de administração colonial.
E, com tal declaração, não fiz mais do que repetir, como n'este momento repito, um bom preceito que, em 1872, aqui foi aconselhado por um dos nossos mais eminentes estadistas, o illustre e antigo parlamentar o sr. conselheiro Joaquim Thomás Lobo d'Avila, hoje conde de Valbom, cuja auctoridade em assumptos financeiros e económicos é de summo valor para mim.
Está adiantada a hora; não quero ser causa de que não possa ser votado hoje o artigo 1.°, que está em discussão; e, portanto, não lerei os periodos do discurso proferido, ha treze annos, n'esta camara por este eminente estadista, periodos que tenho aqui apontados.
N'estes trechos de boa oratoria financeira, s. exa. mostrou de um modo frisante e eloquente que, em questões tão graves e importantes, ninguem tinha o direito de sacrificar o interesse publico ás conveniencias partidarias.
Não duvidou s. exa. em insistir n'esta obrigação das opposições parlamentares, embora tivesse de romper velhas relações com o partido histórico, ao qual s. exa. tinha sacrificado as suas posições de militar e engenheiro, como n'essa mesma occasião lembrou, obrigado pelo legitimo direito da defeza propria.
Pois é tambem assim que considero as questões de fazenda, instrucção nacional, obras publicas e os problemas fundamentaes da administração colonial.
Cada qual deve dizer o que pensa (Apoiados); não tem de sujeitar-se á condição do fallar sómente contra ou comente a favor.

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Já vêem assim, v. exa. e a camara, que foi com rasão que a v. exa. declarei, ha pouco, que nem tinha pedido a palavra contra, nem a favor.
Antigo deputado regenerador, creio que estou ao abrigo de qualquer suspeita; embora tenha de inscrever-me contra um parecer acceite pelo governo, em questões d'esta ordem, nem assim posso admittir que alguem duvide da minha lealdade. Estou persuadido que nem era necessaria esta explicação. (Apoiados.)
Mas um outro motivo tive para inscrever-me n'este sentido.
Por um dever de leal e sympathica camaradagem, como sabem muitos dos que me escutam, renunciei ao direito, que tinha, de fallar sobre a ordem na generalidade, para mais cedo ter a grata occasião de ouvir um collega nosso; tendo necessidade de brevemente sair de Lisboa, para o que hei de até solicitar licença da camara; entendendo que era dever meu concluir as reflexões que sobre a questão financeira principiei em outra sessão, como tambem apreciar as considerações que, na discussão geral, d'este projecto, o nosso illustre collega, o sr. Consiglieri Pedroso, fez sobre a instrucção publica, eu não podia renunciar ao direito de fallar hoje.
Nas considerações financeiras que apresentei, quando se tratou da reorganisação dos serviços aduaneiros e fiscaes, declarei que, para não perturbar o regular andamento dos trabalhos, e reconhecendo que a camara já estava cansada com similhante questão, interrompia as minhas considerações para continual-as mais tarde.
Demais, como professor, não podia deixar sem resposta o sr. Consiglieri Pedroso, nas considerações, nem todas justas, mas algumas de manifesta justiça e de grande conveniencia, ácerca da questão da instrucção publica.
Explicado o motivo por que entro no debate tão tarde e deste modo, passo a ler a minha moção de ordem, pedindo desculpa de o não ter feito já, como é determinado pelo regimento.
Leu a moção, que é a seguinte:
«O recurso ao credito é boa providencia de administração financeira, sempre que os encargos d'elle provenientes sejam inferiores em importancia aos lucros que resultem das applicações dadas aos capitães obtidos por este recurso.»
Já tive occasião de declarar que a minha dedicação partidaria não vae até ao extremo de sacrificar-lhe o rigor dos methodos scientificos, nem as regras da arithmetica elementar.
Repito que não é exacta a correcção feita no excellente relatorio do sr. ministro da fazenda, a pag. 7, correcção que já foi aqui repetida pelo illustrado relator, no calculo dos effeitos provenientes da antecipação dos rendimentos do tabaco em virtude da lei de 31 de março de 1879.
Como se vê n'um quadro que tive a honra de ler á camara na sessão de 14 de março d, em sete annos económicos o imposto de importação do tabaco foi successivamente augmentando de anno para anno; por consequencia, para deduzir a lei do respectivo rendimento, não podemos recorrer á media dos rendimentos annuaes. Essa media não tem significação alguma; não póde conduzir á descoberta da lei que presidiu ao phenomeno economico da importação.
Temos de recorrer á media dos augmentos annuaes.
No anno economico de 1878-1879 a importação do tabaco rendeu para o estado 5.477:000$000 réis; e tomamos para a unidade 1:000$000 réis, porque a natureza da questão não permitte que a approximação vá mais longe. L tão simples e claro isto, que fôra perder tempo demorar-me mais nesta questão. Em 1879-1880 a mesma importação rendeu apenas 866:000$000 réis; e no anno immediato réis 1.951:000$000.
No relatorio do sr. ministro da fazenda vem calculada a media d'estas tres quantias; é de 2.764:000$000 réis na approximação que temos considerado. E esta é a importancia que assim tem sido attribuida pelo sr. ministro da fazenda, no seu relatorio, e pelo sr. relator das commissões de fazenda e dos orçamentos, nos seus discursos, para os direitos da importação do tabaco em cada um dos tres referidos annos.
Consisto, pois, em descontar nas receitas de 1878-1879 a quantia de 2.713:000$000 réis ou 2.712:000$000 réis, como é feito na pag. 7 do relatorio do sr. ministro da fazenda, a correcção relativa ao adiantamento dos impostos da importação do tabaco. Para esta correcção foi que deduzi para o indicado anno o valor de c, que dá a relação entre o deficit e a somma das receitas 1.
Vejamos que influencia vem para o do erro d'esta correcção.
A media dos augmentos dos impostos da importação do tabaco, augmentos successivos de anno para anno, é o elemento investigador da lei d'esta importação. Indica-nos que para o anno de 1878-1879 a importancia d'estes impostos seria de 2.996:000$000 réis 2, ficando portanto réis 2.481:000$000 para ser distribuidos pelos dois annos immediatos. Já na sessão de 14 de março expuz a distribuição que, na hypothese mais verosimil 3 seria de 1.781:000$000 réis para o anno de 1879-1880; e 700:000$000 réis para 1880-1881.
Fazendo portanto a correcção com esta modificação no documento n.º 1 que acompanha o bem elaborado relatorio do sr. ministro da fazenda, em vez de 2.712:226$729 réis, ternos a descontar 2.481:000$000 réis, nas receitas totaes do anno economico de 1878-1879.
Estas receitas serão, pois, 26.555:477$528 réis; e o deficit total de 8.975:997$225 réis descerá a 8.744:771$496 réis.
A relação o 3 é, pois, 32,93. Este numero é inferior em 0,13 ao numero deduzido dos valores das receitas totaes e do deficit que vem no documento referido, e junto ao relatorio do sr. ministro da fazenda.
Para o anno de 1879-1880 temos 30.904:483$087 réis, em vez de 31.022:065$310 réis, para as receitas totaes; 565:442$354 réis, em vez de 447:860$131 réis, para o deficit total; e o = 1,83 em vez de 1,44.
Esta correcção resulta de ter sido incluida na somma, das receitas d'este anno, a quantia de 1.781:000$000 réis em vez de 1.898:582$223 réis.
Finalmente, para o anno de 1880-1881, temos, introduzindo nas receitas 700:000$000 réis, em vez de réis 813:643$506, o seguinte:
Receitas totaes 26.635:695$978 réis em vez de réis 26:749:339$484; deficit total 8.001:351$836 réis, em vez de 7.888:708$330 réis, e p = 30,04, em vez de 29,49.
Acerca d'estes numeros, veja-se o segundo dos documentos que o sr. ministro da fazenda apresenta no seu relatorio.
Representando pelo symbolo p, as relações d x 100
r,
por d, os deficits, por r, as receitas totaes, por i o numero de de ordem do anno desde 1878-1879 até 1883-1884, temos o seguinte quadro 4:

[Ver fórmula na imagem]

1 Diario da camara dos senhores deputados, pag. 1022, col. 1.ª

1 Diario da camara dos senhores deputados, pag. 1021, ambas as columnas.
2 Diario da camara aos senhores deputados, pag. 1022, col. 2.ª
3 Diario da camara dos senhores deputados, png. 1021, ambas as columnas.

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SESSÃO DE 11 DE JULHO DE 1885 3115

Assim estão representadas, do modo que immediatamente possam ser comparadas, as administrações financeiras d'estes seis annos.
Tenho observado que não é assim que n'esta casa se procede ácerca de taes questões. Quasi todos os srs. deputados têem pelos numeros concretos especial sympathia, a qual só póde explicar-se pelo singular proposito de fazer parecer complicados e difficeis estes assumptos, por sua natureza bem simples e ao alcanço do quem queira estudal-os.
Ha quem acredito que estas questões de fazenda são só para os privilegiados; como ha quem acredite que as questões de geometria exigem vocação especial. Triste engano!
Mas nem todos deixam seduzir-se assim.
Folguei de ouvir o illustre deputado o sr. Lobo d'Avila, adoptando uma phrase feliz e verdadeira do um illustre orador francez, affirmar que o conhecimento das quatro operações arithmeticas é quanto basta para qualquer poder apreciar a questão de fazenda.
Lembro-me do que, quando o sr. conselheiro Barros Gomes, como ministro da fazenda, contrahiu um emprestimo, em 1860, as gazetas d'esta terra escreveram artigos extensos a comparar as condições d'esse emprestimo com as de outro que ao mesmo illustre ministro progressista houvera sido proposto. Até publicaram calculos feitos por mathematicos distinctos, como se esses calculos fossem respostas a consultas. Curiosa cousa!
Poucos mezes depois, tive a satisfação de assistir, como examinador, á solução do mesmo problema feita por uma creança de quatorze annos.
Não descubro outra explicação para a preferencia dada tão geral e frequentemente aos numeros concretos, quando é certo e evidente que, traduzida em numeros abstractos, a questão teria uma forma muito mais simples e de alcanço muito mais facil para todos.
O enthusiasmo pelos números concretos vae até á comparação de receitas, despezas e deficits correspondentes a epochas differentes, como se os respectivos valores fossem os mesmos para essas epochas; e não fica aqui. Vão mais longe.
Quadros das relações entre cada deficit e a receita correspondente, para um mesmo anno, mostrariam o andamento das administrações financeiras; a todos os olhos, ao estadista experimentado como ao cidadão mais modesto e obscuro, ao financeiro consummado como a um a creança, emfim a quem soubesse ler e tivesse ligeiras noções de economia, traduziriam a lei que tivesse regulado estes phenomenos; e emfim permittiriam comparar, n'um abrir e fechar de olhos, as situações financeiras de paizes differentes. Um quadro d'estes números abstratos caberia n'uma folha de papel, que poderia ser percorrida com a vista em menos de meia hora.
Mas, sr. presidente, quantas importancias cairiam diante d'esta simplicidade!
Fallámos da nossa situação financeira? Temos para unidade o real ou 1:000$000 réis.
Fallámos das finanças hespanholas? A unidade e a peseta.
Fallámos das francezas ou belgas? O franco.
Das prussianas ou das austriacas? O thaler ou o florim.
Temos o drachma para as gregas, o rublo para as russas, a piastra para as turcas.
Diga se a verdade. Quando se falla de administração da nossa India aqui, continua-se a empregar a unidade monetária do Portugal, não se recorre aos xerafins e ás tangas.
Ha erro n'estas comparações? É claro que não. Mas poucas pessoas podem fazer idéa exacta e immediata de situações assim comparadas.
É uma questão de reducção reciproca do moedas; é certo. Mas só quem tenha alcançado o habito de um rapido calculo mental, que vale um novo sentido, é que pode effectuar essa reducção com a necessaria promptidão.
O que resulta do emprego de tantas e tão differentes unidades? O que frequentemente temos visto. Quasi todos os deputados, quando lhes é annunciada a discussão de um assumpto financeiro, retiram-se d'esta sala; dos poucos que ficam, como tantas vozes temos visto, nem todos assistem a todo o debate. Procedem assim, illudidos com a idéa do que similhantes assumptos são de extrema difficuldade, ou pelo menos, reclamam muita attenção.
Quando todos se convençam do que basta a inspecção de um quadro de numeros para apreciar-se o andamento de uma administração financeira, estejam v. exas. certos de que para a solução da grande questão de fazenda hão de concorrer muitos mais esforços, muitas mais diligencias.
Agora, sr. presidente, passaria a effectuar uma outra correcção, analoga á que fiz ácerca do adiantamento dos direitos de importação do tabaco, se não fôra meu proposito concluir estas minhas observações hoje, deixando tempo ainda para que este parecer seja votado, indical-a-hei apenas.
A lei de 27 de março do 1882 desfalcou as receitas dos direitos de importação e annexas do anno economico de 1882-1883.
No relatorio do nobre ministro da fazenda vem esse desfalque avaliado por meio da media dos direitos de importação e annexos, o que não é licito, como já observei ácerca da especial importação do tabaco.
Esta correcção não tem importância para a comparação entre as administrações financeiras regeneradoras e as progressistas, porque são de uma regeneradora estos dois annos 1881-1882 e 1882-1883.
Mas tenho diante de mim este trabalho completo, que fiz com attenção e cuidado; e peço então a v. exa. e á camara licença para publical-o no fim d'este meu singelo discurso no Diario das nossas sessões a pag. 0000.
O sr. deputado Consiglieri Pedroso, collega a quem muito estimo, suspeitando que o governo não tem sido rigoroso em fazer realisar o pagamento dos direitos de mercê, queixou-se até porque não lhe têem sido remettidos uns documentos que s. exa. havia pedido pelo ministerio do reino ácerca d'esta questão. Para s. exa. poder apreciar a importancia dos direitos de mercê liquidados e cobrados, desde o anno do 1877-1878 até o ultimo anno economico decorrido, não precisava fazer mais que abrir a conta geral de administração financeira do estado na metropole.
Com mui pouco trabalho e em poucos minutos, s. exa. obteria o seguinte quadro da importancia dos direitos de mercê, tanto liquidados como cobrados nos ultimos sete annos:
Sejam:

.... direitos de mercê liquidados
.... direitos de mercê cobrados;
.... numero de ordem dos annos economicos, a partir de 1877-1878;

1:000$000 réis a unidade.

Annos economicos:

[Ver tabela na imagem]

(Interrupção do sr. Marçal Pacheco durante a leitura do quadro.)

Pergunta v. exa. quanto é em dinheiro um numero abstracto!
Estou fallando na relação da cobrança total para a receita total liquida, em cada um dos ultimos sete annos economicos; e v. exa. pergunta-me quanto esta relação, um numero abstracto, representa em dinheiro! (Riso.)
O exame d'este quadro, que o sr. deputado Marçal Pa-

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checo parece ter em pouca conta, mostra, a quem poder dispor de dois minutos para vel-o, que a cobrança dos direitos de mercê foi quasi a mesma, com pequenas variações, nos annos económicos 1877-1878,1878-1879 e 1879-1880; que desceu sensivelmente no anuo economico de 1880-1881, quasi todo da responsabilidade de uma administração progressista, para logo, no anno seguinte, subir proximamente á que tinha sido em 1878-1879; que foi subindo até que, em 1883-1884, chegou a uma altura a que não se tinha elevado em qualquer dos annos d'este septennio.
Vê-se, portanto, mui facilmente e sem que sejam necessarios outros documentos, que o serviço de cobrança dos direitos de mercê tem melhorado.
Ouvi com desgosto o sr. Consiglieri Pedroso, que é um professor distinctissimo, chamar a attenção dos poderes públicos para a cobrança dos direitos de mercê, quando eu esperava que s. exa. viesse protestar contra o facto de ser considerada uma mercê o despacho para um logar conquistado unicamente pelo trabalho, sem protecção especial dos poderes publicos, n'um concurso em que nem estes poderes intervieram legalmente, quando imo haja violações da lei que os regule.
E que grande mercê um emprego como o de professor, cuja remuneração insignificante, mesmo ridicula, como s. exa. observou muito sensatamente!
Mas deixem-me fallar de outros empregos. Um bacharel formado em direito, depois de ter passado pelas torturas que cada um d'elles sabe, (Riso.) entra para a carreira da magistratura do ministerio publico; tem, nas comarcas que não sejam as de Lisboa e Porto, o ordenado de 300$000 réis e emolumentos que variam entre limites afastados.
Pois tem de pagar ao estado dentro de quatro mezes depois da posse, 180$000 réis de direitos de mercê.
(Áparte.)
Tem, é verdade, a faculdade de requerer, o que é outra mercê pela qual felizmente não paga direitos, permissão para effectuar o pagamento d'estes direitos em quarenta e oito prestações mensaes; e tambem é certo que, se quizer pagar immediatamente, se quizer liquidar as suas contas com a fazenda, que não é dos credores mais benevolos, tem de pagar logo 180$000 réis.
(Áparte.)
É exacto; n'este caso ha abatimento de 10 por cento.
Mas tem de pagar então 162$000 réis; o que é um bom auxilio para quem principia a sua vida publica. (Riso.)
Pois o sr. Consiglieri Pedroso quer que haja todo o rigor com estes pobres funccionarios!
Mas s. exa. talvez se tenha referido unicamente aos direitos de mercês honorificas.
Permitia-me a camara que eu cite um facto, para mostrar que cautela devem ter os poderes publicos com a cobrança de similhante imposto.
Um professor muito distincto da faculdade de medicina da universidade de Coimbra pelos seus trabalhos litterarios mereceu a honra de ser agraciado com uma commenda.
Esses trabalhos pouco lhe renderam; o professor morreu pobre, e tendo-se esquecido de pagar á fazenda os direitos de mercê que ficou devendo pela acceitação de tal commenda, sabe v. exa. o que aconteceu?
A sua viuva e os seus orphãos, por elle estremecidos, foram vexados e perseguidos por uma execução fiscal; creio que este rigor nem poupou os moveis do aposento em que aquelle funccionario tinha morrido.
Quem quizer melhor saber o caso, leia a biographia do dr. Silva Gayo, escripta pelo digno par do reino o sr. Thomás Ribeiro, na ultima edição do Mario.
Parece-me, pois, que o sr. Consiglieri Pedroso deve reservar as suas queixas para outras questões.
Permittam-me que passe a outros impostos.
Lembro-me de ter ouvido aqui ao eminente parlamentar o sr. Mariano de Carvalho, n'esta sessão legislativa, umas rapidas apreciações ácerca dos direitos de importação. Concluía s. exa. que esses direitos foram subindo até que o sr. presidente do conselho de ministros tomou conta da pasta da fazenda; que logo em seguida, depois das providencias tributarias adoptadas em virtude da iniciativa d'este ministro, têem diminuído.
Isto causou manifesta impressão na camara, pois que a opposição progressista só levantou, como um só homem, para applaudir o sr. Mariano de Carvalho, que o affirmava.
Se do mesmo modo apreciássemos nós a modificação introduzida pelo sr. Barros Gomes no imposto do sólio, acharíamos o mesmo resultado; portanto, poderíamos formular a mesma accusação contra o ministro da fazenda no ultimo gabinete progressista.
Da conta geral de administração financeira do estado na metropole, deduzi o seguinte quadro:

[Ver quadro na imagem]

N'esta ultima columna apparece um maximo, que é o augmento de 187:819$736 réis do imposto do sêllo do anno de 1880-1881 em relação ao anterior. Este augmento desce logo a 26:813$178 réis, quantia inferior á dos augmentos dos annos anteriores; e em seguida até muda de signal. E, todavia, o imposto do sêllo tinha sido aggravado pela lei de 22 de junho de 1880.
E aqui não póde presumir-se adiantamento.
Houve circumstancias, cuja influencia não fora regulada pela lei do calculo; que não têem significação numerica conhecida.
Disto póde não ter culpa e é natural que não a tenha o ministro que foi auctor da ultima lei do sêllo. Mas, como não hesito em prestar a devida justiça a um estadista da opposição, tenho direito a exigir que os nossos adversários sejam justos assim para os ministros do meu partido e da minha confiança.
O tempo urge.
Deixo estas considerações; e passo immediatamente ao orçamento da instrucção publica, que apreciarei a correr.
O illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso lamentou que fosse insignificante a verba que vem indicada no orçamento para instrucção publica.
E certo que s. exa. explicou bem o seu pensamento, declarando que alem da verba dependente do ministerio do reino, outras estavam inscriptas em outros ministerios.
Permitta o illustre deputado que eu complete ou antes corrija a sua indicação, com o seguinte mappa derivado do orçamento geral do estado para o proximo anno economico.

Instrucção publica - Orçamento para o anno de 1885-1886

Ministerio do reino. - Capitulo 7.° .... 880:847$655
Ministerio da guerra. - Capitulo 5.°:
Artigo 12.° Pessoal da escola do exercito .... 25:487$250
Artigo 13.° Pessoal do collegio militar .... 12:198$150
Artigo 18.°, secção 3.ª - Material da escola do exercito .... 7:469$870
Artigo 18.°, secção 4.ª - Material do collegio militar .... 30:119$000

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Ministerio da marinha. - Capitulo 5.°:
Artigo 16.° Escola naval .... 16:434$133
Ministerio das obras publicas. - Capitulo 7.° - Estabelecimentos de instrucção .... 152:132$161
1.124:637$719

Na ultima verba não entram os 65:000$000 réis da secção 5.ª do artigo 16.°, tratamento das vinhas phylloxeradas.
É, pois, superior a 1.100:000$000 réis a despeza orçamental da instrucção publica, despeza que o sr. Consiglieri Pedroso calculava em 1.000:000$000 réis, como que por excesso de favor!
Com franqueza, declaro que é minha opinião que esta verba é exígua; estou n'isto de accordo com o meu illustre amigo Consiglieri Pedroso; mas não quero com isto dizer, e ser-me-ía desagradavel que esta idéa corresse lá fóra, que para uma reforma efficaz de instrucção publica fôra necessaria, uma verba muito superior a esta.
Desde que se convençam de que para uma reforma efficaz de instrucção publica é necessario elevar o orçamento, tenham a certeza de que não havemos de ver satisfeita necessidade tão urgente.
Não assustemos os poderes publicos; não pareçamos muito exigentes.
É preciso que se diga a verdade; mas a verdade só e toda.
Com pouco mais do que a verba consagrada ás despezas de instrucção publica, pelo orçamento actual, póde reformar-se este importante ramo de administração publica. De modo summario direi como.
É insignificante o vencimento de cada professor; é ridiculo; é uma miseria.
Não venho queixar-me como professor; não venho pedir que pensem em melhorar a minha sorte.
Professor ha dez annos, e tendo passado n'esta casa mais tempo ainda da minha vida publica, nunca fallei n'isto.
Queixas tenho feito; é certo.
Tenho-me queixado porque ha uma lei que me; obriga a occultar o meu voto no exercício das minhas funcções de examinador, voto que perante a minha consciencia tem sido sempre de justiça, embora de magua umas vezes e outras de gratíssimo jubilo. Tenho-me queixado porque não ha uma lei que prohiba que os professores pagos pelo estado vão pedir a institutos de ensino particular ou á leccionação em suas casas augmento vil, embora de valor, para os seus lucros. Tenho-me queixado por ser tolerado o contrabando de ensino, que tão indecoroso e para o professor, como fôra para um magistrado judicial o exercício da advocacia.
Ainda ninguem viu um juiz deixar a sua comarca, passando ao quadro da magistratura sem exercido, para ir defender perante outro juiz uma demanda rendosa.
Digo-o bem alto para honra dessa benemérita classe de funccionarios publicos, que a todas as outras dá sempre as mais eloquentes provas e lições de honestidade.
E quantos professores, tanto de instrucção superior como de instrucção secundaria, têem examinado e até approvado com distincção os seus alumnos! Que vergonha! Tem até succedido que alguns professores têem solicitado e obtido a commissão de examinadores para um lyceu estranho á circumscripção academica onde toem lecionado, levando comsigo os seus discípulos! E diante do perigo de uma reprovação, depois de um exame detestavel, nem têem alguns duvidado em apresental-os aos seus collegas do jury como seus discípulos, descendo a implorar protecção como..... Deixem-me agora voltar aos vencimentos legaes dos professores.
Desde que um sr. deputado, que tambem é um illustre professor; chamou a attenção das côrtes para a exiguidade d'estes vencimentos, associo-me a s. exa.; mas não o acompanho em tomar a importancia da despeza incluída no orçamento geral do estado para a instrucção publica como criterio sufficiente para a apreciação das necessidades da mesma instrucção.
É urgente elevar os ordenados dos professores de instrucção superior; mas para isto não é necessario aggravar muito o orçamento do ministerio do reino.
É urgente elevar estes ordenados para que não fiquem desertos os concursos para o provimento dos logares vagos de lentes, como já por vezes tem succedido; mas este augmento de despeza ficará compensado pela redacção dos quadros decentes, reducção que tambem é urgente. Entendo que cada professor deve ser encarregado de duas cadeiras. Este serviço póde ser bem e muito bem desempenhado, como uma larga e bem repetida experiencia tem mostrado, principalmente se forem de doutrinas entre si naturalmente ligadas as cadeiras distribuídas ao mesmo professor como por exemplo: direito publico e direito administrativo; economia política e legislação financeira; mechanica e physica mathematica; astronomia e geodesia; anatomia normal e anatomia pathologica; zoologia e anthropologia.
Demais, este facto tem succedido muitas vezes. Ha muitos professores de instrucção superior que regem mais que uma cadeira, e com vantagem para o ensino.
Já tenho accumulado, com a minha, a cadeira de um collega, sem violencia; e já regi simultaneamente tres cadeiras, por motivo de necessidade para o serviço, motivo que deixarei de expor n'esta occasião.
(Interrupção do sr. Consiglieri Pedroso.)
Mas v. exa., meu illustre amigo, correu o risco de estar agora a reger duas cadeiras.
Quero mostrar á camara alguns dos benefícios que nos últimos annos têem sido decretados para a instrucção publica.
É meu desejo sor breve, não para agradar, mas porque reconheço que ha manifesto interesse em que os discursos desta casa não excedam um limite rasoavel.
O sr. Consiglieri Pedroso accusou os governos d'esta terra porque nada têem feito em favor da instrucção publica. Vejamos o que nos mostra a legislação academica desde 1861.
A lei de 26 de fevereiro de 1861 creou na universidade de Coimbra duas cadeiras: a de geometria, descriptiva na faculdade de mathematica; e a segunda cadeira de physica na de philosophia.
A lei de 27 do mesmo mez e do mesmo anno creou na faculdade de theologia da universidade de Coimbra a cadeira de theologia pastoral e eloquencia sagrada, que hoje é a oitava da faculdade e está collocada no quarto anno. A lei de 26 de maio do 1863 creou na faculdade de medicina da universidade de Coimbra e nas escolas de medicina de Lisboa e Porto; - digo assim, em vez de escolas medico-cirurgicas, não só porque estas escolas são verdadeiras faculdades de medicina (Vozes: - Muito bem); mas tambem porque não admitto separação entre a medicina e a cirurgia, como independentes, separação constantemente condemnada pelos nossos venerandos estatutos universitarios de 1772; a lei referida creou nas tres escolas de medicina a cadeira de anatomia pathologica, sciencia em cuja cultura tanto se illustrou o distincto professor da universidade Francisco Antonio Alves.
E este nome lembra-me a execução com que, depois da sua morte, foram cobrados pela fazenda nacional os direitos de mercê que elle devia pela commenda da ordem de S. Thiago, com que tinha sido agraciado em reconhecimento do serviço que havia prestado como autor de uma obra escripta sobre anatomia pathologica, se a minha memoria não está confusa. O nosso excellente amigo e collega Consiglieri Pedroso, tão laborioso e consciencioso como é, póde averiguar bem isto.

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A mesma lei de 26 de maio de 1863 creou na faculdade de medicina da universidade a cadeira de histologia e physiologia geral; e nas outras duas escolas de medicina uma cadeira especial de medicina legal e hygiene publica.
Agora segue-se um melhoramento importante e indispensavel para o ensino experimental. Leis de 28 de junho de 1864 crearam na universidade quatro logares de preparadores: um para o museu de anatomia normal e pliysiologia; outro para a de anatomia pathologica; outro para o gabinete de microscopia; outro para o de chimica medica; e um logar de preparador e conservador do museu de anatomia em cada uma das escolas de medicina de Lisboa e Porto.
O decreto de 15 de junho de 1870, do illustradissimo dictador que está a honrar-me com a sua attenção (dirigindo-se ao sr. deputado José Dias Ferreira), tornou livre o estabelecimento de escolas para o ensino das materias de instrucção superior, secundaria e primaria.
Este decreto é de um fecundo alcance; honra o estadista que o introduziu na nossa legislação. Pena é e triste que não tenha sido sanccionado pelas côrtes geraes, como foram outros do mesmo dictador, como outro de que vou fallar.
O decreto de 22 de junho de 1870, com força de lei, restabeleceu na universidade de Coimbra e nas outras escolas de medicina os cursos de cirurgiões ministrantes. Era de incontestaval vantagem esta providencia, que não subsiste, porque n'ella não cooperaram com lealdade e dedicação os funccionarios a quem cumpria o dever de executal-a.
A lei de 10 de abril de 1876 creou a cadeira de pathologia geral, semeiologia e historia da medicina em cada uma das nossas tres escolas de medicina.
A lei de 23 de maio de 1878 approvou o decreto de 15 de setembro de 1877, que tinha estabelecido provisoriamente junto do curso superior do letras um curso de lingua e litteratura sanskrita, védica e classica; e creou no mesmo instituto a cadeira de plilologia comparada ou sciencia da linguagem.
A lei de 20 de maio de 1880 creou o logar de chefe de trabalhos praticos e preparador do laboratorio chimico da universidade de Coimbra, logar que tem sido desempenhado por um funccionario de superior competencia e de inexcedivel zêlo em serviço tão ingrato.
A lei de 1 de junho de 1882 creou tres logares de lentes substitutos no instituto geral de agricultura para a regencia das seguintes tres cadeiras especiaes: nosologia vegetal, epizootia e sylvicultura.
A lei de 21 de junho de 1883, que o meu illustre amigo e collega o sr. Bernardino Machado, agora me lembra que fôra da sua iniciativa, elevou a 700$000 réis o ordenado annual dos professores do curso superior de letras.
Ha vinte e quatro annos, tem-se feito tudo isto em beneficio da instrucção publica; e mais ainda de que não faço menção para não ser demasiadamente extenso. Bem hão de v. exas. ter reconhecido que estou a fallar muito apertado pelo tempo.
Tem-se feito tudo? Não. Muito longe d'isso estamos ainda. Mas é forçoso reconhecer-se que a instrucção publica n'este paiz não tem sido tão abandonada como parece ao sr. Consiglieri Pedroso.
É urgente a reforma da instrucção publica; mais uma vez o repito. Mas quero tambem repetir que esta reforma póde effectuar-se efficaz sem grande augmento de despeza; basta que tenha conveniente distribuição e seja augmentada um pouco a que vem indicada no actual orçamento.
Querem v. exas. saber um facto que bem mostra como a despeza da instrucção secundaria tem sido mal distribuida?
Tenho aqui diante de mim um primoroso mappa das despezas feitas com os exames nos lyceus da segunda circumscripção academica, no ultimo anno lectivo. Não é obra minha. Foi organisado pelo meu respeitavel mestre, excellente amigo e distincto collega o sr. dr. Luiz Albano, lente de prima, decano e director da minha faculdade, inspector da instrucção secundaria na referida circumscripção, o mais zeloso, intelligente e activo inspector que conheço; posso e mesmo devo dizer que não ha outro assim.
Não lerei este mappa todo. Não ha tempo para a leitura; nem v. exas. poderiam, só por ouvil-o, fazer d'elle uma idéa segura. Peço licença para publical-o, n'este logar do meu discurso l.
Como v. exas. vêem, este mappa representa muito trabalho e muita consciencia.
As columnas do Diario das nossas sessões ficam honradas com este precioso documento.
No lyceu de Castello Branco vê-se que cada exame custou 100$374 réis no ultimo anno lectivo e 98$409 réis no penultimo.
No lyceu de Leiria cada exame custou 43$633 réis no anno lectivo 1882-1883 e 62$836 no seguinte.
O governo fazia um grande serviço á instrucção publica, tomando conta d'estes alumnos e sendo feito á sua custa esses exames nos lyceus a cada um d'elles.
Isto é uma anomalia; mas é um facto.
Ora, se eu quizesse argumentar segundo o systema que tenho ouvido n'esta casa, diria que em instrucção publica não ha paiz tão adiantado como este. N'um lyceu de provincia cada exame custa mais de 100$000 réis!
Sr. presidente, corto as largas considerações que tinha a apresentar sobre instrucção publica.
Não podia reserval as para outra sessão, porque tenho de sair cedo de Lisboa, em cumprimento de um dever sagrado.
Antes de concluir, permitiam v.exas. e a camara que eu justifique a minha moção de ordem, chamando a attenção de v. exas. para os encargos do recurso ao credito que o paiz está obrigado e para a lei que tem presidido ás administrações financeiras. A mesma verdade é confirmada pelos progressos e melhoramentos realisados em Portugal, com o auxilio do credito. Estes progressos e melhoramentos estariam bem longe de realisação sem o credito, cujos encargos serão pagos e bem pelo producto dos mesmos melhoramentos.
E, obedecendo á indicação fatal do relogio, ponho ponto final a este singelo discurso.
(O orador foi comprimentado por alguns collegas e pelo sr. ministro da fazenda.)

1 Vae publicado na pag. 3119.

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SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1885 3119

Receita e despeza nos lyceus da segunda circumscripção academica no anno de 1883-1884

[Ver tabela na imagem]

Observações

A despeza orçamental com os sete lyceus da circumscripção é de .... 44:100$000
Despenderam-se effectivamente .... 33:725$715
Houve portanto economia de .... 10:374$285
Abatendo a despeza com a inspecção .... 750$000
Restam .... 9:624$285

Este saldo existe, especialmente porque são provisorios muitos professores; e porque não tem sido despachados os tres substitutos do lyceu central.

(a) Para o calculo do custo de cada exame em Lamego não se mencionou o subsidio de 391$830 réis prestado pela camara municipal ao estado, mettendo em conta essa verba de receita ficará o custo de cada exame reduzido a 4$802 réis, comparavel com o do anno antecedente, em que se fez aquella reducção.
(b) A receita das propinas no anno anterior foi muito inferior á do actual, porque o estabelecimento dos exames por classe privou de fazer exame os alumnos dos annos impares, que já não poderam preparar-se para os exames de classe.

N. B. Na despeza com os lyceus, mencionada nas observações, não é comprehendida a verba de despaza extraordinaria com os exames, porque essa constitue verba á parte.

Apreciação da influencia provavel da lei de 27 de março de 1882 nas receitas dos direitos de importação e annexas do anno economico de 1882-1883.

Sejam:

[Ver formula na imagem]

Seja representada pelas iniciaes C G a conta geral da administração financeira do estado na metropole.

[Ver formula na imagem]

(1) São estes os que vêem considerados na conta geral da administração financeira do estado na metropole.

[Ver formula na imagem]

(1) C G, pag. 75.
(2) O algarismo da casa dos milhares é differente do que vae deduzido adiante.
(3) O algarismo da casa das centenas de milhares é differente do que vae deduzido adiante.
(4) Da C G, pag. 75, deduz-se o n.º 145:705$755 réis.
(5) Na C G, pag. 76, vem o n.º 623:541$149 réis.

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3120 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver formula na imagem]

Deducção dos valores dos B1 (C. Gr. pag. 75.)

Sejam:

[Ver formula na imagem]

(1) O algarismo das centenas dos milhares da C G é differente. C G, pag. 246 e 247.
(2) O algarismo das centenas de milhares da C G. pag. 272 e 273, é differente.
(3) Na C G, pag. 298 e 299, vem o n.º 143:481$522 réis.

Por ter saído incompleto e com inexactidões, publica-se novamente o discurso do sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, proferido na sessão de 26 de maio, e publicado a pag. 1788.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Não fui bem comprehendido pelo nosso illustre collega o sr. Mendes Pedroso no que, ha dias, disse ácerca da dispensa a que, em minha opinião, têem direito alguns alumnos do curso de medicina, em relação ao exame dos elementos de legislação civil, direito publico e administrativo portuguez e economia política.
Não disse que para os alumnos de medicina eram dispensaveis estes elementos; não tratei de similhante questão; nem virei hoje tratar d'ella.
Fallei ácerca de uma hypothese especial, que novamente vou considerar.
A lei de 14 de junho de 1880 começou a vigorar no corrente anno lectivo, em relação á exigencia do exame dos elementos de legislação civil, direito publico e administrativo portuguez e economia política, como preparatório indispensavel para a primeira matricula n'um curso superior.
O artigo 37.° d'esta lei prescreve que a carta de bacharel em sciencias, carta que abrange a referida disciplina no curso geral, seja habilitação necessaria para a matricula nas faculdades de sciencias naturaes, nas escolas medico-cirurgicas e nos cursos superiores da escola e academia polytechnicas.
Tem havido duvidas ácerca da interpretação d'este artigo, que só estará em vigor a contar desde o anno lectivo 1886-1887.
Entendem uns que o exame da disciplina referida era exigido por lei para a matricula no primeiro anno de qualquer das escolas de medicina já no corrente anno lectivo. Entendem outros que este preparatorio de instrucção secundaria só póde ser exigido aos alumnos que, no corrente anno lectivo, tenham começado em qualquer instituto de instrucção superior o curso especial preparatorio para os estudos medicos; este é o meu parecer.
O illustre deputado, que, segundo creio, é medico, sabe perfeitamente que o primeiro anno de curso superior que têem de frequentar os alumnos que se destinam á profissão da medicina, não é o primeiro da faculdade de medicina da universidade, nem de qualquer das outras duas escolas de medicina de Lisboa e do Porto. Na faculdade de medicina da universidade não póde um alumno ser admittido á matricula do primeiro anno, sem estar habilitado com os exames do primeiro anno da faculdade de mathematica, das cadeiras dos primeiros quatro da faculdade de philosophia, na classe de obrigado, e com o curso especial de desenho; isto é o que é exigido era rigor; mas ha muitos alumnos que entram na faculdade de medicina, sendo já bacharéis na de philosophia. Nas escolas de medicina de Lisboa e Porto, não é tão demorado o curso preparatório superior; é permittido aos alumnos frequentar juntamente com as aulas de medicina umas cadeiras das subsidiarias; mas em nenhumas d'ellas póde um alumno entrar sem ter exames de physica e chimica em instituto de instrucção superior, se não está a trahir-me a memoria, na qual, n'este momento confio plenamente.
Se havia rasão, boa ou má, para que não fosse exigido o referido exame aos alumnos que, diante de si, tinham ainda tres annos para entrar no primeiro d'um curso superior, a mesma subsiste para que a tal exame não sejam obrigados alumnos que, como os do primeiro anno medico da universidade de Coimbra, já têem tres annos de frequencia e exames na mesma universidade.
Se, para alumnos que vão começar o curso de direito, é indispensavel este preparatorio, póde não sel-o para alumnos que vão quasi em meio dos seus cursos na universidade.

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Imaginem v. exas. as hypotheses que vou figurar, hypotheses que hão de encontrar no parecer da commissão de instrucção superior e especial.
Um alumno reprovado no primeiro anuo jurídico, no ultimo anno lectivo, podia ser admittido a nova matricula no mesmo primeiro anno, com a certidão da matricula anterior, e portanto sem o exame dos elementos de legislação civil, direito publico, direito administrativo portuguez e economia política. Um alumno n'estas condições, tem principiado pois no corrente anno lectivo, noto a camara bem isto, o seu curso de leis sem o exame da nova disciplina.
Outro alumno, com tres annos de curso superior, com sete exames feitos na universidade, sem contar-se o curso de desenho, até bacharel em philosophia, não podia matricular-se no primeiro anno da faculdade de medicina, n'este mesmo anno lectivo, sem a nova disciplina, uma pequena e rapida formatura em leis, segando a doutrina opposta á minha. É manifesto este absurdo, que ha de impressionar mesmo os indifferentes, perante estas graves questões do instrucção publica.
Outra hypothese.
Dois aluirmos receberam o grau de bacharel na faculdade de philosophia em 1383. Um d'elles, em outubro d'esse anno, matriculou-se no primeiro anno de medicina sem que lhe fosse exigido o exame a que me tenho referido. O outro foi concluir a formatura em philosophia; matriculou-se no primeiro anno de medicina no corrente anno lectivo; e agora para fazer o exame d'este anno tem de ir ainda ao lyceu fazer o exame da disciplina referida, que e do curso geral dos lyceus.
Mais ainda.
Se este tivera alcançado informações distinctas, poderia n'este mesmo anno lectivo, que está correndo, ser admittido aos actos de licenciatura e conclusões magnas; elevado aos graus de licenciado e doutor; e até ser nomeado brevemente lente da faculdade do philosophia, tendo precedido concurso. Mas nem assim poderia entrar no primeiro anno medico sem o exame da disciplina referida, se fosse reconhecida como legal a doutrina que combato. E preciso notar que pertence ao curso geral dos lyceus e portanto é preparatorio para todas as faculdades a disciplina a que me tenho referido.
Terminando, devo dizer que estou muito longe de querer, como o sr. deputado Mendes Pedroso, a suppressão de qualquer das tres escolas medicas. Em vez de querer reduzir as três escolas de medicina, quero-as todas tres, com a mesma categoria, os mesmos programmas, iguaes direitos, iguaes obrigações, as mesmas honras, os mesmos proveitos e o mesmo regimen.
(O sr. deputado reviu este discurso.)

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 27 de maio, e que devia ler-se a pag. 1813, col. 1.ª

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto (sobre a ordem): - Tenho a honra de mandar para a mesa tres propostas relativas ao artigo 1.°, que está em discussão.
Leu as seguintes propostas:
«Ficam permittidos todos os jogos actualmente prohibidos por lei; e sujeitos a um imposto que varie, para cada estabelecimento de jogo, de 50$000 réis a 6:000$000 réis annuaes, lançado e cobrado aos trimestres, conforme a ordem das terras e as estacões do anno;
«Cada folha de papel para requerimentos e certidões de matriculas e exames, em estabelecimento de instrucção publica é sujeita ao imposto do sêllo de:
«10 réis para a instrucção primaria;
«20 réis para instrucção secundaria;
«40 réis para instrucção superior e especial;
«É sujeita ao imposto de sêllo de 100 réis cada folha de papel para reclamações e documentos nos processos de isenção do serviço militar, excepto no caso em que o reclamante for attendido por ser pobre;
«É abolido o imposto do sêllo sobre os premios pecuniarios conferidos pela universidade de Coimbra e pelas outras escolas aos seus alumnos.»
Permitta-me v. exa. que, aproveitando-me da bondade que v. exa. tem dispensado a outros collegas meus, consentindo que elles apresentem sobre o artigo 1.° propostas relativas a outros artigos, o que na realidade é mais conveniente para que a discussão não se prolongue de mais, permitta-me v. exa. que eu leia e mande para a mesa uma outra proposta que se refere ao artigo 7.°
Como se vê, as tres propostas relativas ao artigo 1.° são muito mais modestas, e mesmo na apparencia de menos valor, que as outras que, sobre o mesmo artigo, têem sido mandadas para a mesa. Mas não pode deixar de reconhecer a importancia d'ellas, mesmo no meio da sua simplicidade, quem conhecer bem as necessidades da instrucção publica, e quem tiver pleno conhecimento do serviço que ella reclama de todos.
Antes, porém, de sustentar rapidamente estas propostas, permitia-me v. exa. que eu manifeste não a minha opinião, mas o meu sentimento ácerca da idéa que teve o illustrado e talentoso ministro da fazenda de sujeitar ao imposto do sêllo de 1 por 1:000 a transmissão da herança de ascendentes para descendentes.
Em circumstancia nenhuma poderia eu dispensar o meu voto para approvar similhante providencia, que é contraria ao que a natureza tem do mais elevado e nobre, ao dever mais solemne que o homem póde contrahir n'esta vida.
Esta questão para mim não é de opinião, é apenas de sentimento.
Não é a primeira tentativa que se faz para que entre os ascendentes e descendentes venha metter-se o fisco, embora com garras macias, quando uma família soffre a desgraça de perder sou chefe, ou a companheira d'elle, no meio da viuvez, da orphandade, das mais exeruciantes dores que podem amargurar uma existencia.
Lembro-me bem de que o illustre estadista o sr. conselheiro Antonio de Serpa Pimentel, sendo ministro da fazenda, propoz um imposto de transmissão de 2 por 100 cobre o terço que es descendentes herdem dos ascendentes. Na grandíssima maioria dos casos esta proposta equivalia a lançar um imposto de transmissão de 2/3 por 100 das heranças recebidas dos ascendentes.
A proposta do sr. Serpa encontrou grandíssima opposição, á qual o experimentado estadista teve de ceder, mesmo dentro da fidalga commissão de fazenda, commissão que é um pequeno parlamento, mas soberano de facto. Então a commissão de fazenda teve juízo e sustentou os bons princípios.
O actual ministro da fazenda, mantendo as suas convicções segundo o que, ha dias, nos disse, transigiu agora do mesmo modo com a commissão de fazenda, desde que reconheceu que esta tinha escrupulos de principios ácerca do imposto do sêllo sobre a transmissão... note-se bem... de propriedades de ascendentes para descendentes, não entre ascendentes e descendentes. D'estes para aquelles já temos a transmissão onerada com o imposto de 2 por 100.
Diante de urna grande necessidade, posso comprehender um imposto sobre as economias realisadas por cada cidadão, examinadas e verificadas n'um período determinado, de tres ou cinco annos por exemplo. Poderia designar-se este imposto de economia.
Mas não comprehendo um imposto sobre o que dos paes herdam os filhos ou os netos dos avós.
Inspira-me só a consciencia n'este sentimento. Não é de interesse proprio o motivo que me obriga a fallar assim.
Se algum merito tenho perante a minha consciencia, é o esquecimento da minha pessoa diante dos interesses geraes

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do paiz, diante das conveniencias legitimas de minha familia, mesmo quanto tenho occasião de servir dignamente um amigo. Sou o ultimo de quem mo lembro.
Obedeço a um dever de consciência expondo estes meus sentimentos.
O filho é o pae reproduzido. Lançar um imposto qualquer na transmissão da propriedade de pae para filho, ou de avô para neto, fôra o mesmo que recorrer ao imposto de economia, de que fallei ha pouco, em circumstancias difficeis ás vezes, ou antes quasi sempre, para a administração dos bens tributados; lura distribuir um imposto de violenta oppressão, que só perante uma extrema necessidade do salvação publica poderia tolerar-se, ao capricho do acaso, aos momentos de angustias para famílias inteiras e sobre necessidades que todos devemos respeitar.
Mas que rasão póde haver para justificar um qualquer imposto sobre a transmissão do bens de ascendentes para descendentes?
Desde que um homem tem recebido n'um filho a benção do céu, em consciencia, conforme a grande e eterna lei do sentimento, deixou de ser proprietario de todos os bens que possuía, tanto dos adquiridos e recebidos por titulo gratuito, como dos que tenha alcançado e ainda venha a alcançar pelo seu trabalho, para ser administrador d'esses bens, que logo ficam sendo propriedade de seus filhos.
N'estes sentimentos fui educado; são estes os exemplos que mo tem dado e felizmente dá ainda meu pae; nos mesmos sentimentos educarei meus filhos; hei de dar-lhes os mesmos exemplos.
Na transmissão da propriedade de ascendentes para descendentes não consentirei que alguem toque com o meu voto.
Pelo actual ministro da fazenda, tenho, alem, de inteira confiança como em qualquer dos seus collegas, subida e dedicada estima; não lhe darei, porém, o meu voto, nem o auxilio do meu silencio, para introduzir na nossa legislação similhante imposto, embora seja de um ceitil, da mais pequena fracção que em réis possa ser representada.
E todavia a um ministro da opposição darei, se necessario for, o meu voto para um imposto tão pesado como ainda nenhum ministro da fazenda ousou propor.
Tomo este solemne compromisso. Se ámanhã, um ministro da fazenda, seja qual for a parcialidade política a que pertença, vier propor o imposto que vou indicar, póde contar desde já com o meu voto. É o imposto de 25 por cento sobre a transmissão da propriedade por titulo gratuito, pagável durante o praso de dez annos, sendo exceptuada a transmissão de ascendentes para descendentes.
Sobre esta não voto um real proposto por um ministro do meu partido; sobre outra qualquer estou disposto a votar até 25 por cento, a pagar no período de dez annos, mesmo que este imposto seja solicitado por um ministro da opposição.
Agora vou justificar cada uma das minhas propostas.
A primeira é para que o sólio dos requerimentos para matriculas e exames, seja de:
10 réis para instrucção primaria;
20 réis para instrucção secundaria;
40 réis para instrucção superior e especial.
É um beneficio, deixem-me fallar com a franqueza própria do meu caracter e da minha profissão, é urna esmola que venho pedir para a instrucção do meu paiz.
É uma migalha, que representa muito para tantos, tantos que, nascendo na pobresa, sem pão sufficiente para cada dia, pelo talento e pelo trabalho, illuminados pela honra, chegam a habilitar-se para servir o seu paiz.
Sigam v. exas. o exemplo que nos deixou o nosso bem amado Rei o Senhor D. Pedro V, que ensinou a ser reis os reis do mundo, na sentida phrase do fallecido Basilio Alberto de Sousa Pinto, auctoridade de especial estima para mira, como v. exas. sem duvida hão de ter notado.
No Diario do governo de 4 de fevereiro de 1857, n.° 30, encontram v. exas. o decreto seguinte, expedido pela vedoria da casa real.
«Tendo attenção ás urgencias do estado, hei por bem ordenar que, da dotação que me fôra estabelecida, na conformidade da carta constitucional da monarchia, se deduza a quantia de 91:250$000 réis, como donativo expontaneo, que deverá verificar-se durante o anno de 1857-1858; e outrosim sou servido declarar que é minha vontade que d'esta somma sejam applicados 30:000$000 réis á fundação de um observatorio astronomico em Lisboa; e réis 10:000$000 para enriquecer as collecções do instituto industrial d'esta capital, devendo a restante quantia de réis 51:250$000 entrar na receita geral do estado.
«O duque mordomo-mór assim o tenha entendido e fará constar na repartição competente.
«Paço, aos 31 de janeiro de 1857. = REI = Duque mordomo-mór.»
Este observatorio, que hoje e uma feliz realidade, era já então uma necessidade, reclamada não só pela sciencia astronómica, mas tambem pelo brio e pela dignidade da nação.
Por decreto de fevereiro de 1857, referendado pelo venerando Sá da Bandeira, foi nomeada uma commissão para estudar e propor a organisação d'este observatorio, commissão de que fez parte o fallecido general dr. Filippe Folque, cavalheiro de reconhecida e distincta competencia sobre este assumpto. Essa commissão desempenhou-se de tão honroso cargo por modo tão brilhante, como o está attestando o proprio observatorio, que felizmente Portugal possue, e que tem um logar distincto entre os primeiros observatorios do mundo.
Mas do mesmo monarcha ha mais donativos generosos em beneficio da instrucção publica.
O decreto de 30 de outubro de 1858, tambem expedido pela vedoria da casa real e publicado no Diario do governo de 10 de novembro d'esse anno, n.° 265, diz o seguinte:
«Tendo attenção ás urgencias do estado, hei por bem ordenar que da dotação que me fôra estabelecida na conformidade da carta constitucional da monarchia, só deduza a quantia de 91:250$000 réis, como donativo expontaneo, que deverá verificar-se durante o anno economico de 1859-1860; e outrosim sou servido declarar que é minha vontade que d'esta somma sejam applicados 30:000$000 réis á formação de um fundo permanente em inscripções da junta do credito publico, com os juros dos quaes se realise n'esta capital a creação e a conservação dos seguintes cursos publicos: de historia, de litteratura antiga e de litteratura moderna, particularmente da portugueza, devendo a restante quantia do 61:250$000 réis entrar na receita geral do estado.
«O conde da Ponte, par do reino e vedor da fazenda da casa real, assim o tenha entendido e fará constar na repartição competente.
Paço, aos 30 do outubro de 1858. = REI = Conde da Ponte.»
Recordo estes dois donativos do saudoso monarcha o Senhor D. Pedro V, donativos espontaneos e generosos, sem os quaes nem teríamos hoje o magnifico observatorio astronomico da Ajuda, nem o instituto scientifico do curso superior de letras, para que as côrtes se resolvam a seguir tão grandiosos exemplos, dando a pequena migalha que peço para os alumnos das nossas escolas, migalha que não será grande prejuízo para a fazenda nacional.
A mesma justificação tem a proposta de abolição do imposto do sêllo para os diplomas dos prémios concedidos aos estudantes pela universidade de Coimbra e pelas outras escolas do reino.
É facil calcular o máximo em que póde importar este beneficio.
Em cada uma das faculdades academicas póde haver dez premios pecuniarios apenas, dois em cada anno. Ora, sendo de 1$000 réis o imposto do sêllo para cada diploma

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de premio ou partido (tabella 1.ª, classe 6.ª, verba 69.ª), o maximo proveniente do imposto do sêllo dos premios será de 50$000 réis.
Em cada uma das faculdades de medicina o philosophia póde haver vinte e quatro partidos, seis em cada um dos primeiros quatro annos; no quinto não ha partidos. Na faculdade de mathematica podem ser conferidos os partidos nos primeiros tres annos, seis em cada um. O maximo do imposto do sêllo dos partidos será portanto de 66$000 réis.
Isto para a universidade. Para as outras escolas não posso dar indicações tão precisas; mas encontro no orçamento geral do estado algumas que são sufficientes.
Notemos que é de 2:835$000 réis a importância, da verba destinada para a continuação das obras nos estabelecimentos da universidade, partidos e premios aos estudantes das faculdades e aos de pharmacia e todas as mais despezas.
No orçamento do material da escola polytechnica, de Lisboa vem indicada a quantia de 1:170$000 réis para premios a alumnos.
No orçamento relativo á academia polytechnica do Porto temos 1:336$000 réis para premios a estudantes, despezas do expediente, compra de livros para a bibliotheca, conservação e aperfeiçoamento do jardim botanico, dos gabinetes de physica, de historia natural, de cinematica e do laboratorio chimico.
Nas duas escolas do medicina de Lisboa e Porto encontramos 108$000 réis para custo de livros para premios, em cada uma d'ellas.
No curso superior de letras não ha verba para esta despeza.
Emfim, no orçamento do ministerio da guerra apparecem 720$000 réis para premios pecuniarios aos alumnos.
Basta esta indicação para facil e immediatamente reconhecer-se que é insignificante para a fazenda publica o producto do imposto do sêllo dos diplomas dos premios.
Já v. exa. vê que, mesmo suppondo que eram conferidos todos os premios, fôra de pequeno valor o desfalque que a fazenda sofreria.
Se proponho a reducção de uma receita e a eliminação de outra, indico para substituil-a uma outra, que me parece ha de excedel-as muito.
Proponho o imposto do sêllo do 100 réis para cada folha de papel nos requerimentos e nas certidões dos processos de reclamação contra o serviço militar, exceptuando apenas o caso em que o reclamante haja sido attendido com o fundamento de pobreza, caso em que continuará, segundo a minha proposta, a subsistir a isenção do imposto.
Ha de render muito em dinheiro este imposto; e ainda mais em moralidade, porque estou certo de que hão de deixar muitos de ir importunar os tribunaes com as suas intoleraveis e infundadas reclamações.
Tive a honra de ser membro da commissão districtal do districto de Vianna, durante muitos annos; e observei então factos incriveis.
Lembraram-se de reclamar a isenção do serviço militar para seus filhos alguns dos quarenta maiores contribuintes de concelhos importantes. Até um d'estes, com fortuna que tinha sido calculada por muitos superior a 200:000$000 réis, teve a singular idéa de reclamar a para seu filho unico, allegando que este era necessario para a administração da sua casa.
O artigo 7.°, tornando licitas as loterias, revoga os artigos 270.º e 271.° do codigo penal portuguez. Pelos mesmos motivos, aggravados por habitos de muita gente, entendo que para qualquer jogo é de enorme vantagem a mesma providencia, que se reduz á revogação dos artigos 264.° e seguintes do codigo penal portuguez.
Esta providencia vae indicada na minha ultima proposta.
Antes de terminar, permitia-me a camara que declaro que não posso acceitar duas rasões adduzidas pelo illustre relator da commissão: uma já mencionada no relatorio do projecto, e outra que, ha pouco, s. exa. expoz no seu elegante discurso.
Para justificar a liberdade dos jogos o loterias adduz s. exa. como rasão fundamental a impotencia das leis contra habitos inveterados, que só o desenvolvimento da instrucção póde desarreigar.
Se esta rasão fosse procedente, o que tínhamos a concluir era a necessidade de mais desenvolver a instrucção publica, necessidade aliás reconhecida e reclamada por outras rasões bem diversas.
Mas contra os jogos, como contra o luxo, como contra um vicio qualquer, o meio efficaz não é ministrado pela instrucção nem pelas leis; o unico meio efficaz está em fazer evital-os por uma educação virtuosa. Só no lar santo da familia podem os vícios ser combatidos com energia e proficuidade.
Tambem não posso accceitar, porque é falsa, a resposta do illustre relator ao sr. conselheiro Luciano de Castro ácerca do perigo que cada qual corre, de que alguem seu inimigo ou mal intencionado, lhe ponha em casa ou metta no bolso cartas não selladas ou fabricadas em contravenção das prescripções da lei, cujo projecto nos occupa.
O illustre deputado o sr. Luciano de Castro disso que podia succeder um indivíduo introduzir em casa ou no bolso de outrem um baralho de cartas n'estas condições, um baralho de contrabando, ficando este sujeito a uma multa, que é evidentemente uma pena.
A isto respondeu o sr. Moraes de Carvalho, que tambem esse indivíduo podia metter-lhe na algibeira uma nota falsa.
É evidente a differença enorme.
Se provar a origem do baralho de cartas, de modo que a sua innocencia fique posta fóra de qualquer duvida, o indivíduo que o tiver em seu poder rica sujeito a uma multa. Com a nota falsa não succederia assim; no mesmo caso de provar a sua inocencia plena, seria absolvido, sem ficar sujeito a multa alguma.
Tenho concluído e poço desculpa se porventura tomei á camara mais tempo do que desejava.
Vozes: - Muito bem.

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 29 do maio, e que devia ler-se a pag. 1831, col. 2.ª

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Sr. presidente, ha dias, em resposta que tive a honra de dar ao illustre deputado o sr. Mendes Pedroso, por parte da commissão de instrucção superior, acerca, da idéa da suppressão de uma das escolas de medicina, idés emittida, por s. exa., declarei que uma reforma da instrucção superior, para ser efficaz e acertada, não póde deixar de distribuir por tres universidades os estudos das differentes sciencias.
Como esta idéa póde ser exagerada a quem não tenha pensado bem n'este assumpto, eu peço licença á camara para desenvolvel-a.
Uma das principaes condições a que a instrucção publica tem de satisfazer para ser efficaz, para que possa ser convenientemente transmittida, para que os seus resultados possam ser devidamente apreciados, para seguro julgamento dos alumnos, é que o numero d'elles não exceda um certo limite, que só pude ser calculado, approximadamente fixado, pela experiencia do magisterio.
Pelo que tenho concluído de uma justa observação dos factos, durante dez annos de professorado, entendo que não convêm cursos de mais de vinte alumnos.
A faculdade de direito da universidade de Coimbra fornece todos os annos exemplos eloquentes da gravíssima inconveniencia de cursos numerosos.

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Succede muitas e muitas vezes que alumnos d'esta faculdade têem apenas dado uma ou duas lições durante todo o anno, cada uma de 10 a 15 minutos, que com estas provas, cuja contingencia é manifesta entram a exame, que tão decidida influencia tem na sua sorte!
Até já alguns tem entrado a exame ou acto, sem ter dado uma unica lição! E o que é triste, sr. presidente, é que alumnos, sem ter dado provas sufficientes do seu talento e saber, precipitada e levianamente julgados por meia duzia de respostas dadas num exame a perguntas feitas por lentes tão imparciaes, que durante o anno nunca se lembraram desses alumnos, tenham recebido como sei e affirmo que tem succedido, a macula de um R n'um anno adiantado do seu curso!
Sei que esta questão não ha de alcançar a attenção da camara; sei que n'este assumpto, dos que aqui estão, só hão de lembrar-se alguns cujos filhos sejam victimas dos vícios e erros que estou a condemnar e para os quaes peço o remedio, que é urgente.
E todavia são de grandíssimo interesse publico estas questões.
Napoleão I, um genio como n'esta casa não ha outro, sempre que alludia á escola polytechnica de Paris, instituto a que elle dedicou a sua solicitude e estendeu a sua protecção, tratava-a como a gallinha dos ovos de oiro.
Entre nós não é assim. Entre nós, as questões de instrucção publica são sempre consideradas de segunda ordem, por quasi todos os homens públicos, excepto quando os effeitos deste desleixo, mais que lamentavel, criminoso mesmo, ferem as pessoas que mais conjunctas lhes são pelo sangue.
Tenho observado que muitos cavalheiros com assento nesta casa, tendo assistido á discussão de reformas de instrucção publica, quando depois chegam a conhecer os effeitos d'essas reformas em pessoas por cuja sorte muito se interessam, revoltam-se contra as leis que elles fizeram e dizem que realmente não sabem como similhante cousa passou. É assim mesmo que fallam!
Mas continuando, direi que alguns alumnos da faculdade de direito têem sido unicamente julgados pela prova de exame final, prova de três argumentos, cada um dos quaes em geral dura, quando muito, vinte minutos!
Não levarei mais longe estas considerações, para não abusar da paciencia da camara e privar da palavra alguns dos meus collegas que a pediram para antes da ordem do dia; mas quero que v. exa. e a camara saibam um facto de que tenho pleno e seguro conhecimento.
Houve um alumno que, tendo frequencia boa, sufficiente para lhe garantir o acto, em duas aulas de terceiro anno de direito, não tendo lição alguma na outra aula deste anno, apesar de tel-a frequentado regularmente, pois nem preterido foi por faltas, foi approvado simpliciter, tendo-o sido nemine discrepanti nos dois primeiros annos, isto é, tendo o desgosto de ver a sua carreira manchada com o primeiro R, lançado pelo professor que o não tinha ouvido durante o anno! Note-se que o mesmo professor apenas se tinha limitado a assistir ao seu argumento, pois não assistira aos dos seus collegas!
Factos como estes só é possível evitar desde o que numero de alumnos seja suficientemente pequeno para que os professores possam ouvil-os a todos com regularidade.
Se v. exa. abrir o annuario da universidade de Coimbra para o anno lectivo que está a findar, encontra o seguinte quadro dos alumnos matriculados na faculdade de direito:

1.° anno .... 94
2.° » .... 87
3.° » .... 75
4.° » .... 74
5.º » .... 64

Não conto os alumnos de mathematica matriculados em economia politica, os quaes são 26.
Como evitar estes inconvenientes que deixo indicados?
Occorrem-me dois meios.
Um, que já tem diversos precedentes nas escolas, é o desdobramento dos cursos, havendo mais que um professor para a mesma disciplina, dois ou tres conforme a frequencia dos alumnos, na mesma cidade; ou estabelecer em differentes cidades institutos scientificos. Ora, para esta solução, evidentemente a mais racional, estão naturalmente indicadas as cidades de Coimbra, Lisboa e Porto.
Podia apresentar mais rasões para sustentar estas idéas; mas o meu pensamento agora é simplesmente indicar bases para a reforma da instrucção superior.
Emquanto ás faculdades de medicina, mathematica e philosophia, os factos são sufficientes para justificar esta minha opinião.
Se porventura houvesse uma só escola do medicina, no paiz, os alumnos actualmente habilitados por Coimbra, Lisboa e Porto, teriam de accumular-se todos n'uma unica escola com os desgraçados inconvenientes observados na faculdade de direito.
A faculdade de theologia é frequentada por poucos alumnos; como escola normal e superior da sciencia de Deus e da religião, póde ser sufficiente umas pelo menos, não serão necessarias mais que duas.
Mas tambem será sufficiente uma faculdade de litteratura, em substituição do actual curso superior de letras.
Assim convem que haja tres universidades: uma em Coimbra, outra em Lisboa e outra no Porto, cada uma com as faculdades de direito, medicina, mathematica, de sciencias physicas e chimicas, de historia natural; duas com a de theologia; e uma com a de litteratura.
Deixo indicada assim a necessidade de dividir em duas faculdades as disciplinas que actualmente constituem a de philosophia.
Esta base, em minha opinião, é fundamental n'uma reforma efficaz de instrucção publica.
É tambem preciso que o pessoal docente seja escolhido do mesmo modo para as tres escolas.
A verdadeira reforma da instrucção publica está na escolha do pessoal. Póde haver uma organisação boa, mas com pessoal incapaz; e neste caso será inutil essa organisação; pelo contrario, com um organisação insuficiente são possíveis optimos resultados, desde que os professores sejam excellentes.
(Entrou o sr. ministro dos negócios estrangeiros.)
Folgo de ver entrar o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que antes de entrar na vida política, foi um professor muito distincto.
O paiz muito folgará que s. exa., como ministro, conquiste a gloria e o direito ao reconhecimento d'este paiz que alcançou na sua brilhante carreira de lente.
Espero que s. exa. terá a bondade de ouvir-me e de transmittir ao seu collega dos negocios do reino as poucas e breves considerações que vou fazer.
O illustre ministro sabe que o decreto regulamentar dos concursos para o provimento dos logares de professores é o mesmo em todos os estabelecimentos de instrucção superior; o que não é o mesmo, onde até ha uma enorme differença, é o systema de habilitação de candidatos.
A universidade de Coimbra, o primeiro dos nossos estabelecimentos scientificos, que se orgulha de ter como filhas suas e muito queridas as outras escolas do paiz, é o que está em condições menos favoraveis; e o curso superior de letras, escola que pelo seu pessoal docente elila póde considerar tambem sua filha, embora deva a sua existencia, como já tive occasião de dizer á camara, n'uma sessão proxima, á generosa munificencia do virtuosíssimo e mui illustrado Rei o Senhor D. Pedro V, é o estabelecimento de instrucção superior mais favorecido pelas disposições que regulam o provimento dos logares de professores.
Aos logares vagos das faculdades da universidade de

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Coimbra só podem concorrer em cada faculdade os doutores graduados pela mesma faculdade.
Aos logares vagos nas escolas de medicina de Lisboa e Porto podem concorrer os habilitados com a carta do curso completo em qualquer das tres escolas do medicina; o portanto estas escolas já têem mais onde escolher o seu pessoal docente do que as faculdades da universidade.
A escola polytechnica de Lisboa e a academia polytechinica do Porto têem a faculdade de encolher os seus professores entro os alumuos preparados por ellas e os bachareis formados em qualquer das faculdades de medicina, mathematica, philosophia e direito, conforme as cadeiras que se trata de prover.
Finalmente, o curso superior do letras tem a faculdade de escolher onde quizer.
Para a admissão ao concurso de lente n'este instituto scientifico basta a habilitação de um curso superior qualquer; e ha no ministerio quem demonstre quanto vale esta vantagem.
O sr. Pinheiro Chagas, um dos professores mais distinctos do curso superior de letras, brilhante ornamento da nossa instrucção superior, apresentou-se candidato ao logar que hoje occupa com a carta de curso de infanteria da escola do exercito.
Uma voz: - Era membro da academia real das sciencias.
O Orador: - Em todo o caso, mesmo sem essa condição de ser s. exa. socio de 2.ª classe da academia real das sciencias, poderia ser admittido a concurso com o diploma da nossa escola militar.
E esta é a secunda base que julgo indispensavel para uma boa reforma de instrucção superior.
É certo que esta base póde considerar-se tambem consequencia da outra, pois, desde que haja tres universidades, com as mesmas categorias, com as mesmas honras, com os mesmos programmas, com os mesmos estatutos, haviam de ter tambem o mesmo processo para a escolha dos seus professores.
A estas universidades é claro que tem de applicar-se o systema que une entre si as tres relações judiciaes do reino.
São estas as bases fundamentaes de uma boa reforma de instrucção superior.
E tão urgente como esta mesma reforma é o cumprimento rigoroso das leis.
É preciso por-se termo ás constantes violações das leis e dos preceitos regulamentares da instrucção publica.
Determinam os estatutos da universidade de Coimbra, preciso deposito de sabedoria, que não seja conferido o grau de bacharel a um alumno sem que previamente lhe tenha sido participado o resultado do seu acto.
É tão rasoavel esta disposição, que não é preciso lel-a nos estatutos, para acreditar-se que lá está prescripta.
E, todavia a faculdade de direito, arrogando-se attribuições legislativas, proclamando-se reformadora, revogou-a em congregação por sua conta e risco!
Esta faculdade resolveu que o resultado de qualquer exame ou acto só fosse communicado uma hora depois; e tal rigor ha na execução d'esta delibração illegal, que professores de direito ha que nem qualquer collega são capazes de communicar o resultado de um exame ou acto, sem Ter decorrido a tal hora depois da votação!
Assim, muitos alumnos têem recebido o grau de bacharel em direito sem saber se foram approvados nemine discrepanti ou simpliciter!
Tem até succedido que alguns, não querendo a carta de bacharel maculadas com um R, - e infelizmente para alguns isto é indifferente - vão repetir o anno e tomam pela Segunda vez o mesmo grau, que só póde ser conferido uma vez.
Ao passo succede isto, saibam, v. exa. e a camara que, apesar dos esforços feitos por alguns professores, não tem sido cumprida a determinação dos estatutos, para que cada professor, todos os mezes, participe ao conselho da sua faculdade quaes os alumnos que mais se tenham distinguido pelos seus meritos literarios e pelo seu comportamento; tal é a disposição do livro III, parte II, titulo VIII, capitulo I, § 6.° da estatutos de 1772, disposição excellente e da incontestavel justiça. Tambem não tem sido cumprida a determinação do titulo II, artigo 6.° e § 4.º do decreto de policia e disciplina academica, de 25 de novembro de 1839, que estabelece a obrigação de cada professor entregar ao reitor da universidade, na congregação fínal de um anno lectivo, uma relação alphabetica dos alumnos approvados n'esse anno, com informações de cada um d'elles. E todavia esta disposição é essencial para a votação das informações finaes, pois que hão de ser presentes estas relações aos professores que têem de tomar parte n'esta importante votação.
E ha quem censure as informações da universidade quando na respectiva votação entram professores que não têem sido mestres dos alumnos informados!
Quem faz similhante censura, tantas vezes repetida, não sabe que essa votação tem de ser feita á vista das informações escriptas e assignadas, em relação a cada alumuo, por cada um dos seus professores.
Limito aqui estas considerações, porque não desejo usar da palavra até á ordem do dia; aproveitarei, porém, occasião propicia para apresentar mais algumas considerações que entendo dever ainda apresentar.
Vozes: - Muito bem.

Publica-se novamente, depois de revisto pelo seu auctor, o discurso pronunciado pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 2 de junho, discurso que saiu incompleto no Diario da camara a pag. 1948 e 1949.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Envio para a mesa o parecer da commissão de instrucção superior e especial com um projecto de lei que reconhece o direito de admissão á matricula e ao exame do primeiro anno da faculdade de medicina na universidade de Coimbra e das escolas de medicina de Lisboa e Porto sem o exame da disciplina dos elementos de legislação civil, de direito publico e administrativo portuguez e economia politica aos alumnos que tenham principiado, antes do corrente anno lectivo, os estudos preparatorios dos cursos superiores, ou nas faculdades de mathematica e philosiphia da universidade de Coimbra, ou na escola polythechnica de Lisboa, ou na academia polytechnica do Porto.
Este parecer tem apenas as assignaturas de seis membros da commissão; e, para obtel-as, tenho tido grande trabalho, que não é propriamente obrigação do relator. Mas esta questão é urgente; versa sobre um direito, que para mim e incontestavel, de muitos alumnos das nossas escolas de instrucção superior, alguns dos quaes, os do primeiro anno da faculdade de medicina, da universidade de Coimbra, vêem prudentemente reclamar perante o parlamento que lhes seja, reconhecido e garantido esse direito. A demora na resolução d'esta questão póde ser negação de justiça; similhante responsabilidade não quero para mim; e então entrego a questão á camara, para que esta a resolva na sua alta e recta sabedoria. Declaro porém que hei do procurar assignaturas para este parecer; e, logo que as tiver alcançado, participal-o-hei a v. exa. e á camara.
Tive a honra de renovar, no principio d'esta sessão legislativa, a iniciativa do projecto de lei, apresentado ha trinta annos n'esta casa do parlamento, para ser reprimido e extincto o nefasto contrabando do ensino.
Esta foi a expressão empregada pelo dr. Basilio Alberto de Sousa Pinto para classificar o crime commettido pelos professores de instrucção publica no exercício da leccionação particular. Para mim este fallecido deputado tem ainda hoje auctoridade bastante para que todos lh'a acatem, como me prezo de acatal-a em elevada conta.

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Em 1855 este projecto de lei teve parecer da commissão de instrucção publica, que não o demorou. Aqui o tenho; é de extrema simplicidade; é o n.° 31 do referido anno.
«Senhores. - A commissão de instrucção publica, tendo examinado o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, prohibindo aos professores de instrucção superior e secundaria o ensino particular, e a representação de alguns professores do lyceu de Evora contra essa prohibição; e considerando, que esta mesma prohibição, já consignada nos decretos de 4 de julho, e 19 de setembro do anno proximo passado, em vez de contrariar a bem entendida liberdade do ensino, estabelecida na carta constitucional, e consignada no decreto de 20 de setembro de 1844, assegura o exercício d'esta garantia constitucional, evitando o monopólio do ensino particular, geralmente exercido pelos professores publicos, com grave prejuízo dos professores particulares, e dos alumnos, que frequentam os cursos dos respectivos lyceus, que por isso se adiam, pela maior parte, quasi abandonados;
«Considerando que, sendo os professores dos lyceus, e dos estabelecimentos de instrucção superior examinadores publicos, segundo a legislação vigente, não podem, se ao mesmo tempo exercerem o ensino particular, desempenhar com o devido rigor e a necessaria independencia e imparcialidade as funcções de julgadores;
«Considerando, finalmente, que já em parte se attendera aos legítimos interesses dos professores de instrucção secundaria, permittindo-se-lhes o exercício cumulativo do seu magisterio nas aulas publicas, e nos seminarios episcopaes; e concedendo-se-lhes as jubilações com o acrescimo da terça parte dos respectivos ordenados; é a commissão de parecer, depois de ouvido o governo, e de accordo com elle, que se deve approvar o referido projecto de lei, a fim de resolver por uma vez quaesquer duvidas, que na applicação das penas estabelecidas nos citados decretos de 4 de julho, e 19 de setembro do anno findo, possam suscitar-se por parte de alguns interessados; e por isso tem a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:
«Artigo 1.° A todos os professores de quaesquer escolas ou estabelecimentos de instrucção publica secundaria ou superior é prohibido o ensino particular.
«Art. 2..º Aquelle professor publico, que exercer o ensino particular, julgar-se-ha haver, por esse facto, renunciado ao ensino publico.
«Art. 3.° Ficam assim confirmadas as disposições dos decretos de 4 de julho, artigo 4.° e 19 de setembro, artigo 3.°, de 1854, e revogada qualquer legislação em contrario.
«Sala da commissão, em 17 de março de 1855.»
É evidente que o primeiro artigo ha de ser ampliado com o mesmo rigor aos professores de instrucção especial.
Nada mais fãcil do que applicar a pena do artigo 2.° ao professor que a tenha merecido. Desde que um professor de instrucção publica exerça o ensino particular, entende-se que tem renunciado ao seu logar do magisterio.
Não quero demorar-me muito mais n'este assumpto e portanto nem um ligeiro extracto farei da larga discussão havida em 1855 sobre este projecto, discussão em que o dr. Basilio Alberto de Sousa Pinto encontrou contra si um seu antigo discípulo, muito distincto, por este insigne mestre sempre muito estimado e considerado, um moço cheio de talento e boa vontade, que, depois disso, já tem servido e honrado o paiz nos conselhos da corôa.
Refiro-me ao sr. deputado Luciano de Castro, que nessa occasião estava illudido com a liberdade garantida pela carta constitucional; não passavam de receios ou antes escrupulos de violar este codigo, n'uma das suas mais bellas garantias, as rasões por s. exa. adduzidas para combater o projecto do benemerito parlamentar Basilio Alberto. N'essa occasião foi que, por iniciativa do deputado José Tavares de Macedo, appareceu a idéa de commissões especiaes para o serviço dos exames de instrucção secundaria (1), idéa que, ha poucos annos ainda, tivemos occasião de experimentar, como tambem tivemos de reconhecer os seus beneficos resultados.
O parecer apresentado em 1855 tem as seguintes assignaturas: = Antonio José d'Avila = Justino Antonio de Freitas = José Maria de Abreu = Antonio Ferreira de Macedo Pinto = José Teixeira de Queiroz = Julio Maximo de Oliveira Pimentel, com declaração = Basilio Alberto de Sousa Pinto.
Aqui está um nome hoje representado nos conselhos da

1 O abaixo assignado não pode concordar com a maioria da commissão, na approvação do projecto do sr. Bazilio Alberto de Sousa Pinto, emquanto prohibe aos professores de ensino secundario o ensino particular; mas não deixa por isso de reconhecer tão claramente, como os seus collegas da commissão a necessidade de medidas efficazes para impedir os males que aquelle projecto teve por fim evitar.
Se os ordenados dos professores fossem mais elevados, e se se podesse contar sempre com o pagamento regular, poderia talvez sem maior difficuldade conformar-me com a maioria da commissão: mas persuado-me que no estado actual das cousas a prohibição do ensino particular aos professores dos lyceus teria por consequencia desviar de entrarem no magisterio publico, ou de se conservarem n'elle os indivíduos que, conhecendo o seu merecimento, entendessem que pelo ensino particular podem fazer interesses iguaes ou maiores do que no magisterio publico; teria alterar, com grave desvantagem, a actual situação de uma classe respeitabilissima, o que tudo dará em resultado terem cada vez mais raros os professores habeis e de distincto merecimento, contrariando-se por tal meio o principio de todos reconhecido, que cumpre por todos os modos buscar homens para todos os empregos, e direi mais, que para o magisterio se devem procurar habilissimos.
Reconhecendo, porém, como todos os outros membros da commissão, que é de absoluta necessidade dar providencias para impedir o mal que infelizmente se tem sentido pelo abuso de alguns professores, e que entendo com a maioria da commissão que só por medidas geraes se pode evitar, tenho a honra de vos propor que, em vez de uma medida de uma natureza odiosa, e talvez em muitos casos inefficaz, cortemos o mal mais pela raiz, com menos inconvenientes para os professores, e com mais utilidade para o ensino. Deixemos aos professores que ensinem quem quizerem, e onde lhes convenha; consintamos que os pães de família, que preferirem o ensino domestico, busquem os preceptores de seus filhos entre aquelles que o governo, pela nomeação para as cadeiras publicas, declarou serem não só habeis, mas os mais habeis, consintamos que os collegios particulares possam receber nas suas aulas os professores publicos; considerando que os indivíduos que não habitam nas capitães dos districtos, onde unicamente ha lyceus, necessariamente hão de pôr seus filhos em taes collegios, e que estes estabelecimentos não são uma especulação de competencia com os estabelecimentos publicos, mas são casas indispensaveis á educação do maior numero de indivíduos que se destinam a qualquer carreira que exige habilitações litterarias, o que hoje se exige para algumas, e seria para desejar que se exigisse para todas.
A medida que proponho consiste em tirar aos professores secundários a obrigação e o direito de serem os unicos examinadores das disciplinas que se ensinam nos lyceus.
O governo nomeará annualmaente em tempo opportuno examinadores especiaes por cada epocha do exame.
Nenhuma difficuldade achará o governo em encontrar pessoas aptas para as funcções de examinadores, porque os poderá escolher d'entre quaesquer cidadãos notoriamente habeis; poderá, quando convenha, nomear professores de um lyceu para serem examinadores em outros; poderá mesmo, quando lhe parecer acertado, nomear para examinadores em um lyceu professores d'esse mesmo lyceu, em quem não caia suspeita de que não serão justos no julgamento dos exames.
Offereço, pois, á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O governo nomeará annualmente para cada lyceu examinadores especiaes para cada epocha de exames.
O governo poderá nomear examinadores quaesquer cidadãos que julgue habeis para estas funcções.
Art. 2.° Será applicado ao pagamento de ajudas de custo aos examinadores o rendimento de contribuição pela abertura e encerramento da matricula, que se acha ordenada pelos artigos 67.° e 68.° do decreto de 20 de setembro de 1884.
Art. 3.° O governo poderá, quando julgue conveniente, determinar que os exames para se obter carta de approvação no curso geral dos lyceus, só tenham logar nos lyceus de Lisboa, Coimbra, Evora, Porto e Braga, ou em mais alguns, segundo as suas circumstancias.
Art. 4.° O governo é auctorisado para decretar todas as providencias necessarias para a execução da presente lei.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario. = José Tavares de Macedo.

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corôa pelo sr. ministro do reino, e n'esta camara por duas das nossas mais formosas esperanças, os illustres deputados Barjonas de Freitas.
E ainda assim, no debate, que foi porfiado, naufragou este parecer, de manifesta justiça e doutrina excellente.
Depois, em 1857, renovou a iniciativa do mesmo projecto o conselheiro dr. Roque Joaquim Fernandes Thomás, um dos antecessores de v. exa. n'essa cadeira. Mas, desde então até 7 de janeiro, ninguem mais pensou n'elle; n'esse dia tive a honra de renovar-lhe a assignatura.
Hão de v. exa. e a camara, recordar-se das queixas que, com todo o respeito e toda a consideração, fiz nesta casa, ha dias, contra a commissão de instrucção superior e especial. A commissão attendeu as minhas queixas, em verdade justas, e dignou-se distribuir este projecto, juntamente com outro de iniciativa minha, iniciativa que renovei tambem n'esta sessão, para abolir o escrutínio secreto nos actos e exames, escrutinio que reputo um crime imposto pela lei á consciencia de cada um.
A commissão de instrucção superior e especial distribuiu ambos estes projectos ao nosso distincto collega o sr. Elias Garcia, que previamente havia declarado que, em virtude das suas muitas occupações, não podia encarregar se de relatar um projecto qualquer. Este foi o relator que a doutíssima commissão julgou mais proprio para projectos de minha iniciativa e só para estes, pois nenhum outro lhe foi distribuído. E preciso que este facto fique registado.
N'estas circumstancias, entendi que devia proseguir no exemplo que nos havia deixado o dr. Basilio Alberto; resolvi ser relator do projecto deste parlamentar cuja iniciativa eu tinha renovado. Pedi ao sr. Elias Garcia o obséquio de ceder-me este encargo. S. exa. teve a bondade de ceder-m'o promptamente. Aqui tenho o relatorio e o parecer; são os mesmos da illustrada commissão de instrucção publica de 1855. Tenho solicitado de alguns dos meus collegas da commissão de instrucção superior e especial a sua assignatura para este parecer; ando n'esta ingrata tarefa desde o dia 30 de maio.
N'estes tres dias, apenas consegui a assignatura do sr. Wenceslau de Lima; e esta mesma com declarações, as quaes não deixam de ter significação e valor. Este illustre deputado reconhece a justiça e a necessidade do principio em que se funda o projecto; mas entende que a prohibição do ensino particular aos professores de instrucção publica só póde ser decretada depois de convenientemente augmentados os ordenados d'estes funccionarios do estado.
Em taes condições, e considerando que este projecto tem de ser especialmente examinado tambem pela commissão de instrucção primaria e secundaria, entendo que v. exa. deve envial-o, juntamente com este parecer, que apresento assignado pelo sr. Wenceslau de Lima e por mim, a esta commissão.
Antes de terminar, desejo apresentar uma observação, para que ninguem possa estranhar este meu sincero esforço em conseguir que a industria da leccionação particular seja prohibida aos professores de instrucção publica. Estou certo de que não ha ensino efficaz, nem julgamento seguro em exames sem esta prohibição. Direi a verdade toda: com o systema actual têem sido alcançadas approvações em exames por vil dinheiro! É repugnante isto!
Não pense v. exa. que pretendo extremo rigor em exames. Quero uma rasoavel benevolencia, que até constitue um dever. Não me repugna que, diante de um alumno pobre, orphão de pae, cuja presença no exame representa pesado sacrifício de sua mãe, a benevolencia vá um pouco alem dos seus naturaes limites. Sei quanto custa reprovar um orphão ainda coberto de luto por seu pae, que era o seu unico amparo; por experiencia propria sei isto infelizmente, como tambem sei, por experiencia propria, como doe reprovar um parente em más condições de fortuna; mas, se eu visse que outrem, no julgamento de alumnos n'estas excepcionaes circumstancias, fazia descer a benevolencia um pouco mais do que era rasoavel o habito d'esse outrem, eu não teria voz para accusal-o.
Mas o que não posso deixar sem accusação franca e vehemente é o que estamos observando, n'este melindroso serviço dos exames; é que professores de instrucção publica estejam ensinando particularmente disciplinas de instrucção secundaria numa circumscripção, que depois vão examinar em outra, para a qual tenham o cuidado de levar comsigo os seus dilectos discípulos, cujas approvações constituem a excellencia dos productos da sua lucrativa e vil industria; é que esses professores não duvidem conceder aos seus alumnos graças especiaes e distincções; é que até nem hesitem em salvar os seus discipulos que tenham feito provas detestaveis e inferiores a toda a benevolencia, como sei que tem succedido, com a cynica declaração de que esses alumnos tinham sido distinctos nas suas aulas particulares, como se para ser distincto um alumno bastasse ter as mensalidades pagas em dia. O que não póde tolerar se, sr. presidente, é o mais que ainda sei.
Quero ainda declarar a v. exa. e á camara que em minha mão está um documento, que mostra como é urgente providenciar se sobre este assumpto.
Sabem v. exas. quantos professores de instrucção publica, superior, especial e secundaria, nos ultimos tres annos, têem feito serviço nos exames de instrucção secundaria, tendo leccionado particularmente? Nada menos de 69! Aqui tenho uma relação...
O sr. M. J. Vieira: - O meu nome não está lá.
O Orador: - Não é preciso ver isso; como não é preciso ver se o meu está aqui; pouco importa a qualidade das pessoas. O que é preciso que se saiba, e se diga bem alto, é que, em três ânuos, chegou a 69 o numero dos professores de instrucção publica que em suas casas ou nos collegios particulares exerceram a industria de ensinar disciplinas de instrucção secundaria, e que depois, nos lyceus, desempenharam as funcções de examinadores nas mesmas disciplinas.
Esta relação não é de todos os professores de instrucção publica que leccionaram particularmente; nem é a dos que, tendo leccionado particularmente, solicitaram logares de examinadores; é dos que, tendo assim procedido, tiveram a fortuna de alcançar esses logares!
Não tive tempo de extrahir d'esta relação uma nota numerica; mas hei de extrahil-a logo; e desde já peço licença para publical-a em seguida a este discurso, no Diario das nossas sessões. Será uma nota util para o estudo dos que tomam a serio estas questões.
Aqui limito as minhas considerações, porque sei que estão inscriptos, sobre diversos assumptos, outros srs. deputados, a quem não quero impedir de fallar.

Nota numerica dos professores de instrucção publica, superior, especial e secundaria, que, tendo leccionado particularmente disciplinas dos cursos dos lyceus, foram presidentes ou vogaes em mesas de exames de instrucção secundaria nos ultimos tres annos lectivos:

Lentes da universidade de Coimbra .... 6
Professores de cadeiras annexas ás faculdades da mesma universidade .... 1
Lentes da escola de medicina do Porto .... 1
Lentes do instituto industrial e commercial de Lisboa .... 1
Professores do lyceu nacional central do Lisboa .... 8
Professores do lyceu nacional central de Coimbra .... 5
Professores do lyceu nacional central do Porto .... 15
Professores do lyceu nacional de Aveiro .... 6
Professores do lyceu nacional de Beja .... 2
Professores do lyceu nacional de Braga .... 9
Professores do lyceu nacional de Castello Branco .... 2
Professores do lyceu nacional da Guarda .... 2
Professores do lyceu nacional de Lamego .... 3
Professores do lyceu nacional de Leiria .... 1

140****

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Professores do lyceu nacional de Vianna do Castello .... 1
Professores do lyceu nacional de Villa Real .... 4
Professores do lyceu nacional de Vizeu .... 1
Professores do collegio militar .... 1
69

Publica-se novamente o discurso pronunciado pelo sr, deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão nocturna de 10 de junho, discurso agora revisto pelo mesmo deputado e que tinha sido publicado, com erros, a pag. 2226 e 2227.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Na sessão nocturna de 6 d'este mez, coube-me a palavra poucos minutos antes da meia noite. Tendo de fallar então muito precipitadamente e, de certo, por ter de redigir com muita pressa a proposta que nessa occasião apresentei, não saiu esta com a sufficiente clareza.
N'esta proposta fallo do capitulo 4.°, sem distincção entre a proposta ministerial e o parecer das duas commissões reunidas. Devo pois declarar, desde já, que essa minha moção é relativa á proposta do sr. ministro do reino; a minha idéa é restabelecer a identidade administrativa fiscal do estado junto á vereação, ou antes, a fiscalisação imaginada pelo auctor da proposta, fiscalisação que julgo que ha de ser efficaz.
N'essa mesma sessão, indiquei de modo muito succinto como entendia que convém resolver os casos de empate de votação; agora peço licença a v. exa. e á camara para apresentar uma proposta sobre este assumpto. É a seguinte:
«Para o caso de igualdade de votação, proponho as seguintes causas de preferencia:
«Em primeiro logar o maior numero de annos de serviço municipal;
«Em segundo logar, o maior numero de annos de serviço publico;
«Em terceiro logar, habilitações litterarias superiores;
«Em quarto logar, maior importância das contribuições pagas na area do município;
«Em quinto logar a idade que mais proxima for dos 45 annos.»
Surprehende-me que ainda haja quem considere e lembre a idade como causa unica de preferencia para os casos de empato de votação, quando é certo que na nossa legislação já temos estabelecidas outras causas de preferencia. Vejam v. exas. o § 1.° do artigo 30.° da carta de lei de 2 de maio de 1878, a lei de instrucção primaria. Acerca do valimento dos diplomas de capacidade legal para o ensino primário elementar, no caso de igualdade de circumstancias, estabelece que os candidatos sejam preferidos pela categoria dos seus diplomas em primeiro logar e depois, em cada categoria, pela antiguidade de serviço no magisterio.
Mas não me demoro mais sobre estas propostas, que dizem respeito ao titulo 2.°; e passo já ao 3.°, declarando, desde já, que me agradam muito mais as disposições da proposta do governo do que as do projecto das illustradas commissões.
Não é questão de sympathia esta minha preferencia. Basta uma leitura attenta, embora não seja acompanhada de profundo estudo, para se descobrir que na proposta do governo ha um pensamento fundamental, desenvolvido em systema, o que falta no projecto das sabias commissões. E isto explica-se bem. A proposta do governo é evidentemente obra de uma pessoa única, que, tendo colligido, coordenado e apreciado os elementos de informação scientifica e pratica sufficientes, a concebeu e redigiu; o projecto das commissões mostra bem que foi o resultado de uns debates demorados e apaixonados, tendo nas votações respectivas predominado muitas vezes o acaso. O que aliás é sabido de toda a gente.
Não me demoro n'este ponto, porque estou convencido de que ficaram n'esta mesma convicção quasi todas as pessoas que leram este livro.
Ácerca das commissões especiaes, creadas pela reforma que nos occupa, é certo que as approvo, mas como um ensaio. E esta rasão é de valor; tanto a julgo de valor, que tambem como ensaio entendo que a camara deve preferir para a eleição o systema proposto pelo governo, em conformidade com uma proposta que opportunamente apresentarei, systema que é o mais racional o pratico, como tambem provarei, se tiver occasião.
Mas, porque acceito estas especiaes commissões como um ensaio, do qual aliás espero plena justificação, preciso é que a sua organisação seja precedida de estudo reflectido.
No § 3.° do artigo 28.° estabelece-se que as commissões de beneficencia publica e de fazenda municipal sejam eleitas pelos quarenta maiores contribuintes de cada bairro.
É rasoavel que seja este o collegio eleitoral para a commissão de fazenda municipal; á aristocracia do dinheiro reconheçamos como legitima esta funcção. Entre os homens de fortuna, ha muitos que a grangearam com o seu trabalho honrado; ha muitos que têem nobremente augmentado a que herdaram de seus maiores com santos exemplos de trabalho; ha muitos que sabem administrar bens e conhecem as leis e os preceitos dos bons systemas financeiros e economicos. Os maiores contribuintes, naturalmente senhores das mais importantes fortunas, bem indicados estão para escolher a commissão especial da fazenda municipal, cuja acção sem duvida ha de affectar os interesses de muitos d'elles, se não de todos.
É manifesto que a mesma rasão não subsiste para que a commissão de beneficencia publica seja eleita por este mesmo collegio. Quero que subsista esta benefica commissão; mas não a quero escolhida pelos maiores contribuintes; quero-a eleita pelos corpos administrativos e directores das associações de beneficencia. Aqui não foi positivista o meu illustre amigo o sr. Fuschini.
A caridade, a dedicação e o interesse pelos outros, sobretudo pelos pobres e abandonados, não é funcção unicamente dos bens do fortuna; nem ha proporcionalidade entre os bens dos ricos e os sentimentos de caridade. Se esta proporcionalidade fosse um facto, a miseria não affligiria a humanidade.
Permitta-me aqui v. exa. uma curta e grata digressão, para significar perante a camara o meu enthusiasmo e a minha admiração por um facto que observei, ha poucos dias. Tendo saído de casa cedo, ás oito horas da manhã, ao passar na rua de S. Bento, lembrei-me de ir visitar a creche de Nossa Senhora da Conceição. Examinei com a mais detida attenção, como logo me foi permittido, tudo quanto ali havia; estive vendo como as creancinhas eram recebidas, pois assisti á entrada de muitas; como eram lavadas e arranjadas. Fiquei encantado, sr. presidente, e admiro como a regente, auxiliada por seis ajudantes, tinha tudo em limpeza e asseio; como trazia limpo, são e satisfeito um ranchinho de mais de trinta creancinhas. Fui informado de que podem lá ficar oitenta; e para tantas vi berços e pequeninos leitos.
O § 4.° do mesmo artigo 28.° estabelece a organisação da commissão especial das obras publicas. Entre esta e as outras commissões ha umas differenças, para as quaes não descubro explicação que me satisfaça.
É composta de tres membros, emquanto que é do nove a commissão de saude e hygiene, e de sete cada uma das outras: esta é a primeira differença que observo com estranheza.
Os membros desta são nomeados pelo governo, sendo

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as outras todas eleitas por collegios especiaes. Outra differença, para a qual não descubro motivo.
Finalmente esta não tem representante na vereação. Terceira differença, que realmente é consequencia de segunda. É claro que, sendo o governo quem nomeia os membros d'esta commissão, ha de repugnar-lhe propor que um d'elles vá fazer parte da vereação municipal, corporação da qual todos os outros membros são de eleição.
Mas onde está a necessidade de ser esta commissão nomeada pelo governo? Não a vejo. Nem ha motivo para que esta seja menos numerosa que qualquer das outras duas. Pelo contrario, se compararmos bem as atiribuições d'esta commissão com as da commissão de beneficencia publica, facilmente havemos de convencer-nos de que a primeira tem mais trabalho e mais responsabilidade. E este o motivo por que proponho que esta seja constituída tambem por sete membros. Não me demoro em justificar a organisação que proponho, porque e consequência manifesta e natural das funcções que a commissão tem de desempenhar.
O § unico do artigo 35.° da proposta do governo, que é tambem o § unico do artigo 30.° do projecto póde deixar uma duvida. Bem sei que o pensamento d'este paragrapho e excluir da presidencia da commissão de saude e hygiene os dois membros aggregados da commissão das obras publicas designados pela camara municipal e portanto eleitos pela vereação.
Sem que me demore muito, permitia me v. exa. uma digressão mais. É para render, como devo, o meu louvor ao sr. relator, ou a quem concebeu o systema d'este parecer, pois estou persuadido de que bem poucos haviam de dar-se ao trabalho de ler com attenção este volume, cuja leitura até seduz com esta distribuição de materias.
O sr. Marçal Pacheco: - É á italiana!
O Orador: - Será italiano este systema; mas todos nós sabemos que é o systema adoptado pelas casas do nosso parlamento na resposta ao discurso da corôa. Com o systema de relatorios extensos, sem esta facilidade de comparação entre o trabalho primitivo apresentado por um ministro e o parecer de uma commissão parlamentar, succede que ninguem os lê que não seja por paixão política, mais frequente do que convem, ou por amor ao estudo, infelizmente rarissimo.
O artigo 37.° da proposta do governo foi convertido no artigo 32.° do projecto das commissões, com uma curiosissima modificação!
«As commissões especiaes darão as suas consultas sobre todos os assumptos da sua competencia» diz o artigo 37.° da proposta ministerial; as commissões reunidas, como que inspiradas, descobriram que emendar. Não querem as commissões reunidas de fazenda e administração publica que est'outras commissões especiaes, como ellas mesmas as reconhecem no seu parecer, dêem as suas consultas sobre todos os assumptos da sua competencia limitam-lhes as consultas a todos os assumptos technicos da sua competencia. Quem não tivesse tanta competência para escrever como as commissões reunidas, diria antes assumptos da sua competência technica.
O que quer porém dizer esta restricção? De todos os assumptos da competencia das commissões especiaes quem ha de distinguir os que são technicos? A quantas questões não dará logar esta singular distincção?
E o § 3.° do mesmo artigo? É extraordinario! É mais que curiosissimo!
«Se as commissões especiaes não prestarem as suas consultas no praso de trinta dias, a camara municipal ou a commissão executiva poderão deliberar independentemente das mesmas consultas.» E mais nada? Lê-se isto e não se acredita que esteja escripto!
Mas como póde ser que eu não esteja em illusão, para prevenir o caso de estar isto escripto, apresento uma proposta para que sejam puníveis com multas as commissões especiaes do artigo 28.º 1, que se recusem a consultar sobre quaesquer assumptos da sua competencia.
O titulo IV contém materia propria para longo debate; exige profundo estudo, como é necessario para um systema completo de instrucção publica; mas as circumstancias parlamentares da actualidade não são as mais opportunas para similhante trabalho. Alem disto, póde apresentar sobre tão importante assumpto um projecto de lei quem queira estudal-o bem. Limito-me portanto a estas propostas que vou ler.
«Proponho que o provimento dos logares do magisterio, tanto nas escolas primarias, como na escola central de artes e officios, seja feito por concurso de provas publicas;
«Que uma d'estas provas seja a regencia de cadeira, sob a inspecção de todos os vogaes do jury durante dois mezes;
«Que seja nominal e publica a votação do jury, tanto nas provas d'estes concursos, como nos exames dos alumnos;
«Que, para a votação nestes exames, seja presente ao jury um quadro de frequencia dos alumnos organisado durante o anno pelo respectivo professor.»
Devo declarar a v. exa. que proponho para os concursos do magisterio e exames em instrucção primaria o que entendo fundamentalmente indispensavel para todos os concursos e exames.
Já tive, ha dias, occasião de nesta casa, apreciar e portanto condemnar, o actual decreto regulamentar dos concursos para o provimento dos logares de professores nos institutos de instrucção publica, superior e especial, decreto regulamentar de 22 de agosto de 1865.
Ha enormes desigualdades neste decreto; e a maior está em limitar aos doutores graduados pela universidade os candidatos que possam concorrer aos logares vagos nas faculdades, permittindo que nas outras escolas possam ser admittidos nos concursos candidatos habilitados por outras. Esta desigualdade, sob a falsa apparencia de um privilegio honroso, é uma excepção odiosissima e prejudicial para os verdadeiros interesses e créditos da universidade.
O referido decreto exige uma dissertação impressa sobre um ponto importante de livre escolha do candidato; a defeza da mesma dissertação em dois argumentos, dos quaes cada um dure tres quartos de hora; duas prelecções, de uma hora cada uma, e cada uma com uma hora de argumentação por dois vogaes do jury; e emfim trabalhos praticos, os quaes, em geral, são de pequeníssimo valor. Ora para mim muito mais do que estas provas, todas vale a regencia de cadeiras perante os professores que tenham de julgar os candidatos.
Vou terminar com uma outra proposta, que póde parecer extravagante; mas representa uma firme convicção minha.
Proponho a eliminação do n.° 1.° do § 1.° do artigo 38.° do projecto em discussão, numero que dispensa os cidadãos da obrigação de mandar seus filhos ou tutelados ás escolas municipaes, desde que provem que lhes dão o ensino em casa, ou em collegio, ou em escola particular.
É uma excepção odiosissima para os ricos, que podem assim mandar ministrar a instrucção primaria elementar a seus filhos em collegios, que em geral são funestos para a educação. Com franqueza, não sei qual será mais triste: se ficar uma crença sem saber ler nem escrever; se ter de ser educada em collegio.
Limito aqui as minhas propostas. Uma outra quizera apresentar; mas estou certo de que esta não merecia a approvação da camara. Era ella para que o ensino primario, pelo menos o elementar, fosse unicamente confiado a senhoras, porque para ensinar creanças só as senhoras têem a paciencia necessaria.

1 Na proposta transcripta na segunda columna da pag. 2227 vem por erro o artigo 23.º», em vez de «artigo 28.°»

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Encerro assim as minhas considerações, pedindo a v. exa. e á camara desculpa de ter-lhes tomado tanto tempo.

Publicam-se novamente as phrases proferidas pelo sr. deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 19 de junho, porque no «Diario das sessões da camara dos senhores deputados», a pag. 2424:, col. 1.ª, estão incompletas.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Não estava presente, ha dias, quando esta camara approvou um voto de sentimento que o illustre deputado o sr. Elvino de Brito propozera pelo fallecimento do eminente estadista portuguez o conselheiro dr. José Ferreira Pestana.
O sr. Elvino de Brito, propondo este voto do sentimento, cumpriu um dever de subido reconhecimento, como filho distincto e considerado da India, província que ao finado estadista José Ferreira Pestana deve uma das suas mais illustradas e rectas administrações.
Cumpro um dever do mesmo reconhecimento, profundo e sincero, como membro da faculdade de mathematica da universidade de Coimbra, da qual elle foi um distincto ornamento como seu professor. Em 1837 estava na capital este exímio professor, exercendo uma commissão do governo; e ainda assim, faltando lentes na faculdade de mathematica, apresentou-se logo em Coimbra para o serviço com os seus collegas frei Antonio de Santo Illidio, que morreu bispo eleito de Aveiro, e Thomaz de Aquino.
Aproveito a occasião para mandar para a mesa um requerimento a pedir, pelo ministerio do reino, uns documentos relativos ao observatorio astronomico da universidade, estabelecimento que reclama a prompta intervenção do governo.
(Revisto pelo orador.)

Tendo saido incompletas as phrases seguintes, proferidas pelo sr. deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão nocturna de 20 de junho (pag. 2500), são publicadas novamente, depois de revistas pelo mesmo sr. deputado.

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Não pedi a palavra sobro o modo de propor, com o um de solicitar permissão de mandar para a mesa as minhas propostas. Tenho esto direito, garantido pelo artigo 84.° do nosso regimento, visto que estava inscripto para fallar sobre o projecto em discussão.
Pedi a palavra para lembrar a v. exa. e á camara que as propostas relativas á formação da camara municipal não têem de ser remettidas á commissão de fazenda; a de administração publica é a que tem de emittir parecer sobre ellas.
Com este projecto tem havido a notável irregularidade de que a commissão de fazenda deu, reunida á de administração publica, parecer sobre todos os títulos e artigos até, quando apenas tinha de emittil-o sobre a parte fazendaria. Mais ainda. Sobre o titulo da instrucção publica não foi ouvida, qualquer das commissões de instrucção publica; como não foi ouvida sobre o titulo de hygiene a commissão de saude publica. Ha quem acredite na omnisciência da commissão de fazenda; não sou dos que assim pensam.

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 20 de junho, e que devia ler-se a pag. 2640, col. 3.ª

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Obedecendo ás prescripções regimentaes vou ler a minha moção de ordem, que e a seguinte:
«Dos 50 pares temporarios serão eleitos:
«6 pela camara dos senhores deputados da nação;
«5 por todos os cidadãos comprehendidos na quarta categoria da lei de 3 de maio de 1878, deputado da nação em oito sessões legislativas;
«4 pelas faculdades de medicina, mathematica e philosophia da universidade de Coimbra, escolas de medicina de Lisboa e Porto, escola polytechnica de Lisboa, academia polytechnica do Porto, escola do exercito, escola naval, instituto geral de agricultura, instituto industrial e commercial de Lisboa, instituto industrial do Porto, real observatorio astronomico de Lisboa, e 1.ª classe da academia real das sciencias de Lisboa;
«3 pelas faculdades de theologia e direito da universidade de Coimbra, curso superior de letras, e 2.ª classe da academia real das sciencias de Lisboa;
«2 por todos os cidadãos comprehendidos na 19.ª categoria da lei de 3 de maio de 1878, proprietario ou capitalista com rendimento não inferior a 8:000$000 réis annuaes, provado pelas respectivas matrizes de contribuição predial, ou por titulos de divida publica fundada, devidamente averbados com tres annos de antecipação, pelo menos, sendo liquido e livre de quaesquer onus ou encargos;
«2 por todos os cidadãos comprehendidos na 20.ª categoria da lei de 3 de maio de 1878, industrial ou commerciante que era cada um dos tres ultimos annos tenha pago ao estado 1:400$000 réis de contribuição industrial ou bancaria;
«28 pelos districtos administrativos com collegios organisados conforme a proposta ministerial, sendo:
«3 pelo districto de Lisboa;
«3 pelo do Porto;
«2 pelo de Braga;
«2 pelo de Evora;
«2 pelo de Vizeu;
«1 por cada um dos outros.
«A eleição dos pares temporarios será feita pelo systema Andrae Hare, com as modificações que tive a honra de propor para a eleição dos vereadores do município de Lisboa, na reforma administrativa que ainda está pendente n'esta camara.
«Os pares temporarios, emquanto forem membros da camara dos dignos pares do reino, terão os mesmos direitos e privilegios que têem todos os pares vitalícios. = O deputado Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto.»
Como v. exa. e a camara sem duvida reconhecem, esta proposta tem natural cabimento na generalidade do projecto em discussão. Refere-se á organisação da parto electiva da camara dos pares e a direitos, que reputo fundamentaes, da magistratura d'estes legisladores;
Devo e quero declarar desde já que esta minha proposta não vae alem de uma ligeira indicação ou lembrança. Se o sympathico relator do projecto declarar que tem duvida em acceital-a, estejam v. exa. e a camara certos de que votarei o projecto, recompensado todavia com a satisfação de ter transmittido á camara a lembrança que me occorreu no estudo que fiz sobre o assumpto.
A minha primeira idéa não era esta. Occorreu-me, como em verdade era natural, propor que cada uma das categorias da lei do 3 de maio de 1878 elegesse dois pares entre os cidadãos n'ella comprehendidos, exceptuada a 21.ª, á qual até hoje a corôa não tem tido a fortuna de recorrer. Ficariam por conseguinte 10 pares a eleger, os quaes facilmente poderiam ser distribuídos por outros collcgios eleitoraes.
Mas, lendo com attenção as categorias da lei de 3 de maio de 1878, convenci-me logo do que esta minha primeira idéa era inexequível em algumas d'ellas.
A 3.ª categoria abrange para elegível na actualidade só a v. exa., segundo creio; e penso que tambem seria v. exa. o unico eleitor actualmente.
A 13.ª abrange como eleitor e elegível só o actual magistrado supremo do ministerio publico, o qual é tambem par vitalício.
Estes são os principaes inconvenientes do systema que assim ligeiramente indico.

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Poderiamos tambem agrupar categorias de bases analogas; e sem duvida fôra este o systema mais racional. Fôra o que eu proporia, se tivesse sido encarregado de apresentar a proposta d'esta lei eleitoral.
Mas, nas circumstancias actuaes, diante de uma proposta do governo e de um parecer de uma commissão d'esta camara, entendi que devia aproveitar parte d'este systema, sem afastar-me muito do pensamento fundamental, embora empyrico e caprichoso, do projecto em discussão.
Aproveitei então das categorias as que me pareceram mais proprias para constituir collegio eleitoral.
Como a minha primeira proposta, embora seja uma substituição ao projecto em discussão, é apoiada por obvias rasões que me determinaram na escolha dos collegios eleitoraes, não me demorarei em justifical-a.
Terei porém de consumir mais algum tempo em justificar a segunda proposta, porque esta traduz um pensamento para mim fora de toda a duvida.
Refiro-me ao systema eleitoral.
Farei agora as mesmas considerações que tencionava apresentar na discussão da reforma administrativa do município de Lisboa, se não tivessem sido perdidas as diligencias que fiz para fallar sobre esse assumpto.
Não venho apreciar os diversos systemas eleitoraes, nem apresentar as rasões que demonstram a excellencia do systema fundamental de Andrae-Hare, em cuja contextura reconheço o mesmo inconveniente apontado pelo illustre e talentoso deputado o sr. Fuschini.
Esta questão do systema eleitoral não é um axioma, como, ha dias, se lembrou aqui de dizer o sr. Consiglieri Pedroso; está longe de ser um theorema, como esto mesmo sr. deputado em seguida a considerou, tratando de corrigir-se; é um problema do calculo das probabilidades.
Não é um problema susceptível de uma solução rigorosa; nem sequer póde ser bem apreciada a approximação com que seja resolvida.
N'estas questões em que entram actos dependentes da vontade de cada qual, ha muitos elementos que escapam ao calculo, que não podem ser introduzidos em formulas, nem por estes preciosos instrumentos traduzidos.
Provém da falta de uma organisação bem disciplinada dos partidos o inconveniente principal d'este systema, que e a impossibilidade da determinação de um rigoroso quociente eleitoral.
O illustre relator da lei eleitoral de 21 de maio de 1884, nesta casa do parlamento, tratou de remedial-o, aproveitando um quociente eleitoral approximado, nas considerações excellentes que escreveu a propósito da reforma administrativa do município de Lisboa; mas, nessa modificação, deixou escapar um outro inconveniente, que é um erro manifesto.
Depois de ter sido proclamado qualquer cidadão, por ter attingido o quociente eleitoral approximado fixado por lei, propõe s. exa. que o nome d'este cidadão não torne a ser lido, embora appareça no primeiro logar de outras listas que depois forem abertas; e que nestas listas seja então lido o segundo nome.
Aqui está de modo manifesto a intervenção do acaso; ha aqui alguma cousa de loteria.
Depois de ter attingido um certo cidadão o quociente eleitoral approximado, nas listas que trouxerem escripto o nome d'este cidadão em primeiro logar e que depois forem abertas, fica a valer como se em primeiro logar tivera sido escripto o nome que vier em segundo logar; e não tem voto algum o nome que tiver vindo em segundo logar nas listas que tenham sido abertas antes da proclamação do mesmo cidadão!
Portanto, o acaso da tiragem das listas faz valer ou não nomes para a eleição, conforme a ordem por que as mesmas listas forem abertas!
Póde até succeder que seja proclamado como eleito um cidadão cujo nome tenha sido inscripto em segundo logar em menos listas, não o sendo outro inscripto no mesmo segundo logar em maior numero de listas!
Ainda um outro inconveniente noto na modificação lembrada pelo meu distincto amigo: é o de ser o quociente eleitoral igualmente approximado o mesmo para os nomes escriptos em primeiro logar ou em qualquer dos outros.
Mas, com franqueza, estes dois inconvenientes admittem facil e seguro remedio: é o que proponho e me foi lembrado pela mesma idéa do sr. Fuschini.
Se, como penso, é excellente a modificação que venho propor, é certo que a s. exa. a devo, porque foi pelo estudo da modificação por s. exa. proposta que a concebi.
Por estas rapidas observações, creio ter esclarecido, e até justificado, a minha proposta do systema eleitoral dos pares temporarios.
Vou agora justificar a proposta relativa aos direitos e privilegios dos pares temporarios, direitos e privilegios que, na proposta do governo e no projecto da commissão, são limitados por uma odiosa excepção, para a qual não descubro explicação.
Os pares do reino vitalícios não estão sujeitos a perder seus logares pelos motivos por que os deputados os perdem; não sei porque, conjectura-se que a independencia do seu caracter os colloca ao abrigo da suspeita que a lei lança sobre os eleitos do povo.
Esta independencia, esta superioridade a qualquer suspeição provem das funcções do cargo e das condições da escolha ou da elegibilidade; não póde admittir se que seja garantida só pelo Rei e não pela nação; nem póde ser invocada para sustental-a a duração das funcções.
Os pares temporarios hão de sair das mesmas categorias que fornecem os pares vitalícios; hão de prestar o mesmo juramento; têem de exercer as mesmas funcções; precisam das mesmas garantias, não só de independencia, mas tambem de respeito e confiança.
A eliminação do § único do artigo 12.° é o pensamento da minha proposta. Explico assim com esta franqueza a minha idéa.
Sr. presidente, estou tão firmemente convencido da justiça desta minha proposta; é para mim tão manifesta a inconveniência da odiosa distincção, que no parecer encontro, proposta entre os pares vitalícios e temporários, que espero, sem duvida, que o governo e a commissão reconsiderem, com applauso da camara, estabelecendo para os pares temporarios os mesmos privilégios e os mesmos direitos dos outros. Ora, estes privilegios e direitos encontram uma repugnante restricção no paragrapho que estou a combater.
Termino aqui, declarando que a primeira proposta representa uma lembrança, producto do estudo que fiz sobre o assumpto; que a segunda traduz uma convicção em systemas eleitoraes; e que a terceira constitue uma necessidade para o justo e patriotico esplendor da camara dos dignos pares do reino. Pois os temporarios não serão tambem dignos como são os vitalícios: ou serão simplesmente pares?
São as mesmas as categorias que fornecem pares do reino vitalícios ou temporarios. As mesmas são as funcções que uns e outros têem de exercer. As mesmas têem de ser as condições de independencia e de confiança.

Discurso proferido pelo sr. deputado Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, na sessão de 26 de junho, e que devia ler-se a pag. 2640, col. 1.ª

O sr. Alfredo da Rocha Peixoto: - Agradeço ao illustre relator a franqueza da sua resposta. S. exa., porém, esqueceu-se do rigor proprio d'estes assumptos, para ser sómente rigoroso comigo, dizendo que eu vinha propor o systema eleitoral de Andrae-Hare para casos em que esse systema é impossível.
Não creio que o illustre relator, tão sympathico e deli-

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cado para todos, leve contra mim a injustiça de pensar que não sei que os n.ºs 1 e 2 não podem ser decompostos em maioria e minoria inteiras! Não póde ser. Para s. exa. poder de mim suppor isso, diga-me s. exa. o que de s. exa. poderá e devera eu pensar. Não póde ser.
É claro que só proponho este systema de eleição, e com alguma modificação, para os collegios que tenham de eleger mais de dois pares. Ora, tanto na proposta ministerial, como na da commissão, como na que tive a honra de lembrar, ha collegios eleitoraes n'estas condições.
Na proposta do governo esta camara tinha de eleger 25 pares; e o collegio dos delegados das corporações scientificas 4. Na proposta da commissão, este ultimo collegio tem de eleger 5; o districto de Lisboa 4, e o do Porto 3. Na minha proposta, ha um collegio que elege 6, outro 5, outro quatro, e outros 3.
Mas porque não propuz o systema Andrae-Hare, convenientemente modificado, só para estes? Ora, lembre-se s. exa. da generalidade das formulas que lhe foram ensinadas em mathematica elementar. Estou certo de que v. exa., sr. presidente, hade estar bem lembrado, apesar de ter passado por similhantes estudos ha muito mais tempo que o sr. Moraes Carvalho.
Existe o arco zero? Não. E todavia o sr. Moraes Carvalho sabe que é exacto dizer se que é zero o seno deste arco; e todavia o mesmo illustre deputado sabe que a definição de seno é applicavel ao arco zero. E a fecunda abstracção de arcos circulares de graduação superior a 360 graus fica assim condemnada pela seria argumentação do sr. Moraes Carvalho?
Nos casos em que a minoria não póde ter representação inferior á da maioria, casos que apenas podem ser dois, é claro que a minoria tem uma representação nulla. No systema de Andrae-Hare, como em todos os systemas eleitoraes com representação de minorias, o numero dos eleitos distribuídos para as minorias, é determinado por um coefficiente mais ou menos arbitrario, ou antes arbitrario em limites afastados, o qual depende do numero dos cidadãos a eleger. Esse coefficiente é nullo para os casos em que a minoria não póde ter representação inferior á da maioria, caso em que só se trate de eleger um, caso em que se trate de eleger dois.
Estas considerações, impugnadas ligeiramente pelo sr. Moraes Carvalho, estão ao alcance de um alumno dos lyceus.
Dei esta redacção á minha proposta com o pensamento de ser mais claro, e sobretudo de gastar menos tempo. Com pesar vejo que errei; porque, não tendo sido bem comprehendido pelo illustre relator, perdi mais tempo e contribui para que s. exa. tambem o tenha perdido.
Accusou-me s. exa. de não ter justificado a organisação de collegios eleitoraes que proponho para a eleição dos pares temporarios. Não a justifiquei largamente, nem precisava de fallar muito tempo para deixar bem esclarecido o pensamento da proposta.
A excepção estabelecida para os pares do reino temporários, em virtude da qual elles perdem o seu logar pelos mesmos motives por que os deputados perdem os seus, é um caso para o qual peco prompta correcção.
É o que proponho na ultima parte da minha moção. Repito que considero que os privilegios e direitos dos pares temporarios, harmónicos com os dos vitalícios, são incompatíveis com esta excepção.
A minha proposta significa a eliminação do paragrapho do artigo; faço esta declaração por lealdade.
Pelas considerações que o sr. relator acaba de fazer, parece que esta não é a sua idéa.
Permitta a camara que eu exponha mais uma observação. Refiro-me ao capitulo II, titulo II; e apresento já esta observação, para logo não ter de pedir a v. exa. a palavra outra vez.
Esta observação é sobre a eleição dos pares pelo collegio scientifico.
Diz o capitulo I, no artigo 53. °
«O collegio especial é presidido pelo presidente da academia real das sciencias.»
Isto, sem duvida, foi lapso aliás de facil emenda.
Refere-se esta disposição provavelmente ao vice-presidente da academia real das sciencias de Lisboa, pois não é natural que alguem se lembre de convidar para presidir a um acto d'esta ordem uma pessoa da família real, o pae de El-Rei, que é hoje presidente desta academia. Sem duvida o pensamento da illustre commissão foi o de referir se a quem estivesse effectivamente presidindo.
Sem fazer proposta, mas apenas como lembrança, indico que é de justiça que este collegio eleitoral seja reunido na universidade de Coimbra, sob a presidencia do reitor d'este estabelecimento.

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Discurso do sr. Dias Ferreira proferido na sessão nocturna de 17 de junho, e que devia ler-se a pag. 2372, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, vejo-me obrigado a tomar algum tempo á camara para explicar o meu voto no parecer das commissões reunidas, de fazenda e de administração, ácerca do projecto que está sujeito á apreciação da assembléa.
Sr. presidente, varios projectos tenho assignado vencido sem ter depois explicado o meu voto nos debates, ou por não me achar presente á discussão, ou por não os julgar de importancia tão capital, como o que está agora sujeito á apreciação das côrtes, que eu reputo o mais importante de todos os que têem sido discutidos na actual sessão legislativa. O facto de discordar fundamentalmente das bases em que o mesmo projecto assenta, não significa que eu lhe dispense menos consideração, ou que tenha em menos conta o grande capital de intelligencia e de trabalho, que esta providencia representa.
N'estes projectos são ainda mais importantes do que os relatorios luminosos, que precedem a proposta do governo, e o parecer das commissões, os mappas e documentos que acompanham a mesma proposta e parecer.
Estes mappas e estes documentos prestavam-se de mais a mais a uma discussão larga e desenvolvida das finanças do estado em geral, e das finanças municipaes em particular. Mas eu prescindo d'esse debate n'esta occasião. Agradeço ao illustre deputado e insigne orador, que acabou de fallar, o termo recordando as palavras memoraveis, que na sessão passada proferi n'esta casa, que não eram propriamente minhas, mas sim de um espirito eminente que na França as empregára, e que se resumiam na declaração, de que nos deixassemos de tutelas, e de que confiassemos na liberdade.
Mantenho em toda a sua plenitude a opinião que essas palavras encerram.
Confio tudo da liberdade. A liberdade é uma virtude, que até nos seus excessos encontra o correctivo para os seus abusos.
Mas não é liberdade, e sim licença, ou desperdicio, o deixar as camaras municipaes cortar á larga pela bolsa do contribuinte! Quero as camaras municipaes subordinadas ao regimen, que em epochas remotas, as tornou o maior apoio das liberdades e franquias populares contra a invasão do poder real. Quero as camaras municipaes com o regimen liberrimo dos municípios, mas sem lhes dar a licença de porem em perigo a bolsa do contribuinte. (Apoiados.)
O moderno systema de descentralisação, que confunde descentralisar com gastar á larga, não é o meu. Acceito como base do regimen das corporações administrativas as doutrinas de Passos Manuel consignadas no codigo administrativo de 1836.
Desde 1834 ainda não houve estadista em Portugal, que nas providencias referendadas com o seu nome, maior respeito manifestasse pelas liberdades individuaes e pelas franquias populares.
Mas não é d'elle, nem de nenhum homem liberal, o systema de confundir a liberdade com a prodigalidade.
Pelo contrario o expediente de gastar á larga o dinheiro, que é dos contribuintes, é absolutamente incompatível com os principies liberaes, porque é a expressão genuína do verdadeiro absolutismo. Este systema representa a velha formula política - L'etat c'est moi!
Eu dou ás municipalidades todas as liberdades que quizerem, com a restricção unicamente de que me hão de poupar a bolsa do contribuinte, que já está muito vasia. (Apoiados.)
Já v. exa. vê que eu sou adversario implacavel da descentralisação á moderna, da descentralisação que consiste em deixar desbaratar, não o que é do prodigo, mas o que é dos outros. Querem os administradores do município gastar o que é seu sem condições nem restricções? Ainda poderei ir até ahi, que não se offendem com isso os princípios da justiça absoluta.
Quer-se adoptar o systema, reconhecido no projecto, de os administradores dos municípios gastarem á vontade, e sem embaraço de espécie alguma, não o que é seu, mas o que é dos munícipes? Então a minha guerra a esse systema é sem treguas.
As despezas exageradas, e a prodigalidade habitual, são a antithese dos bons costumes e dos bons hábitos dos povos civilisados.
Não ha civilisação, não ha justiça, não ha administração, e não ha prosperidade, sem economia e sem trabalho.
Ponhamos as cousas em termos claros.
O que e este projecto? Todo a gente lhe dá o titulo de - projecto de pagamento das dividas da camara municipal de Lisboa -!
Poderá dar-se a esta providencia uma denominação política, mais popular, e mais sympathica. Mas o nome que lhe dá o povo, que olha serenamente para os negócios, o povo a quem doe a desgraça marcha administrativa do primeiro municipio do reino, o povo, que abstrahe de considerações politicas, e fixa as suas attenções unicamente na realidade dos factos, é - projecto de pagamento das dividas da camara municipal de Lisboa -.
O projecto não tem outro fim senão acudir á custa do estado a uma corporação, que, não tendo 500:000$000 réis de receita ordinária, tem tido annos de gastar 2.000:000$000 réis! Não chega a 500:000$000 réis a receita ordinaria do municipio de lIsboa, segundo os mappas annexos á proposta do governo e ao relatorio das commissões, que tenho presentes, e que são de uma eloquencia admiravel, de uma eloquencia superior á dos relatorios da proposta e do projecto!
Escuso de fazer a leitura d'esses mappas, porque todos os meus collegas os têem presentes.
Devo apenas dizer á camara que elles representam o corpo de delicto da administração do primeiro município do reino, e são o verdadeiro reflexo da administração do poder central, porque o governo administra-se exactamente como a camara municipal de Lisboa, e a camara municipal de Lisboa administra-se exactamente como o governo!
A cumplicidade do governo na gerencia do municipio é manifesta, e desde longos annos. A camara municipal vive paredes meias com o ministerio do reino.
Se o governo não tem posto cobro a esta fatal administração é porque não tem querido!
Mas agora que o governo se lembrou de resolver as difficuldades das finanças municipaes á custa do estado, que providencias havia a esperar?
As providencias que o mais trivial bom senso estava indicando, resumiam-se principalmente em evitar a continuação de uma administração, que póde levar á bancarrota as finanças municipaes, com grave detrimento dos interesses publicos.
O que era natural portanto, era que o governo, em presença dos erros ou dos abusos que se têem manifestado na administração municipal, não só em Lisboa, comquanto a municipalidade de Lisboa vá na frente, mas nas províncias, parecendo que as camaras municipaes se disputam entre si o administrarem se como o governo, trouxesse á camara as medidas indispensáveis para pôr cobro a gerencias perdularias, que hão de levar á bancarrota as finanças locaes, e perturbar profundamente as finanças do estado.
O governo não só lembrou acudir á camara municipal de Lisboa, senão quando viu tal desequilibrio entre a receita e a despeza do municipio, que julgou a situação financeira da municipalidade de Lisboa no estado de agonia, e de agonia adiantada, de agonia já no principio do fim.
Mas quaes são as providencias extraordinarias que o governo entendeu adoptar para pôr termo a uma gerencia

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financeira, tambem extraordinaria, que tem gasto sem conta, nem peso, nem medida, e sem contemplação de especie alguma com os recursos de contribuintes?
Propoz o governo algum expediente de fiscalisação severa e efficaz, que obstasse a que a camara de Lisboa continuasse a gastar mais do que póde, porque quem gasta mais do que tem a pedir vem? Pelo contrario dá-lhe mais dinheiro, e dá-lhe mais liberdade!
Diz-lhe que gaste o dinheiro que tem, e o que ha de vir a ter, como quizer, sem obrigação de dar satisfações a ninguem!
Realmente este projecto é a imagem mais perfeita, e o symbolo mais accentuado da nossa governação nacional!
E chama-se a isto descentralisar! O paiz fica sabendo que descentralisar á moderna é bancarrotar, permitia-se a expressão.
Hoje em Portugal, quando uma corporação se não governa de forma incompatível com os seus recursos, despendendo quatro vezes mais do que a receita, o meio de obviar a esta situação, fatalmente ruinosa, é emancipar essa corporação de todas as restricções, de toda a fiscalisação e vigilancia, e habilital-a a gastar á larga, e a seu arbítrio, o que não é seu, mas dos outros!
Hoje ser descentralisador é ser perdulario e esbanjador!
V. exa. e a camara são testemunhas de que eu tenho sustentado constantemente n'esta casa a necessidade de pôr um prego na roda das despezas publicas, tanto nacionaes como districtaes, municipaes, e parochiaes; e por isso não podia ficar silencioso em face de um projecto, que não tem outro fim senão habilitar o primeiro município do reino a governar-se como o governo, pondo em perigo imminente a situação financeira da capital.
Não posso ficar impassível diante de um projecto, que sancciona o principio de que a verdadeira descentralisação consiste em habilitar as municipalidades a empenharem como quizerem os bens dos munícipes, dando assim cabo da fortuna dos seus administrados, e preparando a ruína das finanças do estado, cuja situação é já de si tão periclitante! Poderá ser sympathico este caminho áquelles a quem for indifferente a sorte do contribuinte.
Mas eu desadoro tal systema, condemno-o, e hei de condemnal-o sempre, dentro e fóra do parlamento.
Apreciando a administração municipal de Lisboa, que aliás tenho direito de analysar, na qualidade de representante do povo, devo prevenir a v. exa. e a camara, de que eu, deste logar, nem chamo a contas, nem tomo responsabilidades á camara municipal de Lisboa pela sua desastrosa gerencia financeira.
Eu não tenho diante de mim senão a responsabilidade do governo, que não só não obstou, mas a animou com a sua cumplicidade, e com os exemplos, que lhe deu, de administração perdulária, a seguir um caminho tão perigoso.
É profunda convicção minha que não haveria camara com coragem para gastar larga e faustuosamente sem ter meios para pagar as despezas, se houvesse governo que soubesse zelar o cumprimento das leis, e sustentar a honra e os direitos da nação.
O governo tem assistido impassível á marcha administrativa de uma corporação importante do estado, que, excedendo todos os annos em centenas de contos os seus recursos, deixa crear uma situação, cujo termo fatal será um formidavel desastre para o primeiro município do reino, e uma grande vergonha para todo o paiz.
Mas a administração da camara municipal de Lisboa não é um facto isolado.
Pelo contrario, é o modelo da nossa administração nacional.
Pois não está ahi já sobre a mesa o parecer das commissões de fazenda e do ultramar, auctorisando o governo a pagar as dividas, no valor de mais de 700:000$000 réis, das juntas de fazenda do ultramar?
As juntas de fazenda do ultramar gastam tambem á vontade, sem regra e sem fiscalisação!
Depois recorrem todos ao pae commum, que é a representação nacional, para lhes pagar as dividas.
E quem pagará as dividas do estado?
N'isso nem sequer se pensa!
Com estas considerações não quero fazer censura a ninguem.
Estou defendendo o meu systema, que não é o usado na governação do paiz.
Não me serve o systema de descentralisação, que consiste em habilitar as corporações locaes a empenhar, não o que é seu, mas o que e dos munícipes.
Empenhe-se cada um como quizer, que não se oppõe a isso a justiça absoluta; mas não demos ás municipalidades o direito de empenharem os munícipes a seu arbitrio.
Este arbítrio, alem de offender os princípios de justiça social, póde perturbar irremediavelmente as finanças do estado. Se ámanhã o governo tiver necessidade de appellar para o paiz a fim de augmentar os recursos do estado, e encontrar cansadas as forças do contribuinte pelos saques que lhes tiver dado o districto, o município, ou a parochia, como hão de resolver-se as difficuldades da situação?
A materia tributaria não é tão elastica, como a paciencia do povo.
Quem tem 1.000:000$000 réis de receita não póde gastar 2.000:000$000 réis, sob pena de marchar acceleradamente para a bancarota.
Nenhum paiz, nenhuma localidade, resiste a este systema de administração perdularia.
Nem os discursos, nem os planos, nem os relatorios, nem os livros estrangeiros, numa palavra, nem a sciencia, nem a rhetorica, supprem a falta de dinheiro.
Insisto, pois, em que a administração de muitas corporações locaes, com a municipalidade de Lisboa á frente, seguindo no caminho e nos exemplos do governo, nos arrasta fatalmente a um desastre inevitavel.
Eu ando quasi esquecido de tudo quanto aprendi e ensinei; ou temos agora uma sciencia nova, cujos arcanos eu não pude ainda penetrar.
Outrora eram differentes os princípios que presidiam á governação dos povos.
Eu que estudei com o sr. ministro do reino, na mesma corporação, tendo até a honra de ser discípulo d'elle, não aprendi lá, nem ouvi nunca fallar, no primeiro instituto scientifico do paiz, nestas theorias novíssimas de administração, que agora presidem ao nosso governo central e local.
O que nós estudámos e ensinámos foi, que a lei devia estabelecer providencias e garantias para obstar a que os particulares fizessem uso desordenado dos seus rendimentos, preparando-se uma situação de indigência e de penúria, porque a desordem na vida individual podia acarretar a desordem para a vida social, e que era um perigo para a sociedade a prodigalidade individual.
Por isso a nossa legislação, como a legislação de todos os povos cultos, põe ao lado do prodigo, para lhe completar a capacidade, uma entidade protectora cujo nome escuso agora de mencionar, para essa entidade vigiar e confirmar todos os seus actos, ou pelo menos os actos mais importantes da vida civil, e tudo isto no interesse do indivíduo, e no interesse da sociedade.
Para os indivíduos particulares, que não sabem administrar os seus bens, apesar de serem, em face da justiça absoluta, senhores dos seus direitos e dos seus destinos, estabelece a lei garantias. Para as corporações, esssencialmente ligadas com os interesses geraes do estado, que gastam desordenadamente, não o que é seu, mas o que é dos municipaes, que providencias de segurança propõe o governo?
Dar-lhes mais dinheiro, e permittir-lhes admnistral-o co

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mo quizerem, sem outras considerações ou garantias, a não ser o arbítrio das mesmas corporações!
Dá uma administração local provas provadas de que não sabe administrar-se, e de que precisa de inspecção, de fiscalisação, ou de tutela? Pois o governo levanta-lhe logo todos os embaraços á sua má administração, deixando arruinar-se e arruinar os outros á vontade!
Tenho muita pena de me ver na necessidade de censurar o governo local e o central. Era-me sobremaneira agradável ter que applaudir a administração, a que o projecto respeita. Sinto ter de proferir palavras de desfavor para quem quer que seja. Mas está primeiro que tudo o cumprimento do meu dever.
Não digo que a camara municipal de Lisboa tenha desviado de sua legal applicação os rendimentos que lhe estão confiados: o que digo é que a camara municipal de Lisboa se administra mal, porque gasta o que não pôde, e - quem gasta o que não tem a pedir vem -.
É certo que o município de Lisboa tem necessidades, a que não estão sujeitos os outros municípios do reino. Será preciso augmentar-lhe a dotação, mas sempre em condições de não habilitar a municipalidade de Lisboa a regular como quizer os seus serviços, e a fazer sem fiscalisação de forma alguma todos os melhoramentos, que lhe vierem á cabeça. Por este systema, ainda que a linha da circumvallação vá até Santarem, não haverá dinheiro que lhe chegue.
Se os mappas de receita e despeza da camara municipal da Lisboa não viessem a acompanhar a proposta do governo, e o parecer das commissões, eu não teria tocado n'um assumpto que sem isso mesmo não conhecia.
Mas os mappas são, não só o commentario vivo deste projecto, mas o espelho da administração geral e local, e são o corpo de delicto, com todas as circumstancias aggravantes, da administração municipal de Lisboa, e sobretudo da administração geral do estado, que tem assistido impassível a esta derrocada financeira, que data já de ha muito tempo!
Ha muito tempo que eu ouvia, como ouviam todos, fallar das gravíssimas difficuldades financeiras em que se encontrava a, camara municipal de Lisboa, mas não fazia idéa de que a situação era tão deploravel, e de que esta corporação tinha chegado ao apuro de fazer bancarrota, se o estado, que é cumplice nas responsabilidades d'ella, lhe não acode tão depressa.
E como compromctteu a municipalidade de Lisboa os haveres dos seus munícipes?
Foi para acudir a alguma calamidade publica? Não. Foi em nome da descentralisação á moderna, e do systema governativo, intitulado despezas de civilisação!
Ora eu conheço muita gente, que, á força de se querer aperfeiçoar, tem acabado por se arruinar!
Em todo o caso, para pagar os luxos civilisadores da camara municipal de Lisboa, vae a camara aggravar a situação do contribuinte, que já não é boa, incluindo as povoações limitrophes de Lisboa dentro da linha da barreira, e dando assim ás povoações suburbanas direitos honrosos, que ellas hão de pagar caríssimos, unicamente para ajudarem a satisfazer este luxo das despezas de civilisação!
Que culpa terá o pobre saloio, que vive no meio de tantas privações, dos desperdícios feitos pelos magnates da capital, para ser condenado agora em multa tão pesada?
Os mappas e o orçamento, que temos á vista, esclarecem-nos de um modo completo relativamente á administração municipal de Lisboa.
A avaliar pelas despezas feitas pela camara municipal de Lisboa, só com a instrucção primaria, o povo da capital deve estar muito instruído. (Riso.) A camara municipal de Lisboa gasta mais só com a instrucção primaria da capital, do que o paiz inteiro com a universidade de Coimbra!
Na universidade de Coimbra, que é o primeiro estabelecimento scientifico do paiz, onde ha cinco faculdades, onde ha reitor e vice-reitor com o vencimento de 1:600$000 réis cada um, e em cada faculdade um lente decano com o vencimento de 1:200$000 réis, porque não se chega a decano sem o terço, não fallando nos professores jubilados que estão recebendo tambem 1:200$000 réis, onde os lentes effectivos têem o ordenado de 1:066$000 réis, se já venceram o terço, e os outros o ordenado de 800:000 réis, em que ha lentes substitutos com 500$000 réis, e muitas outras despezas de policia e de administração, gastam-se 76:000$000 réis com toda a organização do serviço indispensavel a uma corporação scientifica, que é a primeira do paiz, e que em si reúne o complexo de todas as sciencias positivas e naturaes.
Importa em 76:000$000 réis a verba descripta no orçamento do estado para o anno economico de 1885-1886, relativa ás despezas com a universidade de Coimbra.
Percorre-se agora o orçamento da camara municipal de Lisboa, e examina-se a verba de despeza que ella gastou só com a instrucção primaria, e vê-se que o orçamento de despeza com a iustrucção primaria que no anno de 1880 foi de 17:000$000 réis, no anno de 1881 passou a réis 31:000$000, no de 1882 a 81:000$000 réis, e no anno de 1883 a 103:000$000 réis, sendo no anno de 1884 de réis 89:000$000!
Isto é inaudito! (Apoiados.) Não ha municipio que possa resistir a estes gastos enormes!
Sr. presidente, é singular que a municipalidade, á proporção que ia marchando para a bancarota, ia alargando sempre as suas despezas!
Em presença de tão deploravel situação era dever do governo ordenar uma syndicancia rigorosa á camará, para verificar qual o estado dos serviços, e apreciar quaes as quantias indispensaveis para pagar as despezas absolutamente impreteriveis, vindo só depois propor á camara dos deputados as medidas necessarias para occorrer aos encargos reclamados pela gerencia economica da camara municipal. (Apoiados.)
Pois se só o serviço da instrucção primaria dentro da capital custa á camara 150 por cento dos encargos com a instrucção superior na universidade, a quanto subirá a despeza com a mesma instrucção alargando-se a linha da circulação até Algés, como agora se propõe? (Apoiados.)
Por outro lado, quando só com os serviços da instrucção primaria, ou a proposito dos serviços com a instrucção primaria, as sommas despendidas pelo município são tão fabulosas, quanto custarão os outros serviços a cargo da mesma camara, por lei, ou que ella por mero arbítrio tem tomado sobre si?
A syndicancia aos serviços e despezas municipaes era o primeiro dever do governo, e o primeiro passo que tinha a dar.
Não quero com isto dizer que os vereadores desviem um real em proveito proprio, mas sim que administram pessimamente, porque gastam mais do que podem, e - quem gasta o que não tem a pedir vem -.
Antes de dar mais dinheiro á camara é preciso apurar quanto lhe é absolutamente indispensavel para satisfazer aos encargos estritamente impreteriveis.
Os munícipes de Lisboa estão de tal modo sobrecarregados que é uma barbaridade obrigal os a pagar para despezas de luxo, e mesmo para despezas dispensaveis.
Devem os poderes publicos habitar a vereação de Lisboa a gerir correcta e convenientemente os seus negocios; mas não podem aggravar a situação do contribuinte para se malbaratar o que é d'elle, e que tanto lhe custa.
A responsabilidade do governo em toda este negocio é gravíssima, porque a situação difficil do município de Lisboa não é de hontem. O governo sabia ha muito tempo das deploraveis circumstancias financeiras do primeiro municipio do reino.
Já no relatorio municipal de 1875, apresentado pelo pre-

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sidente, que então dirigia os negocios municipaes de Lisboa, se declara que na camara municipal havia quarenta e dois empregados a mais, pagos pela folha das obras dos paços do concelho!
Quando isto era assim em 1875, o que será hoje que se tem adiantado tanto os progressos da civilisação!?
Hoje, que os negócios municipaes em grande parte do paiz são já administrados por estadistas de linha, que sabem gastar á larga o que é dos munícipes para estabelecer uma vasta clientela eleitoral, a pretexto de despezas de civilisação?
Sr. presidente, não é possível acudir á situação da municipalidade de Lisboa sem começar por uma syndicancia rigorosa aos serviços do município.
Eu noto, por exemplo, no capitulo 4.° da administração, que a secretaria, que ainda em 1873 a 1875 custava apenas 15:000$000 réis, numeros redondos, logo em 1876 passou a custar 20:000$000 réis; em 1879, quando se tornou mais difficil e perigosa a situação financeira do municipio, passou a gastar 22:000$000 réis, em 1882 e 1883 passou a gastar 23:000$000 réis, e agora já vae em 27:000$000 réis proximamente!
A repartição technica, que em 1874 só custava réis 4:000$000, tambem numeros redondos, que em 1881 passou a custar 5:000$000 réis, e em 1883 a custar réis 8:000$000, já vae em 30:000$000 réis! Haverá porventura dinheiro para este augmento constante e destemperado de despeza municipal?
Será possível que o parlamento, em presença d'estes factos, vote o projecto, sabendo perfeitamente que os sacrifícios que vae impor ao contribuinte são inuteis, porque não ha dinheiro que chegue com similhante systema de administração?
Para desembaraçar a administração municipal de Lisboa das difficuldades que a assoberbam, é preciso começar por um exame rigoroso dos serviços que devem estar a cargo da camara, dotando esses serviços com os meios strictamente indispensaveis, para serem desempenhados convenientemente os mesmos serviços, e estabelecendo uma fiscalisação severa e efficaz, para evitar que, remediado o mal d'esta vez, não appareça dentro em pouco, e mais aggravado.
Comece o governo e o parlamento por ler o orçamento da camara municipal, e ahi verá a cada passo empregados temporarios, empregados extraordinarios, empregados fóra dos quadros! Parece uma arca de Noé. (Riso.) E todas estas despezas pagas á custa do municipio, e agora, pelo projecto, tambem á custa do paiz!
Se o sr. ministro do reino quer fazer uma obra seria e duradoura, e escurecer a tristissíma impressão causada pelos documentos juntos á proposta do governo e ao parecer das commissões, ha de começar por ordenar uma syndicancia rigorosa aos actos da municipalidade, não para averiguar da vida de ninguem, mas para saber quaes, os serviços indispensáveis para a camara municipal de Lisboa gerir os interesses económicos do municipio, e quaes as despezas strictamente necessarias para o desempenho d'esses serviços.
Sr. presidente, eu referi-me unicamente aos serviços e aos encargos que maior impressão me fizeram.
É-me completamente impossivel explicar a marcha rápida com que cresceram algumas despezas.
Como é que a repartição technica da camara municipal, que ainda em 1881 custava 5:100$000 réis, já em 1884 custava 29:553$000 réis?
Como é que a secretaria da camará, que ainda em 1873 custava 15:000$000 réis, custa hoje 27:000$000 réis?
Aqui temos nós uma camara municipal que se administra exactamente como o governo!
Deixo de mencionar á assembléa outros factos gravíssimos que accusa o orçamento da municipalidade de Lisboa, como são os extraordinarios augmentos de ordenados aos empregados superiores no anno de 1883, isto é, exactamente no anno em que parecia approximar-se a hora da liquidação!
Não os menciono, como talvez deveria fazel-o, para evitar que nos meus discursos appareça qualquer palavra que possa ser interpretada como allusão pessoal, o que está muito longe da minha intenção.
Não está isso nos meus hábitos nem nos meus intuitos, e desejo que as minhas palavras correspondam exactamente ao meu pensamento.
Não me refiro pois a outros casos gravíssimas da gerencia da camara municipal de Lisboa, que são accusados pelos mappas juntos á proposta do governo, e ao parecer da commissão, e pelo orçamento do municipio.
Chamo porém a mais particular attenção do sr. ministro do reino e do parlamento para o facto singular de ser exactamente em 1883, quando começava o período da agonia para as finanças do primeiro município do reino, que a camara municipal augmentou extraordinariamente os vencimentos de quasi todos os seus empregados, como quem na hora derradeira, e quando se prepara para uma viagem de que se não costuma voltar, está fazendo as suas disposições de ultima vontade para deixar lembranças ás pessoas que naturalmente lhe são mais caras, sem pensar em que a massa hereditaria não chega para pagar os legados, nem por metade!
Sr. presidente, tambem não póde ser indifferente a quem tem a peito defender os interesses públicos o observar que a camara municipal, alem do orçamento ordinario, fez no anno de 1884, cinco orçamentos supplementares!
O primeiro, na importancia de 182:000$000 réis, tem a data de 19 de janeiro.
Ora sendo o orçamento supplementar destinado a crear receita, quando a votada no orçamento ordinario for insufficiente para occorrer ás despezas auctorisadas, ou a costear despezas urgentes, que não tenham sido contempladas no orçamento ordinario, mal se comprehende como logo no começo do anno faltava dinheiro, porque a quasi totalidade da receita n'este orçamento supplementar é um emprestimo feito na companhia de credito predial, e como as despezas urgentes são obras que não tinham sido previstas no orçamento ordinario, feito poucos dias antes!!
O segundo orçamento supplementar, na importancia de 111:000$000 réis, tem a data de 17 de abril.
A receita é um novo emprestimo na companhia de credito predial, e a despeza urgente, que não podia ter sido prevista no orçamento ordinario, as obras da avenida da Liberdade, dos paços do concelho, das entre a avenida Estephania e o largo de Santa Barbara, prolongamento da rua do Duque da Terceira, abertura da rua da Imprensa, e alargamento da de D. Pedro V!
O terceiro orçamento supplementar, na importância de 174:000$000 réis, tem a data de 19 de maio.
A receita é outro empréstimo na companhia de credito predial, e a despeza as mesmas obras, a que se refere o orçamento anterior, correctas e augmentadas com o alargamento da rua da Carreirinha do Soccorro!
O quarto orçamento supplementar, na importância de 159:000$000 réis, tem a data de 20 de setembro.
A receita importante é o adiantamento da consignação do ministerio do reino, só devida em 1885, e um emprestimo na caixa geral de depositos sobre penhor de inscripções! As despezas são varias; mas só para a instrucção se destinam, n'este orçamento supplementar, alem da verba do orçamento ordinario, 50:000$000 réis!
Muitas despezas cobre de certo esta pobre instrucção! O quinto orçamento supplementar, na importancia de 67:000$000 réis, tem a data de 19 de dezembro, e nada offerece de notavel, nem quanto á receita, nem quanto á despeza.
Faziam-se num anno cinco orçamentos supplementares,

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cuja receita é representada por emprestimos, e cuja despeza poderia ser util, mas que nada tinha de urgente!
Que providencias adoptou o governo para pôr cobro a uma gerencia, que não chamarei louca, porque é exactamente a gerencia do governo, e para occorrer às dificuldades financeiras da camara municipal?
Dá-lhe mais dinheiro, á custa do contribuinte se entendo, e deixa-lhe ao mesmo tempo a faculdade amplíssima de o dissipar á sua vontade! E attendendo ao merecimento e mais partes, que concorrem na exemplar e distincta administração da municipalidade de Lisboa, propõe que se pague ao presidente e mais vereadores o bom serviço que têem prestado, e que hão de continuar a prestar ao município!
Felizmente as commissões eliminaram a disposição da proposta para serem pagos os vereadores de Lisboa.
E devo dar á camara a grata noticia de que a idéa de pagar ao presidente da camara municipal de Lisboa e aos demais vereadores morreu ás mãos das commissões sem haver quem lhe resasse o officio da agonia! (Riso) Ninguem ajudou a bem morrer tão peregrina disposição! (Riso.)
Esta providencia parece que já vinha desgraçada desde o berço. Talis vita, finis ita.
Nem no relatorio da proposta do governo, nem na exposição de motivos do illustre relator das commissões, se escrevia uma linha de justificação, nem mesmo de referencia a tão extraordinaria innovação!
Vinha a experimentar, a ver se passava.
Similhante innovação era absolutamente incompatível com as tradições portuguezas, tanto da nova como da velha monarchia. Em diplomas legislativos de epochas honrosas para a liberdade em Portugal encontramos nós a declaração de que os cargos administrativos são essencialmente honoríficos e gratuitos.
Effectivamente nunca, em Portugal, os vereadores que tinham a seu cargo unicamente o regimen, economico do municipio, receberam um real dos munícipes por este serviço.
O sr. Presidente: - A hora deu. Em virtude do regimento eu tinha de fechar a sessão; mas o orador tem o direito de continuar o seu discurso hoje ou ámanhã, como entender mais conveniente.
Era do meu dever fazer esta observação.
O Orador: - Obedeço á observação de v. exa., e peço-lhe que me deixe reservada a palavra para a sessão de ámanhã.

Discurso proferido pelo sr. deputado José Dias Ferreira, na sessão nocturna de 18 de junho, e que devia ler-se a pag. 2409, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: - Sr. presidente, a camara já sabe, não só pelo que eu disse hontem, mas pelo que tenho dito constantemente nesta casa, que me associo a todas as obras civilisadoras, e á realisação de todos os melhoramentos, quer na ordem moral, quer na ordem material, com uma unica condição.
Mas essa condição é para mim indispensavel e impreterivel: é saber donde ha de vir o dinheiro para se pagarem essas obras e esses melhoramentos.
No caminho em que vamos, e nas circumstancias em que nos achámos, não dou o meu voto a qualquer augmento de despeza que vá affectar a bolsa do contribuinte, salvo se elle interessa á honra ou á vida da nação e o que digo a respeito do estado applico-o tambem ás municipalidades. Não devem ellas votar encargos, nem metter-se em despezas com que não possam. As camaras municipaes foram instituídas para administrar, e não para desbaratar a fazenda municipal.
Sr. presidente, os povos, como os indivíduos, devem regular-se por uma maxima muito conhecida, que não foi inventada pelos publicistas, nem pelos philosophos, nem pelos litteratos, e que, pelo contrario, saiu do laboratorio do instincto ou do bom senso popular, que, nas suas manifestações expontâneas, representa quasi sempre verdades profundas, que devem servir de lição para os usos da vida social, especialmente aos homens do governo.
O povo, n'uma formula tão simples como rigorosa, estabelece a seguinte maxima governativa: «quem gasta mais do que tem a pedir vem».
Sr. presidente, acceito plenamente esta máxima para mim e para o governo do meu paiz. Todas as despezas que vão affectar as forças dos contribuintes, e, portanto, a economia da nação, têem irremediavelmente o meu voto contra.
A camara municipal de Lisboa, com as receitas dos seus pelouros, que são absorvidas pelas despezas, com um insignificante rendimento de bens proprios, e com receio, como o governo de recorrer ao imposto directo, vive principalmente dos subsídios do ministerio do reino, e dos emprestimos constantes.
O deficit financeiro da camara municipal de Lisboa é monstruoso. Escuso de indicar a cifra. Os mappas juntos á proposta do governo, e ao parecer das commissões, onde se acha amplamente desenvolvido o systema administrativo do primeiro município do reino, dizem tudo!
São enormes os encargos que pesam sobre o município de Lisboa, não tanto os que a lei lhe impue, como os que a municipalidade, espontanea, voluntaria e arbitrariamente, tem tomado sobre si.
E onde vão buscar-se as receitas para fazer face a esses encargos? Ninguem o sabe.
Sr. presidente, se as cortes approvarem o parecer das illustres commissões de fazenda e de administração nos seus traços fundamentaes, deixando largas faculdades á municipalidade de Lisboa para realisar tão importantes serviços, como os que lhe são confiados, eu, sem animo de azedar a discussão, nem de levantar debates irritantes, mas expondo sincera e desassombradamente a minha opinião, sempre devo declarar á assembléa que espero cá outra vez dentro de tres ou quatro annos novos projectos do governo para occorrer ás difficuldades financeiras da camara municipal de Lisboa!
Depois da vigência do código administrativo de 1878, a maior parte das municipalidades do reino, tomando a camara municipal de Lisboa o cominando em chefe, têem-se empenhado por tal fórma nas taes chamadas despezas de civilisação, que algumas já não ficam a dever nada ao governo. Tanto têem teimado em se aperfeiçoar, que hão de acabar por se arruinar; isto é, hão de seguir o caminho do governo.
Mas a culpa do estado, em que se encontram varias municipalidades, e especialmente a de Lisboa, é dos ministros, e só dos ministros.
O edifício da camara municipal de Lisboa é pegado, paredes meias, com o do ministerio do reino; o ministro do reino tem na legislação administrativa os meios sufficientes para pôr termo a tantos desvarios financeiros; e, quando outro recurso lhe não restasse, podia lançar mão do meio da dissolução, que é expediente violento, mas que está na lei para os casos urgentes e gravíssimos.
Encarando, porém, de frente a situação em que nos achamos, e acceitando os factos consummados, vamos apreciar as providencias que o governo adopta como indispensaveis, para evitar um grande desastre ao município, e uma grande vergonha para os poderes publicos e para a nação.
A primeira e principal providencia do projecto reduz-se á separação judicial de pessoas e bens entre a camara municipal de Lisboa e a junta geral do districto. Mas, cousa singular, quem paga as custas do processo é o estado!
Terminam as relações financeiras e administrativas entre a municipalidade de Lisboa e a junta geral do districto.
É completa a dissolução dos vínculos matrimoniaes que prendiam as duas corporações.

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Mas nem a camara municipal, nem a junta geral do districto, são condemnadas nas custas.
Pelo contrario, paga o governo os salários e emolumentos da causa, sendo condemnado a occorrer ás despezas de civilisação da camara municipal, e a presentear a junta geral de districto com bónus muito valiosos e importantes. Desfiemos por partes a serie de benefícios, com que são contempladas a junta geral do districto, e a camara municipal de Lisboa, á custa dos contribuintes de todo o reino. Comecemos pela enumeração dos presentes feitos á junta geral do districto para ella acceitar de boa feição, ou sem grande arruido, a sua separação do município da capital.
O primeiro bónus que á junta geral do districto fornece o estado é tomar a seu cargo as seguintes estradas districtaes, que passam a ser estradas reaes, ou de primeira ordem: n.° 83, Loures a Rio Maior; n.° 86, Lisboa ás Caldas; n.° 87, Lisboa a Cintra, Collares, Bellas e Mafra; n.° 90, Cuba, Alcacer do Sal, Setubal e Marateca; e n.° 91, Alcácer, Grandola e S. Thiago do Cacem.
Qual é a importancia d'este bonus que o governo offerece á junta geral do districto? Não o sabemos. No parecer das illustres commissões, não só se não encontram os esclarecimentos indispensaveis, mas nem sequer uma ligeira indicação do preço que custará ao thesouro este premio de consolação dado á junta geral de districto para ella se resignar com o desgosto de fazer de aqui em diante economia á parte da camara municipal de Lisboa.
Mas o parlamento póde fazer idéa de que o preço do bonus não deixará de corresponder ao prejuizo da separação.
Segundo se lê na exposição de principios do sr. relator das commissões, a rede das estradas de 2.ª ordem ou districtaes no districto de Lisboa representará, quando construída, uma extensão de 1:000 kilometros, regulando-nos principalmente pela rede descripta no decreto de janeiro de 1867; d'estes 1:000 kilometros estarão construídos cerca de 720, e suppondo-se que a junta geral mandou construir mais 80 kilometros com o ultimo emprestimo de réis 299:970$000, que lhe foi auctorisado e cujos encargos pesarão ainda sobre o município de Lisboa, terá elevado a sua rede a mais de 800 kilometros.
Ora o governo, tomando a seu cargo todas estas estradas, fica sujeito, não só ás despezas de conservação, de limpeza e de reparos na parte já construída, que são muito importantes, mas obrigado a construir por sua conta todos os lanços d'essas estradas que ainda não estiverem em construcção até os concluir.
Qual é a importancia do encargo para o estado que representa este bonus dado ao districto? A camara não o sabe nem o póde saber, porque nenhuns esclarecimentos lhe foram a tal respeito fornecidos, nem pelo governo nem pelas commissões. Nem sequer nos disseram, o que aliás era facil e simples, qual o numero de kilometros de estradas districtaes que fica a cargo do estado, nem a extensão kilometrica dos lanços a construir de novo, nem as despezas que até agora tem custado a conservação, reparos e limpeza das estradas já construídas, para podermos calcular, ao menos approximadamente, a importancia do bonus que o governo offerece por este projecto á junta geral do districto de Lisboa. Vae portanto o paiz pagar este bónus á junta geral do districto, porque a camara assim o decide, sem ao menos exigir os elementos necessários para calcular a cifra do encargo para o thesouro.
O segundo bonus, que o estado se compromette a pagar á junta geral do districto, é muito menos oneroso do que o primeiro, mas ainda assim não é de todo indifferente.
Por este segundo bonus toma o estado a si o encargo que tinha a junta geral, pelo artigo 46.° da lei de 2 de maio de 1878, com as escolas normaes de primeira classe, encargo que se traduz no pagamento das pensões aos alumnos, bem como na acquisição e conservação dos edifícios onde devem ser estabelecidas as escolas, e na satisfação das despezas com a mobília e bibliothecas, com o expediente das aulas e com os prémios aos alumnos distinctos.
Tambem se não sabe até onde vae a importancia do encargo do thesouro com este bonus.
Se nos indicassem a despeza que a junta geral até agora tem feito com esses serviços, poderiamos já calcular a importância do bónus que por este projecto o governo dá á junta geral. No entretanto a missão d'esta camara, segundo parece, é sobrecarregar o estado com despezas sem conta, nem peso, nem medida, e sem ao menos se preoccupar com o gravíssimo perigo de não haver meios com que pagar tanta despeza.
As despezas, de que vae ser alliviada a junta geral do districto, para se porem a cargo do estado, são verdadeiros bonus. Não têem a mais pequena relação, nem directa nem indirecta com a materia do projecto.
São ainda onerósissimos os encargos que ficam pesando sobre o estado, a proposito da remodelação do município de Lisboa, com a nova linha de fiscalisação ou de barreira. Essa linha ha de ser caríssima, porque ha de ser construída nas precisas condições de poder dispensar a fiscalisação das portas da cidade e a linha da actual circumvallação.
A nova linha pois não póde deixar de importar em centenares de contos de réis, para offerecer, como é indispensavel, todas as condições de segurança contra o contrabando.
Se a nova linha de circumvalação não for feita em condições de nos levar muito dinheiro, ficaremos com duas fiscalisações, com a fiscalisação actual nas portas da cidade, e com a fiscalisação da nova linha de circumvallação.
A despeza com a nova linha hade ser importantíssima, e o governo não se incommodou com habilitar a camará, nem com a mais ligeira indicação, a respeito dos encargos que por este projecto ficam pesando sobre o estado só com os trabalhos da nova barreira, sem fallar por agora nas despezas de fiscalisação com uma linha tão extensa, e tão difficil de guardar.
Em todo o caso, do que ninguem póde duvidar é de que, ou a nova linha de circumvallação é construída em condições de se poderem vigiar rigorosamente as entradas, e de obstar assim ao contrabando, e ha de custar centenares de contos de réis, ou essa linha de circumvallação não é feita em condições regulares, e então com o alargamento da barreira póde diminuir, em vez de augmentar, o imposto!
Se mesmo agora, com uma barreira de fiscalisação mais facil de guardar, o contrabando atravessa as portas da cidade, como todos confessam, e nem de outro modo se explica o fraco rendimento do imposto de consumo, em presença do augmento successivo da população e do tributo, o que não succederá com uma barreira, que nos ha de levar muito dinheiro na construcção, e muito mais ainda na fiscalisação?
Eu não acredito absolutamente nada no augmento de receita, das medidas adoptadas no projecto sujeito á discussão.
Hão de ser grandes as despezas com a fiscalisação numa área tão larga e aberta por toda a parte, e os encargos com a nova barreira para alargar a circumscripção do munícipio. Não se mette assim mais povo e mais quintas dentro da cidade sem trabalho e sem despezas. Ora o estado já contribuo para o orçamento da camara municipal de Lisboa com a quantia de 224:000$000 réis. Os encargos, que agora toma sobre si, com a construcção e fiscalisação da nova barreira, representam igualmente uma consignação, cuja somma não ha de ser inferior áquella.
Não discuto agora a legalidade com que alguns, a meu ver com pouco fundamento, pretendem que o imposto de consumo na cidade de Lisboa pertence por inteiro ao municipio da mesma cidade; nem aprecio agora as consequencias da perturbação economica, que nas povoações circumvizinhas ha de causar a execução de similhante providencia.

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Por ora limito-me a fazer o recenseamento das differentes verbas com o que o estado vae contribuir para as despezas do primeiro município do reino.
Ora o paiz inteiro, alem da consignação annual de réis 224:000$000, com que pelo ministerio do reino subvenciona o município de Lisboa, e de outra consignação, que não será inferior, representada na construcção e fiscalisação da nova barreira, vae pagar por este projecto para as despezas da camara municipal de Lisboa mais a terça parte do rendimento do imposto do sêllo estabelecido por lei sobre as loterias estrangeiras. É um imposto addicional com que o paiz todo contribuo para o município da capital.
O paiz fica pagando mais para as despezas do município do Lisboa o imposto addicional de õ por cento sobre direitos de merco e imposto do sêllo de todas as mercês honorificas, honras e títulos, concedidos pelo ministerio do reino.
Se o cidadão, morador em Freixo de Espada á Cinta ou em Barrancos, tiver a suprema ventura de ser elevado á categoria de fidalgo, ha de contribuir com 5 por cento para as despezas do município de Lisboa!
Portanto é o estado quem a final vem a pagar todos os luxos da administração municipal de Lisboa. Paga o estado, alem disso, ao municipio pelo menos mais 3:000$000 réis, minimo do subsidio, com que é obrigado a concorrer para umas caixas escolares, de que logo hei de fallar. Contribue ainda o estado com um subsidio, cuja cifra não está determinada, mas que está preceituada no artigo 103.° da proposta do governo, e 98.° do parecer das commissões, para o orçamento da beneficencia publica. Consigna ainda o thesouro publico 8:000$000 réis á camara municipal para o serviço geral dos incendios. Contribuo ainda o estado com a metade da despeza, que ha de custar a escola central de artes e officios, que a camara é obrigada a crear logo no primeiro anno em que esta lei vigorar, para o ensino profissional.
Não se sabe ainda se a camara terá dinheiro para tanta despeza talhada, e para logo no primeiro anno crear essa escola. Mas em todo o caso impõe-se-lhe já a responsabilidade e o dever de a crear immediatamente.
O sr. Fuschini: - Apoiado.
O Orador: - Concordaria, sem hesitação, e até com prazer, com o apoiado do illustre relator do projecto, se eu visse de onde havia de vir o dinheiro para pagar as respectivas despezas, e se a creação de escolas fosse synonymo, não de creação de ordenados, e de collocação de empregados mas sim de diffusão de instrucção.
Mas a respeito da instrucção publica têem os nossos sábios governantes idéas um pouco parecidas com as que professam a respeito de descentralisação.
Fazem elles consistir a descentralisação em dar ás corporações administrativas a faculdade amplissima de empenhanharem os municipes; e estas bellezas descentralisadoras não quero eu, nem para mim, nem para o meu paiz, nem para ninguem.
Bem sei que estou queimando os meus navios. Não ignoro que hoje, em Portugal, na opinião dos governantes, só é homem de vistas largas, e capaz de resolver os altos problemas da governação publica, em materia de administração, o que dá ás corporações administrativas o direito de gastarem, como quizerem, o seu, e o alheio; e que sem se associar a estas estravagancias governativas ninguem alcança n'esta quadra em Portugal a reputação de homem de estado, verdadeiramente avançado.
Para mim e para o meu paiz não quero similhante progresso. Nenhum povo vive na posse das liberdades, que lhe são devidas, quando lho negam a liberdade de dispor do que tem na sua algibeira. Com respeito a instrucção publica as suas opiniões tem a mesma lucidez.
Persuadem-se de que o simples facto da creação de uma escola de artes e officios significa só por si a propagação e a difusão da instrucção publica neste ramo profissional.
Alem dos governantes ha muitas pessoas, que na melhor boa fé, julgam realisado o serviço de instrucção publica, em qualquer dos seus ramos, pelo facto de se crearem muitas cadeiras, e de se pagarem bons ordenados a muitos professores. Dão-se muitos por contentes com isso.
Já uma vez me deu de conselho um patriota, meu amigo, que propozesse mais 1.000:000$000 réis para as despezas com a instrucção publica, e eu, para não contrariar de frente tão sincera indicação, e para me desculpar, limitei-me a responder-lhe: Se eu, propozesse os 1.000:000$000 réis a mais para o serviço de instrucção publica, os meus collegas eram capazes de elevar logo a proposta a réis 2.000:000$000. (Riso.)
Não estejam a illudir-se com o serviço de instrucção publica. Não basta crear cadeiras, e marcar as disciplinas que hão de ensinar-se em qualquer escola.
Todo o dinheiro despendido com a instrucção é deitado á rua, se não ha professores que saibam ensinar.
A primeira necessidade na instrucção publica é de bons professores. (Apoiados.)
O ensino publico, com rarissimas excepções, está sendo puramente theorico, sem vantagem alguma para os alumnos.
Para ser professor requerem-se condições especiaes e tendência particular para o ensino. (Apoiados.)
Não basta para ser professor ser dotado de um talento e vasto, e de uma instrucção variadissima. É preciso primeiro que tudo, e antes de tudo, saber ensinar.
Todo o ensino, que não tiver por base a educação das faculdades do alumno para as investigações scientitícas, e que não tiver por fim o proveito pratico resultante dos conhecimentos adquiridos, é completamente perdido.
Portanto o simples facto de se impor á camara municipal de Lisboa a creação do uma escola de artes e officios só por si significa apenas que a municipalidade vae entrar em grandes despezas com mestres e com o demais pessoal necessario ao serviço da escola.
Emquanto os nossos sabios governantes tiverem os differentes ramos de instrucção publica organisados por fórma, que o ensino é puramente theorico, de modo que os alumnos, depois do curso, ficam sabendo tanto como antes, pouca importancia eu dou á creação de escolas, a não ser pelo lado da despeza.
Serão conservadoras as minhas idéas; mas só não será conservador da sua algibeira quem não tiver amor ao trabalho, e quem não precisar de trabalhar para viver.
É-me porém impossível fazer consistir a descentralisação em dar ás corporações locaes a liberdade absoluta, não do empenharem os seus bens pessoaes, mas de empenharem a fortuna dos municipes, assim como não fico nada lisonjeado com o facto de haver muitas escolas e muitos mestres, sem a segurança de que o ensino é productivo, e de que os alumnos lucram scientifica e praticamente com esse ensino.
Tambem a junta geral contribue, e provavelmente da melhor vontade, para as caixas escolares com o subsidio de 1:500$000 réis, o mínimo, e bem assim com subsídios indeterminados para o orçamento do beneficência publica, com a arrecadação dos subsídios indeterminados a camara não ha de ter muito trabalho, visto ser indeterminada a quota e assim a arbítrio da junta geral do districto!
Tambem as companhias de seguros e agencias seguradoras de moveis ou iinmoveis no municipio de Lisboa contribuem com 10:000$000 réis annuaes para as despezas do serviço geral de incendios, encargo este que representa um tributo geral, porque é devido ao estado.
E a proposito d'este onus imposto ás companhias de seguro devo confessar á camara que me repugna profundamente a forma e a base adoptadas, segundo me parece, pelo governo, para tributar as companhias de seguros.
Era preferível recorrer ao addicional lançado sobre os

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dividendos do ultimo anno, para as companhias contribuírem em proporção dos seus interesses, não deixando aos grémios interessados o direito de esmagar uma companhia em prosperidade, distribuindo-lhe onerosos encargos.
Não deve o governo contribuir para prejudicar os interesses de ninguem, e especialmente os das sociedades anonymas.
Pelo contrario deve empregar os meios ao seu alcance para auxiliar as companhias que, com uma gerencia económica e activa, adiantam e augmentam os interesses e os capitães dos seus associados em beneficio do paiz. As confrarias e as irmandades tambem contribuem para as despezas da camara municipal de Lisboa, com a sua quota, que será ainda maior do que a calculada pelo sr. relator das commissões, pois que estas elevaram a importancia do imposto a que ficam sujeitas aquellas corporações.
Não sei porém qual será o resultado d'este tributo.
As irmandades e confrarias destinam já para beneficência, assim como para funcções religiosas, a parte mais importante dos seus rendimentos. Grande parte dos rendimentos das irmandades e confrarias vem-lhes de esmolas, e não sei como ficarão reduzidos estes rendimentos, quando os bemfeitores, isto é, os que contribuem com as esmolas, souberem que ellas são destinadas, não para os fins da sua devoção, mas para o sorvedouro das despezas da camara municipal de Lisboa.
Agora o mais engraçado, e mais elegante do projecto, são 3:000$000 réis annuaes com que a santa casa da misericordia de Lisboa é obrigada a contribuir para as despezas de civilisação da municipalidade de Lisboa.
A santa casa da misericórdia é um estabelecimento de beneficencia e de caridade, protegido pelo estado, e que recebe do estado o subsidio anmual de 53:000$000 réis.
Quando eu li no projecto a disposição que obriga a misericordia de Lisboa a entregar para obras de beneficencia á camara municipal 3:000$000 réis dos 53:000$000 réis que do estado recebe, fiquei pensando se, em compensação, passaria da camara municipal para a santa casa da misericordia o direito de nomear os membros das juntas de parochia e os juizes de paz quando a eleição não tivesse dado resultado. (Riso.)
Desde que passavam para a camara municipal, corporação puramente administrativa, as attribuições da beneficencia da santa casa da misericordia, instituto puramente de caridade, pensei que passariam, pela mesma logica, para a santa casa da misericordia attribuições administrativas da camara municipal, relativas á nomeação dos vogaes da junta de parochia, e dos juizes de paz, quando não houvesse eleição!
É preciso ser lógico até no absurdo.
Mas depois pude averiguar que este subsidio representava uma multa, que devia ser paga pela santa casa da misericordia á camara municipal.
É o caso que a camara municipal de Lisboa está obrigada, e por contrato oneroso, a entregar todos os annos á santa casa da misericórdia 5:220$000 réis, que se de compõe em duas verbas: uma de 3:220$000 réis, e outra de 2:000$000 réis.
A verba de 2:000$000 réis provém de um antigo contrato pelo qual a santa casa da misericordia se encarregou do serviço dos expostos, que por direito commum devia estar a cargo da municipalidade, por aquella insignificante quantia; e a verba de 3:220$000 réis provém da compensação dos prejuízos havidos com a mudança do matadouro e pela cedencia á camara do terreno em que se achava o referido matadouro.
Em todo o caso estas duas verbas é a camara municipal obrigada a entregal-as á santa casa da misericórdia em virtude de contratos onerosos.
Como é, pois, que o governo e o parlamento querem tomar sobre si a odiosa missão de espoliarem a santa casa da misericordia de quantias que ella tem o direito de receber em virtude de contratos onerosos? Como é que sem mais nem menos se vae obrigar a santa casa da misericordia, que é um instituto essencial e exclusivamente de beneficencia, a entregar 3:000$000 réis por anno á camara municipal, que é uma corporação puramente administrativa?
A unica explicação plausível será que a camara municipal não paga ha annos á santa casa da misericórdia de Lisboa aquellas verbas, de modo que lhe está devendo réis 13:300$000, o liquidam-se assim as contas por uma vez!
Em vez de ser condemnada a camara municipal a pagar o que deve á santa casa da misericordia, é esta condemnada, pelo atrevimento de ter pedido o que é seu, a perder o vencido e o vincendo!
Não se surprehenda a camara com estes factos! Vae tudo de conformidade!
O saccar sobre o contribuinte pelo que elle não póde pagar, e o arrancar violentamente a um estabelecimento de caridade o que é destinado aos indigentes, para o consumir nas despezas de civilisação da camara municipal, obedece tudo aos mesmos princípios, e é inspirado pelos mesmos intuitos.
Tambem já me occorreu que o pensamento do governo, pretendendo extorquir os 3:000$000 réis á misericordia de Lisboa, fosse o castigar a audacia com que a administração d'aquelle pio estabelecimento apresenta saldadas as suas contas de receita e despeza!
Nos tempos que vão correndo, não póde permittir-se, sem escandalo publico, ou pelo menos sem escandalo governamental, que a gerencia de qualquer estabelecimento publico não despenda mais do que recebe!
Este escandalo de harmonisar a receita com a despeza, praticado pelo sr. conde de Rio Maior, que nem na administração da sua fortuna, nem na administração dos bens da misericordia, entende de gastar mais do que tem, merecia severo correctivo, e tanto mais severo quanto que aquella zelosa administração representa a antithese da administração do governo e da camara municipal de Lisboa. (Riso.)
O que o governo devia ter feito era demittil-o de provedor da santa casa, por elle não comprehender os costumes da terra, nem o espirito do seu tempo!
Era mais leal do que vingar-se no estabelecimento da zelosa gerencia do seu administrador.
Podem porém dar á camara municipal todo o subsidio, que do estado recebe a santa casa para os seus serviços de beneficencia, e nem assim haverá para pagar as despezas sempre crescentes da civilisação de Lisboa!
Continuemos com o exame dos recursos que se podem esperar das disposições do projecto, para augmentar a dotação da municipalidade de Lisboa.
Contam as illustres commissões, ou o seu relator, que a extincção do concelho de Belém, e a passagem para o município dos encargos da saude publica, e sobretudo o augmento necessario dos impostos, que variam com a ordem das terras, serão causas de sobra para uma larga compensação de despeza e mesmo para um augmento attendivel de receita. Tudo isto porém é pura phantasia.
Não eram as despezas de saúde, que sobrecarregavam o concelho de Belem. Este concelho pagava apenas a um sub-delegado de saude, que lhe custava 360$000 réis. As despezas com a estação de saude em Belem, que são importantes, e que figuram no orçamento por 11:500$000 réis, essas continuam, como até agora, a cargo do estado.
Pelo contrario, com a nova organisação do serviço de saude, e com o estado maior de sub-delegados que vae crear-se, ha de augmentar muito a despeza de saude na area de Belem, porque augmentam fabulosamente em toda a área do novo município.
O augmento de receita, salvo a proveniente dos violentos impostos de consumo, que a Lisboa poderá advir da

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annexação de Belem ao novo municipio, de pequena importancia será.
A contribuição predial, que não depende da ordem, das terras, nem augmenta nem diminuo com a incorporação do concelho de Belém no município de Lisboa.
A contribuição industrial que se paga no concelho de Belem é insignificante. Representa a somma de 15:000$000 réis apenas; e essa mesma contribuição tambem não depende da ordem das terras, quando assenta sobre a base dos dividendos ou dos indicadores especiaes.
E da contribuição de renda de casas hão de ficar isentos muitos predios, que até agora apagavam, vindo a carregar sobre Lisboa esta, isenção, visto que nas terras de primeira ordem são exceptuadas daquelle imposto as rendas inferiores a 20$000 réis.
Mas no que se não pensou foi em que, incorporado o concelho de Belem no novo municipio de Lisboa, a zona annexada pretenderá, e com rasão, igual quinhão nas despezas de civilização, o que elevará muito e muito o despendio municipal.
O que sairá de todo este remodelamento municipal não posso eu calcular ao certo. O que sei porém e posso asseverar á camara, é que Belem e Lisboa, com todas estas communhões e associações, hão de ficar pagando mais do que pagavam até agora!
Por outro lado os 65 por cento addicionaes sobre a contribuição que lança agora o concelho de Belem sobre os seus municipes hão de descer á quarta ou quinta parte, que o municipio de Lisboa não terá coragem para lançar maior percentagem sobre o contribuinte.
Mas vou agora ao ponto capital.
(Esta parte do discurso não se publica por se terem perdido as notas tachigraphicas antes de serem entregues ao orador.)
Preferia ter-me enganado nos meus cálculos. O meu prazer era ter-me enganado nas minhas apreciações, porque então lucrava o paiz, e é esse o meu desejo. (Apoiados.) Nenhum de nós pretende de certo determinar o seu voto senão no sentido dos interesses públicos, nem nós aqui estamos para sustentar caprichos ou vaidades á custa do paiz.
O meu intuito é esclarecer o publico nesta questão que é vital para os interesses económicos do paiz, sem deixar de ser essencialmente politica, porque no meu entender nenhuma questão de administração se ventila nesta casa, que não tenha uma feição rigorosamente política. (Apoiados.)
As camaras legislativas não são assembléas académicas. Cada um de nós vê os projectos financeiros, os projectos coloniaes, os projectos de obras publicas, e quaesquer providencias administrativas, pelo prisma das suas idéas e opiniões politicas. (Apoiadas.)
Adoptado o systema, que eu tenho visto sustentar muitas vezes n'esta casa, de que nas questões coloniaes, nas questões financeiras, e nas questões de melhoramentos publicos, não ha politica, a nossa política resumir-se-ia em definitiva em nos descompormos uns aos outros, e não foi para isso que os nossos constituintes nos confiaram o mandato popular. (Riso. - Apoiados.)
Mas como foi que o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões poderam elevar o producto do futuro imposto de consumo á enorme somma de 2.009:000$000 réis?
De um modo muito simples.
O governo e o sr. relator as commissões tomaram até bases differentes para calcular a importancia dos impostos de consumo, soccorrendo-se, ora a uma, ora a outra defesas bases, segundo as conveniencias da sua argumentação. Assim quando o governo e o sr. relator das commissões queriam explicar o grande augmento de rendimento que haviam de produzir os impostos de consumo, e o valioso acréscimo para as receitas municipaes, proveniente da divisão desse augmento entre o estado e a camara municipal, buscariam, como base, a verba de 1.380:000$000 réis, que segundo a exposição de princípios do sr. relator das commissões, representa a importancia media dos impostos de consumo e dos 2/3 dos emolumentos do estado no triennio de 1881-1883.
Mas porque escolheram este periodo, como ponto de partida para calcularem o augmento de receita provavel? Porque este periodo lhe offerecia uma maravilhosa elasticidade nesta origem de receita, pois que o acréscimo no triennio foi em media annual cerca de 75:000$000 réis!
Mas já lhes não serviu a quantia de 1.380:000$000 réis quando quizeram dividir a importancia da receita pelo numero de cidadãos que pagam em Lisboa os impostos de consumo, para calcularem o producto do futuro imposto, por cabeça, alargado que fosse o município.
Para este calculo foram procurar, não a media do triennio de 1881 a 1883, ou a verba de 1.380:000$000 réis, nem mesmo a media do quinquénio de 1880 a 1884, mas sim a receita dos impostos de consumo arrecadada em 1884, porque tendo-se arrecadado em 1884 cerca de réis 1.460:000$000, este maior dividendo produzia um quociente mais elevado!
Assim acharam, dividindo aquelles 1.460:000$000 réis pelos 203:681 habitantes do actual municipio, que cada cidadão de Lisboa pagava, em media, de impostos de consumo de consumo 170$175 réis, e multiplicando esta verba de 7$175 réis pelo numero de 280:000 habitantes, que improvisaram para o novo municipio, avaliaram o producto do futuro imposto em 2.009:000$000 réis, ou num acrescimo de 629:000$000 réis sobre a media do rendimento de réis 1.380:000$000, cobrado no triennio de 1881 a 1883!
Se houvessem seguido rigorosamente os calculos anteriormente adoptados, e se tomassem a quantia dos 1.380:000$000 réis, media do triennio de 1881 a 1883, para a dividir pelos 203:681 habitantes de Lisboa, a quota por cabeça havia de ser muito menor: e se multiplicassem depois a importancia desta quota, não pelo imaginário numero de 280:000 habitantes, mas pelo numero que rasoavel e provavelmente ficará no futuro municipio, havia de ficar o producto do futuro imposto muito abaixo dos 2.009:000$000 réis, e portanto a differença entre a somma do futuro imposto e a media arrecadada no triennio de 1881 a 1883, muito abaixo dos 629:000$000 réis.
Também na exposição de principios o sr. relator da commissão tomava a media do triennio de 1881 a 1883, ou 1.380:000$000 réis, como base para calcular o excedente de rendimento a dividir entre o estado e a camara municipal, quando na proposta ministerial se declarava que o excesso do rendimento a dividir teria por base a media cobrada nos três annos anteriores á execução da lei, e esses tres annos não eram de certo os de 1881 a 1883, mas sim quando muito os de 1883 a 1886.
Fizeram isto por mal? Não.
O sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões estão por tal fórma apaixonados pela sua proposta, que não ha considerações nem calculos que não imaginem, para encarecerem a importancia e o valor da mesma proposta perante o publico.
Mas para chegarmos a conclusões rigorosas, acceitemos por um pouco a hypothese de que os impostos de consumo hão de render 75175 réis por cabeça. Resta ainda um ponto capital, que é ver o numero de cabeças, por que se hão de multiplicar os 75175 réis.
O sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões viram no censo de 1878, que era de 43:589 o numero de habitantes das freguezias dos concelhos dos Olivaes e de Belem, que pela proposta são annexadas em parte ao futuro municipio de Lisboa.
E com quanto a annexação não abranja todas essas freguezias por inteiro, sommaram o numero dos habitantes das freguezias que são cortadas pela nova circumvallação,

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como se não fossem cortadas e, como se fossem annexadas na sua totalidade.
Por esta forma fica em parte o territorio das freguezias fóra da barreira, e 720 todo os habitantes dentro da barreira !
Julgam o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões que os povos circumvizinhos a Lisboa hão de ficar tão enthusiasmados com a honra de serem admittidos a pagar 7$175 réis por cabeça para as despezas da civilisação da capital, que mesmo os que ficarem fóra da linha da circumvallação, largam a sua casa e os seus penates, e saltam para dentro da barreiro!
Alimentam o sr. ministro do reino e o sr. relator da commissões a doce esperança de que, dividida uma freguesia pela nova circumvallação, os moradores d'essa freguezia, que ficaram fóra da linha, não verão com bons olhos, que sejam sO os seus vizinhos que ficam dentro da zona annexada, os honrados com a quota de 7$17õ réis por cabeça, e que virão disputar-lhes a honra de pagar impostos mais pesados, tratando tambem de estabelecer-se dentro da barreira!
Sr. presidente, bem sei que as minhas considerações são perdidas. O parecer ha de votar-se, e ha de votar-se como está. Mas eu não posso prescindir do cumprimento do meu dever.
Por isso estou mostrando á camara, ou antes expondo ao publico, que o augmento de receita calculado ha de ficar só no papel. (Apoiados.)
É preciso calcular a serio, e sobre bases reaes, qual o augmento de receita com que podemos contar em rasão do novo projecto, para medirmos por elle a extensão das grandes despezas em que nos vamos metter. (Apoiados.)
Não se contentaram porém o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões em computar dentro da zona annexada toda a população das freguezias aliás cortadas pela linha da barreira. Não só deram á parte annexada os 43:580 habitantes das freguezias, como se as freguezias viessem por inteiro para dentro da circumvallação; mas além disso levaram a capricho, por sua conta e risco, a população da zona annexada de 43:580 a 60:000 habitantes!
Phantasiaram que o recenseamento não estava bem feito; e, embora sem fundamento, corrigiram-lhe os erros com o acrescentamento de mais 17:000 habitantes!
Portanto, segundo os calculos do governo e do sr. relator das commissões reunidas, os habitantes da zona annexada, que toem de pagar novos impostos de consumo, são, não 43:089, como seriam, se as freguezias fossem annexadas por inteiro, mas 60:000, visto que são annexadas só por a metade!
E ainda não ficaram satisfeitos com estes calculos de optimismo e de phantasia.
Não só contentaram com dar 60:000 habitantes a freguezias partidas, que mesmo juntas têem apenas 43:589! Foram mais longe, elevaram de 43:589, que são os habitantes das freguezias juntas, a 80:000 com as freguezias partidas, saindo os últimos 20:000 dos romeiros que lá vão às festas nos dias santificados do anno!
Vejam o que são os milagres dos orçamentos e dos cálculos mathematicos!
As freguezias que em parte são aunexadas ao novo municipio, têem por junto, e na integridade da sua população, segundo o censo de 1878, 43:589 habitantes. Agora depois que são cortadas pela nova barreira, fica-lhes logo a parte não só igual, mas maior que o todo!
Todas juntas têem aquellas freguezias a população de 43:589 habitantes. Depois de partidas ficam com 80:000!
Não só ficam, depois de cortadas, com a mesma população que tinham emquanto juntas, mas ainda lhes acrescem mais 17:000 habitantes, que são tirados dos erros do censo de 1878, e mais 20:000 que saiem dos romeiros que ali vão às festas nos dias santificados!
Muito me deslumbravam estes calculos maravilhosos!
Dizia eu commigo, pois vae tanta gente da zona annexa às festas e às distracções constantes que ha na Ajuda e em Carnide, onde pagam imposto de consumo, e não virá a Lisboa ninguém das freguezias annexadas, que pague igualmente os impostos de consumo na capital, e que ajudo a fazer a tal media dos 7$175 réis por cabeça?
Pois não será natural, que assim como vae muita gente de Lisboa a Pedrouços, a Carnide e a Bemfica, muita mais dali venha a Lisboa, que coma e beba na cidade, pagando assim aqui o imposto de consumo?
Pois será possível que passe um dia, sem que centenas de pessoas de Bemfica, de Carnide, de Pedrouços, e de todos os povos circumvizinhos da capital, assim como do districto, do paiz e do estrangeiro, venham a Lisboa, e paguem os impostos de consumo?
São sem duvida pura phantasia todos os cálculos dos illustres auctores da providencia sujeita ao debate.
O que deviam calcular é que, alargando-se a linha da circumvallação, sairiam para fóra das barreiras todos os que podessem. Esses calculos é que eram logicos e naturaes.
Pois os estabelecimentos industriaes e as classes operarias, que estão hoje vivendo nas proximidades das portas da cidade, porque a vida ahi é mais barata, se tiverem de deslocar a sua posição, será para ficarem dentro das barreiras, e para viverem mais caro?
Pelo contrario. Os que poderem hão de ficar fóra da linha de barreira.
Não é natural que prefiram o viver mais caro ao viver mais barato.
Mas para ser agradavel aos meus illustres adversarios, ainda concordo, por hypothese, em que ficará dentro das linhas do novo municipio o numero de habitantes computado no censo de 1878.
Quero suppor por um momento que nem um só sairá para fóra da zona annexada, e que pelo contrario ficarão todos enthusiasmados e contentes de morarem dentro da barreira só para terem a honra, á custa de bom preço, de pertencerem á primeira família communal da nação. Mas elevar de 43:589 habitantes, que é a totalidade da população das freguezias annexadas, a 80:000, quando ellas vem partidas, unicamente porque essa gente é contemplada com maior carga de imposto, é poesia de mais!
Tudo tem termos!
Para calcular a importancia do imposto de consumo com o engrandecimento do município, hei de tomar por base o censo de 1878, que, bom ou mau, é o unico elemento que tenho para fundamentar as minhas apreciações. Se o sr. ministro do reino ou o sr. relator das commissões, tivessem verificado por si, ou por pessoa de confiança, que o censo de 1878 estava tão errado, que as freguezias a que elle arbitrava inteiras a população de 43:589 habitantes, tinham depois de partidas 60:000, ainda eu poderia substituir aquelle censo por essa averiguação.
Mas como não tenho outro elemento para base dos meus calculos, senão o censo de 1878, hei de contentar-me com este ponto de apoio, e fazer sobre, elle as minhas contas.
Tambem não tenho indicação alguma para saber qual a população que liça fóra das barreiras, e qual a que fica dentro da zona annexada nas freguezias, que são cortadas pela nova linha de circumvallação.
Cômputo, portanto, a população das freguezias cortadas pela linha de circumvallação, como se fossem divididas ao meio, e não hei de enganar-me muito.
Feita assim a conta sobre a base do censo de 1878, e tendo em consideração que as freguezias cortadas pela linha de circumvallação serão divididas ao meio, ficam os 280:000 habitantes, que o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões dão ao novo municipio, reduzidos a 234:372!
Multiplicando este numero pela quota dos 7$175 réis por cabeça, será o rendimento total do imposto 1.681:619$000

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réis, em vez dos 2.009:000$000 réis, e portanto 180:000$000 réis apenas para o município, em yez dos 503:000$000 réis, representativos dos 80 por cento da differença dos réis 629:000$000 de augmento de rendimento computado sobre os 1.380:000$000 réis media do triennio de 1881 a 1883!
Senão vejamos. As freguezias que vinham do concelho de Belem para Lisboa, continham por inteiro a seguinte população:

Habitantes
Ajuda.... 7:417
S. Sebastião da Pedreira.... 2:764
Alcantara.... 6:172
Santa Maria de Belem .... 8:237
Santa Izabel.... 1 :665
E as que eram cortadas, Bemfica e Carnide, computada a sua população, sobre a base de metade davam .... 2:370

Sendo assim a totalidade de.... 27:625

Suppondo que do concelho dos Olivaes, o que aliás é ainda muito duvidoso, virão para o novo municipio habitantes .... 3:066

Temos na zona annexada..... 30:691
E acrescentando a este numero a população do actual municipio de Lisboa, computada em.... 203:681

Será ao todo a população do futuro município... 234:372

Será, portanto, quando muito, a população do novo município 234:372 habitantes, em vez de 280:000, que calculam o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões.
O numero dos habitantes da zona annexada desce assim de 43:589, segundo a conta do sr. ministro do reino, a 30:691, segundo a minha conta.
E Deus sabe como serão ainda cortadas e divididas as freguezias que vão ser annexadas, em parte, ao novo municipio !
Em todo o caso com a reducção do numero de habitantes, que hão de compor o futuro municipio, às suas verdadeiras proporções, já a quota dos 7$175 réis por cabeça não produz senão 1.680:000$000 réis, números redondos, em logar dos 2.009:000$000 réis, phantasiados pelo sr. relator das commissões.
Por outro lado, ainda, reduziu o parecer das commissões o rendimento calculado pelo governo e pelo sr. relator das commissões.
Pela proposta do governo, ou antes pelos calculos do sr. relator das commissões, pertenceria á camara municipal 80 por cento do excesso do rendimento do consumo sobre a base dos 1.380:0003000 réis, media do triennio de 1881 a 1883: isto é, todo o rendimento, que o consumo d'esse, além dos 1.380:000$000 réis, seria dividido entre o governo e a camará, sendo 20 por cento para o governo e 80 por cento para a camara.
Pois as commissões reunidas alteraram profundamente esta base, porque decidiram que á camara municipal competiriam sim 80 por cento do acrescimo do rendimento do imposto de consumo, mas que este excesso seria calculado não sobre 1.380:000$000 réis, e sim sobre a importância cobrada no anno economico de 1884-1885!
Ora, a julgar pela cobrança até agora feita, segundo os documentos publicados na folha official, o rendimento do imposto do consumo no presente anno economico deve ascender á somma de 1.500:000$000 réis.
Portanto, só no ponto de partida, que as commissões escolheram para calcular o excesso de rendimento, que deve ser partilhado pela camara, reduziram ellas a receita municipal em 95:000$000 réis, que tanto pertenceria a mais á municipalidade de Lisboa, se lhe fossem entregues os 80 por cento do excesso de rendimento calculado sobre réis 1.380:000$000, como pretendia o governo e o sr. relator, e não sobre 1.500:000$000 réis, como resolveram as commissões.
Estes dois golpes, que as commissões descarregaram no trabalho do governo, foram mortaes.
Não só reduziram consideravelmente o numero dos habitantes, que haviam de compor o futuro municipio, e que haviam de ficar assim sujeitos ao pagamento do imposto de consumo, mas determinaram que do augmento provavel do rendimento se partilhasse com a camara só o que o excedesse a 1.500:000$000 réis, e não todo o excedente a 1.380:000$000 réis.
Por esta fórma fica já profundamente reduzida a receita de 503:000$000 réis, que o governo e o sr. relator das commissões julgavam advir á camara municipal de Lisboa do remodelamento do novo municipio.
Estes calculos, porém, têem de soffrer ainda grandes modificações, porque eu raciocinei sobre a base, aliás favoravel aos intuitos do governo, mas que não é verdadeira, de que o rendimento do imposto de consumo seria de 7$175 por cabeça.
Coutando o novo município 234:372 habitantes com a zona aggregada, e produzindo o imposto de consumo 7$175 réis por cabeça, seria a somma total da cobrança do mesmo imposto 1.680:000$000 réis, numeros redondos, e assim o excesso a partilhar entre o governo e a camara municipal 180:000$000 réis, ficando para o município 146:000$000 réis.
Mas esta não é ainda a expressão exacta da verdade dos factos.
Se o imposto de consumo, hoje cobrado dentro das portas da cidade, representa a quota de 73175 réis por cabeça, nem por isso alargado o municipio, e mettidas dentro da linha de circumvallação povoações suburbanas, continuará a ser de 7$175 réis por cabeça o rendimento do imposto.
Pois imagina alguém que o imposto de consumo cobrado dentro de Lisboa é pago só pelos habitantes de Lisboa?
O imposto de consumo é pago por todos os que entram dentro da cidade, e que dentro da cidade comem e bebem.
É pago até pelos estrangeiros que aportam todos os dias a Lisboa por terra e mar.
Ora os estrangeiros, que demandam a cidade ou o porto de Lisboa, poderão ir alojar-se no hotel Bragança ou no hotel Central, ou em qualquer outro hotel da cidade; mas não procuram de certo nenhum hotel em Carnide ou em Santa Maria de Ajuda!
É portanto erro, e erro grave, calcular a quota que hão de pagar os habitantes da zona annexada pela quota do imposto de consumo hoje cobrada em Lisboa.
Se descontarem o imposto pago dentro da cidade pela população fluctuante, não será a quota por cabeça de cada habitante nem 5$000 réis.
As despezas feitas pelos forasteiros, que constantemente frequentam a capital, entram por uma somma importante na quota dos 7$175 réis por cabeça, arbitrada a cada habitante da cidade pelo sr. relator das commissões.
Todos os dias vem a Lisboa centenares de pessoas dos arredores da cidade, que pagam imposto de consumo dentro do municipio da capital, porque entram nas casas de pasto e nas hospedarias, onde comem e bebem. Succede na nossa capital o que succede em todas as outras.
Pois os impostos de consumo cobrados na cidade de Paris são porventura pagos unicamente pelos cidadãos, que têem residência permanente na capital de França?
Pois os estrangeiros e os nacionaes, que viajam ou residem numa capital, não gastam e não consomem, como os que ahi têem o seu domicilio fixo?
Não vem constantemente a Lisboa muita gente de Cacilhas, de Almada, de Aldea Gallega, e de todo o districto,

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que comem e bebem na cidade, e que portanto contribuem para o imposto de consumo?
Não vem dos Olivaes e de Belém, isto é, da própria zona annexada todos os dias a Lisboa muita gente, que paga imposto de consumo?
E portanto na capital inteiramente desarrasoado dividir a imprtancia do imposto de consumo arrecadado em Lisboa pelos seus 203:681 habitantes para attribuir a cada um o encargo de 76175 réis por cabeça.
Para este resultado contribuem todos os dias os cidadãos das terras limitrophes de Lisboa, os das provincias, e os estrangeiros.
Não póde pois ampliar-se este calculo aos novos habitantes da zona annexada.
As esquadras estrangeiras e os navios mercantes, que vem ao nosso porto irão sortir-se das previsões a Carnide?
As tripulações e passageiros, que desembarquem aqui irá o para a freguezia de Carnide pagar imposto de consumo, como o pagam hoje em Lisboa?
Sr. presidente, deixemo-nos de illusões, que hão de custar caras ao município e ao paiz.
Não pensemos em que o imposto de consumo, que dentro da cidade representa a quota de 7£175 réis por cabeça, ha de representar a mesma percentagem quando ao novo município acrescer a zona annexada.
Desde que a somma do imposto do consumo arrecadada em Lisboa corresponde a 7$175 réis por cabeça dos 203:681 habitantes do município, ninguém póde dizer, sem erro crasso, que cada habitante de Lisboa paga 7$175 réis por cabeça.
Esse imposto divide-se entre os residentes em Lisboa e a população fluctuante.
Parte é paga pelos habitantes de Lisboa, e a outra parte é paga pela população dos concelhos circumvizinhos, que todos os dias, em maior ou menor numero, visita Lisboa, pela gente das províncias, que por necessidade ou por divertimento frequenta a capital, e ainda pelos estrangeiros que entram a toda a hora e a todo o momento no município de Lisboa.
Portanto, ainda calculando na hypothese mais favorável a cifra da população do novo município, e suppondo que cila ha de ser igual ao numero dos actuaes habitantes de Lisboa sommado com o numero dos vizinhos moradores nas povoações da zona annexada, e que as classes laboriosas não tratarão de estabelecer se fora da linha da circumvallação, o que podemos dar por averiguado é que os cidadãos da zona annexada não virão a pagar 7-S175 réis por cabeça de imposto de consumo.
O sr. relator das commissões conta muito com o crescimento da população no novo município, e até attribue o augmento de imposto de consumo nos últimos annos ao desenvolvimento da população e da riqueza particular. Porém o augmento de rendimento proveniente do imposto do consumo não significa necessariamente augmento de população.
Pôde este crescimento do imposto do consumo vir até da melhor fiscalisação.
Com fiscalização severa e apertada o rendimento do imposto de consumo, ha de subir todos os annos, senão pelo augmento da população fixa, ao menos pelo augmento da população fluctuante.
Desde que a Providencia nos deu uma situação geographica privilegiada, e um porto que é quasi passagem obrigada entre a Europa e a America, Lisboa cada vez ha de ser mais visitada.
Lisboa, pela sua situação geographica, por ser ponto de escala entre o velho e o novo mundo, pelo caracter benévolo dos seus habitantes, pelas commodidades que offerece aos estrangeiros, e ainda pelo clima abençoado com que a Providencia a dotou, ha de ser cada vez mais frequentada, salvo se a habilidade dos nossos governantes chegar á perfeição de aggravar as condições de insalubridade da cidade, ou de prejudicar as magnificas condições do porto!
Devemos esperar que successivamente augmente, e se engrandeça o movimento da cidade de Lisboa. Ainda que não augmente a população, ha do augmentar necessariamente o movimento social e commercial. Com uma rigorosa fiscalisação, ha de crescer o imposto de consumo dentro da cidade de Lisboa. Mas a annexação das povoações circumvizinhas ha de importar grande desastre para o municipio da capital.
O sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões descobriram que nos dias santificados vão muita gente para Bemfica e para o Lumiar, que agora fica pagando imposto de consumo, e que até aqui o não pagava.
Esqueceram-se apenas de que, estabelecida a linha de circumvallação, é mais provável que a concorrencia se fixe de preferencia em Canecas, na Cova da Piedade, e sobretudo em Cintra com a abertura próxima da linha ferrea!
Era preferivel para evitar tantos calculos errados, virem ao accordo de não contar nem os que da cidade vão às festas a esses logares, nem os que d'esses logares vem às festas, ou a negócios á cidade: e não ficavam mal.
O melhor era do numero de 20:000 pessoas, que da cidade vão todos os annos às festas às povoações vizinhas segundo os calculos do sr. ministro do reino e do sr. relator das commissões tirarem uma cifra, que não vale nada, para evitarem assim que eu, contrariando esses seus cálculos, e usando do mesmo direito de conjectura, possa contar-lhes os milhares de pessoas da zona annexada. vem todos os annos a Lisboa, não só nas occasiões de festas e de procissões, irias tambem para negocios, que ajudam a pagar o imposto de consumo, que s. exas. distribuem só aos 203:681 habitantes da cidade a 7$175 por cabeça!
Contar para o cômputo do imposto de consumo os que saem da cidade para ir comer e beber nas aldeias, e não metter em linha de conta os que das aldeias vem pagar imposto na cidade, é um modo de calcular um pouco similhante ao systema por que muita gente faz os seus orçamentos, descrevendo apenas as despezas, sem quererem saber de receitas.
É evidente que muitas pessoas da cidade frequentam no verão por distracção e divertimento varias povoações, que agora são comprehendidas na zona annexada. Mas muitas mais pessoas, moradores n'esa zona, vem á cidade de verão e de inverno, por distracção e por negocio.
O ponto mais frequentado ha de ser sempre Lisboa. Não será facil transportar a capital para Carnide. O que é natural, é que os povos suburbanos procurem a capital do districto, que de mais é a capital da monarchia, assim como nos districtos de provincia são os concelhos ruraes que procuram a capital onde têem os seus negocios.
Quantas pessoas de Lisboa vão á Moita por exemplo, a não ser a alguma tourada? E todavia os habitantes da Moita, como a gente dos outros concelhos do districto, têem mais ou menos negocios todos os dias em Lisboa, e não têem de certo nenhuns em Carnide.
Toda a minha argumentação tende a provar que se illudem os que sustentam que os povos annexados hão de pagar imposto de consumo na rasão de 7$175 por cabeça, pelo facto de a somma deste imposto arrecadada hoje em Lisboa representar 7$175 por cabeça com relação aos 203:681 habitantes da cidade, porque não attendem a que o imposto de consumo cobrado em Lisboa não é pago só pela população fixa, mas sim também, e em grande parte, pela numerosa população fluctuante nacional e estrangeira, que afflue constantemente a Lisboa, e que não affluirá do mesmo modo às freguezias de Carnide e de Santa Maria dAjuda, pelo facto de serem incorporadas no novo município.
Mas o sr. ministro do reino podia ter-nos apresentado, se quizesse, bases seguras quanto possível nestes assumptos, para calcularmos o acrescimo de rendimento prova-

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vel do imposto de consumo com o remodelamento do municipio.
Porque não trouxe acamara as contas do imposto de consumo nos annos de 1850, 1851 e 1852?
Eu não pude encontrar as contas do thesouro, nem os mappas da receita e despeza dag alfandegas, das Sete Casas, e do terreiro publico, que em 1852 foram extinctas e incorporadas na alfandega municipal. Mas tem o governo em seu poder aquellas contas e aquelles mappas.
A providencia sujeita ao debate II ào é nova. Pelo contrario é a plena restauração de uma das medidas mais odiosas que cairam diante da dictadura de 1351.
Até ao anno de 1852 pagaram-se estes impostos em Lisboa e seu termo, e portanto fóra das barreiras do actual municipo.
Porque não ha de o governo apresentar acamara a conta dos rendimentos do imposto de consumo cobrados em 1851, ultimo anno em que se pagaram estes impostos com a antiga circumvallação?
Porque não quer. Esses elementos hão de estar no thesouro.
Pois o governo tem nas repartições a seu cargo todos os elementos necessarios para esclarecer a camara sabre o acrescimo de rendimento provavel do imposto de consumo, e, em vez de apresentar dados positivos sobre o assumpto, entretem-se a phantasiar calculos sem bases, e sem valor do especie alguma?
O pensamento do projecto traz o gérmen da sua condemnação no simples facto de representar uma restauração.
Já as povoações suburbanas foram obrigadas a pagar impostos de consumo como a cidade.
Mas o governo viu-se na necessidade de reduzir a linha de barreira á actual circumvallação.
E nunca o governo assumiria a responsabilidade de similhante providencia, se ella importasse diminuição de rendimento para o estado, pois que as circumstancias da fazenda publica, longe de serem desafogadas n'aquelle momento, eram por extremo angustiosas.
O decreto que reduziu a linha de barreira á actual circumvallação da cidade tem a data de 11 de setembro de 1852. Foi publicado numa situação financeira tão dolorosa para o paiz, que n'aquella occasião não podiamos pagar nem aos empregados publicos, nem aos credores do estado.
O decreto que reduziu a linha de barreira precedeu tres mezes apenas o decreto da bancarota, o decreto de 18 de dezembro de 1852, que reduziu o juro dos títulos de divida publica.
Quando se supprimiram as alfandegas do terreiro publico e das Sete Casas, já o governo estava em moratória, tão angustiosa e afflictiva era a situação da fazenda publica.
E apesar disso o governo, reduziu a barreira por decreto de 11 de setembro de 1852, não precipitadamente, mas detrás de maduro exame, e com profundo conhecimento de causa.
Fora ouvida primeiro uma commissão composta de cinco membros, encarregada de dar parecer sobre a conveniencia de conservar ou de reduzir a área em que deviam ser pagos os impostos de consumo. Tres dos membros dessa commissão votaram pela conservação da linha de barreira então existente, e dois votaram pela reducção da barreira á actual circumvallação.
Pois o governo seguiu o conselho da minoria, quando o thesouro não estava em maré de prosperidades, e quando o governo não carecia de publicar medidas para crear popularidade e para assegurar a sua situação política, por que o ministerio tinha então tantos correligionários, quantos eram os inimigos da situação caída, isto é, tinha por si, para assim dizer, o paiz inteiro.
E o estado da fazenda publica não permittia n'essa occasião descarregar golpes profundos na receita do estado. Porque foi então que o governo, desannexou da circumscrição fiscal de Lisboa uma parte importante da população suburbana, reduzindo a linha de barreira á actual muralha que circunda a cidade?
Podemos sabel-o pelo relatório, que precede o decreto de 11 de setembro de 1852, que supprimiu as alfandegas das Sete Casas e do Terreiro Publico, e as substituiu pela alfandega municipal, hoje denominada alfândega de consumo.
Eis o relatório:
"Senhora. - Desde muito tempo que se reclama incessantemente uma reforma na alfandega das Sete Casas, e o governo de Vossa Magestade entendeu que se não devia espaçar para mais tarde a satisfação d'esta necessidade publica.
"Os ministros de todas as repartições têem a honra de submetter á consideração de Vossa Magestade uma serie de decretos, que definem o pensamento da reforma, e que ligam estreitamente entre si as diversas providencias que a constituem. Pareceu melhor separar em differentes diplomas, do que reunir em um só, disposições que abrangem diversas espécies, e cujo nexo póde apreciar-se devidamente, embora grupadas, como estão, nos projectos de decretos que temos a honra de apresentar.
"A primeira, e a mais importante de todas as necessidades a que tinha de occorrer a reforma das Sete Casas, era a de libertar o denominado termo de Lisboa dos impostos de cidade que o sobrecarregavam, e dos vexames inherentes, ainda mais oppressores que os próprios impostos. Limitando a imposição dos direitos actuaes, e a fiscalisacão respectiva, ao muro de circumvallação da cidade, proveu amplamente o governo a esta urgente e justa reclamação dos povos, e deu mais um passo para fomentar no solo desannexado a riqueza territorial, que mal póde desenvolver-se debaixo da pressão inevitavel da fiscalisação dos impostos de consumo.
Este era o procedimento do governo, mesmo contra o parecer da maioria da commissão, aliás composta de homens competentes, numa epocha em que os altos poderes do estado ainda se importavam com as reclamações populares.
No relatorio do decreto, que reduzia a linha de barreira, encontra a camara a condemnação formal do projecto em discussão.
Com o alargamento da area, em que devem ser pagos os impostos de consumo, ou os povos hão de ser sujeitos aos maiores vexames em toda a zona annexada, ou o acrescimo de rendimento ha de ser muito insignificante.
As avenças, que os poderes publicos se hão de ver forcados a acceitar para não levantar attritos e irritações nos contribuintes, hão de influir desfavoravelmente no rendimento do imposto.
De mais a opinião publica é muito adversa ao estabelecimento de barreiras às portas das cidades.
Talvez que os desvarios dos nossos governantes nos imponham ainda a necessidade de multiplicar as barreiras para a cobrança dos impostos.
Mas a verdade é que cinco vezes foram nos últimos annos apresentados nesta casa, por parte do governo, projectos para a cobrança do imposto á entrada das povoações, e que nenhum pôde ir por diante.
Eu não sou adversario intransigente do systema de barreira.
Não sei mesmo, em presença da situação que os nossos governos nos preparam, qual será a sorte do povo portuguez, e quaes as suas necessidades de amanhã.
Não sei se os governos levarão as cousas a ponto de que o systema de barreiras, em vez de abranger só os concelhos de Belem e dos Olivaes, se estenda por toda a parte.
As nossas circumstancias financeiras complicam-se a cada momento, e o governo e as curtes não tratam senão de augmentar a despeza sem contemplação de especie alguma com a bolsa do contribuinte.

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Mas, continuando na minha ordem de ideas, digo á camara que o governo bem podia ter-nos esclarecido com respeito ao acrescimo do rendimento proveniente da zona annexada, se quizesse. Não quiz.
Vou eu, pois, ser vir-me de um apontamento onde esta descripta a importancia dos direitos de consumo cobrados nos annos economicos de 1851 a 1854, apontamento que aliás não tem a importancia de documento official, mas que e o unico elemento que possuo, e de que posso dispor.
O sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões consumiram o seu tempo e dedicaram a sua attenção só ao estudo dos livros estrangeiros, e ao exame da legislação de Londres e Paris. Julgaram ingrato e inglorio o trabalho de procurar no ministerio da fazenda os elementos que necessariamente ali devem existir a respeito do rendimento do imposto de consumo na antiga barreira.
Mas vejamos a nota do rendimento d'este imposto com relação ao anno economico de 1851-1852, ultimo completo da existencia da velha barreira com as suas alfandegas das Sete Casas e do Terreiro Publico, com relação ao anno economico de 1852-1853, anno da transição, e com relação ao anno economico de 1853-1854, primeiro da existencia separada da alfandega municipal.
No anno economico de 1851-1852, ultimo completo da cobrança do imposto de consumo na linha da antiga barreira, renderam as duas alfandegas:

A das Sete Casas....772:506$625
A do Terreiro Publico....145:298$015
917:804$640

Foram abolidas as alfandegas das Sete Casas e do Terreiro Publico, por decreto de 11 de setembro de 1852, e substituidas pela nova alfandega a que se deu o nome de alfandega municipal, e que hoje se chama alfandega de consumo. Mas este decreto só começou de ter execução pelo mez de outubro ou de novembro d'aquelle anno.
N'esse anno de transição, anno economico de 1852-1853, renderam as tres alfandegas:

A das Sete Casas.... 188:024$035
A alfandega municipal .... 683:239$936
A do Terreiro..... 40:281$015
908:634$986

Neste anno, que representa o periodo da transição, funccionaram ainda desde 1 de julho até outubro ou novembro as alfandegas das Sete Casas e do Terreiro Publico ficando depois só a alfandega municipal.
A differença de rendimento com respeito ao anno anterior, em que a zona da barreira era larguissima, e muito mais larga do que a zona agora projectada, e extremamente insignificante.
Vejamos agora qual foi o rendimento do anno de 1853-1854, primeiro completo da existencia da alfandega municipal, e da reducção dos limites da barreira.
N'este anno o rendimento da alfandega municipal foi de 802:960$430 réis, isto é, no primeiro anno completo da execução da nova lei, e da reducção da area destinada ao pagamento dos impostos de consumo, o estado pendeu apenas com relação ao anno economico de 1851 a 1852 reis 64:844$210, ou 7 1/2 por cento, e com relação ao anno economico de 1852 a 1853, isto é, com relação ao anuo de transição, 55:674$556 réis, ou 6,75 por cento.
Mas em rigor não pode dizer-se que o estado perdeu estas sommas com a nossa ordem de cousas, porque é ainda preciso ter em conta falta um elemento de calculo muito valioso, como e a importancia da despeza que se economisou com a reducção da linha de barreira. Para calcular precisamente a perda que o estado soffreu com a reforma da circumvallação, é indispensavel saber quanto se gastava ate ahi com a fiscalisação, e quanto se ficou despendendo depois.
O governo podia-nos ter dito qual era a despeza com a fiscalisação dos impostos de consumo até 1852, e qual a despeza que nos ficou custando depois da creação da alfandega municipal. Mas não quiz. Convém ainda notar que a população das trinta e duas freguesias do termo representava approximadamente 22 por cento da população da cidade, e que parte das freguezias da cidade, Alcantara, S. Sebastião da Pedreira e S. Jorge de Arroios, ficou fora da linha de circumvallação creada pelo decreto de 11 de setembro de 1852, não sendo por isso exagerada a asseveração de que, se todas as freguezias da cidade ficassem por inteiro dentro da nova linha de barreiras, só o imposto da cidade, depois da reducção das barreiras, equivaleria ao antigo imposto cobrado em Lisboa e seu termo.
Em presença pois das informações e das rasões, que eu acabo de dar a assemblea, e que dificilmente poderão ser contradictadas, não deveremos contar com grande acrescimo de refflimento proveniente da zona annexada, sobretudo comparando esse rendimento com a despeza importante que se ha de fazer para montar o serviço de fiscalisação na mesma zona, e não fallando por agora nos prejuizos e nos vexames a que ficam sujeitas as povoações que vão ser aggregadas ao novo municipio de Lisboa. (Apoiados.)
Tendo calculado pelos poucos elementos de que disponho, porque o governo não nos forneceu ncnhuns, qual sera para o municipio, o rendimento provavel do imposto de consumo que e a mais valiosa receita de todas as que lhe são destinadas pelo projecto, fallarei agora da despeza provavel que fica a cargo do novo municipio.
A annexação do concelho do Belem e de algumas povoações do concelho dos Olivaes ha de ser uma calamidade para todos os povos annexados e especialmente para a cidade de Lisboa. Para prova do meu asserto limito-me a chamar a attenção da camara para a exposição de princípios do sr. relator das commissões e para os mappas anne-xos. Ahi podera a camara ver o que ha de lucrar o municipio de Lisboa com a zona annexada.
A despeza que o municipio de Lisboa faz hoje com o serviço de incendios, por exemplo, e, segundo o mappa annexo, de 41:000$000 réis. Este mesmo serviço para o novo municipio vem calculado em 80:000$000 réis! Ha de custar só o dobro!
Ora, calcule a camara por este serviço quanto ha de custar a limpeza, a illuminação, as obras, as calçadas, os passeios, o arvoredo, etc., etc., no novo município!?
Os serviços municipaes na zona annexada hão de custar mais do dobro do rendimento, que da mesma zona ha de auferir o municipio!
Só se quizerem tratar o pobre saloio, como paiz conquistado, tirando-lhe a pelle, e não lhe dando os commodos, e a tal civilisação dos magnates de Lisboa. Mas isso não é justo.
Será altamente iníquo que aquella pobre gente venha contribuir para as despezas de civilisação da capital sem outras vantagens, que a honra de pertencer ao municipio fidalgo de Lisboa. O contribuinte de Carnide, desde que vem pagar tanto como o de Lisboa, tem direito aos mesmos commodos e aos mesmos gosos, que o habitante da capital.
Mas talvez que o pensamento do governo e das commissões seja fabricar tambem receita para o novo municipio, segundo o costumo da terra.
Eu ouço constantementc n'esta casa fallar em creação de receita, como se ella se creasse a machina.
Ora, nos temos effectivamente uma machina de fazer receita, machina que é de todos muito conhecida, tanto dos que são financeiros, como dos que o não são, e que se acha perfeitamente montada numa fabrica de primeira ordem.
Essa fabrica, que temos, de fazer receita é excellente.

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Funcciona com a maior regularidade; não precisa de reparos nem de concertos; trabalha dia a dia, hora a hora, e momento a momento, e com uma força que nenhum vapor pôde exceder, nem sequer igualar. Essa fabrica é situada no Terreiro do Paço, numa repartição publica, que se chama a direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda.
N'esse estabelecimento não se fabrica senão um genero de productos.
Esses productos têem o nome de divida fluctuante.
Nessa fabrica ha um deposito muito grande, onde se accumula durante dois ou tres annos o genero produzido, para, decorrido aquelle periodo, ser transportado para outro deposito muito maior, que os nossos governos julgam ser de capacidade illimitada.
Este deposito monstro é situado tambem no Terreiro do Paço, e n'outra repartição publica, que se chama junta do credito publico.
Basta transportar estes productos de uma para outra repartição no Terreiro do Paço para elles perderem o nome de divida fluctuante, e tomarem logo o nome de divida consolidada.
Eis aqui a grande fabrica de receita para as despezas de civilisação!
Já me esquecia dizer que a direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda, com inveja, de certo, á junta do credito publico, por esta possuir um deposito permanente de receita fabricada com o nome de divida consolidada, creou ha annos tambem o seu deposito de receita permanente com productos, que se chamam divida amortisavel, que de data muito recente teve suas conversões, as quaes provavelmente não ficam só por ali!
Ora, a camara municipal já tem a fabrica de divida fluctuante, e o deposito de divida amortisavel. Criem-lhe agora tambem o deposito de divida consolidada, para ella se parecer, em tudo e por tudo, com o governo!
Crie-se o deposito para completar o quadro, e para accudir às despezas com a zona annexada!
É preciso dinheiro e muito dinheiro para occorrer aos encargos planeados do novo municipio.
Carnide, Bemfica e todas essas freguezias, que vem ser encorporadas no novo município, hão de ser tratadas no mesmo pé de igualdade, que os habitantes de Lisboa.
Aquellas freguezias vem viver no mesmo regimen municipal, regular-se pelo mesmo orçamento, numa palavra vem gosar o inefável prazer e ventura de pertencer á mesma família communal, á família fidalga do primeiro municipio do reino, e, portanto, hão de sentar-se á mesma mesa. Não hão de ser tratados os seus habitantes como pobres, que são, visto que vem pagar como ricos, que não são.
Já que tiram ao saloio o rendimento liquido, hão de acceitar-lhe a despeza bruta.
O certo é que o projecto sujeita a camara municipal de Lisboa a uma experiencia, que pôde ser altamente perigosa, e que ha de ser bem pouco duradoura.
Tenho o presenthimento, e oxalá que eu me engane, de que dentro de pouco tempo o parlamento e o governo se hão de ver obrigados a occuparem-se de novo d'este gravíssimo assumpto, com prejuizo para a causa publica, e com desdouro para o credito do proprio municipio.
Pois de onde ha de vir a receita para a camara municipal custear tantas despezas obrigatorias, como as que lhe são impostas por este projecto?
Só as suas dividas lhe consomem 280:000$000 réis por anno proximamente, ao que deve acrescer o encargo annual de 20:000$000 réis que pesa sobre o concelho de Belem, e a annuidade de 76:000$000 réis, numeros redondos, da divida do districto!
Fica assim pagando por anno, só para juros e amortizações, 376:000$000 réis!
E estas despezas são impreteriveis.
N'estes encargos nenhuma reducção é possível.
Mas, antes de ir mais longe, devo ponderar á camara que o augmento da despeza começa logo com a execução da lei, e que o augmento da receita ha de vir quando Deus quizer.
O augmento de rendimento do imposto de consumo, em que a camara partilha, não se manifesta logo no primeiro dia da execução da lei, nem o estado ha de entregar a prestações logo no dia immediato.
O rendimento do imposto do consumo, nos primeiros seis mezes da execução da lei, se não diminuir, como é mais provável, não ha de por certo augmentar.
Nas vesperas da execução da lei, que não ha de começar a vigorar de improviso, os donos dos estabelecimentos dos generos de consumo tratarão de reforçar os seus depositos para escaparem quanto possivel ao imposto: e o governo não quererá de certo repetir dentro da cidade de Lisboa a triste scena dos varejos, com que ha annos alvoroçou a cidade do Porto.
A despeza da saude sobe a proporções extraordinárias. Até agora havia tres sub-delegados em Lisboa e um em Belem, que recebiam cada um 360$000 réis.
Agora fica o novo municipio com um delegado de saude a quem paga 1:200$000 réis, e com vinte um sub-delegados que recebem cada um 900$000 réis!
Não condemno em absoluto esta despeza. Até achava optimo que houvesse um sub-delegado de saude para cada rua e para cada casa. O que eu desejava que me dissessem é d'onde ha de vir o dinheiro para se pagar tanta despeza de civilisação!
(Esta parte do discurso não se publica por se terem perdido as notas tachygraphicas antes de serem entregues ao orador.)
Não é possivel nas tristes condições financeiras, em que o estado e o municipio se encontram, estar ainda a animar a camara municipal a entrar em mais largo caminho de despezas publicas.
Uma voz: - É o que vem no orçamento.
O Orador: - Qual orçamento?
O orçamento do futuro municipio ainda está para vir, e ha de ser bom!
(Interrupção.}
Não se aflijam os meus illustres collegas. É melhor dividir-mos o trabalho ao meio para não nos fatigarmos.
Eu faço a relação das despezas, que pela reforma ficam a cargo da camara municipal de Lisboa, e os meus illustres collegas contam o dinheiro, com que ellas se hão de pagar.
Eu já disse e repito, que não condemno em absoluto as despezas. Mas tenham os meus collegas a condescendencia commigo de me dizerem ao menos de onde ha de vir o dinheiro para as pagar!
Não lhes peço muito. Mas tenho o direito de que ao menos este meu pedido seja satisfeito.
(Interrupção do sr. visconde do Rio Sado.)
Já disse e repito a todos, e a cada um dos meus collegas, que estou prompto a explicar lhes tudo, comtanto que s. exas. mo expliquem a mim de onde ha de vir o dinheiro para pagar todas estas despezas de civilisação.
A camara tem nas suas attribuiçoes crear estabelecimentos de beneficencia, educação, instrucção e hygiene publicas, ou de utilidade para o municipio, bem como subsidiar estabelecimentos de beneficência, educação, instrucção e hygiene publicas, que não estejam a cargo da administração municipal, mas que sejam de utilidade para o municipio, para uma parte importante d'elle, ou para alguma classe digna de protecção publica.
Como ha de ella pagar tanta despeza?
Parece-me excellente dar á camara a attribuição de subsidiar os estabelecimentos de beneficiencia, educação, instrucção e hygiene publica, mesmo que sejam de algum particular, e de prestar soccorros ás classes dignas de pro-

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tecção publica, como são os menores, os interdictos e outros similhantes.
Não só acho bom, acho muito bom!
Esta innovação merece as minhas sympathias. Não supponham que eu quero negar á camara o direito de proteger as classes dignas de protecção publica.
Não ha direito mais sagrado, nem mais sympathico, do que o direito de protecção.
Pelo contrario estou deveras satisfeito com tanta energia reformadora.
Não sou nada exigente; não proponho restricções de espécie algumas a tão feliz como sympathica innovação.
O que eu queria era que me dissessem quem ha de pagar tudo isto!? (Apoiados.)
Vou percorrendo o projecto, e, deparo com o artigo 48.° da proposta do governo ou 43.° do parecer das commissões, onde leio o seguinte:
«Artigo 48.° A camara municipal poderá crear, quando o julgar conveniente e opportuno, escolas infantis, salasasylos e créches.
Também approvo. (Riso.)
É bom animar a camara a metter-se nestas emprezas, para ver se arranja onde gaste o dinheiro dos munícipes!
Até a occasião é boa!
Agora que na capital estão organisadas, é em via de organisação, á custa de particulares e das famílias mais distinctas da nossa primeira sociedade, estes institutos de beneficencia, convém cortar-lhes a frente, tirar-lhes das mãos essa missão caridosa, para que a camara municipal de Lisboa vá pagar esses serviços á custa do saloio de Carnide!
Ora, sr. presidente, isto não faz riso, faz dó.
Pois a camara não póde, nem com as suas despezas obrigatorias, e ha de ir metter-se em obras de caridade, como qualquer misericórdia ou hospital?
Dão esmolas os que podem dal-as, mas não os que vivem empenhados até ao ultimo real, como succede desgraçadamente á municipalidade de Lisboa.

eservemos para uma lei especial a organisação da beneficencia publica.
Não ponhâmos a cargo do município de Lisboa despezas; com que elle não póde.
É preciso sustentar os serviços da hygiene, da beneficencia, da educação e da instrucção, ainda á custa de sacrifícios do contribuinte.
Mas é indispensavel tambem regular o modo como esses fundos hão de ser administrados. (Apoiados.)
Sinto tirar tempo á camara com as minhas observações.
Mas no estado actual dos negocios publicos o meu unico pensamento é deixar archivadas as minhas opiniões nos registos parlamentares.
Sr. presidente, deixemos á camara municipal de Lisboa só os serviços que ella póde sustentar.
Pois é exactamente, quando o município de Lisboa chega ás tristíssimas circumstancias de precisar de recorrer ao parlamento para lhe acudir, que nós vamos sobrecarregar a municipalidade com tantas e tão variadas despezas!?
Mas quem as paga?
É a minha unica e eterna pergunta.
Em havendo quem pague tudo o mais vae muito bem. Até acho isto muito philosophico! (Riso.)
A camara municipal fica mais obrigada a crear, logo no primeiro anno, a escola de artes e officios.
A metade da despeza pesa, já se entende, sobre o governo, que está rico!
Pois ao mais pequeno pretexto, havemos de ver ahi creada não uma escola, mas duzentas! (Apoiados.)
E creadas menos, para o ensino, do que para a collocação de pessoal!
A camara municipal de Lisboa escusa mesmo de se incommodar a pensar no modo como ha de occorrer a todos estes encargos.
Para que ha de ter esse trabalho, que fatiga!
É continuar na mesma senda.
A camara municipal continua a fazer as despezas do seu gosto, a arranjar as suas avenidas, e a alargai varias ruas, e sobretudo a gastar, só com a instrucção primaria, ou a propósito da instrucção primaria, 100:000$000 réis, collocando-se por esta fórma numa situação tão difficil, que não póde pagar a quem deve, e vem depois dizer á camara e ao governo:
«Ajudem-me a pagar as dividas, porque a minha situação é lastimosa! Se me não acodem, a bancarota é inevitavel.»
Que faz o governo, em presença de uma situação, que assim deixou crear?
Vem com um projecto ás côrtes propor aos representantes da nação, que condemnem o paiz a pagar as dividas da camara municipal de Lisboa.
E que respondem os representantes da nação?
Os delegados do povo dizem - estamos por tudo, estamos promptos para tudo!
Não ha nada melhor!
O que a camara municipal de Lisboa deve fazer é marchar para a frente, e voltar daqui a dois ou tres annos pedir o mesmo que agora se lhe concede.
Sr. presidente, eu não quero incommodar ninguem nem quero tambem esclarecer a camara.
As cousas publicas hão de ir como vão até ao fim.
Vejo o paiz sem a energia sufficiente para pôr cobro a tanta desvario.
As minhas ambições já se limitam a deixar consignado nos registos parlamentares que na actual sessão legislativa ainda havia uma voz, com quanto isolada, para condemnar todas as despezas, que não interessassem á honra ou á vida da nação, sem saber de onde haviam de vir os meios para se pagarem.
As minhas palavras não prejudicam n'este momento nenhum partido e nenhuma instituição.
A opinião publica está de gelo, e portanto ha de tudo continuar como tem ido até agora!
Por isso, como a camara municipal se administra pessimamente, dão-se-lhe agora attribuições e liberdades autonomicas, que a collocam na excepcional posição de ser um estado no estado!
A camara municipal de Lisboa fica tendo em si, não só grande parte das attribuições que são exclusivas dos ministérios do reino e do das obras publicas, mas entra tambem já o seu bocado pelo ministerio da justiça. Não passam as attribuições d'aquelles tres ministerios exclusivamente para a camara municipal, que seria isso offensa aos princípios dos nossos sabios governantes. Pelo contrario duplicam-se essas attribuições.
Agora pelo projecto vae crear-se uma repartição de registo escolar na camara municipal, como ha uma repartição do registo civil no ministerio da justiça, e até certo ponto na administração do concelho, pois que é o administrador do concelho o official do registo civil.
Temos pois registo civil nas secretarias d'estado, e suas dependencias, e registo escolar na camara municipal.
E quantos empregador se hão de crear para povoar essa nova repartição de registo escolar? Os que forem necessarios aos amigos, pois que nenhumas limitações se põem nem ao pessoal nem ás despezas. No que toca á repartição do registo escolar fará a camara o que ella quizer!
Nomeia os empregados que entender, com as habilitações que quizer, e gasta quanto quizer. O município depois pagará tudo; e, se o município não poder, pagará o paiz, emquanto houver.
Em todo o caso ficamos com serviços em duplicado, e lá está a pelle do contribuinte, que tem elasticidade para tudo!
Agora fica a beneficência publica no ministerio do reino e na camara municipal de Lisboa; a hygiene publica no ministerio do reino e na camara municipal de Lisboa; a

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instrucção publica no ministerio do reino, e no ministerio das obras publicas, e na camara municipal de Lisboa, e o registo civil no ministerio da justiça e na camara municipal de Lisboa.
E digo regibto civil, porque o recenseamento das creanças nas condições em que é estabelecido no projecto pouco se differença do registo civil.
Diz o projecto no artigo 40.°:
«Artigo 40.° O recenseamento das creanças, na idade em que a instrucção é obrigatoria, será feito pela camara municipal.
«§ 1.° Para as creanças, que tiverem nascido antes de estar em vigor a presente lei, os parochos, auxiliados pelos regedores e annualmente até 30 de novembro, enviarão á camara municipal uma relação de todas as da sua freguezia, que devem attingir oito annos no anno seguinte. Estas relações conterão o nome da creança, o nome dos pães, tutores ou pessoas encarregadas da sua sustentação ou educação, a morada, as officinas ou trabalhos agrícolas e industriaes em que forem empregadas. Com estes elementos a camara municipal organisará os recenseamentos escolares por parochia civil.
«§ 2.° Os parochos enviarão conjunctamente e nas mesmas condições do paragrapho precedente, uma relação de todas as creanças da sua freguezia, que perfaçam no anno seguinte novo, dez e onze annos.
«§ 3.° Para as creanças que nascerem depois de estar em vigor a presente lei, os paes, tutores ou outras pessoas encarregadas da sua sustentação, serão obrigados, no praso de tres mezes, a participar por escripto o nascimento da creança na respectiva repartição da camara municipal.
«Esta participação deverá conter:
«1.° O nome da creança, dado ou que lhe pretendam dar no acto do baptismo ou do registo civil, e a data do seu nascimento;
«2.° O nome dos pães, sua profissão e morada;
«3.° A affirmação dos factos, mencionados nos numeros antecedentes feita pelo parodio e pelo regedor da freguezia e a sua confirmação pelo respectivo administrador do bairro.
«§ 4.° O fallecimento das creanças de idade inferior a doze annos será igualmente communicado na respectiva repartição da camara municipal.
«Esta participação deverá conter:
«1.° O nome da creança falleeida e a data do seu passamento;
«2.° O nome dos pães, sua profissão e morada;
«3.° A affirmação dos factos mencionados nos antecedentes numeros feita pelo parocho e pelo respectivo administrador do bairro.
«§ 5.° A mudança de domicilio das creanças de idade inferior a doze annos será por modo analogo participado na respectiva repartição da camara municipal.
«§ 6.° As disposições dos §§ 3.° e 4.° d'este artigo não eximem os parochos de prestar á camara municipal as relações de que tratam os §§ 1.° e 2.°, ainda em relação ás creanças nascidas depois da promulgação d'esta lei.
«§ 7.° Aos responsaveis pela falta de cumprimento dos preceitos indicados nos §§ 3.°, 4.° e 5.° será applicada a multa de 2$000 réis a 20$000 réis, em beneficio das caixas escolares, ou a pena de dois a vinte dias de prisão.»
Esta repartição de registo civil ha de ser ainda mais esplendida, de que a do ministerio da justiça!
O mais brilhante porém de todo o projecto é a designação dos serviços que ficam a cargo da camara municipal, e por agora só me refiro aos serviços de beneficencia municipal.
Eu peco a v. exa. e á camara que me digam em sua consciencia, se ha dinheiro que chegue só para os serviços de beneficencia que o município de Lisboa tem de custear?
Nem todo o dinheiro do thesouro portuguez é sufficiente para occorrer aos encargos que ficam pesando sobre a camara municipal de Lisboa em materia de beneficencia!
Longe de mim, repito mais uma vez; o pensamento de condemnar o direito da beneficencia, ainda que seja em escala tão larga, que absorva tantas receitas, como as do thesouro inglez ou allemão sommadas.
A minha, duvida é de onde ha de vir o dinheiro para se pagar tantas despezas de civilisação.
Eu pego do projecto, e fico attonito ao ler o artigo 95.° da proposta do governo, e do parecer das commissõoes, no qual se declara que as differentes secções do congresso de benefiocencia municipal, conforme os diversos fins caridosos de que deve occupar-se, serão pelo menos (!!) as seguintes:
«1.ª Secção de soccorros a velhos e invalidos, comprehendendo-se sob este titulo a creação ou concessão de subsídios a todas as instituições, que possam protegel-os e amparal-os, taes como: asylos, albergues, distribuição de alimentos gratuitos ou economicos, meios de transporte para sinistros na via publica e os soccorros nos domicílios;
«2.ª Secção dos soccorros aos enfermos, comprehendendo sob este titulo a creação, ou a concessão de subsídios, a todas as instituições, que possam protegel-os e amparal-os, taes como: hospitaes, casas de saude gratuitas ou economicas, casas de convalescença gratuitas ou economicas, e os soccorros nos domicílios;
«3.ª Secção dos soccorros ás creanças, comprehendendo sob este titulo a creação, ou a concessão de subsídios a todas as instituições, que possam protegel-as e araparal-as, taes como: creches, salas de asylo, asylos de infancia, escolas ou officinas de aprendizagem, e os soccorros nos domicílios;
«4.ª Secção dos soccorros a desempregados e abandonados, comprehendendo sob este titulo a creação, ou a concessão de subsídios a todas as instituições que possam contribuir para a extincção da vadiagem, como as casas de trabalho obrigatorio (work-houses); para a diminuição da prostituição e protecção da mulher isolada, como as casas de trabalho e regeneração; bem como o emprego dos meios tendentes a proporcionar trabalho, quer particular quer publico, aos que d'elle hajam mister.»
Ora digam-me os meus collegas, em boa paz, se é possível arranjar dinheiro, não digo já na zona que vae ser annexada ao futuro município de Lisboa, mas no paiz inteiro, para pagar tanta cousa boa?
Repito que acho muito bom este plano de serviços municipaes, digno não só de Lisboa, mas até de Paris ou de Londres.
Falta-me só uma cousa, que é apenas a principal: é saber de onde haver o dinheiro para se pagarem tantas larguezas!
Pois ha porventura cousa melhor, ou pelo menos mais sympathica e mais grata ao paladar do povo portuguez, do que arranjar trabalho a quem o não tem, e sobretudo um emprego publico ou particular a quem o pretende?! (Riso.) Não ha nada mais appetecido. Pois haverá nada mais philantropico e mais humanitario, do que accudir a todas as desgraças e a todas as desventuras, e ir minorar todos os soffrimentos e todas as miserias?!
Eu até estou encantado com um plano tão grandioso! Toda a minha duvida é saber quem paga, e como se paga!
Ha de ser a camara municipal?
Mas a camara municipal de Lisboa está carregada de dividas, e tanto que vem pedir aos altos poderesdo estado que lhe acudam, porque a sua receita não cobre a sua despeza, e porque se tem mettido em emprezas que excedem os seus recursos e as suas faculdades tributarias.
Quando eu digo que a camara municipal de Lisboa se tem administrado mal, quero apenas significar que ella gasta mais do que tem, sem entrar na questão se o dinheiro municipal tem tido ou não boa applicação.
A minha regra suprema em materia de administração é - quem gasta o que não tem a pedir vem.
Em todo o caso eu pertenço ao numero d'aquelles que não sympathisam por exemplo com as obras da avenida da Li-

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berdade, não porque não considere aquellas obras um grande aformoseamento para a cidade, mas porque no meu entender uma capital como Lisboa devia applicar todos os seus recursos disponiveis de preferencia ao embellesamento e ao engrandecimento da cidade, á beira do Tejo, desde o cães dos Soldados até Belem.
É essa face da cidade é a beira do rio, que faz de Lisboa uma das primeiras capitães do mundo.
Se formos a Madrid hão de os nossos vizinhos mostrar-nos, como uma das principaes bellezas da sua capital, o seu passeio do Bom Retiro; e nós havemos de mostrar-lhes, quando elles procurarem a nossa terra, como primeira belleza de Lisboa, e uma das primeiras do mundo, a bacia do Tejo.
Se quizermos ter de tudo, não teremos nada. Aproveitemos o que é bom, e cuidemos de o melhorar.
Em logar de uns casebres velhos, que existem á borda do Tejo, e que offerecem um triste e vergonhoso espectaculo a nacionaes e estrangeiros, que entram n'esta cidade, por terra ou por mar, deviamos ter-nos preoccupado com edificações á beira do Tejo, que estivessem á altura de uma cidade de primeira ordem, e gastar ahi o dinheiro que se tem gasto na avenida, se é que o podiamos gastar.
Não condemno, pois, a obra da avenida, se é que havia dinheiro disponivel para a fazer, porque esse trabalho representa inquestionavelmente um aformoseamento para a cidade. O que entendo, porém, é que o dinheiro gasto nas costas da cidade devia ter sido dispendido á borda do Tejo.
Todavia os aformoseamentos e melhoramentos, que eu recommendo para a margem direita do Tejo, nada têem de commum com um projecto, que ahi está pendente, para se gastarem 15.000:000$000 réis, e por em perigo a barra de Lisboa. (Apoiados.}
Mas, continuando na minha ordem de idéas, devo dizer á camara que o pensamento fundamental do projecto em discussão, desde que fica á disposição da camara municipal de Lisboa uma receita muito mais avultada do que a que figura actualmente no seu orçamento, seria estabelecer as garantias indispensaveis para que esse capital fosse de ora em diante regularmente administrado.
Os orçamentos do estado têem uma fiscalisação severa nas duas casas do parlamento. Os depositarios do poder publico, em todos os seus graus de gerarchia administrativa, têem responsabilidades impreteriveis que são annexas á obrigação do dar contas. Só a camara municipal de Lisboa fica em dictadura perpetua, e mais do que dictadura. Não precisa de que o seu orçamento seja approvado por entidade alguma, e póde dotar á vontade os serviços municipaes. sem ter que dar contas a ninguem.
A municipalidade lisbonense fica assim perfeitamente á sua vontade; sendo a única corporação administrativa isenta, para assim dizer, de responsabilidade e de fiscalisação!
Sempre vou dizer, comquanto rapidamente, á camara como pensavam, sobre assumpto tão importante, sobre a gerencia e a responsabilidade das camaras municipaes, os homens mais importantes do paiz, sem excepção de um só, antes que uma philosophia superior e um idealismo transcendental viessem invadir os dominios cia nossa governação publica.
N'esta parte sou da velha guarda.
Em Portugal nunca se lembrou nenhum homem publico, de nenhum partido, de habilitar as camaras municipaes a administrarem a arbitrio a fortuna dos municipes, mesmo quando ellas tinham dado provas publicas de exemplar administração.
Para mim é ponto capital neste projecto a fiscalisação da gerencia municipal.
É inutil estarmos a determinar as despezas e a augmentar as receitas da municipalidade de Lisboa, se não adoptarmos as providencias indispensaveis para ella entrar em vida nova.
Se a municipalidade de Lisboa continuar a gastar como até agora, baldados são os nossos trabalhos, porque não ha dinheiro que lhe chegue.
Mas vou dar couta á camara das providencias de fiscalisação, que se encontram nas paginas da legislação nacional, com respeito á gerencia das camaras municipaes, não omittindo nem um só dos diplomas legislativos que estão firmados em differentes epochas pelos nomes mais respeitáveis que têem figurado na política portugueza.
Sr. presidente, para dois assumptos da gerencia municipal reclamou sempre o legislador, desde que temos regimen constitucional, a intervenção e a tutella do parlamento, ou esse legislador fosse inspirado pela politica de Passos Manuel ou pela politica de Antonio Bernardo da Costa Cabral.
Para estes dois assumptos todos os homens publicos de todas as cores politicas exigiam sempre a intervenção do parlamento.
Esses assumptos eram os emprestimos, e os contratos de obras com companhias nacionaes ou estrangeiras.
Todos os governos e todos os partidos, em todas as epochas, julgaram indispensável a tutella do poder legislativo para o exercicio de funcções municipaes, que podiam não só perturbar a gerencia municipal, mas até affectar gravemente a gerencia do estado.
Não era tão severa a fiscalisação e a vigilancia com o lançamento dos imposto, pois que se num anno a municipalidade sobrecarregava com violencia os municipes, era facil o remedio, e reparavel o damno, porque podiam no anno immediato os contribuintes ser aliviados das pesadas imposições.
Mas os emprestimos depois de contrahidos haviam de ser pagos, ou os contratantes podessem ou não podessem com os encargos, e os contratos feitos com companhias haviam de ser pontualmente observados, quaesquer que fossem os prejuizos que dahi adviessem ao municipio.
Por isso as deliberações municipaes nestes casos tão graves não tinham validade, sem serem confirmadas por lei.
Logo na primeira lei, que é o decreto n.º 2 de 16 de maio de 1832, publicado em S. Miguel com a referenda de Mousinho da Silveira, que dividiu o território continental e as ilhas adjacentes, para os effeitos administrativos, em províncias, comarcas e concelhos, se determinou que nem as juntas de província, nem as de comarca, nem as camaras municipaes, podiam contrahir emprestimos, nem fazer contratos de obras com companhia municipal ou estrangeira sem auctorisação do poder legislativo.
Seguiram-se a lei de 20 de abril de 1835, e o decreto de 18 de julho do mesmo anno, que dividiram o paiz, para os effeitos administrativos, em districtos, concelhos e parochias, tendo a lei a referenda de Agostinho José Freire e o decreto a referenda do Joaquim António de Aguiar; e em ambos esses diplomas se determinava, que nem as juntas de districto, nem as camaras municipaes podiam contrahir empréstimos, nem contratou obras com companhias nacionaes ou estrangeiras sem auctorisação das cortes.
As juntas de parochias, essas, nem com auctorisação, nem sem auctorisação, podiam levantar emprestimos.
Quanto a impostos, as camarás municipaes só podiam lançar addicionaes até 2 por cento, tendo as juntas geraes o direito de lançar mais 1 por cento, se a ellas recorressem as camaras municipaes para esse fim.
As deliberações das camaras municipaes sobre a acquisição e alienação de bens de raiz, sobre a applicação do producto, sobre obra nova ou alteração essencial da existencia, sobre a necessidade de intentar ou de defender pleitos, e sobre posturas, podiam ser alteradas pelo governo, ouvida ajunta geral, ou o conselho de districto.
Veiu depois o codigo administrativo de 1836 da referenda e responsabilidade de Passos Manuel, do grande patriota de 1836; e tambem, não permittia às juntas geraes, nem às

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camaras municipaes, contrahir emprestimos, nem contratar obras com companhias nacionaes ou estrangeiras, sem auctorisação das cortes.
Por este código as deliberações das camarás municipaes sobre feitura de obras novas, sobre alteração essencial das antigas, sobre acquisição e alienação de bens de raiz, e applicação do seu producto, e sobre a necessidade de intentar ou de defender pleitos, podiam ser alteradas pelo conselho de districto ou pela junta geral.
Quando os rendimentos da municipalidade não bastassem para as suas despezas, que fosse necessario lançar fintas, derramas, contribuições directas, indirectas ou mixtas, reunia-se a camara com duas pessoas eleitas por cada freguezia para decidir.
Pelo codigo administrativo da responsabilidade de Passos Manuel, pois, a camara municipal, quando tratava de lançar tributos ao povo, longe de centralisar nas suas mãos todas as faculdades, descentralisava as suas attribuições para os eleitores.
Aquella descentralização era a antithese completa da descentralisação á moderna, da descentralisação do projecto, pendente do exame da camara.
Descentralisar para os eleitores era a descentralisação de Passos Manuel, era a descentralisação de 1836, e é a minha descentralisação.
Entregar os municipes inteiramente manietados às municipalidades, quando se trata de lhes ir á algibeira, não é descentralisar, é monopolisar, é absorver, é fazer governo absoluto.
Mas é a descentralisação deste governo e deste parlamento!
A lei de 29 de outubro de 1840, referendada por Rodrigo da Fonseca Magalhães, mantém ainda o pensamento de Passos Manuel, emquanto exige a intervenção popular no lançamento dos impostos municipaes.
Organisou um conselho composto, por metade, de maiores e de menores contribuintes de entre os eleitores, de trinta ou quarenta individuos, segundo a camara fosse organisada com cinco, sete ou mais vereadores, os quaes discutiriam e resolveriam com a camara municipal em sessão publica:
1.° Todos os negocios graves do municipio, quando para isto fossem convocados pela camara, por ordem superior, ou por determinação da lei;
2.° As derramas e contribuições directas ou indirectas, obras por conta do concelho, empréstimos e contratos com companhias, acquisição, alienação de bens e applicação do producto, bem como a propositura das acções o a defeza nos pleitos;
3.° A creação de todos os empregos que houvessem de ser sustentados á custa do municipio;
4.° O orçamento municipal.
Depois veiu a lei de 27 de outubro de 1841, referendada tambem por Joaquim António de Aguiar, que mandava discutir o orçamento municipal, pela camara municipal e conselho municipal, ficando sujeito á approvação do conselho do districto, e carecendo da approvação do governo, com audiencia do mesmo conselho de districto, quando a receita fosse superior a 10:000$000 réis.
Posteriormente a lei de 16 de novembro do mesmo anno, igualmente referendada por Joaquim António de Aguiar, mantinha todas aquellas providencias, e reorganisava o conselho municipal sobre novas bases, determinando que fosse composto de numero de vogaes, igual ao dos vereadores, e que esses vogaes seriam os que pagassem maior quota de decima no conselho.
O codigo administrativo de 1842, apesar de referendado pelo homem, que mais genuinamente tem representado era Portugal o partido conservador, adoptou as bases da legislação anterior ácerca das faculdades das camaras municipaes, e com respeito aos meios de tutela e de fiscalisação, a que ellas deviam ser sujeitas.
A lei de 10 de julho de 1862, referendada pelo duque de Loulé, determinou que para fazer face às despezas dos districtos com relação a estradas haveria:
Receita ordinaria, que consistiria nuns tantos por cento addicionaes às contribuições predial, pessoal e industrial, annualmente votados pelas cortes, sob proposta do governo, precedendo consulta das juntas geraes, e os direitos de transito nas barreiras, portagens e barcos de passagem, auctorisadas pelo governo; e receita extraordinaria, que consistiria nas derramas e contribuições da mesma natureza e nos empréstimos, umas e outros auctorisados pelo governo.
Ora a legislação que nesta epocha regulava as attribuições das juntas geraes de districto e das camaras municipaes era o velho código administrativo de 1842.
Quero igualmente referir-me á lei de 22 de junho de 1867, que, com quanto pouco tempo estivesse em vigor, foi tambem lei do paiz.
Essa lei tinha a referenda do sr. Mártens Ferrão.
E n'essa epocha comquanto começasse já de predominar e muito a alta philosophia na confecção das leis, não entrara ainda na cabeça de nenhum homem de estado o passar por cima dos princípios da governação publica.
Por esta lei, a approvação dos empréstimos das camaras municipaes, quando o juro e a amortisação, ou só por si, ou sommados com os anteriores, excedesse a quinta parte da receita ordinária, descripta no orçamento sem que o praso de amortização fosse superior a vinte annos, pertencia ao governo, ouvida a acção administrativa do conselho de estado.
Para as camaras municipaes de Lisboa e do Porto os emprestimos até 10:000$000 réis, não havendo recurso, não careciam de confirmação se o praso da amortisação não ia alem de quinze annos.
Mas os emprestimos de 10:000$000 réis até 20:000,5000 réis, não indo a amortisação alem de vinte annos, careciam de ser confirmados pelo conselho de districto, e se excediam esta quantia ou aquelle praso de amortisação, careciam da approvação do governo, salvo quando o praso da amortisação excedesse a trinta annos, porque nesse caso pertencia às cortes a confirmação.
Os emprestimos da junta geral, se a somma total do empréstimo não excedesse a importância da receita ordinária do districto no anno immediatamente anterior, e a amortisação podesse estar concluída em vinte annos com os recursos ordinarios do districto, não careciam da approvação do governo, que todavia dentro de sessenta dias, com reclamação ou sem ella, podia suspender ou annullar a deliberação, ouvida a secção administrativa do conselho d'estado..
Se porém para a amortisação com os recursos ordinarios do districto fossem necessarios mais de vinte annos e menos de trinta, ou se para a amortisação mesmo neste praso fosse necessario recorrer á quota extraordinaria da percentagem do artigo 257.°, era precisa auctorisação do governo com audiencia da secção administrativa do conselho distado, e para os emprestimos fóra destas condições confirmação pelas cortes.
O addicional das contribuições municipaes, quando excedia 30 por cento das contribuições geraes do estado, predial, pessoal, industrial, e de consumo, carecia de confirmação do governo com audiencia da secção administrativa do conselho de estado.
O addicional municipal às contribuições geraes do estado nunca podia ir alem de 40 por cento no orçamento ordinário, e de 10 por cento no extraordinario.
A quota municipal ordinária não podia ser superior a 30 por cento da receita municipal.
Se a quota municipal estabelecida pela junta geral, ainda attingindo este máximo, não bastasse para conjunctamente com os outros rendimentos districtaes occorrer às despezas descriptas no respectivo orçamento, era necessario pedir auctorisação ás cortes para elevar a quota.
Os orçamentos das camaras municipaes careciam de ser

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confirmados pelo conselho de districto, salvo os das camaras de Lisboa e do Porto, que careciam da approvação do governo.
Por esta lei nunca a gerencia local podia comprometter os seus administrados com empréstimos por um praso excedente a trinta annos sem auctorisação das côrtes. Hoje podem ficar perpetuamente compromettidos os municipes de Lisboa pelos contratos de empréstimo, celebrados com a sua municipalidade!
Nas differentes providencias que na minha vida publica me tenho visto obrigado a tomar em assumptos administrativos, resta-me a consolação de que, com voto meu, nenhuma camara municipal ficou nunca habilitada a levantar, sem auctorisação superior, qualquer empréstimo ainda que fosse de 100 réis.
Em seguida veiu o código administrativo de 1878, já inspirado franca e abertamente nas theorias de um idealismo transcendente, desorganisar todos os serviços da nossa administração.
Por este código ficaram as camaras municipaes sujeitas á tutela da junta geral do districto, ou antes á tutela de si mesmas, porque é uma e a mesma a origem destas duas corporações.
Portanto a tutela da junta geral deu os resultados que era de esperar.
A administração da camara municipal de Lisboa e de outras camaras municipaes, que não hão de tardar em vir tambem pedir ao parlamento que lhes pague as suas dividas, é o commentario mais eloquente às bellezas das disposições reformadoras do novo codigo administrativo de 1878!
Deveria o governo, sobretudo agora que entrega uma receita avultadissima á camara municipal de Lisboa para ella occorrer aos encargos, que lhe estão prescriptos nas leis e nos regulamentos, preocupar se com as providencias de administração, que assegurassem uma gerencia zelosa, e acommodada às necessidades do municipio e às forças dos municipes.
Os recursos de que fica dispondo o futuro município de Lisboa, a julgar pelos cálculos do sr. relator das commissões, montarão a uma somma tão consideravel, que a superintendencia dos poderes publicos na gerencia da camara municipal se torna cada vez mais imperiosa e urgente.
Diz o sr. relator das com missões na sua exposição de princípios:
"O rendimento do futuro municipio elevar-se-ha, pois, a cerca de 1.220:000$000 réis nos primeiros annos do regimen d'esta proposta de lei; somma já elevada, e sufficiente para desafogada administração municipal, cujo augmento aliás deve ser rápido e importante, attendendo ao crescimento successivo do imposto de consumo.
N'estas condições a verba livre para os differentes serviços municipaes ascenderá a cerca de 869:000$000 réis por anno.
"O serviço geral da segurança publica não poderá exigir mais de 80:000$000 réis; devendo ficar o serviço dos incendios perfeitamente organisado.
"O serviço da beneficência publica poderá despender réis 100:000$000.
"O serviço geral da saúde e hygiene publicas será montado nas melhores condições com 100:000$000 réis.
"O serviço geral da fazenda municipal, excluindo os encargos dos empréstimos, que já foram considerados, não exigirá mais de 100:000$000 réis.
"N'esta hypothese, portanto, os dois mais despendiosos serviços geraes do municipio, o da instrucção e o das obras publicas, poderão ser dotados com a importantissima somma de 539:000$000 réis.
"As condições financeiras do futuro municipio são, pois, excellentes, a nosso ver.
Ora sommas tão avultadas não se entregam a ninguem sem fiscalisação, e muito menos a uma camara municipal sem responsabilidade.
As commissões até lhe tiraram a poetica fiscalisação que havia de ser exercida pelo chamado fiscal do estado, acabando com esta entidade!
Sr. presidente, é com as receitas da camara municipal, e com a applicação rigorosa dessas receitas às despezas legaes, que eu me preocupo.
As restantes disposições do projecto, que se cifram em theorias, boas ou más, não me importam para nada, nem a ellas me refiro.
Que o senado de Lisboa seja composto de treze membros, como actualmente, ou fique com trinta e um de hoje em diante, como determina o projecto, é caso indifferente para a administração do municipio, sendo todavia provável que a administração não melhore com o augmento do numero dos administradores.
Que a gerencia do municipio de Lisboa esteja, como até agora entregue a um ministério, composto de doze ministros com pastas, que são os vereadores dos pelouros, e de um presidente sem pasta, que todavia exerce na gerencia dos negócios a influencia que não póde deixar de pertencer a um chefe de gabinete; ou que de ora avante sejam só sete os ministros, mas obrigados a satisfazer as numerosas pretensões do seu parlamento dos vinte e quatro, é alteração que não poderá talvez importar grande prejuízo aos interesses do municipio.
Agora no que foi seriamente prejudicada a proposta do governo pelo parecer das commissões foi na eliminação do celebre fiscal do estado, entidade esta de que o governo, e especialmente o sr. relator das commissões, esperava todas as prosperidades e venturas!
Pela proposta ministerial esse fiscal do estado, nomeado pelo governo d'entre os vereadores eleitos, vinha da mesma origem que os outros vereadores, da mesma eleição. Ia portanto exercer o cargo de fiscal, não como adversario da camara, mas como collega e amigo; e não era suspeito ao governo, de quem recebia a nomeação.
Dava portanto esta entidade todas as garantias de uma zelosa e imparcial fiscalisação, segundo as theorias do sr. ministro reino e do sr. relator das commissões.
Agora ficámos sem fiscal nomeado pelo governo, e sem fiscal oriundo da mesma origem dos vereadores!
É tudo uma desgraça!
O governo não tem confiança no novo fiscal, porque o não escolhe; e a camara municipal fica logo desconfiada d'elle, porque não é seu collega, nem vem da mesma origem.
A camara ha de sempre consideral-o como um intruso, que lho é enviado, em ar de syndicante, pelo tribunal de contas!
Eu apreciei as bellezas do tal fiscal do estado, que morreu às mãos das commissões, taes quaes as vi descriptas no relatorio do governo, e na exposição de principios do sr. relator das commissões, porque eu nunca pude perceber para que era o celebre fiscal desde que não havia que fiscalisar.
Que havia de elle fiscalisar, se a camara fica auctorisada a organisar a capricho, sem intervenção de ninguém, o seu orçamento de receita e despeza!
A camara fica auctorisada até a organisar e dotar os serviços do municipio como muito bem quizer, e lhe aprouver!
O sr. Fuschini: - Sem deficit no orçamento.
O Orador: - Sem deficit diz o illustre relator da commissão?
Então a pelle do contribuinte fica ao inteiro arbitrio da camara municipal?
Desde que ella organise orçamento sem deficit póde fazer quanto quizer?
A questão é que não deixe deficit no papel?
A camara até póde lançar o imposto de 25 por cento

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addicional sobre as contribuições geraes directas, e não o cobrar depois para se não malquistar com o contribuinte. Neste caso não haverá deficit, mas haverá divida!
Ha muito que na legislação nacional está escripto o preceito de que os orçamentos municipaes serão organisados sem deficit.
No artigo 129.° do descentralisador codigo administrativo de 1878 está determinado, que o orçamento municipal, quer ordinário, quer supplementar, será organisado por fórma que a despeza não exceda a receita.
Que resultados deu este brilhante e utilíssima providencia de não haver orçamentos sem deficit com relação á camara municipal de Lisboa?
Não o perguntarei senão ao illustre relator das commissões? ou antes responderei já com o seu mappa n.° 4.° a pag. 80 d'este parecer.
Depois da promulgação do código administrativo de 1878 realisava a camara municipal de Lisboa os seguintes empréstimos:
Em junho de 1879 com o banco de Lisboa Açores, réis 1.000:000$000, para receber 802:000$000 réis;
Em julho de 1880, com o mesmo banco Lisboa & Açores, 700:000$000 réis, para receber 626:500$000, réis;
Em julho de 1881, com um grupo de bancos, réis 1.401:610$000, para receber 999:980$000 réis;
Em dezembro de 1882, com a caixa de credito predial, 150:894$000 réis, para receber 146:594$705 réis;
Em março de 1883, com a mesma caixa, 199:980$000 réis, para receber 184:958$415 réis;
Em julho d'este mesmo anno, com a referida caixa, réis 199:980$000, para receber 179:884$950 réis;
Em novembro d'este mesmo auno, com a referida caixa, 229:950$000 réis, para receber 208:834$145 réis;
Em janeiro de 1884, com a referida caixa, 199:080$000 réis, para receber 177:500$000 réis;
Em março de 1884, com a caixa geral dos depósitos, 39:820$000 réis, para receber 39:820$000 réis;
Em maio de 1884, com a caixa de credito predial, réis 105:930$000, para receber 96:000$050 réis proximamente;
N'este mesmo mez de maio de 1884, com a mesma caixa, 184:050$000 réis, para receber 164:000$000 proximamente;
Em dezembro de 1884, com o banco do Portugal e outros, 319:650$000 réis!
Este santo sudário, sob o dominio de uma legislação, que tambem prohibe o deficit na organisação dos orçamentos municipaes, é para edificar o municipio da capital e o paiz!
Não ha nação desgoverno!
Bem sei que a camara municipal de Lisboa não faz mais do que seguir os exemplos do governo. Mas eu combato o systema de um e de outro, em cumprimento do meu dever, e porque não quero a responsabilidade desta marcha accelerada para uma bancarota inevitavel e fatal.
O sr. Fuschini: - Tem a tutela da junta geral, que é o que v. exa. quer.
O sr. Orador: - Não quero a tutela da junta geral, que representa a ausencia de toda a tutela.
E com a tutela da junta geral, e com a cumplicidade do governo, que as finanças municipaes de Lisboa chegaram ao estado desesperado, a que os poderes publicos pretendem agora prover de remédio. Não quero a algibeira do contribuinte entregue a quem se administra assim.
É preciso que na organisação do orçamento intervenham os municipes pela fórma que já esteve reconhecida em leis bem liberaes, e é indispensavel a approvação do governo. Verdade seja que o governo se administra, como a camara, mas em todo o caso é a unica entidade responsavel, que representa a nação, á qual não pode ser indifferente a boa ou má organisação das finanças locaes.
Entrego ao governo a approvação do orçamento da camara municipal de Lisboa, como ao governo sou forçado a entregar a nomeação dos juizes de direito, e a representação dos bispos, apesar dos enormes e escandalosos abusos, que n'este ramo de serviço publico todos os dias se commettem.
Ao menos sobre o governo, pertencendo-lhe a tutela da municipalidade de Lisboa, pesa directamente a responsabilidade destes desvarios financeiros, responsabilidade, que os representantes do paiz, quando os houver, lhe podem pedir.
Agora a verdade é que o governo anima e alimenta este estado desordenado das finanças municipaes de Lisboa, e pretende fugir á responsabilidade, com o fundamento de que lhe não pertence a elle a tutela, mas sim á junta geral.
O municipio de Lisboa deve ser, pela sua importancia, tutelado pela nação, e a junta geral é uma corporação que representa o districto. O território portuguez não está dividido em cantões.
(Interrupção do sr. Fuschini, que não se percebeu.}
O illustre deputado parece que está incommodado com o meu discurso. Pois eu não quero incommodar ninguem.
Quero discutir para cumprir o meu dever, e não deixo de seguir n'este caminho.
Mas, para ser agradável ao illustre deputado, que desejava que eu lhe dissesse qual a entidade que na minha opinião deve exercer a tutela sobre a camara municipal, apressei-me a declarar-lhe que a ninguem podia ser entregue o exercicio d'essa tutela senão ao governo, para dar ao illustre deputado o prazer de me, chamar conservador.
Nem quero outro titulo, n'esta assembléa, onde descentralisador é synonymo de esbanjador. Eu reputo-me strictamente obrigado, como representante do paiz, a ser conservador da bolsa do contribuinte.
Se eu procuro ser conservador da minha algibeira, por maioria de rasão devo ser conservador da algibeira de quem aqui me mandou.
Ser patriota e liberal não é ser esbanjador dos dinheiros publicos. É pelo contrario pugnar pelas imunnidades e franquias populares.
Ora no ponto de vista das liberdades administrativas é raro encontrar uma disposição nova n'este projecto, que não seja affrontosissima para as liberdades individuaes.
Quer a camara apreciar o que é um acto de descentralisação á moderna? É ler o § 7.° do artigo 40.° do parecer relativo ao registo escolar, em que se dá ao juiz de direito a faculdade de metter um cidadão vinte dias na cadeia sem recurso de espécie alguma!!
Estes preceitos são a continuação das bellezas d'aquella celebre lei eleitoral de 1884, que o sr. ministro do reino tem declarado a mais liberal da Europa. N'essa lei estabeleceram-se penas, como já se achavam estabelecidas em leis anteriores, contra os funccionarios públicos que abusassem das suas funcções no districto da sua jurisdicção para influir no sufragio eleitoral. Mas sabe v. exa. qual foi o pensamento predominante n'essa reforma penal eleitoral, illustre predecessora da reforma penal commum? Arrancar ao juiz o direito de julgar os seus pares para entregar esse julgamento ao juiz togado!
Ha de v. exa. estar lembrado de que nessa lei eleitoral, de descentralisacão á moderna, se estabeleceu o preceito de que todos os crimes eleitoraes n'ella previstos fossem julgados correccionalmente, sem intervenção do jury. Arrancar ao jury o direito de julgar os seus concidadãos é o liberalismo da epocha, é o que eu chamo descentralização á moderna!

m virtude da referida lei os magistrados administrativos, judiciaes e do ministerio publico, os empregados administrativos, fiscaes, de policia e de justiça, que nos circulos em que exercerem auctoridade, e onde não forem candidatos, espalharem cartas, proclamações ou manifestos eleitoraes, ou angariarem votos, serão punidos com a per

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da do emprego, prisão de um mez a seis mezes e suspensão de direitos politicos por dois annos.
Até a linguagem das leis estropiaram! A palavra angariar é pela primeira vez introduzida na legislação nacional na lei eleitoral de 1884; e é elevada á categoria de crime o simples facto de attrahir o eleitor com boas palavras, que é a significação literal do verbo angariar!
Portanto v. exa., que é cidadão portuguez, homem político, e magistrado judicial, se dentro do territorio, onde exerce jurisdicção, se metter a elogiar o partido regenerador, de que é tão distincto ornamento, encarecendo os serviços feitos por este partido, não só no que respeita a melhoramentos materiaes, mas no que toca a tolerância política, porque não é perseguidor, e apenas póde ser taxado de tímido e hesitante diante do augmento de despezas (Riso), e attrahir ou angariar por essa forma alguns eleitores ao seu partido, cae fatalmente debaixo da sancção penal do artigo 40.° § 1.° da lei de 21 de maio de 1884!
V. exa. havia de incommodar-se pouco com isso, porque pelo privilegio de foro, que lhe pertence, como magistrado judicial, havia de ser julgado pelos seus collegas. Mas outra qualquer auctoridade havia de ficar debaixo da alçada correcional. Um governador civil ou um director de alfandega fica perfeitamente á mercê dos depoimentos de duas testemunhas apaixonadas!
Ora esta descentralisação, que é a descentralisação do sr. relator das commissOes e dos seus amigos, não ã quero eu. (Apoiados.) Protesto contra ella.
E vão de mal a peior estes descentralisadores á moderna.
Começaram com a guerra á instituição do jury, que é a primeira garantia das liberdades populares, na celebre lei eleitoral de 1884; e em todas as providencias posteriores, têem seguido sempre no mesmo caminho reaccionario e violento.
Mas ao menos pelas disposições da lei eleitoral ainda era licito ao condemnado em qualquer das penas, n'ella prescriptas, recorrer do juiz da primeira instancia para os tribunaes superiores.
Agora, porém, pelo projecto sujeito ao debate, a descentralisação á moderna é completa e cabal!
Pela disposição descentralisadora consignada no projecto vae o cidadão gosar vinte dias de cadeia, sem poder recorrer da sentença que lhe impoz a pena!
Que grandes bellezas de liberalismo encerra este projecto!
O parocho, sobretudo nas freguezias mui populares e dispersas, onde não poderá de certo accumular o exercício do seu ministerio parochial com o desempenho completo das funcções que por este artigo da proposta lhe são commettidas, passará a sua vida na cadeia, se o juiz assim o quizer!
Bonitas theorias, não ha duvida! Em materia financeira descentralisar é gastar á larga, é esbanjar; e em materia política alargar as liberdades populares é arrancar o cidadão ao julgamento do jury, e eutregal-o ao arbitrio do juiz togado!
E esta theoria aperfeiçoa-se todos os dias nas mãos dos liberaes, que nos governam! Agora nem da decisão do juiz togado para outro juiz togado é permittido o recurso!
Como a alçada do juiz de direito vae até um mez de prisão, não sendo permittido appellar da sentença, quando a pena fixada na lei não excede o mez de prisão, por isso o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões propõem a pena de prisão até vinte dias!
Dispensam assim amavelmente o condemnado do trabalho de recorrer para o tribunal superior!
O condemnado segue logo para a cadeia em socego, porque não tem que pensar em appellação, nem em aggravo, nem nas despezas que custam necessariamente os recursos!
Com estes principios de descentralisação tambem este projecto deve ficar o mais liberal da Europa! (Riso. - Apoiados.)
Esta descentralisação é a dos tyrannetes que querem as liberdades populares sempre aos pés da auctoridade publica. Não é a minha.
Continuo, porém, a fallar do fiscal do estado, assumpto de que me desviaram por um pouco as interrupções do sr. relator.
Desappareceu, como vimos, o fiscal do estado, e, portanto, a garantia suprema em que o governo confiava para a gerencia da camara municipal de Lisboa entrar de vez nos seus eixos.
Mas não ficaram só por aqui as infelicidades do sr. ministro do reino e do sr. relator das commissões.
Também elles acreditavam que a nova camara municipal de Lisboa, depois de reorganisada, seria a primeira camara municipal do mundo, porque havia de ser eleita pelo systema proporcional.
Pois tambem o systema proporcional morreu!
Tudo o que elles julgavam melhor deixaram-no expirar às mãos das commissões!
As commissões substituíram o systema proporcional pela representação das minorias. E ao menos nisso foram coherentes.
Desde que se declara a mais liberal da Europa a ultima lei eleitoral, baseada sobre o principio liberal do arbitrio, pois que é a maioria quem marca arbitrariamente á minoria o numero de representantes que ella póde eleger, justo era que na reforma do município de Lisboa se condemnasse tambem o principio da representação proporcional, e se exaltasse o systema da representação das minorias!
Assim ficam ao menos de perfeita harmonia a ultima lei eleitoral e a providencia reguladora do municipio de Lisboa!
Ficam assim disputando entre si a primazia de qual é mais reaccionaria e mais affrontosa para as liberdades individuaes.
Por outro lado um parlamento, que está destinado a votar em breve que os meninos dos pares, só porque lhes corre nas veias o sangue do pae, hão de em virtude do direito successorio, ser pares tambem, mal poderia com a responsabilidade e com a gloria de ter reconhecido um principio tão liberal como é o da eleição proporcional!
Mas o certo é que a nova administração municipal de. Lisboa fica sem as duas garantias que o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissões consideravam como duas preciosidades para o bom regimen economico do município!
Fica sem o chamado fiscal do estado e sem a eleição pelo systema proporcional!
Na minha opinião os actos mais importantes da gerencia municipal, como o orçamento, o lançamento das contribuições, e os emprestimos, não deveriam ter validade sem a intervenção do elemento popular, que seria admittido nos termos de um decreto, por mim referendado, ou nas mesmas condições determinadas por Passos Manuel no codigo administrativo de 1836.
As minhas opiniões a este respeito são bem conhecidas, e estão exaradas num decreto que publiquei, comquanto não chegasse a ser convertido em lei na sua totalidade.
Hoje seria eu ainda irais rigoroso do que fui naquella epocha com as providencias relativas á fiscalisação e á gerencia das corporações administrativas.
Mas o governo, que teve tanto respeito pelas franquias das camaras municipaes, e que tanto escrupulisa de se ingerir nos negócios dos municípios, que até queria deixar á camara municipal de Lisboa a faculdade de lançar addicionaes às contribuições até 50 por cento, sem intervenção de ninguém, pois que a reducção dessa faculdade até 25 por cento foi obra das commissões, noutros assumptos não revelou o mesmo escrúpulo. Assim foi reservando para si

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a faculdade de nomear o delegado de saude da camara municipal!
Pois a camara municipal não saberia tambem nomear algum amigo para delegado de saude do municipio?
Pois a camara municipal ha de ser competente para tirar a pelle aos municipes, para organisar orçamentos a capricho, para dotar os serviços municipaes a arbítrio, e não terá a sciencia e a independência precisas para nomear o seu delegado de saude?
Mesmo os sub-delegados de saude não os nomeia a camara municipal, sem a confirmação do governo!
Fica assim a camara municipal com o direito de exercer a capricho as attribuições mais importantes, que podem offender a bolsa ou as liberdades dos munícipes.
Mas, tratando de despachar empregados, como os subdelegados de saude, sempre o governo quer ter a sua intervenção, de certo para fazerem uma partilha amigável!
O sr. ministro do reino, no meio dos seus enthusiasmos pela autonomia municipal, sempre foi mettendo muito mansamente no projecto um artigo para habilitar o governo a nomear em certos casos quatro vereadores por sua conta, para fazerem parte da camara municipal!
É ler o artigo 37.°, que diz assim:
"Quando os collegios eleitoraes, a que, nos termos do artigo 29.°, incumbe a eleição das commissões especiaes, se não reunirem nas epochas fixadas n'esta lei, o governo procederá á nomeação destas commissões por decreto"
Ora, os presidentes das quatro commissões, eleitas, a que se refere o artigo, são membros natos da camara municipal, e, portanto, a nomeação das quatro commissões pelo governo importa a nomeação dos quatro vereadores pelo governo!
Devendo estas commissões ser escolhidas por elementos populares, nada mais natural do que incumbir a lei a corporações de origem popular tambem a escolha destas commissões, quando os collegios eleitoraes, a quem compete elegel-as, se não reunissem.
O governo, porém, preferiu tomar a si a nomeação distas commissões, o que equivale a tomar a si a nomeação de quatro vereadores, introduzindo na proposta, muito tranquilla e modestamente, um artigo para esse fim.
É difficil de explicar como o sr. ministro do reino, com as suas idéas intransigentes de não intervenção nos negócios municipaes, não estremeceu de horror, ao ver que deixava ao poder executivo a faculdade de nomear, em certos casos, quatro vereadores!
Pelo contrario, o sr. ministro do reino teve até o cuidado de nem tocar, no seu relatorio, n'esta singular especialidade, para ver se ella passava sem reparo!
Tambem na proposta vinha um artigo, auctorisando a camara municipal a tributar os géneros consumidos em Lisboa, sem que no relatorio do governo se fizesse a mais ligeira referencia a assumpto tão grave.
Esse, porém, foi eliminado pelas commissões, como deviam ter sido eliminados muitos outros.
Mas o horror, que têem o sr. ministro do reino e o sr. relator das commissoes á intervenção e inspecção do governo nos negócios municipaes, bem se revela no facto de deixarem a porta aberta para o ministro escolher quatro vereadores.
Esta é outra manifestação da descentralização de s. exas., que eu julgo affrontosa das liberdades municipaes.
Descentralisar não é reservar para o governo a nomeação dos vereadores. E deixar a escolha libérrima d'elles ao povo.
A fórma de descentralisação, que entrega ao governo, em determinados casos, a nomeação de quatro vereadores, parece-se com a outra, que habilita a camara a administrar como se fora dona do municipio.
Eu não quero nem para administrador da minha fazenda, nem para administrador da fazenda publica, quem se torne dono d'ella.
As camaras municipaes tiram toda a sua força, toda a sua importancia e toda a sua auctoridade do voto popular, e mantêem o prestigio que entre nós teve sempre o elemento municipal, emquanto representarem genuina e puramente a vontade e os interesses de quem as elegeu.
Desde que as municipalidades se façam donas dos municipes deixam o logar honrado de administradores da fazenda alheia, para começarem a governar, segundo as formulas do despotismo; e eu detesto o despotismo, qualquer que seja a forma que ella revista.
Ora, neste projecto vem consignadas disposições, que não são descentralisação, nem centralisação, que são simplesmente uma formula de communismo, ou de socialismo, ou de despotismo, ou como lhe queiram chamar.
A disposição do projecto ácerca da auctorisação para a construcção de casas particulares representa pura e exclusivamente o sacrifício dos direitos individuaes, pondo-os á mercê dos caprichos e das paixões de terceiro.
Já as commissões melhoraram um pouco a disposição draconiana da proposta do governo, que não permittia nenhuma construcção particular sem que o projecto fosse approvado, sem recurso, pelo respectivo sub-delegado de saude.
Agora pelo projecto o arbitro supremo, e sem recurso, dos projectos de construcção de casas particulares, já não é o sub-delegado.
É o tal conselho de saude e de hygiene do bairro.
Ora, n'um paiz bem governado, não póde permittir-se a restricção dos direitos individuaes, como é p direito de edificação, senão á ordem do tribunal competente judicial ou administrativo.
Que o sub-delegado de saúde, e que o conselho de hygienne do bairro, sejam ouvidos sobre qualquer projecto de edificação, sob o ponto de vista das condições hygienicas, marcando-se-lhes praso para responderem, a fim de não reterem em si o processo até á consumação dos séculos, é justo e rasoavel.
Mas que de consultores se transformem em juizes, e em juizes absolutos, sem recurso, é doutrina que nenhum homem liberal póde acceitar.
Fixem-se previamente as condições geraes a que o proprietário deve obedecer na construcção do seu prédio; seja ouvido o representante da saúde publica, para declarar se o projecto satisfaz às condições geraes previamente estabelecidas, e às condições particulares da edificação; e, se o proprietário insistir em fazer a obra contra as indicações do sub-delegado ou do conselho de saude, requeira-se o embargo da obra perante a auctoridade competente, e em processo contencioso regular.
N'esse processo, com audiencia contradictoria das partos, nomeia a camara municipal o seu perito, nomeia o proprietario tambem o seu, e o juiz o de desempate, se as partes sé não accordam na escolha de terceiro; e decide-se a questão, segundo as regras de justiça, e não a arbitrio do sub-delegado de saude, sem se admittir á parte audiência, nem recurso.
É demorado o processo que Indico?
Mas o prejuizo da demora é só do proprietário, e não do publico, pois que, decretado o embargo, não progridem mais os trabalhos sem decisão do juiz que, sob vistoria, auctorise a continuação.
Agora o projecto vae arvorar o conselho de saude e de hygiene do bairro em tribunal especial, em tribunal de ambulância, numa especie de alçada, para privar os cidadãos do seu direito de edificar casa para viver!
É rasoavel que se determinem as condições geraes de hygiene a que devem obedecer ás construcções particulares, marcando se em regulamento previo essas condições, para o cidadão ter o seu direito dependente, não de caprichos pessoaes, mas das disposições da lei.
Se o proprietario faltar às prescripções da lei, reclama-se então a intervenção da justiça administrativa ou judicial

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3156 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

para avaliar e julgar as condições da construcção, mas não entreguemos o cidadão manietado a uma alçada de médicos!
A constituição e as leis estabeleceram o processo pelo qual o cidadão póde ser privado dos seus direitos; e dos seus direitos individuaes ninguém póde ser privado, senão por sentença das justiças administrativas ou judiciaes, que têem e conhecem a responsabilidade das suas augustas funcções.
Agora um conselho de medicos, sem responsabilidade legal, transformado numa verdadeira alçada para privar, sem recurso de especie alguma, o cidadão dos seus direitos individuaes no que elle tem de mais sagrado e inviolavel, não é doutrina que se acceite em paiz civilisado.
Que inconveniente ha em que as questões relativas às construcções particulares sejam resolvidas nos tribunaes? Pois os tribunaes servem para todos, e até para o estado, e só não servem para a camara municipal de Lisboa?
Eis-aqui uma das grandes bellezas da descentralisação á moderna!
Aqui temos um exemplar de descentralisação, que representa a absorpção dos direitos individuaes por uma alçada, que na proposta do governo era desempenhada pelo subdelegado de saude, e que no parecer das commissões fica a cargo do conselho de saude e de hygiene do bairro.
Mas ainda ha mais e melhor.
Reparem os meus illustres collegas no artigo 76.° da proposta do governo e 71.° do parecer das cominissões, e ahi encontrarão a seguinte belleza:
"Artigo .° De todas as resoluções do conselho geral de saúde e hygiene ácerca de habitações particulares insalubres cabe recurso com effeito suspensivo, interposto até dez dias da data da intimação das mesmas resoluções, para a camara municipal, cujas decisões serão definitivas.
"§ unico. A intimação administrativa das decisões definitivas, ou como tal havidas por falta de recurso em tempo opportuno, sobre habitações insalubres, deverá sempre determinar a natureza das obras, não podendo a habitação ser alugada ou occupada por alguém emquanto as referidas obras não forem realisadas.
A camara municipal manda intimar o cidadão para effectuar as obras, que ella lhe prescreve e determina, na habitação que ella reputa insalubre; e, se o proprietário não faz logo essas obras, é posto no andar da rua, sem poder habitar ou alugar a casa emquanto as obras não estiverem effectuadas!
Ao menos não lhe é prohibido ficar á porta da rua, muito socegado, e ao ar livre! (Riso.)
V. exas. já viram disposição tão extravagante? (Apoiados.)
Está-me agora a lembrar que em 1867, quando começou a predominar a philosophia transcendente na formação das leis em Portugal, entregou-se por lei a um engenheiro distincto, e homem muito entendido, a administração dos campos do Mondego, pagando, já se vê, os proprietários as respectivas despezas.
Dizia-se que os campos continuavam a ser dos proprietários, e effectivamente ficaram condominos os proprietarios e o engenheiro.
Mas ao menos por essa lei marcava o engenheiro as obras que os proprietarios haviam de fazer; e, se elles as não faziam, fazia-as o engenheiro, pagando elles depois a respectiva conta.
Era uma administração um pouco communista, mas era em todo o caso uma administração.
Agora pelo projecto sujeito ao exame da camara vae para a rua o proprietario, sem obrigação de fazer as obras, e sem ninguem as fazer por elle, ficando-lhe as das livres para passeiar, e com o unico encargo de não pôr pé dentro da casa, que é sua!
Emquanto não estiverem feitas as obras ordenadas pela camara municipal em prédio, que não é d'ella, mas de seu dono, é inteiramente livre ao proprietario dormir em toda a parte, e até ao ar livre, menos na casa que lhe pertence!
É muito bonito, e sobretudo muito original!
Aqui está uma disposição de alta philosophia, e que transcende todas as raias do mais fino idealismo!
Não ha de certo em Lisboa duzentas casas que os doutores da medicina não possam declarar em estado de insalubridade. Se a camara municipal, armada desta faculdade suprema, se lembrasse de pôr no andar da rua todos os municipes, cujos predios precisassem de obras para se tornarem salubres, não os deixando voltar a habitar as casas emquanto as obras não estivessem concluídas, ficariamos quasi todos a gosar o fresco ao ar livre. (Riso.) Ao menos estabeleçam o preceito de que a camara municipal não poderá exercer esta faculdade, senão no verão, para não ficarmos tão mal! (Riso.)
Assim como as nossas leis protegem a caça e a pesca contra a ignorancia e contra as ambições do caçador e do pescador, não permittindo a caça nem a pesca em certas epochas do anno, lembre-se o parlamento de proteger tambem o lisboeta contra as invasões da camara municipal durante o inverno, ao menos, durante o tempo do frio! (Riso.)
Já me contento com que seja prohibido á camara municipal ir de inverno caçar o cidadão a casa d'elle, para o pôr no andar da rua, emquanto elle não fizer na casa as obras, pela mesma camara indicadas, que deixem o predio um modelo de salubridade.
A camara municipal de Lisboa esteva até para ficar com o direito de conceder as licenças para os estabelecimentos insalubres, incommodos e perigosos. Dava-lhe essa faculdade a proposta do governo, que as commissões com rasão alteraram n'esta parte.
O pensamento fundamental do projecto é fazer da camara municipal de Lisboa um estado no estado e realmente a camara municipal de Lisboa administra-se tão bem, que por mais attribuições que lhe dêem, tudo é pouco!
Mas, pergunto eu á assembléa, poderá ficar lei do paiz uma disposição que auctorisa a municipalidade a expulsar o cidadão de sua casa, a pretexto de que o predio precisa de obras para ser salubre, e a não o deixar mais habitar o predio emquanto essas obras não estiverem concluídas?
Esta disposição, que em face dos principios de direito e do bom senso ninguem comprehende, nem é centralisadora nem descentralisadora! Não se lhe póde dar nome! Basta dizer que entrega a uma corporação administrativa o direito de expulsar o proprietario de sua casa, a qual, pela constituição, lhe é asylo inviolavel!
Se pois, o conselho de saude e de hygiene tiver a feliz lembrança de percorrer predio por predio, e não encontrar nenhum perfeitamente salubre, para o que não precisará de grande trabalho, corre a população de Lisboa o risco de ser obrigada a sair toda de casa e a ir bivarar no campo!
O municipio de Lisboa não sabe de certo de tantos beneficios que este projecte lhe dispensa!
Agora os proprietarios de predios em Lisboa passarão definitivamente da categoria de proprietarios effectivos á categoria de proprietarios de honra.
Já por um celebre regulamento, que para ahi se publicou em 1881, o senhorio de todas as propriedades urbanas de Lisboa era a companhia das aguas. O estado, a junta geral, e mesmo as juntas de parochias tem tambem já quinhão nos predios.
Agora passa o resto do dominio para a camara municipal ! Ficámos assim nós os senhorios mais descentralisados !... (Riso.)
Sr. presidente, a descentralisação deste projecto cifra-se toda em arrancar os direitos individuaes aos cidadãos para os pôr aos pés da auctoridade publica. Era tal a vontade e o apetite de fazer descentralisação d'este genero, que até nos foram tirar o direito de caça e de pesca, reconhecido no codigo civil, e já no direito anterior. Forte mania de descentralisar !...

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Por este projecto é precisa licença para pescar nas aguas communs municipaes e para caçar nos terrenos municipaes e nos particulares, onde é permittido o direito de caca!
Ninguem gera capaz de descobrir, nem dentro da actual barreira, nem na zona annexada, onde haverá terrenos municipaes para caçar, e aguas communs municipaes para pescar.
No entretanto inventaram esses terrenos e essas aguas os auctores do projecto em discussão, para terem occasião de mais uma vez affirmarem as suas idéas liberaes, e as suas theorias descentralisadoras, negando ao cidadão mais algum direito, que já lhe estivesse reconhecido na legislação velha.
A lei civil garante a todos o direito de caça e de pesca, com sujeição apenas às prescripções legaes, que regulam o tempo e a forma da caça e da pesca, para se não prejudicar o desenvolvimento e a propagação dos animaes de caça e dos peixes.
Mas para exercer o direito de caça e de pesca, com subordinação aos regulamentos vigentes ninguem carece de licença. Agora a camara municipal de Lisboa fica com o direito de dar licença aos seus municipes para pescar e caçar, conservando-se na legislação civil o preceito que garante ao resto dos cidadãos portugueses o direito de pescar e de caçar sem licença?
Sr. presidente, se me refiro a estes incidentes, aliás de pequena importancia, é para arrancar ao projecto a capa de descentralisador com que querem apresental-o ao publico, sendo aliás um dos projectos com mais laivos de despotismo que têem sido apresentados ao parlamento portuguez.
Ao sr. ministro do reino recommendo apenas que estude o assumpto. Se o tivesse estudado por si, não poria de certo o seu nome em similhante trabalho.
O sr. ministro do reino preoccupou-se com o exame da legislação franceza e da legislação ingleza. Esqueceu-lhe apenas o principal, que era o exame da legislação portugueza, e a lição dos factos: e a prova é que nos pontos da zona projectada, que foi examinar com os seus próprios olhos, desde logo reconheceu que era impraticável uma parte do projecto, e que seria impossivel incluir no novo municipio de Lisboa as freguezias do Beato e outras povoações do concelho dos Olivaes, sem graves prejuizos e transtornos para aquelles povos.
Percorra o sr. ministro do reino o resto da zona, que pretende annexar ao novo municipio, e ha de encontrar as mesmas difficuldades e inconvenientes na annexação de algumas freguezias do concelho de Belem, que encontrou na annexação das freguezias do Beato e de Sacavem.
Em conformidade d'esta minha indicação já o sr. ministro do reino faria bom serviço ao governo e ao paiz, em acceitar uma emenda para não ficar definitivamente marcada na lei, nem a nova linha de barreira, nem a epocha da execução das disposições da mesma lei.
Era preferível deixar auctorisado o governo a estabelecer a nova linha dentro dos limites marcados pelas commissões, e a dar execução às prescripções da lei, quando as circumstancias assim o aconselhassem.
Aproveitaria por esta forma o sr. ministro do reino em vantagem do paiz o resultado dos estudos, a que necessariamente deve proceder, antes de pôr em execução a lei.
No concelho de Belem ha tambem estabelecimentos importantissimos de industria e de commercio, que terão de deslocar-se, ou que soffrerão graves prejuizos, se ficarem comprehendidos dentro da área da circumvallação.
Se o sr. ministro do reino applicar a esse gravíssimo assumpto o seu elevado talento, ha de desenganar-se de que não vale a pena entrar em tantas despezas, e causar tão grande perturbação economica nas vizinhanças da cidade de Lisboa, a troco de um augmento de receita, de todo problemático.
Não adie indefinidamente a execução do projecto, se confia nos resultados d'elle, mas contente-se com a auctorisação para o executar unicamente depois dos estudos necessarios e convenientes.
E preciso alem disso eliminar do projecto os impostos com que vão sobrecarregar as misericórdias e as irmandades, não misturando com um assumpto puramente administrativo questões de beneficencia e de saude publica, que devem ser reservadas para uma lei geral.
A beneficencia publica e a hygiene publica figuram já no orçamento do ministerio do reino, e com verbas avultadas para as nossas circumstancias.
Não sobrecarreguemos com essas despezas tambem o orçamento da municipalidade de Lisboa, que não póde com ellas.
Não compliquemos os serviços, nem os dupliquemos. Os recursos financeiros do contribuinte não dão para tanto.
Se o sr. ministro do reino tivesse tido a paciencia de estudar por si o assumpto, não se animaria a vir propor o alargamento da barreira fiscal.
As despezas com a construcção e com a fiscalisação da nova barreira hão de absorver necessariamente qualquer augmento de receita, não fallando nos vexames que vão soffrer os povos da zona annexada.
Aproveite o governo para o novo municipio, não só 80 por cento, mas 90 por cento do acréscimo que necessariamente ha de ter a receita do consumo com a actual linha de circumvallação, fiscalisando-a melhor.
Augmente mesmo o real de agua nas povoações circum-vizinhas, mas poupe-as á perturbação económica, que hão de necessariamente soffrer, sendo incluídas na linha de barreira.
Peço desculpa á camara de lhe ter tomado tanto tempo. Mas reputei indispensável, no cumprimento do meu dever, dizer ao paiz tudo o que entendia sobre os capítulos principaes de um projecto, que póde vir a exercer uma larga e perniciosa influencia, não só na economia do município de Lisboa, mas nas finanças do estado.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

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