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N.º s2 SESSÃO DE 13 DE JULHO 1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 55 srs. deputados.

Abertura: — As onze horas e um quarto.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officios: — 1º. Do sr. Saraiva de Carvalho, participando que não póde assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

2.º Do ministerio do reino, acompanhando as relações dos officiaes reformados das guardas municipaes de Lisboa e Porto, a quem se abonava subsidio pelo thesouro publico, por titulo de renda vitalicia, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de fazenda.

3.º Do mesmo ministerio, devolvendo o requerimento em que Manoel Fernandes dos Santos, pede que se lhe mandem pagar os ordenados de muitos annos, como cirurgião da villa da Feira; e informando, que no artigo-133.º e correlativos do codigo administrativo se acham as providencias necessarias ácêrca da pertenção do supplicante — Á commissão de fazenda.

Uma MEMORIA — Da sociedade farmaceutica lusitana, contendo um projecto para a creação de escólas especiaes de farmacia. — A commissão de instrução publica.

SEGUNDAS LEITURAS.

Proposta de lei (n.º s2 D.) — Senhores: Segundo o que actualmente se acha estabelecido, o governador e pro-vigario capitular do bispado de S. Thomé, apenas recebe como congrua ou vencimento daquelle cargo a quantia de 300$000 réis em moeda provincial. É indispensavel augmentar tal vencimento, para que tão importantes funcções possam ser confiadas a um ecclesiastico que possua os necessarios conheci

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mentos e regularidade de vida, e para que este possa viver decentemente, e com as commodidades que um europeo não póde dispensar naquellas regiões. É igualmente necessario que o governo possa ministrar ao ecclesiastico, que fôr encarregado daquellas funcções, meios com que possa transportar-se á dicta diocese, quando haja de ir da Europa, ou de differente provincia ultramarina. Por estas considerações offereço á vossa approvação a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.º O governador e pro-vigario capitular do bispado de S. Thomé, receberá annualmente pelo cofre da fazenda publica da provincia de S. Thomé e Principe, a quantia de 700$000 réis, em moeda do reino.

Art. 2º Quando a administração espiritual do mesmo bispado esteja encarregada a prelado de outra diocese, aquelle vencimento competirá ao vigario que residir na diocese de S. Thomé.

Art. 3.º Quando o pro-vigario capitular ou vigario geral do bispado de S. Thomé seja ecclesiastico mandado do reino, com o fim de exercer qualquer daquelles importantes cargos, é o governo auctorisado a abonar-lhe, para despezas da viagem, uma ajuda de custo não excedente a 200$000 réis. Se o mesmo ecclesiastico fôr mandado de Angola, ser-lhe-ha abonada de ajuda de custo até metade daquella quantia.

Art. 4.º Quando a administração espiritual do bispado de S. Thomé esteja encommendado a prelado de outra diocese, o governo e auctorisado a abonar ao mesmo prelado a ajuda de custo que julgar acertada, no caso que elle, com annuencia do governo, faça a visita da diocese encommendada.

Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios da marinha e ultramar, em 12 de julho de 1853. — Visconde de Athoguia.

Mandou-se imprimir o relatorio do ministerio dos negocios estrangeiros, conjunctamente com os documentos, devendo depois ir tudo á commissão diplomatica.

Dar-se-ha canta deste relatorio, por appendice, no fim deste volume.

O sr. Sousa Cabral — Sr. presidente, o projecto de lei cuja iniciativa renovo, tem por fim harmonisar o artigo 1033.º do codigo commercial portuguez, com o decreto de 20 de abril de 1847.

O artigo 1032.º daquelle codigo, determina que nas localidades, onde não houver tribunaes de commercio de primeira instancia, todas as questões commerciaes sejam levadas perante as justiças civis, e ahi decididas por arbitros commerciaes; e no artigo seguinte ordena-se, que o juiz que homologar o arbitramento, dê appellação para o tribunal do commercio de primeira instancia mais visinho, se o valor da causa exceder a 50$000 réis.

Vê-se pois, que o codigo fixou no artigo 1033.º a alçada dos juizes arbitraes; assim como tambem fixou a dos tribunaes de commercio de primeira instancia no artigo 1113.º

Porém, a alçada destes tribunaes foi reduzida pelo citado decreto de 20 de abril, ficando, de 40$000 réis para os que fossem compostos de 4 jurados, do 60$000 réis para os que o fossem de 6 ou 8 jurados, e de 100$000 réis para os que fossem de 12; sem, comtudo, alterar do mesmo modo, e na mesma razão, a alçada dos juizes arbitraes, mencionados no referido artigo 1032.º, dos quaes se recorre, por via de apellação, para um tribunal do commercio de primeira instancia, cuja alçada é, como disso do 40$000 réis, quando fôr composto de 4 jurados.

Daqui resulta o inconveniente de se recorrer para um juizo, cuja alçada é inferior á do juizo de quem se appella, o que já tem dado logar a duvidas no fôro commercial, e cumpre remove-las e restabelecer os verdadeiros principios nesta materia, pondo a legislação em harmonia entre si: por isso mando para a mesa uma proposta, renovando o projecto de lei n.º 20, apresentado na sessão passada.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Tavares de Macedo: — Quando hontem chamei a attenção da camara para a necessidade que havia de tomar uma providencia em beneficio do estado das nossas vinhas, para se evitar que o mal que tem apparecido em alguns pontos, se estenda e cause os estragos que tem causado em outros paizes, disse que apresentaria um projecto de lei; é esse projecto de lei a que me referi, que mando agora para a mesa, e que vai assignado por mais alguns srs. deputados, e peço a v. ex.ª que consulte a camara se pois natureza da materia o julga urgente.

E o seguinte

Projecto de lei (nº 82 G): — Artigo 1.º É o governo auctorisado a dispender a quantia que seja necessaria para fazer estudar a natureza da molestia que tem apparecido nas vinhas em varios pontos do reino e ilhas adjacentes, para experimentar a applicação do quaesquer remedios que possam destruir ou attenuar aquella molestia, ou por qualquer fórma impedir o seu progresso.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 12 de julho de 1853. = José Tavares de Macedo — Affonso Botelho de Sampaio e Sousa — D. Rodrigo de Menezes = Lourenço José Moniz

Foi declarado urgente, e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Presidente. — Seguia-se entrarmos na ordem do dia; mas como se não acha presente nenhum do, srs. ministros, vão lêr-se alguns pareceres de commissões.

O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Peço a v. ex. que submetta a discussão da camara o projecto n.º 46.

O sr. Presidente: — Como este projecto estava dado para ordem do dia, não ha duvida em discutir-se agora; e vai lêr-se para esse fim.

É o seguinte:

Projecto de lei (n.º s6): — Foi remettido á commissão de fazenda o projecto de lei apresentado a camara pelo sr. deputado Santos Monteiro, estabelecendo que as duas casas do parlamento publiquem annualmente pela imprensa as contas das suas commissões e juntas administrativas, depois de approvadas; acompanhando-as de todas as demonstrações necessarias ao conhecimento da applicação dos fundos por ellas recebidos.

A commissão approvando o pensamento deste projecto, por isso que o corpo legislativo deve dar o exemplo de publicidade na recepção, e na gerencia dos dinheiros que são postos a sua disposição; intende que elle seja adoptado, e convertido no seguinte projecto de lei.

artigo 1.º As contas das commissões, e juntas ad-

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ministrativas da camara dos dignos pares do reino, e da dos senhores deputados da nação, depois de approvadas por cada uma, serão impressas annualmente, addicionando-se-lhes todas as demonstrações que dêem a conhecer a applicação dos fundos recebidos do thesouro, para despeza das cortês.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Casa da commissão, 10 de junho de 1853. = João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino = Justino Antonio de Freitas = Francisco Joaquim Maia (vencido) = Antonio dos Santos Monteiro = Augusto Xavier Palmeirim = José Maria do Cazal Ribeiro = Visconde da Junqueira.

Foi approvado na generalidade sem discussão.

O sr. Santos Monteiro: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para poder já discutir-se na especialidade este projecto.

Assim se resolveu.

Entrou em discussão o art. 1.º

O sr. Tavares de Macedo: — Seria conveniente dar a este artigo uma redacção, pela qual se intendesse claramente que estas contas hão de ser publicadas com relação a annos economicos, a fim de se harmonisar esta publicação com as das outras repartições do, estado.

O sr. Santos Monteiro: — É esse o meu pensamento, e o da commissão de fazenda; portanto póde approvar-se o artigo, salva a redacção, porque a commissão de redacção depois enunciará a idéa mais claramente.

Foi approvado o artigo 1.º salva a redacção, e seguidamente foi approvado o artigo 2.º sem discussão.

O sr. Presidente: — Está sobre a mesa ha uns poucos de dias, para poder ser examinado pelos srs. deputados, um projecto da commissão de fazenda, que tem por fim legalisar a verba que vem no capitulo 1.º do orçamento do ministerio da marinha, relativa ao continuo graduado em porteiro da secretaria da marinha; se a camara convém, vai lêr-se para entrar em discussão. (Apoiados)

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI (n.º 82 E): — A commissão de fazenda, com o fim de legalisar a alteração proposta pelo governo no capitulo 1.º, artigo 4.º, secção 1.ª do orçamento do ministerio da marinha, por isso que se conforma com os fundamentos que o governo teve, e constam da nota preliminar do mesmo orçamento, tem a honra de propôr o seguinte projecto de lei.

Art. 1.º O logar de continuo graduado em porteiro da secretaria de estado dos negocios da marinha, passará a ter a denominação de ajudante do porteiro, com o ordenado annual de 400$000 réis.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Casa da commissão, em 11 de julho de 1853. = João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino = Augusto Xavier Palmeirim =. (Tem voto dos srs. Cazal Ribeiro e Justino de Freitas) = Visconde da Junqueira = Antonio dos Santos Monteiro.

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, não sei a razão porque se ha-de legalisar uma verba, porque ella vem irregularmente no orçamento; e vendo eu que com ella se vai augmentar a despeza, em vez das economias, que são tão necessarias, voto contra o projecto da commissão de fazenda.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, parece-me que não é por occasião do orçamento que se devem augmentar ou diminuir logares; mas este caso é muito particular, porque a circumstancia de estar impossibilitado de servir o porteiro da secretaria da marinha, torna este projecto excepcional, porque sendo um serviço indispensavel, foi necessario chamar um continuo para servir de porteiro; e logo que este continuo faz este serviço, merece, e é de justiça, que se lhe dê o vencimento que tem os ajudantes de porteiros das outras secretarias.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, eu sinto que fosse o meu amigo o sr. Pegado, quem defendesse este projecto, quando nós vemos a instrucção publica no estado em que se acha; quando vemos tantas cadeiras vagas, pelo diminuto estipendio que se dá aos professores.

Eu sinto entrar nesta discussão, porque até conheço o individuo a quem diz respeito o projecto da illustre commissão de fazenda, que se discute; mas eu não posso deixar de pugnar pelas economias, porque é necessario economisar nas differentes verbas, para se poder votar mais largamente a verba — estradas, e outras necessidades publicas; e intendo que se deve tractar de elevar os vencimentos dos logares, que facilmente podem ser providos, em quanto as aulas estão sem professores, porque a paga não attrahe concorrentes; e peço a attenção da camara para os continuos avisos, estampados no Diario, chamando concorrentes aos logares de cirurgiões do ultramar, o que prova que não ha quem pretenda os logares, e por conseguinte a necessidade de offerecer mais vantagens; e estes é que são os augmentos de despeza racionaes, e não os de elevar o vencimento de um continuo ao de ajudante de porteiro.

O sr. Tavares de Macedo: — Sr. presidente, em quanto a dizer-se — que não se deve augmentar este ordenado porque ha outros ordenados pequenos que deviam ser augmentados, eu acho que isto não tem resposta; mas porque ainda não se fez justiça a todos, não se segue que não se faça a alguem. O primeiro principio para que este ordenado seja elevado a 400$000 réis é um principio de equidade. Em todas as secretarias os ajudantes de porteiro tem 400$ réis; e só o da secretaria de marinha os não tem, e o seu serviço não é menos trabalhoso que o dos outros. Estes empregados tem, para assim dizer, a vida presa ás secretarias, e se não são empregados de quem se exijam grandes habilitações, comtudo exige-se-lhes uma grande habilitação moral, são empregados de altissima confiança, e por isso mesmo merecem uma remuneração que recompense esta qualidade. Portanto eu não acho motivo nenhum para que a este empregado não se dê o mesmo ordenado que tem os ajudantes de porteiro das outras secretarias; seria uma grande injustiça, se isto se fizesse.

O sr. Pinto de Almeida: — Está em discussão o projecto, pelo qual a commissão de fazenda propõe, que o logar de ajudante de porteiro da secretaria de marinha seja elevado a 400$000 réis; e pedi a palavra para declarar que voto contra, porque é uma manifesta injustiça o elevar-se a 400$000 réis o ordenado de ajudante de porteiro da secretaria de marinha, quando o porteiro da universidade de Coimbra tem 150$000 réis, e o do conselho superior de instrucção publica igual quantia; e qual terá mais trabalho, o da secretaria de marinha, ou o da universidade, que tem de estar no seu posto desde as 7 horas da ma-

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nhã até cinco e seis horas da tarde? Não ha relação alguma em quanto ao trabalho.

Além de que, ha de esta camara votar este augmento de despeza, quando um delegado tem 300$000 réis, quando um juiz de direito tem 400$000 réis? Que despeza fez o porteiro para ser elevado a esse logar? Passou talvez de alfaiate ou çapateiro a porteiro; e um delegado quantos annos estuda, que despeza faz a sua familia para o sustentar em Coimbra? Alguns mil cruzados; e depois de todas estas fadigas e despezas, alcança um logar de delegado, pelo que recebe os mesmos 300$000 réis; o senão morre neste logar, findos doze annos, passa a juiz, onde tem 400$ réis; e assim a camara vai igualar um ajudante de porteiro a um juiz; póde fazê-lo, mas não ha-de ser com o meu voto.

O sr. Santos Monteiro. — Os argumentos de paridade são sempre os melhores que se podem apresentar, mas é quando ha paridade, e neste caso não ha paridade senão na designação. O sr. José de Moraes achou a designação de porteiro e achou que era um porteiro igual a outros porteiros que s. ex.ª tem visto. (O sr. Pinto de Almeida — E os delegados?) Lá iremos aos delegados, e lá iremos tambem á feliz lembrança de pôr os empregos a concurso para saber quem os serve mais em conta; haverá taes que não tenham duvida de os servir até de graça; Deos nos livre porém de similhante alvitre. O porteiro da universidade não sei o que é, mas não deixa de ser um homem que abre e fecha a porta, e o porteiro de uma secretaria de estado não é um homem que abra e feche a porta, é um homem que guarda preciosidades importantes, e muitas vezes os maiores segredos do estado. Tambem ha porteiros na alfandega; tambem se chama porteiros aquelles que apregoam nos tribunaes, e são iguaes uns aos outros? (Uma voz — Esses não são porteiros) Na minha terra ainda hoje lhes chamam porteiros, ninguem lhes tira da cabeça que o são, e aqui mesmo em Lisboa acontece isso. Portanto os argumentos de paridade são muito bons, mas é quando ha paridade, e neste caso não a ha senão na designação do emprego.

O primeiro sr. deputado que entrou nesta discussão foi o sr. Vellez Caldeira, e entrou nella com aquella boa fé com que s. ex.ª entra sempre em todas as questões. Não, ouvi tudo quanto s. ex.ª disse, mas affigurou-se-me que s. ex.ª intendia que se ia crear um logar novo. Não, senhor, não se vai crear um logar novo, vai dar-se a um logar a designação que tem tido de facto, até agora dando-se ao empregado que o exerce o mesmo vencimento que tem os empregados de igual cathegoria das outras secretarias de estado; e se os argumentos adduzidos pelo sr. José de Moraes colhessem, de duas uma, ou haviamos de augmentar o vencimento deste empregado com 100$000 réis, igualando-o aos outros, ou haviamos diminuir o vencimento de outros de 400$000 a 300$000 réis. Ora repugna-me sempre tractar de questões individuaes; nu conheço apenas de vista o individuo a quem se refere este projecto, mas sei e sei com toda a certeza que elle é ha muito tempo ajudante do porteiro, e mais alguma cousa, é de facto o porteiro da secretaria. «Mas um porteiro póde saír de qualquer arte mechanica. Não é assim, e eu quizera que não se rebaixassem tanto as attribuições dos logares de porteiros das secretarias de estado, como se tem rebaixado, tendo sido logares de uma altissima consideração no antigo regimen. É verdade que um estudante se vai habilitar á universidade para entrar na carreira da magistratura, e o sr. José de Moraes intende que todos os estudantes vão á universidade só com as vistas nos logares de delegados ou de juizes de direito: pois eu estou persuadido que não entra a porta ferrea, não se matricula na universidade, na faculdade de direito, um unico estudante que não se considere desde o dia em que entra a porta ferrea habilitado para vir a ser membro do supremo tribunal de justiça, é aquillo a que todos aspiram, e se elles intendessem que vinham a morrer em juizes de direito das comarcas do reino não iam lá, as suas vistas dirigem-se aos ultimos logares, assim como tambem não assenta praça nenhum individuo que não espere chegar a general...

Este empregado já sabe que ainda que viva muito tempo, não passa de porteiro, é o mais a que lhe póde chegar, chega a 600$000 réis nominaes, d'ahi não passa para diante; e o que vai a Coimbra estudar direito, não póde chegar a membro do supremo tribunal de justiça? Mas disse o illustre deputado — o delegado tem 300$000 réis; é verdade que o delegado tem 300$000 réis, mas o delegado tem tambem a faculdade de advogar, não lhe é isso prohibido pela legislação vigente; o ordenado que recebe do estado é de 300$000 réis; mas tem além disto os emolumentos e Os proventos de advocacia.

No mesmo caso está o juiz; este recebe 400$000 réis do estado, mas o juiz tem além desse ordenado grandes emolumentos, e tem tambem um bello futuro diante de si, qual é o de poder ser membro de qualquer dos tribunaes superiores de justiça, e do ser tudo por isso que os bachareis ainda são para tudo. Estes argumentos de paridade são bem trazidos, quando elles são bem applicados.

É um acto de justiça a que um empregado que tem de fazer um serviço igual ao serviço que fazem os seus collegas nas demais secretarias de estado, seja compensado da mesma maneira. (Apoiados) Eu intendo, pois que uma vez que todos os ajudantes de porteiro tem 400$000 réis de ordenado, este tambem os deve ter (Apoiados) ou então ponha-se a todos a verba de 300$000 réis, ou suba um ou desçam outros, a camara das duas alternativas escolha uma, parecem que preferirá a primeira (Apoiados).

Que paridade tem o serviço de porteiro da universidade, com o serviço de porteiro de uma secretaria? Pois ás horas a que o porteiro da universidade vai para o seu logar a fim de desempenhar os misteres a seu cargo, e a hora em que sáe, póde ter comparação alguma com a hora a que vai para a repartição um porteiro do secretaria e com a hora a que sáe de lá? Pela manhã o porteiro vai muito cedo para a secretaria, e de tarde ha de estar lá até o ministro estar que grande numero de vezes sáe bastante tarde (Apoiados).

Perguntava mais, o porteiro da universidade recebe só o vencimento pago pelo estado?. (O sr. Pinto de Almeida: — Só). Ora veja bem, que talvez encontre mais alguma coisa. — E de mais é preciso ter em consideração a grande differença que ha de despeza em Coimbra da despeza em Lisboa.

Mas disse o illustre deputado, se o individuo de que se tracta, não póde fazer o serviço no seu logar por 300$000 réis, sáia que ha muito quem o queira fazer por menos!.. Isto é notavel; e julgo

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que o illustre deputado queria que todos os empregados fossem postos em praça publica a fim de ver quem exercia por menos dinheiro — estou certo que havia de achar quem quizesse, havia do achar muita gente que os quizesse servir até de graça, mas os resultados haviam ser pessimos e prejudicialissimos ao paiz (Apoiados).

Voto pelo projecto como o apresentou a commissão, O sr. Pinto de Almeida: — Sr. presidente, antes de responder a algumas das considerações que o sr. Santos Monteiro fez ao que disse, permitta-se-me dizer que, como deputado, dentro desta casa, não conheço ninguem; discuto como intendo, como sei o voto com a minha consciencia. E esta a conducta que tenho seguido, e que hei-de seguir.

O sr Santos Monteiro disse, que não ha paridade entre o porteiro da secretaria da marinha e o da universidade; concordo nisso, porque este a quem se quer dar augmento de ordenado é ajudante, e o outro é porteiro; este tem mais trabalho, e guarda debaixo de sua chave grandes riquezas em papeis, quaes são os da secretaria da universidade, os do cartorio da extincta junta de fazenda da universidade, os 40:000 volumes que estão na livraria da universidade, os ricos instrumentos que a universidade possue no seu observatorio; e guarda os ricos paramentos da capella da universidade.

Concluo dizendo, que voto contra, porque as observações do sr. deputado não me convenceram; e perguntar-lhe-hei, que paridade tem um ordenado do porteiro com 400$000 réis, com o de um professor de latim com 200$000 réis; qual trabalho será maior! A camara decida.

O sr. Leão Cabreira: — Toda a duvida que se apresenta, provém da denominação do cargo, porteiro ou ajudante de porteiro; julgam que é como o porteiro de uma casa particular tanto o porteiro da universidade como o porteiro de uma secretaria, e não é tanto assim (Apoiados).

Sr. presidente, o porteiro de uma secretaria de estado é uma especie de guarda-mór do archivo que alli existe; o porteiro de uma secretaria de estado é uma especie do fiel de importantissimos documentos que existem na secretaria, que fariam bastante falta, e seria de bastante prejuiso publico e particular, se elles se desemcaminhassem. O porteiro de uma secretaria de estado, se não fôr bem recompensado, está sujeito a commetter certos abusos, que podem ser prejudicialissimos ao estado.

Portanto é necessario que o homem que exerce este cargo, tenha uma recompensa igual a esse cargo, para elle poder e ser obrigado a cumprir o seu dever. Nestes termos não posso deixar de approvar o parecer da illustre commissão de fazenda

O sr. Tavares de Macedo: — Eu nada tenho a accrescentar ao que se disse em favor do projecto que está em discussão; e só direi, que as funcções de porteiro das secretarias de estado não são abrir e fechar a porta: responde por tudo que está dentro das repartições; é archivista; tem debaixo da sua mão os segredos do estado, e tudo isto mostra que o logar de porteiro de uma secretaria de estado tem um caracter superior áquelle que se lhe tem querido dar, por parte dos impugnadores do projecto. E preciso pois que elle tenha uma compensação igual ao cargo que exerce.

Ora se os ajudantes dos porteiros de todas as secretarias de estado tem uma certa compensação, intendo que o ajudante de porteiro da secretaria de estado dos negocios da marinha não é menos digno do igual recompensa. (Apoiados)

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto.

O sr. Pegado: — Visto que o projecto tem um só artigo, proponho que a votação seja tanto na generalidade, como na especialidade.

Assim se resolveu — e verificada a votação, resultou haver 36 votos contra o parecer, e 35 a favor.

O sr. Presidente: — Não havendo 40 votos conformes pro ou contra, não ha votação; e por isso o projecto devia continuar em discussão, o que terá logar em outra occasião, por isso que estando presente o governo, passa-se á ordem do dia.

O sr. Ministro do Reino (Fonseca Magalhães): — Peço licença para mandar para a mesa uma proposta de lei, que vou lêr:

E a seguinte

PROPOSTA DE LEI (n.º s3 A). — Senhores: O ensino da instrucção primaria pelo methodo de leitura e escripta repentina tem dado excellentes resultados em muitas das escólas em que se acha adoptado.

Foi introduzido e aperfeiçoado este systema em Portugal pelo doutor Antonio Feliciano de Castilho, que, sendo levado de uma grande devoção e zêlo infatigavel pelas lettras, não menos que pela diffusão dos conhecimentos uteis e boas doutrinas, por um methodo mais facil e expedito que o actualmente seguido, não duvidou elle mesmo abrir e reger um curso gratuito de leitura repentina, fazendo vêr em uma grande exposição publica, que os alumnos da sua escóla, ao cabo de 3 mezes, estavam lendo, escrevendo e pronunciando, quasi correctamente, a lingua portugueza.

Tão saudavel exemplo fez logo abrir e multiplicar outras escólas daquelle methodo, todas officiosas, paternaes, e fundadas, como a primeira, nos principios de caridade e religião christã.

Não são porém ainda bastantes estes ensaios para se calcular toda a força e efficacia do novo systema de ensino, nem para se reconhecer e aproveitarem todas as suas vantagens. Cumpre empregar meios de aperfeiçoamento, promovido por uma habil direcção e incessante inspecção sobre a regencia de novas escólas de leitura repentina, e sobre as habilitações de novos mestres em uma escóla normal primaria, para que, em vista de todos os dados statisticos, seguros, e bem comprovados, se possa apreciar exactamente a excellencia desse methodo, e o valor delle sobre o methodo de ensino singular e simultaneo, ou de ensino mutuo.

Para estes trabalhos receberem o possivel desenvolvimento, ninguem por certo póde reunir condições mais vantajosas do que o introductor do novo systema. É um litterato distinctissimo pelos seus escriptos, cheio de patriotismo e amor ardente pela educação elementar; é um varão respeitavel, que bem merece da patria e da humanidade, e que por muitos titulos se torna credor de confiança publica, para lhe ser conferida a investidura de uma auctoridade especial, dedicada exclusivamente a fomentar e a generalisar os beneficios da instrucção e educação popular.

Com este intuito não duvída o governo submetter á vossa approvação a seguinte

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Proposta de lei: — Artigo 1.º É creado um logar de inspector geral do ensino de instrucção primaria pelo methodo de leitura e escripta repentina em todo o continente do reino e ilhas adjacentes, para ser desempenhado pelo doutor Antonio Feliciano de Castilho, com o vencimento de 700$000 réis, accrescidos á pensão de 400$000 réis, que, pela lei de 6 de maio de 1839, lhe havia sido concedida.

Art. 2.º O governo dará o desenvolvimento necessario á disposição do artigo antecedente para a sua melhor e mais util execução.

Art. 3.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios do reino, em 12 de julho de 1853. = Rodrigo da Fonseca Magalhães. (Continuando)

Peço que seja declarada urgente, a fim de ir á respectiva commissão.

Foi declarada urgente, e enviada á commissão de instrucção publica.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do orçamento

O sr. Presidente: — Continúa a discussão sobre o orçamento da marinha. Estão sobre a mesa duas propostas do sr. Arrobas, que pertencem ao capitulo 4.º; comtudo o capitulo já foi votado, salvas as propostas que vão ser lidas, para que no caso de serem admittidas irem ás commissões respectivas.

Foram logo lidas na mesa as seguintes propostas

Proposta: — «Proponho que o artigo 27.º seja remettido ás commissões de fazenda e marinha, a fim de ser corrigido na conformidade da lei vigente.» = Arrobas.

Proposta: — «Proponho que o artigo 29.º seja enviado ás commissões de fazenda e marinha, para se incluir nelle uma verba de 12 contos de réis para 158 operarios do quadro supranumerario estabelecido pelo artigo 317.º do regulamento do arsenal da marinha.» = Arrobas.

Foram ambas admittidas, e enviadas ás commissões de marinha e de fazenda

Entrou em discussão o

Capitulo 5.º

O sr. Presidente: — O sr. Arrobas mandou para a mesa uma proposta para que a despeza com o pessoal da cordoaria seja reduzida a 17:000$000, applicando-se a differença que ha entre a verba, que para o pessoal se pede no orçamento, e a deste projecto, á compra de machinas de fiação e de coxa; como esta proposta póde ser considerada como pertencente ao orçamento, e como tal deve ir ás respectivas commissões, por isso vai ler-se para esse fim.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta: — Artigo 1.º É o governo auctorisado a estabelecer uma organisação provisoria para a cordoaria nacional; de modo que a despeza com o pessoal não exceda a 17:000$000 réis.

Art. 2.º É o governo auctorisado a applicar á compra de machinas de fiação e coxa a differença entre a quantia marcada no artigo antecedente e a votada para o pessoal no artigo 35.º da orçamento do ministerio da marinha.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos srs. deputados, em 12 de julho de 1853. — O deputado por Cabo Verde, Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Foi admittida, e enviada ás commissões de fazenda e de marinha.

O sr. Mello Breyner: — Sr. presidente, no relatorio da illustre commissão de fazenda, apresenta-se como idéa de conveniencia publica, o arrendamento da cordoaria, e, nesta conformidade a commissão convida o governo a que tracte, quanto antes, de procurar os meios de realisar esta idéa, apresentando ás côrtes na proxima sessão as propostas necessarias. Ainda que na actualidade, não seja a occasião propria para combater similhante pensamento, e sim quando forem apresentadas as referidas propostas, não posso deixar, desde já, de declarar o meu voto contra esta opinião.

A cordoaria não está, por certo, montada de modo, que possa satisfazer a todas as necessidades da nossa marinha, com aquella economia de que carecemos, porque o seu machinismo é o mesmo que ha 100 annos para alli se mandou; no entanto, os seus artefactos são muito estimados, pelo esmero e perfeição com que são manufacturados. Se o arsenal da marinha fosse arrendado, talvez não tivesse duvida em conceder tambem o meu voto para o arrendamento da cordoaria, por isso que a considero como uma repartição dependente deste arsenal; mas como ninguem proporá similhante coisa, não posso portanto annuir a que esta o seja.

O edificio onde se acha estabelecida a cordoria, é um dos mais bellos do nosso paiz; custou ao estado mais de 900:000$000 réis; e com quanto acredite que o governo, quando propozesse o seu arrendamento» não lhe escaparia de procurar garantias e seguranças para a sua conservação, todavia receio muito, que não haja no paiz, nem mesmo fóra, companhia que quizesse segurar um edificio de tanto custo, e que, pela natureza do que alli se manufactura, está tão sujeito a sinistros, como já aconteceu em 1826, pegando-lhe fogo em uma das extremidades, o qual durou tres dias, custando não pequena importancia a sua reparação.

Tambem me parece muito attendivel, para não ser arrendado este edificio, o haver alli mais de 300 operarios, que por força, seriam despedidos, e assim, outras tantas familias reduzidas á miseria. Por todas estas razões, e porque não desejo fatigar a camara, concluirei dizendo, que voto não só contra a opinião apresentada pela illustre commissão de fazenda, sobre a conveniencia de se arrendar a cordoaria, mas votarei tambem contra, quando porventura, seja apresentada no parlamento proposta para similhante fim.

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, tendo-se feito allusão áparte do relatorio da commissão de fazenda, que aconselha a entrega da fabrica da cordoaria á industria particular, intendia consignar, por modo expresso, qual a minha opinião a tal respeito; e por isso declaro que a commissão só considera este recurso, como sendo preferivel ao estado actual, mas não a outro a que o governo o possa levar. De facto a cordoaria, desde muitos annos, e por differentes causas, dá a perda média de 15:000$00 réis ao estado. O seu estado é ainda o seguido na fabricação ha 80 annos, e todavia os seus productos, com quanto caros, são bem acabados, com relação aos meios. Hoje, porém, depois da invenção do capitão Hudart, e do que é seguido na Inglaterra, e nas principaes potencias

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maritimas, é indispensavel uma reforma radical no machinismo. Isso trará além de muita perfeição, uma economia notabilissima; o que, além de tudo, se acha aconselhado já por duas commissões; a despeza não é talvez maior de 14:000$000 réis, entrando uma machina de vapôr de 12 cavallos. Na administração do sr. visconde de Castellões, se fizeram estudos, e indagações completas aqui, e na Inglaterra. Mais poderia dizer, senão receiasse tomar o tempo, hoje tão precioso; mas como a proposta do sr. Arrobas, que estabelece um quadro temporario, e aproveitamento de economia, vai á commissão, ahi se tractará de accordo com o governo de dar o maior aprefeiçoamento e vantagem a este estabelecimento.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, eu não posso concordar em que a cordoaria passe para mão dos particulares. Em quanto á sua actual administração e fiscalisação, certo estou que tudo vai bem: porque está confiada a um chefe activo, intelligente, e probo. Mas pelo que diz respeito ao seu estado artistico, aos apparelhos mechanicos do trabalho, estou persuadido que não estão conformes com o systema mais efficaz, economico, e perfeito. É minha opinião, que o governo, no intervallo das sessões legislativas, a faça examinar por uma commissão technica; e só depois apresente a camara o projecto da sua reorganisação.

Eu tinha tenção de tocar sobre varios artigos do capitulo do armamento naval; mas a discussão, longa e minuciosa, deste capitulo me fez desistir. Agora falei uma recommendação ao governo, similhante á lembrança, que se acaba de suggerir. Eu sympathiso com o principio fundamental da instituição dos marinheiros militares; e além disso, vivi muitos annos n'uma cidade maritima, que é o primeiro porto militar da França; tenho navegado em navios de guerra francezes, e tenho presenciado o bom serviço dos marinheiros do estado daquella nação; e finalmente, é sabido, que em muitos combates, em terra, esses soldados realisaram com a tropa de linha. Não obstante, reconheço, que o corpo de marinheiros militares portuguezes, como se acha, não está bem. Ha para isso diversas causas: entre as principaes notarei, o ter-se feito um corpo novo com marinheiros antigos, atidos a outros habitos; em segundo logar, para levar ávante uma creação nova, é precisa sempre a maior tenacidade de vontade. Intendo, que o sr. ministro da marinha deverá reunir os homens de toda a competencia, para depois de ouvidos detidamente, tomar a resolução, que a importancia do assumpto requer.

O sr. ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Sr. presidente, quando um sr. deputado membro desta camara se levanta e diz que tem dados para julgar que é possivel fazer-se uma economia de 10:000$000 réis no pessoal da cordoaria, ou n'outra parte, com conveniencia do estado e do serviço publico, o governo acceita esta declaração e ha-de pedir ao sr. deputado, que avançou esta proposição, os seus valiosos conselhos e as suas luzes para a levar a effeito. Eu duvido que se possam tirar no pessoal da cordoaria os 10:000$000 réis que o nobre deputado julga que se podem tirar, mas se puder, ha-de ser para mim, além de um devei, uma grande satisfação. O distincto militar que está á testa daquella repartição, por varias vezes me tem mostrado que é muito difficil, o reduzir o pessoal daquelle estabelecimento; mas se isto fôr pussivel, eu me comprometto da melhor vontade a fazel-o, e a applicar á compra de machinas e aos mais objectos que andam annexos a ellas, as sommas que se puderem economisar; mas ao que não posso comprometter-me, porque na minha opinião seria isso fizer um máo serviço, é a mandar vir as machinas, e a deixar o mais como está. Esse serviço da compra das machinas é por certo muito valioso, e deve dar grandes resultados para o melhoramento deste ramo de serviço da repartição de marinha; mas se se quizer que se faça esta reforma, não ha-de ser unicamente pela compra das machinas; é necessario que se mandem tambem vir os chefes das officinas e todos os mais que forem necessarios para montar o estabelecimento e dar-lhe a direcção que tem nos outros paizes estabelecimentos desta natureza, para que aquella obra sáia perfeita; porque póde-se ter muito talento, póde ser-se um distincto militar com muitos conhecimentos, e não se saber o modo de pôr em practica o novo processo de torcer os cabos, ou fabricar as linhas para as embarcações.

Por tanto debaixo deste ponto de vista eu tenho tenção e é minha obrigação de fazer nomear uma commissão de pessoas que tenham os conhecimentos technicos deste serviço e ao mesmo tempo mandar procurar nos paizes estrangeiros os homens practicos necessarios para vir dar áquelle estabelecimento a vida de que precisa, e que é conveniente que tenha para o melhor interesse do paiz.

Não havendo quem mais tivesse a palavra, foi submettido á votação e approvado o capitulo 5.º

Entrou em discussão o capitulo 6.º

O sr. Mello Breyner: — Quando se achava em discussão o capitulo 3.º deste orçamento, pedi algumas explicações á illustre commissão de fazenda, ácêrca da verba de 7:200$000 réis, que achava exaggerada para medicamentos e apositos de cirurgia, por isso que no capitulo 6.º que se acha discutindo se mencionam mais 4:500$000 réis para o mesmo fim; a illustre commissão annuiu ao meu pedido, dizendo-me que eu não reparara, que na receita se achavam mencionados 3:000$000 réis que o hospital da marinha rendia das contribuições dos soldados de guarda municipal e de paisanos que alli se iam tractar. É verdade que encontrei aquella receita, mas pelo modo que se acha descripta, não me parece que se possa intender, que ella se abale da verba para despeza, e por isso a considero, combinada com a já votada no capitulo 3.º, exorbitante; porque ainda que se dispenda com boticas para 21 navios, e d'ahi haja maior despeza deve-se notar que temos no exercito 20 e tantos hospitaes militares, para um exercito de 24:000 homens, que tanto foram os votados, e segundo se vê do movimento desses hospitaes, tivemos o anno passado 2:300 praças doentes, o que não se póde dar na armada, cuja força é apenas de 2:383 praças; por tanto peço que para estas verbas — medicamentos — se vote o indispensavel, passando o que exceder a dotar outro capitulo, porque quero votar esta importancia ao ministerio da marinha, mas aonde ella fôr necessaria.

Mando pois para a mesa a seguinte

Proposta: — «Proponho que as verbas para medicamentos, mencionadas nos capitulos 3.º e 6.º, sejam reduzidas á importancia que fôr julgada indispensavel; sendo applicado o excedente daquella quan-

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tia ao melhoramento do machinismo da cordoaria nacional.» — Breyner.

O sr. Presidente: — Uma parte desta proposta é relativa ao capitulo 3.º já votado; entretanto a camara resolverá o que lhe parecer.

O sr. Santos Monteiro: — O sr. deputado suppõe que a verba para os medicamentos e mais objectos para o hospital de marinha é effectivamente de 4:500$000 réis; isto é, a despeza é essa, mas na tabella B da receita publica, com relação ao hospital da marinha, apparece a verba de receita de 3:000$000 réis, que deve ser deduzida na verba da despeza do mesmo hospital; e por consequencia a verba de 4:500$000 réis fica reduzida a 1:000$000 réis; comtudo o artigo está mal redigido, e dahi nasceram talvez as duvidas do sr deputado; mas depois desta explicação, s. ex.ª não duvidará retirar esta parte da sua proposta; e em quanto á outra parte relativa ao capitulo 3.º, parece fóra de tempo.

O sr. Mello Breyner: — Em vista das explicações dadas pela illustre commissão de fazenda, e ter reconhecido ser má a redacção dos dizeres das verbas que impugnei, não tenho duvida em votar a favor dellas, e peço a v. ex.ª que consulte a camara, se me permitte retirar a minha proposta.

O sr. Presidente: — Como a proposta ainda não tinha sido admittida á discussão, não é necessario consultar a camara para ser retirada.

O sr. S. J. da Luz: — Sr. presidente, levanto-me para advogar a justiça e fazer valer os direitos adquiridos de um empregado distincto, que existe na provincia de Angola, o fysico-mór Manoel Maria Rodrigues de Bastos, que, por decreto de 15 de julho de 1847 foi nomeado membro do conselho de saude naval, nomeação que elle não sollicitou, mas que foi effeito da disposição da lei que estabelece que as vacaturas do conselho sejam providas nos medicos de maior antiguidade e maior serviço nas provincias ultramarinas. Não obstante a maneira honrosa porque este empregado tem desempenhado as suas funcções, tanto no conselho de saude naval, como no cargo da commissão que actualmente exerce, e no fim de 11 annos de bom e arriscado serviço em provincias longinquas da metropoli, e insalubres, por decreto de 22 de dezembro de 1852 foi collocado fóra do quadro do conselho de saude naval, deixando-se de attender aos seus direitos adquiridos, como sempre se attendeu nas reformas anteriores; mas não julgo que a suppressão deste logar de medico no conselho de saude possa ser levada a effeito, não só porque não acredito que o governo queira esquecer 11 annos de bons serviços, mas porque este empregado tem uma patente militar, que lhe foi dada em virtude de ser membro do conselho de saude naval, e não póde deixar de ser applicavel ao seu caso o decreto de 10 de novembro de 1851, que estabeleceu que o cirurgião de 2.ª classe da armada, José Antonio Maya, competindo-lhe o posto de segundo-tenente da armada, não podia della ser privado senão em virtude de sentença proferida em conselho de guerra; por consequencia tembem o empregado a que alludo, não podia ser excluido do conselho de saude naval, nem privado dos seus vencimentos, sem passar primeiro por um conselho de guerra, porque a suppressão significa demissão.

No orçamento apresentado pelo ministerio vem a verba de 660$000 réis destinada para este empregado: mas esta verba não vem incluida no parecer da commissão de fazenda; e seguindo o exemplo já, dado por um membro da mesma commissão, propondo o restabelecimento de uma verba para o patrão do escaler de Setubal, mando para a mesa a seguinte

Proposta: — «Proponho que a verba de 660$000 réis, consignada no artigo 38.º, secção 1.ª do orçamento que o governo apresentou ás côrtes, para um logar de medico, membro do conselho de saude naval, seja consignada no mesmo artigo e secção do orçamento, que a commissão de fazenda apresentou á discussão e approvação da camara. — S. J. da Luz.

Foi admittida á discussão.

O sr. Ministro da Marinha: — Sr. presidente, direi muito pouco. Confirmo o que o sr. deputado disse a respeito dos bons serviços do empregado a que se referiu, e se a verba para elle destinada não foi introduzida no orçamento actual, foi porque se calculou que não regressaria d'Angola já; mas para o orçamento seguinte será apresentado um projecto de lei, para este empregado ser considerado como addido ao quadro, e se já tiver entrado não haverá essa necessidade; mas em todo o caso, posso assegurar, que já expedi uma portaria no sentido que o nobre deputado indicou.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi approvado o capitulo 6.º

Entrou em discussão o capitulo 7.º

O sr. Pegado: — Segundo o acto addicional os orçamentos do ultramar regulam pelos do anno antecedente, quando não se apresentam os do anno corrente. Eu lembro ao sr. ministro da marinha, que o logar de cirurgião-mór da provincia é totalmente inutil em Macáo, como têem representado todos os governadores, e por consequencia mui gravoso para o estabelecimento, pois custa cerca de mil patacas; e para um pequeno estabelecimento como aquelle, e que precisa presentemente de auxilio pecuniario da metropoli para manter-se, é uma somma de consideração. Se s. ex.ª acha, que se póde legalmente annullar esse despacho, peço que o faça; não podendo ser, peço que seja transferido o facultativo para outra provincia, quando houver vacatura. Em todo o caso peço que seja supprimido aquelle logar.

Macáo tem melhorado um pouco em sua sorte, unicamente pelas economias e boa administração. Não devendo esquecer, que este estado de melhoria se deve tambem ao sr. ministro actual da marinha; nunca deixarei de dirigir, pelo modo mais authentico, os meus elogios aos ministros pelos seus bons actos governativos. S. ex.ª tem dado ordens taes, que os saques do actual governador do Macáo tem sido acceites pontualmente, e por consequencia os descontos das letras mui favoraveis, o que tem concorrido muito para melhorar a administração, e para mais socego dos espiritos, e mais esperanças animadoras. Peço licença ao sr. ministro, sobretudo neste momento da proxima separação do parlamento, para dirigir aqui tambem os meus agradecimentos aos immediatos de s. ex.ª na secretaria dos negocios da marinha e ultramar, que têem cooperado zelosa e intelligentemente para o mesmo fim; e todos sabem quanto um ministro de estado carece de bom e esclarecido serviço dos seus immediatos. Um deputado do ultramar está n'uma situação um pouco especial. É forçoso, que o representante da colonia, as suas auctoridades,

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e o ministro do ultramar se achem sempre na mais perfeita intelligencia, harmonia, e acção.

Concluirei por pedir ao sr. ministro da marinha, e a todo o ministerio, uma cousa das mais importantes, para todas as provincias ultramarinas. Quando o ministerio está satisfeito com um governador pela sua boa administração, que o conserve, que o reconduza mais um triennio, mais outro triennio, e outro. Um bom governador, so no fim do primeiro triennio é que começa a estar em circumstancias de fazer grande bem á provincia: se o tiram, esse bem, de certo, interrompe-se. Assim como deve affastar os máos governadores, que são os flagellos dos povos. A practica até aqui tem sido, que antes mesmo de um governador acabar o seu triennio, já começam a affluir os pertendentes a seu successor, que importunam o ministro, e ordinariamente conseguem.

As mudanças continuas de governadores trazem ainda outro inconveniente: o augmento e grande augmento de despezas de idas e voltas dos governadores, dos seus secretarios, dos seus ajudantes de ordens, e as promoções a todo este grande numero de officiaes. Direi, que as promoções trazem ainda outro inconveniente, e não pequeno: cresce o numero das patentes superiores, e causam confusão e irregularidade nos quadros do exercito e da armada. Ha muitos meios de premiar e recompensar os serviços, sem serem os postos de accesso.

A respeito do orçamento das nossas possessões na Oceania, estou persuadido, que a receita deve exceder muito a despeza, uma vez que bem sejam governadas; e tenho razão para suppôr que o serão, por que o actual governador é mancebo de muitas esperanças: além de ser official de uma arma scientifica do exercito, tem os estudos completos de mathematica e filosofia natural da escóla polytechnica, conhecimentos de summa importancia para o governo daquellas possessões. Chamo de novo a attenção de s. ex.ª sobre a necessidade de communicações entre Lisboa e aquellas ilhas: das possessões estrangeiras devem vir a Sincapur frequentes embarcações, e uma vez obtidas por ellas, em Sincapur, noticias das nossas terras naquellas paragens, facil é tel-as em Lisboa.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (Visconde de Athoguia): — Sr. presidente, na possibilidade de não ter o nobre deputado outra occasião para tornar a fallar sobre este assumpto, cumpre-me dizer que acceito todas as suas recommendações, e mesmo conselhos, porque honro-me muito de acceitar conselhos de uma pessoa que, pelos seus, conhecimentos especiaes póde e deve dar-mos sobre este objecto.

Quando á doutrina que o nobre deputado apresenta a respeito dos governadores do ultramar, eu julgo que o nobre deputado foi instigado a apresental-a, porque tem sympathia, tem fé, por assim dizer, nos 2 governadores da provincia que o nobre deputado representa, que comprehende Macáo, Solor e Timor; (O sr. Pegado: — Tambem tenho muita fé no de Cabo-Verde) mas Cabo-Verde não pertence á provincia que o nobre deputado representa, e já se vê que deve ficar satisfeito, porque eu sou da sua opinião, e todas as vezes que os governadores não peçam explicitamente e com muita instancia para serem rendidos, por todas as razões que o nobre deputado apresentou e que farei minhas, intendo que devem ser conservados.

Agora peço ao nobre deputado que acredite, que por se fechar a sessão eu não abandono os seus valiosos serviços e conselhos, porque todos sabem que uma das partes mais espinhosas da repartição de marinha é a do ultramar; é bastante o trabalho que ha naquella repartição relativamente á marinha, mas o que deve occupar muito a attenção do ministro são as provincias do ultramar, e eu convido desta maneira já os illustres deputados daquellas provincias a auxiliarem-me juntamente com o conselho ultramarino, que tantas vezes tenho aqui apresentado, como dignissimo, pela fórma porque procede, e como muitissimo necessario; porque auxiliando nos todos mutuamente, daremos áquellas provincias algum beneficio, tirando o resultado que Portugal póde tirar das suas colonias. (Apoiados — Muito bem)

O sr. Arrobas: — Vou mandar para a mesa uma proposta de adiamento do artigo 44.º, que consigna uma verba para o transporte de degradados. Ha uma proposta do sr. Tavares de Macedo para que esta verba seja transferida para o ministerio da justiça; eu peço que isto seja adiado até que a commissão apresente o seu parecer sobre essa proposta; e em todo o caso proponho que esta verba seja elevada a quantia necessaria para o numero de degradados que é necessario transportar, porque é objecto muito serio em que não se deve olhar a despeza. Mando pois para a mesa a seguinte: Proposta: — «Proponho que seja adiada a discussão sobre o artigo 44.º até que a commissão de fazenda apresente o seu parecer sobre a proposta do sr. deputado José Tavares de Macedo para transferir esta verba para o ministerio da justiça.

«Proponho que esta verba em todo o caso seja augmentada, por ser insufficientissima para o fim importante a que se propõe, sobre tudo em um anno em que haverá mais de 700 degradados a transportar.» — Arrobas.

O sr. Presidente: — Parece-me que em quanto á parte do adiamento já está satisfeita, porque a proposta do sr. Tavares de Macedo está na commissão, e é preciso que a commissão dê o seu parecer para se discutir esta materia. Agora em quanto á parte em que propõe o augmento da verba, vou consultar a camara sobre se a admitte á discussão.

Foi admittida, e enviada á commissão.

O sr. Dias e Sousa: — Eu reservei-me para este logar para ampliar algumas considerações que fiz em outra occasião, quando o sr. Tavares de Macedo fez a sua proposta, que foi remettida á commissão, para que esta verba fosse transferida do ministerio da marinha para o ministerio da justiça. Eu disse nessa occasião o que me pareceu para mostrar que tinha mais cabimento esta verba no logar onde estava do que no ministerio da justiça, e reservei-me para alargar estas considerações quando chegasse esta occasião; todavia como a camara tomou a resolução de adiar este negocio até que venha o parecer da respectiva commissão sobre a proposta do sr. Tavares de Macedo, parece-me que não devo agora entreter a camara muito tempo relativamente a este negocio e limito-me só, visto que a proposta do sr. Arrobas não declara o quantitativo até onde elle suppõe que deve ser augmentada a verba, a mandar para a mesa uma outra proposta, que póde ser considerada como addicionamento a essa, em que indico a quantia que, pelo menos, deve ser considerada no orçamento para

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esta despeza, quantia que de certo não é sufficiente para o fim para que é destinada, mas não me atrevo a propôr uma quantia muito superior áquella que figurou no orçamento até 1851 a 1852, que era a verba de 16 contos, mas que nos orçamentos posteriores foi redusida a 6 contos. Portanto faço esta proposta e peço a v. ex. que consulte a camara sobre se quer que vá á commissão de fazenda conjunctamente com a do sr. Arrobas para a tomar em consideração:

Proposta: — Proponho ao artigo 41.º do orçamento da marinha — despezas do ultramar:

Despeza com os degradados condusidos em navios mercantes e nos do estado 16:000$000 réis. – Dias e Sousa

Foi admittida, e enviada tambem á commissão.

O sr. C M. Gomes. — Sr. presidente, estando nós a 13 do mez, fechando-se as camaras a 20, não tendo ainda sido estudado nas commissões o orçamento do ultramar, creio que elle não será discutido nesta sessão.

Eu intendo que toda a discussão do capitulo do orçamento, sobre armamento naval, é perdida, se uma grande parte da despeza delle fôr satisfeita pelo ultramar, apesar de ter a devida dotação no orçamento de Portugal. No orçamento de Gôa vem alli consignados 140:000 xerafins (mais de 22:000$000 réis) para soldos, soldadas, mantimentos, etc. para os navios do reino, que alli por ventura vão aportar. Poucos navios de guerra vão a Gôa, mas quasi todos que saem para as nossas possessões, tocam em Cabo-verde e Angola, e temos estações permanentes nas duas costas de Africa; o que tudo deve fazer avultar a somma paga no ultramar por despezas do armamento naval.

Peço pois, ao sr. ministro dos negocios da marinha a bondade de declarar á camara, se essas despezas, ou parte dellas, continuam a ser a cargo do ultramar, ou se hão-de sair da respectiva dotação do orçamento de Portugal.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de Athoguia): — Eu já dei ordem para que se abrisse uma conta corrente em cada uma das provincias, pela qual se saiba, qual é o saldo, pró ou contra a mesma provincia, para assim se lhe pagar as sobras, caso que as haja.

Intendo que o systema de deitar uma benção em um navio, desde que elle se despede do Téjo, e não pagar as despezas que para elle estão votadas no orçamento, é um systema pessimo. Parece-me, pois, que o illustre deputado não terá duvida em ficar satisfeito com as explicações que acabo de dar, porque até certo ponto, ellas concordam com as idéas do illustre deputado.

O sr. Tavares de Macedo — O que o illustre deputado o sr. Gomes pede, está satisfeito no artigo 5.º do decreto de 12 de outubro, que é hoje lei do estado. Neste artigo está completamente prevenido o que o illustre deputado deseja. Não se faz, pois, injuria nenhuma aos cofres do ultramar.

Desejo, porém, chamar a attenção da camara, e do illustre deputado, para uma cousa: se as provincias ultramarinas tem iguaes direitos ao continente, tambem tem iguaes obrigações. No continente pagam-se despezas que não se pagam no ultramar, e que no entretanto, são despezas da nação: é serviço geral da nação, e não ha motivo para ser pago só pelo continente. Por exemplo, as despezas com a casa real são despezas da nação Portugueza, e não só do continente do reino: as despezas feitas com a armada nacional, são despezas do estado portuguez: as despezas feitas pelo corpo diplomatico, são igualmente despezas da nação; por conseguinte, sendo estas despezas todas pertencentes á nação, em geral, é claro que ellas devem recair sobre todos os subditos da monarchia portugueza. Se todos teem iguaes direitos, tambem tem todos iguaes obrigações; e se estas despezas dizem respeito á nação, em geral, tambem não ha motivo para que ellas carreguem só sobre uma certa porção de subditos portuguezes.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Eu concordo nos principios, que expendeu o illustre orador que acaba de fallar; a questão não é, se os portuguezes das provincias ultramarinas devem ou não concorrer para as despezas geraes do estado, como aquellas, que mencionou o illustre deputado. É verdadeira esta obrigação de todos os portuguezes, residam elles onde residirem; a questão é, que depois de votada uma verba sufficiente para certa despeza, como para armada de guerra, se vote mais outra verba nos orçamentos de provincias ultramarinas para a parte da armada que alli possa estar; como succede na de Goa, onde são designados quasi 20:000$000 réis, e assim por ventura nos das outras provincias. O que se quer, é que depois de votada uma verba no orçamento, para a armada, não se vote outra nos orçamentos do ultramar; e quando se fizer alguma despeza no ultramar, que esteja já dada no orçamento do reino, se satisfaça esta despeza pela verba já votada neste orçamento, seja encontrando, seja enviando para alli letras ou dinheiro. A isto não se satisfaz pelas contas correntes, pois as despezas que estão feitas no reino, que aliás devem ser feitas no ultramar, se já são votadas no orçamento do reino, como as que se fazem com os pensionistas do ultramar, podem entrarem contas correntes com as provincias ultramarinas, mas não podem por esta razão fazer votar nas provincias ultramarinas novas despezas, como as dietas para a armada de Portugal, uma vez que esta verba está votada aqui.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, eu fallei na supposição de não chegar a ser discutido o orçamento do ultramar, aliás não faria aquellas observações, se elle fosse apresentado e approvado, limpo de despezas do reino, como o de Portugal vem limpo das despezas do ultramar.

Sendo assim, as futuras camaras verificarão pelas contas, se a lei foi cumprida, mas póde o governo ficar duplicadamente habilitado a fazer grandes despezas, se os orçamentos do ultramar continuarem a ter verbas analogas ás que apresentei com referencia ao orçamento de Goa.

O sr. Tavares de Macedo: — A questão parece reduzir se a que se duvída, ou leme que o illustre ministro abuse, e mande pagar despezas no ultramar, lendo verbas no orçamento para ellas. — Já disse que, no artigo 5.º da lei de 12 de outubro, se acha regulado este negocio; e intendo mais, que não só não ha injuria nenhuma, em que se paguem no ultramar certas cousas, mas mesmo intendo que ellas se devem pagar.

O continente do reino paga certas despezas, que devem ser repartidas pelo ultramar, e por isso não concordo com os illustres deputados, quanto a dize-

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rem, que o ultramar paga muitas despeza» que só pertencem ao continente.

O sr. Santos Monteiro: — Parece-me que esta questão é extemporanea, visto que existe o orçamento do ultramar. Este orçamento acha-se na commissão de que é relator o sr. Jeremias, e este illustre deputado lá verá, que se pedem verbas para satisfazer ás despezas a que os illustres deputados alludem.

Intendo por conseguinte, que esta questão se deve guardar para quando se tractar do orçamento do ultramar.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, não é por desconfiar da probidade do sr. ministro; mas o que é certo, e o que se tem visto em quasi todos os orçamentos passados, é que se votam verbas para a manutenção da armada, e depois mandam-se os navios para as provincias ultramarinas, para as suas despezas serem pagas pelos cofres dessas mesmas provincias, e vem a haver no orçamento verbas dobradas.

O sr. Arrobas: — Mando para a mesa a seguinte:

Proposta: — É o governo auctorisado a applicar á compra de material, para as construcções de marinha, as verbas que por vagatura ou outras circumstancias excederem em cada um dos capitulos do orçamento do ministerio da marinha — Arrobas.

O sr. Soares de Albergaria: — Havendo, sr. presidente, nos differentes ministerios uma verba especial destinada ás ilhas adjacentes, não succede o mesmo neste ministerio, que todavia tem muita relação com as ilhas, que são districtos maritimos.

Eu desejo chamar a attenção do sr. ministro da marinha sobre a necessidade que ha de mandar para cada um destes diversos districtos uma pequena embarcação que sirva para a fiscalisação, e ao mesmo tempo para communicar as ilhas entre si. Parece-me que não é necessario nova verba para este fim, porque tanto no ministerio da fazenda, como neste, se acham votados os meios para as despezas da fiscalisação, e mais despezas necessarias: não posso porém, nesta occasião deixar de recommendar este objecto ao illustre ministro, e espero que s. ex.ª o hade tomar em consideração.

Daqui não vem grande augmento de despeza, por que não é pequena a que se faz annualmente com a fiscalisação, e com as communicações, principalmente em occasião de eleições e recrutamento, vendo-se as auctoridades administrativas na necessidade de fretar navios, muitas vezes até estrangeiros para se fazer o serviço publico. Desejava portanto, que s. ex.ª tomasse este objecto na devida consideração, dando as providencias necessarias ao seu alcance para remediar todos os inconvenientes que acabo de apontar.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de Athoguia): — A idéa do illustre deputado, quanto á necessidade de mandar um navio que satisfaça conjunctamente ao serviço de fiscalisação, e ao da communicação das ilhas entre si, é uma idéa muito judiciosa, e faço tenção logo que chegue a escuna Terceira, de a mandar para aquellas ilhas.

Quanto ao mais é preciso combinar com o sr. ministro da fazenda, para sedar uma melhor facilidade de communicações entre as differentes ilhas e a metropole.

Leu-se a proposta do sr. Arrobas, a qual foi admittida.

O sr. Santos Monteiro: — Parece-me conveniente que este additamento do sr. deputado Arrobas vá á commissão de fazenda, porque ella altera alguns dos additamentos do mesmo sr. deputado já remettidos á mesma commissão

Assim se resolveu, e foi approvado o capitulo 7.º, salvo o que se resolver sobre as propostas, que foram enviadas á commissão.

O sr. Pinto de Almeida (Sobre a ordem): — Eu peço a v. ex.ª que proponha á votação da camara, o projecto de lei que já se discutiu hoje, sobre o ajudante do porteiro da secretaria da marinha, e que ha pouco senão votou por não haver numero na casa.

O sr. Presidente: — Este projecto tem de entrar de novo em discussão, e por isso a camara resolverá se quer que elle entre desde já.

O sr. Pinto de Almeida: — Eu, sr. presidente, intendo que não ha necessidade delle entrar novamente em discussão, por isso que não ficou empatado: houve um voto a maior.

O sr Presidente: — Quando se empata, não ha vencimento: entra-se novamente na discussão, e o resultado da votação foi igual ao empate: não houve vencimento, nem rejeição; no entretanto, vou consultar a camara que é o melhor meio de resolver a questão.

Resolveu-se que entrasse novamente em discussão este projecto.

O sr. Arrobas: — Não posso ser suspeito apoiando o projecto, porque já declarei que estou na opposição. Acho que a economia que se pretende fazer, é uma economia ridicula: depois da camara ter votado contos e contos de réis pare despezas que não são as mais justificadas; depois de ter votado ordenados immensos; depois de ter votado verbas que não devia votar, não me parece que a camara deva recuar agora diante de um augmento de 100$000 réis que é justificado, e que é fundado nos principios de justiça: não me parece que a camara seja muito coherente, negando agora este augmento.

Todos os ajudantes dos porteiros das diversas secretarias tem o ordenado que a este se quer dar, e por consequencia, não ha razão nenhuma para se negar a este, o que se dá aos outros. Se o ordenado que pelo projecto se concede, é muito para um ajudante de porteiro, é muito para todos.

Não posso pois, á vista das razões que acabo de expender, e tendo de mais a mais sido eu quem propoz que este negocio voltasse á commissão a fim de apresentar um projecto para legalisar esta verba, não posso, digo, deixar de votar pelo projecto que se discute tal qual se acha.

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Eu apresentei este augmento no orçamento, porque intendi que realmente o homem que faz este serviço, o merece, não só porque com este augmento se faz o mesmo que se practica nas outras secretarias, mas porque eu com este augmento tive em vista uma economia real. O porteiro daquella secretaria que todos conhecem, tem conhecido 80 ministros de estado naquella repartição; aquelle homem está invalido, e para o não matar é que se conserva alli, quero dizer, é que não tenho vindo propôr ás côrtes um projecto para elle ser reformado, e mesmo por que então mais caro saía á repartição. Estas considerações, além das outras que são de completa justiça, é que me levaram afazer aquella proposta, e á

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camara foi apresentado um projecto de lei pela commissão de fazenda para esse fim, igualando-o com os outros servidores do estado nas mesmas circumstancias.

Entre este e os da universidade não ha paridade; todos os que frequentámos em Coimbra os estudos, sabemos os meios com que se vive lá, e com que se vive aqui. N'uma palavra a camara está sufficientemente instruida do objecto que se vai votar; se intende que se lhe deve deixar de dar o mesmo

Vencimento que tem os outros empregados da sua, cathegoria nas outras secretarias, faça-se, mas permitta-me a camara que lhe diga que neste augmento faz-se justiça.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, procedeu-se á votação, e foi approvado o projecto por 45 votos contra 30.

Passou-se á discussão do orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros.

É o seguinte

MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS.

[Ver Diario Original]

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Entrou em, discussão, o capitulo 1.º

O sr. Pegado: — Sr. presidente, se o ministerio dos negocios estrangeiros tivesse sido reduzido e simplificado em todas as sua, repartições, e algum outro ministerio o houvesse sido tambem, por exemplo, a da guerra; e se formasse com os 2 ministerios assim reduzidos, e simplificados um só, composto de duas partes integrantes — negocios da guerra, e negocios estrangeiros — intendo que 1 só ministro poderia encarregar-se das duas repartições: no caso contrario, alguma dellas ficaria prejudicada por falta de 1 chefe especial. Porém em caso algum desejo que á pasta dos negocios da marinha e ultramar se aggregue uma segunda pasta: por quanto sómente os negocios do ultramar absorveriam todo o tempo do ministro, o mais zeloso, o mais activo e intelligente, e versado na practica dos negocios publicos. Tambem me parece que a repartição dos negocios ecclesiasticos e a de instrucção publica deveria formar um ministerio; e a repartição da administração publica com a da justiça, outro.

O sr. Tavares de. Macedo: — Quanto ás idéas emittidas pelo illustre deputado que ma precedeu ácêrca da organisação dos secretarias de estado, nada tenho que dizer, porque agora, não se tracta disso; mas sobre a conveniencia de preparar esses trabalhos, parece-me mesmo que não ha necessidade de recommendar nada ao governo, porque o governo tem uma auctorisação para organisar as secretarias de estado (Apoiados) auctorisação conferida pelo decreto de 28 de dezembro de 1852, decreto que é hoje lei do estado, e ahi se estabelecem as bases para a nova organisação tanto relativa á divisão do trabalho, como a respeito do serviço, e do pessoal, por consequencia os desejos do illustre deputado estão satisfeitos. (Apoiados)

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi approvado o capitulo 1.º

Entrou em discussão o capitulo 2.º

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre o capitulo 2.º do orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros, porque intendi que elle não podia passar sem muito claras, muito explicitas, e muito cathegoricas explicações do sr. ministro dos negocios estrangeiros.

Em primeiro logar aproveito a occasião para declarar que a camara na sessão passada, que nós todos, fomos vilmente enganados, pelo então ministro dos negocios estrangeiros. Por um incidente suscitado pelo sr. Avila, ácerca de adiantamentos feitos ao conde de Lavradio, o sr. ministro dos negocios estrangeiros de então, que era o sr. visconde de Almeida Garrett, levantou-se e disse — o conde de Lavradio tem as suas contas saldadas, inteiramente saldadas com o estado; não deve nada, absolutamente nada — e o ministerio então apoiou este dicto do visconde de Almeida Garrett. Pois saiba v. ex.ª, saiba a camara, e saibam os srs. ministros actuaes que tambem o eram então e que apoiaram o dicto do seu collega, saiba a camara toda que o ministro mentiu (Sussurro)

Sim, senhores, mentiu; não vos admireis da frase, porque quando vem enganar-se o parlamento, e ludibriar a representação nacional, não é muito que um deputado, escandalisado por este proceder solte uma frase mais ou menos forte. Cumpri o vosso dever, senão quereis ouvir palavras severas. E a vós, srs. ministros, que apoiastes o dicto do visconde de Almeida Garrett de que o conde de Lavradio tinha saldado os suas contas, digo-vos que não ha tal, não saldou nada: o conde de Lavradio deve ao estado!

Eu tenho na minha mão a relação dos devedores diplomaticos, relação que mandei agora buscar á secretaria da camara dos srs. deputados, e cuja relação é assignada pelo sr. Emilio Achilles Monteverde, official maior da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, e por essa relação se vê que o sr. Conde de Lavradio é um dos devedores, diplomaticos, e que vem cotado na quantia de 2:520$000 réis. Então estão saldadas as contas, srs. ministros?.... Dissestes em 12 de julho de 1852 que as contas estavam saldadas; e pela relação que tenho presente, vê-se que está uma verba em aberto na importancia de 2:520$000 réis. (O sr. ministro dos negocios estrangeiros: — Está enganado, não é assim) Não é assim?! É assim, e não estou enganado. Bem sei que ha de affligir muito os srs. ministros esta declaração, e o descobrimento da verdade. Mas quem tem bastante coragem, bastante arrojo para vir a uma camara e engana-la, tenha tambem bastante resignação, e bastante humildade para ouvir o desmentido formal!....

Vou lêr a relação dos devedores diplomaticos, e desde já peço á camara que dê licença para mandar imprimir esta relação no Diario do Governo; é preciso que ella seja impressa, porque ella define uma situação, e estabelece a norma do nosso proceder. Vou lêr a lista, e hei de lê-la bastante compassadamente, para que os srs. tachygrafos possam tomar nota dos nomes que indica.

Relação dos devedores diplomaticos, e outros, ao ministerio dos negocios estrangeiros, por saldo de suas contas até 31 de dezembro de 1852, provenientes de adiantamentos que se lhes tem feito em differentes épocas, em virtude das commissões de que tem sido encarregados fóra do paiz.

Antonio Candido de Paria, encarregado de negocios, em disponibilidade…………………………………………………………………………………………………………………………… 1:498$268

Antonio Valdez, encarregado de negocios em Stockholmo e Copenhague………………………………………………………………………………………………………………………………………… 1.011$000

Barão de Seisal, ministro plenipotenciario, servindo de encarregado de

negocios em Bruxellas e Haya................................... 7:882$501

Conde d'Alva, encarregado de negocios, em disponibilidade. 1:032$568

Conde d'Azinhaga, ministro plenipotenciario em Madrid.......... 2:874$690

Conde de Lavradio, ministro plenipotenciario em Londres........ 2:520$000

Conde de Renduffe, ministro plenipotenciario, em disponibilidade............................................... 12:211$070

Conde de Thomar, ministro plenipotenciario sem exercicio....... 6:971$600

Duque de Saldanha, ministro plenipotenciario sem exercicio...... 9:299$51

Francisco José de Paiva Pereira, ministro plenipotenciario em París.......................................................... 7:200$531

Francisco Rebello de Carvalho, secretario de legação, em disponibilidade................................................ 143$246

52:698$033

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Transporte................................................... 52:698$023

Francisco Travassos Valdez, arbitro da commissão mixta em Angola.200$000

Frederico de Oliveira Maya, ex-secretario da dicta.............. 150$000

Os herdeiros do conselheiro Alexandre Thomaz de Moraes Sarmento....................................................... 4:240$252

Ildefonso Leopoldo Bayard, ministro plenipotenciario, em disponibilidade...................................................................831$829

José Antonio Soares Leal, ministro residente, servindo de encarregado de negocios em Vienna............................................. 2:739$946

José Ferreira Borges de Castro, secretario de legação em Madrid. 703$978

José de Vasconcellos e Sousa, ministro plenipotenciario no Rio Janeiro................................................................. 2:737$496

João Antonio Lobo de Moura, encarregado de negocios, em disponibilidade................................................ 2:136$482

João Gomes de Oliveira, secretario delegação no Rio de Janeiro......................................................... 534$600

João Jacomo Altavilla, ex-commissario na Jamaica............... 590$644

João de Sousa Lobo, 1.º addido em Madrid........................ 499$134

João Vicente de Oliveira, 1.º addido em Roma................... 243$807

Joaquim Antonio Gonçalves Macieira,1.º addido, em disponibilidade.................................................. 368$296

Joaquim José Alflalo, fallecido, foi consul geral em Stettin..... 300$000

Joaquim Pedro Cardozo Casado Giraldes, fallecido, foi consul geral........................................................... 437$741

Joaquim de Roboredo, encarregado de negocios em Berlin............ 39$772

Ladisláo Benevenuto dos Santos, ex-commissario em Cabo-Verde... 130$476

Leonardo Pinheiro da Cunha Carneiro, ex-secretario da commissão mixta em Angola.......................................................... 200$000

Luiz Antonio Baptista, ex-secretario da dicta commissão...........200$000

Luiz Augusto Pinto do Soveral, secretario de legação em Londres.....................................................................497$667

D. Luiz Maria da Camara, fallecido, foi ministro residente..... 1:201$714

D. Luiz Victorino de Noronha, ministro plenipotenciario, nomeado para S.Peter-burgo.................................................. 5:423$194

Miguel Martins Dantas, secretario delegação em París........... 1:575$518

Nuno de Barboza, ministro plenipotenciario, em disponibilidade........................................................................2:376$991

Paulo Midosi, encarregado de negocio, em disponibilidade......... 658$778

D. Pedro de Sousa Botelho, fóra do serviço..................... 2:927$858

Visconde de Almeida Garrett, ministro plenipotenciario sem exercicio...................................................................418$055

Visconde de Balsemão, encarregado de negocios, em disponibilidade.....................................................................2:095$40

87:165$691

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 21 de março de 1853. — Emilio Achilles Monteverde.

Somma tudo a quantia de 87:165$691 réis. Aqui está o fomento! São 87:163$691 réis que os diplomatas devem ao estado!...

E note v. ex.ª, e note a camara, que no orçamento vem a verba de 6:000$000 réis para os empregados em disponibilidade. Se o sr. ministro dos negocios estrangeiros quer fiscalisar os dinheiros da nação na repartição a seu cargo, suspenda os ordenados que recebem os empregados do corpo diplomatico que estão na disponibilidade; esperem, até que por meio do desconto paguem o que devem ao estado; a fazenda publica não póde estar privada da quantia de 87:000$000 réis; a nação não póde fazer favores desta natureza; a nação não deve estar a pagar a quem lhe deve. É admiravel, senhores, que os empregados do corpo diplomatico devam tanto, e que todos os annos se esteja a votar uma verba de 6:000$000 réis para pagar aos empregados do corpo diplomatico em disponibilidade!!!... Vota-se todos os annos 6:000$000 réis para os diplomatas em disponibilidade, por consequencia estes devem deixar de receber até saldarem as suas contas. Eis como eu intendo que o sr. ministro deve marchar, se quer fiscalisar os dinheiros da nação. Eis aqui qual devia ser a regra do vosso proceder; porque não devíeis estar a pagar um dinheiro da nação a quem tanto dinheiro deve á nação.

Eu pedi a palavra para fallar sobre o capitulo 2.º; sinto deveras ter de fallar nisto, e sinto-o porque não está nos principios da minha educação, o ter de descer a questões pessoaes; mas não me imporia com as pessoas para tractar as questões como as devo tractar, e dizer ao meu paiz toda a verdade.

Eu fui testimunha dos grandes alaridos, dos grandes combates, e das grandes batalhas campaes que se deram contra o conde de Thomar quando presidente do ministerio de 18 de junho, em consequencia de receber o seu ordenado de ministro plenipotenciario na côrte de Madrid, estando elle em Lisboa exercendo o logar de ministro do reino e presidente de conselho. Dizia-se então — como o ordenado que se dá ao ministro plenipotenciario, é pelo serviço que está fazendo na côrte junto á qual está acreditado, e como o conde Thomar não está fazendo esse serviço, logo não póde o conde de Thomar receber ordenado de ministro plenipotenciario na côrte de Madrid; o ordenado é a paga d'um serviço feito, e como esse serviço se não dava, eu não tive duvida em fazer côro com estas accusações, e ainda hoje faria o mesmo, porque intendi e intendi bem que o conde de Thomar, presidente do conselho de ministros e ministro do reino, devia receber o ordenado proveniente do exercicio destas funcções, e não o proveniente do exercicio de ministro plenipotenciario em Madrid, porque não estava exercendo tal logar. Os cavalheiros que o accusaram, não devem agora voltar atraz; devem sustentar a accusação que fizeram em relação ao conde de Thomar, e applica-la agora em relação a outros e quaesquer cavalheiros, sejam quaesquer que forem, que estejam no mesmo caso.

O nosso ministro plenipotenciario em Madrid está em Lisboa ha 6 ou 7 mezes, e apesar disto recebe o seu ordenado como ministro plenipotenciario em Madrid!... Então dizei me, senhores, ha agora serviço feito? Não se está dando um ordenado por um serviço que se não faz?... Se não ha serviço feito, póde este individuo receber o seu ordenado de ministro plenipotenciario junto á corte de Madrid, quando elle não

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está lá exercendo esse cargo e se acha aqui em Lisboa? Por ventura achais agora que se póde dar um ordenado por um serviço que se não faz?... (Uma voz: — O individuo a que se refere, está presente) Bem sei que o sr. conde da Asinhaga está presente; bem o vejo; tanto melhor, que mais desaffrontadamente fallo. O sr. conde da Asinhaga a quem sou devedor de tantos affectos, s. ex.ª não póde levar a mal que eu sustente os verdadeiros principios, ainda que para isso eu tenha de referir-me a s. ex.ª; e demais, senhores, o sr. conde da Asinhaga sabe perfeitamente que não perde nada com o que eu estou dizendo; o sr. conde da Asinhaga sabe perfeitamente que ainda que eu advogue uma cousa que é justa, que ainda que eu impugne que se faça uma cousa que se está fazendo, e que não se devia fazer, sabe, digo, perfeitamente que os srs. ministros, ainda que queiram, não tem força para lhe suspenderem o seu ordenado. Pergunto — onde estão hoje os homens que tanta guerra fizeram ao conde de Thomar? Onde estão esses Catões? Onde se esconderam aquelles, que tanto gritaram, que o conde de Thomar não podia vencer nem receber como ministro plenipotenciario estando em Lisboa? Porque é que esses homens não levantam hoje n sua voz contra o conde da Asinhaga, que estando em Lisboa vence e recebe o seu ordenado como ministro plenipotenciario junto á corte de Madrid? (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Ha mais algum par que tambem recebe) Ha mais alguns escondidos; eu sei que escondidos ha muitos; sei o que vai por esta terra!

Sr. presidente, este orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros é a coisa mais curiosa que tenho visto. A commissão do orçamento do anno passado, da qual fizeram parte muitos cavalheiros, que hoje nem estão na commissão de fazenda, nem pertencem á maioria da camara, intendeu que devia propor á camara certas economias, e segundo este seu proposito o resultado foi propôr á camara a suppressão de nada menos que 44:000/$00 na verba do orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros; mas a commissão de fazenda actual, que falla em economias, que não faz senão atordoar a gente com a palavra economia, não só rejeitou todas as suppressões propostas pela commissão do orçamento do anno passado, não só conservou integralmente todas as verbas do orçamento, mas augmentou as despezas em réis 2:000$000! E depois disto diz a commissão de fazenda no seu relatorio — que o corpo diplomatico precisa reformado! Ha muito tempo que eu ouço dizer isto mesmo; mas não acredito nesta reforma, porque tendo havido neste paiz tantas revoluções, tantas situações politicas diversas, tantas mudanças de administrações, trazendo até ultimamente a regeneração, vejo que o corpo diplomatico tem sempre ficado na mesma; ainda não foi reformado. Os srs. ministros ainda que queiram, não tem força para reformar o corpo diplomatico, não podem reformal-o; esta é que é a verdade. Agora com o que eu não posso concordar, é com esta palavra economia constantemente invocada na theoria, mas tantas vezes desmentida na practica.

A commissão do orçamento do anno passado propoz tambem que na forma de pagamento dos vencimentos do corpo diplomatico era preciso que houvesse uma tal ou qual reducção, porque era um abuso intoleravel, era um escandalo que bradava aos ceos, que o corpo diplomatico recebesse os seus ordenados no cambio de 67 por 1$000 réis, o que dava um augmento consideravel, talvez o da 4.ª parte nos seus ordenados; a commissão do orçamento do anno passado propunha a suppressão disto; mas a commissão de fazenda actual conserva a verba, conserva o mesmo cambio; mas realmente isto é uma coisa com que fico pasmado!

Os senhores da commissão de fazenda, que approvaram a capitalisação, a banca-rota, a conversão da divida, que não trepidaram diante de nenhum sacrificio, por maior que fosse, com tanto, que esse sacrificio viesse corado com as palavras — economia e organisação de finanças — trepidam diante do corpo diplomatico, e deixam-o tal qual está.

Ha 5, 6 ou 7 annos, que tenho a honra de ser deputado, e tenho visto, que a divida do corpo diplomatico, longe de diminuir, tem augmentado, e se s. ex.ª duvída, abro a gaveta, e mostrarei por uma relação, que em 1819 era menos do que hoje; ha um ministro, que estando em Lisboa ha 8 mezes, recebe o seu ordenado, como se estivesse na sua embaixada.

O corpo diplomatico continúa a ser pago como até agora, ao cambio de 67$ dinheiros por 1$000 réis, a libras estrelinas, podendo e devendo ser pago a 55 por 1$000 réis, que é o curso legal do valor da moeda.

O sr. Presidente: — Eu quiz interromper o illustre deputado, mas espero, que reconhecerá agora que já passou mais algum tempo, o uso de uma expressão um pouco forte no Parlamento, e conto que o illustre deputado a retirará.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (Visconde de Athoguia): — Sr. presidente, é inexacto, dez vezes inexacto, o que acaba de dizer o illustre deputado a respeito do nobre conde de Lavradio. Não deve nada. — Quando ha um adiantamento para ser pago em prestações, em quanto não termina o tempo em que essas prestações acabam, não se deve nada. E o mesmo caso em que se acham outros diplomaticos. Aquillo a que se referiu o sr. Visconde de Almeida Garrett no anno passado, foi a uma conta corrente, que tinha o conde de Lavradio, de que se lhe ajustou conta em tempo anterior áquelle, em que o nobre visconde enunciou uma verdade; e ajustou-se essa conta com o sacrificio do proprio conde de Lavradio (O sr. Ministro do reino: — Apoiado). Espero, que o illustre deputado que é cavalheiro, ha-de conhecer, que a insinuação que fez, não é verdadeira.

Explicarei o que são os 2:000$000 réis — Quando um diplomatico sáe de Lisboa, leva tres quarteis adiantados, que são pagos pela 5.ª parte dos seus ordenados; — está claro que aquelle diplomata não deve, e quando se diz que nada deve, não se intende que tem satisfeito na conformidade da fórma porque se fez esse adiantamento; porque está claro que ainda não está vencido. Mas como na repartição se manda exetamente tudo o que pedem os illustres deputados, a respeito da lista do que devem os diplomaticos, não a vi, nem desejei ver, porque quero que seja publico tudo o que se pede para a camara, á qual deixarei o ajuizar da justiça com que foi increpado o nobre conde de Lavradio, por estar como se disse em divida, e divida em que estão todos os que saírem amanhã para os mesmos destinos; e se o illustre deputado tambem fôr para uma missão extraordinaria, a não querer ceder desse adiantamento, da mesma fórma está em divida para com o estado. Eu tenho esperança para bem do paiz, que o conde de Lavradio tenha

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tanta vida, e tanta continuação n'uma missão desta ordem, que seja satisfeito por quotas, como se acha estabelecido, aquillo que deve.

Agora quanto ao digno par conde da Azinhaga, ha uma disposição da carta constitucional para que os pares e deputados venham occupar os seus logares durante a legislatura — é o artigo 31.º — Julgo que é doutrina corrente, mas a camara me corregirá, se posso tirar o vencimento a qualquer empregado quando vem, se é deputado para a camara dos deputados, e se é par para a camara dos pares; mas alguem lá está neste mesmo caso a quem eu, como ministro dos negocios estrangeiros, não posso tirar-lhe o vencimento, porque está exercendo aquillo que a carta constitucional determina que se faça.

O nobre deputado apresentou a somma total das quantias que devem differentes diplomaticos; durante o meu tempo não posso saber, mas parece-me que essa somma data de muitos annos, e não queira o illustre deputado lançar sobre este ministerio mais desfavor do que sobre os outros, porque é uma divida accumulada, e parece-me que a maior parte não pertence nem a esta administração, nem á administração anterior. Não quero fazer inculpação alguma disto, porque a lei é que determina os adiantamentos que se fazem ao corpo diplomatico, e os ministros dão execução a essa lei, por isso não podem ser increpados. (Apoiados) Apresente, se o illustre deputado quer, uma proposta para que se tire a todos os que estão em disponibilidade, todos os meios, tudo o que deverem, que, se passar, o governo a acceitará; mas nas circumstancias actuaes, o governo não póde fazer senão o que a lei determina, que é tirar uma 5.ª ou 6.ª parte nos seus vencimentos, por conta de todos os adiantamento que teem recebido.

A respeito dos (67$, o nobre deputado sabe que os diplomaticos com os vencimentos que teem, não podem viver com a decencia propria dos logares que representam; o illustre deputado, que tem muita franqueza, de certo não dirá que esta proposição não é exacta, se se appellar para o seu testimunho.

Tendo-se feito o orçamento, e apresentando-se nelle esta differença no cambio da moeda a respeito do pagamento dos vencimentos do corpo diplomatico, que é feito na razão de 67 por 1$000 réis a libra sterlina, que regula por 3$600 e tantos réis, está claro que ha uma vantagem real para quem recebe por esse cambio, mas a commissão de fazenda, por explicação minha, intendeu que sendo tão diminutos os vencimentos do corpo diplomatico, que não sendo sufficientes para a decencia propria dos logares que desempenham os representantes de Portugal nas côrtes aonde se acham, não devia ainda por cima de 30 por cento, que se tira a todos, tirar-lhes mais essa vantagem.

Devo dizer qual era a opinião da commissão de fazenda ao principio: — era reduzir os vencimentos todos a 67$ — que vinha a ser a mesma cousa, a differença estava na mudança dos algarismos, e se o illustre deputado quer fazer questão disto, eu não hesitarei em passar os 67$ para valor nominal e real dos vencimentos, que vinha a ser o mesmo para o estado; porque, contar pelo cambio de 67$ por 1$000 réis, ou passar os vencimentos para o valor que representam sendo pagos por esse cambio, imporia uma e a mesma cousa. E comtudo, apezar dessas vantagens que se dão aos empregados do corpo diplomatico, ver-se-ha que não estão devidamente compensados pelas despezas que o paiz que representam, exige que façam. (Apoiados)

Nós em Portugal, onde todos nos conhecemos, podemos dizer (pela minha parte assim o digo) não faço isto porque a minha fortuna não chega, mas lá fóra não póde dar-se esta satisfação, é o representante da sua nação, deve concorrer com os domais, e se lhe faltarem os meios, e não os tiver de sua casa, faz uma triste figura; neste caso é melhor não ler representantes nas nações estrangeiras.

Não direi mais nada, porque julgo ter respondido aos pontos sobre que o illustre deputado fez as suas considerações á camara, e como s. ex.ª tem a palavra, depois de o ouvir responderei ás suas observações, como julgar conveniente.

O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Depois das explicações dadas pelo sr. Ministro dos negocios estrangeiros, realmente não me resta dizer cousa que possa merecer a attenção da camara, senão o deplorar que — tão immerecida e gratuitamente — a um cavalheiro como aquelle de quem fallou o illustre deputado, se possa attribuir uma injuria gratuita.

O nobre deputado declarou que o sr. visconde de Almeida Garrett mentiu deixo ao illustre deputado, e á camara o avaliar a força e o merito desta expressão, principalmente a respeito de um homem ausente; mas como s. ex.ª declarou que os ministros que ora estão no gabinete, são comprehendidos na affirmativa que fez a respeito do sr. visconde de Almeida Garrett, porque approvaram o que elle disso, intende e declara o illustre deputado que os ministros actuaes mentiram.

Torno a dizer que não me faço juiz do merecimento desta fraze, mas não posso deixar do notar que, se não é uma vontade, não digo um prazer, ha o quer que seja de pegar n'uma relação, e sem ter examinado se o objecto de que fallou o ministro dos negocios estrangeiros do anno passado, era este ou outro, e dizer — eis — aqui o testimunho da prova da mentira do ministro dos negocios estrangeiros do anno passado, e que na sua asserção foi apoiado pelos ministros que estão actualmente no poder, os quaes ministros mentiram — (!) Era de outra cousa que se tractava. O sr. ministro dos negocios estrangeiros fez referencia a essas contas, de que o sr. conde de Lavradio se mostrou pressuroso e inquieto em quanto ao seu ajuste: durante alguns ministerios sollicitou aquelle alto e elevado caracter portuguez, e honra lho seja pelos mui valiosos serviços que está fazendo a esta nação na côrte aonde se acha (Apoiados) e que me parece que não devia ser tractado como o foi — durante alguns ministerios, é justo dizer-se, e appello para o testimunho dê alguem que foi ministro em outras administrações, e que se acha presente (O sr. Avila: — Apoiado) s. ex.ª não cessou de diligenciar por todos os modos o ajustamento de suas contas; houve sempre obstaculos para o conseguir; chegou a conseguil-o, vencendo esses obstaculos, e fez isto com sacrificio de alguns contos de réis, que, bem examinadas essas contas de — deve e ha de haver — disso que tinha recebido e dispendido, o conde de Lavradio teria um saldo a seu favor; não o quiz receber, cedeu do direito que tinha ao saldo das suas contas, quiz o ajustamento dellas, e diz-se aqui. — é mentira! — Não é mentira, é verdade.

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Não estou constituido em procurador e defensor de todos Os outros cavalheiros, cujos nomes estão na relação que leu o illustre deputado, e que foram altamente pronunciados no sentido, de corto, como não exemplar. Não julgo que fosse esta a occasião de examinar as razões, que poderá ter havido, porque ainda se considerem devedores esses funccionarios publicos, uma grande parte dos quaes deixou de o ser, e alguns o são ainda. A lei dispõe, que elles paguem essas dividas pela 5.ª parte dos seus vencimentos, os que recebem como em effectivo serviço; os que estão em disponibilidade, por essa mesma 5.ª parte do que recebem, devem pagar — se este desconto se tem feito, severamente, não estou em posição de poder affirmal-o. (O sr. ministro dos negocios estrangeiros: — Severamente) O Orador: — Mas acaba de dizer o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que severamente se faz esse desconto. Se isto assim é, justo é tambem que se saiba, que a imputação feita a esses funccionarios, como devedores de grandes sommas, e ao governo de não exigir esse pagamento, essa imputação é injusta; e sendo assim, creio, e espero que de certo o illustre deputado, o qual não posso suppôr que fosso levado por máos motivos a fazer esta arguição, não terá duvida em convencer-se, que alguma pricipitação houve nas suas asserções.

Pelo que toca ao pagamento por um cambio mais favoravel, já o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse quanto basta a este respeito; é justo, comtudo, notar, que de todos os empregados do corpo diplomatico de differentes nações, os de Portugal são os mais inferiormente retribuidos. (Apoiados)

Que nós possamos dentro de nossas casas passar com menos, de accôrdo, pois que todos nos conhecemos, aqui nenhum homem é mais ou menos estimado, porque se apresenta com mais ou menos apparato exterior no exercicio de suas funcções, e na sociedade que representa. Em quanto aos empregados do corpo diplomatico fóra do paiz não é assim, quasi tudo quanto têem a fazer, é mostrar-se, é apparecer; a estima e consideração, que recebem nas côrtes, onde residem, provêm em grande parte da mais ou menos apparente maneira de apresentar-se; provêm em grande parte, como se costuma dizer vulgarmente, da boa ou má figura que fazem, porque se costuma dizer — má figura, quem a fez de pobre — é uma injustiça que se faz, mas é injustiça admittida geralmente, e não temos remedio senão conformarmo-nos com os prejuizos publicos.

A este respeito tambem me parece, não fóra de proposito, dizer, em abono desta classe de funccionarios publicos, por honra da verdade e fazer justiça a quem é devida, que entre o corpo diplomatico das outras nações, o corpo diplomatico de Portugal é distinctamente respeitado entre todos os seus collegas das nações e das côrtes onde estão, e aqui ha muitas testimunhas desta verdade (Muitos apoiados) sem nenhuma excepção no porte honesto, grave, e cavalheiro, digno de todos os representantes e diplomaticos dos outros paizes, nas coites onde se acham. (Apoiados)

Eu estimarei que este testimunho sincero possa passar ao espirito publico; porque no meio de tantas expressões injustas, e no meio de tantos dissabores que possam resultar do que lêrem nos jornaes, tenham ao menos a consolação, de que o seu caracter é apreciado pelo paiz. (Muitos apoiados: — Muito bem)

O sr. Santos Monteiro. — Sr. presidente, o que está em discussão é o capitulo 2.º do ministerio dos negocios estrangeiros, e então é necessario que restrictamente entremos na discussão deste capitulo, mas eu na verdade acho muita difficuldade em tractar este capitulo sem alludir a uma parte do capitulo 5.º das despezas eventuaes que aqui vem muito a proposito, porque diz respeito á differença de cambio nos vencimentos dos empregados diplomaticos.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros teve a bondade de se referir a uma conversa que houve na commissão, quando se tractou deste negocio. Não ha duvida nenhuma que á commissão e ao sr. ministro pareceu que seria mais regular e mais conveniente fazer desapparecer esta verba para a differença de cambio, mas em tal caso não podia por fórma alguma deixar de se elevar o vencimento aos nossos empregados diplomaticos, e então a commissão intendeu, de accôrdo com o sr. ministro, que seria mais conveniente deixar isso para uma lei quando se marcasse quaes eram as legações que convinha que existissem, porque á commissão affigurou-se-lhe, como mesmo menciona no seu relatorio, que poderiam ser supprimidas algumas legações; mas a conveniencia dessa suppressão ninguem a póde avaliar senão o governo. E o sr. ministro que se em publico é franco como quem fôr franco, não se póde duvidar que em particular será franquissimo, foi franquissimo com a commissão e taes observações lhe fez, que a commissão intendeu que na actualidade não devia haver alteração absolutamente nenhuma no numero nem na qualidade das legações; mas não deixou s. ex.ª de reconhecer comnosco, que mais farde o talvez não muito tarde, fosse possivel fazer uma economia neste ramo de serviço publico votando unicamente as legações que hajam de existir, e deixando quando muito um credito ao sr. ministro para occorrer a qualquer necessidade que se dê em circumstancias extraordinarias. Ora, já que se tocou nesta materia não deixarei de observar que a commissão de accôrdo com s. ex.ª mesmo nesta verba fez uma diminuição de 5 contos de réis. A verba proposta no orçamento era de 17 contos de réis e a commissão fez-lhe a deducção do 5 contos, e s. ex.ª á vista das observações, da commissão, intendeu ser sufficiente a verba de 12 contos para o augmento dos cambios.

E preciso notar que tambem no orçamento actual apparece o que não apparecia em outros anteriores, porque os consules e os diplomaticos em disponibilidade já não tem o bonus do cambio; a esses paga-se effectivamente o que se lhes deve pagar pelo cambio regular.

É verdade tambem como observou já um sr. deputado, que o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros e quasi igual pelo que respeita ás legações, aos orçamentos anteriores; mas não e perfeitamente igual, porque algumas legações têem augmentado de cathegoria e outras têem diminuido, e parece-me que ainda o anno passado houve alguma legação que augmentou de cathegoria. Em conclusão verá a camara, que tendo proposto o governo para despezas deste ministerio 155:831$000 réis, a commissão, de accôrdo com o governo, apenas propõe 148:191$750 réis, havendo uma despeza menor o uma verdadeira economia de 7:610$000 réis, havendo ainda a circumstancia de se ter augmentado 2 contos de réis á verba destinada para as obras do visconde

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de Santarem de que a commissão dará as razões quando se tractar do capitulo competente, razões comtudo que são conhecidas de toda a camara.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, eu realmente não sei como um deputado se ha-de haver na camara, porque ha certas pessoas que são inviolaveis, uma destas pessoas hoje é o sr. conde de Lavradio, e não se póde tocar no conde de Lavradio nem directa nem indirectamente! Pois eu declaro que não acceito a inviolabilidade do conde de Lavradio. Não me importa que seja o conde de Lavradio; pois eu, deputado, hei-de parar diante de um homem? Se os srs. ministros querem parar, eu hei-de ir para diante, e se o homem me estorvar, empurro-o. Que me importa que seja o conde de Lavradio? Eu li no Camões:

«Os Almeidas porque o Tejo ainda chora.»

Mas eu não estou disposto a chorar pelo conde de Lavradio; encontro uma verba, quero saber a sua fonte. Não argumento com palavras, nem com affectos, nem com insinuações, mas sim com documentos assignados pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros. Essa é boa! Digam a verdade toda, senhores. O conde de Lavradio está aqui cotado.....Peço á camara que me preste toda a attenção, porque a camara tem de ajuizar quem tem razão, se sou eu, se o sr. ministro, e então vamos a uma conta arithmetica, já que para provar que tenho razão, é necessario descer a futilidades, a ridicularias, a algarismos.

O sr. conde de Lavradio tem as contas saldadas, não é assim? Muito bem; mas eu vou mandar logo um requerimento para a mesa a pedir que venha á camara a transacção feita com o conde de Lavradio. O conde de Lavradio tem as contas saldadas; muito bem; mas então de que são estes 2:000$000 de réis? (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Já disse que eram adiantamentos que paga pela quarta parte) Ora eu vou mostrar que isto não póde ser exacto. O conde de Lavradio, assim como todos os diplomaticos que são despachados, recebem uma ajuda de custo, e 3 quarteis adiantados; tem de ordenado 8:000$ de réis; quantos annos ha que o conde de Lavradio está em Londres? Diga v. ex.ª (Dirigindo-se ao sr. ministro dos negocios estrangeiros) diga, eu aceito todo o tempo que v. ex.ª disser... (O sr. ministro dos negocios estrangeiros: — Ha 18 mezes) Ora desconte a ajuda de custo e os 3 quarteis adiantados do vencimento de 8:000$000 de réis, isto é, a 5.ª parte e veja v. ex.ª se lhe dá 2.000$000 de réis... (O sr. Ministro do reino: — Dá mais alguma cousa) Então o conde de Lavradio está a fazer constantemente esmolas ao thesouro!

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Dá-me licença o nobre deputado? A camara vê que é uma questão de cifras, e eu comprometto-me a trazer a conta corrente ao nobre deputado.

O Orador: — Compromette-se, porque eu vou fazer um requerimento para isso.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Não é preciso; eu comprometto-me ámanhã a trazel-a; veja o nobre deputado que leva tempo...

O Orador: — A v. ex.ª não chega o tempo para nada; ha 4 mezes que v. ex.ª disse que não tinha tempo.... (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Sobre isto!) Sim senhor, sobre isto. Ha 4 mezes que v. ex.ª publicou um documento, em que v. ex.ª tambem dizia que não tinha tempo; eu vou lêr este documento á camara, assignado pelo sr. ministro; é verdade que a assignatura não está reconhecida pelo tabellião, mas s. ex.ª não a negará. Não deixo ir a cousa assim, quero isto tudo bem discriminado…

Pediu-se ao governo que mandasse a esta camara uma nota das dividas, em que estava o corpo diplomatico para com o governo, bem como a especie de meeda em que tinham sido contrahidas essas dividas; e a resposta é a cousa mais curiosa que ha. E julgam os srs. ministros que, pedindo a palavra, os seus adversarios ficam logo como aterrados, e que não podem levantar a voz; enganam-se, é o contrario.

Note a camara; diz o sr. visconde de Athoguia em 28 de fevereiro o seguinte. (Leu)

Ora era de suppôr, que em 4 mezes e meio se apresentassem os papeis: no entanto veiu esta relação, que eu li agora; e nesta relação vem o sr conde de Lavradio, como devendo de saldo 2:520$000 réis. (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — estou prompto a entrar no calculo) Estimarei isso muito; mas torno a repetir — o que recebe um diplomatico são 3 quarteis adiantados; foi o que recebeu o sr. conde de Lavradio; ora sendo o seu ordenado de 8:000$000 réis, e estando ha 18 mezes na sua missão, e tendo lhe sido descontada a 5.ª parte nos vencimentos que tem recebido, como é que resultam esses 2:000$000 de réis? (O sr. Ministro dos negocios estrangeiros: — Eu lhe farei a conta)

Póde fazer o sr. ministro a conta, e mande-a para a mesa, porque eu desejo vêl-a. Eu, sr. presidente, e a camara me fará justiça de acreditar, não increpei o conde de Lavradio; vejo uma verba e discuto essa mesma verba; vejo um ministro plenipotenciario em Londres, e perguntei se tinha saldadas as suas contas anteriores; o sr. ministro declarou que estavam saldadas com prejuizo do sr. conde, e por isso eu mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Sr. presidente, eu fallei na legação de Madrid, notando que o conde da Azinhaga estava em Lisboa ha 8 mezes, e continuava a receber o seu ordenado, como se estivesse servindo naquella missão, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros diz — que a carta constitucional no artigo 31 determina que o sr. conde da Azinhaga não deve estar na sua legação, e que deve occupar o seu logar de par, e que não podia deixar de pagar-lhe o seu ordenado. Mas exista ou não exista essa disposição em quantas constituições ha no mundo, o que sei é, que o empregado que não serve, não deve receber, e se o serviço da legação em Madrid póde ser desempenhado pelo secretario da legação, pagando-so-lhe a differença, é escusado dar o ordenado ao secretario, uma vez que dando-se-lhe alguma cousa mais, póde desempenhar as funcções de encarregado de negocios, e nesse caso para que se hão de dar 6:000$000 de réis ao conde da Azinhaga para elle ter o trabalho de dar alguma cousa mais ao seu secretario? Então não é necessario o logar. Então para que accusastes o conde de Thomar, quando estava em Lisboa, sendo ministro em Madrid, e vencendo como tal o seu ordenado? Onde estão esses Calões? Eu já não acredito nem em Calão.

Agora, sr. presidente, em quanto aos ordenados concordo que os do nosso corpo diplomatico são pe-

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quenos; e na verdade não conheço paiz nenhum onde os ordenados dos empregados publicos sejam mais reduzidos que os nossos; e é para admirar, que n'um paiz ião infestado pela mais crassa e infame immoralidade, tão corrompido e cheio de vicios, que tem contaminado quasi todas as classes da sociedade, haja ainda tanta virtude e tanta honradez nos empregados publicos. (Apoiados) Tenho visto que a virtude e a honra é abandonada neste paiz; não se faz caso dos homens virtuosos e honrados, que a maior parte das vezes vão morrer n'um hospital! E ainda que eu podesse viver tanto como Malhusalem cuidais vós que eu possa oppôr alguma cousa a esta torrente de lagrimas? Estais enganados: eu já não acho senão um cadaver cruento e hediondo, que se assemelha a um pobre que vive das suas chagas, e do qual eu passo de longe, porque me não quero emporcalhar.

O sr. Presidente: — O requerimento que o sr. Cunha mandou para a mesa, ámanhã terá segunda leitura.

O sr. Ministro do Reino (Fonseca Magalhães): — Direi só duas palavras. Eu não julgo que as allusões a respeito de fallar com sentimentalismo e declamações, feitas pelo nobre deputado, fossem dirigidas a mim; porque nunca em minha vida me lembro de ter declamado, e de ter tirado menos partido do que chamam sentimentalismo, do que na occasião presente.

O illustre deputado podia duvidar; póde duvidar, está no seu direito de duvidar da verdade de toda a gente. (O sr. Cunha: — Eu não duvido; li um documento.)

Eu não duvido disso; não estou fazendo mais, do que exercitando um direito que me compete.

Digo e repito, não nego, nem posso negar ao illustre deputado o direito de duvidar da minha probidade, da probidade do sr. ministro dos negocios estrangeiros, e da probidade de toda a gente. É-lhe licito pode-lo fazer..

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas eu não duvidei!

O Orador — Peço perdão, eu não disse que o illustre deputado duvidasse, disse, e digo, que lhe é licito duvidar: não lhe nego esse direito. Mas o illustre deputado fez mais do que duvidar, ainda que diz não duvidou, porque disse que o sr. visconde de Almeida Garrett linha mentido, e que os seus collegas tinham confirmado a sua mentira. Portanto, o illustre deputado não duvidou, disse que tinhamos mentido todos.

Eu permitto a cada um duvidar; mas o que peço licença para notar, é que não é justo, na opinião de todos os homens sensatos, fazer uma incriminação desta natureza, e sem se pedir a menor explicação de um papel que se tem como documento, por um engano manifesto, e sem se procurar saír desse engano, dando-se como certo o que se tem nas mãos, e sem se fazer mais indagação nenhuma, dizer — vós mentis.

As explicações dadas pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, a que eu prestei o meu assentimento, fazendo as mesmas, e declarando em que ellas se fundam, não moveram de maneira nenhuma o illustre deputado da persuasão em que se acha. Eu declaro em nome do governo, pela minha palavra de honra, que o conde do Lavradio não deve nada,

Não se tracta aqui de ter contemplação, como disse o illustre deputado, por — Almeidas, por quem o Tejo chora — mas se se tractasse, não era necessario invocar o sentimento do affecto, porque, quando o descendente de uma illustre familia é um patriota distincto, e é reconhecido por um dignissimo funccionario (Muitos apoiados) não sei porque se não ha de ter contemplação — por Almeidas por quem o Tejo chora. — (Apoiados) Tomara eu, sr. presidente, imitar o conde de Lavradio.

Sr. presidente, eu não sei se a nação portugueza deverá ser tractada no seu seio da representação nacional por uma nação villã: não o sei; mas sendo a nação portugueza composta de todos nós, creio que todos nós repelliremos a classificação de nação villã, dada a nação portugueza. (Apoiados) Este estado de immoralidade em que nos achamos, dicto por um illustre deputado que não crê no passado, que imbuido na historia allemã tem a Calão por um traficante, e terá a Marco Aurelio por um impostor, é admiravel! Se estamos assim degenerados, é certo que vós credes no passado de nossos maiores. Não sei, nem me atrevo a dizer que a nação portugueza tenha hoje maiores espiritos, talentos mais elevados, caracteres mais nobres do que então: não sei, nem digo tambem que tenha menos que a nação portugueza do seculo 15, 16, ou perto do seculo 17; mas parece-me que seriamos mais justos se intendessemos o contrario daquillo que o illustre deputado intende. Não creio que tenhamos perdido das nossas virtudes moraes; não creio que o caracter portuguez seja hoje um caracter degenerado: appello para o testemunho do juizo que fazem de nós todos os homens distinctos dos outros paizes, os estrangeiros desapaixonados. (Apoiados)

O illustre deputado tem no seu coração (e eu bem o sei) mais justiça do que ás vezes nos seus labios: Eu sei de certo que o illustre deputado não crê a nação portugueza como uma nação degenerada e villã, ainda que o illustre deputado o diga: faço-lhe esta justiça.

Quanto a este luxo immenso que o illustre deputado nota; quanto a estas grandes fortunas que se levantam de repente; quanto a estas carruagens e berlindas douradas que levam dentro homens que não têem eira nem beira, nem raminho de figueira, parece-me escusado dizer nada a este respeito: é impossivel que o illustre deputado, homem tão liso, não tenha visto que isto que hoje nota, acontece em toda a parte. De certo que, depois de uma transformação como aquella por que passou Portugal, em que muitas fortunas se alluiram, e outras se elevaram, isto devia acontecer. E ainda bem, o luxo alimenta as classes pobres e laboriosas.

Peço pois ao illustre deputado que seja mais indulgente com a nação portugueza, que representa, e que perca um pouco essa paixão mysantropica de que algumas vezes me parece ve-lo dominado, e que, na força da sua idade lhe está mal: deixe isso aos velhos, aos que perderam a sua esperança no futuro; esses, de ordinario louvam o passado, affligem-se do presente, e não esperam nada do futuro. (Apoiados e vozes: — Muito bem)

O sr. Cunha Sotto-Maior. — V. Ex.ª, o sr. ministro dos estrangeiros e o sr. ministro do reino pediram-me para rectificar uma expressão: não foi por falta de acceder aos desejos de v. ex.ª, que eu a não

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rectifiquei já, mas sim porque me esqueceu. Se v. ex.ª me dá licença eu rectifico a expressão em muito poucas palavras.

O sr. Presidente: — Eu consulto a camara sobre se lhe concede a palavra, porque ca já lha não posso dar, porque já fallou duas vezes.

A camara resolveu que se désse a palavra ao sr. Cunha Sotto-Maior.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu quero que v. ex.ª e os srs. ministros que me fizeram o pedido, me digam por que frazes, por que modo e por que maneiras eu hei de exprimir a minha idéa. Eu disse que o governo tendo dicto aqui no anno passado que o sr. conde de Lavradio nada devia, e mandando depois uma relação, em que este cavalheiro apparece com uma divida de 2 contos e tanto, tinha faltado á verdade; eu, sr. presidente, sou tão bem tractado, que devo retirar as expressões; porém ellas são indisciplinaveis por sua natureza na minha bocca.

Quanto ás expressões que tanto feriram tambem o amor patrio e natural do sr. ministro do reino, eu não tenho culpa: a historia é que tem a culpa. Eu tenho ouvido dizer desde creança que a corrupção lavra por todas as classes da sociedade; portanto já se vê que a culpa não é minha, é da historia: não queiram os srs. ministros moralisar os povos, mais do que elles estão.

O sr. Avila: — Sr. presidente, eu pedi a palavra, porque julgo do meu dever fazer algumas ponderações sobre um objecto, a que se fez allusão com alguma inexactidão pelo nobre deputado, que acaba de fallar, que de alguma maneira fez appello para mim.

É practica abonar-se a qualquer individuo nomeado para um cargo diplomatico, uma ajuda de custo para as despezas da sua viagem, e 3 quarteis adiantados, que são depois descontados na 5.º parte dos seus ordenados, para as despezas do estabelecimento da sua casa, nos paizes, em que têem de exercer as suas funcções. Ora são esses 3 quarteis adiantados, que dão origem á divida, em que os cavalheiros, cujos nomes se leu, se acham constituidos para com o thesouro; porque alguns delles foram removidos das côrtes, juncto á que estavam acreditadas, para outras; o que deu logar, que aos 3 quarteis, que já deviam, fosse indispensavel junctar outros; e desta maneira se augmentou a sua divida, a ponto que alguns desses cavalheiros nunca a poderão satisfazer, ainda que tivessem uma muito larga existencia e estivessem sempre em serviço activo. (Apoiados)

A minha opinião é, que em logar de se adiantarem aquelles 3 quarteis aos diplomaticos, se lhes deviam dar os mesmos quarteis, porque a deducção que se faz nos seus mesquinhos ordenados, por virtude daquelle adiantamento, torna estes ainda mais mesquinhos: (Apoiados) a minha economia, em relação ao corpo diplomatico, consiste precisamente no contrario, do que se tem feito, consiste em augmentar-lhe os ordenados e as graduações; (Apoiados) porque é preciso ou não o ter, ou então collocal-o em circumstancias de representar dignamente lá fóra o seu paiz.

Não posso deixar de juntar, com muita satisfação, o meu testimunho ao do illustre ministro do reino, a favor do corpo diplomatico portuguez, que, apesar de tão mal remunerado, sustenta dignamente a sua posição nos paizes estrangeiros, como eu tive occasião de presencear em Roma, em París, em Bruxellas, em Londres, e em Madrid. Todos elles procuram, por todos os meios, fazer-nos honra, e desempenhar dignamente os cargos que lhes são confiados.

(Apoiados)

Peço licença ao nobre deputado, que abriu esta discussão, para lhe dizer, que citou um facto, que não é exacto: fallo das accusações que se fizeram ao presidente do ministerio, de que fiz parte — Devo expor á camara este facto como se passou, e não como o descreveram os adversarios do sr. conde de Thomar.

O ministerio presidido pelo sr. conde de Thomar succedeu a uma administração, presidida por um cavalheiro, o actual sr. presidente do conselho, que era ministro em Vienna de Austria, e que, tendo vindo a Portugal em 1846, chamado para um cargo que não acceitou, entrou, por duas vezes, nos conselhos de Sua Magestade, considerando-se com tudo, sempre ministro em Vienna, e recebendo os ordenados, que lhe competiam nesta qualidade. Tractou-se deste assumpto nas duas casas do parlamento, nas sessões de 1848 e 1849, por occasião da discussão do orçamento, e as camaras consentiram que s. ex.ª figurasse no orçamento, não como presidente do conselho e ministro do reino em Portugal, mas sim como ministro portuguez em Vienna de Austria.

O sr. conde de Thomar, entrando no ministerio, achou-se n'uma situação perfeitamente identica; mas apesar disso, fizeram-se-lhe grandes accusações (O sr. Ministro do reino: — Não eu) porque recebia o seu ordenado de ministro em Madrid; tomando parte nestas accusações, e com bastante calor, alguns dos membros do parlamento, e que achavam regular, que o sr. duque de Saldanha recebesse o seu ordenado de ministro em Vienna.

Hoje, sr. presidente, custam a crêr taes contradicções; mas ellas existiram, e ficaram registadas nos documentos desse tempo, para perpetua vergonha daquelles, que as commetteram. (Apoiados da direita)

O sr. conde de Thomar pôz termo a estas accusações, deixando de receber o seu ordenado de ministro em Madrid, e só o de ministro de estado. Não posso dizer agora, porque não esperava que se locaria neste ponto, quando foi levada a effeito esta resolução do nobre conde, mas o sr. ministro dos negocios do reino o pode saber, porque pelo seu ministerio, é que era processada a respectiva folha. Entretanto no orçamento de 1850 a 1851, que tenho diante de mim, já o sr. conde de Thomar figurava, não como ministro em Madrid, mas sim como ministro do reino.

Sr. presidente, a justiça pede que declare, que nessas accusações, bem como em todas as accusações infundadas, que foram feitas ao ministerio de que eu fiz parte, não me lembra que tomasse parte nellas o actual o sr. ministro do reino. (O sr. Ministro do reino: — Apoiados) S. ex.ª não prestava apoio, é verdade, a essa administração, porém a opposição que lhe fazia, ora uma opposição commodida e illustrada; e em uma occasião importante. S. ex.ª me fez mesmo a honra e obsequio especial de acceitar a presidencia de uma commissão, que nomeei em janeiro de 1851, para estudar a questão do ouro; commissão era que é inutil declarar que s. ex.ª se houve com a superioridade que todos lhe reconhecem. (Apoiados)

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Agora em relação ás sommas dadas ao cavalheiro a quem o sr. deputado Cunha alludiu, direi que fui eu quem pediu na sessão de 1852, explicações ao sr. visconde de Almeida Garrett, então ministro dos negocios estrangeiros, a este respeito; e s. ex.ª confescando que haviam sido mandadas algumas sommas ao mesmo cavalheiro, além do seu Ordenado, accrescentou que essas sommas haviam sido encontradas no muito que se lhe devia, e que a Conta estava saldada pela cessão generosa, que foi feita por esta personagem do saldo que havia ainda contra o thesouro. S. ex.ª accrescentou ainda — «Virei pedir auctorisação ás côrtes para legalisar aquella despeza.» — (O sr. Corrêa Caldeira: — Apoiados, é verdade) — O sr. visconde de Almeida Garrett, não tendo podido cumprir aquella promessa pela sua saída do ministerio, Convém que essa mesma promessa seja cumprida pelo actual sr. ministro dos negocios estrangeiros; (Apoiados) e visto que s. ex.ª prometteu apresentar ámanhã a conta daquelle ajuste, essa conta, juntamente com o pedido da auctorisação para legalisar aquelle pagamento extraordinario, porá termo a esta questão (Apoiados).

O sr. ministro do reino, disse que o cavalheiro alludido pedira por muitos annos o ajuste de sua conta, e s. ex.ª appellou a este respeito para O testimunho de alguns membros da camara, que s. ex.ª intendia deviam ter conhecimento deste facto: parece-me que s. ex.ª se referiu a mim. Declaro que a unica idéa que tenho a este respeito, é que o Cavalheiro de quem se tracta, foi encarregado de uma commissão importante em 1836 para a qual se lhe deram as sommas que se julgaram Sufficientes; e depois de finda a mesma commissão, o referido cavalheiro pediu ainda o abono de uma somma, que declarou ter gasto, a qual comtudo não estava ainda abonada quando saí do ministerio em 1851, talvez por falta de esclarecimentos. Póde ser que minha memoria me engane a este respeito; mas a conta que o sr. ministro dos negocios estrangeiros promette de apresentar á camara, esclarecerá todas as duvidas, porque por ella se verá qual a origem da divida em que o thesouro está constituido para com este cavalheiro, quaes as sommas que elle recebeu da actual administração para amortisar a mesma divida, qual o saldo de que fez cessão ao thesouro.

Sr. presidente, ao estado a que chegou este negocio, é indispensavel que todos esses esclarecimentos venham a camara, para que não pezem suspeitas immerecidas sobre funccionarios de uma cathegoria elevada, e que teem direito ao seu bom nome (Apoiados).

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, direi poucas palavras, porque o meu amigo e collega o sr. Avila me preveniu no que tinha a dizer a camara; e usarei da palavra unicamente para observar que não se tracta da pessoa do sr. conde de Lavradio; tracta-se sim de um facto, e aproveito esta occasião para dar um testimunho publico da consideração e respeito que tenho por este distincto cavalheiro. Eu não pertenço á escóla daquelles, que graduam o merecimento e as virtudes de um individuo qualquer, segundo o partido politico a que pertence, S. ex.ª tem opiniões politicas diversas ás minhas, mas isto não obsta a que eu reconheça no nobre conde uma pessoa de muito saber, illustração, honra, probidade, patriotismo, muitissimo zelo pela serviço publico, e emfim todas aquellas qualidades que o tornam digno de respeito e consideração; e este meu sentimento a respeito de s. ex.ª é hereditario (Apoiados — Muito bem). Repito por tanto — não se tracta da pessoa do sr. conde de Lavradio, tracta-se sim de um facto practicado por um membro que pertenceu ao gabinete actual. Na sessão de 12 de julho de 1852, o sr. deputado Avila alludiu a uma noticia que corria no publico, de que o governo actual tinha auctorisado a legação de Londres a fazer despezas que não vinham auctorisadas no Orçamento; o sr. visconde de Almeida Garrett, então ministro dos negocios estrangeiros, respondendo á isto, confessou que o facto tinha existido, porque s. ex.ª disse nessa sessão o seguinte — «Durante a ausencia das camaras, e urgindo acudir a supervenientes despezas, que se necessitaram na legação de Londres, o governo intendeu estar no seu direito, mandando pôr á disposição daquelle habil e honrado ministro, uma pequena somma, que só lamentou ser tão diminuta e insufficiente para as necessidades que a demandavam. Todavia e apezar do direito do governo em auctorisar esta pequena despeza, hei de trazêl-a ás côrtes, e sujeitar ao seu juizo o juizo e acto do governo.»

Já vê pois portanto o nobre ministro dos negocios estrangeiros que o seu collega não só confessou à existencia do facto, mas prometteu apresentar á camara a conta desta despeza, e sollicitar do Corpo legislativo a approvação deste acto do governo. Por isso eu peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros o cumprimento da promessa ou obrigação que o governo então contrahiu de trazer perante a camara este negocio.

Estou certo que haverá modo de explicar convenientemente a desharmonia que se dá entre a declaração feita pelo sr. visconde de Almeida Garrett, a respeito do ajuste de contas, e a relação a que ha pouco se referiu o meu amigo o sr. Cunha. Por esta relação se vê que o sr. conde de Lavradio deve 2:520$ réis; mas as palavras do sr. visconde de Almeida Garrett são as seguintes: « Não menos austeridade tem provado o illustre caracter a quem sequer alludir, o digno representante de Sua Magestade em Inglaterra, de cuja austeridade não é licito duvidar um momento. Este alto e respeitavel funccionario é o unico d'entre todos os que servem e tem servido na nossa diplomacia, o unico, digo que saldara a sua conta com o estado, pagando os seus adiantamentos; e pagando-os generosamente, porque encontrou com o estado o muito que este lhe devia, pelo pouco que s. ex.ª tinha em aberto: tenho muita satisfação em ser eu quem ordenou, e decretou este ajuste de contas.»

Sr. presidente, destas palavras do sr. visconde de Almeida Garrett deduz-se que tem havido recentemente ajuste de contas, isto é, que os creditos e debitos do sr. conde de Lavradio foram resolvidos por meio de um ajuste de contas, pelo que não só pagou o que devia ao estado, mas até cedeu generosamente a favor do mesmo estado uma somma de que era credor.

Eu conheço o sr. conde de Lavradio, e por isso acredito, que ha de haver meio de explicar satisfactoria e honrosamente por ambos esta contradicção de informações, e por isso concordo nesta parte com as observações feitas pelo sr. Avila, e a explicação dada pelo meu amigo o sr. Cunha, e espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros mande á camara as informações que se lhe pediram, confiando que essas informações ou esclarecimentos, servirão para terminar

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este incidente de um modo agradavel para o sr. conde de Lavradio, e para o governo.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros (Visconde de Athoguia). — Sr. presidente, depois de ter fallado o sr. Cunha, prometti logo de mandar á camara, ou mesmo ser eu o portador, dos esclarecimentos relativos ao ponto do ajuste de contas do sr. conde de Lavradio; portanto póde ficar certo o illustre deputado que me precedeu, que estes esclarecimentos hão de vir á camara com a maior brevidade possivel. O ajuste de contas a que se referiu o sr. visconde de Almeida Garrett, é relativo a uma divida do sr. conde de Lavradio para com o estado em consequencia de uma missão altamente transcendente, de que foi encarregado; por causa desta commissão tinha uma conta em aberto com o estado; o estado tinha uma divida para com o sr. conde de Lavradio, e então ultimamente o sr. conde de Lavradio saldou as suas contas, e não ficou devendo nada. Portanto o sr. visconde de Almeida Garrett referindo-se a esta divida, não se referiu á de 2 contos e tantos mil réis, porque essa é proveniente dos 3 quarteis adiantados que o sr. conde de Lavradio, como todos os diplomatas, recebeu quando partiu para a legação; quantia, que tem um certo praso para ser paga, e pela qual se lhe não póde dar o nome de absoluto devedor (Apoiados). Mas, sr. presidente, depois do que disse o illustre deputado o sr. Avila, quasi que não precisava decerto dizer mais nada, porque estou de accordo com o que s. ex.ª disse relativamente á corporação diplomatica; s. ex.ª explicou, e explicou bem, que o desconto dos adiantamentos feitos ao corpo diplomatico é injusto, e que se não devem descontar dos seus vencimentos aquellas sommas (Apoiados).

Agora em quanto a essa lista longa de dividas que o sr. deputado Antonio da Cunha apresentou, direi que, se s. ex.ª examinar essa lista, ha de vêr que a maior parte desses adiantamentos não são do nosso tempo. Concluo, pois, acceitando a lembrança do sr. Avila, quando diz — que para sermos justos não deviamos descontar as sommas que se adiantam aos empregados no corpo diplomatico.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi approvado o capitulo 2.º

Entrou em discussão o

Capitulo 3.º

O sr. Cunha Sotto-Maior — Mando para a mesa a seguinte:

Proposta: — «Proponho a restituição da verba de 600$000 réis, respectiva ao ordenado de consul em Gibraltar — Cunha Sotto-Maior.»

Mando a proposta para a mesa, e para que a camara não fique por um momento sequer suspensa sobre os motivos que me decidiram a esta resolução, direi em poucas palavras quaes as razões que me levaram a este passo.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros, animado dos desejos de realisar algumas economias na sua repartição, acceitou o conselho ou proposta para a suppressão da verba do consul geral de Gibraltar. É uma economia negativa, que ha de dar tristissimos resultados.

A intenção do sr. ministro foi pura; mas a respeito da de quem tal aconselhou, seja quem fôr, não posso dizer outro tanto. Hei de dizer á camara o que penso e o que sei ácerca deste assumpto. O fim não é a suppressão da verba; a suppressão é um ridiculo expediente temporario de que se lançou mão para um certo plano; o fim aqui é a demissão do honrado homem que exerce em Gibraltar as funcções de consul geral.

Não sendo possivel demittil-o, porque é honrado, porque é intelligente, porque é activo (Apoiados) e havendo quem cobice aquelle logar, recorreu-se ao expediente da supressão do ordenado. O plano não foi mal traçado, mas eu deixo-o desmascarado, crú e nú na sua impudencia!

O calculo é o seguinte: supprimido o ordenado, é possivel, e facil, é natural, é quasi certo, que o consul actual dê a sua demissão; porque não podendo viver com os emolumentos, e costear ainda em cima as despezas do consulado, chancellaria e correio, preferira a demissão ao recurso pingue e fertil do contrabando, tão commodo o tanto á mão em Gibraltar

Dá pois, como se crê, a sua demissão: fica a prover o consulado; e o provido justamente em quem por portas travessas, entrando por aqui, sahindo por alli, anda em busca do consulado de Gibraltar; mas não de certo para fiscalisar os interesses da nação.

Se a camara não acceitar a minha proposta, demitte um funccionario cheio de probidade, para o substituir por algum contrabandista.

Mas a commissão propoz a suppressão do ordenado. Pensou que fazia bem: seja assim. Mas agora, pergunto, que dados teve a commissão ou o governo para propôr o que propoz? O relatorio da commissão do anno passado, propondo a suppressão, disse: — «a situação deste funccionario ficará ainda assaz vantajosa, porque os emolumentos que percebe, são avultados?)

Se o governo propõe a suppressão da verba, por que os emolumentos são grandes, então peço que o governo mande a esta camara a tabella dos emolumentos para se vêr quanto rende o consulado de Gibraltar; mas talvez que não haja uma tabella dos emolumentos que rende este consulado....

O sr. Ministro dos negocios estrangeiros — Não ha.

O Orador. — Pois se não ha esta tabela do emolumentos, senão se sabe quanto rende o consulado de Gibraltar, então qual foi a razão que o governo teve para propôr a suppressão desta verba no orçamento? Diz-se: que foi em harmonia com o parecer da commissão de fazenda do anno passado; mas essa commissão tambem propunha a reducção no ordenado do consul de Alexandria de 1:600$000 réis a 600$000 réis. E agora pergunto, porque é que o sr. ministro não propõe tambem esta reducção, e só vem propôr a suppressão da verba respectiva ao consul em Gibraltar, quando as razões que se deram a respeito de uma, foram as que se deram a respeito da outra!... (O sr. ministro dos negocios estrangeiros — Peço a palavra)

Por consequencia mando a minha proposta para a mesa; se a camara a approvar conserva um bom empregado, se a rejeitar ha de ser substituido o honrado empregado por um contrabandista, e para o anno que vem, o ordenado ha de entrar outra vez para o orçamento, ha de vir outra commissão do fazenda que diga que o ordenado foi mal retirado, e que deve ser restituido. (O sr. Corrêa Caldeira: — Muito bem)

O sr. Presidente: — Em conformidade de uma resolução da camara, para que todas as propostas para augmento ou diminuição de despeza, vão á commissão de fazenda, vai esta á commissão, não havendo

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agora mais discussão alguma sobre ella, como a não tem havido sobre outras de igual natureza. A discussão a este respeito fica para quando a commissão dér o seu parecer.

O sr. Ministro dos negocios estrangeiras (Visconde de Athoguia): — Eu digo ao nobre deputado que faço justiça como elle ao bom serviço daquelle empregado; estou persuadido que é muito bom, mas tambem declaro altamente perante esta camara que ignoro completamente, e tenho estado a dar trados á imaginação para saber quem póde ser o outro individuo a quem o nobre deputado se refere.

Agora declaro solemnemente da minha parte, e por parte do governo, que não tive em vista nem podia ter a suppressão daquelles 600$000 réis para dahi se seguir a demissão daquelle empregado, e menos para metter para alli individuo nenhum menos digno, e se o governo suspeitasse que para alli ou para qualquer outro ponto ía um individuo com esse desejo, de certo o não consentiria. Parece-me que tenho dado provas ao meu paiz de ser sufficientemente forte para não consentir isto, sejam quaes forem as circumstancias. (Apoiados)

O sr. Avila: — Vou fallar sobre a ordem, e direi que a minha questão de ordem consiste em que volte este capitulo a commissão, para o pôr em harmonia com os principios que teem dirigido a camara, e que dirigiram a commissão nestes trabalhos. Eu me explico.

Não ha só a suppressão do ordenado do consul de Gibraltar neste orçamento, ha tambem, como se prova no orçamento apresentado pelo governo para o anno de 1853-1854, a suppressão do vice-consul em Pariz, e ha outra suppressão do vice-consul de Stokolmo. A minha intenção não é dizer agora á camara o que eu intendo destas eliminações, porque me parece que a questão que eu apresento, é uma questão preliminar, e que devo entrar na apreciação destas medidas quando ellas puderem ser discutidas na camara por um modo regular; mas a camara tem estabelecido e a illustre commissão que no orçamento se não póde por uma nota supprimir um ordenado ou um emprego; todavia é isso precisamente o que se faz nesta parte do orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros. O sr. ministro por uma nota supprime o ordenado (o que chama ordenado) do consul de Gibraltar, por outra o do vice-consul de Pariz, e por outra o de Stokolmo. Eu intendo que estas suppressões não se podem fazer senão por um projecto de lei; e se se póde, devia-se ter applicado o mesmo principio para outros casos. Pois a camara que votou hoje o augmento do ordenado do continuo graduado em porteiro da secretaria de marinha por um projecto de lei eliminando um continuo, ha-de fazer outras eliminações sem ser por projecto de lei? Desde o momento em que fosse passar na camara a suppressão de ordenados por uma nota no orçamento, qualquer de nós tem direito de propôr ordenados por outra nota no orçamento; e suponhamos que esta suppressão fosse feita unicamente no orçamento, o governo para o anno seguinte podia muito bem não se importar com a suppressão, e trazer a mesma verba descripta no orçamento.

Convidaria pois a commissão de fazenda para ter a docilidade de convir em que se vote este capitulo sem prejuiso destas tres alterações, as quaes intendo que devem ser consignadas n'um projecto de lei, para poderem passar como medidas permanentes, e então quando elles vierem á discussão, discutiremos, se é conveniente a suppressão do vencimento do consul de Gibraltar, quero dizer do homem a respeito do qual tenho as mesmas opiniões do sr. Cunha Sotto-Maior, e 2 vice-consules.

A respeito das suppressões não enunciarei a minha opinião agora; não proponho agora nada senão a regularidade dos trabalhos, quero dizer, que se vote este capitulo salvo o que diz respeito aos tres ordenados, que intendo que só podem ser supprimidos por projectos de lei.

O sr. Santos Monteiro: — Creio que nesta questão da parte do meu amigo o sr. Avila, ha uma confusão; não conheço lei que tenha estabelecido vencimentos aos consules senão o orçamento; não conheço outra.

Eu intendo que realmente se fossem empregos creados por lei com um certo e determinado ordenado, e que se supprimissem esses empregos, tinha razão o illustre deputado; mas neste caso parece-me que carece de razão, e a commissão não fez mais senão observar que são ou gratificações ou judas de custo (O sr. Avila: — Chama-lhe ordenados) mas que são unicamente creados pelo orçamento.

Parece-me por conseguinte desnecessario um projecto de lei para revogar uma lei que não existe, e nesta caso as suppressões já foram feitas no orçamento passado, que vigorou como lei, á excepção da do consul de Gibraltar, que apparece este anno.

S. ex.ª diz que a este respeito não se póde agora dizer nada, porque isto é questão que vai á commissão; mas eu uma vez que tenho a palavra, não posso deixar de dizer a respeito do individuo que tem sido consul em Gibraltar, que já tenho estado em posição de saber avaliar o bom serviço que elle presta ao seu paiz, e que é da maior conveniencia possivel que naquella localidade esteja um homem de probidade a toda a prova, como elle effectivamente tem; mas ainda que não posso entrar na questão do vencimento, porque não tenho os dados necessarios para hoje saber a quanto montam os emolumentos do consulado, affigura-se-me comtudo que se lhe tirarem o ordenado, hade ficar muito mal.

Não tenho idéa nenhuma dessa allusão que fez o sr. Cunha, a respeito de haver quem queira ir servir o logar de graça; mas não duvido que haja, e já esta manhã eu disse por occasião de outra discussão, que ha logares para os quaes não faltam individuos que os queiram ir servir de graça, e sei então de facto que já lá houve em Gibraltar quem fosse altamente prejudicial á fazenda publica; e eu que servi debaixo das ordens do sr. conselheiro Avila na alfandega, tive occasião de conhecer a actividade e probidade deste consul; s. Ex.ª sabe um facto que teve logar, em que elle mostrou um zelo a toda a prova, fazendo até despezas para as quaes não estava habilitado, e em beneficio do serviço publico. Nesta questão não sou suspeito, porque dou um testimunho a respeito de um homem que não conheço.

Quando entrar em discussão o capitulo 3.º ainda terei de fazer algumas observações a respeito de outra especie em que aqui se tocou, mas não é agora o logar proprio.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros: — Mando para a mesa todos os papeis e correspondencia que houve entre o governo portuguez e o governo brazileiro, relativa a restabelecer as relações amigaveis com

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a legação brazileira nesta côrte, satisfazendo assim ao pedido do sr. Silvestre Ribeiro.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Pedi a palavra para ler e mandar para a mesa a seguinte

PROPOSTA de lei (n.º 82 F): — Senhores: Alguns cavalheiros respeitaveis das provincias do norte do reino, apresentaram no governo uma proposta, segundo a qual se compromettiam a formar uma companhia, que se encarregasse da construcção das estradas nas provincias do Minho e Traz-os-Montes, que na mesma proposta indicavam.

A importancia do assumpto, e o vehemente desejo, que o governo tem de contribuir por todos os modos ao seu alcance, para desinvolver e melhorar a viação no paiz, o levaram a acceitar com prazer uma tal proposta, que era uma prova do patriotismo dos cavalheiros, que a assignaram, e um bom precedente para seguir nas outras provincias do reino, que todas teem igual necessidade, e merecem da mesma sorte a solicitude do governo.

Sobre este objecto foi ouvido o conselho de obras publicas e minas, que formulou algumas alterações na primitiva proposta; porém, tendo os signatarios della concordado nessas mesmas alterações, vem o governo submetter hoje este assumpto á consideração das côrtes; e omittindo, porque são obvias, as muitas ponderações que podia fazer, e que a vossa illustração dispensa, para justificar os meios que indica, tem a honra de apresentar a seguinte proposta de lei.

Artigo 1.º É auctorisado o governo para contractar com uma companhia a construcção das estradas ao norte do Douro; e com ella poderá encorporar-se a companhia de Viação Portuense por accôrdo entre ambas, sujeito á approvação do governo.

Art. 2.º A nova companhia encarregar-se-ha desde já da construcção das estradas das provincias do Minho e Trás-os-Montes constantes do mappa junto, e segundo as condições declaradas nos artigos seguintes.

Art. 3.º A companhia constituirá, para o fim proposto, um fundo de 1:000 contos de réis, divididos em 100 mil acções de 10$000 réis cada uma.

Art. 4.º O governo será accionista desta companhia por um 5.º das acções. Facultar-se-ha tambem ás camaras municipaes das provincias de Trás-os-Montes e do Minho tomarem as acções que lhes approuver, e a companhia lhes podér ceder; precedendo a competente auctorisação do governo.

Art. 5.º A gerencia de todos, os negocios da companhia, ou seja relativa á sua administração economica, ou á execução das obras, pertence a uma direcção, que nunca poderá ter mais de 5 membros, dos quaes 1 será nomeado, pelo governo, e os outros eleitos pelos accionistas; podendo as camaras municipaes, que possuirem acções da companhia, fazer-se representar por procurador naquella eleição. Os estatutos da companhia designarão as condições da eleição, a duração da direcção, e seus vencimentos, e todas as mais providencias regulamentares, em conformidade com as presentes bazes.

Art. 6.º Os estatutos e organisação economica da companhia serão sujeitos á approvação do governo, o qual exercerá igualmente sobre a construcção das obras e sua exploração a devida fiscalisação. Ao governo, sob proposta da companhia, pertence tambem a nomeação dos engenheiros, que teem de dirigir as obras, os quaes, em quanto assim empregados, serão

julgados em commissão, e exclusivamente ao serviço da companhia, e só della dependentes nesta parte, e por ella gratificados.

Todos os mais empregados serão da nomeação da companhia, que, poderá sollicitar do governo os engenheiros subalternos e os conductores de trabalhos de que precisar.

Art. 7.º A entrada do fundo social será feita pelos accionistas, por meio de prestações pedidas pela direcção com a devida antecipação, pela fórma e com as obrigações que forem marcadas nos estatutos; não podendo nunca a somma total daquellas prestações exceder em cada um anno a 20 por cento do valor nominal das acções. O governo porém obriga-se a entregar á companhia a somma annual de 40 contos, pagos pelos cofres dos districtos do Porto, Braga e Vianna do Castello, e garantidos pelo producto da contribuição especial para as estradas.

No caso em que os 40 contos excedam ás suas respectivas entradas ou prestações, ser-lhe-ha então creditado esse excesso na conta de juros vencidos para com a companhia.

Art. 8.º Os projectos completos das estradas serão feitos pelos engenheiros nomeados pelo governo, sob proposta da companhia, conforme o disposto no artigo 6.º sendo sujeitos a approvação do governo, que poderá fazer nelles as alterações que julgar conveniente.

Depois de approvados os projectos completos, que incluem os orçamentos, a construcção das obras será posta em praça por lanços maiores, ou menores, segundo se julgar mais conveniente, por accôrdo entre o governo e a companhia: — mas nem a companhia, nem nenhum dos seus engenheiros poderá tomar empreitada,

Apparecendo arrematantes, elles executarão as obras debaixo da direcção da companhia, a qual lhes pagará as despezas pelo modo estipulado no contracto de arrematação.

Não apparecendo arrematantes, então as obras serão executadas pela companhia, sob a fiscalisação do governo, como fica expresso.

Todas e quaesquer despezas de construcção, e conservação, bem como as de administração das estradas contractadas, serão pagas pela companhia, que será por ellas creditada para com o governo.

Art. 9.º As obras serão levadas com a maior actividade e extensão possivel, de fórma, que os Trabalhos marchem sempre conjunctamente em duas ou mais estradas, e que todas ellas se achem concluidas o mais tardar dentro do prazo de 6 annos. A ordem em que deverão, ser feitas as estradas, será determinada pelo governo, de accôrdo com a companhia.

Art. 10.º O governo garante á companhia o juro annual de 6 por cento, livres de qualquer deducção, sobre todos os capitaes empregados, deduzida a parte amortisada, e bem assim a amortisação destes, tudo pela fórma seguinte:

§ 1.º O producto liquido do rendimento do exclusivo das diligencias, e transportes accelerados ou rolagem, e dos direitos de barreiras e portagens, marcados na lei, terão applicação para o pagamento dos juros, bem como a parte da prestação annual dos 40 contos de réis, na conformidade do artigo 7.º desta proposta.

§ 2.º No caso de que a somma dos rendimentos assim provenientes destas origens exceda a verba, ou

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Importancia dos juros devidos, o excedente será então applicado para amortisação do capital empregado.

§ 3.º Para o mesmo fim da amortisação do capital e pagamento de juros, será tambem applicada a prestação annual dos 40 contos, até total amortisação, deduzidas as despezas da conservação e administração das estradas, logo que estas se achem concluidas, ou que o governo não tenha já afazer mais entrada de prestação alguma para o fundo social.

§ 4.º Quando a quota da amortisação annual dos capitaes empregados, executada por esta fórma, fôr superior a 4 por cento, a taxa dos juros dos, mesmos capitaes, será então reduzida a 5 por cento.

§ 5.º Os juros vencidos, durante a construcção das obras, serão capitalisados, e encorporados ao capital da construcção, salva a parte que puder ser paga por qualquer producto liquido das estradas concluidas: esta regra é geral para todos os accionistas, incluindo o governo nessa qualidade.

Tanto a amortisação, como o pagamento effectivo do dividendo, só começarão depois de concluidas todas as obras contractadas, salva a excepção consignada no paragrafo precedente.

O governo poderá destinar o que lhe competir como accionista, para augmentar a amortisação do capital da companhia.

Art. 11.º A companhia, depois de embolsada do seu capital e juros respectivos, garantidos pelo artigo 10.º, fruirá, como suas, as estradas, durante 2 annos, findos os quaes as entregará ao governo, em perfeito estado de conservação, acabando tambem então o exclusivo das diligencias e transportes accelerados.

Art. 12.º Quando as obras não forem construidas dentro do prazo estipulado no artigo 9.º, por culpa da companhia, o governo poderá fazer rescindir o contracto, salvos os casos provados de força maior.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 13 de julho de 1853. = Antonio Alaria de Fontes Pereira de Mello.

Mappa, designando as estradas das provincias do Minho e Trás-os-Montes, que primeiro se devem construir.

[Ver Diario Original]

Peço a urgencia, e que v. ex.ª a mande imprimir no Diario do Governo.

Foi declarada urgente e enviada, á commissão das obras publicas, devendo tambem ser publicada no Diario do Governo.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é, na primeira parte, se houver tempo, o projecto nº 68; e depois a continuação da discussão do orçamento. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.

O REDACTOR

José de castro Freire de Macedo.

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