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kilometros, em 543:000$000 réis; porém, não se notou, que nessa secção ha despezas que pertencem a toda a linha, como é a estação em Lisboa, orçada em 120:00075000 réis, e ha depezas que se não encontram nas outras secções, como a de um muro de cáes ao longo do Téjo, orçado em 98:000$000 réis, e a ponte de Sacavem, orçada em 35.000$000 réis.

Um outro argumento meu a que se não respondeu, foi a alteração feita no programma, para que desde logo. se estabelecessem duas vias, quando no programma se prescrevia unicamente uma só, mas com aterros, desaterros, obras de arte, e expropriações para duas vias.

Esta differença imporia na somma desde já um augmento de despeza por kilometro de 5:600,$000 réis, que nos 260 kilometros de Lisboa á fronteira fazem um augmento de despeza de 1.456:000$000 réis.

Hoje, sr. presidente, os caminhos de ferro que se construem em toda a parte, são de uma só via, e em toda a parte se procura fazer caminhos de ferro baratos.

Não posso resistir ao desejo de ler á camara um trecho do relatorio do decreto, que auctorisa a construcção do caminho de ferro de Bordeos a Leão.

Diz esse relatorio — “ O estado reserva-se a faculdade de executar os trabalhos, segundo o systema ti que julgar mais economico, e não só aproveitara a as vantagens que a experiencia tem feito adoptar, mas empregará os meios que de futuro se conheçam melhores para a construcção de caminhos de ferro baratos: adoptando-se os terraplenos e obras de arte para uma só via, e fazendo nos declives e curvas as concessões, que os homens competentes a reconhecem já como perfeitamente admissiveis, as «despezas poderão reduzir-se provavelmente de 16 a 20:000$000 réis por kilometro.?)

Em Inglaterra, onde se começou por fazer caminhos de ferro despendiosissimos, tracta-se hoje tambem de os construir o mais barato possivel, todas as vezes que as circumstancias o permittam.

Nos fins de 1852, organisou-se uma companhia para a construção de 14 kilometros e meio de caminho de ferro entre Creef, condado de Perth, e Loaning head, estação da linha central da Escocia e este caminho está avaliado em 207:000$000 réis, o que dá por kilometro 14:000$000 réis!

Em quanto poisem toda a parte se tracta de construir caminhos de ferro baratos, nós procuramos construi-los caros, recuando até 1834, e indo procurar exemplos á Belgica, que já hoje não são imitados em parte alguma!

(Vozes: — Deu a hora).

O Orador: — Como acaba de dar a hora, não quero abusar por mais tempo da paciencia da camara, e peço licença para continuar ámanhã, e procurarei ser breve, no que resta por dizer.

O sr. Presidente: — Fica-lhe reservada a palavra. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje hoje. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

N.º 21. SESSÃO DE 23 DE JULHO. -1855.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 56 srs. deputados. Abertura: — As onze horas e meia. Acta — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1. Do sr. vice-secretario Costa e Silva, de que é sr. S. J. da Luz não comparece á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

2. Do sr. Silva Pereira, de que o sr. Torquato Maximo não póde comparecer á sessão de hoje por justos motivos. — Inteirada.

3. Do sr. Lages, de que o sr. Macedo Pinto não póde comparecer á sessão de hoje por motivos justificados. — Inteirada.

4. Do sr. Carneiro, de que o sr. Adrião Accacio não póde comparecer á sessão de hoje por justos motivos. — Inteirada.

5. Do sr. Pereira Menezes, de que o sr. Cardozo Castello Branco não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

Officio: — Da camara dos dignos pares, participando terem sido alli approvadas as seguintes proposições de lei, que por esta lhe foram enviadas: para ficar pertencendo á camara municipal de Villa nova de Gaia a quantia de 1:600$000 réis do producto do direito de consumo dos vinhos maduro e verde, cobrado nas barreiras da mesma villa; 2.ª, auctorisando o governo para proceder á reforma da divisão judicial das comarcas e julgados, assim no continente do reino, como nas ilhas adjacentes; 3.ª sobre serem impressas annualmente, depois de approvadas, as contas das commissões e juntas administrativas das duas camaras legislativas; as quaes, todas, depois de reduzidas a decretos, vão ser levadas á sancção regia. — Inteirada.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte: Officios: — 1.º Do ministerio do reino, acompanhando 130 exemplares das contas do ministerio dos negocios do reino, relativas á gerencia do anno economico de 1850 a 1851, e ao exercicio do anno economico de 1849 a 1850, que foram apresentadas na camara em 11 de abril ultimo. — Mandaram-se distribuir.

2.º Do mesmo ministerio, acompanhando o caderno dos cidadãos habilitados para poderem ser eleitos deputados as córtes no conselho da villa da Calheta, de S. Jorge, do districto de Angra do Heroismo; ficando com esta remessa concluida toda a que respeitava ao mesmo districto. — Para a secretaria.

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3.º Do ministerio da fazenda, devolvendo, com a» informações que lhe foram pedidas, o requerimento da camara municipal e habitantes da cidade de Aveiro, pedindo se lhes conceda, para estabelecimento de um theatro, a casa que fôra adjudicada á fazenda por execução promovida contra Manoel Ribeiro Dias Guimarães. — Á commissão de fazenda.

4.º Do ministerio das obras publicas, acompanhando os papeis e desenhos, relativos ao melhora mento da barra de Villa-Nova de Milfontes, e que foram pedidos por esta camara. — Á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Não se achando ainda presente nenhum dos membros do governo, e não podendo por isso passar-se á ordem do dia, vão ler-se alguns pareceres de commissões, que estão sobre a mesa.

São os seguintes:

Pareceu. (n.º 96 F): — Foram presentes á com missão de obras publicas as representações das camaras municipaes da cidade de Silves, da villa de Mon chique e villa nova de Portimão em que pedem que a camara dos srs. deputados providencie com meios a fim de evitar a ruina completa da ponte de Odelonça que se acha já muito arruinada e sem a qual é impossivel a communicação entre os povos daquelle concelho.

A commissão tendo conhecimento de que aquella ponte é uma obra grandiosa que por essa circumstancia só devia ser considerada para não perder-se.

Sabendo que com esta ponte ficam cortadas as communicações não só dos povos daquelle concelho como de todos os da provincia do Algarve, que por ella fazem um consideravel movimento em procura das madeiras e de differentes generos de Monchique, e mesmo para gozarem dos banhos das caldas da mesma villa é de parecer que sejam estas representações remetti das ao governo para as tomar na devida consideração.

Sala da commissão, 16 de julho de 1853. — Antonio Cezar de Vasconcellos — José Maria do Cazal Ribeiro — Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá — Antonio Ladisláo da Costa Camarate — Herminigildo Gomes da Palma — Placido Antonio da Cunha Abreu — José Estevão Coelho de Magalhães

Foi logo approvado.

Pareceu (n.º 96 G): — A vossa commissão de obras publicas foi presente o requerimento de José Maria de Albuquerque Leitão, que sollicita se façam as obras precisas nas estradas para Torres Vedras e nas do sui do Tejo para Setubal, e ponte sobre o rio Judeo.

A commissão julga que o dicto requerimento não póde ser attendido.

Salada commissão, 16 de julho de 1853. — Antonio Cezar de Vasconcellos — Placido Antonio da Cunha Abreu — José Maria do Cazal Ribeiro — Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá — Antonio Ladisláo da Costa Camarate — Herminigildo Gomes da Palma — José Estevão Coelho de Magalhães.

O sr. Vellez Caldeira: — A commissão não diz no seu parecer qual é a razão porque este requerimento não é attendido; por isso desejava que algum dos seus membros desse algumas explicações.

O sr. Placido de Abreu: — O requerimento que dirigiu á camara o individuo a que se refere o parecer, o sr Leitão, pede a construcção de estradas, tanto ao norte como ao sui do Téjo: a commissão tem attendido, quanto é possivel, pelas propostas que trouxe á camara, a todos os objectos que dizem respeito a estradas; assim estava resolvido o requerimento daquelle individuo, apresentado, na minha opinião, menos convenientemente. A commissão intendeu que não devia entrar em outras explicações, e só pela consideração e respeito que tem ao direito de petição, é que deu um parecer.

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, por ser o requerimento feito unicamente em nome de um individuo, não é isso razão para se lhe não fazer a justiça devida. Folgo que a commissão considerasse devidamente o direito de petição; entretanto parece-me que o parecer deve concluir de outra maneira, dizendo-se — que seja remettido ao governo para o attender como merecer.

O sr. Placido de Abreu: — A commissão não podia concluir o seu parecer da maneira que indica o sr. deputado; porque, parte do que se pertende no requerimento, já está prejudicado, por isso que a este respeito já houve resoluções da camara. (Apoiados) Portanto intendo que o parecer deve ser approvado como está.

E pondo-se logo á votação o Parecer — foi approvado.

Pareceis (n.º 96 H): — A commissão das obras publicas foi presente a representação da camara da cidade de Pinhel, datada de 14 de abril ultimo, que sollicita se mande construir uma estrada desde Barca de Alva, passando por Pinhel e Celorico até Foz Dão; e um ramal que una Pinhel á Meda, e uma ponte sobre Maçoeiu.e.

A commissão intende que a dita representação se acha em parte attendida pela recommendação que se fez relativamente á estrada da Foz-Dão, e que a confecção do ramal de Pinhel á Meda sendo uma communicação conselheira não póde ser attendida pela camara dos srs. deputado, bem como o não póde ser, especialmente por agora a construcção da ponte a que se refere a dita representação.

Sala da commissão, 16 de julho de 1853. = Antonio Cezar de Vasconcellos = José Maria do Cazal Ribeiro — Placido Antonio da Cunha Abreu =. Herminigildo Gomes da Palma =. Antonio Ladisláo da Costa Camarate = Alexandre José Botelho de Vasconcellos e Sá =. José Estevão Coelho de Magalhães. Foi logo approvado.

Parecer (n.º 96 7): — A commissão das obras publicas foi presente o projecto de lei apresentado a camara, em sessão de 13 de maio ultimo, pelo sr. deputado Francisco Maria da Guerra Bordallo, e outros; e posto que intenda, que todas as estradas pio-postas pelo dito sr. deputado, algumas das quaes fazem parte da lei de 22 de julho de 1850, são de grande importancia, por facilitarem as communicações da Beira Alta, e porem esta em relação com a Beira Baixa, atravessando a serra da Estrella; é a mesma commissão de parecer que o dito projecto acha-se em parte attendido pela recommendação que já em outro parecer se fez relativamente á estrada da Foz-Dão, e pela verba que se votou para a que vem da cidade da Gualda para Vizeu; sendo de esperar, que no proximo futuro anno outras providencias se poderão tomar, para mais amplamente se attender ao objecto em questão.

Sala da commissão, 16 de julho de 1853 = Antonio Cezar de Vasconcellos = -. José Maria do Cazal Ribeiro =. Placido Antonio da Cunha Abreu = Antonio Ladisláo da Costa Camarate = Herminigildo Gomes da Palma =. Alexandre José Botelho de Vas-

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concellos e Sa, (vencido) = José Estevão Coelho de Magalhães.

Em logo approvado

Parecer (n.º 96 K): — A commissão de fazenda foi mandado o incluso requerimento de D. Maria Telles, e de D. Ignacia Isabel Graham, religiosas egressas do extincto mosteiro de S. João da cidade da Horta, na ilha do Fayal, para sobre elle dar parecer.

Expoem as supplicantes, que sendo possuidoras de varios titulos de divida no valor de 450$000 réis, dos que foram mandados capitalisar pela carta de lei de 28 de fevereiro de 1851, não puderam aproveitar-se das disposições della, em razão de só lerem noticia da sua exigencia, quando linha passado o prazo de 1 anno marcado para a capitalisação — Pedem que seja prorogado em seu favor.

Com quanto o estado e sexo das supplicantes as torne dignas de toda a contemplação, é possivel que nas mesmas ou identicas circumstancias se achem outros credores, e qualquer excepcional que se tomasse seria menos bem acceita, determinando as pessoas certas a quem aproveitava. Nestas circumstancias parece á commissão que o requerimento deve ser remettido no governo, para o ter na consideração que merecer em qualquer proposta geral, que intender de equidade trazer ás côrtes sobre o objecto.

Casa da commissão, 18 de Julho de 1853 = João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino = Francisco Joaquim Maia =. Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos.

Foi logo approvado.

Parecer (n.º 96 L): — No incluso requerimento, que foi mandado á commissão de fazenda, expõe Filippe Caetano da Costa Caramujo, da ilha da Madeira, ser ha 25 annos credor ao estado de uma somma que não menciona, e cujo pagamento requer em vão ha 19 annos, lendo até tido a seu favor sentenças na 1 e 2.ª instancia do poder judicial.

Não juntando nenhum documento, mas asseverando ler-se-lhe dito ultimamente, que era necessaria lei geral ou especial para se lhe pagar, intende que a lei será a do orçamento, e conclue pedindo que a camara resolva a questão por uma vez.

Sem que o requerimento seja instruido de outra sorte não póde a commissão interpor nenhum parecer.

Casa da commissão, 18 de julho de 1853 = João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino = Francisco Joaquim Maia = Justino Antonio de Freitas =. Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos Monteiro.

Foi logo approvado.

Pareceu (n.º 96 717): — A commissão de fazenda examinou o requerimento incluso de Manoel Gaudencio de Azevedo, documentos com que vem instruido, e resposta do governo pelo ministerio da guerra, acompanhando outra do conselheiro procurador geral da fazenda, datada de 10 de maio de 1850. De tudo consta

Que ao conselheiro Candido José Xavier, se ficaram devendo de forragens e etapes dos mezes de janeiro e setembro de 1833, a quantia de 216$000 réis

Que segundo a legislação que rege para o caso, a dicta quantia deve ser satisfeita nas seguintes especies — 50400 réis em papel moeda — 142520 réis em melai — e 23$ 180 réis em titulos.

Que sendo o supplicante graduado em primeiro logar credor á herança do dicto conselheiro, se expediu pelo poder judicial precatoria a fim delle receber a dicta quantia. Finalmente

Que reconhecido o direito que lhe assiste, o governo não lhe mandou verificar o pagamento por lhe fallar credito especial para esse. Pede que o corpo legislativo decrete o mesmo credito.

A commissão parece que a proposta deve partir do governo, sendo de opinião que se lhe envie o requerimento, por isso que junto a elle estão os documentos em que o supplicante funda o seu direito.

Casa da commissão em 18 de julho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente — Justino Antonio de Freitas — Augusto Xavier Palmeirim. — Antonio dos Santos Monteiro — Francisco Joaquim Maia.

Foi logo approvado.

Parecer (n.º 96 N): — Foi presente á commissão de fazenda o requerimento de D. Ermelinda Candida Xavier de Oliveira Porto, pedindo que seja elevada a 300$000 réis a sua actual pensão de 270$000 réis paga pelo cofre do correio geral, assim pelos relevantes serviços, e sentimentos liberaes de seu fallecido marido José Maria de Oliveira, empregado aposentado da repartição do correio geral, como pela disposição do regulamento de 13 de agosto de 1821, cujo artigo 18 intende a supplicante lhe deveria ter concedido a pensão de 1:000$000 de réis, quando apenas sollicita meiado do vencimento de 600000 réis que percebia seu marido.

A commissão tendo obtido informações do governo em officio do sr. ministro das obras publicas de 31 de maio findo, achou que o artigo 18 daquelle regulamento estabeleceu que as viuvas dos empregados na repartição do correio geral que tenham servido com assiduidade, e exemplar conducta por mais de 10 annos, se dê uma pensão correspondente a metade do ordenado de seus maridos; mas que havendo o marido da supplicante ficado por varias vezes alcançado para com a fazenda publica, não póde aquelle beneficio aproveitar á supplicante.

A commissão intende que, ou a pertenção de que se tracta seja considerada como pensão a decretar, ou de applicação ordinaria da lei, não pertence á camara.

Sala da commissão, 28 de junho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente — Francisco Joaquim Maia — Justino Antonio de Freitas — Augusto Xavier Palmeirim — Antonio dos Santos Monteiro.

Foi logo approvado.

Parecer (n.º 96 O): — A commissão de fazenda foi mandado o incluso requerimento da viscondessa de Jeromenha, no qual pertende que se decreto o pagamento em dinheiro de uma pensão imposta no antigo officio de thesoureiro da alfandega do Porto, desde o anno de 1832 em que deixou de a receber até junho de 1850, época na qual se lhe passou titulo de renda vitalicia.

Para interpor parecer com perfeito conhecimento pediu esclarecimentos ao governo, o qual enviou á camara, em officio de 10 de junho, todo o processo havido a similhante respeito. Delle se evidenceia que tendo a supplicante direito á pensão em que estava encartada, depois da reforma da alfandega do Porto, devia receber pelo modo prescripto no decreto de VOL. VII — JULHO — 1853.

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de julho de 1834, capitulo 2.º artigo 16.º, porem Como se achasse fóra do paiz, ao qual regressou muitos annos depois, só então se habilitou, e só depois da habilitação é que principiou a vencer e a receber, e segundo se deprehende do mesmo processo foi paga integralmente desde que se lhe expediu o titulo.

Requerendo ao governo o pagamento dos annos atrasados, todas as informações e respostas fiscaes lhe foram contrarias, como tem acontecido a todos em identicas circumstancias, porque todos, e são muitos, tem sido remettidos para medidas geraes. Km taes circumstancias parece á commissão que a supplicante não póde ser attendida singularmente, e que O processo deve voltar para o governo, como se pede no officio de remessa.

Sala da commissão, 19 de julho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino — Francisco Joaquim Maia — José Alaria do Cazal Ribeiro — Justino Antonio de Freitas — Antonio dos Santos Monteiro — Augusto Xavier Palmeirim.

Foi logo approvado.

Pareceu (n.º 96 P): — A commissão de fazenda foram mandados os 3 inclusos requerimentos feitos em diversas épocas pelos correios das secretarias de estado, dos tribunaes, e do governo civil, pedindo todos que se lhe augmentem os vencimentos. Parece á commissão que as circumstancias do thesouro obstam a que se defira aos supplicantes, por isso intende que a pertenção não tem logar.

Casa da commissão, em 19 de julho de 1853. — João Damazio Roussado Gorjão, presidente interino Francisco Joaquim Maia — José Alaria, do Cazal Ribeiro — Justino Antonio de Freitas — Antonio dos Santos Monteiro — Augusto Xavier Palmeirim. Foi logo approvado.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Não ha mais pareceres sobre a mesa que submetter á resolução da camara, além de alguns que estão adiados para serem discutidos na presença do governo; e no caso que haja hoje sessão nocturna, e que os srs. ministros estejam presentes, já pedi ao sr. presidente que désse para discussão estes pareceres, a fim de se desembaraçarem da mesa.

O sr. Presidente — Se á noute estiverem presentes os srs. ministros, e houver tempo, discutir-se-hão estes pareceres.

O sr. Maia (Francisco): — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, concluindo por um projecto de lei, que concede á camara municipal de Villa-Nova de Portimão o uso da parte do extincto collegio de S. Camillo de Lelis, que fôr necessario para se estabelecerem os paços do concelho, e as outras repartições municipaes.

Mandou-se imprimir.

O sr. Santos Monteiro: — Está impresso ha muitos dias um projecto da commissão das pautas, n.º 93, que é muito simples, e de absoluta necessidade; tem por fim isentar de direitos a importação do dinheiro Peço a v. ex. que consulte a camara sobre se quer que se discuta agora este projecto, por isso que elle já foi declarado urgente.

O sr. Nogueira Soares — Sr. presidente, hontem propuz eu a camara, que se passasse immediatamente á discussão do projecto da commissão de instrucção publica, que já tinha estado em discussão, a requerimento do sr. Pinto de Almeida; o a camara rejeitou quasi unanimemente este meu pedido, dando como razão para esta decisão, que a camara não devia ser surprehendida, e sim ler o tempo necessario para estudar as questões que aqui deviam vir: portanto uma vez que a camara decidiu hontem, que se não devia discutir aquelle projecto, com este fundamento, eu reclamo hoje a applicação delle a este tambem. (Apoiados) E admira-me muito que os que hontem votaram contra a discussão daquelle projecto, venham hoje pedir que se discuta um, cuja materia é importante, e sem ter sido dado para ordem do dia.

O sr. Santos Monteiro: — Eu fui um dos que hontem votei para que senão discutisse o projecto a que se referiu o illustre deputado, porque era um projecto que havia de ter larga discussão; e o projecto que eu peço haja agora de discutir-se, foi hontem apresentado pela commissão, declarado urgente pela camara, e tem um só artigo; e creio que, sendo lido, difficilmente haverá algum sr. deputado que peça a palavra sobre elle. (Apoiados) Portanto não estou em contradicção votando hontem para que senão discutisse um projecto, propondo hoje cousa que parece igual, quando é absolutamente differente.

O sr. Faria e Carvalho: — E para dizer o mesmo que acaba de dizer o sr. Santos Monteiro. O projecto que se pede seja discutido, foi declarado urgente, e naturalmente não lerá discussão, lendo simplesmente um artigo; e é urgentissimo, porque de todos são conhecidos os males que se seguem de existencia de um direito sobre a importação da moeda de ouro e de praia. É verdade que não foi dado para ordem do dia; mas já está distribuido ha uns poucos de dias. e se acaso a camara decidir que elle não póde discutir-se agora, peço a v. ex.ª que o dê para ordem do dia da primeira sessão.

O sr. Vellez Caldeira — Logo que hontem se estabeleceu a regra de que senão discutisse projecto algum sem previamente ter sido dado para ordem do dia, ella deve prevalecer para todos os projectos; e neste, principalmente, que tem relação intima com a fazenda; e os dignos membros da commissão das pautas nem ao menos nos dizem no seu parecer se foi ouvido o sr. ministro da fazenda.

O sr. Faria e Carvalho (Sobre a ordem): — Para declarar ao illustre deputado, que o si. ministro da fazenda foi ouvido sobre este projecto, como a commissão poderá attestar.

O sr. Nogueira. Soares: — Sr. presidente, se havia algum-projecto que se podesse discutir sem necessidade de antecedentemente ser dado para ordem do dia, era de certo o que o sr. Pinto de Almeida pediu hontem que se discutisse. Naquelle projecto estabelece se o principio dos concursos, principio que foi pedido por mim aqui Ha camara, e acceito por aquelles que até aqui o contestaram. Veiu-se a um accôrdo entre os dois principios oppostos; de maneira que hoje posso assegurar que não havia discussão sobre aquelle projecto.

E, sr. presidente, todas as questões que dizem-respeito á moeda são muito importantes que devem ser muito bem examinadas, muito bem discutidas e lindadas com relação a todas as suas partes. Ha pouco tempo ainda que o sr Carlos Bento aqui propoz-um projecto relativo á moeda, dias antes tinha o sr. Santos Monteiro proposto outro, e o sr. conde da Taipa propoz um outro na camara dos dignos pares. É preciso portanto que nós em logar de estarmos a votar

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medidas deslocadas com relação á moeda, em logar de legislarmos por vezes sobre este importantissimo assumpto, legislemos por uma vez só; e necessario que consideremos bem a materia, que a estudemos e que tomemos ácerca della uma decisão que satisfaça a todas as necessidades.

De mais. sr. presidente, este negocio toca com a lei das pautas que nós votamos aqui ainda lia muito pouco tempo; não vejo presente o sr. ministro da fazenda que é o ministro da repartição competente, e o facto de se dizer que elle concordou nu commissão não e bastante, o que é possivel que as reflexões que se aqui apresentem sobre o projecto, façam mudar a s. ex.ª de parecer, e todos nós lemos sustentado que em todos os negocios graves, em todos os objectos importantes, devem sempre ser ouvidos os respectivos ministros. Por consequencia eu insisto em que este projecto não se deve discutir hoje,

Hontem o sr. José de Moraes, e eu fizemos uma proposta para que o projecto que nós aqui discutimos o outro dia e que voltou á commissão, fosse discutido desde logo; deu-se como razão para não de I ver ser discutido o preceito estabelecido no regimento — que nenhum projecto se possa discutir sem ter sido dado para ordem do dia —: é pois em nome do regimento, em nome dos precedentes da camara, e em nome dos principios constitucionaes que exigem a presença do governo nestas questões, que eu insisto em que este projecto senão discuta já.

O sr. Justino de Freitas: Parece-me que a questão não merecia tanta discussão como a que tem havido. Eu intendo que ambos os projectos tanto o da commissão de instrucção publica como o do sr. San-, los Monteiro são de facil discussão, e que para elles não é precisa a presença do governo; mas parece-me tambem que é possivel conciliar ambas as opiniões discutindo-se agora o projecto sobre a moeda, que me parece muito simples, e dando V. ex.ª para ordem do dia o das jubilações: parece-me que por este modo se conciliará tudo, e o sr. Nogueira Soares não duvidará acceder a isto.

O sr. Nogueira Soares: — Isso não me satisfaz.

F pondo-se logo á votação

Se havia de discutir-se já o projecto n.º 93? — Decidiu-se negativamente.

O sr. Presidente: — Ha mais um parecer que se vai lêr.

12 o seguinte:

Parecer (n.º 99 B) — Senhores: A commissão de guerra examinou o requerimento dirigido a esta camara, por varios officiaes de differentes graduações, viuvas de outros e de alguns empregados do real collegio militar, pedindo a remoção daquelle estabelecimento do sitio de Mafra para Lisboa, ou cercanias desta cidade, lembrando para isso o quartel do extincto batalhão naval, os edificios de S. Vicente de Fóra, da Luz, e da Boa Hora em Belem.

A commissão lendo usado do conhecimento mais ou menos externo, que cada um de seus membros, linha das allegações do mencionado requerimento, intende que entre outras são de maior vulto as seguintes razões:

1. Obter alguns lentes professores e mestres pelos ordenados que estão auctorisados por lei, sendo até hoje impossivel conseguir o de gymnastica.

2. Dispender uma somma com o costeamento e conservação do edificio, na-parte relativa ao collegio, muito inferior áquella, que dantes dispendia o referido estabelecimento.

3. Ser aquella posição do collegio muito onerosa para as familias dos alumnos; por quando tendo que lhes ministrar roupas e outros objectos, lhes é isso muito penoso, pois falla geral de meios; e porque em regra habitando na capital, e tendo nellas os seus correspondentes, augmenta a difficuldade de soccorros crescendo a distancia do estabelecimento a esta cidade.

4.º Não tem no edificio casas proprias para as aulas que na maior parte são no plano terreo e extremamente humidas.

5.º A falla de camarotes geraes, a que obriga a ler os alumnos a 2 e 3, em pequenos quartos, é muito contraria á boa policia e disciplina; e obriga a maior numero de empregados, e por consequencia o augmento de despeza.

6. Serem os quartos em que dormem os alumnos em geral, mal expostos, por serem na maior parte para o lado do norte.

7. Finalmente sendo em regra as janellas das habitações dos alumnos, sobre o jardim, para onde deitam tambem as do quartel de infanteria n. 7, é isso um meio de distracção continua, um obstaculo ao estudo, applicação e boa moral dos alumnos.

A commissão tomando em consideração a importancia das razões que acaba de ponderar, cujos resultados desfavoraveis ao desenvolvimento das qualidades fysicas, e faculdades intellectuaes dos alumnos vão assim affectar o futuro do exercito, que tem naquelle estabelecimento o seu principal viveiro de officiaes; não desconhece comtudo que não pertence á camara resolver este negocio, mas está certa que não deixará elle de merecer a sollicitude do governo, a serem verdadeiros os motivos allegados, e por isso é de parecer que o dicto requerimento seja remettido ao governo para que tomando este objecto no devido apreço O resolva do modo mais conveniente.

Sala da commissão, 22 de junho de 1853. =.J. de P. F. da Fonseca, presidente = A. de Mello Breyner = A. L. da Costa Camarate = A. J B. de Vasconcellos e Sá z = Carlos C. Machado = Placida Antonio da Cunha e Abreu.

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, pedi a palavra não para impugnar o parecer, sim o modo porque está redigido. E expresso no regimento, que quando os negocios não pertencem á camara, as commissões devem limitar-se a dizer — Não pertence a camara. É a isto que a illustre commissão (peço perdão para o dizer) se devera ter limitado, e não tractar com a maior proficiencia o objecto, e defender a pertenção ainda mais ardentemente que os proprios requerentes, como a commissão faz no seu parecer.

O sr. Placido de Abreu: — Sr. presidente, a questão que foi submettida á camara dos srs. deputados na representação que lhe dirigiram muitos dos interessados naquelle estabelecimento, era de ordem tal que a commissão não podia deixar de entrar no seu exame com toda a individuação. Não podia ser indifferente á-commissão de guerra e a cada um dos seus membros a sorte dos alumnos do collegio militar que um dia devem ser officiaes do exercito não lhe podia ser indifferente O seu desenvolvimento físico e muitas outras circumstancias; por isso a commissão não podia deixar de olhar para este negocio com muita attenção e de lhe dar a importancia que elle realmente tem. Inclusivamente fui a Mafra, o estudando em todas

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as suas relações esta questão, tive occasião de verificar que caiu verdadeiras muitas das allegações que faziam os requerentes, A commissão por consequencia ponderando tudo isto, e vendo as circumstancias especiaes que se davam neste caso, não podia deixar de as declarar no seu relatorio á camara para ella as apreciar devidamente: mas a commissão tambem reconhecendo que a camara não era a competente para tomar uma resolução sobre este negocio, e então expondo os motivos e ponderações que tenha para elle merecer ioda a sollicitude do corpo legislativo, como a este não cumpria resolvel-o, conclue o seu parecer dizendo que o negocio deve ser entregue ao governo para elle o tomar na consideração que demanda a importancia do objecto. É esta a conclusão do parecer da commissão e creio nada ler que não deva ser approvado e sanccionado pela camara.

O sr. Vellez Caldeira: — É notavel, sr presidente, sou eu o ministerial neste negocio!... Haverá apenas dois dias que tractando-se de um requerimento em que se accusava um funccionario publico do crime de delapidação, de concussão, abuso de auctoridade, finalmente dos maiores crimes que se podem imputar a um homem, levantou-se aqui uma grande bulha, e não se quiz que o negocio se remettesse ao governo para elle fazer o que intendesse, porque seria invadir as suas attribuições: e este negocio que logo á primeira vista se reconhece que não pertence á camara, remette-se ao governo!... Mas é que os illustres deputados tomaram isto tanto a peito que até o illustre relator da commissão deixou Lisboa, e foi a Mafra de proposito. (O sr. Placido de Abreu: — É verdade) E verdade; pois ahi está como se saiu do que devia ser. Póde esta camara dizer ao governo — aquelle estabelecimento não convem que esteja em Mafra? Pois o parecer da commissão é este. Eu não argumento senão com o regimento; o regimento o que diz é, — que quando os pareceres versem sobre negocios que não pertencem á camara, se devem limitar a dizer «Não pertencem á camara n — sem nada mais.

Não digo que deve sair o collegio militar de onde está ou que não deve, isso não pertence á camara, é ao governo que pertence, porque está nas suas attribuições. Se o governo tivesse ido contra as leis, eu seria o primeiro a exigir-lhe a responsabilidade; mas no caso presente, não ha nada disso; o governo mandou o collegio para onde o podia mandar, se não convem lá estar, o governo ha-de-se informar, e estes senhores que são tão ministeriaes, devem convir em que se quizerem, o governo por força o ha-de mudar, aliás incorre no seu desagrado.

Esle parecer como está não póde passar, e impossivel que passe. E vou mandar para a mesa uma emenda

O sr. Cezar de Vasconcellos. — Pedi a palavra porque não posso concordar com as opiniões do sr. Vellez Caldeira. Eu estou convencido de que a camara não impõe ao governo nenhuma obrigação de mudar ou deixar de mudar de Mafra o collegio militar: entretanto eu, que não pertenço á commissão de guerra, agradeço aos illustres cavalheiros daquella commissão o terem-se occupado de entrar em minuciosidades e inquirições para darem este parecer: porque, sr. presidente, eu intendo que merece interesse á camara, e aos illustres membros da commissão de guerra o requerimento sobre que se dá esse parecer, que é assignado por 200 e tantos officiaes do exercito, e viuvas de officiaes. Tal requerimento, digo, merece alguma contemplação da camara, e se ella houvesse de fazer alguma excepção a respeito desse rigor extraordinario do regimento, era este um caso em que a excepção se devia fazei.

Mas diz-se “ o que a camara não leiu nunca votado e consentido, e ainda ha poucos dias foi isso tirado de um parecer, é que estes pareceres sejam remettidos ao governo com recommendação, na commissão não se empenha em que esse parecer seja remettido com recommendação ao governo, commissão para apresentar o resultado do seu parecer entra na analyse, e demonstração, de que aquillo que se pede no requerimento pareceu aos membros da commissão que era justo e rasoavel, assim como a mim me pareceu; porque fui eu o deputado que tive a honra de apresentar nesta camara o requerimento, e apresenteio-o porque? Porque pertence a uma classe muito numerosa e desvalida da sociedade. (Apoiados)

Esses individuos queixam e de que seus filhos naquella localidade onde está estabelecido o collegio militar, soffrem doenças que não soffriam antes de estar o estabelecimento naquella localidade; e eu agora pelo exame que o nobre relator da commissão de guerra fez na propria localidade, exame porque um nosso collega tão illustrado, e de Ião boas intenções como e o illustre deputado que acaba de fallar, o censurou, quando eu não tenho senão a agradecer-lhe o cuidado e o trabalho a que se deu de ir a Mafra para poder com melhor conhecimento de causa informar os seus collegas da commissão e da camara; mas fico convencido de que são rasoaveis e justas as observações que se fazem nesse requerimento pelos pais e familias dos alumnos do collegio militar.

Pois queria a camara que os membros da commissão de guerra, que tenham conhecimento daquelles inconvenientes, se limitassem simplesmente a dizer — Não pertence á camara, — e que 200 e tantos individuos carregados de serviços uns, e outros pertencentes a officiaes tambem carregados de serviços, lendo requerido á camara fossem tractados no seu requerimento com uma sem-ceremonia e laconismo que realmente póde convir em muitos outros negocios, mas não neste, na materia sujeita? Permitta-me o nobre deputado por Lisboa dizer-lhe que não era a este requerimento que se devia dar essa pouca consideração; intendo que os requerimentos como este merecem mais alguma contemplação.

Eu intendo que a commissão fez muito bem dizendo — os pretendentes pedem a remoção do colles gio militar de Mafra por taes e taes circumstancias, de que a commissão tomou conhecimento e que são exactas; entretanto a commissão apezar de todas estas considerações intende que não pertence a camara este negocio e que deve ir ao governo. Não sei o que haja de incurial e irregular nisto; e se a camara houvesse de fazer alguma excepção na remessa de papeis desta natureza ao governo, eu havia de pedir a camara que fizesse essa excepção em favor do requerimento desses numerosos individuos que recorreram á camara, pelos serviços que uns têem prestado e continuam ainda prestando ao seu paiz, e pela consideração que merecem outras de viuves militares que fizeram serviços ao seu paiz, sendo o unico premio que receberam delles o terem seus filhos a educar no collegio militar; mas que os teem lá para se educai em e não para virem cheios de doenças e enfermidades.

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Portanto apoio o parecer da commissão e voto por elle, e intendo que não podem ser fundadas as observações que acabou de fazer o nobre deputado por Lisboa.

Leu-se logo na mesa a seguinte

Emenda. — «Proponho que o parecer que está em discussão se limite aos termos do regimento “ = Vellez Caldeira.

Foi admittida

O sr. Alves Marlins: — A questão é mais de methodo que de outra cousa, e eu conformo-me com a opinião do sr. Vellez Caldeira, porque se á camara não pertence tomar conhecimento do negocio, a commissão não tinha precisão de desenvolver a materia e dar razão aos requerentes; de maneira que se a camara approvasse o parecer, a camara dizia ao governo que mudasse o collegio de Mafra: o resultado não podia ser outro. E isto não póde ser assim. A camara faz leis, interpreta-as e altera-as; mas não dá ordens ao governo. E necessario que os corpos politicos se mantenham no circulo das suas attribuições. A camara toma contas ao governo, e se elle não cumpre as leis, accusa-o; mas dizer-lhe: faze isto e aquillo —; recommendar-lhe negocios, estar a dar-lhe conselhos é que não póde fazer; e digo que se o fizer, rebaixa a sua dignidade. Desde o momento em que a commissão reconheceu que o negocio não pertencia á camara, não devia emittir a sua opinião ácerca delle, devia guardar silencio, silencio que é recommendado por todas as conveniencias. Ç Apoiados)

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Sr. presidente, pela fórma porque a discussão tem corrido, parece que alguns srs. deputados estão na intelligencia de que aquillo que precede a conclusão do parecer, é uma semi-ordem ao governo para proceder á transferencia do collegio militar de Mafra para outro sitio. A esse respeito, por parte do governo, digo, que o governo não póde comprometter-se a isso, e só fará essa transferencia se depois de proceder aos exames e de tomar tudo em contemplação, effectivamente achar que essa mudança é possivel e é conveniente: parecendo-me que foi este o sentido em que fallou o sr. relator da commissão. No entanto o nobre deputado por Lisboa, o sr. Vellez Caldeira, parece Intender que, approvado o parecer da commissão como está, o governo fica na rigorosa obrigação de fazer a transferencia do collegio: a isso, repito, é que o governo não se póde comprometter; só se póde comprometter a examinar o negocio e proceder como fôr conveniente.

Eu tambem tenho estado em Mafra; e estive quando moço em um collegio inglez em que, declaro, não tinha tão boas commodidades como ha em Mafra, por que eu, assim como os filhos das principaes familias de Inglaterra catholicas pagavamos cada um 150 libras por anno, eramos 300 rapazes, e muitas vezes quebrei o gelo para me poder lavar nelle. Mas isto não é dizer que o collegio militar não póde ir melhor: a obrigação do governo e procurar polo melhor.

Quanto á consideração de ser a classe militar desvalida, eu tenho tambem a honra de pertencer a essa classe, e todos procurámos dar-lhe o maior valimento possivel; e seja dicto era abono do governo que não póde ser censurado nesta parte. (Apoiados)

Não hei de ser eu quem me metta na questão — se o parecer ha de ir pela fórma que apresenta o sr. Vellez Caldeira, se ha de ir como sustenta o illustre relator da commissão e o sr. Cezar. Uma vez que os considerandos, como o sr. relator da commissão declara, não são uma semi-ordem ao governo, o governo, debaixo deste ponto de vista, acceita o parecer, e ha de mandar proceder aos exames necessarios, porque é sua obrigação procurar tornar melhor aquelle collegio para o fim para que foi creado, que é o desenvolvimento moral e físico daquelles alumnos.

O sr. Placido de Abreu: — Em tudo isto tem havido um mal-intendido e a camara inteirada do modo de exprimir da commissão de guerra e da cautella que ella tem, quando apresenta qualquer parecer á sua resolução, ha de intender que esse parecer da commissão esta perfeitamente nos termos que se desejam.

A commissão depois de ter a camara submettido ao seu exame um requerimento assignado por 200 e tantas pessoas, todas muito respeitaveis, não se devia limitar simplesmente a dizer, que o negocio não pertencia á camara, mas devia apresentar a exposição do que pediam os requerentes. (Apoiados) Pois não se queria que a commissão de guerra dissesse á camara o que se requeria? Pois isso é cousa que se possa questionar? Pois havia a commissão de vir dizer aqui — requereram fulano de tal e fulano de tal, não podem ser attendidos? Se assim fizesse, então intendia eu que a commissão devia ser impugnada e com razão, mas a commissão não fez mais do que expor o que requeriam os differentes individuos que vieram pedir á camara uma cousa com mais ou menos justiça: foi isto unicamente o que a commissão fez, e impugnar isto é censurar a lealdade e franqueza com que a commissão procedeu.

Ora a gota, o que se diz no parecer? Diz-se «conhecendo comtudo que não pertence á camara» O governo é quem é o competente para examinar se é verdade ou não o que se allega; se e verdade, elle resolverá em sua sabedoria como intender conveniente a mudança do collegio, e se não e verdade, fica lá o collegio. E diz-se no fim «é de parecer que o dicto requerimento seja remettido ao governo para que, tomando este objecto no devido apreço, o resolva do modo mais conveniente.» Isto é bem claro. E isto impugna se! Isto censura-se!

O sr. Alves Martins diz que a camara, approvando este parecer, se rebaixa da sua dignidade. A camara não se rebaixa quando reconhece a justiça com que se lhe apresenta um parecer dizendo, que se é verdade o que se allega, o governo tome a representação na consideração que merece; não se rebaixa quando se faz isto, antes procede com toda a dignidade; a camara neste caso não excede as suas attribuições legaes, e tanto isto é assim, que o mesmo sr. ministro da marinha declarou, que se effectivamente o governo reconhecer que é verdade o que se allega, elle tomará a esse respeito a resolução que julgar conveniente. E é preciso que eu diga a v. ex.ª e que o diga com toda a franqueza — a commissão de guerra não veiu apresentar este parecer aqui sem primeiramente ter consultado com o governo, e inclusivamente o ler remettido ao governo para elle o vêr. Por consequencia não é um parecer que venha aqui como uma medida de hostilidade, como quiz considerar o sr. deputado Vellez Caldeira, que inclusivamente até nos chamou ministeriaes; não sei se sou ministerial, sou aqui nesta camara um deputado como s. ex.ª e, tenho tanta liberdade no meu voto

VOL. VII — JULHO — 1853.

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como s. ex.ª, e tendo por s. ex.ª toda a consideração e respeito que me merece, espero que s. ex.ª lera tambem por mim a menina consideração, e não irá envenenar nem torcer as minhas opiniões, porque não dou direito ao sr. deputado para o fazer.

Para terminar a questão e se sequer, a commissão não duvida que se insira no parecer — «se os factos são verdadeiros) — E estão resolvidas todas as questões e acabadas todas as duvidas. — Parece-me que os illustres deputados hão de concordar em que a commissão de guerra não teem senão desejo de se apresentar nesta camara com lealdade e com toda a verdade.

O sr. Presidente: — Este parecer de que se tem estado a tractar, entrou em discussão em consequencia de não estar presente o sr. ministro da fazenda, porém como s. ex.ª já entrou na sala, vai passar-se á ordem do dia; porém ainda antes disso darei a palavra ao sr. Cunha Solio-Maior, porque a pediu com instancia a fim de mandar para a mesa uma representação que reputa importante e urgente. Dou-lhe pois a palavra.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — V. ex.ª sabe muito bem, e estará perfeitamente lembrado que eu por umas poucas de vezes tenho pedido na camara a nomeação de um juiz de direito para Monsaraz, onde ha 5 ou 6 annos que uns poucos de cidadãos gemem n'uma enxovia sem serem julgados!.. Agora acabo de receber uma representação, assignada por cento e tantos prezos na cadêa da relação do Porto, em que se queixam de alli se acharem prezos ha muitos annos, sem serem julgados! Até aqui pensava eu que a justiça era um direito, mas desgraçadamente em Portugal chegamos á época em que a justiça é um favor ou um acaso.

Sr. presidente, por muitas e repelidas vezes tenho chamado a attenção dos srs. ministros sobre similhante assumpto; por muitas e repetidas vezes tenho pedido ao governo a nomeação de um juiz de direito para Monsaraz a fim de serem julgados os prezos que alli estão soffrendo ha 6 ou 7 annos mettidos n'uma enxovia. Já 2 ministros da justiça me prometteram obviar a este mal, porém ainda até agora não appareceu uma unica providencia.

Além disto ha já 3 annos que nas cadêas de Béja estão 28 cidadãos prezos, e durante este tempo ainda não houve uma unica audiencia geral! E no Porto,. segundo se allega nesta representação que tenho na mão e que mandarei para a mesa, existem cento e tantos prezos ha uns poucos de annos sem serem julgados!

Quando a administração da justiça chega a lai estado, a nossa degradação é completa.

Mando pora a mesa a representação. Não a quero acompanhar de reflexões que pareçam accusações feitas ao sr. ministro da justiça, porque tenho só eu visto invocar os sentimentos de humanidade e compaixão do ministerio a favor destes infelizes. Se estão innocentes, dê-se-lhes a liberdade; se estão culpados, sejam condemnados — E isto o que estes desgraçados pedem.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 78, e juntamente dos projectos n.ºs 49 e 50. (Vide sessão de 21 de Julho).

O sr. Avila: — Hontem prometti que procuraria ser breve nas considerações que tinha a expor em

resposta ao sr. ministro das obras publicas, e ao sr. relator da commissão; farei por cumprir esta promessa, para não abusar da paciencia da camara.

Sr. presidente, na comparação que fiz hontem do custo dos caminho, de ferro belgas, e o preço que se fixou para cada kilometro da linha de Lisboa a Santarem, só me faltou responder a um argumento apresentado pelo illustre relator da commissão.

Dissera este sr. deputado que o dinheiro fóra levantado na Belgica a 3 e a 4 por cento, e que não podendo nós levantal-o aqui ao mesmo juro, se devia tomar em consideração esta circumstancia quando se estabelecesse um paralello entre os caminhos de ferro belgas e o nosso.

Em resposta a este argumento, direi ao illustre deputado, que os 256 kilometros que se construiram na Belgica até 1838, unicos que poderiam servir de paralello para se estabelecer o custo do nosso caminho de ferro, como já demonstrei, custaram 32 milhões de francos, que se decompõem da maneira seguinte — 26 milhões para a construcção, 4 para o material de circulação, e 2 para o juro do dinheiro empregado na construcção.

Se se deduzirem estes 2 milhões, terão custado aquelles 256 kilometros 30 milhões de francos, ou

em réis......................... 5.160:000$000

2.ª via — Em 213 kil.............1.192:800$000

Total....... 6.352:800$000

O que dá por cada kil. de duas vias 24:812$500 Suppondo que o juro do dinheiro empregado na construcção, em logar de ler custado 2 milhões, custou 4

milhões, vem a locar a cada kil... 2:687$500

O que daria por cada kil. de duas

Vias — despeza total............ 27:500$000

Já vê, pois, o illustre relator da commissão, que esta despeza está muito longe do custo de 51:500$000 réis, estabelecido por cada kilometro de linha de ferro de Lisboa a Santarem.

Sr. presidente, o illustre ministro das obras publicas disse, que architectei os dois argumentos sobre o custo de 15:600$000 réis dos caminhos de ferro americanos; porém, ha pouca exactidão, porque s. ex.ª devia lembrar-se, que eu juntei essa cifra á do custo da 2.º via, e o das expropriações entre nós; tomando além disso, em linha de conta a maior barateza dos materiaes na America, bem como a do excessivo preço da mão de obra, comparado com o que ella custa em Portugal.

De todas estas rectificações o resultado é o elevar o preço do kilometro a 34:600$000 réis, cifra que não está muito distante da que acabei de estabelecer para os 256 kilometros dos caminhos belgas.

Mas se s. ex.ª não quer comparações com os caminhos de ferro americanos, posso estabelece-las com os caminhos de ferro allemães, a respeito dos quaes o conselho das obras publicas se exprimiu nos seguintes termos: «o systema que adoptaram os allemães, é ainda muito economico; mas aqui nada se sacrificou á economia nem á pressa de gosar; suas construcções são solidas e estaveis; era este o systema que nos conviria adoptar definitivamente.»

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Se recorro lautas vezes ás consultas do conselho das obras publicas, e porque, não tendo auctoridade nenhuma sobre estes assumptos, me vejo obrigado a recorrer á daquelles a quem ninguem póde negar a competencia em taes materias.

Ora, a propria commissão de obras publicas, confessou que os caminhos de ferro allemães custaram por kilometro 21:500$000 réis, juntando o custo da segunda via 5:600$000 réis, viria a ser o custo de 1 kilometro de duas vias 27:200$000 réis. Aqui tem o sr. ministro das obras publicas uma outra cifra, que muito se aproxima das duas precedentes.

Disse-se, sr. presidente, que o governo tinha direito de alterar o programma, com tanto que dessas alterações resultassem vantagens para o estado; e sustentou-se que as alterações feitas haviam sido vantajosas.

Comprehendo que, havendo uma proposta que exige a concessão de um caminho de ferro por 1 10 annos, é mais vantajosa a proposta que nas mesmas circumstancias, se contentar com 99 annos; da mesma maneira é mais vantajosa a proposta que exigir 6 por cento de juro durante 50 annos, do que aquella que exigir os mesmos 6 por cento durante 100 annos; da mesma maneira é mais vantajosa a proposta, que pedir l meio por cento de amortisação durante 50 annos, do que aquella que pedir 1 por cento de amortisação durante 100 annos.

Todos estes parallelos se podem fazer, como disse sendo identicas todas as outras circumstancias. Mas se por acaso se alterar o systema, por maneira que o kilometro que podia custar 25:000$000 réis, por exemplo, seja pago com 50:000$000 réis, a troco de se reduzir a concessão a 99 annos, o juro e a amortisação a 50 annos, e a amortisação ainda de I a 1 por cento, intendo que ninguem poderá sustentar, que esta segunda hypothese não seja consideravelmente mais cara do que o seria a primeira.

Já demonstrei que a reducção do bonus de 3 a 2 por cento, foi em consequencia de ter o governo subscripto com I para a companhia.

Tal é o desejo que ha de achar vantagens no contracto — que até se disse, que foi uma vantagem a não concessão das madeiras do estado.

Sr. presidente, o programma concede, é verdade, as madeiras do estado, mas essa concessão é o resultado do systema estabelecido no mesmo programma, por virtude do qual o governo pagava as despezas feitas em vista dos orçamentos previamente approvados pelo governo, e fiscalisados na sua execução por engenheiros do estado.

Neste caso tanto importava que o governo concedesse as madeiras das mattas nacionaes, como que as vendesse á companhia, e lhe pagasse depois a sua importancia. Mas, tendo-se «alterado este systema, fixando-se previamente o custo das obras, e fixando-o n'um preço exaggerado, como demonstrei, seria um absurdo o juntar ainda a esse preço a concessão das madeiras! (Apoiados da direita).

O illustre relator da commissão perguntou alludindo á substituição que mandei para a meza — de que nos sorvia o caminho de ferro de Lisboa a Villa Franca? Responderei perguntando — de que nos servirá o caminho de ferro de Lisboa a Santarem 1 Servem-nos, tanto um como o outro, de testadas da grande linha que nos ha de pôr em contacto com todas as capitaes da Europa (Apoiados) da linha que

deve ligar entre si todas as differentes partes do continente deste reino (Apoiados).

Se o caminho de Lisboa a Villa Franca houvesse de acabar alli, então nunca o proporia, como nunca proporia um caminho que, partindo de Lisboa fosse acabar em Santarem, para onde lemos uma soffrivel estrada, além da communicação por agua, que encurta consideravelmente a distancia entre aquella villa e esta capital (Apoiados).

O mesmo illustre relator da commissão disse, que em toda a parte se faziam os caminhos de ferro por empreza, e que se na Belgica tinham sido construidos pelo estado, isso dependia das circumstancias especiaes em que se achava aquelle paiz. Eu direi que são precisamente essas circumstancias especiaes as que tambem invoco para justificar a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Villa Franca, por conta do estado.

Quaes são as nossas circumstancias? Appello para as consciencias daquelles que não veem neste negocio uma questão politica, uma questão de capricho, porque na verdade parece que se vinculou a existencia deste ministerio á de um certo nome. (Apoiados da direita).

Sr. presidente, as nossas circumstancias são as de estarmos a contractar com uma companhia que não inspira confiança a ninguem (Apoiados da direita); companhia que não cumpriu as condições do programma; companhia que, para effectuar o deposito de 40 mil libras, careceu de que se lhe concedessem moratorias sobre moratorias, e a final do que se revogasse ainda o programma, para que esse deposito se lhe effectuasse em Inglaterra, com circumstancias que tornam muito problematica a sua realidade (Apoiados da direito).

O programma determina expressamente que o deposito tivesse logar na junta do credito publico; o mesmo governo ainda o ordenou na portaria de 7 de fevereiro deste anno, e depois mandou-o effectuar em Inglaterra!

Que razão podia haver para que o deposito se não effectuasse na junta! Porque levantar suspeitas de que essa alteração no programma só teve por fim simular o pagamento das letras que diziam respeito áquelle deposito? (Apoiados da direita).

Aquella companhia não tinha podido levantar aqui um unico real, e os jornaes de mais credito em Inglaterra asseveraram que o mesmo lhe aconteceria na praça de Londres, onde não eram coladas as suas acções.

Foi para vencer estas repugnancias, e dar a esta companhia um caracter de seriedade, que ninguem lhe reconhecia, que o governo fez proceder com toda a pompa nas vesperas da saida do paquete à solemnidade da inauguração, e aconselhou o Chefe do Estado a honrar este acto com a sua presença.

Qual foi o resultado disto? Passou-se por ventura uma só acção mais por virtude desse acto? Acabaram as repugnancias em Inglaterra? Foram coladas as acções da companhia na praça de Londres? E em que estado se acham os trabalhos? Disse-se que, depois da inauguração os trabalhos iam continuar com a maior actividade; fez-se passar a correr uma lei de expropriações, porque ella era absolutamente indispensavel para que os trabalhos progredissem. Já lá vão dois mezes e meio depois que tudo se fez, e os trabalhos, perguntarei — de que modo, em que es-

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tado se acham? A inauguração foi puis uma comedia, em que se não devia fazer representar o Augusto Chefe do Estado; Apoiados da direita) e o que se está fazendo aqui, é o segundo tomo dessa comedia; (Apoiados da direita) porque a inauguração teve unicamente por fim dar existencia a uma companhia que a não tinha, e a approvação deste contracto pelo corpo legislativo tem o mesmo fim, que é o de vêr se é possivel attrair capitaes para esta mesma companhia; póde ser que se obtenha este resultado, mas Os meios que se empregam para o conseguir, não podem attrair o respeito nem a estima de ninguem.

Além disto o programma exigia que o contracto definitivo se não celebrasse antes que a companhia tivesse provado estar constituida em sociedade, segundo as disposições do codigo commercial. Perguntarei — qual é o documento que prova que esta prescripção essencial do codigo está cumprida? Estamos pois, a contractar com uma companhia, que não tem existencia legal

Que confiança póde inspirar uma companhia em taes circumstancias, uma companhia de que se estão a despedir membros todos os dias, annunciando nos jornaes esta despedida?

Se, porém, fallassem razões para que o contracto não fosse approvado, e para que o caminho de ferro fosse construido por conta do estudo, e com meios portuguezes, bastava a imprudente condescendencia do governo, por virtude da qual cedêra da vantagem que lhe concedia o programma, e a que a companhia se tinha submettido: fallo da renuncia dos privilegios de estrangeiros.

Sr. presidente, as explicações dadas pelo sr. ministro das obras publicas a este respeito, compromettem sobremaneira o governo.

O sr. ministro disse, que se substituiu ao artigo do programma, o artigo 70.º do contracto, porque os empresarios se julgavam offendidos no seu melindre, julgando que aquella renuncia dos privilegios de estrangeiros era para todo o sempre, e para todas as hypotheses. Não é assim; o artigo 40.º do programma é muito explicito a este respeito, e refere-se expressamente ao contracto do caminho de ferro.

Os motivos, pois, que dá o governo, para esta funestissima alteração, não são exactos, e o que ha de verdadeiro a este respeito, é que a renuncia, por virtude da concessão do governo, deixou de existir; e que os emprezarios não linham direito algum a essa concessão, visto terem acceitado o programma, e a estar-se a dizer aqui todos os dias, que, se se lhes deu, a preferencia sobre todas as outras companhias, foi porque esta fôra a unica que s conformara com o programma, em todas as suas clausulas. Teria sido tambem esta alteração feita em proveito do estado? Os srs. ministros não podem ignorar, quantas vezes lemos sido victimas de exigencias injustas, e era precisamente essa triste experiencia, que linha aconselhado a redacção do artigo 40. do programma; redacção que já se encontra no projecto da commissão, de 18 de julho de 1851, e se encontra depois no projecto, apresentado pelo governo a camara em 1852, e no parecer da commissão especial sobre este projecto! Se o sr. ministro pertende, que o contracto contém, a este respeito, as mesmas disposições do programma, porque alterou a redacção deste, que era, pelo menos, muito mais explicito? Porque não convem agora que essa redacção seja substituida á do artigo 70. do contracto 1

Tudo nos aconselha, pois, a que seja votada a minha substituição, de preferencia ao projecto, e o governo é o primeiro interessado em que essa substituição seja approvada; porque, além de se desembaraçar assim das difficuldades que acabou de expor, podia ter a certeza de que, logo que o parlamento votasse o caminho de ferro de Lisboa a Villa Franca e os meios para essa construcção, logo que o governo fizesse começar os trabalhos e os continuasse com actividade, não faltariam companhias nacionaes e estrangeiras, que quizessem encarregar-se da construcção dessa mesma secção, e das secções que se lhe devem seguir, offerecendo para isso condições muito mais vantajosas do que as do actual contracto.

Quando, porém, sr. presidente, isso não acontecesse desde logo, o governo linha meios seguros para effectuar aquella construcção, porque tem penhores sobre os quaes póde levantar dinheiro, e esses penhores supprem, até um certo ponto, a falta de credito.

O governo tem uma somma de inscripções que excede a 2:600 contos, e sobre essas inscripções lhe é muito facil levantar 780 contos, dando ás mesmas inscripções uma garantia no valor de 30 por cento.

O rendimento do fundo de amortisação foi calculado para o anno economico que já começou, em 530 contos; basta, pois, que este produza 420 contos, para ter o governo á sua disposição, no fim de um anno, 1:200 contos; quantia mais que sufficiente para o custo da linha de Lisboa a Villa Franca,

Em Portugal ha muito dinheiro, nunca houve tanto, teem vindo muitos capitaes do Brazil, e estes capitaes procuram emprego. Esse emprego, ou o hão-de ter neste paiz, ou fóra delle; lá fóra os capitaes estão muito baratos, e ainda que agora subiu um pouco o preço do dinheiro, pelo aspecto que tem tomado os negocios do Oriente, logo que cessem de todo os receios da guerra, esse preço ha-de descer, e os capitaes hão-de tornar-se ainda mais baratos do que estavam d'antes. (Apoiados)

Os capitaes portuguezes não tem, pois, interesse em saír do reino, e do que precisam para entrar em circulação, cá dentro, e baratearem o preço do dinheiro, é que haja estabilidade e credito. (Apoiados) Já aqui se disse, que esta administração tem credito, e a prova estava em levantar dinheiro 7 ½ por cento, o que se não fazia antes. Esse facto o que prova é a abundancia dos capitaes, e não o credito do governo, porque esses emprestimos são feitos todos sobre solidos penhores, que os prestamistas podem vender, se o governo não solver os seus empenhos.

O credito do governo só se poderia conhecer se o governo levantasse dinheiro sob a unica promessa de pagar j isto é, se levantasse dinheiro sobre letras do thesouro, como se faz em França e em Inglaterra. (O sr. José Estevão: — Essa é muito boa — quando se fez cá isso?) O Orador — Fez-se nos emprestimos que levantei por intermedio da junta do credito publico, em que só houve da parte do governo a promessa de pagar, e mettiam-se empenhos para se tomar parte nesses emprestimos. (Apoiados do lado direito)

Dá-se tambem como prova de credito o valor dos fundos em Inglaterra.

Sr. presidente, o verdadeiro valor destes fundos é o seguinte — os fundos da escala ascendente sem os quatro semestres estão a 39 por cento, mas cada 100 da escala ascendente, por virtude das disposições do decreto de 18 de dezembro, tem de ser trocados por

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109 em fundos de 3 por cento; além disto sobre esses 100, ha 4 e meio de divida differida por virtude das disposições do mesmo decreto, divida que está no mercado a 17 por cento — feitas, pois, iodas estas compensações, o preço de 39 para os fundos da escala ascendente, da o preço de 35 para os fundos de 30 por cento.

E ninguem dirá, que este preço, em relação ao dos fundos de 3 por cento de todas as outras nações, comprehendendo a Hespanha, é um grande symptoma de credito, sobre tudo em vista da grande subida, que ha 2 annos a esta parte tem tido os de todas as nações. (Apoiados)

Estou persuadido, sr. presidente, que a construcção do caminho de Lisboa a Villa Franca por conta do estado, e com dinheiro portuguez, ha-de ser uma das medidas que hão-de mais poderosa mente contribuir para o restabelecimento do nosso credito dentro e fóra do reino. (Apoiados) E não posso duvidar um instante do que o governo ha-de levantar dinheiro aqui a preços rasoaveis, tendo-se em vista principalmente os penhores que póde offerecer aos prestamistas.

Tem-se fallado da organisação de uma companhia portugueza para a construcção de um caminho de ferro de Lisboa a Cintra: faço votos para que sejam verdadeiros esses boatos; mas estou convencido de que é muito mais facil organisar uma companhia portugueza para a feitura de um caminho de ferro de Lisboa a Villa Franca, do que de Lisboa a Cintra; (Apoiados) porque em quanto esta linha não tem futuro algum, a primeira tem um futuro immenso, de que se não póde ainda prever toda a extensão. (Apoiados)

Um illustre deputado que muito respeito, perguntou se o preço estabelecido para o caminho de forro seria excessivo em relação ao estado do nosso credito? Eu já ouvi fazer este argumento n'outra parte, sustentando se que o caminho era muito barato, por que o governo podia cumprir as obrigações que contrahira para com os emprezarios, da mesma maneira que tinha cumprido as que se linham antes contrahido com outros credores. Talvez fosse este receio a causa de lerem exigido os emprezarios a eliminação da renuncia dos privilegios; e se fosse este o motivo desta exigencia, não o posso censurar.

E porém esta razão mais uma das que justificam a minha substituição; por que, no estado em que se acha o nosso credito, não nos devemos expor a taes molejos que se fazem aqui, e que se repetem nos outros paizes. Se o governo tem meios para dar a uma companhia, empregue-os para construir por sua conta, e mais tarde, quando o credito estiver melhorado, lho não Fallará com quem contractar, e com condições mais vantajosas do que as que se lhe offerecem agora (Apoiados).

Em resumo, para acabar com as decepções que tem havido a respeito desta companhia, para pôr teimo á guerra que na praça de Londres se tem feito a este contracto, para evitar os inconvenientes que de futuro podem ter logar por virtude de imperiosas e injustas reclamações, para estabelecer uma escola practica de caminhos de ferroem Portugal, para dar um grande passo, que ha de concorrer poderosamente para o restabelecimento do nosso credito dentro o fóra do reino, intendo que a camara o que tem a fizer, é approvar a substituição que mandei para a mesa, e rejeitar o projecto que está em discussão (Apoiados da direita; e — vozes — muito bem) O sr. Cazal Ribeiro: — Sr. presidente, a discussão do projecto de que se tracta, é muito seria, muito grave, e mais importantes talvez de quantas tem occupado, e podem occupar nesta sessão a attenção do parlamento.

O projecto em discussão não tem só a importancia de um contracto que se converte em encargos para o thesouro, mas é mais alguma cousa, é um contracto, que por ser o primeiro deste genero entre nós, como muito bem disse o meu illustre amigo o sr. Carlos Bento, importa uma especie de modêlo, ou typo do modo como nos havemos regular para o futuro em assumptos desta natureza.

A discussão tem corrido sisuda e gravemente, e sinto que o illustre deputado que acaba de fallar, que conservou tanto tempo a argumentação calculada e logica, na ultima parte do seu discurso, com

0 fim de que produzisse impressão, se affastasse da norma que a si havia imposto, quando, tractando da companhia trouxe á camara uma collecção de boatos que se tem espalhado por differentes vezes e por differentes motivos na imprensa e nas conversações.

Eu, sr. presidente, reputo o illustre deputado em muito, e de certo lhe não era preciso, nem é proprio delle recorrer a este modo de argumentação, vindo repelir perante a camara boatos já lamas vezes repetidos, e outras tantas desmentidos (Apoiados).

Não tenho nada com a companhia de que se tracta, mas não posso deixar de dizer aquelles, os propaladores de boatos, que devem ter mais cautella, por quanto todas quantas assersões se tem apresentado contra a companhia, tem sido destruidas, e os boatos que se propagaram, completamente desmentidos (Apoiados). E depois disto assim se ler passado, admira como um cavalheiro Ião respeitavel, ião distincto e tão sisudo, venha ainda apresentar certos agouros como os que acaba de apresentar, assegurando que este negocio nunca se ultimará, isto é, que a companhia não fará o caminho de ferro, e que tudo que se tem feito, e está fazendo, é uma pura ficção!!!

O illustre deputado não tinha motivo justificado, para assim se pronunciar (Apoiados).

Hontem, quando s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, respondendo a uma pergunta feita pelo illustre deputado, disse — que se linha effectuado o pagamento da» leiras em melai sonante — o illustre deputado então deu-se por satisfeito; e linha razão para isso, embora s. ex. viesse depois declarar — que não estava já satisfeito com a resposta do nobre ministro 1 Oque posso asseverar ao illustre deputado, é que eu e toda a camara está satisfeita com a resposta que deu o nobre ministro: (Apoiados repelidos) acredito que o pagamento de letras se effectuou (Apoiados) e se o deposito se não tivesse effectuado, e o pagamento das letras realisado no tempo em que o devera ser, o governo de certo tinha rompido o contracto, como é expresso no artigo transitorio (Apoiados) e feito reverter para a fazenda publica, a importancia do deposito, que a companhia já fizera (Apoiados).

Sr. presidente, não desconheço a importancia aios nomes, mas tambem não desconheço a importancia dos factos, e dou a estes preferencia sobre aquelles, para avaliar qualquer situação, e decidir-me sobre qualquer questão.

Vejo que esta companhia de que se tracta, leiu sido atacada, e censurada, pelos nomes que a compõem;

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mas os fados mostram, que esta companhia tem lido a fortuna de realisar, até hoje, os compromissos a que se sujeitou, e tenho visto desmentidas, pelos mesmos factos, todas as cousas com que se tem combalido a companhia (Apoiados).

Dada esta explicação e para não cançar a attenção da camara, passarei a entrar nos pontos capitaes do debate, deixando de parte algumas observações, que me parecem de uma importancia secundaria, para se apreciar o objecto em discussão.

Vou desde já, tractar o que me pareceu argumento mais capital do nobre deputado, que primeiro impugnou o projecto em discussão, e tambem do illustre deputado, o sr. Carlos Bento.

Os illustres deputados disseram que o governo publicou um programma, no qual adoptara certas bases para sobre ellas contractar o caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha; que uma dessas bases era, que o governo garantia um minimo de juro anil mil até G por cento, e 1 por cento de amortisação sobre o capital effectivamente dispendido; que tendo-se depois adoptado para base do contracto o systema do capital definitivamente fixado, e tendo-se modificado outras condições do programma, neste caso o governo não devia ter effectuado o contracto definitivo com a actual companhia, sem abrir nova praça, e chamar as outras companhias concorrentes, e só depois disto é que o governo devera ter contractado, e contractado com aquella que offerecesse mais garantias. Eis o argumento do illustre deputado.

Não procuro, sr. presidente, disfarçar a importancia deste argumento; mas os illustres impugnadores do projecto deviam mostrai se o governo, nas circumstancias em que se achava, e na situação em que estava collocado, podia e devia levar a nova praça o programma reformado, exarando nelle as condições que linha concordado com a companhia?

Por esta occasião não deve esquecer, que o sr. deputado Carlos Bento, no seu enthusiasmo pelos nomes, que proclamou aqui, se esqueceu um pouco do principio do concurso, citando como dignos da imitação os exemplos practicados na França, no tempo da monarchia constitucional, onde o ministro das obras publicas, por sua propria auctoridade podia affastar todas as companhias que fossem ao concurso, embora legitimamente habilitadas nos lermos do programma, quando intendesse que ellas não eram compostas de pessoas serias.

Eu não intendo um tal modo de concurso: queria um concurso franco, leal, e aberto para todos; não intendo concursos em que possa ser permittido ao ministerio ou ao governo affastar as pessoas com o pretexto, ou pois razão de que não são pessoas de sua inteira confiança; declaro que concursos assim não Os quero. (Apoiados)

Quero, respeito e adopto o principio do concurso. Se se Imolasse de um contracto que o governo podesse levar a effeito sem dependencia da sancção parlamentar, o concurso era uma garantia, que não podia dispensar-se; e nesse caso o concurso era expressamente prescripto pela nossa legislação. Aqui porém o concurso não é um principio legal, porque o contracto não póde valer sem approvação das côrtes; mas póde ser um meio do illustrar a votação das camaras sobre o preço e vantagens do contracto; e se não houvesse circumstancias muito especiaes, intendia, que o governa não deveria trazer o contracto á approvação

do parlamento, sem ter aberto nova praça sobre as condições accordadas com a companhia. É preciso porém vêr como as cousas se passaram.

Tendo-se aberto o concurso para a feitura do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, conforme o programma de 6 de maio de 1852, apresentaram-se varias companhias, segundo dizem os illustres deputados, e é facto; mas pergunto aos illustres deputados quantas foram as companhias que concorreram legalmente habilitadas ao concurso? Foi uma unica. Havia, é verdade, outros papeis, a que se chamaram propostas, e entre essas uma a que os illustres deputados se referiram por mais de uma vez, houve uma proposta feita pelos srs. Pelo, Brassey e outros, e a estes respondeu-se-lhes que a sua proposta não podia ser acceita em presença do programma, porque este estabelecia como condição indispensavel, para entrar em transacções, o deposito previo de 1 por cento, em moeda sonante, do custo total presumivel da construcção da primeira secção do caminho; apesar disto aquelles cavalheiros mandaram outro papel, mas não quizeram depositar. E dava-se isto como prova de que elles quizessem seriamente contractar, porque não queriam perder o deposito. (Apoiados) E por ventura se tivessem feito o deposito, perdiam a importancia delle se não fosse feita a concessão provisoria? Pois não dizia o programma que o deposito seria restituido caso se não ultimasse o contracto provisorio, ou levado em conta no deposito que se devia fazer, caso se concluisse o contracto definitivo?... Que receios podia ler esta companhia em fazer o deposito? Nenhuns. (Apoiados) Se acaso havia da parte dessa companhia vontade de contractar sobre este assumpto, por causa da circumstancia de ler de fazer o deposito não devia privar-se de entrar em transacções.

Sr. presidente, não trado nunca dos individuos que compõem uma qualquer companhia, tracto só da maneira como essa companhia se apresenta; para mim, embora esses cavalheiros a quem e referi, sejam respeitaveis, embora dêem pelos seus nomes boas garantias, embora os que figuram na companhia actual não se possam dizer igualmente pecuniosos, para mim valiam mais os factos que as pessoas; infelizmente de nomes estamos mais que satisfeitos, a respeito de realidades não o temos estado até agora. (Apoiados)

Essa companhia, representada pelos srs. Peto e Brasseey, não só não se quiz prestar a fazer o deposito, não só pedia um preço superior ao que foi contractado, devidamente comparadas as condições, e extensão da construcção, mas declarou expressamente, que não ficaria sujeita á inspecção do governo, senão na parte, meramente, que diz respeito á segurança publica; de maneira, que o governo não podia fiscalisar, não podia vêr se o projecto era rigorosamente observado em todas as suas partes, e se na construcção se satisfaziam a todas as condições da arte! Isto era inadmissivel. (Apoiados)

Compara-se tudo isto com o que se ajustou com a companhia Hislop. E mesmo em relação á parte que diz respeito aos privilegios de estrangeiros, deve comparar-se o que se concedeu ou estabeleceu com a companhia Hislop, com o que exigia a outra companhia dos srs. Peto e Brasseey. Esta companhia dizia na sua proposta. A empreza reserva para si todos os direitos affiançados pelos tractados dos subditos britanicos; (e não se tractava aqui dos individuos, mas sim

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da empreza), e declara, que as obras nunca serão reputadas propriedade nacional, n Se não eram propriedade nacional, como haviam de estar sujeitas ás leis e tribunaes do reino? E que estipulou o governo com a companhia Hislop? Veja-se o artigo 70 do contracto, que diz o seguinte:

”A companhia, seus contractadores, agentes e operarios, estarão sujeitos, em tudo o que diz respeito a esta concessão, ás leis e aos tribunaes do reino de Portugal. O governo, pela sua parte, lhes garantirá, e ás suas propriedades, a mesma protecção, que as leis do reino conferem aos nacionaes. 35 R diz-se que não está aqui tudo quanto estava no programma? Pois, por ventura, póde-se exigir alguma cousa mais do que a sujeição ás nossas leis e tribunaes, em tudo quanto diz respeito ao contracto? (Apoiados) Como se assevera, pois, que ha differença entre o pensamento do contracto e o do programma? Se ha differença, ella consiste em estar o pensamento do contracto formulado de uma maneira mais determinada e explicita; no programma estabelecia-se o principio geral; no contracto desenvolve-se esse principio pelo modo mais satisfactorio. O artigo 70 joga com o artigo 80, e esse artigo diz o seguinte. (Leu)

De maneira, que desde o momento que os árbitros do governo não combinem com os árbitros da companhia; desde o momento que o governo não combine com a companhia sobre a nomeação de um quinto arbitro, a decisão do negocio e commettida ao contencioso administrativo, isto é, todas as duvidas e reclamações são julgadas sem recurso por um tribunal portuguez, (Apoiados) Depois disto, como se póde asseverar, sr. presidente, que a respeito deste pontoo governo fez concessões, que não devia fazer, e que concedeu o mesmo que pediam outras companhias, quando o que elles pediam era uma cousa insustentavel, e que não podia ser concedida? (Apoiados)

Collocado o governo em circumstancias excepcionaes, que caminho linha elle a seguir? Figurem-se as cousas como ellas se passaram na realidade. O governo apresentou o seu programma. Só a companhia representada pelo sr. Hislop fez o deposito, e se apresentou regularmente; os mesmos srs. deputados que impugnam o contracto, confessam que o governo não podia fazer a concessão provisoria a outra companhia, porque foi esta a unica que se tinha legalmente habilitado, e que se sujeitava ás condições essenciaes do programma. Uma das condições da concessão provisoria era, que dentro de um certo prazo a companhia se mostraria habilitada para obter a concessão definitiva, mas a companhia não se mostrou habilitada dentro desse prazo fatal. Que devia o governo fazer nestas circumstancias? Devia quebrar com a companhia? Devia aproveitar-se da grande ventura a que se referiram os srs. deputados, das 10:000 libras do deposito provisorio? Devia o governo, representante dos altos interesses da nação, aproveitar-se do principio rigoroso estabelecido no contracto para haver da companhia essas 10:000 libras, quebrando inteiramente com ella e abrir nova praça; ou devia, como fez, convencido de que os obstaculos que se levantaram para a definitiva organisação da companhia, não eram insuperaveis, conceder uma moratoria por algum tempo para que a companhia se mostrasse legalmente habilitada para poder contractar? (Apoiados)

Ninguem ignora o que se passou em Portugal e na praça de Londres, ninguem ignora a guerra a todo o trance que se moveu ao caminho de ferro, e infelizmente por parte de homens portuguezes, que deviam ter um pouco de patriotismo, um pouco de sentimento portuguez, para pospor mesmo os seus interesses pessoaes a uma questão de tão alto interesse nacional! (Apoiados) Ninguem ignora a guerra que se fez por parte de altos estabelecimentos monetarios do paiz. Ninguem ignora a celebre declaração do Stock-exchange, que os proprios srs. deputados confessam que não teve um fundamento verdadeiro. Por ventura disse o Stock-exchange que não cotava as acções porque não confiava nos individuos que compunham a companhia? O que o Stock-exchange disse, foi, que não colava as acções porque o rendimento que o governo de Portugal offerecia como garantia especial do caminho de ferro, estava hypothecado aos bonds-holders e isto não era verdadeiro, porque o imposto das notas, especialmente applicado para o caminho de ferro, foi creado posteriormente a toda a divida externa, e não podia estar applicado a esta divida uma cousa que nasceu depois della; os mesmos srs. deputados reconhecem que o fundamento que o Stock-exchange tomou para fechar as portas á colação das acções do caminho de ferro, foi um fundamento menos verdadeiro. Mas o que prova essa circumstancia, o que prova essa especie de mancommunação fatal que existia dentro e fóra do paiz para que não se levasse a effeito esta empreza? Prova que se o governo tivesse posto novamente a concurso a concessão do caminho de ferro, é muito provavel, é talvez certo que não havia de obter melhores condições, e provavelmente não obteria nenhumas, porque a guerra que se moveu, não tendo por fim senão separar completamente o governo da empreza, e impossibilitar a realisação do caminho de ferro, pelos mesmos meios impediria que outras emprezas concorressem. (Apoiados)

Sr. presidente, se as circumstancias fossem regulares e normaes, apesar de ler de vir este contracto a ser sujeito posteriormente á sancção parlamentar, o governo andaria bem e regularmente se tivesse aberto nova praça, principalmente sobre a base da fixação do capital, nova condição, que foi accordada com a companhia Hislop) mas não podia deixar de attender ás circumstancias extraordinarias em que se achou collocado; e se elle intendeu que podia e devia, sem comprometter os interesses publicos, conceder á companhia a moratoria, para que ella se habilitasse, os factos vieram provar que o governo obrou prudentemente; porque, quando se dizia, que a companhia não havia de realisar o deposito, a companhia effectivamente o realisou, e se agora se diz que ella não ha-de realisar a obra, espero que tambem ha-de desmentir essa asserção.

«Mas o governo entrou com 1.200:000$000 reis como accionista» — É verdade; e o governo, entrando com 1.200:000$000 réis como accionista, verificou uma condição de grande e incontestavel vantagem publica — Quando mais não fosse, bastará notar, que se tracta da primeira empreza desta natureza no nosso paiz; e por isso muito convem que o governo tenha toda a ingerencia nos negocios internos da companhia, fazendo-se representar na direcção e na assembléa; e demais, o governo, entrando com um terço do capital, attenuou o encargo do

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juro e amortisação, e gosa da vantahem, que podia dar a fixação do preço.

Mas relativamente no preço. Com quanto deixe essa questão para os meus collegas da commissão mais competentes, para della tractarem, não posso deixar de fazer algumas considerações sobre este ponto, que é aquillo que mais debatido tem sido. Em primeiro logar peço a camara que note, que tem havido alguma confusão quando se tracta de comparar o preço do caminho de ferro, estipulado pelo governo no contracto, com o preço de outros caminhos de ferro de outros paizes. Por exemplo, allude-se á Belgica; mas na Belgica a maior parte dos seus caminhos de ferro são construidos por conta do estado, e o preço significa o que effectivamente se dispendeu na construcção desses caminhos. (Apoiados) Em outros paizes os caminhos de ferro são construidos por companhias; por exemplo, em Inglaterra, onde não ha a garantia do juro, que representa o preço? Representa o que as companhias effectivamente dispenderam; mas entre nós não é assim; 50:511$150 reis por kilometro não é o que o governo ha-de dar por cada kilometro de caminho de ferro, é uma quantia que se fixa para sobre ella se garantir o juro de 6 por cento, e ½ por cento de amortisação durante 50 annos. E intendem os nobres deputados, que se o governo quizesse construir o caminho de ferro por sua conta, ou dá-lo de empreitada, obteria dinheiro por estes condições? (Apoiados) Pois o governo póde por ventura obter dinheiro a 6 por cento com ½ por cento de amortisação durante 50 annos? (Apoiados)

Folgo que o sr. Avila tivesse cedido da apprehensão que hontem manifestou, e que lhe suscitara a leitura da consulta de 16 de maio, do conselho das obras publicas, acêrca da supposta condição de que os concessionarios do caminho de ferro eram empreiteiros obrigados da companhia, apprehensão que foi desvanecida pelo sr. ministro das obras publicas; mas permitta ainda o nobre deputado lhe observe que o proprio documento que s. ex.ª leu, é que lhe devia provar que essa idéa era um sonho, uma pura fantasmagoria, porque a consulta de 16 de maio refere-se não aos actuaes concessionarios, mas aos srs. Waring & irmãos; foram elles e não os concessionarios, que tiveram essa pertenção, pertenção que foi rejeitada pelo governo, e em parte alguma do contracto se acha qualquer expressão donde, nem por sombras, possa deduzir-se que os srs. Waring & irmãos são empreiteiros.

O sr. deputado suscitou duas questões de direito, uma em relação á constituição da companhia, e outra em relação á procuração. É certo que no programma se escreveu que a companhia, antes de obter a concessão definitiva, devia mostrar que se tinha constituido em sociedade: mas com quanto o pio gramma nesta parte não esteja bem redigido, e formulado no rigor dos lermos juridicos, não se póde intender que se tracta de transformar a companhia em sociedade solidaria, nem e de esperar que se possa organisar uma sociedade solidaria para um negocio de caminho de ferro; é mesmo um principio de direito, que os textos obscuros se interpretem pelos claros, e o mesmo programma se refere em muitos artigos a uma companhia, e nunca a uma sociedade; tracta-se sim de que a companhia se organise legalmente, e legalmente se organisou a companhia, satisfazendo a tudo quanto se requer para que uma companhia se organise; isto é, foi reduzindo a escriptura os seus estatutos, e submettendo-os á approvação do governo.

Em quanto á questão da procuração o nobre deputado disse — que a procuração concedia poderes ao sr. Hislop para tractar em conformidade do programma — mas peço a s. ex.ª que se recorde, que ha mais alguma cousa na procuração, que amplia esses poderes.

Tenho na mão a cópia da procuração original em inglez, em que se concede ao sr. Hislop poderes para poder contractar com o nosso governo o caminho de ferro, nos seguintes lermos: — according lo lhe programme... and in conformity loilh the soummission of the present association nesta procuração dão-se-lhe mais todos os poderes para poder tractar e obter do governo qualquer concessão, que podesse ser feita relativamente ao objecto Sendo isto assim, sendo os termos da procuração muito claros e explicitos, ampliando-se-lhe e facultando-se-lhe todos os meios para poder tractar do assumpto, é claro que se lhe dava toda a auctoridade para alterar condições: a associação ingleza approvava tudo quanto fosse feito pelo seu procurador. E isto confirma-se mais por um facto, qual é, que a proposta apresentada ao governo, e referida na procuração está simplesmente assignada pelo sr. Hardy Hislop, como procurador: já se vê que o procurador estava auctorisado para tractar com o governo sobre tudo o que dissesse respeito a este negocio, e daqui deduz-se que o que se teve em vista, foi auctorisar este procurador para tractar com o governo, não só em plena conformidade com o programma, mas tambem para alterar algumas das suas condições, se assim se intendesse conveniente.

Direi alguma cousa sobre a questão do preço do kilometro, a respeito da qual já outros oradores mais habeis fallaram, e responderam, na minha opinião, satisfactoriamente aos argumentos apresentados contra o mesmo preço estabelecido no contracto. Não posso deixar de observar, que em materias desta ordem, quando se tracta de ajuizar de um preço, por meio de analogias, é preciso uma analyse severa para se poder aceitar; ha alguns caminhos de ferro, e particularmente os inglezes, que custaram sommas immensas, por exemplo, os tres kilometros da entrada em Londres do caminho de Southauipton custaram para cima de 4.000:000$000 réis, isto é mais que toda a nossa linha de Lisboa a Santarem; acham-se por outro lado outros extremamente baratos; alguns como o de Charleston a Augusto, e o do Petersburg a Roanoke, e outros caminhos de ferro americanos, custaram 6 e 8:000$000 réis por kilometro; quando os lermos extremos são ião distantes, é difficil achar uma media rasoavel, e intendo que deve haver a maior cautella, quando se queira demonstrar que ha uma inteira analogia entre um termo que se quiz inculcar, com aquelle com que se quer comparar.

Os illustres deputados que impugnaram o projecto, tem-se esforçado para mostrar que ha analogia entre o caminho de ferro, que entre nós esta contractado, e os caminhos de ferro americanos. Intendo, sr. presidente, que na posição dos illustres deputados que impugnam o projecto, fizeram bem em irem buscar os caminhos de ferro mais baratos, porque assim lhes convinha mais, para os seus argumentos; mas

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é preciso examinar primeiro, se são exactas as premissas donde os illustres deputados partem.

Em primeiro logar seja-me licito notar, que se tem argumentado muito com a consulta do conselho das obras publicas, de 15 de janeiro de 1852; tem-se argumentado muito com esta consulta, e o illustre deputado do lado direito, declarando-se incompetente sobre o assumpto, disse que, para dar maior peso aos seus argumentos, apoiar-se-ia na opinião do proprio conselho.

Admiro me porém, sr. presidente, que se tenham citado alguns trechos da consulta deste conselho, para mostrar que ha mais analogia entre este caminho de ferro que se propõe, e os caminhos de ferro americanos; e não se citassem outros trechos, os quaes podiam servir de respostas a algumas conclusões, que a este respeito o illustre deputado pertende tirar. Se a auctoridade do conselho vale para a analogia do systema de construcção, devia valer tambem para a analogia do preço.

O illustre deputado leu alguns trechos da consulta e eu lerei outros, que vem muito para o caso (Leu). «O conselho não pertendeu todavia estabelecer de modo algum que a construcção da linha ferrea seja entre nós tão barata, como o tem sido nos Estados Unidos; o custo das expropriações e dos materiaes, sobre tudo a madeira, é alli muito menor; n'uma palavra as nossas circumstancias economicas e físicas são manifestamente muito diversas. Por isso o conselho julga que o custo effectivo do caminho de Lisboa a Santarem, em conformidade do projecto da companhia, se ha de aproximar do que corresponde ao preço medio dos caminhos de ferro belgas.»

Ninguem ignora que os caminhos de ferro americanos se tem construido extremamente baratos, mas tambem ninguem ignora as circumstancias especiaes que se dão naquelle paiz, para que isto assim aconteça, e as quaes muito differem das nossas; basta notar que alli é quasi nenhum o preço das expropriações; que as madeiras são de graça para a maior parte dos caminhos; e assim, ainda quando as condições de arte fossem as mesmas em Portugal, o preço seria muito mais subido.

Mas os illustres deputados, sustentando que o nosso caminho de ferro se aproxima do typo americano, partem de uma base falsa, porque não reparam, ou não querem reparar, que a consulta do conselho se refere ao projecto apresentado pelo engenheiro da companhia; mas o contracto modificou muito expressamente as condições de construcção do projecto; (Apoiados) no contracto se estabeleceram em quanto aos raios das curvas e aos declives, condições muito mais rigorosas que as que se acham em algumas partes do projecto, particularmente no ramal que se projecta sobre Xabregas, e que foi completamente eliminado.

Sr. presidente, o nobre deputado o sr. Avila insistiu particularmente a respeito dos pilares das pontes e viaductos, sustentando que eram de madeira.

Parece-me que o illustre deputado, quanto a este ponto, se esquecera do que dispõe o artigo 42.º do contracto. Este artigo é tão claro, que custa a acreditar que haja alguem que duvide do que elle quer dizer.

O artigo diz o seguinte (Leu), a As pontes e viaductos que hajam de construir-se, serão de alvenaria, de ferro, ou de madeira, com encontros e pilares de alvenaria j estes encontros e pilares serão calculados de modo que no futuro a madeira possa ser substituida por alvenaria ou ferro.»

De maneira que não só se determina que os pilares sejam de alvenaria, mas ainda se exige que sejam construidos com bastante solidez, para que possam sustentar a alvenaria ou ferro. Em presença desta disposição clarissima, vem o nobre deputado argumentar com o projecto, e com a consulta, e com a portaria que se referem ao projecto! O que se approva aqui é a portaria e a consulta, ou o contracto? Se o illustre deputado intende, que apesar da estipulação expressa do contracto, os pilares são de madeira, poderia dizer tambem que o preço não é de 50:511$150 réis, que está no contracto; mas é o que está no orçamento do sr. Rhumball, ou aquelle a que se refere a consulta do conselho. Pois o contracto vale para fixar o preço, e não vale para prescrever as condições da construcção? (Apoiados)

Disse ainda o nobre deputado, que para modificar as condições do projecto, seria preciso que o governo o tivesse mandado reformar antes de se fazer o contracto definitivo; de certo não leu o artigo 17.º do contracto, que diz o seguinte. (Leu) «A companhia deve apresentar dentro de 10 mezes, contados da data da concessão definitiva, os trabalhos que fallam para completar o projecto do caminho de ferro, comprehendendo todas as obras de arte, estações, officinas, e quaesquer outros edificios. O governo poderá fazer no projecto acima mencionado todas as modificações, que julgar necessarias e uteis.?) Avista disto que duvida póde haver? Mas o nobre deputado insiste nos pilares de pão, e diz que nesta parte o seu argumento não tem replica; lembram-me os versos de um dos nossos poetas, descrevendo certo individuo muito afferrado á sua opinião, a quem faz dizer:

Ha-de ser de pão o copo

Em quanto Deos me der falla!

(Riso). Apesar disto, intendo que a alvenaria não é pão.

Sr. presidente, o illustre deputado, em relação aos caminhos de ferro na Belgica fallou muito, e não posso segui-lo nos seus algarismos, dos quaes não pude tomar nota; e em quanto á base dos calculos apresentados pelo illustre deputado, nem sei mesmo onde a poderia encontrar: é aquella pela qual s. ex.ª concluiu que o preço medio do caminho de ferro da Belgica a que se referiu, não é o calculado nos livros que por ahi andam nas mãos de todos, mas sim outro muito inferior.

O illustre deputado achou a média de 47:000$000 réis, mesmo depois de calcular a despeza da segunda via, para os caminhos de uma via só. Entretanto os escriptores que se tem occupado destes assumptos, tomando indistinctamente os caminhos devia dobrada, e de via singella, acharam outras médias mais elevadas. Não admira, que não haja concordancia entre os diversos auctores, porque o preço medio varia conforme a época a que se refere; (Apoiados) tendo sempre continuado na Belgica a construcção de caminhos de ferro, o preço maior ou menor dos novos caminhos, e os melhoramentos executados nos artigos, influem nessa variação. A média apresentada no relatorio da commissão, é conforme á de mr. Legoyt, que se refere ao anno de 1844; posteriormente um distincto escriptor inglez, Lardner, achou a média de réis 50:600$000 por kilometro, referindo-se ao anno de

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1850; e o Annuario de mr. Chaix, que já, foi citado pelo illustre relator da commissão das obras publicas, achou a média de 50:100$000 réis, referindo-se aos caminhos construidos pelo estado em 1352; em vista de taes auctoridades, parece-me, que alguma circumstancia terá sido involuntariamente omittida nas bases do calculo do illustre deputado...

O sr. Avila: — Os calculos são verdadeiros, são exactos: são documentos apresentados pelo governo á camara da Belgica; e posso apresenta-los ao illustre deputado, se os quizer ver.

O Orador: — Folgaria muito de vê-los; entretanto, não posso rejeitar a auctoridade dos escriptores que citei.

O illustre deputado a quem me refiro, ainda fez uma observação, e é, depois de achar a sua média dos caminhos de ferro, disse: anotai que as expropriações da Belgica foram mais caras do que em Portugal, e portanto deve deduzir-se a differença da despeza que se fez com estas expropriações, comparadas com as que é preciso fazer em Portugal.

Mr. Tesserein, referindo-se ao anno de 1839, diz que a média das expropriações dos caminhos de ferro belgas, importa em 23:000 francos, ou 3:500$000 réis, e mr. Julien, referindo-se a 1845, dá a média de 44:000 francos, ou 7:400$000 réis. Para se deduzir, porém, a differença do preço das expropriações, comparada a Belgica com Portugal, era necessario mostrar que não ha aqui outras differenças para mais que compensem a differença das expropriações.

Quando se adopta por typo o preço medio de um certo paiz, suppõe-se que as differenças para mais e para menos se compensam; mas quando desse preço medio se quer deduzir uma parte por ser inferior uma certa parcella, é necessario descer á analyse rigorosa de todas as parcellas, e mostrar que nellas não ha differença, ou que tambem se tomaram em conta. (O sr. Ministro das obras publicas — Apoiado) Mas isto não o fez o illustre deputado. Procurarei eu em parte supprir esta falla.

Quer a camara saber o que dizem os mesmos auctores a respeito de outros pontos mais essenciaes sobre o objecto? Ninguem ignora que o movimento de Terras é uma circumstancia que influe muito consideravelmente para mais ou menos no preço; mas mr. Julien diz que o termo medio do movimento de terras é na Belgica de 12 mil metros cubicos por kilometro, chegando em alguns caminhos a 20 mil metros, em quanto que no nosso caminho de ferro regula por 30 mil melros cubicos por kilometro. Além disto, na Belgica o peso dos carris de ferro é regularmente de 22 kilogrammas por metro, e aqui os carris devera ter de peso pelo menos 30 kilogrammas; se além disto se attender ao maior preço que tem actualmente o ferro, já se vê que ha muitas differenças para mais, que compensam a differença nas expropriações. (Apoiados)

Sr. presidente, tambem Recitara a Hespanha: tambem se notou que não se fossem buscar exemplos a esta nação. Mas que pertendem os illustres deputados com os exemplos que vão buscar a Hespanha? Vão buscar exemplos aos caminhos de ferro construidos ou projectados? Tracta-se de comparar o preço do nosso caminho de ferro, com o preço que tem custado os caminhos de ferro que se têem feito, ou com aquelles que se tem projectado, e que não sei se se fariam. Parece-me que de certo era mais rasoavel

Ir buscar aquillo que está feito, do que o resultado de um calculo, que póde ser mais ou menos fallivel. O illustre deputado sabe que a linha de ferro de Aranjuez a Madrid é a linha mais imperfeita possivel, além de ler uma só via; e no entretanto, este caminho de ferro custou 60 milhões de reales; isto é, 51:000$000 réis por kilometro. Portanto, esta linha foi muito mais cara, além de ser feita com condições muito peiores do que o caminho de ferro que se projecta fazer entre nós.

Intendo que muito mal faria o governo se fosse buscar este exemplo de Hespanha; e se o governo viesse pedir para um caminho de ferro muito mais imperfeito do que aquelle que se projecta, um preço muito maior do que o que se acha estabelecido no contracto, então é que com razão se poderia dizer que o governo não fiscalisava os dinheiros do estado. Em relação, porém, aos caminhos de ferro projectados em Hespanha, todos sabem o que se passara naquelle paiz; todos sabem que certas concessões de caminhos de ferro foram alli a causa da queda do ministerio; e apesar do baixo preço de algumas, eram ellas fortemente censuradas pelo parlamento e pela imprensa daquelle paiz; asseverando-se, que debaixo dessa condição apparentemente vantajosa se encobriam grandes decepções, e grandes prejuizos á fazenda publica.

O illustre deputado ainda citou, em relação a Hespanha, um outro facto; e eu chamo sobre esse facto a attenção da camara. Tenho presente, sr. presidente, o decreto de 21 de novembro de 1852, pelo qual se concedeu a linha de Ciudad Real; o governo obrigava se a pagar o preço estipulado em obrigações do caminho de ferro com juro de 6 por cento, e amortisação de 1 por cento até final embolso; e com a condição de que o districto compraria ao par ao emprezario metade dessas acções, isto é, em favor do emprezario; isto mostra, que metade do preço representava uma empreitada, e a outra metade era contractada pelo systema de garantia de juro, mas com condições mais onerosas que as do nosso contracto: por tanto é evidente, que sendo estas condições muito mais vantajosas para a companhia em Hespanha, o preço podia ser menor dando o mesmo lucro; por isso este facto que o illustre deputado citou, é contraproducente.

Tambem se citou a opinião do sr. Dupré. entre os documentos que foram presentes á camara, esta o orçamento do engenheiro Dupré, e delle consta, que o custo total em que foram orçados os 10 kilometros do caminho de ferro desde Lisboa até Sacavem importa em 548:327$419 réis o quéda 54:000$ réis por kilometro.

Comprehendem-se, porém, aqui algumas obras de arte, que pertencem a toda a linha; e querendo comparar este orçamento com o preço estipulado para os 72 kilometros, nos quaes tambem se comprehendem, deve aqui abater-se o seu preço, e dividir-se pelos 72 kilometros; abatendo por tanto as seguintes verbas:

Estação de Lisboa..... 120:267$880

Muro do cáes......... 98:480$000

Ponte de Sacavem..... 35:200$000 253:947$880

Resta.................294:379$539

por kilometro..................... 29:437$000

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Dividindo o preço da estação, muro do cáes, e ponte de Sacavem, pelos 72 kilometros de Lisboa a Santarem, cabe a cada um................. 3:500$000 e juntando o custo da segunda via.... 6:000$000 juro capitalisado................... 3:580$000

Telegrafo electrico, despezas technicas e administrativas................ 1:900$000 tinhamos por kilometro............. 47:917$000

Deve porém notar-se, que entre Sacavem e Santarem ha 22 pontes, lo viaductos maiores, a estação em Santarem, sendo de grande despeza a ponte de Villa-Franca, e a de Villa-Nova — ha o viaducto sobre o canal da Azambuja de 1:500 pés — mais 2 de 250 pescada um, etc Estas obras de arte, cujo custo deve igualmente dividir-se por toda a linha, não podem custar menos de 200:000$000 ou por kilometro......................... 2:500$000

Juntando a isto a differença no preço do ferro, que não é menor de 6$000 reis por tonelada, sobre o preço de 48$000 réis calculado por Dupré — tendo o carril 30 kilogrammas por melro, são 120 toneladas por kilometro, que importam para mais em... 720$000

Preço por kilometro............... 51:137$000

Tomando-se pois em consideração as verbas não comprehendidas no orçamento do engenheiro Dupré, e adoptado por base o seu orçamento, ve-se que este não é inferior ao preço contractado.

O ponto principal, é que se não tracta aqui de fixar um preço de empreitada, tracta-se de fixar uma quantia sobre a qual se garanta um certo juro, e uma certa amortisação por um praso limitado. O illustre deputado calculou, que se o juro fosse a 5 por cento, o capital estaria amortisado dentro de 150 annos; e suppondo o producto liquido do caminho de ferro, nos ultimos 50 annos, de 5 por cento, elevara a um enorme algarismo os lucros da empreza. O illustre deputado disse, que a Belgica e a França levantavam dinheiro por menos preço ainda; que oxalá nós o podessemos fazer. Mas qual é o emprestimo que em Portugal se tem levantado por este preço, ha muito tempo? Embora hoje haja mais abundancia de capitaes, não julgo que seja possivel levantar dinheiro por este preço: a verdade é, que os nossos governos teem levantado dinheiro a 10 e 12 por cento, e o levantar-se hoje a 7 4 por cento, para as nossas circumstancias, já é uma fortuna; mas absolutamente fallando, não se póde dizer, que este preço é baixo.

Pois como podem os illustres deputados suppôr, que se poderia levantar dinheiro abe. meio por cento? Qual foi o emprestimo que o illustre deputado levantou por esse preço, como ministro? Não se argumente com o emprestimo dos 4:000 contos a 5 por cento: já disse, e repilo, que este emprestimo não foi a 5 por cento, podia até estipular-se sem juro nenhum, e ter um juro enorme pelo modo como foi contractado.

Sr. presidente, disse o illustre deputado que não se podia saber se havia vantagem na reducção do prazo, pelo qual se garante o juro a 50 annos, e na reducção da amortisação a meio por cento durante os mesmos 50 annos, o que corresponde a amortisar só um quarto do capital. Não posso concordar nesta idéa; a verdade é que ninguem acreditaria que o governo podesse levantar dinheiro ao par a 6 por cento de juro, e meio de amortisação, tudo só por 50 annos; e sendo estas condições de uma vantagem incontestavel, essa vantagem traduz-se no preço; isto é, tanto vale o contractar sobre estas condições por 50 contos por kilometro, como contractar a 6 por cento e 1 de amortisação, durante 99 annos, por um dado preço inferior áquelle. Eu não tenho tido tempo de desenvolver o calculo, para achar qual é esse preço inferior; mas é possivel, e até facil achar-se. (Apoiados)

Se se pertende calcular aproximadamente os encargos reaes do nosso caminho de ferro, deve attender-se a todo o systema do contracto.

Mr. Chevalier diz, que a receita dos caminhos de ferro em Inglaterra, sem deduzir a despeza de exploração, anda por 17:000$000 réis por kilometro; e em França por 8:500$000 réis; e a do caminho de Orleans a París por 12:700$000 réis.

Segundo Mr. Chaix. a receita dos caminhos de ferro belgas, foi em 1849 de 3:811$000 réis por kilometro, em 1850 de 4:539$000 réis, e em 1851 de 4:879$000 réis. Esta receita é muito variavel nos diversos paizes, não só em attenção ao maior ou menor movimento de passageiros e mercadorias, mas tambem ás tarifas. Mr. Chevalier diz tambem, que a receita liquida dos caminhos de ferro comparada com a receita total, anda regularmente na razão de 55 por cento.

Eu, sr. presidente, intendo, que o caminho de ferro de que se tracta, tem um grande futuro, logo que se ligue com as capitaes de Hespanha e França. Não supponho que se ache collocado desde logo nas circumstancias mais favoraveis, em que se acham collocados outros caminhos de ferro da Europa; mas parece-me poder suppôr, que o nosso caminho de ferro nos primeiros 50 annos renderá 3 por cento, o que corresponde a uma receita liquida de 1:500$000 réis por kilometro liquido, e parece-me que esta minha supposição é sobejamente auctorisada com os exemplos dos outros caminhos de ferro. Sobre esta base, suppondo o rendimento liquido de 3 por cento durante os primeiros 50 annos, apresentarei um calculo que me parece não ter nada de exaggerado.

Calculo dos encargos annuaes do caminho de ferro, além dos 1.200:000$000 réis com que o governo subscreve, suppondo que o producto liquido da exploração será de 3 4 nos primeiros 50 annos.

Bonus aos concessionarios, encargo annual permanente................. 5:455$204

Amortisação de ½ por cento, encargo

fixo durante 50 annos............. 18:184$014

Juro garantido sobre 3.632:802$000 réis 218:208$168 réis.

Abatendo 1/3 correspondente ao capital do estado 72:736$056

145:472$112

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Abatendo o producto liquido a razão de 3 por cento............... 72:736$056

72:736$056

Abatendo o producto liquido da parte pertencente ao governo, a razão de 3 por cento____ 36:368$028

Fica reduzida a despeza effectiva por

garantia de juro no primeiro anno a 36:368$028

Esta despeza é variavel pela deducção da parte de capital amortisado para a garantia do juro, e desce no ultimo dos 50 annos a..................27:276$021

Total dos encargos annuaes no primeiro anno.......................... 60:067$216

Em cada um dos 50 annos vai em escala descendente até ao ultimo dos 50 annos, no qual é de........... 50:915$239

Encargo permanente depois dos 50 annos 5:455$204 Portanto, destas comparações colhe-se, como já demonstrei, que rendendo o caminho 3 por cento liquidos nos primeiros 50 annos, além da entrada por ½ do capital, o governo tem um encargo annual durante 50 annos, que será no maximo sobre a base do terço 60:067$216 réis, e no minimo 50:915$239, e que além de 50 annos lhe resta apenas o encargo a que corresponde o juro das inscripções, que são dadas como bonus aos concessionarios que, couro já disse, é apenas de 5:455$204 réis.

Estas cifras não são irrecusaveis, porque se parte da base do rendimento dos 3 por cento liquidos; mas esta base não é exaggerada; e na minha opinião este modo de calcular os encargos do caminho de ferro é mais exacto do que calcular o preço em que importaria como se fosse construido por conta do estado, ou por empreiteiro. (Apoiados)

Parece-me pois que em vista de taes encargos, comparados com as vantagens inquestionaveis e reconhecidas, que desta linha devem resultar; comparados com o grande interesse que lemos em entrar desde já nesta communhão de interesses e de civilisação européa, de que ha demasiado tempo estamos affastados; comparados com as immensas vantagens que devem resultar para o paiz deste poderoso elemento de prosperidade: e se se attender a que devemos tomar em linha de conta as nossas circumstancias especiaes, o preço dos capitaes entre nós, o augmento que ha-de resultar nos sallarios em razão do maior numero de braços que tem de se empregar, a necessidade em que os empresarios se hão-de vêr, de lerem de trazer de fóra do paiz trabalhadores, que hão-de levar um sallario mais forte; se se attender a todas estas considerações, intendo que a camara fará um grande serviço á nação, approvando este contracto. estou profundamente convencido, sr. presidente, que o contracto não só não é um contracto oneroso para a fazenda, mas que tem todas as garantias de facto, garantias que vem das suas estipulações muito claras p positivas, e que rejeitam todas as pretenções que no futuro se podessem levantar para suscitar questões de menos justiça, ou para fazer valer outras obrigações além daquellas que legitimamente se estipularam.

Concluo por tanto approvando, e pedindo á camara que approve o contracto celebrado entre o governo e a Companhia Central Peninsular, porque intendo que delle devem resultar grandes vantagens para o paiz, e porque tem em si todas as garantias que derivam dos factos; e eu que respeito muito as pessoas, quando se tracta dos negocios publicos, respeito muito mais os factos, porque a respeito das pessoas póde haver paixões, e a respeito dos factos não ha mais que a apreciação da sua exactidão e da sua verdade. (Muito bem, muito bem. — O Orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. ministro do reino (Rodrigo da Fonseca Magalhães): — Pedi a palavra para mandar para a mesa as duas seguintes propostas de lei. (Leu)

1. Auctorisando o emprestimo de 2:640$000 réis, sem vencimento de juro, que a camara municipal da Horta contrahiu, para ser empregado no concerto das calçadas da referida cidade.

2. a Auctorisando a camara municipal do concelho de Almada a contractar com qualquer empreza, ou companhia, o estabelecimento de communicações diarias e regulares, por meio de barcos movidos a vapôr, entre os pontos de Lisboa e Cacilhas, e a fornecer-lhe annualmente, pelo seu cofre uma quantia até 600$000 réis.

(Continuando). Esta proposta vem acompanhada de todos os documentos para melhor se conhecer a circumstancia em que está a camara municipal de Almada, para se lhe conceder esta auctorisação que pede ao governo, e que o governo vem propôr ao corpo legislativo. O governo intende que é de summa utilidade fazer a concessão, assim como espero que a camara approvará a outra proposta, a respeito da camara municipal da cidade da Horta, que é a todos os respeitos a mais vantajosa e mais interessada possivel.

Peço a urgencia das duas propostas.

Approvada a urgencia, foram remettidas á commissão de administração publica.

(E se consignarão quando se discutirem os respectivos pareceres).

O sr. liarão de Almeirim: — Pedi a palavra nesta discussão inscrevendo-me contra, mas não venho com tudo combater o caminho de ferro; nem se julgue por forma nenhuma que eu sou inimigo dos caminhos de ferra entre nós, por que isso seria desconhecer completamente as grandes vantagens que estas construções teem trazido a todos os paizes da Europa, e as quaes muito desejo tambem para o nosso

Sr. presidente, ninguem póde duvidar que a construcção de caminhos de ferro deve produzir neste paiz resultados ião maravilhosos como aquelles que tem produsido em outras nações. Citarei para exemplo a Inglaterra, aonde lendo-se formado calculos sobre o resultado dos caminhos de ferro, construidos estes, os resultados excederam de uma maneira muito consideravel todos os calculos que se linham feito antes. Algumas linhas ferreas naquelle paiz que se estabeleceram entre cidades, que até alli não tinham communicação nem para uma diligencia, apenas estabelecidas, deram em resultado um tal augmento de circulação, que delle, com um pequeno direito de portagem, tirou o thesouro de Inglaterra muitas mil libras.

Em França aconteceu o mesmo a respeito de al-

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guns pontos onde se estabeleceu o caminho de ferro, tendo-se em vista obter um mais facil transporte, para o carvão de pedra, o resultado foi não só a conducção do carvão de pedra, mas de muitos passageiros e mercadorias, entre um e outro ponto.

Por consequencia vendo eu estes resultados e convencido de que no nosso paiz se devem igualmente experimentar, logo que se estabeleça a primeira linha de ferro, não posso por forma alguma combater estas construcções: mas não querendo dar um voto silencioso contra o projecto, pedi a palavra para dar a razão do meu voto.

Não pertendo discutir agora o contracto, porque na minha opinião está mais que sufficientemente discutido, por um e outro lado da camara (Apoiados); e intendo que nada se ganhará em prolongar esta discussão. Tambem não combato o preço do kilometro que se acha no contracto, porque com quanto reconheça que é carissimo, todavia não vejo neste preço uma razão tão grande para o paiz, que possa induzir a que se rejeite o contracto, e se prive o paiz de obter por mais tempo este grande progresso nos seus melhoramentos.

A razão principal porque combato o projecto, e por intender que faltou no contracto uma das condições mais essenciaes, qual II a do concurso em praça, depois de se haver alterado o programma; porque eu tenho a convicção de que a existencia deste concurso havia de trazer muito melhores resultado», e um preço muito mais vantajoso para o estado. Havendo-se pois faltado a esta solemnidade, intendo que sem quebra dos principios que sempre tem sustentado o lado esquerdo da camara, não póde ser approvado o projecto em dicussão.

Tambem no contracto ha um artigo sobre o qual é necessario que haja toda a cautella; é o artigo 70, que supponho não estar bastante claro, e desejava que se consignasse bem explicitamente, a idéa, de que os emprezarios deste caminho de ferro de modo algum poderão prevalecer-se do seu previlegio de estrangeiros, para poderem pedir outro julgamento que não seja o dos tribunaes da nação; e não um julgamento especial e privativo (Apoiados).

Por todas estas considerações, e sem querer entrar mais largamente nesta materia, que supponho estar sufficientemente discutida, limito-me a dizer que reprovo o parecer por lhe fallar uma solemnidade, que reputo essencial; e como actualmente haverá inconveniente em levar de novo o contracto á praça, e por outro lado reconhecendo a vantagem que haverá em se adoptar a substituição do sr. Avila, voto por essa substituição.

O sr. Vasconcellos e Sá: — Tenho commettido alguns actos de ousadia, e um delles é o de levantar a minha voz no parlamento, para fallar em uma questão das mais importantes que se tem agitado, seguindo-me a tão illustres oradores, que de um e outro lado da camara têem tractado este assumpto.

Sr. presidente, a questão do caminho de ferro é seguramente uma das mais importantes, e das de maior interesse publico que na camara se tem tractado. Se esta construcção fôr levada ao cabo com as cautellas e perseverança que o caso demanda, se nella não se inocular o espirito de agiotagem, como de certo não ha-de succeder: longe de lermos uma segunda edição da companhia monstro de 1845, que apenas tendo construido algumas centenas de braças de estrada empedrada, legou a este pobre paiz o encargo de mais de 2:000 contos de réis, fazendo muito menos do que, sem dispender 400 contos, se tem feito depois de 1850, pela administração do governo; tenho fé, que o espirito de associação para melhoramentos materiaes se ha-de desenvolver entre nós; e em um futuro proximo a nossa querida patria deverá apresentar um aspecto mais animador.

A questão de que se tracta, póde dividir-se em duas partes — condições de segurança para o estado, no modo e pessoas com que se contractou — e preço porque se ajustaram as obras, donde resultam os encargos para a nação.

Não entro na primeira destas questões, porque estou intimamente convencido que o governo de Sua Magestade, composto de pessoas em quem confio, andou bem nas condições de segurança; e mais forte estou nesta opinião, depois que ouvi o ex.mo ministro das obras publicas, e o nobre deputado o sr. Casal Ribeiro, no modo como responderam a s. ex.ª o sr. deputado Avila.

Peço licença a este sr. deputado para accrescentar mais algumas reflexões em resposta aos seus argumentos.

A mesma obra ou construcção póde ser feita de modo mui diverso, e custar mais ou menos, segundo o systema de construcção e materiaes que nella se empregarem. Se isto acontece em uma obra insignificante, muito mais se deve dar em uma obra Ião consideravel como a da construcção dos caminhos de ferro.

Os inglezes com os seus 10:500 kilometros de caminho de ferro, que tinham quando Mr. Chevalier escreveu, gastaram quatro vezes mais do que aquillo que os americanos tinham gasto com os seus 12.000 kilometros; mas a velocidade destes caminhos é de 25 kilometros por hora e a dos inglezes de 70 e mais.

Os caminhos de ferro belgas, que tantas vezes foram citados por s. ex.ª, têem apenas a velocidade de 29 kilometros por hora, e apenas o de Bruxellas para París tem a de 40; e aquelle que entre nós se pertende construir, pelas suas condições de arte, peso do rail por metro corrente de mais de 30 kilogrammas, ele, é para a velocidade de mais de 50 kilometros por hora, como o dos inglezes (Apoiados).

Estas construcções, sr. presidente, apezar do seu defeito de serem caras, tem-se emprehendido em todos os povos civilisados, porque as suas vantagens são incalculaveis. Em toda a parte, depois destas construcções, o numero de passageiros e mercadorias que se transportam, são dez vezes mais do que eram antes; e na Belgica, apezar da commodidade de viação que existia, multiplicou-se por dezoito.

Entre nós ninguem já desconhece que é impossivel deixar de seguir os outros povos nesta ordem de melhoramentos: havemos de ter uma linha d'i ferro que nos colloque ás portas de Madrid, assim como aquella capital ha-de juntar-se á do povo francez: as vistas mesquinhas de ninguem poderão impedir estas grandes construcções de arterias no mundo civilisado (Apoiados). Do mesmo modo havemos de ler uma linha ferrea que una Lisboa á cidade do Porto, de que resultarão grandes vantagens para este paiz, especialmente para as provincias do norte (Apoiado).

Sendo incontestavel a necessidade de começar tal obra, o que já não cedo; de dois modos podia ella ter logar, ou levantar o governo dinheiro para man-

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dar fazer as obras sob sua administração, como se tem feito em outras noções, ou contractar com uma companhia como practicou. Quem se der ao trabalho de calcular a quantia que a nação tem de pagar em 50 annos pelo contracto, no caso não provavel de que o caminho nada renda em 50 annos, nem mesmo poupo a despeza que hoje se faz com a conducção das malas do correio entre Lisboa e Santa rem, que fica gratuita pelo contracto (Apoiados) e a que trará o telegrapho eletrico entre taes pontos, cujo melhor serviço é de todos reconhecido, achará a quantia 10.655:821$156 réis a pagar em 50 annos.

Ora, como o governo não tem encontrado, mesmo nas épocas de maior credito, quem lhe empreste dinheiro a menos de 7,5 por cento, e isto não era para pagar em 50 annos amortisando por um quarto; supponha-se, comtudo, que encontra tal dinheiro a 7,5 e resolva-se o seguinte problema: — Qual será o ca pitai que o governo poderia levantar a 7,5 por cento para pagar em 50 annos, amortisando completamente, do qual resultasse o mesmo encargo para a nação, isto é, 10.655:821$156 réis?

Lançando mão de uma formula algébrica mui simples, que peço licença para aqui menino indicar:

E = n J — n — j + a (*) achar-se-ha, que este capital é. 3.624:316$276,7 réis quantia que dividida por 72 kilometros, que é o comprimento do caminho de ferro de Lisboa a Santarem, temos para cada um 50:337$727 réis; advertindo, porém, que tomos de pagar no primeiro anno depois da construcção, de juro e amortisação, a quantia de 344:310$046 réis em vez de 236:389$132 réis, que se pagam pelo contracto. Isto mostra, que levantando o governo dinheiro a 7,5 para amortisar em 50 annos, e impor tando a construcção 50:337$727 réis por kilometro, vem a nação a pagar a mesma quantia que paga pelo contracto, tendo contra si pagar logo no primeiro anno depois da construcção, de juro e amortisação, mais de 100 contos de réis do que a quantia que paga pelo contracto, e só no 18. anno é que vem a pagar o mesmo, pagando depois menos annualmente.

Sr. presidente, para não cançar a camara, porque deve estar anciosa por acabar esta discussão, não entrarei na analyse detalhada do orçamento, apresentado pelo engenheiro da companhia, comparando-o com outro orçamento de mr. Dupré, que muitas vezes tem sido citado, e que é muito minucioso para esta parte do caminho de ferro de Lisboa a Sacavem; mas o que se conclue de uma maneira muito clara e positiva, é que o custo total das

obras é........................3.2:!2.897$501

Juros do dinheiro durante a construcção, agencias, seguros, premios, differenças, etc................ 313:905$300

Total... 3.636.802$800

Dividindo o verdadeiro custo das obras por 72, teremos o verdadeiro preço da construcção; material

(*) Encargo total da nação – J. Junto do capital no primeiro anno — n numero de annos decorridos — (…) da amortisação — amortisação annual.

circulante, dito fixo, estações e dependencias, para cada kilometro 45:731$688 Sendo a differença........... 4:776$472

Para o preço contractado..... 50:511$160

differença devida ao nosso estado de credito, de que não é culpado só o governo actual, mas todos os governos que o precederam (Apoiados).

Com este valor do kilometro é que os nobres deputados que combatem o projecto, deviam comparar o custo do kilometro dos caminhos de ferro, que se teem construido nos outros paizes; o preço do dinheiro tem tal influencia nestas construcções, que, se não fosse o estado de impaciencia em que vejo a camara, para fechar a discussão, havia de mostrar detalhadamente, que, custando o kilometro mesmo a quantia dos 50:511$150 réis, o encargo que resulta para o paiz, se o dinheiro fosse levantado a 4 por cento, era como se tivesse custado sómente 26 contos e tanto.

Vejo, sr. presidente, os nobres deputados fugirem do preço porque custaram, e estão ainda custando os caminhos de ferro na Fiança; ha pouco tempo se constituiu um caminho de ferro entre Dunquerk e Calais, que estão situados relativamente como estão as cidades do Porto e Lisboa, sobre a costa do mar; e este caminho, apezar de se chamar economico, importa a construcção 240:000 francos por kilometro, e com o material rolante 270.000 francos por kilometro, que, ao cambio de 172 réis por francos, é de 46 contos e tanto.

Podia ainda citar outros muitos exemplos de construcções de caminhos de ferro em outros paizes, a sua velocidade, construcção, etc; mas terminarei, porque os argumentos que se produziram contra o projecto, foram victoriosamente respondidos (Muitos apoiados — muito bem)

O sr. Santos Monteiro. — Requeiro o V. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — Como a camara sabe ha uma substituição a este projecto, que foi apresentada pelo sr. deputado Avila: esta substituição é para que o governo mande immediatamente proceder a construcção por conta do estado do caminho de ferro de Lisboa a Villa-Franca ficando a 1. secção do caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha e de Lisboa ao Porto; se não fôr approvado o artigo l. do projecto, proporei então a substituição. E pondo logo á votação o

Artigo 1.º — foi approvado (prejudicada portanto a substituição).

Art. 2.º — approvado. Art. 3.º — approvado.

O sr. Presidente: — Como a camara sabe, e por sua resolução estiveram tambem em discussão as propostas n.º 49 e 50; não sei se ella quer tambem votar sobre «dias. (Apoiados geraes) Então vai ler-se o artigo 1.º do projecto n.º 49. Leu-se o

Artigo 1.º — foi approvado. Art. 2.º — approvado. Art. 3.º — approvado.

Projecto n.º 50 — Artigo 1.º — approvado. Art. 2.º — approvado. Art. 3.º — approvado. Art. 4.º — approvado.

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O sr. Presidente: — Hoje deve haver sessão nocturna, a qual durará desde as 9 horas até á meia noite, para terem logar as interpellações que estavam annunciadas, e se houver tempo discutir-se o projecto n.º 53 — E para segunda feira a ordem do dia é a continuação da de hoje, que vem a ser o projecto n.º 85 sobre a lei de meios; depois os projectos n.º 92, auctorisando o governo á cobrança dos impostos no ultramar; n.º 81, auctorisando a camara municipal do Porto para contractar a illuminação a gaz; e n.º 90, sobre considerar extinctos em certos casos os vencimentos das classes inactivas — e para o caso do não se poderem discutir alguns destes projectos, ficam dados os n.ºs 93, sobre a introducção da moeda de ouro ou prata, e os n.º 55 e 70, que são substituições ao n.º 33 sobre jubilações. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas e meia da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão

N.º 22. SESSÃO NOCTURNA DE 25 DE JULHO 1855.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 69 srs. deputados. Abertura: — As nove horas. Acta: — Approvada.

O sr. Pinto de Almeida — Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto: — «Declaro que se estivesse presente, quando se votaram os projectos n.º 78, 49 e 50, teria votado a favor dos mesmos projectos.” — Pinto de Almeida.

Mandou-se lançar na acta.

O sr. Presidente: — Sendo o primeiro objecto desta sessão interpellações, vou dar a palavra aos srs. deputados que se acham inscriptos para ellas, pela ordem em que o foram, sendo o primeiro o sr. José Maria de Andrade.

O sr. Mello Soares (Sobre a ordem): — Parece-me mais conveniente que primeiro se discuta o projecto n.º 53, porque estão mais deputados agora presentes na camara do que depois; agora talvez haja numero, e é necessario havel-o para se discutir o projecto, ao mesmo tempo que para as interpellações não é preciso haver numero, e por isso podem ficar para depois. Pedia por tanto que se começasse pelo projecto.

O sr. Presidente: — Não tenho duvida em consultar a camara, e vou faze-lo; devo entretanto advertir que o objecto essencial da sessão o interpellações.

E pondo logo á votação

Se havia de discutir-se agora o projecto n.º 53? — Decidiu-se negativamente.

Passando-se por tanto às interpellações, disse

O sr. José Alaria de Andrade: — Eu annunciei em principios de abril ou fins de março uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas sobre a necessidade de melhorar a barra de Villa Nova de Milfontes; mas tendo já depois disso apresentado um projecto de lei relativo a este objecto, limito-me agora a pedir á illustre commissão de obras publicas a que está affecto, que dê sobre elle o seu parecer com a brevidade possivel.

E teve logar a

Interpellação — (Ao sr. ministro do reino.

O sr. Cazal Ribeiro: — Ha já bastante tempo que apresentei esta nota de interpellação ao sr. ministro do reino, que versa sobre um facto bem conhecido de todos por meio da imprensa.

É sabido que o sr. Fournier, subdito francez, o ha bastante tempo residente em Lisboa, escrevia em um jornal que se publica na capital, alguns artigos acêrca dos acontecimentos politicos que tiveram logar em França em dezembro de 1851, nos quaes era censurado o procedimento do actual imperador dos) francezes; é sabido tambem que se interrompeu a publicação destes artigos, e que no mesmo jornal onde se tinham publicado, se declarou que a sua publicação não continuava porque aquelle individuo fôra chamado ao governo civil de Lisboa onde tinha sido intimado para suspender a publicação dos seus artigos sob pena de ser expulso de Portugal, de se lhe darem passaportes para saír do reino.

Eu, sr. presidente, não venho aqui qualificar os artigos que deram logar a este procedimento do delegado do governo, nem defendê-los, nem accusa-los. Sejam quaes forem as minhas opiniões, opiniões das quaes não me envergonho, e que são bem conhecidas, eu intendo que não é este o logar, intendo que no parlamento não me é permittido avaliar assumptos que prendem intimamente com os acontecimentos politicos que tiveram logar n'um paiz estranho, e avaliar a situação politica delle; mas a que tenho de referir-me é ao procedimento do governo ou do delegado do governo. Eu intendo que se são verdadeiros os factos que se allegaram, ha attentado contra a liberdade de imprensa; e admira-me tanto mais que elle tenha sido practicado pelo governo ou seus delegados, quanto me prezo de reconhecer no governo principios de amor pelo systema representativo, e principios verdadeiramente liberaes, aliás não lhe daria o meu sincero e franco apoio, porque ainda quando o governo procurasse realisar ou realizasse! todos os melhoramentos que vulgarmente se chamam materiaes para o paiz, intendo que esses melhoramentos nunca podem ser razão sufficiente para os homens verdadeiramente liberaes darem apoio a uma situação politica qualquer, quando a par delles não se executem o cumpram fielmente as regras e os bons principios do systema representativo. Repito que reconheço no governo principios liberees, estou convencido de que o governo ama o systema representa

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tiro, e por isso, e não só porque elle quer o fomento, assim, fautor da maior amplidão da liberdade de os interesses materiaes, lhe presto até onde posso o imprensa, mas tambem tem assentado como ponto de meu fraco apoio; mas vejo nesse acto a ser verdadeiro como se referiu, uma excepção a esta norma do proceder do governo, que eu queria que não tivesse existido porque na lei ha meios de punir o abuso, quando se dá o abuso; e é certo e ninguem ignora que nós felizmente gozamos de uma ampla liberdade de imprensa: talvez poucos paizes a gozem tão ampla como nós. (Apoiados)

Ninguem ignora que nos jornaes que se publicam, se discutem todas as cousas, todas as pessoas; e mesmo a pessoa da Soberana não tem estado fóra da discussão da nossa imprensa. E se é sabido que mesmo em um jornal publicado em Lisboa se tem discutido e se discute todos os dias até o legitimo direito da Soberana ao throno de Portugal, não intendo que possa ser mais reprehensivel que se discuta o legitimo direito de qualquer Soberano estrangeiro ou o seu procedimento. Tambem nos jornaes estrangeiros se dá ò mesmo a este respeito, e eu lembro-me de ter lido ainda não ha muitos mezes em um jornal francez um artigo muito pouco favoravel á Rainha de Portugal, e no qual se contestavam clara e terminantemente os seus direitos á corôa portuguesa, se acham sem uma patria, e vem para esta terra, e são recebidos nella carinhosamente e protegidos tanto ou mais do que na sua propria patria, é um facto incontestavel, (Apoiados) sem excepção nenhuma, absolutamente nenhuma.

Mas para que isto assim seja e possa ser, deve quanto possivel não ser comprado á custa de compromettimentos do governo; (Apoiados) por que na verdade offerecer o governo a mão direita e protecção a todos os que a precisam, abrir o governo as portas desta terra a todos os que não teem patria, e dar-lhes uma guarida segura, consentir, convidar mesmo o governo os estrangeiros mal-avindos na sua terra a que se deixem estar na nossa, e gozem dos beneficios das nossas leis, tudo isto é saneio, é generoso; mas o governo tem outros deveres; tem tambem os deveres de conservar-se bem, em harmonia com todas as potencias; que sejam grandes, que sejam pequenas é isso indifferente (Apoiados).

Ora todos sabemos os acontecimentos, e as circumstancias se isto se practica lá, se lá tambem se tolera em que se collocou essa pessoa muito que os jornaes discutam assumptos desta ordem, não respeitavel certamente, muito digna, de quem falla o me parece que outro devesse ser o procedimento do illustre deputado. Appareceu n'um jornal uma serie governo para com o individuo a que me refiro, por de artigos assignados por essa pessoa, escriptos na ler escripto aquelles artigos. lingua franceza nos quaes era tractada uma testa co- E com isto não se intenda que eu peço de modo algum restricções á liberdade de imprensa; pelo contrario não vejo nisto inconveniente algum, quando se está convencido que se tem por si a razão e a justiça, de que a liberdade de imprensa seja ampla, que a liberdade de imprensa mesmo degenere nisso a que chamam licença; eu não vejo esses perigos da ti-roada mal, muito mal, pessimamente: o governo viu, e tem visto ainda depois quaes são as providencias e as medidas em estados que se governam pelo systema representativo e liberaes, usadas com individuos nestas circumstancias, achou as rigorosissimas — Que practicou o governo com esse senhor? Uma auctoridade chamou-o, e fez-lhe uma advertencia;

Presença, porque taes perigos são corrigidos pelo bom eu não posso responder agora a fallar a verdade pela senso da opinião publica, que os censura sempre quando amenidade do estylo, mas de certo o espirito do go-vê que as accusações são infundadas, e que as razões verno não era que se fizessem advertencias ásperas que se produzem, não são acceitaveis. Por tanto eu desejo a liberdade de imprensa fielmente mantida e fielmente executada, desejo a liberdade de imprensa na sua maior amplitude: com isto não deixo de reconhecer que ha casos em que á lei não póde deixar de se reservar o direito de punir o abuso; mas para isso existe a lei e os tribunaes competentes, e não me parece regular o meio de se intimar a um individuo qualquer que cesse na publicação de certos e determinados artigos: parece-me que quando houvesse abuso, e quando se intendesse que esse abuso merecia punição, então o procedimento mais regular seria no meu intender chamar o jornal aos tribunaes.

Por tanto limito-me por ora a estas observações, e reservar-me-hei para pedir a palavra depois de ouvir as explicações do sr. ministro do reino.

O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães): — Este facto a que acaba de alludir o illustre deputado, 4 muito antigo. Como o illustre deputado disse, a sua interpellação tem sido demorada, delida por causa dos trabalhos da camara que se teem interposto, e como o tempo minora, altera e até acaba tudo, o negocio de que falla o illustre deputado, está perfeitamente acabado: eu não o desejo renovar agora, nem é preciso, creio eu, porque o illustre deputado disse tudo.

Que o governo não só tem sido, para me explicar a ninguem, e tenho pena de que não fosso eu o proprio que pedisse a esse cavalheiro que me fosse fallar. Mas emfim aconteceu não se intenderem bem, e não é muito que se não intendessem bem, porque fallavam em lingua que... (Riso) Então porque move isto o riso!... Pois bem; se nós mesmos nos não intendemos ás vezes fallando na nossa lingua natal, e todos os dias se está vendo nesta camara motivos de discussão, e de discussão renhida por não nos lermos intendido, que muito é que acontecesse assim?..

A verdade é que o que se disse a esse senhor, foi que procurasse não se pôr em circumstancias de haver reclamações para que elle fosse posto fóra desta terra, e elle intendeu que da parte do governo portuguez era ameaçado de ser posto fóra. Não é estranho que não intendesse bem, torno a dizer; mas a minha palavra de honra é que nem o governo tinha tenção, nem essa auctoridade linha o pensamento de ameaçar esse senhor de que o haviamos de por fóra, e com que direito desde que o tinhamos recebido? Não tinhamos direito de o pôr fóra sem causa. E preciso comtudo que os estrangeiros que recebem esse beneficio, usem delle moderadamente; nisso não ha duvida nenhuma (Apoiados). Esse cavalheiro foi muito nobre, e elle é muito intendido, conheceu as circumstancias; ao principio chegou-lhe aquella vivacidade franceza, depois amainou, e serenou, conheceu as in

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tençoes beneficas do governo, e reconheceu-as. Ultimamente as suas circumstancias e as suas relações com os seus compatriotas estão certamente em muito bom pé, está tranquillo era sua casa, nunca mais se queixou, não teve motivo de se queixar, e eu estimarei muito que continue tranquillo e estou certo de que ha de continuar, porque me deu a sua palavra de não haver causa da sua parte para que haja dissensões entre este e outro qualquer paiz.

Quanto á liberdade de imprensa o illustre deputado sabe que nós a gozamos, aquelles que a gozam, outros sentem-na; (Riso) mas eu apesar disso mais depressa quereria cortar a mão direita do que pôr pêas ou encurtar o estadio á liberdade de imprensa.

Com estas explicações creio que o illustre deputado ficará satisfeito, até porque sabe a historia do acontecimento desse momento até agora; quer dizer, a vida tranquilla e socegada que tem tido esse cavalheiro, assim como todos aquelles que estão em iguaes circumstancias debaixo da protecção das nossas leis.

O sr. Cazal Ribeiro: — Desde que ouvi dizer a s. ex. o sr. ministro do reino que não era da intenção do governo, nem foram essas as palavras da pessoa que se encarregou deste negocio, ou pelo menos não era a intenção com que as proferia, fazer uma ameaça de exclusão do territorio portuguez áquelle individuo, pelo facto de ter escripto os artigos que escreveu, não posso deixar de me dar por plenamente satisfeito com as explicações que acaba de dar o sr. ministro. Eu sei que são verdadeiras essas explicações, são mesmo confirmadas pelos factos; esse individuo continua a residir entre nós, tem mesmo escripto, e se fosse preciso, que não é, eu ajuntaria á declaração do sr. ministro a minha propria declaração de que sabia que são verdadeiros os factos que s. ex.ª acaba de allegar. Entretanto, lendo apparecido publicamente uma censura ao governo por um facto, que a ser verdadeiro como se apresentava, eu intendia que era justamente censuravel, estimo ler provocado esta occasião de s. ex. se explicar, e de se fazer vêr tambem publicamente que o facto não se deu effectivamente como se publicou, mas que foi de outra maneira, e que de modo nenhum vai de encontro ás idéas liberaes que o governo tem mostrado, e que espero e estou certo que ha de continuar a mostrar, tanto pelos seus precedentes como pelos principios, que são bem sabidos, dos individuos que compõem o gabinete.

Portanto dou-me por satisfeito com as explicações de s. ex. a este respeito.

2. Interpellação. — Ao sr. Ministro do Reino).

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, a camara sabe que a segurança publica no districto do Porto tem estado ha um anno para cá n'um estado lamentavel. No concelho de Baião foi atacada a casa do administrador substituto por uma quadrilha de salteadores, e elle teve de defender-se a tiros; teve de gritar pelos seus visinhos, e só com muita difficuldade e que pode fazer com que os salteadores se retirassem sem o mataram a elle e á sua familia, como costumavam em muitas outras partes, e sem lhe roubarem tudo quanto tinha.

Passado pouco tempo atacaram tambem a casa de um illustre militar que tinha morada naquelle concelho, o sr. Lobo de Avila; e alguns dias depois do sr. J. J. de Abreu do Carrapatello; entraram dentro,

mataram um criado e roubaram tudo quanto nessa casa havia. E por essa occasião fiz eu uma interpellação ao sr. ministro do reino, que nesse tempo já era o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, chamei então a sua attenção sobre o estado desgraçado daquella povoação; pedi que tomasse providencias que acabassem quanto antes aquelle estado. Algumas providencias se tomaram, e dahi resultou que uma grande parte dos salteadores que linham atacado a casa do sr. Abreu de Carrapatelo, foram prezos, entraram em processo e já foram sentenceados; mas com quanto fossem prezos muitos dos individuos pertencentes a essa quadrilha, muitos dos principaes chefes della não o foram; e por terem sido perseguidos e verem prezos alguns companheiros embruteceram mais e continuaram a commetter constantes e violentos attentados, taes como os que tiveram logar no concelho de Felgueiras. Creio que foi no dia 26 de junho que a casa de um cidadão foi cercada por 10 ou 12 homens, foi assai lada, roubaram-na, e este cidadão foi morto a tiro!!!... Noutro logar do mesmo concelho foi atacada a casa de um outro cidadão; e isto muito pouco tempo depois.

Nã ha muitos dias (julgo que haverá 10 ou 12) os salteadores que se achavam prezos na cadêa de Amarante, conseguiram fugir dalli, e vieram reforçar os chefes das garrilhas daquelle sitio, guerrilhas que tanto tem assolado e posto em grande susto e consternação aquelles povos.

Sr. presidente, quem reside nos grandes povoados, nas grandes cidades, quem reside na capital que tem uma guarda municipal activa e vigilante, emfim que tem outros muitos meios de segurança, não póde bem avaliar quanto é triste e desgraçada a situação das pequenas povoações que se veem constantemente assaltadas, que estão n'um susto continuado e permanente além da segurança de suas vidas e propriedades. Os cidadãos alli não podem contar nem com a sua vida, nem com a sua propriedade; uma e outra cousa está ao arbitrio de um ou de uns poucos de facinorosos ou salteadores!!! Todos sabem que nos sitios onde as casas não estão reunidas, onde as povoações estão disseminadas em casas espalhadas por toda a extensão de um grande territorio, mas isoladas umas das outras, é facil assassinar o dono de uma destas casas, e atacal-as, e roubar tudo quanto existe dentro sem que o dono ou a propria povoação possa resistir. Esta é que é a verdade.

Sr. presidente, s. ex.ª o sr. ministro do reino hade recordar-se que em 1837 a 1838 se formou uma poderosa guerrilha no concelho de Penafiel; que os guerrilheiros atacaram mais de 150 casas, sem que os povos por mais que se quizessem ver livres delles por meio da sua força propria, o podessem conseguir e foram victimas por muito tempo desses guerrilheiros. O estado actual das localidades a que ha pouco me referi, dá todos os indicios de haver a repetição de taes acontecimentos; e para isto não ter logar é que eu peço que se tomem providencias energicas.

Quero pois saber se o sr. ministro do reino tem noticia destes factos que narrei; se tem tomado providencias serias ácerca do estado em que se acha a segurança publica naquelle districto; e o que tenciona fazer sobre similhante objecto. Ouvirei o que o sr. ministro do reino diz a este respeito, e tomarei depois a palavra se o reputar necessario.

O sr. Ministro do Reino: — Sr. presidente, os fac-

VOL. VII — JULHO — 1853.

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tos passados, a que alludiu ultimamente o sr. deputado, do bando que se formou de salteadores no Alto-Minho, que tem affligido e infestado aquellas ricas povoações, e principalmente as habitações isoladas de que está cheia aquella provincia,e por isso mesmo menos protegidas e mais sujeitas á invasão desses bandos, mostram, que não é o defeito do regimen da administração actual quem dá logar a esses attentados, a esses ataques, e a esses maleficios., Sr. presidente, os acontecimentos recentes que o illustre deputado apontou, tiveram sempre logar. (.Apoiados) Impossivel e ás auctoridades prever que se formem bandos no meio dos bosques, no meio de uma charneca, n'um ermo, n'um campo, em fim seja onde fôr; e evitar que estes bandos assim formados, assim combinados que sáem dalli a practicar o roubo, o crime, e cujos-chefes são homens que conhecem o paiz, que sabem onde está a força, e como hão-de evital-a; que tem consultado entre si o modo de não serem apanhados: que teem formado o seu plano de ataque a este ou áquelle cidadão, de assalto a esta ou áquella casa, nesta ou naquella povoação; digo, evitar que se execute isto, quando se quer fazer, quando se projecta definitivamente, é impossivel. (Apoiados)

Para dar.se a todas estas habitações que estão sós e isoladas umas das outras, uma protecção armada que possa evitar os effeitos de qualquer tentativa, não sei se 100:000 homens seriam bastantes. (Apoiados) Comtudo, porque se não póde dar tanta protecção como parece o illustre deputado exigir da parte do governo, não digo, de maneira nenhuma, que a auctoridade não tenha obrigação, e obrigação sacratissima, de velar pela segurança dos povos. Mas não póde prever, póde algumas vezes, não sempre; não póde prevenir que uma guerrilha qualquer appareça; previne quando ha alguma noticia, alguma suspeita, n'uma palavra algum indicio de tentativa; e algumas vezes tem sido assim prevenida a auctoridade de que se prepara n'um ou n'outro ponto uma expedição de gente malvada, e então atalha-se a tentativa, frustra-se; mas são essas as menos vezes que isso acontece. Agora depois do facto commettido, e desses mesmos que se referiram ha pouco, o illustre deputado sabe muito bem, que o governo tem feito as maiores diligencias, pelos meios que lhe é possivel dispor, para perseguir esses facinoras, e alguns delles têem sido capturados. —

Não posso dizer o mais porque se trabalha incessantemente para os apanhar; e espero que se consiga esse. resultado. Torno a dizer ao illustre deputado, que, os auctores desses maleficios de Carrapatelo foram presos e alguns estão já sentenciados... (O sr. Nogueira Soares: — Mas ainda senão apanharam todos) Eu tambem não disse, nem digo que se apanharam todos; disse e digo, que se apanharam muitos, e hão de apanhar-se mais; tudo por effeito de providencias bem combinados, por trabalhos incessantes e muito activos, tanto a respeito dos que já foram presos, que, posto não sejam todos, são muitos, como dos que o hão de ser, que espero ainda o sejam mais alguns;..

Sr. presidente, o estado do exercito tornou necessaria uma certa concentração das forças que tem estado derramadas pelo paiz: a disciplina, o pouco numero, e em fim certas circumstancias fizeram com que alguns dos destacamentos que se achavam disseminados por muitas partes, fossem chamados a seus corpos por algum-tempo: o serviço assim o exigia; e o exercito não tem crescido numero de gente para conservar por muito tempo fóra dos corpos grande porção della. Tem havido muitas exigencias para a saida de varios destacamentos; alguns têem ultimamente saído; mas é com preferencia para aquelles logares mais infestados, onde se torna indispensavel esse auxilio de força; e para o districto, para a parte do districto de que fallou o illustre deputado, força tem ido, além de outras providencias que se tem tomado, e tomam ainda.

O nobre deputado não quererá que eu as diga; sabe de certo que eu não devo dizer quaes são; sabe até os motivos porque não posso dizer mais a este respeito.

Em quanto a mim são necessarias para essa parte do districto medidas de outra natureza: e eu espero que o governo auctorisado para modificar a divisão territorial, ponha em practica essa medida com resultados vantajosos. No entretanto alguns desses homens malvados que commetteram os maleficios, que fizeram esses e outros assassínios, acham-se já presos. Tambem me parece que já o indiquei. O nobre deputado disse que esperava ouvir a resposta do ministro do reino; mas sabe que tudo quanto tem estado ao alcance do ministerio do reino para sustar a continuação do mal, e perseguir os que perpetraram esses assassínios, se tem posto e continuam a pôr em acção. Do resultado não posso eu dar uma segurança ao nobre deputado; ninguem a póde dar; porém o que affianço, é que se têem feito e continuam a fazer diligencias, e que a auctoridade administrativa do districto do Porto que o nobre deputado conhece perfeitamente e della faz o mais alto conceito, é empenhada na execução desse ramo importantissimo de serviço, e creio que senão fôr ella, poderemos perder a esperança de que outra o consiga.

Por consequencia nessa parte intendo que o nobre deputado e a camara podem estar satisfeitos; que o governo não se descuida de prover a este importantissimo serviço de segurança publica. E não julguemos que em parte nenhuma ella possa deixar de ser alterada; altera.se por mais diligencias que se façam, por mais zelo que tenham as auctoridades. Ainda em muitas partes se resentem os povos de algumas inquietações que tem havido pelo paiz, e de vinganças pessoaes que ficam sempre por muito tempo desgraçadamente, e affectam a prompta administração da justiça, a qual eu espero venha a. ter logar se acaso se puzer em practica e fôr votado um codigo de processo criminal tal como aquelle-que o governo tem em vista, e cujas bases apresentou á camara, nas quaes têem parte caracteres muito distinctos deste paiz. Essa providencia com outras que a acompanhem, poderá vir a ser efficaz para ser posta em todo o reino a segurança publica tal qual a podemos desejar.

É quante se me offerece dizer sobre a interpellação que me dirigiu o nobre deputado.

O sr. Nogueira Soares: — Sr. presidente, eu confesso que as providencias tomadas pelo nobre ministro do reino hão-de prover ás necessidades daquelle districto; mas não posso deixar de pedir que se façam lodos< quantos esforços fôr possivel para vêr se se manda um destacamento para a villa de Amarante, porque um que lá esteve e que fez muito bons serviços e concorreu á mantêr a segurança publica

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naquella parte do districto, foi depois que dalli saíu que uma grande quantidade de prezos de consideração conseguiram evadir-se da cadêa. Eu sei que com os meios actuaes que ha de administração, não e possivel punir os-criminosos com a promptidão que é necessario.

Confio que da reforma do processo nos hão-de vir grandes vantagens, porque o castigo ha-de seguir de perto o crime, e o assassino ha-de ler mais receio de commetter o delicto. Confiando no sr. ministro do reino porque vi os esforços que s. ex.ª tem feito, nada mais tenho que accrescentar.

O sr. Presidente: — Ha duas interpellações annunciadas pelo sr. Cesar aos srs. ministros da guerra e marinha — a 1.ª sobre arbitrarias exigencias dos commandantes dos batalhões nacionaes aos seus subordinados, e a 2.º sobre degradados.

Como o sr. ministro da marinha responde por um e outro ministerio póde o sr. deputado verificar as suas interpellações simultaneamente ou cada uma de per si.

3.Interpellação — (Aos srs. ministros da guerra e marinha.)

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Sr. presidente, eu annunciei ha tempos esta interpellação ao sr. ministro d guerra, e agora usarei da palavra uma; vez que seja prevenido pelo sr. ministro da marinha de que está prompto para responder pelo seu collegas

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Atouguia): — estou prompto.

O Orador: — Sr.: presidente, sei que um commandante novamente nomeado para um dos batalhões nacionaes desta cidade, intendendo que o batalhão devia ter barretinas feitas por um modêlo differente e que não fossem de pello de seda, deu ordem para que se fizessem novas barretinas, procedendo-se- ao imposto de 240 réis mensalmente a cada praça para o pagamento das novas barretinas. Depois que annunciei esta interpellação ao sr. ministro da guerra, sei que se tem dicto que as novas barretinas se mandam fazer porque as que existem, são incapazes; mas isto não é exacto, e o verdadeiro motivo é não se quererem barretinas daquella qualidade, levando-se o escandalo ao ponto de não se consentir que continuem a servir os cordões e ferragens das outras barretinas, quando até no exercito as ferragens de barretinas não têem vencimento, e uzam-se até que se estragam completamento, e se isto se dá no exercito corri muita mais razão se deve dar nos corpos nacionaes; porque estes objectos são pagos á custa dos cidadãos que os compõem, e que pela maior parte são infelizes e desgraçados, que não estão no caso de pagar os caprichos dos seus commandantes.

Sr. presidente, muitos destes cidadãos me procuraram e mostraram as barratinas que estavam ainda em perfeito estado, e que não serviam porque eram de pello de seda, e tambem me apresentaram os cordões que não servem, porque devem termais uns tantos; pai mos, e do mesmo modo não servem as ferragens porque as cornetas não tem as dimensões que o commandante intende que devem ter. — Ora, sr. presidente, a cidadãos que a maior verba que pagam de decima para o thesouro publico é de 240 réis, a fallar a verdade obrigal-os a pagar só para o artigo barretinas 240 réis cada mez intendo que é violencia de mais. (Apoiados) Se aos srs. commandantes dos batalhões nacionaes. parece que

240 réis não é nada para estes cidadãos, eu intendo que é uma contribuição pesadissima com que não podem; e se querem ter os seus batalhões n'um estado brilhante, façam estas despezas á sua custa. (O sr. José Estevão: — Apoiado; é um vexame atroz!)

Sr. presidente, o nobre marechal Saldanha intende, que a existencia destes corpos é provisoria, nem póde deixar de ser, porque não é para tolerar por muito tempo um tributo tão desigual, e que é um flagello. (O sr. José Estevão: — Desnecessario) e espero que s. ex.ª tracte de substituir esta milicia, cuja organisação, na minha opinião, é muito mais injusta, que a das antigas milicias, e presta muito peior serviço [Apoiados) por uma outra que esteja em harmonia com o systema da carta, e que seja esse sacrificio distribuido com igualdade por todos os cidadãos portuguezes.

Resumindo o objecto da minha interpellação, desejo que o sr. ministro da marinha, visto que desgraçadamente o sr. ministro da guerra não póde estar presente, verificando a exactidão dos factos que mencionei, déas providencias necessarias, recommendando a s. ex. que não se fie unicamente nas informações que derem os interessados, que são aquelles que querem ler os batalhões bonitos á custa dos individuos que os compõem. E por esta occasião declaro que não obstante ler-se escripto alguma cousa a este respeito pela imprensa, não lanço mão desse meio para responder, porque como deputado, só ao parlamento devo trazer similhantes questões. Verificando a segunda interpellação sou informado de que os degradados que vão para as nossas possessões de Africa, chegando alli, são obrigados a alistar-se nos corpos militares, e quando acabam o tempo do degredo, e querem voltar á sua patria, responde-se-lhes que ainda não têem o tempo do serviço militar, e esse tempo é servirem até poderem. Não direi que isto se faz em todas as nossas possessões, mas faz-se em algumas, por exemplo, em Angola; e a camara avalia de certo a violencia que se faz a estes cidadãos, obrigando-os a continuar no serviço militar, quando elles, tendo tido a fortuna de concluir o degredo, querem voltar á sua patria ao seio de suas familias. Esle abuso é grave, (Apoiados) e espero que o sr. ministro da marinha, lendo conhecimento delle, dê as providencias necessarias para se obstar á sua repetição.

Com relação á 1.º interpellação, sr. presidente, lembro ainda a s. ex.ª, que determinando a lei que licenciou os batalhões nacionaes, que só se reunam uma vez cada mez, sei que agora são os officiaes inferiores obrigados a exercicio todos os domingos, quando os commandantes dos batalhões não têem auctoridade para os obrigar a isso; accrescendo ainda, que muitas vezes pedem-se licenças a esses commandantes, e elles não as dão, não as podendo comtudo negar, uma vez que os batalhões estão licenciados.

Desejava informar mais a camara, que ha uma guarda, e que esta guarda é feita por uns certos individuos: ha uma tabella, na qual se regula o preço das guardas, e nella estabelece-se o de 200 réis para os soldados, e o de 240 réis para os cabos: esta guarda regulava ultimamente de 30 -em 30 dias para os-soldados. Além, pois, dos 240 réis cada mez para as barretinas, ha a contribuição para as guardas, e outras que agora me não lembram.

Sr. presidente, se esta contribuição fosse para o

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thesouro publico, então, ainda, porque ao menos havia de ver-se o seu resultado; mas estar-se a tirar da algibeira de um grande numero de individuos, aquillo que elles não podem dar; estar-se a lançar contribuições pesadissimas sobre cidadãos, que muitas vezes não lêem para a sua sustentação, e de suas familias, isto só para satisfazer a caprichos, parece-me que é uma cousa que se não póde tolerar. (Muitos apoiados)

Intendo que tudo isto deve acabar, e peço ao illustre ministro da marinha, que faça constar as observações, que acabo de fazer, ao seu collega, o sr. ministro da guerra, e presidente do conselho, porque talvez por s. ex. ter estado longe dos negocios, em consequencia do seu padecimento, e que estes abusos se têem commettido e practicado. (Apoiados)

O sr. Ministro da marinha: — Sr. presidente, se v. ex.ª e a camara permittem e o illustre deputado tambem acceita, começarei respondendo á interpellação relativamente aos degradados que vão para Angola: diz isso respeito á minha repartição especialmente, e não admira que eu deseje responder-lhe em primeiro logar.

Eu, sr. presidente, informado por participação que recebi da mesa de que o nobre deputado tencionava interpellar-me sobre abusos que se practicavam nas provincias ultramarinas conservando alli os degradados mais tempo do que aquelle determinado na sentença que para alli os mandava, conservando-os debaixo da consideração de que eram militares, confesso a verdade, estremeci, não senti menos horror que o illustre deputado a esse respeito, e então ao primeiro governador que d'alli voltou, que é o que ha pouco acaba de chegar e que o nobre deputado tambem conheço, perguntei eu — o que havia a este respeito — e elle disse-me, que effectivamente não tinha idea nenhuma de que assim se practicasse; mas que quando acabavam o tempo do degredo, não havendo navio para transporta-los para Portugal não se lhes dava a baixa em quanto o não havia, porque a practica tinha feito conhecer, que elles não lendo nada em que se empregar, eram uns Verdadeiros vadios, e por consequencia que era tambem no interesse delles que se conservavam no serviço. Ora já pelo que acabo de dizer, o nobre deputado póde ler a certeza que se eu souber que algum governador faz esse acto de tyrannia maior, da minha parte, e pelos meios que estão ao meu alcance, hei de dar o castigo exemplar que merece um arbitrio destes, que torno a dizer, é a maior tyrannia. (Apoiados) Sobre este ponto o nobre deputado deve estar satisfeito, porque eu estou de perfeito accôrdo com s. ex.ª e intendo que desde o momento em que o infeliz cumpriu a sentença a que foi condemnado pelos tribunaes judiciaes ou militares, tem direito inquestionavel á sua liberdade. (Apoiados)

Quanto a outra interpellação á qual de certo seria minto melhor que podesse responder o sr. ministro da guerra; mas como infelizmente não póde estar presente para satisfazer ao nobre deputado muito melhor de que eu o posso fazer, farei eu uma exposição dos factos, isto é, das informações que chegaram ao governo a este respeito exigidas do ministerio da guerra, do commando em chefe e dos commandantes dos diversos batalhões.

Quanto aos exercicios que o illustre deputado disse que se faziam mais de uma vez por mez, não tem nada

Isso com as praças de pret. Sendo pequeno o espaço onde se faziam os exercicios mensaes, dividiram o batalhão em quatro partes, e cada semana íam duas companhias fazer exercicio, mas os soldados não eram obrigados a exercicios mais de uma vez por mez. E verdade, e creio que não foi o commandante e sim o commandante interino, que para ter os seus officiaes inferiores mais bem instruidos os obrigava a exercicios todos os domingos, mas isso está acabado, e talvez seja em resultado do nobre deputado ler annunciado a sua interpellação: agora esse serviço é voluntario. O nobre deputado sabe que não só nos officiaes, mas mesmo em alguns sargentos ha o dezejo de aprender, porque nós todos temos uma certa inclinação para a milicia: portanto as praças de pret, 10 fazem exercicio uma vez no mez; os officiaes e officiaes inferiores são convidados e vão se querem aos outros exercicios.

O sr. deputado apresentou uma idéa que realmente para mim é de satisfação e que não e a primeira vez que a ouço avançar na camara. Eu sinto muitissimo que sem mais alguma consideração se acabasse com a organisação militar que havia no paiz; havia muitos abusos nas milicias e ordenanças, mas nós estavamos todos armados de fórma que se fosse preciso que todos nos levantassemos para defendermos a nossa liberdade e independencia, tinhamos muito mais meios do que temos hoje: os abusos eram grandes, mas não sei se fizemos bem em acabar com essa organisação para a substituir por aquella que temos hoje que é incompleta e parcial, e posso dizer ao illustre deputado que conversando muitas vezes com o nobre marechal Saldanha a este respeito, s. ex.ª é o primeiro a reconhecer que esta organisação é muitissimo defeituosa. (Apoiados)

Agora em quanto ao ponto mais especial da interpellação, isto é, ácerca das barretinas, direi o seguinte. Estes batalhões foram formados em 1816, por consequencia as barretinas lêem 7 annos. Os officiaes todos fazem sacrificios e concorrem com meios proprios para muitas das despezas dos batalhões e neste a que alludiu o nobre deputado, estão os officiaes no desembolso de mais de 200$000 réis, porque fizeram certos arranjos... (O sr. Cezar de Vasconcellos: — Certos bonitos) Sejam certos bonitos se o nobre deputado quer, mas em quanto os fazem á sua custa, não se lhes póde levar a mal, e ainda a ultima mudança dos bonés foi feita á custa dos officiaes. A informação que tenho, é que as barretinas tinham 7 annos e as que as substituiram, importam em 1$700 réis, e disse-se que dariam aquelles que as quizessem receber, a quantia de 240 réis por mez. Todos têem obrigação de as apresentar, mas podem compra-las fóra, e aquelles que as quizerem receber (porque são mais baratas) da commissão do corpo tem de pagar 240 réis mensaes, mas o facto é, que ha praças que não lêem pago nada, e ha algumas que tem dado aos 3 vinténs, e por não ter pago os 12 vinténs nenhuma tem recebido castigo. Fundam este procedimento num artigo do regulamento que manda fardar os cidadãos á sua custa, e que não o possam fazer senão conforme um figurino certo e determinado, e o mesmo regulamento dos balhões determina que haja uma commissão em cada corpo da qual as praças recebam o fardamento que precisarem pagando mensalmente uma modica quantia.

Agora, sr. presidente, ha mais uma pequena des

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peza (o nobre deputado vê que eu sou apenas relator neste negocio, relato os factos, segundo as informações que recebi 1 mensal de 3 vinténs que é para limpeza do armamento, mas a praça que quer limpar o seu armamento, não paga nada.

Portanto, recebendo as observações do illustre deputado, farei presente dellas ao meu nobre collega o sr. duque de Saldanha; e estou persuadido, que elle as ha de tomar em consideração.

O nobre deputado tambem fallou nas guardas, e disse, que as praças dos batalhões eram obrigadas a pagar tambem uma contribuição para a guarda; neste ponto permitta-me s. ex.ª dizer-lhe, que não estou de accôrdo com s. ex.ª, porque quem as quer fazer não paga nada; é um objecto puramente voluntario; e tomaram muitos individuos as vezes achar quem lhas faça, porque lucram mais ir tractar dos seus negocios do que fazer a guarda; sendo-lhe menos sensivel dar 2 tostões ou 210 leis. São estas as informações que tenho a este respeito, e que acabo de dar ao nobre deputado.

O sr. Cezar de Vasconcellos'. — Sr. presidente, quanto ás explicações que acaba de dar o sr. ministro da marinha acerca dos degredados, declaro que estou completamente satisfeito.

Agora quanto ás explicações sobre o assumpto — batalhões nacionaes — é que eu desejo fazer algumas observações ainda ao nobre ministro. Pelo que diz respeito ás barretinas direi, que a barretina de um soldado do exercito é lhe dada para 5 annos, e o uso de uma barretina do exercito não é o mesmo, nem é para se comparar com o que lhe dá o soldado de um batalhão nacional. O soldado do exercito usa da barretina quasi todos os dias, anda sempre em marchas em destacamentos, e os batalhões nacionaes não teem essas marchas, não teem esses destacamentos. (Apoiado) Noto mais a s. ex.ª que attenda, que nem todas as barretinas do corpo tem 7 annos de existencia, não só porque teem entrudo novas praças para este corpo, como tambem porque é impossivel, que existam hoje todas as praças da sua creação; e entretanto a mudança é geral. A mudança não é numa ou n'outra barretina mais usada, a mudança é em todas. Mas o motivo não é este; a mudança é porque as barretinas não são como as dos outros batalhões, estas são de pello de seda, e as outras não; e por isso e preciso que sejam iguaes. Ora será justo que por um capricho destes soffra uma porção de cidadãos pobres e desgraçados? Intendo que não. Este é que é o facto; tudo quanto se disser fóra disto é inexacto.

Eu intendo que é um crime dar informações desta natureza ao sr. ministro da guerra; quem lhe diz que as barretinas são mudadas porque teem 7 annos de existencia, deve ser responsavel pelas informações que dá, porque não são verdadeiras. (Apoiados) Isto é quanto ás barretinas: e quanto as ferragens! As ferragens das barretinas do exercito não teem vencimento, e no entretanto, nestes batalhões tambem se quer que sejam mudadas. Tambem lerão mais que o tempo marcado, ou será por serem usadas? Isto é um facto, que eu desejo que o sr. ministro mande informar e examinar, a fim de que estes cidadãos não soffram a violencia, e arbitrariedade, que se lhes quer fazer, chegando-se para isso a enganar até o sr. ministro da guerra.

Agora, sr. presidente, quanto ás guardas — diz o

nobre ministro que isso é voluntario, porque quem as quer fazer, não paga nada —: eu intendo que a guarda não a deve haver, mas não argumento contra a substituição do individuo, porque muitas vezes sáe-lhes mais barato pagar a guarda, do que ir fazel-a.

Quanto á limpeza do armamento a que o illustre ministro se referiu, ahi está outro inconveniente, que não havia nas milicias, porque o cidadão das milicias tinha o seu armamento em casa para o poder limpar; e agora estando as armas nos quarteis de certo que se veem obrigados a ir limpal-as ou dar 60 réis para essa limpeza.

Quanto ao pagamento, se não tem havido nenhum cidadão preso porque não paga, talvez eu lenha concorrido alguma cousa para isso, porque loquei aqui a alarme ha já bastante tempo: o que é preciso, é que o sr. ministro tome este negocio em consideração, e que não deixe os cidadãos expostos ao arbitrio e ao capricho de um commandante de batalhão; é um negocio bastante grave e serio, para que s. ex. deixe de o tomar na consideração que elle merece. (Apoiados)

Não quero levar mais tempo á camara; mas desejo que fiquem bem consignadas as observações que acabo de fazer.

Não me faço cargo, nem para mim são valiosas nenhumas deitas informações que dão os interessados e que querem a continuação destes abusos: intendo que deviam merecer um severo castigo aquelles que dão informações menos verdadeiras ao sr. ministro, só com o fim de desculparem as arbitrariedades que estão commettendo, e eu faço justiça ao sr. ministro da guerra dizendo, que se s. ex. soubesse destas violencias, não as tolerava. (Apoiados)

Portanto, tenho satisfeito ao meu dever, e confio que o governo ha de tomar este negocio em consideração, ha de velar pelo interesse desses individuos, e ha de fazer cessar os flagellos que esses cidadãos estão soffrendo.

O sr. José Estevão: — Peço que v. ex.ª consulte a camara se me deixa tomar parte nesta interpellação.

Foi lhe concedido.

O sr. José Estevão: — Penso que as minuciosas observações que o illustre deputado fez sobre os batalhões nacionaes, se reduzem a que o governo tome as medidas precisas para que, a pretexto de abrilhantar a apparencia destes corpos, se não obriguem as suas praças ou os cidadãos que os compõem, a despezas pouco conformes com os leres e com os reditos dos officios e trabalhos em que elles se empregam. Parece-me que, debaixo deste ponto de vista, não só será o voto da camara actual, mas o voto de todas as camaras e de todos quantos parlamentos houver. (Apoiados)

Pela minha parte porém, não desejo que deste meu voto se tire nenhuma inferencia a respeito de opiniões futuras, quando se tractar, ou de dar uma nova organisação á segunda linha, ou mesmo de estabelecer alguns corpos de policia para satisfazer ás necessidades do serviço publico, para que o exercito se não julga bastante numeroso.

Acompanho pois, o illustre deputado o sr. Cezar nos seus desejos, e nas suas intenções; mas o que não desejo é que de modo nenhum se possa para o futuro tirar inferencias de quaesquer frazes pronunciadas durante esta discussão: o governo póde de certo considerar que uma instituição que já acabou, era melhor

VOL VII — JULHO — 1853.

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que outra que actualmente existe, mas o que não quem é que daqui se infira que a camara approvou desde já a frase pronunciada por sua ex. o sr. ministro da marinha, de que não sabia se se tinha feito bem em acabar com a instituição das milicias.

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Em, sr. presidente, como o illustre deputado o sr. Cezar de Vasconcellos fallou na instituição das milicias, foi por isso que tambem me referi a estes corpos; mas a opinião que apresentei, é uma opinião inteiramente minha: não a dei tomo opinião do governo.

O sr. Presidente: — Agora tem a palavra o sr. Palma, para fazer a sua interpellação ao sr. ministro das obras publicas.

O sr. Palma: — Eu linha annunciado uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas a respeito do serviço dos correios no Algarve: este serviço fazia-se com muita irregularidade; mas como, depois de uma conversa que tive com o illustre ministro, lai serviço está consideravelmente melhorado, por isso não tenho mais nada a dizer e cedo da minha interpellação, agradecendo por esta occasião a s. ex.ª, o cuidado que leve no meu pedido.

O sr. Presidente: — Então tem a palavra o sr. Affonso Botelho para dirigir a sua interpellação ao sr. ministro das obras publicas, sobre o commercio dos vinhos do Douro.

4.ª Interpellação — (Ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria).

O sr. Affonso Botelho — A alteração que se fez no systema do commercio dos vinhos do Douro em consequencia do decreto de I] de outubro, cujas bazes eu supponho sufficientes para levar a prosperidade áquelle paiz, aquelles lavradores, receiosos de perderem a sua subsistencia, por verem sempre agitada a sua lavoura por differentes alterações nele commercio, experimentaram um choque que se fez alli muito sensivel: todo o paiz do Douro estremeceu do seu futuro; no entretanto as circumstancias, os effeitos naturaes da benevolencia do governo, o juizo com que foram calculadas as suas medidas, e em summa, um encadeado de circumstancias favoraveis, teem melhorado a sorte daquella lavoura, sempre dependente de circunstancias que a protejam nas muitas eventualidades a que está sugeita.

Alterado pelo decreto de 11 de outubro, o subsidio que recebia a lavoura do Douro, todos os lavradores estremeceram e viviam n'uma especie de incerteza sobre o seu futuro: esta incerteza ainda continua a existir, e ella dá uma grande margem para os intrigantes poderem agitar os espiritos justamente receiosos por não saberem o destino que o governo queréra dar ao tributo, creado por aquelle decreto, para a sua protecção, e cuja applicação-não tem sido levada a effeito.

Sr. presidente, convencida, como está a lavoura do Douro, de quanto é indispensavel ter um corpo que a proteja nas differentes eventualidades, a que as suas necessidades a possam levar, desejo saber qual é a opinião do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, relativamente á applicação daquelle tributo; e se s. ex.ª está resolvido a apoiar a creação de um banco protector, que seja auxiliado tambem com aquelle fundo; porque só deste modo se poderão realisar os movimentos commerciaes de uma maneira mais permanente, e que offereça mais protecção á lavoura do Douro, hoje receiosa de que não sejam sufficientes as medidas de protecção que se estabeleceram, pelo decreto de 11 de outubro de 1852, que todas reconheceem optimo em quanto ao systema da liberdade de commercio; mas deficiente em quanto ao melhoramento da lavoura.

Por tanto desejo, que sr. ministro faça publicas as bellas intenções do governo a este respeito; por lai modo que dê aos meus concidadãos a esperança de que effectivamente hão de ter aquella protecção que esperam, e que de certo está no espirito de todos os membro» de administração.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, a interpellação do sr. deputado leiu a meu vêr dois pontos importantes e é a esses que me parece que s. ex.ª deseja uma resposta por parte do governo

Quer o illustre deputado saber qual é o destino que se tem dado ou se pretende dar ao imposto estabelecido pelo decreto de 11 de outubro do anno proximo passado, imposto destinado pari premio das agoas-ardentes que se exportassem pela barra do Douro: e quer saber, qual é a opinião do governo sobre a creação de um banco rural no districto vinhateiro

Em quanto á primeira parte, sr. presidente, é facil responder ao illustre deputado. O governo tem feito, e ha de continuar a fazer o que determina o decreto de 11 de outubro, que foi approvado pelo corpo legislativo, e é hoje lei do estado, ha de necessariamente (e não está outra cousa nas suas attribuições) dar a applicação consignada na lei ao tributo que foi estabelecido no referido decreto, para o fim a que se destina. O pensamento do decreto de 11 de outubro teve em vista dar a liberdade mais compativel ao commercio dos vinhos do Douro no interesse do paiz, sem ferir como se suppunha os legitimos interesses da lavoura daquella parte importante do reino; o pensamento daquelle decreto julgou-se mais completo e definido quando se estabeleceu um premio destinado para as agoas-ardentes que se exportassem, como um meio de auxiliar assim mais indirectamente a lavoura do paiz vinhateiro. E possivel que as provisões do governo sejam illudidas; é possivel que o premio que se pretendia estabelecer, e que de facto esta estabelecido na lei para as agoas-ardentes, não venha a ser applicado para o fim a que se destina por não haver quem se apresente habilitado para o receber; mas nesse caso o governo ha de sollicitar do parlamento a necessaria auctorisação, e propôr os projectos que julgar convenientes, a fim de ficar auctorisado para proteger a lavoura do Douro, e dar applicação a um imposto, que se por ventura se tornar inefficaz, não esta nas mãos do governo nem de ninguem evitar as circumstancias que tal inefficacia gerassem.

Resumindo pois nesta parte a minha resposta ao illustre deputado, direi que o imposto tem sido cobrado na conformidade rio decreto de 11 de outubro, e ha de applicar-se em apparecendo individuos habilitados para o poderem receber segundo a disposição do citado decreto; e se por acaso por circumstancias que não está nas nossas mãos prevenir, deixarem de apparecer esses individuos, e não puder applicar-se para o premio a que está destinado; o governo ha do vir proporá camara as medidas necessarias para lhe dar o destino conveniente, tão sómente no sentido de porteger a lavoura do Douro, como é o pensamento

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do governo, e ta mirem da camara. (Muitos apoiados)

Em quanto á segunda parte a que alludiu o nobre deputado — a creação de um banco rural — permitta-me s. ex. dizer-lhe, que esta talvez um pouco ligada e subordinada á outra parte a que acabo de responder. Não sei quaes são as intenções do sr. deputado; mas se me não engano, o illustre deputado julga que é possivel (no presupposto de não se applicar o producto do imposto creado em conformidade do decreto de 11 de outubro, para o premio das agoas-ardentes) tomar o producto deste imposto como baze para crear um estabelecimento de credito, que possa ser util á lavoura, e proteja os lavradores daquella parte do paiz. (O sr. Affonso Botelho: — Apoiado)

O governo não tem intenção, nem a póde ler de alterar ou modificar essencialmente o pensamento d decreto de 11 de outubro; o governo está convencido, que da transição, e que o nobre deputado chamou rapida, mas que pelo menos não se póde dizer fosse de salto; (Apoiados) que da transição de um systema restrictivo que existia naquella provincia, para o systema da liberdade de commercio (mas que ainda não se póde chamar absoluta) systema que o governo esta na firme resolução de manter, hão-de provir as maiores vantagens ao commercio dos vinhos do Douro, (Apoiados) Por consequencia o governo está de accordo com o nobre deputado, e s. ex.ª a ha-de ler occasião de o reconhecer, no decurso desta legislatura, prestando todo o contingente da sua influencia e dos meios que estão ao seu alcance, para se realisar o pensamento do decreto de 11 de outubro, que é o de melhorar quanto possivel a situação da lavoura daquella parte da monarchia. (Fozes — Muito bem)

Estou persuadido que o nobre deputado não ha-de exigir de mim, neste momento, que eu declare, qual o modo de, na circumstancia que ainda se não deu, da não applicação do imposto, por falla de não se verificar a hypothese que estabelece d decreto de 11 de outubro, qual o modo mais efficaz de chegar a esse resultado; mas póde estar certo da boa vontade e sincera cooperação do governo para tudo quanto fôr conveniente aos legitimos interesses da lavoura, sem prejudicar comtudo o pensamento do decreto de 11 de outubro, que já foi approvado pelo corpo legislativo. — Não sei se esta resposta succinta satisfará o illustre deputado, mas estou prompto a dar ioda e qualquer outra explicação que me fôr requerida, no sentido e desejos de s. ex. a quem tenho sempre muito prazer em satisfazer. (Muito bem)

O sr. Affonso Botelho — Sr. presidente, satisfaz-me completamente a resposta que s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas fez a honra de dar á minha interpellação. S. ex.ª comprehendeu perfeitamente os motivos que a dirigiram, e parece-me que no enunciado que fiz, não pedi outra explicação além d'aquella que o nobre ministro leve a bondade de dar: seria isso uma inconveniencia da minha parte, nem eu podia dirigir a minha interpellação senão em conformidade do meu intimo pensamento, tendo, como tenho, a certeza de que não está só no espirito do sr. ministro da fazenda, mas no de todos os seus collegas, o pensamento que s. ex. acaba de manifestar. Estou disto convencido; e o que desejava era promover uma occasião para que tal pensamento se manifestasse de um modo tão honroso para s. ex. Agradeço ao sr. ministro a maneira urbana, franca e leal com que se dignou responder-me.

5.º Interpellação: — Ao sr. Ministro das obras publicas, commercio e industria).

O sr. Pinto d'Almeida — Sr. presidente, na sessão de 19 do corrente, mandei para a mesa a seguinte nota de interpellação por mim assignada e por todos os meus dignos collegas do districto de Coimbra, menos pelo sr. Basilio, u Os deputados do districto de Coimbra, abaixo assignados, desejam interpellar, com urgencia, o sr. ministro das obras publicas:

1. Sobre o estado da barra do porto da Figueira, e a necessidade de obrigar os emprezarios das obras da barra a cumprirem, o seu contracto.

2. Sobre a conveniencia de se providenciar quanto antes sobre o estado lastimoso dos campos de Coimbra.»

Fallarei primeiro sobre a barra da Figueira, e depois sobre o segundo objecto da minha interpellação e farei por ser breve, não só por a hora estar adiantada, sendo já onze horas e tanto, mas ainda para dar logar a fallarem os meus dignos collegas, signatarios da minha interpellação.

O estado da barra da Figueira é pessimo, sr. presidente, e peior a de dia para da, está peior que nunca esteve; digo isto sem ter medo de ser contradictado.

De que serviram as obras que se fizeram para melhorar a barra? De nada: está peior do que antes das obras; antes das obras havia em occasião de tempestade um bom ancoradouro para os navios, e hoje nem isso ha; anteriormente entravam alli navios de maior lote, que carregavam os vinhos para os differentes portos do Brazil, e hoje nem se quer entram, esperam a carga fóra da barra; e é para isto que se paga um pesado tributo! Ha poucos dias estiveram a dar á costa o hiate Neto, a rasca Santa Maria, e a escuna Marianna, porque sobre a barra se acha uma grande porção de areas.

O anno passado, em officio de 16 de junho, dizia s. ex.ª, o sr. ministro do reino á camara passada dos srs. deputados, que o emprezario ía botar abaixo os decantados redentes, e que dentro em tres mezes ía o emprezario apresentar uma draga da força de 25 cavallos, e com os aparelhos e barcos necessarios proprios á limpeza do porto da barra da Figueira, e de tudo se assignou um termo na secretaria do reino.

Apesar do termo, o emprezario tudo illudiu, não tirou os redentes todos, porque ainda lá existe um, não apresentou a decantada draga, que se obrigou a apresentar durante tres mezes; sendo passados além desses tres mezes, dez mezes e sete dias, nada tem feito, e tem-se tractado de illudir o povo, que paga um pesado tributo sem proveito algum.

Sendo o emprezario obrigado, pela condição 3.ª do seu contracto, a ter a barra em estado de dar saida e entrada prompta aos navios, pelo menos como os que alli costumam entrar, quando o não faça de prompto, o governo deve mandar cobrar o tributo e applica-lo para obras que melhorem de uma vez aquella barra, fazendo assim um acto de justiça, não só aos habitantes da villa da Figueira, mas aos do districto de Coimbra, Bairrada, e Beira, que veem o porto da barra da Figueira fechado, para exportarem os seus productos agricolas.

Deverá o povo continuar a pagar um pesado tributo, sem lucro desse tributo! Intendo que não. E sobre este ponto que chamo a attenção de s. ex.ª

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esperando que de uma vez, e para sempre se fuça justiça; que se faça cumprir um contracto, que era melhor não ter existido para aquelles povos.

Resta-me fallar sobre o segundo objecto — melhoramentos dos campos do Mondego. — Sr. presidente, de que serviu o ter-me cançado, pedindo muitas vezes em particular e em publico á digna commissão de obras publicas, dê o seu parecer sobre o projecto apresentado ha mais de quatro mezes nesta camara pelo sr. Justino, e assignado por quasi todos os deputados do districto da Coimbra, para os melhoramentos dos campos do Mondego? Com sentimento o digo, nada conseguiu.

Quando fallei uma vez sobre este objecto, disse o sr. Placido, que ficasse certo de que apparecia, Jogo de que a commissão désse o seu parecer sobre o caminho de ferro, um parecer a este respeito; deu a commissão o parecer sobre o caminho de ferro, mas o parecer sobre os melhoramentos dos campos do Mondego não appareceu!! Instando outra vez para com a commissão de obras publicas, disse o seu digno presidente, que não davam o parecer, porque esperavam que o ex.™ ministro das obras publicas apresentasse um novo projecto que queria apresentar sobre este objecto. Não me imporia que o parecer seja dado sobre este ou aquelle projecto, o que quero e remedio prompto aos males que soffrem os habitantes das povoações contiguas ao campo do Mondego, mas ainda mais os proprietarios que fazem despezas excessivas, e de que não tiram lucro algum por causa das enchentes, havendo (erras que estão encharcadas em aguas ha muitos annos, e que são a causa primaria do pessimo estado de saude em que se acham aquellas povoações, e até mesmo Coimbra. Chamarei ainda a attenção do digno ministro das obras publicas sobre estes dois importantes objectos para aquelle districto, que tenho a honra de representar nesta camara.

O sr. Nazareth — Sr. presidente, o sr. deputado que acabou de fallar, referiu qual é o estado da barra da Figueira; e por isso cumpre fazer todos os esforços e empregar todos os meios para o seu melhoramento.

Sendo este o unico porto de mar da vasta provincia da Beira, os seus interesses muito soffrem com esta situação, porque os seus productos agricolas e industriaes são na maxima parte exportados por alli para Lisboa, Porto, e portos estrangeiros, e importados quasi todos os generos de consumo naquella provincia.

Lança-se um tributo especial para as obras do melhoramento daquella barra. Levantado o plano das obras, foram estas feitas por uma empreza, mas infelizmente não corresponderam ao fim desejado; a empreza porém, como se diz, não tem cumprido as condições do contracto, e crê-se que se ellas forem cumpridas, algum beneficio se fará á barra, especialmente com o emprego da draga para limpeza do rio; nestas circumstancias incumbe ao governo tornar effectivas aquellas condições.

Conheço, sr. presidente, que as obras hydraulicas são as mais contingentes e falliveis; reputações as mais bem estabecidas, talentos os mais provados cairam com os seus calculos e planos em obras desta natureza. Esta verdade se verifica na obra em questão, que dirigida por um habil engenheiro, depois de feitas as primeiras obras, apresentou una aspecto

esperançoso, e algum melhoramento sentiu a barra, mais tarde essa esperança desappareceu, e tendo-se feito excessivas modificações nas obras, nenhum beneficio se tem experimentado.

Sr. presidente, os povos queixam-se, e tem razão, porque carregando com um tributo para essas obras, querem ver agora o resultado; e por isso não deixarei de excitar o zelo e attenção de sr. ministro das obras publicas para este assumpto.

Não posso deixar de manifestar á camara a triste convicção em estou, de que ainda cumpridas aquellas condições, não se obteria um melhoramento radical e seguro.

Não sou competente para dar uma opinião fundada sobre este objecto; mas a experiencia dos fados e informações de pessoas experientes me levam a esta opinião. Nesta obra tem-se a attender á direcção das correntes, dos ventos, e a outras multas circumstancias immensamente variaveis; accrescendo ter o leito da barra moradia Intendo pois, que a sobras a fazer são outras, porque das já feitas pouco ha a esperar.

Quando ha enchentes e cae sobre a foz do Mondego grande massa de agoas, a barra melhora, como succedeu este inverno que chegou a ter 20 palmos de altura, mas este bem foi de pouca duração; por tanto, parece que a base de todos os trabalhos deve ser a direcção directa da maior porção de agoa sol.re a foz do rio: neste sentido foram feilas as actuaes obras; mas a experiencia tem mostrado, que não são sufficientes para esse fim.

É opinião constante, quedo Penedo de Lares para baixo devem as agoas do Mondego ser dirigidas aproximadamente aos montes da esquerda do rio, lendo assim unia direcção quasi em linha recta, não perdendo a sua força na grande volta do canal, por onde actualmente é a sua corrente.

Embora, sr. presidente, não estejamos já habilitados para fazer esta e outras obras dispendiosas, que por ventura sejam necessarias para melhoramento da burra da Figueira, deve-se já proceder no seu estudo, e não perder a esperança de as emprehender, porque é de lai importancia e vantagem para a provincia da Beira, e para o paiz, o melhoramento daquella barra, que não devemos poupar sacrificios.

Quanto ao melhoramento dos campos do Mondego, já em outra occasião expuz o estado lamentatavel em que se acham: a abertura e limpeza das vallas é indispensavel em relação á producção, e á saude publica; e posto que outras providencias sejam necessarias, esta é de reconhecida vantagem, e a que de prompto se devia ter procedido.

Concluo pedindo ao sr. ministro das obras publicas faça, ainda nesta estação, proceder áquelles trabalho», e assim o espero do seu empenho pelos melhoramentos publicos.

O sr. Justino de Freitas: — No estado de adiantamento da sessão, e na altura em que vai este debate, não farei mais do que deduzir as consequencias naturaes das premissas e dos factos, que os 2 illustres oradores que me precederam, já referiram á camara.

Eu, sr. presidente. não desconheço a difficuldade de atinar com as obras hydraulicas, que mais conviriam ao melhoramento da barta da Figueira; mas é preciso emprehender alguma cousa, porque a empreza, pela condição 3.ª do seu contracto, é obri-

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gada a conservai sempre limpo o porto e a barra da Figueira.

A empreza, porém, quer sómente receber um tributo sem fazer cousa alguma util, e nem uma draga, que o governo lhe ordenara que comprasse ha uns poucos de annos, ainda ha para a limpeza da barra.

No anno passado, a commissão deu um parecer, que auctorisava o governo ou a rescindir o contracto, ou a obrigai os empreiteiros a satisfazerem ás condições no mesmo, podendo até o governo suspender-lhes a arrecadação dos tributos, que estavam pesando sobre o commercio sem a menor utilidade: supponho que a mudança daquelles trabalhos, que então estavam a cargo da secretaria do reino, seria a verdadeira causa, por que nada se fez em vista daquelle parecer da commissão; mas não posso deixar de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, para este assumpto de maxima gravidade e importancia para todos os povos da Beira.

Sr. presidente, quanto á canalisação do Mondego, não posso deixar de lamentar, que s. ex. o sr. ministro das obras publicas se preparasse, á ultima hora, para trazer á camara um projecto de lei sobre este objecto, que só serviu de embaraçar a commissão, de obras publicas de dar o seu parecer sobre este grave assumpto, como a mesma declarara pelo orgão do seu presidente.

Uma grande parte das terras visinhas ao Mondego já senão semeara este anno; mas, sr. presidente, este ainda não é o peior mal; o peior de tudo é a insalubridade das povoações visinhas, que são dizimadas pelas febres na presente estação: aquelles sitios são actualmente uma verdadeira custa de Africa e estes males chegam á cidade de Coimbra, que sendo noutro tempo sadia, hoje já alli reinam as mesmas intermittentes, que poem quasi todos os annos em risco as vidas de alguns academicos.

Observo, com desgosto, que já não é possivel remediar-se cousa alguma nesta sessão, lendo-se inutilisado todos os meus esforços; e por isso, não me resta outra cousa senão pedir ao illustre ministro das obras publicas, para que, com os recursos que tem á sua disposição, tracte, ao menos, de mandar pio-ceder á limpeza e enxugamento das vallas do Mondego, para se diminuir assim a insalubridade daquellas povoações.

O sr. Ministro das obras publicas (Fontes Pereira de Mello): — Estimaria sem duvida, que os Trabalhos importantissimos, que teem estado commettidos ao exame das obras publicas, tivessem permittido que aquella repartição se podesse occupar de todos elles com a urgencia que é necessaria, e que reclamam mesmo esses objectos; mas os nobres deputados que assistiram nestes ultimos dias á discussão do projecto do contracto do caminho de ferro, que viram as innumeras consultas que precederam aquelle contracto, e que o acompanharam, devem reconhecer o improbo trabalho que pezou sobre o conselho de obras publicas para poder dar cumprimento a todas as exigencias do governo, e serão de certo bastante benevolos com aquella corporação, para reconhecerem que não lhe era possivel satisfazer completamente a todas as exigencias do serviço publico, quando aquella (o contracto do caminho de ferro) era tão importante e urgente. E por isso que não tenho ainda uma resposta definitiva e cabal, como desejo e como exigi do conselho de obras publicas e minas sobre o objecto importante da barra da Figueira.

O governo, sr. presidente, tanto reconheceu que era necessario fixar por uma vez se a empreza tinha satisfeito ou não completamente as obrigações que contrairá, para se lhe exigir e fazer effectiva a responsabilidade, que commetteu o exame deste negocio a uma corporação technica, unica que podia satisfazer a elle: e procederá em conformidade, logo que o conselho de obras publicas lhe apresente o resultado desse exame, que não é tão facil como parece á primeira vista, porque o nobre deputado sabe bem quaes as difficuldades inherentes constantemente a trabalhos desta natureza, quaes são os riscos que corre qualquer empreza, mesmo com a melhor vontade de desempenhar cabalmente as obrigações que contraiu; os nobres deputados sabem como têem naufragado até muitas reputações distinctas em obras hydraulicas de similhante natureza, e como é possivel por consequencia que com a melhor vontade, com a melhor direcção nos meios ao seu alcance, uma empreza não possa conseguir o fim a que se propõe.

Já se vê portanto que não é facil que uma corporação de homens technicos e que sabem apreciar estas difficuldades e inconvenientes, dê um parecer consciencioso sobre o procedimento da empreza, e se acaso ella tem cumprido por sua parte, como devia, as obrigações que contraiu, e por consequencia se o governo deve ou não exigir-lhe a responsabilidade: em todo o caso podem estar certos os nobres deputados de que eu não posso, nem devo ter contemplação alguma com a empreza da barra da Figueira, uma vez que ella não justifique que tem satisfeito por sua parte as obrigações que se lhe impozeram pelo contracto.

Devo dizer aos nobres deputados que na barra da Figueira não se tem seguido um systema constante desde o principio, e isto acontece muitas vezes em obras desta natureza; julgou-se primeiro que era conveniente estabelecer uns certos redentes, depois julgou-se que era conveniente destrui-los; isto o que prova é a difficuldade da obra, e por consequencia a difficuldade que existe tambem para se poder dizer conscienciosamente o que convém fazer, e apreciar o merito do que se tem feito.

Sr. presidente, pelo que toca aos campos do Mondego não tenho memoria de haver embaraçado por parte do governo a discussão do projecto de um illustre deputado sobre os campos do Mondego, com o motivo de ter eu um regulamento para apresentar: é certo que o governo tem esse regulamento, e esse regulamento tem sido visto e examinado até por pessoas que toda a camara conhece, uma dellas de grande respeitabilidade, e muito conhecedora daquellas localidades na parte administrativa; mas o governo não se julgou ainda habilitado, apesar disso, com todos os esclarecimentos necessarios para o apresentar á camara; comtudo esse trabalho, a que o governo tem mandado proceder, não obsta de maneira nenhuma a que se apresente ou se discuta qualquer parecer sobre o projecto do nobre deputado: pela minha parte não tive nunca a intenção de tolher nem á illustre commissão de obras publicas, nem ao illustre deputado a realisação do que intendessem fazer, nem de pôr o mais pequeno embaraço a que se examinasse e discutisse esse trabalho. O que é certo é que eu tenho esse regulamento, que o hei de apresentar á camara, e estou persuadido que deve satisfazer.

VOL VII — JULHO — 1853.

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Dada estas explicações, e abundando nas ponderações que acabam de fazer os nobres deputados em quanto á necessidade de se fazer com que os campos do Mondego, sáiam do estado anormal, e extremamente funesto debaixo de muitos pontos de vista, em que, se acham actualmente, concluo por dizer que da minha parte, logo que tenha promptos os trabalhos a que alludi, apresenta-los-hei á camara; e quanto ao mais não me opponho, nem posso oppôr me de sorte alguma a que se faça o maior bem que se possa aos campos do Mondego.

O sr. Pinto de Almeida. — Ouvi as respostas dadas pelo ex.mo ministro, e não posso deixar de novamente insistir para que s. ex. obrigue o empresario a cumprir o contracto que fez sobre a barra da Figueira; vindo a cumprir o termo que assignou na secretaria do reino, em que se obrigou a deitar a baixo os redentes, e a ter uma draga para a limpeza do porto da Figueira, como se vê da cópia da portaria de 16 de junho do ministerio do reino do anno passado, que tenho na mão.

Em quanto aos melhoramentos dos campos do Mondego direi que espero tanto de s. ex.ª, como da digna commissão de obras publicas, em que farão todo o possivel para que. o parecer da commissão appareça á luz do dia quanto antes, mostrando-se assim que se quer fazer justiça áquelles povos, de quem me honro de ser procurador.

Sei que já não se póde discutir nesta sessão, mas venha o parecer para se discutir na primeira occasião.

Espero, sr. presidente, que s. ex. mostrará a sua actividade costumada nestes dois negocios, que foram objecto da minha, interpellação, mostrando assim que attende ás justas reclamações daquelles povos.

O sr. Cezar de Vasconcellos: — Sr. presidente, uma vez que se invocou o meu testimunho, não tenho outro remedio senão dar uma explicação por parte da commissão de obras publicas.

Eu nunca disse que o sr. ministro das obras publicas embaraçara o andamento dos trabalhos da commissão a respeito dos campos do Mondego — o que disse foi, que constando á commissão que o governo tinha trabalhos preparados, e já muito adiantados a este respeito, os quaes tencionava em breve apresentar á camara, a commissão intendeu que neste caso era mais conveniente esperar pela apresentação desses trabalhos por parte do governo, até para a commissão poder dar um melhor parecer — isto foi o que disse, não que o sr. ministro embaraçara estes trabalhos; não podia ter dicto isto, porque não podia dizer uma cousa que se não passou. (Apoiados)

Agora pelo que toca á exigencia do illustre deputado, para que a commissão apresente o seu parecer quanto antes sobre este negocio, direi que, além da circumstancia já apontada, a commissão agora está tractando do projecto das estradas do Minho; e para mostrar ao illustre deputado e á camara que a commissão não se descuida do exame dos negocios que lhe são commettidos, tem uma reunião ámanhã com o sr. ministro das obras publicas, para ver se é possivel concluir os trabalhos relativos ás estradas do Minho, e na segunda-feira apresentar o seu parecer, a fim de ver se ainda nesta sessão se ultima definitivamente este negocio, que é urgente. (Apoiados)

Tambem tem, depois deste negocio, de examinar o que diz respeito ás obras da barra de Villa-Nova de Milfontes de que ainda hoje vieram á commissão as plantas e outros trabalhos para este fim.

Se durante o tempo desta sessão ainda vierem da parte do governo os trabalhos que o mesmo governo tem tenção de apresentar a respeito dos campos do Mondego, a commissão não se descuidará, e tractará delles com toda a especialidade de que é capaz.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda-feira é a que já se annunciou. Está levantada a sessão. — Era quasi meia noite.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gavião.

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