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N.º 28. SESSÃO DE 30 DE JULHO. 1853

Presidencia do Sr. Silva Sanches

Chamada: — Presentes 53 srs. deputados.

Abertura: — As onze horas e meia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declarações: — 1.ª — Do sr. Sousa Cabral, de que o sr. Pinheiro Ozorio, por justo impedimento, não póde comparecer á sessão de hoje, nem á de segunda feira — Inteirada.

2.ª — Do sr. Castro e Lemos, de — que o sr. S. J. da Luz não póde por justo impedimento comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

Officios: — 1.º Do sr. Rodrigues Sampaio, participando que nem hontem pôde, nem ainda hoje, comparecer na camara, por falta de saude. — Inteirada.

2.º Do ministerio da guerra, acompanhando uma proposta de lei, ampliando o decreto de 29 de dezembro de 1834, mandando contar a antiguidade do primeiro posto de official áquelles dos officiaes que se acharem nas circumstancias mencionadas na mesma proposta. — Á commissão de guerra.

Deu-se pelo meza destino ao seguinte

Officio de Jacinto Dias Damazio, na qualidade de fiscal da companhia das minas de carvão de pedra, acompanhando 100 exemplares das observações que fez dos projectos do sr. Placido de Abreu, sobre minas de carvão de pedra. — Mandaram-se distribuir.

O sr. Visconde de Castro Silva: — Tendo recebido a honra de ser eleito deputado pela cidade que me VIII nascer, e devendo ao circulo mais commercial da mesma cidade a minha eleição, faltaria ao cumprimento de um dever sagrado, se deixasse de, com especialidade, velar pelos interesses da commercial e industrial cidade do Porto.

O cumprimento deste dever merece o assentimento de todos, e com especialidade daquelles a quem aquella sempre invicta cidade deu patria e liberdade; e ainda mais dos que a estão vantajosamente gozando sem os sacrificios que ella se viu obrigada a soffrer; mas parece-me que isto será menos bem recebido pela maioria dos membros que compõem o conselho de saude publica do reino; porque conhecem que eu não poderia advogar os interesses daquella laboriosa cidade, sem principiar por pedir a esta camara, remedio aos males que lhe está causando o mesmo conselho de saude, com seu arbitrario proceder.

Sr. presidente, o povo portuguez é por essencia soffredor, e o povo portuense tem dado disto exuberantes provas; e por isso tem soffrido com resignação, os incalculaveis prejuizos a que o tem obrigado um tribunal, que já deu causa a uma revolta no paiz. (Apoiados) O commercio daquella cidade tem soffrido o prejuizo de ver obrigados os seus navios a vir fazer quarentena a Lisboa, e a gastar, em despezas della, extraordinarias e avultadissimas sommas; quando por muitos seculos houve no Porto um lazareto, e isto em épocas em que as epidemias reinavam em toda a America; e ainda ha muito poucos annos se admittiram tambem a fazer alli quarentena os navios procedentes de Inglaterra, aonde existia a choleramorbus. Peço á camara que note que as viagens de Inglaterra, podem fazer-se em 3 a 4 dias, em quanto que as dos portos do Brazil não se fazem regularmente em menos de 30 a 40. O commercio do Porto viu com resignação a inqualificavel deliberação do tribunal de saude, que condemnou alguns dos seus navios a serem meti idos a pique, apromptando-se o mesmo conselho para ir assistir a este acto, que desejára tornar pomposo com a sua presença; fazendo disto uma scena de inquisição, só com a differença que as victimas aqui eram affogadas, em logar de serem queimadas; mas havia victimas, porque alem de se sacrificarem valiosas e bellas embarcações, roubava-se a fortuna de muitas familias, a quem o conselho não sabia se reduzia á miseria; isto só porque se quiz acreditar que esses navios tinham importado a febre amarella na cidade do Porto; e estes navios, que deviam a sua salvação á sabia deliberação do governo de Sua Magestade, que ordenou que elles fossem fazer quarentena a qualquer lazareto estrangeiro, tendo saido a barra da cidade do Porto, tendo vindo a esta cidade, e tendo ido depois cumprir as ordens do governo, finalmente recolheram áquella cidade, sem falla de um só homem; devendo notar-se que as suas tripulações eram numerosas, porque eram navios de grande tonelagem, e que os homens que as tripulavam, eram mortaes.

E necessario, sr. presidente, que v. ex.ª saiba, e a camara conheça, que quando o escrupuloso conselho de saude assim obrava para com estes navios, quando estabelecia rigorosa quarentena aos navios que vinham do Porto, e aos seus passageiro, deixava entrar livre-

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mente aquelles que tinham por terra, com os quaes não escrupulisava. (Apoiados)

O commercio do Porto ainda soffreu mais, porque, como já fiz vêr á camara, quando o conselho de saude, por livre capricho seu, declara = qualquer porto simplesmente suspeito, são obrigados os seus navios a vir a Lisboa mostrar a sua carta de saude a um empregado da mesma, estacionado em Belem; = isto é, veem mostrar um documento; que podia ser examinado por qualquer homem, ou criança que soubesse lêr. (Apoiados) Peço a attenção da camara sobre este facto, que clama justiça, porque aquella cidade a merece, e a humanidade a implora. (Apoiados) A humanidade, porque na nossa costa, e naquella perigosa barra, ainda resoam os lamentos das victimas que alli teem perecido, por isso será mais que immoral, augmentar com duas viagens inuteis, os riscos que se correm na mesma costa. (Muitos apoiados) Sr. presidente, abstenho-me por agora de entrar na analyse dos actos emanados da maioria do conselho de saude; mas para mais fazer conhecer á camara a necessidade de, com urgencia, marcar as attribuições que devem pertencer ao mesmo conselho, bastará notar um facto acontecido nestes ultimos dias; e é, que o conselho declarou o porto do Maranhão suspeito em 5 deste mez, sem ter noticia alguma em que fundamentar tal declaração, e lendo depois della admittido 2 navios 1 á livre practica, procedentes daquelle porto, a seu bel-prazer, em 14 do mesmo mez, tornou a declarar limpo o mesmo porto. Para que se faça justiça ao commercio, sem detrimento da saude publica, tenho a honra de apresentar á camara a seguinte proposta, a qual peço que seja declarada urgente:

Proposta: — Proponho que seja nomeada por esta camara uma commissão composta de 3 membros desta mesma camara, para rever os editaes, regulamentos, e mais providencias do conselho de saude publica do reino, devendo a mesma commissão apresentar na proxima legislatura todas as alterações que julgue convenientes, e tendam a restringir os poderes do mesmo conselho, que em tudo deve ser subordinado ao governo: ordenando-se desde já, que as quarentenas dê observação para o» navios que demandarem a cidade dó Porto, sejam feitas dentro da barra da mesma cidade.» — Visconde de Castro Silva.

foi declarada urgente — E entrou em discussão.

O sr. Ministro do reino (Fonseca Magalhães). — Acabando de entrar na sala, apenas ouvi as ultimai palavras com que o sr. deputado pertendia justificar a proposta que mandou para a mesa; não sei por tanto, quaes as razões com que antecedentemente a sustentou; mas com relação ao que ouvi, e em cumprimento dê um dever, que me impõe o cargo que occupo, precizo explicar o que ha a este respeito, por isso que, havendo neste negocio uma parte historica, convem repor os factos conforme elles se passaram na verdade. Talvez haja razões para se julgar, não direi menos regular, porém menos perfeito o serviço da repartição de saude; más se ha essa imperfeição, não é de certo na parte a que ouvi referir-se o illustre deputado.

O illustre deputado, sr. presidente, deu como uma grande irregularidade o ter o conselho de saude publica declarado sujo o porto do Maranhão, sem haver causa para isso; e poucos dias depois, sem tambem haver causa, o declarou limpo.

A este respeito observarei, que o conselho seguiu os regulamentos de saude; porque, tendo chegado á barra do Porto um navio procedente do Maranhão, a bordo do qual, e durante a viagem; morrêra um homem; e não havendo um documento regular, pelo qual se provasse a causa da morte deste individuo; segundo os regulamentos da repartição de saude deu-se por sujo o porto donde saíu o navio, até que houvesse informações sobre o estado sanitario desse porto. Poucos dias depois entrou nas aguas do Téjo outro navio, procedente tambem do Maranhão, e tendo saido dalli 1 dia ou 2 depois do que linha entrado no Douro, como não houvera nenhum individuo morto a seu bordo, e nenhum homem da tripulação vinha doente, e trazia a sua carta limpa, deu-se por limpo oporto do Maranhão.

A vista desta exposição verdadeira dos factos, ninguem poderá dizer, que o conselho de saude publica andou menos regularmente, nem ha razão para se dar como arbitrario o seu procedimento, quando elle não fez mais do que dar a execução que lhe cumpria pelos regulamentos; e andaria muito mal se assim o não fizesse. (Apoiados)

Sr. presidente, sendo ministro desta repartição, e sabendo estes factos, julguei da minha obrigação dar taes explicações, a fim de fazer justiça a todos, não se me podendo levar a mal expor o que ha de exacto sem com isso querer, deforma alguma, prejudicar o andamento regular da proposta do sr. deputado, até porque o meu desejo é, que aquella repartição cumpra os seus deveres, os quaes comtudo notarei á camara, que são delicadissimos, por isso que muitas vezes luctam os interesses particulares com os da saude publica; (Apoiados) e por tanto é necessario toda a cautela no exame a que se proceder, no caso que a camara approve a proposta, á qual, repito, estou longe de oppôr-me.

O sr. Pegado: — Sr. presidente, fui prevenido pelo que acabou de dizer o sr. ministro do reino, porque sem contrariar a exposição feita pelo illustre auctor da proposta, é certo, comtudo, que muitas vezes os interesses do commercio não estão de accôrdo com os da saude publica, porque os desejos dos negociantes é a maior rapidez nos despachos das cargas dos navios; mas é preciso conciliar estes interesses com os da saude publica, objecto que merece em toda a parte serio cuidado; devendo notar-se, que em Inglaterra, onde commumente se sacrifica tudo ao commercio, quando apparece uma circumstancia que faz recear que a saude publica póde perigar, tomam-se todas as medidas de rigor para desviar essa calamidade.

O sr. Visconde de Castro Silva: — Não posso concordar com a opinião do nobre ministro do reino, e do illustre deputado que me precedeu, porque o commercio, e com especialidade os donos ou consignatarios de embarcações, são os primeiros interessados na manutenção da saude publica; porque são elles os primeiros que estão em contacto com aquelles navios, suas tripulações e carga; e ainda que os seus interesses fossem de encontro a qualquer disposição sanitaria, ainda que se podesse considerar que esse mesquinho interesse os podia cegar, a ponto de desprezarem a propria existencia, os negociantes e proprietarios de embarcações haviam de ter esposa, filhos, ou familia a quem nunca quereriam sacrificar (Apoiados).

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Em quanto a dizer-se, que o conselho de saude publica obrou bem em declarar suspeito o porto do Maranhão, lembro ao nobre ministro do reino, que o fundamento a que s. ex.ª allude, para desculpar aquelle procedimento, não e sufficiente; porque o simples facto de ter morrido um homem a bordo de um navio, que vinha de um porto limpo, e que trazia limpa a sua carta de saude, nunca póde servir de fundamento; pois a falta do capitão não ter trazido um attestado de que o passageiro vinha doente, não procede á vista do principal documento, ao qual só se deve dar fé, como era a carta de saude, e á vista deste documento todos os outros podiam reputar-se graciosos, ou de nenhum valor. E se o conselho não acreditava naquelle documento, passado por auctoridades competentes, e authenticado pelo consul portuguez, nenhum valor lhe devia merecer qualquer outro, que se lhe apresentasse.

O nobre ministro do reino intende que o conselho obrou em cumprimento dos seus regulamentos; mas eu intendo que neste caso o conselho só deliberou accintosa e arbitrariamente; e tanto, que a opinião do mesmo conselho não foi unanime; pois sei que algum membro motivára o seu voto em sentido contrario, fazendo vêr que não havia motivo algum para similhante declaração; e tanto o proprio conselho reconheceu a injustiça do seu procedimento, que admittiu á livre practica no Téjo, depois desta declaração, dois navios saídos do mesmo porto, um antes, outro depois daquelle a que se allude.

Mas não é este o objecto a que, por agora, chamei a attenção da camara, mas fi-lo para pedir que sejam revistos os regulamentos e disposições sanitarias do mesmo conselho; e tanto o sr. ministro do reino está convencido desta necessidade, que assegurou aos negociantes desta capital que, no intervallo da passada legislatura, elles seriam revistos, e modificadas as suas disposições, como o mesmo commercio reclamava.

Identicas modificações, sr. presidente, se tem feito em todos os paizes; e no congresso sanitario, que se reuniu em París em 1851, e a que assistiu, por parte de Portugal, o digno par do reino o sr. José Maria Grande, aí se concordou na necessidade de grandes restricções sanitarias, e em que para os casos mais graves se não estabelecesse uma quarentena maior de cinco dias.

Chamei, e continuo chamando mais especialmente a attenção da camara para a necessidade de ser permittido desde já o fazer-se as quarentenas de observação dentro da barra do Douro, porque o commercio do Porto o reclama, e sem risco da saude publica o bom senso e a humanidade até assim o exigem (Apoiados) prestando-se o commercio do Porto a contribuir para a formação de um lazareto regular para estabelecer as quarentenas; pois o corpo de commercio daquella cidade nunca se negou a concorrer para qualquer despeza especial, tendente a melhorar ou a facilitar o commercio; e por isso vejo com magoa, sempre que se tracta de dar applicação diversa á consignação de qualquer somma, que aquelle commercio paga com destino a fins especiaes.

Por esta occasião notarei á camara que quando se nega as embarcações, que demandam a barra do Foi to, procedentes de portos simplesmente suspeitos, a sua entrada alli, admittem-se no porto de Setubal a carregar em quarentena os navios procedentes do portos sujos.

Sr. presidente, chamando a attenção da camara sobre os perigos e prejuizos a que o conselho de saude obriga o commercio do Porto, não é minha intenção lançar censura alguma sobre o governo; pois intendo, e sei que o mesmo governo deseja facilitar e promover o desenvolvimento do commercio do paiz, e com especialidade daquella cidade; e nisto cumpro um dever, porque nunca governo algum recorreu debalde ao patriotismo da dasse commercial daquella praça. (Apoiados)

Concluo pedindo que se approve a minha proposta.....

Leu-se na mesa a ultima redacção do projecto n.º 70, que foi approvada sem reclamação.

O sr. Ministro do Reino: — Declaro novamente que me não opponho ao requerimento, nem -nego que haja alguma rasão para se deverem examinar os regulamentos da repartição de saude; só o que disse, e que ainda confirmo, é que as rasões que ouvi, se são as unicas até agora apontadas, não são deduzidas de justos fundamentos, talvez por falta de informações cabaes a este respeito; e foi por isso que não pude deixar passar «em explicação o que disse o illustre auctor do requerimento.,.

Perguntou o illustre deputado: porque declarou o conselho o porto do Maranhão sujo? Foi por morrer um individuo a bordo de um navio? Mas traria esse navio a sua carta limpa? Responderei, sr. presidente, que o conselho devia declarar sujo o porto do Maranhão, logo que em um navio saído delle, tinha morrido um homem... (O sr. Visconde de Castro Silva: — Sem se saber de que). Maior rasão para se declarar sujo; (Apoiados) havendo ainda a circumstancia de dizer primeiro que o individuo morto havia caído ao mar, e depois que fallecêra de uma physica; e se em vista de tudo isto o conselho, do saude publica não andasse como andou, tinha obrado mal, e dado logar a que eu lhe estranhasse o seu procedimento. (Apoiados) Porém, logo que o conselho verificou, pela chegada de um navio, posteriormente saído do mesmo porto, que não havia motivo para continuar a declara-lo sujo, o mandou reputar, limpo, e nisto obrou tambem com toda a regularidade. (Apoiados).

Devo, além disto, observar que os regulamentos da repartição de saude não permittem que os navios façam quarentena na barra do Douro; e o conselho não póde alterar os regulamentos, e por isso não deve consentir que ella tenha logar alli. Em quanto á fundação de um lazareto na foz do Douro é isso um objecto serio, que não póde ser decidido de salto; e devo assegurar á camara que tenho no ministerio do reino algumas representações contra tal estabelecimento, em consequencia da estreiteza do rio, e a falta de meios de resguardo e cautellas empregadas para evitar a communicação de uma epidemia á cidade. E sendo certo que já alli existiu por muito temi o um lazareto, é preciso examinar as rasões por que acabou... (O sr. Visconde de Castro Silva; — Ha quatro annos lá houve lazareto por causa da cholera). O Orador: — E ha tres para quatro anno, que eu estive no Porto, e vi o terror do que se la possuindo aquella grande cidade, porque duas ou tres pessoas que foram a bordo de um ou dois navios, morreram logo depois.

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E eu, sr. presidente, a respeito de saude publica e a respeito de moeda tenho um escrupulo extraordinario em lhe bolir; (Apoiados) realmente e cousa muito grave. Nós sabemos a historia da febre amarella que ha perto de 2 annos grassou no Porto. Eu estive com a penna na mão para mandar metter a pique os navios que vieram do Porto aqui fazer quarentena; estive com a penna na mão, porque vi a conflagração do terror que se apossou dos habitantes desta capital, e o primeiro dever da auctoridade publica é tranquillisar os animos sobre objecto de tanta ponderação; (Apoiados) estive, e se acaso os capitães dos navios não se resolvem a saír a barra, mandava metter os navios a pique, e tinha razões para isso, razões que havia de produzir quando fosse arguido, e arguido havia eu de ser assim como o sou por tudo. (Riso)

Ora na verdade o conselho de saude não foi unanime na sua opinião, e eu mesmo estive inclinado a seguir a da minoria, estive, confesso-o, pareceu-me que havia nella boas razões, mas as razões da lei eram superiores. Como opinião technica, como opinião facultativa, pareceu-me que a da minoria era muito acceitavel, mas resistia-lhe a disposição da lei; e eu em taes casos, isto é, em objecto de saude publica, sendo a lei mais rigorosa do que a opinião, lanço-me no rigor da lei, e assim o fiz não só porque era mais saudavel para o bem publico, ainda que fosse em detrimento de um particular, mas tambem era para o ministro mais seguro, e na verdade muitas vezes tenho em vista segurar tambem a maior responsabilidade

Estou prompto para concorrer com tudo quanto possa por parte do governo, para um bom exame, e muito detido e muito circumspecto dos regulamentos de saude; para que se veja o se considere aquelles que são ou deslocados ou rigorosos de mais e alguns talvez menos rigorosos; estou prompto para isso com tanto que haja no negocio toda a cautela.

Eu, sr presidente, não quero dizer que os interessados na diminuição ou abbreviação das quarentenas deixam de reconhecer que são igualmente interessados na manutenção da saude publica; oh! sem duvida nenhuma, mas vou aos factos e os factos teem passado por mim Eu não sei; não digo, não me atrevo a dizer que o interesse commercial faz cegar algumas pessoas (Uma voz. — Faz, faz) contra o interesse da saude publica, mas como ha diversas opiniões a respeito de contagio, tenho notado uma cousa, que todos os interessados na diminuição do rigor das quarentenas são aquelles que não crêem no contagio. (Apoiados: — É verdade) Ora isto não me faz suspeitar porque eu nunca suspeitei de ninguem, mas faz-me circumspecto Essas pessoas sem duvida são respeitaveis, honestas, bons cidadãos, optimos pais de familia, não querem vêr morrer seus filhos, nem elles proprios, mas por fala idade acontece, que as pessoas que se queixam sempre do rigor das quarentenas, crêem muito pouco no contagio das molestias.. (O sr Visconde de. Castro Silva: — Mas nos outros paizes não ha esse rigor) Peço perdão ao nobre deputado, peço-lhe que veja os regulamentos da nação visinha (Apoiados) 10 vezes mais rigorosos do que os nossos; não precisa ir mais longe, e compare os nossos com aquelles, e até, sr. presidente, muitas vezes tem acontecido serem os nossos officiaes de saude reputados demasiadamente remissos o relaxados e não se quererem acceitar naquelles portos navios que vão com cartas de saude dos nossos.

Eu tambem não sou contagionista; mas eu não sou nada, sou só ministro agora, e tenho a meu cargo o empregar todos os cuidados na saude publica; e se o illustre deputado estivesse no logar que eu occupo hoje quando a cholera appareceu na cidade do Porto, e quando um terror horrivel se estendeu por toda a capital, não havia de ser menos rigorista de que eu.

O conselho de saude executando os seus regulamentos fez o seu dever; (Apoiados) se alguma cousa ha a censurar será nos regulamentos, será na lei, examine-se e veja-se, mas não se impute ao executor de uma lei severa a severidade da mesma lei; não é justo, e pois que não é justo, eu revolto-me sempre contra imputações que não são fundadas em justiça.

O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Tenho que propôr uma moção de ordem e preciso declara-la; — hei de concluir pedindo que esta questão não se decida sem ser submettido o requerimento do sr. visconde de Castro Silva ao exame de uma commissão. Eu tinha pedido a palavra antes de fallar o sr. ministro do reino e sabem os meus collegas visinhos, que não foram as razões que s. ex.ª apresentou que me levaram a fazer esta moção de ordem, porque já antes tinha tenção de a fazer. Se o requerimento tivesse simplesmente uma parte, em quanto a mim era de facil resolução; quero dizer, se se tractasse só de consultar a camara para que uma commissão qualquer examinasse os regulamentos do conselho de saude e os seus editaes, eu votava pelo requerimento sem exame da commissão; mas como tom uma outra parte, que é para que a camara determine que desde já haja um lazareto no Douro, intendo que é um negocio gravissimo que a camara não deve resolver sem submetter ao exame de uma commissão, que me parece ser a propria, a de saude publica. Eu tenho ouvido muitas cousas a respeito do conselho de saude e das quarentenas, mas como o meu officio me faz estar muito em contacto com o conselho de saude, a respeito da maior parte das cousas que tenho ouvido, rio-me por que não são verdadeiras. Póde ter muita razão e muitissima razão o commercio do Porto em não existir alli um lazareto, mas póde ser ou não ser conveniente haver lá um lazareto; somos nós os competentes para o resolver aqui assim de improviso? Creio que não. Intendo que a materia é tão grave que para haver uma resolução segura deve o requerimento sujeitar-se ao exame de uma commissão, e eu proponho, que seja a commissão de saude publica, aggregando-se, lhe o illustre auctor do requerimento para lhe dar as informações do facto, que é muito capaz de dar.

leu-se logo na mesa a seguinte

Proposta: — Proponho que o requerimento do sr. visconde de Castro Silva, seja submettido ao exame da commissão de saude publica, unindo-se-lhe o seu auctor.) » Santos Monteiro.

O sr. Presidente: — Observo que, como alguns srs. deputados teem a palavra sobre a ordem, para não haver duas discussões, será mais conveniente discutir conjunctamente a materia do requerimento com a da moção de ordem. (Apoiados)

O sr. Correra Caldeira: — Sr. presidente, entrando na sala quando o sr. ministro do reino concluia as suas observações, em resposta ao sr. visconde de Castro Silva, não estava bem ao facto da discussão; mas, segundo as informações que me deram, pare-

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ce-me que este incidente prendia com o facto, sobre o qual chamo já a attenção da camara, por meio de um requerimento que apresento pedindo esclarecimentos ao governo; e, por esta occasião, peço ser informado sobre se esses documentos já vieram, porque, no caso negativo, proporia que esta discussão se adiasse ate elles virem. (O sr. Visconde de Castro Silva: — Não prende com esse facto.) Mas o que ouvi ao sr. ministro do reino, tem toda a relação com esse facto.

O sr. Presidente: — O sr. visconde de Castro Silva apresentou um requerimento, para que se nomeasse uma commissão para rever os regulamentos sanitarios, e, fundamentando o seu requerimento, alludiu a alguns factos que tinham alguma connexão com a moção do sr. Corrêa Caldeira, mas só como fundamento para 0 seu requerimento; e estava concluindo, quando entrou o sr. ministro do reino, que, ouvindo que se censurava o conselho de saude publica, por ter declarado suspeito o porto do Maranhão, e, poucos dias depois, livre, respondeu a isso; mas foi esta a unica cousa, no meu modo de intender, de que o sr. ministro tractou, que tivesse relação com o requerimento do sr. Corrêa Caldeira; e os esclarecimentos, que s. ex.ª pediu, ainda não vieram.

O sr. Corrêa Caldeira — Pela exposição que o sr. presidente acaba de fazer das razões em que o sr. visconde de Castro Silva fundou o seu requerimento, que são precisamente arguições que s. ex.ª faz ao conselho de saude, arguições, que eu intendo, que o conselho não merece, reconhece-se que a camara não póde resolver este negocio, na ausencia dos documentos que pedi; por consequencia mando para a mesa a seguinte proposta de adiamento

Proposta: — Proponho o adiamento da discussão do requerimento do sr. visconde de Castro Silva, até que sejam presentes á camara os documentos, e informações que pedi fossem remettidos pelo governo, a respeito do procedimento havido com a galera Castro 2.º = Corrêa Caldeira.

Foi apoiado o adiamento.

O sr. Maia (Francisco): — Admira-me que se impugne o requerimento do sr. Visconde de Castro Silva, sendo tão simples, quando outros de maior gravidade teem sido approvados.

Eu por mim declaro que voto contra o adiamento, porque O exame do facto, a que alludiu o sr. Corrêa Caldeira, em nada é prejudicado pela approvação do requerimento; e esse facto seguramente ha de ser submettido ao conhecimento da camara, depois que vierem as informações pedidas pelo sr. deputado.

O sr. Presidente: — Devo advertir que já deu a hora designada para se passar á ordem do dia; e por consequencia fica esta dicussão pendente, anão resolver a camara outra cousa.

O sr. Calheiros: — Eu lembro a v. ex.ª que achando-se presente o sr. ministro do reino, era agora occasião de me ser concedida a palavra a fim de fazer a exposição, para ouvir a qual s. ex.ª foi convidado.

O sr. Ministro do reino: — Eu estou prompto.

O sr. Placido de Abreu: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de guerra ácerca da proposta do governo para ser auctorisado a vender em hasta publica, e dinheiro effectivo; e pelo modo que julgar mais conveniente, o edificio de S. João Novo, onde se acha estabelecido o hospital militar permanente da cidade do Porto.

Peço que com este parecer tambem seja impressso o da commissão de fazenda sobre este mesmo objecto.

Mandou-se imprimir — (E se consignará quando entrar em discussão).

O sr. Rivara: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica sobre uma pretenção particular.

Ficou para se tomar em conta opportunamente e consultada a camara sobre se havia de dar-se a palavra ao sr. Calheiros, para o fim que indicou — decidiu affirmativamente.

O sr. Calheiros: — Sr. presidente, na noite de 27 do corrente foi a minha casa cercada por uma força da guarda municipal, e a auctoridade encarregada da diligencia foi o administrador dos Olivaes, que cumpriu com seu dever como auctoridade, e mesmo me dispensou todas attenções. Esta auctoridade entrou em minha casa depois de nascer o sol, e disse-me — que ía proceder a uma rigorosa visita domiciliaria para prender o major Christiano (peço ao sr. ministro do reino que note, que a ordem para se proceder á diligencia era assignada pelo chefe da repartição da policia).

Respondi a essa auctoridade — que não fazia opposição alguma ao cumprimento da diligencia, observando-lhe ao mesmo tempo, que, com quanto o major Christiano fosse meu patricio, isto é, de duas legoas distante da minha naturalidade, pouco mais ou menos, desde 1047 que as minha relações com elle estavam inteiramente quebradas, e nunca mais tive noticias delle senão pelos jornaes; que chegando preso á capital nunca o fui visitar, nunca elle me escreveu, nem me pediu serviço do qualidade nenhuma. Além disso, dá-se uma circumstancia, que outro dia não narrei á camara, porque não desejava aggravar a situação de ninguem, de que, entre os crimes de que é accusado o major Christiano, e que a imprensa publicou, um delles é o envenenamento do prior do Seixo, e sendo este prior meu primo inteiro, não se póde suppôr que havia de proteger um homem sobre o qual recaissem suspeitas de ter perpetrado um similhante crime. E por esta occasião declaro, debaixo de minha palavra de honra, que desde 1847 nunca mais tive relações com o major Christiano; peço aos srs. tachygrafos que tomem nota disto; e se esta minha declaração não fôr verdadeira, quero ser considerado como o homem mais vil da sociedade.

O administrador me ponderou que, não obstante o que eu lhe asseverava, havia um homem que dizia, que eu o tinha encarregado de umas encommendas para o major Christiano; e pedindo ao administrador, que esse homem comparecesse naquelle acto, ao que elle annuiu, apresentou-se um rapaz, que nunca linha visto, e de cuja fisionomia não tinha a menor idéa, ao qual o administrador perguntou: você não disse que linha fallado com o sr. Calheiros? É verdade, respondeu elle. Então (disse-lhe) diga o dia, a hora e quantas vezes me fallou» — O senhor não costuma passar pela praça d'Alegria?» Não, senhor.

— «Então seria alguem que se parece com o senhor.

— Eu fallei-lhe no domingo, na praça da Alegria, das 4 horas e meia para as 5 da tarde.» Quando elle disse isto, então pedi ao administrador, que tomasse nota, de que no domingo, ás 10 horas da manha.

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fui para casa do sr. Antonio Pereira Caldas, onde cative até ás!) horas da noite, e de lá fui para casa do sr. visconde de Benagazil, onde me demorei até ás 11 horas; e agora apresento uma carta, assignada por estes cavalheiros, certificando isto mesmo, e cujo testimunho não póde ser recusado por nenhum homem de probidade (Apoiados).

Sr. presidente, depois de verificada a diligencia, fui informado de que o denunciante era um homem cheio de crimes, ha pouco saído do castello, e que estando condemnado pelos tribunaes a um anno de prisão, ainda não cumpriu a sentença, e anda solto a infamar os homens de bem.

Peço ao sr. ministro do reino, queira responder ás seguintes perguntas. — Se a auctoridade administrativa é pelas leis a competente para fazer as visitas domiciliarias? Se as funcções dessa auctoridade são delegadas desde o governador civil até ao secretario, e do secretario até ao porteiro da repartição? Se, sendo a auctoridade administrativa a competente, ella é dispensada de proceder aos autos competentes, e de entregar um ao dono da casa? Nesta questão não quero favor nenhum, não me prevaleço da circumstancia de ser deputado, e, se a lembrei, foi por estranhar que a auctoridade suppozesse que um deputado da nação fosse capaz de commetter o crime de dar abrigo em sua casa a um homem condemnado pelo? tribunaes.

O sr. Ministro do reino: — Sr. presidente, o illustre deputado referiu um facto, os factos avaliam-se diversamente, e é justo ouvir todos interessados nelles, para se poderem julgar.

O major Christiano fugiu da prisão do castello, onde se achava condemnado á morte por seus crimes, havendo-lhe sido commutada esta pena, pelo effeito da clemencia real, segundo a caria, pelo poder moderador. A fuga do major Christiano de uma prisão 1 militar, foi um facto extraordinario, que se avaliou por diversos motivos, sendo um delles, e que mereceu as honras de menção dos jornaes, e de ser repetido por muita gente, que o governo tinha dado protecção áquella fuga, nomeando-se especialmente o ministro do reino. Verificada a fuga, a auctoridade militar deu parte a auctoridade administrativa, para que pela repartição de policia se fizessem todas as diligencias, a fim de conseguir-se a captura daquelle fugitivo da cadêa. O governo, sabedor não só do facto, mas daquella participação, ordenou á repartição competente, que pozesse em practica todos os meios para descobrir a guarida do major Christiano, e fizesse todos os esforços necessarios para que fosse preso, em vindicta da sociedade e satisfação da justiça. A auctoridade administrativa foz isso; serviu-se dos seus meios, e em consequencia das diligencias empregadas, depois de muito tempo, convenceu-se, não da certeza, porque nunca a ha nestes casos, mas da summa probabilidade, que havia, de que aquelle fugitivo se achava n'uma casa junto ao Campo Grande. Esta participação foi feita ao governo, e eu não curei de saber, até certo tempo, cuja era a casa, mas vim a sabê-lo poucos dias antes de se effectuar a diligencia. Hesitei muito; porque, podendo ser accusado de varios defeitos, ninguem me Accusará com razão, de tractar de pouca monta, não só as garantias que pertencem aos representantes da nação, mas todas as attenções e cortezias que lhos do devida, o que me préso de respeitar o usar. Achei-me em grande collisão, sr. presidente, entre o desempenho de um dever, e muito importante, e a falta de que necessariamente havia de ser accusado para com um representante da nação; considerei tambem que o fugitivo podia estar naquella localidade sem ser a consentimento, nem até o sabendo o dono da casa. Pessoalmente não tenho a honra de ser conhecido do illustre deputado: entre nós não ha relações algumas, já se sabe em perda minha: mas tão pouco me pareço que ha motivo de mal querença, eu julgo-o assim; póde ser que o sr. deputado, segundo sou informado, assim o não intenda; mas neste caso, o que se segue é que não me faz justiça — não é o primeiro. (Riso)

Intendi, em fim, depois do combale entre o desempenho do que julgava um dever, e a cortezia e attenções, de que muito cumpro usar para com um j homem de bem, e muito respeitavel por todos os titulos, e, além disso representante da nação, que não podia hesitar, nem tornar-me suspeito de motivos pouco decorosos para mim, reservando-me para, depois do facto, fazer a apologia do meu procedimento, dando as causas delle; e julguei que estas causas não podiam deixar de ser reputadas serias, e attendidas pela camara, e pelo mesmo illustre deputado A situação era grave em geral, e para mim gravissima e peculiar; porque, como já disse, não uma vez só, mas muitas vezes, fui accusado de ter dado favor á fuga daquelle criminoso; e ato se buscaram razões para isso vergonhosissimas, indecorosissimas para mim,

Depois, considerando o caio hypotheticamente, e sem referencia a uma dada pessoa, disse comigo: ti ou o dono da casa sabe que nos seus lares se acolha o fugitivo, ou não sabe: se sabe e quer, eu commetto uma imprudencia em o prevenir disto; se não sabe, não lho faço offensa em procurar, dentro do recinto da sua propriedade, uni homem que alli póde estar acolhido a insciencia sua. Accrescia ainda, que houve informação de que unia parte da casa estava deshabitada, isto é, o segundo andar; e ainda se disse, que esta parte da casa, que até certo tempo estivera sempre aberta, appareceu, nestes ultimos dias, com as janellas cerradas.

Sr. presidente, não fui eu que fiz as indagações, mas foi-me representado, que havia todos os motivos de graves suspeitas, de ser aquelle o esconderijo; e ainda mais, que pela minha demora, hesitação e resistencia tornava a ganhar corpo a desgraçada imputação, de que o governo protegia aquelle fugitivo, e que o protegia determinadamente o ministro do reino; neste caso preferi o cumprimento do meu dever ao cumprimento de um acto de attenção e civilidade a que, podendo, não costumo fallar; e as pessoas que me conhecem, de certo, entre os meus defeitos não notarão ode grosseiro e desattencioso. (Apoiados)

Tambem considerei o que sentiria na situação do illustre deputado; e não tractarei aqui de intender o artigo da caria constitucional, nem do saber até onde se intendem as immunidades dos representantes do povo; não olhei para esse negocio com o rigorismo de advogado; sei que essas garantias não se alargam ao domicilio do deputado, mas para mim, alargam-se não só ao domicilio dos deputados, mas a tudo que com elles toca; e não foi considerando o negocio stricto jure que me resolvi a ceder a dar a ordem fiara que o fugitivo fosse procurado na propriedade do sr. deputado. Porém, collocando-me no logar do mesmo illustre deputado e innocente como acredito

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que é o mesmo cavalheiro, na presumida estada do criminoso, estimaria muito, que, sem ninguem me prevenir, fosse entrada a minha casa, e se visse que a denuncia linha sido falsa; longe de me dar por offendido com isso, havia de estimar muito (O sr. Calheiros: — Eu não me queixo de não ter sido prevenido.)

Mas, sr. presidente, como é que o governo auctorisou esta prisão? Ao sr. deputado pareceu estranho o facto da expedição da ordem pelo chefe da repartição de policia; (O sr. Calheiros: — A toda agente) e comtudo não é novo este modo de proceder, nem illegal em casos identicos; não houve agora innovação (O sr. Calheiros: — Mas é contra a lei) nem é contra a lei; e se é, tambem é agora a primeira vez que se levanta este clamor; e vou dar conhecimento á camara de um caso igual.

Leu uma ordem datada de 29 de maio de 1849, e assignada pelo chefe da repartição de policia, para se procurar um criminoso em casa de um deputado.

Poderia mostrar outros exemplos, mas basta observar que a ordem expedida para a prisão do major Christiano, é igualmente passada pelo chefe da policia, só com esta differença: na primeira designava-se o nome do deputado; na segunda não se fez isso; na primeira recommendava-se toda a promptidão e segurança no prompto desempenho; na segunda recommendava-se a legalidade na execução; e, sem querer fazer comparações, nem ellas servem para isto, desejo comtudo mostrar que não inventei um procedimento violento contra a casa do sr. deputado e menos contra a sua pessoa; pela contrario, esse procedimento, quando o tivesse havido, seria muito do meu desagrado.

As pesquizas e indagações da policia são feitas por pessoas que neste mister se empregam, e as quaes eu não quero classificar em geral, mas é força confessar, que, muitos malfeitores, muitos assassinos, muitos bandoleiros, muitos homens que são a peste da sociedade, são postos em segura custodia, são perseguidos por effeito dos serviços desta genio.

Quiz-se achar neste negocio uma certa tendencia politica; mas declaro diante de Deos que a não houve, e considero que seria desgraçar muito uma questão politica, entroncando nella este negocio. (Apoiados) Nem houve tambem um acto de indisposição da minha parte para com o illustre deputado, porque nunca exerci na minha vida um acto de vingança contra ninguem. (Apoiados) Peço ao illustre deputado que use de todos os sentimentos de generosidade para com um homem que nunca lhe fez mal nenhum; peço-lhe, que nem pela idéa lhe passe similhante cousa, que creio já passou. (O sr. Calheiros: — Não passou) Pois se eu nunca exerci na minha vida um acto de vingança, como é que havia de exercel-a para com o illustre deputado?

O sr. Calheiros: — Declaro que nunca considerei ocaso como politico; a minha pessoa é muito obscura para que incommodasse a v. ex.ª

O Orador: — Ainda o illustre deputado está na idéa de que foi um procedimento hostil da minha pare, directamente para com s. ex.ª: isto é uma gravissima injustiça, de que não haverá talvez 3 pessoas que me accusem, como o illustre deputado. (Apoiados)

Eu não teria mesmo levado a mal que o illustre deputado abrisse as suas portas a um desgraçado; póde ser que se esse homem batesse ás minhas, perseguido immediatamente pelos agentes da auctoridade publica, eu lhe dissesse — entre por alli, e sáia por acolá — e não o fina assim se o crime fosse politico.

Tenho lido doutro dos meus lares muitos accusados do crimes politicos (Apoiados) e de principios oppostos aos meus e eu mesmo tenho estado nos de alguem. Isto de crimes politicos entre nós tem sido uma roda... (O sr. Placido de Abreu: — E ainda bem) em que todos volteamos. Os meus procedimentos em taes casos, não me envergonham.

Estabelecidos assim os fados com mais ou menos, imperfeição na diligencia; imperfeição em que não tenho parte, não me tornando responsavel pelos bons costumes de nenhum informador, e sem querer com isto lançar a responsabilidade sobre as auctoridades minhas subalternas, porque ellas procedendo como sempre teem procedido, tambem não merecem ser accusadas, passo a responder ás perguntas do illustre deputado.

O nobre deputado cansou-se debalde, creio eu, em justificar-se que não tinha estado, em sua casa, o individuo de quem se tracta...

O sr. Calheiros: — Não quero que ninguem duvide.

O Orador: — Ninguem duvida; ninguem podia duvidar; mas o que se não podia dar por certo, era que não estivesse dentro da sua propriedade um homem, sem que de lai tivesse noticia; porque, eu mesmo no principio das tyrannias de D. Miguel estive escondido nesta capital até que embarquei, em casa do barão de Albufeira, sem que elle já mais o soubesse. Presente está o sr. José da Silva Carvalho que me foi visitar a esse esconderijo, e o dono da casa sabia-o tanto, como eu sei o que agora faz o imperador da China. E por ventura não podia acontecer o mesmo, ao illustre deputado, n'uma grande e vasta propriedade?

Tres perguntas me dirigiu o sr. deputado; se a auctoridade administrativa é a propria para fazer taes diligencias; se não é necessario um auto em duplicado para ser entregue ao dono da casa; e finalmente, se a auctoridade administrativa delega. Em quanto a esta ultima pergunta, respondo com os precedentes, que, não sendo combalidos, fazem uma especie de direito consuetudinario.

Em quanto á competencia da auctoridade administrativa, digo ao illustre deputado que não a inventei eu; e intendo que, no caso disto, é ella a propria a que se recorre para a prisão de fugitivos das cadeias, dos degredos, desertores, etc.,

A reforma judicial diz na nota 9.º do artigo 1023.º o seguinte. (Leu)

O sr. Calheiros: — O que ahi se estabelece, não é lei, é uma portaria.

O Orador: — As portarias neste ramo do serviço tem sido sempre executados como regulamentos que obrigam, e estabelecem como já disse, uma legislação consuctudinaria.

Neste caso não houve intervenção do ministerio publico, mas houve a requisição da auctoridade militar, porque o réo é militar: a auctoridade propria recorreu á auctoridade administrativa, e obrou legalmente; fez o mesmo que furia o ministerio publico. Que mandados judiciaes se tem apresentado jámais para a prisão de criminosos desta natureza? Como é que são procurados os desertores? Como se vão procurar os réos fugitivos das cadêas?

Intendeu-se sempre que um réo que rompe a pa-

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redes ou grades de uma cadêa e della foge, está em flagrante delicto continuado, e neste caso persegue-se -em toda a parte, porque em toda a parte se considera em flagrante delicto, e para estes não lia necessidade de taes formalidades. Ora, sr. presidente, se sempre assim se fez; se esta tem sido a practica nunca interrompida, boa ou má, não tem o illustre deputado motivo de queixa de se obrar excepcionalmente para com s. ex.ª (Apoiados)

Eu intendo pois, que qualquer que seja o defeito da execução, qualquer que seja a responsabilidade que o governo haja de exigir dos que mal serviram a causa publica, isto no empenho de colher as mãos ©'criminoso; em taes lermos, tudo se póde dizer, menos que houve uma postergação de lei, e uma offensa feita a um representante da nação. (Apoiados)

O sr. Presidente: — Não sei se este negocio deverá seguir os tramites de uma interpellação. (Apoiados) Nesse caso tem a palavra o sr. Calheiros.

O sr. Calheiros: — Eu não apresentei este negocio como uma interpellação: submetti-o á camara para delle tomar conhecimento. (Apoiados).,

O sr. Presidente: — Como alguns srs. deputados teem pedido a palavra, e necessario que a camara resolva sobre se considera este incidente como uma interpellação; porque neste caso os tramites estão marcados no regimento.; E consultando logo a camara

Se considerava o negocio como uma interpellação — decidiu affirmativamente.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, visto que a camara resolveu, que este assumpto fosse considerado, como uma interpellação, peço que em harmonia com a resolução da camara, possam tomar parte nesta interpellação todos os deputados que assim o requererem.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, peço a leitura do requerimento do sr. Silva Pereira; e peço igualmente a v. ex.ª que consulte a camara para eu poder tomar parte nesta discussão.

O sr. Presidente: — Mandou-se buscar o requerimento para se lêr; e logo consultarei a camara sobre se hei-de dar a palavra ao illustre deputado..

O sr. Calheiros Castello Branco: — Sr. presidente, eu fiz a minha exposição, e o sr. ministro respondeu da maneira porque intendeu; a camara avaliará de quê parte está a razão. Entrego pois o negocio á camara; se a camara não quer tomar conhecimento delle, a mim não me resta mais nada, senão ir-me embora.

Retirou-se da sala.

O sr. Avila (Sobre a ordem) — Este é um negocio grave. Peço a v. ex.ª e á maioria da camara, que considere bem, que uma precipitação qualquer, póde dar em resultado precedentes tristes. (Apoiados) O nobre deputado que acabou de retirar-se da sala, não quiz fazer uma interpellação; fez uma moção na qual se pediam providencias sobre que elle chama um desacato para com a sua pessoa.

A camara considerando como uma interpellação aquillo que o não era, pois que havia uma moção na qual se pedia providencias, e sobre que havia de haver uma decisão, deu logar a que o illustre deputado fizesse o que fez.

Eu appello para os nobres ministros. O procedimento do governo e regular ou irregular: se é regular, não se feche a porta á discussão; e se é irregular, então para que quer a camara suicidar-se pela fórma que o fez agora?.....O governo, pois, é o primeiro que se deve oppôr a que se tirem as consequencias que se podera tirar deste facto.

O nobre deputado, o sr. Calheiros, pertence ao lado esquerdo da camara; mas eu pela minha parte como membro desta camara, não posso consentir que elle se retire e largue a sua cadeira de deputado o illustre deputado veiu á camara narrar um facto, sobre este facto é que eu desejo uma discussão aberta para todos os membros que quizerem tomar parte nessa questão. Entre tanta a camara fará o que quizer.

O sr. Presidente: — Vai lêr-se o requerimento do sr. Silva Pereira que deu motivo a esta discussão.

Leu-se.

O sr. José Estevão (Sobre a ordem): — Sr presidente, pois que a questão é grave, podemos nós corresponder á gravidade della entertendo-nos com assumptos de regimento? Por ventura porque a camara considerou o assumpto, que faz objecto do debate, como uma interpellação, seguia-se daqui, que o sr. presidente ou por seu alvedrio, ou consultando a camara não désse a palavra a todos os srs. deputados que a quizessem tomar nesta interpellação, como o podiam fazer se acaso fosse uma proposta, ou uma moção? Quando é que se disse, que o debate sobre uma interpellação cerrava a boca aos deputados? (O sr. Avila: — Quem o diz, é o regimento. Para se poder fallar sobre uma interpellação é preciso uma resolução da camara). Então para que querem sofismar as intenções da camara, e de alguns dos nossos collegas que votaram que a questão se considerasse como interpellação? Eu votei no sentido contrario; mas sei que muitos deputados que se sentam ao meu lado, e votaram em sentido contrario ao meu, não votaram com a intenção de querer tapar a boca aos deputados que quizessem fallar neste assumpto. (Apoiados)

Argumenta-se com os artigos do regimento; mas artigos que não tem sido observados, e a que se tem faltado mesmo em proveito do illustre deputado; por que bastantes vezes elle mesmo tem tomado a palavra em interpellações de que não fôra auctor; e a requerimento de muitos dos illustres deputados daquelle lado da camara, se tem consultado a mesma camara, e ella annuido a que tomem parte em interpellações de que não foram auctores.

Intendo que a saída do illustre deputado da casa, é um incidente de que a camara não póde tomar conta. Se o illustre deputado em logar de saír do seu logar fosse fulminado por uma apoplexia, se nós tivessemos o desgosto de, em vez de ficarmos privados da sua presença, ter de lamentar a sua morte, o facto não leria deixado de existir, e os direitos e deveres da camara não podiam ser invalidados nem com a sua morte nem com a sua ausencia, para tractar a questão que tinha sido proposta. A saída do nobre deputado póde ser um desforço, talvez exaggerado, do que elle julga um aggravo; póde ser uma resolução repentina, uma razão de pundonor; póde ser um movimento nervoso, em que a sua intelligencia não tenha parte alguma; mas nós não podemos sujeitar as nossas decisões de direito a capricho de uma organisação individual.

Portanto lamentando a saída do illustre deputado, meu amigo e meu parcial politico, intendo que este facto não tende de maneira nenhuma a inhibir a camara de tomar uma resolução conveniente a este respeito; e de attender ao negocio como deve, quer o nobre deputado estivesse presente, quer não.

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Admira-me que os doutores do regimento venham Suscitar agora a interpretação rigorosa da sua letra, quando a intenção da camara, votando que o objecto fosse considerado como uma interpellação, não foi fechar a discussão e tapar a boca aos deputados que quizessem fallar. Estou certa que a camara não votou em sentido contrario a este.

Direi mesmo, se a camara convier, que me parece não haver inconveniente nenhum em que o sr. deputado Calheiros (se ainda se conservar no recinto desta casa) seja convidado a tomar parte nesta discussão. A minha opinião é pois, que se abra curso ao debate ou seja sob a forma de requerimento, ou interpellação, ou sob outra qualquer forma. O sr. Presidente: — Quando fallava o sr. ministro do reino no principio desta discussão, pediram a palavra o sr. Vellez Caldeira, e Vasconcellos e Sá; mas eu tive duvida sobre sé lhes havia de dar a palavra. Como porém a camara decidiu que este assumpto fosse considerado como interpellação, e como um sr. deputado propoz que nesta interpellação podesse tomar parte quem o requeresse, parece-me conveniente propor a este respeito um quesito, a fim de resolver todas as duvidas, e vem a ser — se devem tomar parte nesta interpellação todos os deputados que o requererem; e se se deve seguir a ordem da inscripção, O sr: Avila (Sobre a ordem): — Eu vou dizer duas palavras mansamente, porque intendo que o negocio deve ser tractado com toda a placidez.

O illustre deputado o sr. Calheiros fez a exposição do que lhe tinha acontecido, e o sr. Silva Pereira, intendendo que não se devia discutir este objecto na ausencia do governo, fez uma proposta para que o governo fosse convidado avir responder: portanto não foi uma interpellação, mas sim a exposição de um attentado que este illustre deputado classificou como ta), e eu por ora me absterei de classificar.

O illustre deputado acabava a sua moção pedindo providencias, e isto não é de certo uma interpellação. Nas interpellações, segundo o regimento, só póde fallar o interpellante, e o interpellado, e como os illustres deputados dizem que não querem fechar a discussão, e que a sua intenção é deixarem fallar na questão todos os deputados, perguntarei: se isto assim é, qual é pois o motivo porque classificaram de interpellação, e não de requerimento, a moção do illustre deputado? Pois se todos os illustres deputados que pedirem à palavra hão de fallar, tanto vale que a moção se considere como requerimento ou como interpellação. Quiz pois fazer estas breves reflexões, e mostrar que o regimento, a respeito de interpellações, só permitte fallar o interpellante e o interpellado; e se alguns deputados teem fallado em diversas interpellações, é isso um caso excepcional.

O sr. Presidente: — Ha varios senhores inscriptos sobre a ordem; mas parece-me que a questão de ordem acaba com o quesito que, apresentei á camara (Muitos apoiados). Se a camara concorda nisto, então vou propôr-lhe o quesito que ha pouco indiquei (Apoiados).

Quesito: — Se hão de tomar parte ma interpellação todos os deputados que o requererem, e se ha de, seguir-se a ordem da inscripção?

Decidiu-se affirmativamente.

O sr: Vellez Caldeira: — Sr. presidente, pedi a palavra, quando o sr. ministro do reino deu a entender que a auctoridade administrativa está no direito de perseguir os criminosos, mesmo em casa dos cidadãos, ainda quando regem os preceitos estabelecidos na lei: pedi a palavra para me oppôr a similhante doutrina.

Qual é pois a lei que regula neste caso? É o artigo 145.º, § 6.º da carta, que diz — todo o cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. — De noite não se poderá entrar nella senão por seu consentimento, ou em caso de reclamação feita de dentro, ou para o defender de incendio ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira que a lei determinar. — Já se vê que só se póde entrar em casa do cidadão, pelo modo determinado na lei; e, logo, é necessario que se dê este caso expresso na lei, para se poder lá entrar. A regra geral é, que se não póde lá entrar. Mas qual é a lei a que o artigo da carta se refere, quando diz — pela maneira que a lei o determinar? — É o artigo 1012.º da reforma judicial, artigo pelo qual se entrega todo este negocio ao juiz: e perguntarei: deu-se agora o caso marcado na lei? Parece-me que não.

Portanto a regra geral é, que ninguem póde entrar em casa do cidadão, senão pelo modo estabelecido na lei: a lei não faz excepção para o caso de que se tracta, logo é certo que não se póde lá entrar: a entrada teve logar, portanto foi violenta e contra lei.

O sr. Cardozo Castello-Branco (Sobre a Ordem): — Sr. presidente, eu desejava que todos os deputados fallassem sobre o negocio, mas que a camara decida o negocio com verdadeiro conhecimento de causa.

Se a discussão correr como até aqui, parece-me que se não chegará a um fim, nem haverá uma decisão sobre o objecto. Portanto proponho que este negocio seja remettido a uma commissão, e neste sentido vou mandar para a mesa uma proposta. —

O sr. Vasconcellos e Sá: — Sr. presidente, não pedi a palavra para tomar parte na discussão relativamente ao direito que tinha a auctoridade superior para mandar cercar a casa do sr. Calheiros: estou persuadido que nenhum deputado tem a sua casa inviolavel para-não ser devassada,) principalmente na occasião de procurar um assassino. Porém, não gostei da allusão que o illustre ministro do reino fez quando se defendeu da arguição que lhe fez o sr. Calheiros, e vem a ser quanto a pronunciar o nome de um individuo, em casa de quem esteve homiziado no tempo de D. Miguel: tractava-se apenas de um assassino, ou pelo menos, era esta a questão que se ventilava na camara, e não sei se foi muito convenientes allusão que se fez, porque parece que a allusão lançava um stygma na maneira de pensar deste homem, e parece, para assim dizer torna-lo sectario do systema de perseguição de. D. Miguel.

Este sujeito já não pertence ao numero dos vivos, mas tem, como todos, quem procure fazer com que a sua memoria seja respeitada, como deve: era um cavalheiro muito liberal, e á sua sombra estiveram muitos outros cavalheiros liberaes protegidos por elle. Se s. ex.ª esteve homiziado em casa do barão de Albufeira, não foi, de certo, sem ella o saber. Elle tambem muitas vezes teve de dormir fóra de casa, com receio de ser procurado, e a sua casa era bastante vigiada.

Pedi a palavra, para de algum modo reivindicar

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a honra deste individuo, para que se não faça um juizo menos favoravel a seu respeito.

O sr. Ministro do Reino: — É triste cousa interromper a discussão solemne deste assumpto, para me fazer intender que a simples narração de um facto em que não fiz imputação, nem accusei de falta a ninguem, vale o mesmo que ter lançado certa mancha no caracter de um homem que já não existe, e que era parente de um illustre deputado. Ninguem aqui, a não ser o illustre deputado, deu ás minhas palavras a intelligencia que elle deu (Muitos apoiados) nem a podia dar.

Contei um facto, e disse — é possivel, e muito possivel, que se acoute em casa de um homem um individuo qualquer, á insciencia do dono da casa, e então accrescentei, isto e não só possivel, mas até muito factivel, aconteceu comigo, porque estive homisiado nos primeiros dias do reinado do terror de D. Miguel em casa do barão de Albufeira, sem que elle soubesse que eu me achava em sua casa; e o sr. José da Silva Carvalho foi ter comigo a este esconderijo, Pois que importa isto para a boa memoria, de que certamente gosa aquelle illustre cavalheiro? Pois se elle não foi sabedor, e se não teve parte, nem concorreu para que eu me occultasse em sua casa, como é que eu o accuso?, Pois que rasão acharia eu nisto, para accusar um homem illustre, que está no sepulchro? Portanto não agradeço ao, illustre deputado, a interpretação que deu ás minhas palavras, e posso dizer-lhe que, a enganar-me, havia de ser mais pela parte de agradecimento, que de ingratidão no cavalheiro a quem alludi. Da parte, pois, do, illustre deputado póde haver muita sinceridade, e muito amor ao seu parente mas generosidade, nenhuma.

O sr. Presidente:, — Vai lêr-se a moção do sr. Cardozo Castello-Branco.

É a seguinte:,

Proposta: — «Proponho que este negocio do sr. deputado Calheiros se remetta a uma commissão para dar sobre elle o seu parecer com urgencia, podendo para esse fim reclamar do governo as informações necessarias. A commissão deve ser a de infracções.» — Cardozo Castello-Branco — Cazal Ribeiro.

Foi admittida.

O sr. Silva Pereira: — Sr. presidente, quando em uma das sessões passadas o nosso collega o sr. Calheiros fez a exposição do desagradavel acontecimento que teve logar; naquelle dia V. ex.ª disse, que visto não haver ninguem que proposesse alguma cousa estava na deliberação de dar conhecimento do acontecido ao governo. Foi então que eu intendi que este convite devia. sair da camara por dignidade sua, e até por seu interesse, a fim de dar ao illustre deputado que se reputava offendido, uma satisfação condigna, para lhe, suavisar as suas magoas.

Quando a primeira vez se tractou deste negocio, vi eu que por essa occasião o meu illustre amigo o sr. Corrêa -Caldeira apresentou uma proposta igual a que acaba de fazer o sr. Cardozo Castello-Branco; o então observei que, depois de ouvir o governo me decidiria,) pois que segundo a sua resposta ou censuraria ou rejeitaria. Hoje estou perplexo: não sei o que devo fazer, se votar ou rejeitar a proposta; quasi que me resolvo, pela sua acceitação, porque o negocio é grave é preciso medita-lo, e porque me parece que é preciso dar tempo ao tempo que é a cousa mais radical que póde haver.

Dá-se em culpa ao governo o practicar um acto de violencia contra os direitos do cidadão, fazendo com que um deputado da nação fosse desconsiderado na sua qualidade de deputado; pois ainda que as garantias do deputado sejam as mesmas que as dos outros cidadãos, comtudo os homens collocados em certos destinos, e com certo caracter publico, precisam não ser desconsiderados na auctoridade que a nação lhes confiou.

Eu intendo que o governo cumpriria a lei, mas não posso deixar de sentir que ordenasse o procedimento que houve por parte da auctoridade administrativa, sem que procurasse primeiro obter a quasi certeza de que aquelle criminoso estava naquella casa. E que satisfação se dá ao deputado queixoso? Dá-se a não apparição do criminoso. De sorte que se algum stygma ha a lançar, recáe sobre a auctoridade policial, que está por tal modo organisada em toda a parte, que só em Portugal é má.

Em vista pois da necessidade que lemos de examinar detalhadamente o facto, sem lançar por em quanto completo stygma sobre o governo, porque na verdade estava no seu direito quando ordenou o que ordenou; mas devendo tambem conservar quanto possivel as immunidades do deputado da nação, eu declaro que, approvo que este -negocio vá a uma commissão, e desejo que o tempo sirva, de remedio ao que só o tempo deve curar.

O sr. Cunha Sotto-Maior (Sobre a ordem): — Sr. presidente, mando para a mesa a seguinte proposta, que a camara tomará na consideração que merecer.,

Proposta: — «Proponho que a camara convide o sr. deputado Freire Calheiros a reassumir o exercicio das funcções que lhe attribue o mandato que recebeu como representante da nação pela provincia de Moçambique.» — Corrêa Caldeira — Cunha Sotto-Maior.

Não foi admittida.

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, eu cançarei muito pouco a camara com as observações que tenho a fazer a este respeito. A questão está despida de todas as complicações pessoaes. E não tendo nós agora senão a decidir se os actos practicados pela auctoridade administrativa na casa do cidadão, a pretexto de perseguir o criminoso, foram ou não legaes, não creio que a camara possa estar habilitada para dar um voto consciencioso sobre similhante assumpto, sem um exame mais grave e mais pausado. Por consequencia, feita esta proposta, eu não sei que se possa dizer nada sobre o negocio, que não seja antecipar, considerações que podem caír diante de um informe mais circumstanciado. Aguardo por tanto, para a resolução da commissão sobre a proposta que acaba de fazer-se, o dar a minha opinião sobre o facto que se pertende averiguar.

Pela minha parte a pessoa com quem este facto se practicou, intendo que não póde deixar de olhal-o senão com um sentimento penoso de desagrado, mas não creio que este sentimento possa levar nunca a quebrar o cumprimento de deveres a que está ligado por sua posição, e a desconhecer a lei commum como cidadão.

O sr. Corrêa Caldeira: — Apezar das declarações do illustre deputado que me precedeu, vou dizer, sr. presidente, duas palavras sobre a materia para fixar bem as minhas opiniões a respeito della. Fui o pri-

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meiro, quando esta questão veiu á camara, que disse — me parecia conveniente que este negocio fosse commettido ao exame de uma commissão, porque intendi que este era o meio mais regular do parlamento ter conhecimento delle, e pode lo decidir com conhecimento de causa.

Ainda estou pela mesma opinião, e tudo quanto ouvi, mais me confirma nella. Visto porém, o modo porque a questão tem sido tractada, a camara me permittirá que diga a respeito della, mui poucas palavras, e com muita placidez.

O sr. ministro do reino, depois de ouvir a exposição do illustre deputado, em cuja casa se fez esta visita domiciliaria, procurou justificar as suas intenções, e disse que fôra principalmente movido a auctorisar ou consentir nesta diligencia, pela intenção e desejo louvavel de desmentir e desfazer as insinuações que tem sido feitas ao governo, e pessoalmente ao nobre ministro, de que fôra culpado na fuga do criminoso, cuja apprehensão de novo se recommendava com tanto empenho.

Depois de tractar deste ponto, s. ex.ª desceu ao modo como esta diligencia foi feita; e eu seguirei o illustre ministro na ordem do seu discurso, até porque fui eu que nesta casa dirigi uma interpellação ao sr. ministro sobre a fuga do preso de que se tracta.

Parece-me que se póde attribuir ao governo culpa lata na evasão do criminoso que faz objecto da presente discussão, sem que esta imputação seja dirigida pessoalmente ao sr. ministro do reino.

O major Christiano tinha sido condemnado á morte, e o poder moderador lhe commutára esta pena na de degredo perpetuo em um presidio, e esta pena importava a exauctoração das honras militares.

Sr. presidente, o governo devia ter logo ordenado a execução desta exauctoração, e logo depois mandado por á disposição da auctoridade civil o condemnado; mas não procedeu assim — e esta é a primeira razão, ou argumento, pelo qual se mostra que o governo fora culpado na fuga.!

A segunda razão é, que um criminoso desta ordem devia ser guardado com muita vigilancia e se as informações que tenho a tal respeito, são verdadeiras, não só não houve com o preso essa vigilancia, mas em sentido contrario, attenções, e facilidades fóra do commum, chegando a dizer-se, que se lhe permittia saír de uma para outra prisão para jogar; e foi n'uma dessas occasiões que elle conseguira evadir-se. Constituindo culpa a omissão da diligencia devida, é rigorosa illação destes factos a culpa do governo, representado pelos seus subordinados.

Em terceiro logar, esta extraordinaria negligencia neste caso não devia deixar de comparar-se com a extrema vigilancia e severidade, desinvolvida n'outros.

É preciso dizer á camara como este governo, tão indulgente no seu procedimento para com um criminoso de tal natureza, se houve a respeito de outros presos, contra os quaes nem puderam reunir-se sufficientes motivos para a indiciação.

Em 1851, depois do facto a que se dá o nome de regeneração houve em Lisboa, no castello de S. Jorge, uma especie de alvoroto no batalhão de caçadores n.º 5, se bem lembrado estou. Nunca foram bem conhecidas nem as circumstancias, nem os fins desse alvoroto; mas a pretexto delle, foram presos alguns officiaes, e julgo tambem que alguns sargentos.

Não sei se todos, sr. presidente, mas algum dos officiaes presos esteve por bastantes dias incommunicavel, e com sentinella á vista, o até me consta, que era mexida a comida, que ía para o preso, ou presos, provavelmente para se descobrir se entre a comida passavam correspondencias Suspeitas.

Approximados estes factos, vê-se neste ultimo caso, isto é, para com officiaes delictos ou presos por méra suspeita de complicidade num alvoroto, e cuja innocencia era tal, que não foi possivel reunir contra elles indicios e imputações, pelas quaes respondessem a conselho de guerra, incommunicabilidade, sentinella á vista, vigilancia extrema, severidade injustificavel;

No outro caso, isto é, para com o official condemnado em virtude de um crime horroroso, negligencia absoluta, nenhuma vigilancia, attenções e facilidades fóra do commum!! Se desta comparação não resulta para os homens mais justos e imparciaes a convicção da existencia da culpa do governo na evasão do criminoso, é inutil, ou falsa a logica, e as suas regras. E a verdade é que a opinião da culpa do governo é geralmente seguida, acreditando todos, que só uma alta protecção podia tornar possivel, e facilitar a evasão do condemnado.

O governo, reconhecendo que estava debaixo do pezo moral desta imputação, intendeu (e eu concordo, que intendeu bem) que era do seu rigoroso dever empregar todos os esforços e diligencias, redobrar de actividade e zelo, para conseguir que fosse recapturado o profugo.

O sr. ministro do reino mostrou-se principalmente empenhado em activar estas diligenciasse lhe dou por isso louvores.

É para lastimar, que toda esta actividade não tenha produzido resultado algum, além do incidente desagradavel, que occupa a attenção da camara — e que o profugo tão seguro esteja da inutilidade dos meios empregados para ser de novo mettido na prisão, que com admiravel placidez de espirito se entretenha a fazer, e a dirigir correspondencias aos jornaes que se publicam na capital;

Não quero porém, aggravar por estes motivos as imputações que se fazem ao governo.

Desses desejos do governo, desse empenho de alcançar que fosse apprehendido o criminoso evadido, nasceu a visita domiciliaria, feita em casa do sr. deputado Freire Calheiros, e o exame deste facto constitue a segunda parte das observações, que quero submetter ao juizo da camara.

Neste facto, sr. presidente, ha a considerar: 1.º pessoa, isto é, a competencia da pessoa que ordenou a diligencia; 2.º o modo por que foi executada. O sr. ministro do reino começou a justificação do procedimento dos seus subordinados, soccorrendo-se a factos anteriores, para mostrar, que não fôra agora inventado este modo de proceder, mas que já se tinham anteriormente practicado diligencias iguaes, em casos que s. ex.ª suppoz analogos, por modo igual.

Porei de parte esses factos anteriores, e as circumstancias que lhes são peculiares, porque não tenho agora meios de entrar nesse exame; mas suppondo, como o sr. ministro, que assim fosse, quero, e devo desde já combater o principio posto por s. ex.ª — de que o facto não contrariado estabelece pela continuação do tempo um direito consuctudinario. — Esta proposição é erronea, e eu deploro que ella saisse da bocca de pessoa tão auctorisada como o nobre ministro. O facto practicado contra lei nunca estabelece

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precedente acceitavel, nem direito consuctudinario; esta e n verdadeira doutrina, e expressa nas leis do reino. É para sentir, sr. presidente, e eu muito lastimaria, que podesse provar-se que houvesse exemplos de procedimento, e irregularidades taes, como as que se reuniram no caso sujeito ao exame da camara; mas e mais lastimoso ainda que taes factos, precedentes, e exemplos, se invoquem para auctorisar outros.

É para desejar que mais se não repitam, e a camara deve por esta occasião haver-se de modo que torne impossivel, ou pelo menos improvavel essa repetição.

S. ex.ª disse, que não era a primeira vez que o governo civil de Lisboa auctorisava, e ordenava similhantes diligencias pelo modo porque fôra ordenada a de que agora se tracta, e leu, para comprovar esta asserção, um officio do anno de 1049, assignado pelo official, chefe da 1.ª repartição, Cypriano Lopes de Andrade. Observarei, porém, as. ex. que as circumstancias são essencialmente differentes. Naquella época, o chefe da repartição de policia estava exercendo as funcções de secretario geral, por uma nomeação regular do governador civil, no meu impedimento, occupado nos trabalhos da camara, de que tive a honra de fazer parte. Pergunto, porém, se agora se dá o mesmo caso? (O sr. Ministro do reino: — Dá-se, porque o secretario geral é governador civil interino.) O Orador: — Parece-me que s. ex.ª está mal informado a este respeito: eu sei que o secretario geral está servindo de governador civil interino; sei que pela lei, no impedimento do secretario geral, faz as suas vezes aquelle dos empregados mais graduados da secretaria, que o governador civil designar; mas tambem sei, pelas informações que tenho, que não é o chefe da 1. repartição, que ordenou esta diligencia em nome do governador civil, quem está servindo de secretario geral, mas é o sr. Pedro José de Oliveira, donde resulta ter sido a diligencia ordenada e auctorisada por pessoa incompetente.

Posso dizer ao sr. ministro, porque tambem me consta, que muitas vezes tem o chefe actual da 1.ª repartição do governo civil de Lisboa ordenado procedimentos desta natureza, com manifesta violação da lei, que escusado é citar, é desinvolver largamente. É notorio, sr. presidente, ou pelo menos referido por muitas pessoas, que se tem ordenado e executado frequentemente visitas domiciliarias; que se tem procedido a interrogatorios, e em fim, ordenado a prisão o a soltura de muitos individuos por méra resolução daquelle empregado, desprezadas todas as formulas, e competencia legal, tudo isto embora em nome do governador civil de Lisboa, mas irregular, caprichosa, e arbitrariamente. Intendo que tudo isto é muito irregular, e que não deve consentir-se que continue similhante procedimento, que póde dar occasião a repetição de factos tão desagradaveis, a illegalidades tão fecundas em complicações e inconvenientes, como aquella que occupa a attenção da camara: e muito estimarei que estes factos, senão são exactos, sejam rectificados.

O illustre deputado não se arroga como tal immunidades e garantias, que a lei não concedeu ao ultimo dos cidadãos; e a qualidade de representante da nação, só é lembrada porque torna mais grave o abuso contra elle practicado. Segundo a carta constitucional da monarchia, todo o cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel; ninguem póde alli entrar de noite, salvo nos casos que a carta constitucional designada e expressamente enumera; e de dia, só nos casos e pelo modo que as leis determinam.

As leis que regulam este objecto são os artigos respectivos da reforma judicial, começando pelo artigo 1:009.º até o artigo 1:012.º Nos termos desses artigos, e especialmente do ultimo, antes que se proceda á busca numa casa para se capturar o fugitivo ou criminoso que se suppõe estar nella escondido, é necessario que se preencham certas formalidades, sem o que não póde executar-se esta diligencia; & necessario que primeiramente se forme um auto em que se declarem as razões e motivos que ha ou que induzem a acreditar que o individuo que se procura, existe na casa a que se vai dar a busca, e é necessario depois, que a auctoridade que fôr assistir a esta diligencia, ou o empregado encarregado por ella de a verificar, vá munido de mandados, em duplicado, nos quaes deve fazer-se menção do auto, e um dos quaes deve ser entregue ao dono da casa em que se dá busca; comminando a lei graves penas aos que de outra sorte se houverem no desempenho destas diligencias.

Disse-se que muitas vezes se tem ordenado a prisão de profugos das cadêas, sem estas formalidades; muitas vezes assim se lerá feito, mas o ter-se feito assim é um abuso, porque nenhuma lei auctorisa esse modo de proceder: e a portaria de 1847 a que se alludiu, foi publicada em uma época de guerra civil, e por consequencia em circumstancias extraordinarias; e entretanto nella se aconselhavam as mais efficazes providencias, recommendando-se que com a maior efficacia se procedesse a todas as diligencias necessarias para capturar os muitos criminosos que se tinham evadido das cadêas do limoeiro; empregando se para este fim a maior actividade e zelo pelo bem da causa publica; mas daqui a ordenar que se entre sem nenhuma formalidade legal na casa do cidadão a procurar um profugo das cadêas, e em circumstancias ordinarias, como as actuaes, a distancia a percorrer é grande!

A nota citada pelo sr. ministro do reino, por mais respeitavel que seja o seu auctor, não é lei; a lei é a que foi citada por mim, e que não foi observada, e daqui procedem as observações que tenho feito, e a conclusão que tirei de que um despreso desta natureza pela observancia das leis e direitos dos cidadãos, era muito censuravel practicado a respeito de qualquer cidadão, mas muito mais practicado a respeito de um cidadão revestido do caracter de membro do parlamento, circumstancia que torna este abuso de uma gravidade excepcional, porque a inducção que se lira de tão insolito proceder, a que tirarão todos os cidadãos, é a seguinte: — Se nem para com um deputado se guardam e respeitam as leis, que podem esperar aquelles que não estão revestidos de tão eminente e privilegiada condição?

Por tanto sr. presidente, se quizer juntar-se a estas considerações o facto que referiu o nobre deputado, em casa de quem se fez a diligencia, isto é, que a denuncia fôra dada por um homem condemnado por uma sentença de prisão, que estava cumprindo, e a quem, a despeito da sentença, se deu a liberdade para se empregar em serviço da policia, e em denuncias, como a que se serviu de fundamento á visita domiciliaria, feita ao illustre deputado, está claramente demonstrado que não só uma, diversas leis foram violadas, e despresadas, e que é necessario que

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a camra vele para que se não repitam factos desta natureza, que trazem sempre comsigo consequencias muito desagradaveis. (Apoiados)

Feitas estas observações, intendo que se deve approvar a proposta do sr. deputado Cardozo Castello-Branco, a necessidade da qual já eu sustentei da primeira vez que fallei deste negocio, visto que, sendo esta uma questão da maior importancia, cumpre que seja examinada pausada e meditadamente por uma commissão, á qual devem ser presentes a exposição do illustre deputado queixoso, e todas as informações e resposta do governo, a fim de que a camara tome uma resolução condigna do seu decoro, do decoro e respeito devido a cada um de seus membros, e em fim da alta missão, que lhe está confiada da guarda da constituição e das leis.

Terminarei dizendo, que, havendo o illustre deputado feito a declaração de que renunciava ao seu logar, se a camara não tomasse a respeito da sua exposição e queixa, providencias serias e efficazes, condição que suppuz realisada quando a camara resolveu considerar este debate como uma interpellação, intendi que o modo mais regular, e mais conforme aos estylos parlamentares, de dar ao illustre deputado uma prova de que, pelo facto practicado em sua casa, não desmereceu da benevolencia da camara, e da estima e consideração de todos os seus collegas, era convidal-o a reassumir o exercicio do logar que occupa na camara, mostrando ella por esse acto, que não participava na imputação, que pesou sobre um dos seus membros. Entretanto, a camara decidiu não admittir á discussão a minha proposta, e do sr. deputado Cunha Sotto-Maior, feita com este intuito — e lamentando esta decisão da camara sobre um assumpto tão grave sem mais reflexão, receio que ella significasse uma injuria mais grave do que aquella que o illustre deputado recebeu do procedimento com elle havido, resultado que ardentemente desejo evitar.

Eu não sou suspeito quando assim me exprimo, porque o nobre deputado milita n'um campo diverso do meu; mas isto é um motivo mais, para que eu insista em que a camara proceda de modo, que desvaneça esta desfavoravel inducção, e leve ao animo do illustre deputado a consoladora convicção de que não quiz aggravar, com a sua decisão, o aggravo que lhe fez; que elle, representante da nação, fosse capaz de dar couto em sua casa a um homem, sobre quem pésa um crime de tal gravidade, e uma sentença condemnatoria das mais severas que as leis infligem.

O sr. Roussado Gorjão: — Sr. presidente, tres são os assumptos que estão em discussão; a materia, a proposta do sr. Castello Branco, e a proposta do meu illustre collega o sr. Cunha. Pelo que pertence á materia digo que tenho tenção de approvar, quando se puzer á votação, a proposta do sr. Castello Branco; por consequencia já se vê, que indo a uma commissão depois ha-de tractar-se da materia, mas não posso deixar de entrar em um assumpto que liga com o que disse a primeira vez que aqui se tractou deste desgraçado negocio. Eu disse então, que era o mais empenhado em que este negocio se apurasse quanto fosse possivel: o que então disse é a minha opinião ainda agora, e depois que appareceu a proposta do sr. Cunha eu não posso deixar de dizer alguma cousa ácerca della visto que tambem um outro illustre collega meu, o sr. Corrêa Caldeira, fallou nesse negocio, isto é, a respeito do convite ao sr. Calheiros para vir reassumir o exercicio de deputado nesta casa. Parece-me que o sr. deputado Calheiros foi susceptivel talvez com alguma precipitação, e pelo que me diz respeito sou eu o primeiro a dar desde já um testimunho de que quando votei que era interpellação, — não tinha a minima idéa de poder nisso fazer tortura ao meu illustre collega e tanto mais que eu tinha saído da sala, e quando voltei o que achei, foi que o sr. Calheiros estava realmente fazendo uma interpellação, e tanto interpellação que era dividida em 3 quesitos, e eu tinha a certeza, pela experiencia de que sempre que apparecem materias graves, a camara concede ampla liberdade aos srs. deputados que nellas querem entrar, que a camara havia de consentir que tomassem a palavra nesta interpellação todos os srs. deputados que quizessem: por consequencia votei que era uma interpellação reservando-me para votar depois, que tivessem a palavra todos aquelles que a pedissem. (Apoiados)

Agora tendo-se fallado sobre a materia, tendo eu eu dicto outro dia que me lisongeava, e que tinha nisso mesmo complacencia, de que a auctoridade administrativa que tinha ido a essa diligencia, havia de proceder com toda a regularidade, não é de estranhar que eu procurasse verificar o facto e exactamente me vou encontrar com os assumptos de que têem tractado os meus illustres collegas.

Observarei quanto á nota ao artigo 1023.º da reforma judicial, que quando vejo uma compilação auctorisada, e que além da auctorisação legal, tem a óptima reputação do seu compilador, e eu não posso deixar de lhe dar o meu assentimento, particularmente quando vejo que não se refere sómente no que aponta o sr. Calheiros, porque o sr. Calheiros fallou n'uma portaria, mas o que vejo é que a nota falla tambem no decreto de 21 de junho de 1845, § 2.º (Leu) Por consequencia não é simples portaria, é decreto, e decreto que é lei.

Agora declaro muito formalmente que me firmo na auctoridade do compilador, do amigo a quem eu tributo o maior respeito e a maior veneração.

Depois de dada esta explicação digo que seria tambem o primeiro a desejar que esta discussão tivesse toda a amplitude, e voto pela proposta do sr. Cardozo Castello-Branco, porque creio que ella ha-de servir de fundamento a uma discussão mais ampla e muito mais regular.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Eu approvo a proposta do sr Castello-Branco para que este assumpto vá a uma commissão. E em quanto ao requerimento que mandei para a mesa, e que a camara rejeitou in limine, direi, que eu conheço o sr. Calheiros ha bastante tempo, e desde que o conheço, a opinião que formei delle é a seguinte — de homem de um caracter independente, de uma alma nobre; — e quando formo de um homem qualquer este conceito e esta opinião, não me parece que elle venha ao parlamento dizer uma cousa para não a cumprir. O sr. Calheiros pegou no chapeo, e disse — pois que a camara se conduz assim comigo, a unica cousa que tenho a fazer, é pegar no meu chapeo, e ir-me embora — e eu quando tomo uma resolução, ninguem me demove da minha resolução. — Por consequencia julgando o sr. Calheiros por mim, digo que não cede. Eu se me visse na camara desairado, por um procedimento que reputasse menos proprio para comigo,

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e que O unico desforço a tomar era não estar em tal camara, saía pela porta fóra, e ninguem me fazia cá voltar. Ora, eu tendo a opinião do sr. Calheiros, compraz-me acreditar que cumprirá a sua palavra; mas tambem como tenho a opinião de que é um cavalheiro em toda a extensão da palavra, não queria privar-me da companhia do sr. Calheiros nesta camara: se este representante da nação e um daquelles, como é minha opinião, que mais honra esta casa, queria eu que elle continuasse a honra-la.

Por consequencia movido destas considerações fiz aquelle requerimento, que tem uma significação muito facil, clara, e attingivel; mas esta camara que não se quiz desairar em votar o meu requerimento, tem umas poucas de vezes levantado grandes bulhas, porque um deputado não quer exercer o seu logar n'uma commissão da camara, e quasi que tem mandado vestir os deputados de saco, e de cilicios, e corda ao pescoço, para pedirem ao seu collega que faça parte da commissão. Ora, este procedimento da camara não tem comparação com o que tinha a seguir para com o sr. Calheiros, porque é uso e costume em todos os parlamentos, inclusivè este nosso, que nem estabelece arestos, nem ha de estabelecer precedentes, porque não tem auctoridade para isso; é costume lá fóra, quando um deputado desairado no seu brio e pundonor quer retirar-se da camara, pedir-lhe que volte ao seu logar; e esta camara se tivesse um procedimento igual, além de cumprir o seu dever, sobre tudo aquelle lado da camara (o esquerdo) que está ligado por empenhos de gratidão ao sr. Calheiros, não faria mais do que tem feito os parlamentos lá fóra: a camara não se desairava.

Eu não estou arrependido de fazer o meu requerimento, porque o fiz por motivos de conveniencia e de respeito para com o illustre deputado; a camara porém não o admittindo á discussão, irrogou uma injuria directa e manifesta ao illustre deputado, tanto mais pezada, quanto que parte de um lado que segue a politica do mesmo illustre deputado. Não vou procurar o partido a que o illustre deputado pertence, para argumento. Vejo um homem, que reputo cavalheiro, offendido e agastado, trado de propôr os meios ao meu alcance para o reconciliar com a camara.

Movido por estas considerações, que deviam merecer algum pezo á camara, é que fiz o meu requerimento, a camara não o quiz approvar; e com isso fez uma desfeita, não a mim (porque a mim não me póde desfeitear, tem numero, mas o numero que tem esta camara, não é bastante para me desfeitear a mim) a camara quem desfeiteou, foi o seu correligionario politico, que pertence originariamente ao lado esquerdo, e adventiciamente ao centro; em quanto que nós opposição démos testimunho de cordura e de benevolencia, querendo chamar ao nosso seio um deputado que se julgava offendido. Eu não estou arrependido do meu requerimento; e considero o procedimento da camara como devido a apprehensões, porque rasões falla-lhe para o cohonestar.

Agora em quanto á proposta do sr. Castello-Branco voto de todo o (Oração por ella. Mas é notavel que em primeiro logar não se abrisse a discussão sobre o objecto, porque se julgava liquido e claro, e depois se approve com lanlo enthusiasmo a proposta do sr. Castello-Branco, para que esse negocio vá a uma commissão, a fim de ser estudado com gravidade e cuidado. Ora, eu approvando a proposta do sr. Castello-Branco, estou no mesmo terreno, porque desde o principio quiz a discussão, ou com o parecer da commissão, ou sem elle; mas com quanto approve a proposta do sr. Castello Branco, intendo que ella não merecia ir a uma commissão, porque o objecto della é claro e definido, invadiu-se a casa de um cidadão contra estas disposições expressamente exaradas na lei e no codigo penal, pelo qual se diz que nos regemos: houve a violação porque se deu o facto; dando-se o facto, está confessada a culpa; confessada a culpa, não havia senão a censura.

Mas não quero fazer questão. Visto que o sr. Castello-Branco, que intende de jurisprudencia e de prudencia tambem, manda a sua proposta, vá essa proposta á commissão, e sobre este objecto, quando a proposta vier á discussão com o parecer da commissão, se intender que devo dizer alguma cousa, direi.

Agora eu approvo a proposta, e declaro outra vez que não estou arrependido do que fiz, e se se der uma nova occasião, torno a fazer uma nova proposta em tudo igual á que mandei para a mesa agora.

O sr. Ministro do Reino: — A camara me permittirá dizer duas palavras, posto que talvez fóra de occasião, e sem me intrometter no destino que se quizer dar á proposta do illustre deputado; porque isto é negocio exclusivamente da camara, da qual não tenho a honra de ser membro, e sobre que não pertendo dar voto. Aguardarei pois a decisão da camara, que não temo seja de censura, como o nobre deputado que acaba de fallar pareceu insinuar; e não a temo porque estou persuadido que o governo a não merece. Não recorrerei aqui, como um cidadão accusado perante o senado romano, aos meios de persuadir, e de excitar sentimentos de generosidade e, benevolencia — Deus me livre disso.

Sr. presidente, fui severamente censurado pelo nobre deputado o sr. Corrêa Caldeira, porque proferi, segundo a opinião de s. ex.ª, uma proposição barbara, uma heresia juridica, enunciando que a practica não contradicta, que se vê da nota, que citei, ao artigo 1:023 da reforma judicial, devia ser lida como direito consuctudinario em taes casos; — pois que uma practica opposta á lei não póde admittir-se. O illustre deputado que me dará muitas novidades em todas as sciencias, e principalmente na legislação, não me disse nenhuma, realmente, no enunciado da sua proposição; e peço-lhe licença para observar-lhe que esta practica não contraria legislação alguma, nem essa mesma citada pelo illustre deputado, da reforma judicial, porque todos os artigos que referiu, fazem allusão a réos indiciados, e só delles se tracta. Dentro do numero dos dictos artigos que o illustre deputado mencionou, nem menos de 6 vezes se declara a frase de = réos iniciados. = Mas aqui do que se tracta, é de réos convictos; a hypothese versa sobre um réo fugitivo da cadêa: e segundo a jurisprudencia seguida, e a ordenação do reino — o réo fugido violentamente da cadêa é, como já disso, criminoso em permanencia de flagrante delicio. Até, se me não engano, a mesma ordenação do reino, quando se dá o facto da fuga da prisão, considera o crime do fugitivo como crime provado. Por consequencia a practica reconhecida e enunciada nesta nota, que alli se não escreveu debalde, exprime o que inalteravelmente se practica a tal respeito; o póde-se conside-

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lar como legislação consuetudinaria, porque não contrariando lei alguma, e não tendo ella mesma nunca sido impugnada, subsiste; e subsistindo não ha outra legislação do processo sobre a especie senão esta. Deste modo intendo eu que não commetti a barbaridade, nem proferi a heresia em que o nobre deputado intendeu que linha caído.

Que lástima é que de tantos factos, principalmente esse mesmo que citei ha pouco, e que foi conhecido e sabido, em, 1849, todos illegaes e iniquos, todos peccaminosos contra as garantias dos cidadãos, o nobre deputado, que o era então, digo em 1819, não dissesse nada! Que importa que o illustre deputado não estivesse em serviço na sua repartição? Estava na camara, e o zelo e ardor com que agora pugna pelos direitos e garantias constitucionaes, esqueceu-lhe: então não o teve! Sou de certo o homem que menos desejo recorrer a argumentos tirados do passado de cada um; mas na verdade a este acinte de accusar por factos tantas vezes repetidos, e tantas vezes passados em silencio, que remedio tenho senão responder assim? Pois se vós tivésseis accusado esse facto; se o parlamento se tivesse pronunciado contra elle, e decidido que era illegal, de certo outras medidas se teriam tomado, e eu não cairia agora na vossa censura, practicando isso mesmo, muito mais moderadamente do que vós practicastes, ou consentistes que se practicasse. E se vós não estranhastes então, esse que agora tachais de excesso, não póde ser censuravel em mim. Intende-se bem que eu não desço a este modo de defeza, senão pelo de-abrimento da accusação.

Ainda não disse que então se obrou mal; mas quem intendo ter-se obrado mal agora, devia naquella época levantar a sua voz; e já que o não fez, saiba que perdeu o direito a censurar o que então approvou; e a censurar o que é muito menos severo e rigoroso, comparado com o primeiro.

Sr. presidente, a culpabilidade que o nobre deputado acha no governo pela evasão do preso, é inadmissivel. Tambem não intendo, como o illustre deputado indicou, que se tivesse violado a lei por não ler já sido desauctorado o major Christiano das suas honras militares: a practica é que quando estes condemnados sáem para o degredo, nas vesperas da partida, são solemnemente desauctorados. Assim se procede ordinariamente; (Apoiados) não ha lei nenhuma que obrigue dentro de um praso determinado a practicar este acto de desauctoração. (Apoiados) Se assim se tem practicado com todos os outros, não havia motivo para que se devesse practicar de outro modo a respeito deste major; nem mesmo no meu intender a desauctoração constitue o réo em custodia mais rigorosa: porque todos sabem que as prisões militares, e as do castello de S. Jorge especialmente, são seguras e muito seguras; mas isso não obsta a que um preso industroso e perseverante ache impossivel evadir-se da prisão. De muitas e muito mais seguras e horrorosas, teem fugido presos. Ignorará alguem que da propria Bastilha, e de castellos segurissimo tem algumas pessoas conseguido evadir-se, apezar de se acharem aferrolhados em masmorras subterraneas? Dir-se-ía que esses presos estavam collocados debaixo de uma custodia relaxada e mal segura J. Não sei por culpa de quem teve logar esta evasão; mas o que sei, sr. presidente, é que o governo pela repartição competente mandou conhecer, e conhecer severamente, dos causadores della, se alguns houve, dos auxiliadores, se alguns houve, desta fuga extraordinaria.

Mas, accrescentou o illustre deputado, o preso saía da prisão em que se achava, para ir jogar fóra della. Eu fazia mais alto conceito da critica do illustre deputado. (O sr. Corrêa Caldeira: — Eu ouvi-o) O Orador: — O illustre deputado é o menos proprio para fallar assim: nenhum homem encontro nesta casa que tenha mais critica e mais meios de discriminar imputações absurdas da verdade, do que o illustre deputado. O illustre deputado, práctico do serviço publico, dirá em sua consciencia, que acredita todos esses dictos, todas essas accusações lançadas pelos noveleiros para entreter ociosos e maldizentes? Não é isso proprio do bom juizo, nem da prudencia do illustre deputado. E quantas cousas se dizem vagamente? O illustre deputado acredita essas velleidades, e o governo e as auctoridades administrativas fizeram mal, no seu conceito, em acreditar dictos, que talvez não fossem tão extravagantes como este, ainda que não verdadeiros, a respeito da paragem do major Christianno — de maneira, que ao illustre deputado um dicto vago serve para argumento da accusação ao governo; mas dictos menos vagos, ainda que falsos, de muitos informadores da policia, que foram apresentados á auctoridade publica, foi muito mal feito que essa auctoridade os acreditasse para proceder como procedeu! De modo, que para accusar o governo, qualquer cousa basta, tudo se aproveita, tudo se póde aproveitar, e de tudo se póde fazer argumento! A respeito de dictos e a respeito de escriptos, o nobre deputado sabe melhor do que eu a fé e crença que merecem.

Repito, sr. presidente, que a auctoridade subordinada ao governo pela repartição do ministerio da guerra procede, e eu, não sei, não posso agora ser informado em que estado está esse procedimento, mas procede com todo o rigor na descoberta dos causadores, ou favorecedores, se os houve, da fuga desse réo condemnado; e em quanto não vier á questão esse conhecimento, é temeraria, é arrojada de mais a inculpação a este ou áquelle: e até seria melhor não declarar, que houve culpa de terceiro na evasão, antes de constar que a houve. Por tanto a fuga de um preso nem sempre se effectua por causa da frouxidão dos guardas, porque todos sabem os meios, de que a industria humana póde lançar mão, e os recursos que o homem chega a obter: são quasi infinitos, são incommensuraveis.

Sr. presidente, o illustre deputado comparou a supposta relaxação que houve no castello, a respeito deste criminoso com o rigorismo com que a auctoridade procedeu a respeito de outros presos, que o nobre deputado disse terem-no sido por um tumulto ou sublevação que houve no mesmo castello. Não posso dar informações ao nobre deputado a este respeito, mas o que posso é affirmar-lhe, que se me fossem presentes, não havia de tal consentir (O sr. Corrêa Caldeira: — V. ex.ª não tem nada com o que se passa no castello). Eu tenho alguma cousa: não posso declinar de mim a responsabilidade dos actos do governo, estou intimamente convencido, que se houve esse rigorismo, esse mais que rigorismo, essa extraordinaria severidade, essa barbaridade, que assim se poderia chamar, não teve parte n'ella o presidente do conselho e actual mi-

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nistro da guerra, e nenhum dos membros do gabinete a havia de consentir, e especialmente o nobre marechal Saldanha. Digo isto em abono das qualidades de generoso, nobre, e humano que todos lhe reconhecem. (Muitos apoiados)

Eu não quero fatigar a camara, que de certo se acha cançada de me ouvir; mas em vista da insistencia que se fez, não posso deixar de asseverar-lhe que nenhum motivo de offensa, nenhuma tenção houve de desairar um deputado da nação. (Apoiados)

É impossivel, que existisse da minha parte; é impossivel, que se acaso eu tivesse essa desgraçada baixeza, fosse coadjuvado no meu miseravel empenho por meus collegas, que todos foram sabedores do que eu ordenei (O sr. Cunha: — Ninguem o disse). Alguem o sonhou pelo menos; pois, sr. presidente, isto disse-se, eu o ouvi, e não sonhando. O nobre deputado queixoso poderia achar que da minha parte não houve as attenções e miramentos devidos á sua pessoa — presumi isto mesmo; porém, como já disse, pareceu-me que a apologia que o governo havia de fazer do seu procedimento, e os fundamentos que tinha de apresentar, seriam bastantes para satisfazel-o. Parece-me que me illudi.

Sr. presidente, na collisão entre o meu dever, e do governo, com referencia ás circumstancias que notei, e os deveres de urbanidade, de cortezia, e attenção, que me merece qualquer representante da nação, depois de muito hesitar, me resolvi a proceder como procedi, longe da menor intenção de offensa ao illustre deputado. Agora pelo que respeita a que a ordem para essa diligencia deveria ser passada pelo governador civil, e no caso deo não ser pelo governador civil, devia sel-o pelo secretario, cabendo, só na falta deste, tal serviço ao official maior, isto reputo-o minúcia despresivel. A ordem foi e devia ser passada em nome do governador civil, pelo chefe da repartição, encarregado daquelle serviço. (Apoiados)

Portanto, sr. presidente, em quanto á parte do serviço interno, tudo tenho explicado, e em quanto á diligencia ella foi feita o mais legal que podia ser, sem fallar a prescripção alguma, sem violação de nenhuma garantia, observadas e melhoradas as practicas, que até agora se tem seguido, e que não contrariam os preceitos da reforma judiciaria. (Apoiados)

O sr. José Estevão: — Sr. presidente, felizmente estão desmentidas todas as prevenções levantadas de que não se consentiria discussão sobre este assumpto, clamando-se já vingança pelo ultraje feito ás prerogativas parlamentares ultrajadas, e á liberdade da tribuna. O facto vem provar que a discussão foi a lai ponto lata que já os athletas contendores se mostram cançados e desejosos de saír da arena.

Sr. presidente, resolvendo-se que este negocio fosse a uma commissão, a camara quer considerar o assumpto de uma maneira mais grave, dando-lhe toda a solemnidade que deve ter por meio de um exame de commissão; e deste modo está tambem desmentido quanto se disse, de que sobre o assumpto não deveria tomar deliberação grave, e que a camara julgando-o difficil, se queria evadir a elle.

Tambem os factos desmentem, que pela rejeição de uma proposta, se quizesse desairar um deputado, pondo de parte a dignidade parlamentar; e a este respeito podem os illustres deputados desenfadar-se, porque, quando constar que este deputado, por similhante aggravo quer largar as funcções de que o encarregaram os seus constituintes, eu de certo, darei o meu voto, para que elle se convide a reassumir o seu logar, e a vir sentar-se no gremio dos seus collegas, de que foi reputado sempre digno, dignissimo (Apoiados) e que não foi de nenhum modo offendido com um processo ordinario de justiça. (Apoiados)

Portanto os illustres deputados não tem remedio senão guardar para outra vez os seus batalhões, já arranjados em ordem do batalha, de que esperavam saír vencedores, e a sua rethorica terá de dormir em suas estantes para ter logar em melhor occasião.

Sr. presidente, a questão tem duas partes. Ha a examinar se um acto practicado pelo governo foi ou não legal. Este exame é do direito da camara, é todo rigorosamente parlamentar. — E temos de cumprir os deveres de corporação, para com um membro dessa corporação: isto é, attenção e civilidade que todos devem cumprir.

O procedimento do governo podia ser legal, legalissimo, e acredito que o foi; e no entretanto o illustre deputado julga-se desairado e offendido por elle; por consequencia, nós podemos facilmente, e sem nenhum inconveniente, votar que os ministros obraram no completo uso do seu direito, e com toda a legalidade, e ao mesmo tempo, pedir ao illustre deputado que venha outra vez occupar o seu logar.

A policia, sr. presidente, é desgraçadamente uma arma necessaria para prevenir os crimes, e descobrir os culpados, mas é uma ai ma de que se póde abusar facilmente, e muito. (Apoiados)

Ora os nobres deputados que se mostram agora aqui tão zelosos na conservação dos direitos civicos, e tão bons explicadores da letra da lei; os illustres deputados que tão corajosos se declaram, mantenedores e valentes defensores das prerogativas e direitos individuaes do cidadão, já nós sabemos como defenderam e sustentaram esses mesmos direitos, e essas mesmas prerogativas.....

O sr. Avila: — Peço a palavra.

O Orador: — Eu não fallo senão dos magistrados administrativos: é verdade que o illustre deputado já foi governador civil, mas eu não me refiro ao illustre deputado; faço-lhe porém a justiça de acreditar que, se fosse governador civil numa occasião destas, apezar dos artigos da reforma, mandava dar busca em todas as casas: isso não tem duvida nenhuma (Riso) e eu se fosse ministro, não entregava isso a mais ninguem.

Mas como ía dizendo, os illustres deputados que tão louvavelmente, e com tanta surpreza nossa, se declararam tão restrictos observadores dos direitos civicos, e zelosos defensores da inviolabilidade da casa do cidadão, já se sabe como explicaram num sentido tão estranho e tão diverso, os preceitos da lei que garante a inviolabilidade da casa do cidadão, e como esses egrégios magistrados administrativos foram obrigados não só a curvar-se ás necessidades do seu cargo, e a terem outras doutrinas sobre similhante assumpto, mas até mesmo, a esquecerem-se das practicas seguidas a este respeito. (O sr. Corrêa Caldeira: — Peço a palavra) Não me refiro ao illustre deputado, e se se levanta outro, digo tambem que me não refiro a elle. (Riso)

Estou persuadido que, se este caso se passasse sendo ministro do reino o illustre deputado que primeiro se mostrou offendido e agastado, e ou, ou outro algum deputado o queixoso; se isto assim tivesse acontecido,

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parece-me que estou a vêr o illustre deputado a levantar-se da sua cadeira de ministro, e explicar a obrigação do governo, e a necessidade em que elle estava de rehaver á mão o criminoso, mesmo como um desaggravo á lei, e uma satisfação á sociedade: parece-me ouvir-lhe contar e explicar todas as pesquizas e diligencias da policia, taes quaes fôra informado, e acabar o seu discurso, pedindo uma corôa civica!

Portanto, se o illustre deputado constituido na situação do governo, havia de vir aqui revelar-nos as suas altas qualidades e grandes conhecimentos administrativos, para fazer sentir, que os deveres de um governo são superiores a todos os respeitos, a todas as considerações e a todas as amisades ou inimisades pessoaes, não póde tambem levar a mal que o governo quizesse tornar a haver á mão esse criminoso. O illustre deputado sabe tambem, e não o póde ignorar de certo, que, ha sempre um pouco de zelo mais, quando se tracta de policiar crimes politicos: os rigores usados para com os crimes de materia politica, não são os mesmos que os de materia ordinaria; para com esses emprega-se sempre muita mais vigilancia e muita mais actividade: temos disso exemplos sobejos.

E ao sr. ministro do reino devo fazer uma ponderação: os governos não podem ser responsaveis por aquillo que herdaram dos seus antecessores; o eu sei, que, em outras administrações não havia neste ramo de serviço o menor escrupulo, e que deixaram a s. ex.ª um pessimo e triste legado. (Apoiados) Eu sei que houve um individuo que figurou na policia, e que recebia do magistrado administrativo superior da cidade todas os instrucções para o serviço: este individuo devia ser pelo menos um homem de bons costumes, um homem digno de toda a consideração; mas era nada mais nada menos, um homem, que, por ter falsificado a assignatura do major do seu corpo, estava mettido na maior alhada, e sendo mandado para fóra, passado algum rempo, fez lá um roubo de alguns contos de réis. E muito provavel que este individuo se tenha escapado, e que ainda algum dia ouçamos dizer que elle está, por exemplo, a advogar no ultramar. Portanto, é preciso obrar sempre com muita cautella na escolha dos homens a quem é confiado o serviço da policia.

Como jornalista eu pertendi um dia pôr o jornal ao facto dos acontecimentos da cidade, e chamei para isso um homem que estava mettido na policia; ajustei com elle para me dar todos os dias a parte da policia que dava ao governo, e numa dessas partes, dizia elle ao governo, que eu tinha estado em certas casas; isto é, pela parte que dava para o serviço do jornal, eu vi que me denunciava a mim mesmo daquillo que eu sabia não tinha feito. Entretanto, apezar disto, a policia é necessaria e muito necessaria.

Ora o que tudo isto prova é que, não tem havido até aqui o menor escrupulo na escolha dos homens que devem fazer este serviço. O illustre deputado que sé senta do lado direito, sabe perfeitamente o negocio a que ha pouco me referi... (O sr. Corrêa Caldeira: — Se sou eu, não sei) Pois é para admirar, porque e um negocio que figurou no governo civil. -Tendo exposto a minha opinião sobre o assumpto, e não querendo roubar mais tempo á camara, limito-me no que tenho dito, e sento-me. (Vozes: — Muito bem) »!

O sr. Presidente: — Vai dar-se conta á camara de 2 officios que acabam de chegar da outra camara. São os seguintes:

1.º Participando terem sido alli approvadas as seguintes proposições de lei, que lhe foram enviadas por esta camara: 1ª, augmentando os direitos de exportação no trapo; 2.ª, applicando as disposições do decreto de lo de janeiro de 1834, e mais legislação correlativa, aos empregados que foram de repartições, hoje extinctas, Alexandre Florencio Pestana, e Francisco Joaquim Pestana; 3.ª, dissolvendo as commissões que existiam, pela extincção da inspecção das obras e quarteis militares, e de outras repartições; 4.ª, auctorisando o governo a dispender mais 345$600 réis com o serviço braçal da bibliotheca — Inteirada.

2. Devolvendo, com algumas emendas, a proposição de lei, que enviou esta camara II camara dos dignos pares, sobre o censo e mais qualificações exigidas aos juristas, para poderem votar e ser votados na eleição dos membros da junta do credito publico. — Á commissão de fazenda.

E continuando a discussão assim interrompida, disse.

O sr. Guerreiro: — Pedi a palavra unicamente para dizer duas cousas ao sr. Corrêa Caldeira. A primeira, é que — a desauctoração das honras militares do major Christiano, estava determinado que fosse no dia 11 de junho, que era o dia, em que elle devia ser entregue á justiça civil.

A segunda vem a ser, que não deve ser estranho, que o governo ou qualquer auctoridade receba denuncias dadas por homens criminosos; porque decerto os homens de bem não fazem denuncias: o que eu vejo é, que é preciso que todos os homens que fazem denuncias, levem uma certidão de folha corrida. Este homem deu uma denuncia de que estava alli o major Christiano, não se encontrou lá, por isso a auctoridade não devia receber esta denuncia! Ora na verdade isto é extraordinario.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, o sr. ministro do reino estranhou muito, que a minha critica não chegasse a ver, o que havia de pouco fundado na voz que explicou a fuga do major Christiano, pelas facilidades que se davam áquelle prezo.

Eu, quando alludi a esta circumstancia, logo reflecti a s. ex.ª que não dava é facto por certo, por que o não tinha presenceado, mas tinham-mo assegurado pessoas, que julgava bem Informadas.

S. ex.ª ha de me permittir que eu diga uma cousa, e é — que parece rigorosamente natural que o homem fugido, não podesse fugir sem auxilio da falla de diligencia e vigilancia da parte dos que o guardavam, e dando força ao facto das facilidades, que sempre se concederam ao prezo, não é muito difficil explicar a fuga, por essas facilidades que se lhe concediam.

Quanto ás allusões que me fez o illustre deputado o sr. José Estevão, peço licença para lhe dizer, que não tenho conhecimento algum dos factos a que s. s.ª se referiu; não os sei senão pelo conhecimento que delles me acaba de dar o mesmo illustre deputado: póde ter que sejam exactos, não os duvido; mas não tenho delles conhecimento algum particular.

Sr. presidente, com relação ao homem, que deu a denuncia. Mo que eu disse a tal respeito, não fiz mais do que repelir, o que o sr. Calheiros referiu a camara, quanto ás circumstancias especiaes, que se

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davam no homem, auctor da participação, que deu em resultado a visita domiciliaria, que o illustre deputado referiu: aquelle homem foi prezo por certos crimes, estava condemnado a um anno de prisão, e deu-se-lhe facilidade de sair para dar esta denuncia!

Sr. presidente, eu não sei, se no exercicio das funcções administrativas, que me foram conferidas por algum tempo, practiquei erros; mas o que posso asseverar ao illustre deputado e á camara é, que se algum erro commetti, não foi com a intenção deliberada de offender a lei; (O sr. José Estevão: — Apoiado, faço-lhe essa justiça) e em casos especiaes e identicos ao de que se tracta, foi minha opinião constante, e hão-de della existir documentos comprovativos em alguma secretaria, que se em taes diligencias se observassem litteralmente as formalidades que a lei exige para se entrar na casa do cidadão, com relação á qual havia indicios vehementes, ou suspeitas bem fundadas, do que estava alli homisiado algum criminoso ou profuso, tornava se quasi impossivel a execução da diligencia. Mas note o illustre deputado e a camara que entre esta opinião, e a approvação ou reconhecimento de legalidade da execução de uma diligencia destas, ha uma grande differença.,

Sr. presidente, a respeito do facto a que se referiu o sr. ministro do reino, posso assegurar, que o não soube, não tive delle conhecimento. Mas ainda resta saber o modo, como a diligencia, foi executada;.por que me parece que era ordem estabelecida naquella repartição, que, na execução de visitas domiciliarias, se observassem certas formalidades; e, se se não observaram constantemente, pelo menos foi minha opinião constante que se observassem.

Acerca do serviço de policia. A auctoridade a que está commettido este penosissimo serviço publico, tem precisão de servir-se de tal ou tal individuo, cujo comportamento não seja muito regular; a auctoridade neste objecto não póde ser demasiadamente escrupulosa e minuciosa. E em verdade no nosso, assim como em todos os paizes, a policia tem sempre necessidade de se servir de homens, que não são os mais regulares na sua vida e costumes. É isto desgraçadamente uma necessidade, porque a alguns serviços da policia não se presta nem vai nenhum homem que haja recebido uma certa educação, que tenha um certo brio e pundonor, que esteja finalmente em certo tracto com os outros homens da boa sociedade. (Apoiados)

Sr. presidente, tambem direi ao illustre deputado que nestas differentes commoções politicas, de que o nosso paiz tem sido theatro, muitas vezes os diversos partidos politicos tanto aquelle, a que eu pertenço, como o do mesmo illustre deputado o sr. José Estevão, teem esquecido certas regras e formalidades que nunca deveram ser esquecidas; mas em taes occasiões é impossivel deixar de esquecel-as.

O illustre deputado foi membro do parlamento n'uma occasião, em que dos mais respeitaveis habitantes de Lisboa uma grande parte delles foram tumultuariamente prezos, atirados para um pontão e tractados da maneira mais barbara e inhumana!!. Teve isto logar em 1837, e o illustre deputado o sr. José Estevão não condemnou este procedimento: o illustre deputado não me constou que levantasse a sua voz no pai lamento para condemnar essa barbaridade! É necessario, que nas recriminações que constantemente se dirigem, sejamos mais cautelosos e mais justos uns para com os outros (Apoiados).

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, eu pedi a palavra, quando o sr. José Estevão pareceu querer, n'uma allusão que fez, referir-se a mim; mas como s. s.ª declarou que não se referia a mim, por isso nada tenho que responder. Sempre porém direi a s. s.ª que eu na minha vida tenho sido sempre igual nas minhas opiniões, nunca tem sido a opinião de circumstancias. (Apoiados)

O sr. Avila: — Eu tambem pedi a palavra pelo mesmo motivo, por que a pediu o precedente orador; mas como o sr. José Estevão declarou, que na allusão que fez ás auctoridades administrativas, não se referia a mim, por isso não tenho nada que dizer.

Tambem nada direi a respeito da materia, porque a camara quer votar (Apoiados) e eu não quero demorar esse acto, até mesmo intendo que depois de se apresentar a moção do sr. Cardozo (Castello-Branco, a camara nada mais tem a fazer senão approvar essa moção. (Apoiados)

Poz-se logo á votação a proposta do sr. Castello-Branco pela fórma seguinte:

Ha de ser commettido o exame deste negocio a uma commissão? — Decidiu-se affirmativamente. A commissão que ha de conhecer deste objecto, ha de ser a de infracções?

O sr. Avila: — Peço a v. ex. consulte a camara, se quer, que seja a de legislação.

Consultada a camara, decidiu que fosse a de infracções.

O sr. Palmeirim: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, para se fixar a contribuição predial;..e peço que tanto o relatorio e proposta do governo, como o relatorio e projecto da commissão sejam mandados imprimir conjunctamente, e com urgencia--Mandaram-se imprimir.

O sr. Ministro da marinha: — Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para referir a camara, que em resposta a duas allusões que tiveram logar durante a discussão linda, uma feita pelo illustre deputado o sr. Corrêa Caldeira, a respeito de um individuo que tinha estado preso, e fôra pura o ultramar; e outra que partiu do illustre deputado o sr. Simão José da Eu acerca de um processo que correu em Angola; devo dizer, quanto á primeira, que já mandei á camara todos os documentos que havia a lai respeito, e estou prompto a respondera qualquer pergunta que sobre este negocio me fôr feita: e quanto á segunda — que ha pouco tempo um official chamado José de Aguiar, que tem um processo em Angola, me fez um -requerimento destacado deste processo, pedindo que se procedesse a uma inquirição, e que depois della ter logar, entrasse para conselho de guerra; recebido este requerimento, determinei, que informasse o actual governador de Angola, para que, feitos os devidos exames, se fizesse o que fosse do justiça. Quando dei andamento a ele negocio não sabia nem directa nem indirectamente, o que a respeito do processo deste official se linha passado com um secretario que foi do governo de Angola, e que hoje é deputado; portanto não se póde dizer, que dando andamento a este objecto sem previamente dar delle conhecimento ao illustre deputado a quem me refiro, o sr. Costa e Silva, não se pode dizer, e repelir, que foi por falta de attenção, para com s. s.ª falta de attenção que s. s.ª não merece; (Apoiados) e eu não tenho ainda pra-

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cticado um só acto pelo qual se possa dizer, que sou desattencioso com os membros da camara (Muitos apoiados e vozes: — É verdade, é verdade).

Tenho a honra de lêr e mandar para a mesa, por parte do meu collega, o sr. ministro das obras publicas, uma proposta de lei, para o governo adquirir um palacio que ha junto ao sitio da Cruz do Taboado, para nelle se estabelecer o instituto agricola. Peço a urgencia desta proposta.

Foi declarada urgente — E remetteu-se á commissão de fazenda.

(Consignar-se-ha quando se discutir o respectivo parecer).

O sr. Roussado Gorjão (Sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, para que v. ex. tenha a bondade de consultar a camara se consente que eu falle n'um assumpto que é realmente pertencente á commissão de fazenda, que eu tenho por muito urgente e que não pôde ser tractado esta semana, porque os meus illustres collegas da commissão não puderam concorrer em numero: se v. ex.ª permitte, eu passarei a fazer a minha proposta (Vozes. — Falle, falle.)

A camara permittiu que se lhe desse a palavra. O sr. Roussado Gorjão: — Antes de entrar na materia sobre que tenho de fazer o meu requerimento, é necessario que eu assevere a v. ex.ª e á camara, que tenho recebido sempre dos meus illustres collegas, todas as attenções, e hoje mesmo as acabei de receber.

O assumpto sobre que tenho de chamar a attenção da camara, é o seguinte. Foi submettido ao exame e decisão da commissão de fazenda, um requerimento do ex.mo conde de Farrobo, a respeito do agio do papel-moeda; e intendendo eu que a commissão havia de dar um parecer definitivo pro ou contra tal requerimento, parecer que não se devia demorar muito tempo, porque os actos judiciaes, a respeito deste mesmo objecto vão continuando, não param, e podem trazer resultados fataes para a fazenda publica, combinei com os meus collegas ler hoje uma reunião para tractar deste assumpto. A reunião teve logar, mas estando a commissão em minoria; e de certo Os que fallaram, foi por motivo justificado; eu tenho umas observações escriptas que desejo sujeitar, não só ao conhecimento das commissões de fazenda e de legislação a quem este negocio está affecto, mas tambem ao da camara; e por isso, de accôrdo com os meus collegas venho apresental-as á camara, e pedir-lhe que as mande imprimir, para serem distribuidas pelos srs. deputados. Nesta conformidade pois mando para a mesa um papel que tem por titulo: — Opinião desenvolvida, e fundamentada de João Damazio Roussado Gorjão, deputado pelo Porto, e membro da commissão de fazenda, devotamente offerecida á esclarecida rectidão dos meus illustres collegas, sobre a impreterivel indispensabilidade de se promptificar o parecer concernente ao importantissimo requerimento do conde de Farrobo.

Peço portanto, que v. ex. consulte a camara sobre a urgencia e a impressão.

O sr. Presidente: — O sr. deputado Roussado Gorjão mandou para a mesa uma memoria, pedindo que ella seja impressa e distribuida pelas commissões de fazenda e legislação; e que se considere urgente para ir ás commissões mencionadas. Vou portanto consultar a camara sobre a urgencia.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, eu tenho a pedir desculpa ao meu antigo e nobre amigo o sr. Roussado Gorjão, de não ter ido hoje á commissão de fazenda; mas se hoje faltei á commissão pela primeira vez, foi porque objecto de serviço publico me impediu que viesse á camara á hora em que a commissão se costuma reunir; disto preveni não só a s. ex.ª, mas tambem a alguns membros da commissão. (Vozes: — É verdade)

O sr. Roussado Gorjão: — É para confirmar o que acaba de dizer o meu illustre collega o sr. Santos Monteiro. Ora se eu insisto pela confecção de um parecer sobre este assumpto, é porque não quero tomar sobre mim a responsabilidade dos inconvenientes que podem provir á fazenda publica, pela demora da resolução definitiva deste objecto.

E pondo-se logo á volação

Se havia de imprimir-se a memoria apresentada pelo sr. Roussado Gorjão? Decidiu-se affirmativamente.

O sr. Placido de Abreu: — Eu pedi a palavra para requerer a v. ex.ª que visto haver-se distribuido o projecto n.º 107 relativo ás estradas do Minho, elle faça parte da ordem do dia de segunda feira.

Decidiu-se que sim.

O sr. Presidente: — Previno a camara que a discussão deste projecto terá logar sem prejuizo daquelles que já estavam dados para ordem do dia. (Apoiados)

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 67 na especialidade.

E pondo-se logo A votação o

Additamento do sr. Cezar de Vasconcellos ao artigo 1.º, disse

O sr. Presidente: — Na sala não ha numero para se poder votar. A ordem do dia para segunda feira é a mesma que já estava designada para hoje, e mais os projectos n.ºs 97, 107 e 98. Está levantada a sessão. — Eram quasi 4 horas e meia da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão

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