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N.º 11.

SESSÃO DE 30 DE DEZEMBRO.

1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES

Chamada: — Presentes 58 srs. deputados.

Abertura: — Á meia hora da tardo.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

DECLARAÇÕES: — 1.ª Do sr. Costa e Silva, de que o sr. S. J. da Luz não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

2.ª Do sr. Pegado, de que não pôde assistir a sessão de hontem por causa imprevista. — Inteirada.

OFFICIOS: — 1.º Do sr. Castro Guedes, participando que por motivo justificado tem de faltar a algumas das sessões da camara. — Inteirada.

2.º Do sr. D. Rodrigo de Menezes, participando que se acha annojado, por ter fallecido seu cunhado, e por isso tem de faltar a esta e ás seguintes sessões. — Inteirada.

Resolveu-se que fosse desannojado na forma dos estylos.

3.º Do sr. Joaquim Thomás Lobo de Avila, declarando que opta pelo logar de deputado, e acompanhando este officio com a cópia do decreto, pelo qual foi demittido de director, por parte do governo, da companhia central peninsular dos caminhos do ferro de Portugal. — Inteirada.

4.º Ministerio das obras publicas. — Direcção do commercio e industria. — Ill.mo e ex.mo sr. Em resposta ao officio, que v. ex.ª me dirigiu, em data de 27 do corrente, e satisfazendo ao requerimento apresentado pelo sr. deputado Antonio da Cunha Sotto-Maior, na sessão da camara dos srs. deputados do dia 26 deste mez, para que o governo envie á camara a conta em que importou a despeza feita com a commissão desempenhada ultimamente em Bruxellas, pelo conselheiro Antonio José de Avila, incluindo nella o subsidio pessoal, conferido ao dicto conselheiro, cumpre-me dizer a v. ex.ª para que o faça constar á camara dos senhores deputados, que o governo arbitrou, e mandou entregar ao dicto conselheiro, a quantia de trezentas libras esterlinas (réis 1:350$000), para todas as despezas da commissão de que se tracta; e que, além desta despeza, nenhuma outra se tem feito, nem haverá de se fazer com tal commissão, excepto aquella que resultar da impressão dos relatorios apresentados pelo referido conselheiro.

Deus guarde a v. ex.ª ministerio das obras publicas, commercio e industria em 29 de dezembro de 1853. — Ill.mo e ex.mo sr. Custodio Rebello de Carvalho, deputado secretario da camara dos srs. deputados. — A. M. de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Avila: — Sr. presidente, peço a v. ex.ª e á camara se sirvam permittir, que o officio, que se acaba de lêr, seja impresso no Diario do Governo (Apoiados).

Por esta occasião peço mais a v. ex.ª e á camara, me consintam dar algumas explicações sobre a commissão de que falla o mesmo officio; e muito estimo que esteja presente o sr. ministerio da marinha, e dos negocios estrangeiros, porque, ainda que obtive auctorisação de s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, para as explicações que vou dar, estimo da-las na presença de um membro de gabinete.

No mez de agosto deste anno, pouco dias antes do adiamento da camara, procurou-me o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, para me participou que o governo de sua magestade o rei dos Belgas, tinha convidado o governo portuguez a fazer representar este paiz no congresso, que tinha de se reunir na cidade de Bruxellas, no mez de setembro, com o fim de assentar as bases, para a organisação de uma estatistica, uniforme em todos os estados. S. Ex.ª accrescentou, que o governo entendia que eu era a pessoa, que devia ser encarregue desta commissão; e pediu-me, com a cortezia propria de s. ex.ª que me não recusasse a prestar este serviço ao meu paiz.

Estava eu muito longe de esperar esta communicação: entretanto, depois de agradecer a s. ex.ª a honra, que o governo me tinha feito, lembrando-se de mim, respondi ao sr. ministro, que eu nada podia dizer sem ver o programma dos trabalhos do congresso; mas que se, em vista delle, eu entendesse poder encarregar-me da commissão, me não recusaria a faze-lo, porque nunca me recusei a prestar os serviços, que o meu paiz; de mim exige — uma vez que, para desempenho dessa commissão, eu não fosse obrigado a sair da camara, antes que ella se fechasse, ou a deixar de comparecer nella, quando de novo se abrisse. Disse mais a s. ex.ª, que em vista das minhas circumstancias particulares, eu não podia partir só.

Alguns dias depois o sr. ministro levo a bondade de me procurar do novo, para me dar um exemplar do programma dos trabalhos do congresso. Por esse documento vi eu, que uma das questões, de que o congresso tinha de se occupar, era a organisação do cadastro. Ora, eu tinha sido encarregado pelo governo de 1846 de ir estudar á organisação do cadastro nos paizes em que elle tinha sido executado, e tinha recebido um subsidio do thesouro por virtude dessa commissão. Entendi, pois, que, independentemente de outras razões, essa circumstancia era sufficiente para me tirar todo o pretexto de me recusar a satisfazer os desejos do governo.

Quando, pois, s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas me procurou de novo, para saber a minha decisão, respondi a s. ex.ª que acceitaria a commissão se o governo persistisse na idéa de me encarregar della, e não servisse de obstaculo á resolução em que eu estava, de não deixar, por esse motivo, de tomar parte nos trabalhos da camara de que era membro.

Por carta regia de 23 de agosto fui effectivamente nomeado para essa commissão, estando já havia muitos dias, fechadas as camaras.

Eis-aqui as explicações que entendi dever dar á camara. Se fiz bem ou se fiz mal; se comprehendi ou não os deveres da minha posição; se correspondi ou não á nomeação com que o governo me honrou; se foi ou não exaggerada a somma arbitrada para as despezas dessa commissão, a camara o decidirá. O que posso, porém, assegurar á camara, é que a minha consciencia me diz, que cumpri o meu dever; (Apoiados) e que em circumstancias identicas devo tornar a fazer o mesmo. Estou tambem convencido de que todos os homens illustrados, e imparciaes approvarão o meu proceder, e é precisamente a sua approvação que eu ambiciono. (Muitos apoiados)

Peço licença para mandar ainda para a meza o requerimento seguinte, que está intimamente ligado com este assumpto, e por isso peço a sua urgencia.

REQUERIMENTO. — Requeiro que sejam remettidos com urgencia á commissão de verificação de poderes os documentos seguintes:

1.º Officio do ministerio das obras publicas, commercio e industria, de 20 do corrente, em que o ministro respectivo dá conta a esta camara da minha nomeação, por caria regia de 23 de agosto deste anno, para representar este paiz no congresso de estatistica de Bruxellas.

2.º O officio do mesmo ministerio, de 28 do corrente, participando a esta camara, em resposta ao requerimento do sr. deputado Antonio da Cunha Sotto-Maior, qual foi a despeza feita com essa commissão.

Roqueiro mais, que a mesma illustre commissão de verificação de poderes dê quanto antes o seu parecer sobre esses documentos, em vista dos artigos 14.º, 17.º, e 18.º, ou quaesquer outros do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852. Avila,

Foi declarado urgente.

O sr. presidente: — Antes de se entrar na discussão

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deste requerimento, vão ser introduzidos na sala, para prestarem juramento, dois srs. deputados que se acham nos corredores.

Foram por tanto introduzidos, prestaram juramento, e tomaram assento

Os srs. — Manoel Maria Coutinho de Albergaria Freire. — Joaquim Thomaz Lobo de Avila.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, direi muito poucas palavras sobre este assumpto. Eu fiz o requerimento, porque o quiz fazer, porque entendi que o devia fazer, e quando eu entendo que devo fazer alguma cousa, faço-a. Nem tenho obrigação de dar satisfação a ninguem, dos motivos que me obrigaram a fazer isto ou aquillo, nem ninguem mas pede: sabem que a minha resolução para me conduzir desta ou daquella maneira é invariavel; e que se mas pedissem, eu as não dava. Tanto me importa que a commissão de poderes dê um parecer contra, ou a favor; que dê muitos apoiados, ou não dê apoiados nenhuns; porque a commissão de poderes, a camara, o ministerio, os ministros actuaes e os ministros futuros não influem nada na minha convicção, para eu proceder deste ou daquelle modo.

Por consequencia tenha s. ex.ª entendido, tenha a camara entendido, que eu fiz o requerimento porque assentei que o devia fazer, e que o podia fazer. Não dou, nem me avilto ao ponto de dar satisfações a ninguem. Venho aqui para luctar: actos de cortezia faço eu nos salões, e nas sociedades. Não venho aqui fazer a corte, nem aos actuaes, nem aos futuros ministros...

O que pode acontecer é que os futuros ministros me tractem como os actuaes — não me deem emprego nenhum quando fôr bater ás suas portas; porque ainda não subi as escadas das secretarias, nem entrei em casa de ss. ex.ªs para lhes pedir favor algum em meu proveito.

Por tanto fiz o requerimento porque o quiz fazer, e porque estava no meu direito em fazel-o. E do requerimento hei de fazer o uso que eu entender. Agora espero pelo parecer da commissão de verificação de poderes, para julgar o quilate da sua independencia.

E pondo-se logo á votação o

Requerimento do sr. Avila — foi approvado.

Se ha de imprimir-se o officio no Diario do Governo? — Resolveu-se que sim.

Deu-se pela meza destino ao seguinte

REQUERIMENTO: — «Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio da fazenda à relação nominal de todos os individuos, a quem se tem passado portarias, concedendo moratorias, ou mandando suspender o pagamento de decimas que estejam em divida, declarando-se as quantias, que cada um dos devedores deve, e os annos; isto desde 1840 até ao fim do anno de 1853.» Pinto de Almeida.

Foi remettido ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS.

1.º — Projecto de lei. — Senhores. — Pela portaria do ministerio do reino de 22 de abril de 1851, foi concedido á sociedade promotora de agricultura michaelense, o uso de um pequeno granel e cerca adjacente, pertencente ao extincto convento da Conceição da cidade de Ponta Delgada, para serem por ella applicados ao maior desenvolvimento dos fins de tão util instituição. E pelo decreto de 23 de outubro do mesmo anno lei feita egual concessão á sociedade dos amigos das letras e artes em S. Miguel das ruinas da igreja de S. José da mesma cidade, e da parte da cerca já concedida e na posse da sobredicta sociedade de agricultura. Estas concessões porém necessitam da confirmação do poder legislativo e devem ser reguladas por modo, que aquellas duas sociedades, intimamente ligadas entre si, continuem de mutuo accordo a promover os fins civilisadores a que se propuzeram. Ellas tornam-se dignas da maior projecção e louvor; por ser a de agricultura, a primeira deste genero, que por ventura se estabelecêra entre nós, e que grandes serviços tem prestado ao seu paiz; e a dos amigos das letras e artes a que tambem primeiramente poz em practica e com feliz exito, nas escólas, que tem sustentado a expensas suas, o methodo de leitura repentina do Dr. Castilho seu principal fundador, marchando assim ambas na vanguarda da civilisação, e concorrendo com um nobre exemplo e bem dirigidos esforços para a prosperidade dos povos.

Por taes considerações tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º São confirmadas as concessões feitas ás sociedades de agricultura, e dos amigos das letras e artes de S. Miguel, pela portaria de 22 de abril de 1851, e decreto de 23 de outubro do mesmo anno pela maneira seguinte.

Art. 2.º Fica pertencendo á sociedade dos amigos das letras, o artes em S. Miguel o local e ruinas da igreja de S. José na cidade de Ponta Delgada e espaço contiguo necessario para a construcção de um theatro, salas e mais accommodações necessarias, para o uso da mesma sociedade.

Art. 3.º Fica pertencendo á sociedade de agricultura michaelense a casa e terreno adjacente, que faz parte da cerca do extincto convento da Conceição da mesma cidade, quanto fôr necessario para o estabelecimento de um jardim de propagação de plantas uteis, e mais usos convenientes aos fins desta instituição.

Art. 4.º E auctorisado o governo a proceder ás demarcações necessarias, lendo em vista tudo quanto fôr de conveniencia publica, e de utilidade destas tão benemeritas associações.

Art. 5.º As propriedades concedidas devolvem ao estado com todos os melhoramentos que nellas forem feitos por dissolução destas sociedades.

Art. 6.º Fica revogada toda a legislação em contrario. — Sala da camara dos srs. deputados, 27 de dezembro do 1853. — O deputado pelo circulo de Ponta Delgada, João Soares de Albergaria. — Carlos da Silva Maya. — Antonio Bonifacio Julio Guerra

Foi admittido — Mandou-se imprimir no Diario do Governo — E remetteu-se á commissão de fazenda.

2.º PROJECTO DE LEI — Senhores: Devendo a bibliotheca publica desta capital estar collocada em um edificio secco, claro, e decente tanto para a boa conservação dos livros e commodo dos estudiosos, como para maior lustre e gloria nacional, ao contrario, a vêmos collocada nos feios e escuros dormitorios do extincto convento de S. Francisco da cidade, edificio muito improprio, e bem pouco digno de servir para a bibliotheca de uma das mais insignes e populosas cidades da Europa como é Lisboa.

Nem ao menos alli se encontra uma sala de leitura capaz, servindo apenas para esse fim uma casa demasiadamente acanhada, e muito falta de luz, feita de algumas cellas dos religiosos que alli habitavam.

É para sentir muito, que as administrações passadas não tivessem adaptado a tão importante estabelecimento, quando ainda se achava incorporado nos bens nacionaes o excellente e magnifico edificio, que outr'ora se destinava para ser a nova igreja daquelle convento; porque sendo, como é situado n'uma das mais formosas, e mais centraes localidades desta cidade — podendo ser quasi todo aproveitado para essa nova edificação, e vender-se para auxilio da mesma tudo quanto podesse escusar-se, ter-se-ia feito delle uma das melhores bibliothecas do mundo.

Com quanto se ache já alienado, desmoronados em grande parte seus muros, e applicada a edificações publicas e particulares mais de metade da preciosa cantaria do que se compunha, todavia é elle ainda hoje o unico edificio que offerece maiores proporções, e que mais se presta para a nossa bibliotheca nacional.

É bem certo, que muitas e avultadas quantias se hão de dispender com as obras necessarias para o seu complemento, mais é igualmente certo, que a magnitude dos bons resultados ha de concorrer muito para que todos as deem por bem empregadas.

Quanto mais que ellas não deverão parecer tão grandes, se se forem fazendo as obras paulatinamente e segundo as forças do thesouro — e se das mesmas se abater alguma das rendas, que o estado paga para edificios aonde estão collocados outros estabelecimentos publicos, como são o correio geral, e a imprensa nacional,

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dos quaes um ao menos poderá ser transferido para o edificio actualmente occupado pela bibliotheca.

Movido pois por tão ponderosas considerações, sujeito á vossa approvação o seguinte projecto de lei.

Art. 1.º É auctorisado o governo a comprar ou expropriar o edificio, que outr'ora se destinava para ser a nova igreja de S. Francisco da cidade, a fim de que nelle feitas as obras indispensaveis, seja collocada a bibliotheca publica.

Art. 2.º O governo mandará levantar a competente planta e fazer os respectivos orçamentos que serio apresentados quanto antes a esta camara.

Art. 31º Fica revogada toda a legislação em contrario. — Sala da camara dos deputados 29 de dezembro de 1853. — José Jacintho Tavares, Carlos da Silva Maia.

Foi admittido.

O sr. Jacintho Tavares: — Tendo a camara, na sua alta sabedoria, admittido á discussão o projecto que acaba de ser lido, e que eu tive a honra de apresentar, vou mandar para a mesa os seguintes requerimentos (Leu).

1.º REQUERIMENTO — «Requeiro que o projecto, que acaba de ler-se, seja discutido com urgencia. E que seja impresso no Diario do Governo.» — Jacintho Tavares.

2.º REQUERIMENTO — «Requeiro que seja remettido por certidão a esta camara o acto de arrematação do edificio da igreja nova de S. Francisco da cidade.» — Jacintho Tavares.

Mandou ainda para a meza um requerimento, para, por parte do governo, se fazer uma recommendação ao dono do edificio da igreja nova de S. Francisco da cidade, para que não continue na demolição do dicto edificio, em quanto as côrtes não approvarem ou reprovarem o projecto que se leu.

O sr. Presidente: — Em quanto ao requerimento que termina pedindo que se faça pelo governo uma recommendação ao dono do edificio, fica para segunda leitura; em quanto ao outro que pede a certidão do auto de arrematação do mesmo edificio, mandar-se-ha expedir pela meza; e em quanto ao outro, o mais que se póde fazer, é consultar a camara, se quer que o projecto vá com urgencia á commissão.

Assim se resolveu.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, parece-me que nos requerimentos do illustre deputado ha inconveniencia de formula; e por isso achava melhor que v. ex.ª, antes de lhes dar seguimento, fizesse com que essa inconveniencia se remediasse. Pela minha parte respeito as intenções do illustre deputado, approvo mesmo o pensamento do projecto, e concordo na doutrina dos requerimentos; mas seria muito conveniente dar a esses requerimentos uma outra redacção; por que a camara não póde pedira certidão do auto de arrematação da venda do edificio, nem recommendar ao governo que faça com que o dono delle não continue na sua demolição; por isso que o governo não póde ir embaraçar o uso que um proprietario quizer fazer da sua propriedade. Portanto estou certo, que o illustre deputado com o seu genio conciliador, meditando um pouco sobre as reflexões que acaba de fazer, ha de reconhecer que ellas são dignas de attenção, e que não duvidará acceitar uma outra qualquer redacção mais conforme com as verdadeiras formulas.

O sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Visto que se tracta no projecto de uma expropriação, entendo que elle deve ser remettido á commissão de fazenda; e como o edificio é para nelle ser collocada a bibliotheca publica, entendo tambem que deve ser ouvida a commissão de instrucção publica (Apoiados). Portanto o projecto vai á commissão de fazenda, ouvida a de instrucção publica.

O sr. Presidente: — Eu tinha, quanto era possivel, remediado alguma inconveniencia de formulas que se nota nos requerimentos, porque em quanto: ao que; termina por se fazer uma recommendação ao governo, declarei logo que ficava para segunda leitura, e então é que tinham cabimento as observações que acabam de se fazer; agora em quanto ao outro requerimento, parece-me que só póde remediar o inconveniente que se lhe nota, dizendo-se cópia do auto, em vez de certidão.

O sr. Jacintho Tavares: — Começo por agradecer ao sr. Corrêa Caldeira a maneira polida como se houve para comigo, e os bons conselhos com que me honrou; como ecclesiastico que sou, estou prompto, nem podia deixar de estar prompto a conciliar-me com a opinião do illustre deputado. Eu tenho pedido desculpa á camara mais de uma vez, por não estar ao facto das formalidades e etiquetas parlamentares; de novo lho peço perdão, e creio que a camara me ha de desculpar tudo isto.

Agora cumpre-mo explicar o fim que tive em vista no requerimento que apresentei. Como a demolição daquelle edificio se está fazendo com toda a força, é claro que quanto maior fôr a demolição, quanto mais cara ha de ser depois a compra do edificio; e pedi a certidão do auto da arrematação para que estes documentos estivessem promptos quanto antes, a fim de irem, como esclarecimento, ás commissões a quem tem de ser remettido este negocio, e para que as mesmas commissões não se assustassem com o valor de expropriação, nem com as despezas que se hão de fazer, que não hão de ser grandes, por isso que me consta que a arrematação fôra muito em conta. Portanto sendo este o fim que tive em vista quando apresentei o meu requerimento, estou prompto em convir n'uma outra qualquer redacção que se julgar melhor.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Pedi a palavra para declarar que apoio o requerimento do sr. deputado, sem me importar se elle está ou não nas devidas formulas; porque as formulas para mim não significam muita cousa; quando vejo que estas nem sempre teem valor para todos; por isso que umas vezes são invocadas, e outras vezes desprezadas, segundo faz conta. Por consequencia como vou aprendendo dos outros, não posso ainda deixar de apoiar o requerimento do illustre deputado, sem me importar se elle está mais ou menos bem redigido segundo uma certa praxe, porque ainda hontem vi um escandalo barbaro e horroroso na demolição que está fazendo no convento de S. Francisco; ainda hontem vi estarem, com picaretes e alviões, arrombando os carneiros, esmigalharem craneos, e desconjunctarem esqueletos que nelles estavam depositados; e isto á vista dos habitantes desta capital. Se, pois, ha administração publica neste paiz, acho que o governo deve intervir neste negocio; e que a policia não pode mostrar-se indifferente ao vêr estarem, n'um dos sitios mais publicos de Lisboa, com picaretas e alviões arrombando carneiros, esmigalhando craneos, e desconjunctando esqueletos. Por todos estes motivos, em vista de similhante profanação, não posso deixar de approvar o requerimento que o illustre deputado apresentou.

O sr. Correia Caldeira: — Pedi a palavra só para dizer ao nobre deputado, que eu não me expliquei tão mal, que s. ex.ª, sendo tão perspicaz, não me podesse entender. Eu não disse que a policia devesse ser estranha á profanação, que se está fazendo na demolição do convento do S. Francisco, quebrando-se carneiros, e desenterrando-se os ossos de nossos irmãos muito irreligiosamente; eu não disse que a policia devesse ser estranha a esse escandalo que se está commettendo aos olhos dos habitantes desta capital; e até mesmo o governo tem meios de obviar que se esteja commettendo uma profanação de ossos, sem ser necessaria a recommendação do illustre deputado o sr. J. Tavares; nem a recommendação de s. ex.ª e refere a este ponto (O sr. J. Tavares: — Apoiado) O que disse foi, que não era possivel que o governo tomasse sobre si a responsabilidade de dizer ao proprietario que comprou aquelle edificio — «olhai, não continueis a tocar na vossa propriedade, porque eu tenho tenção de a comprar» Foi neste sentido que fallei; e foi só com relação a este ponto que eu disse, que não achava coherente com as formulas recommendar-se ao governo que compellisse o dono de uma propriedade, a não fazer della o uso que julgasse mais conveniente. Por consequencia as reflexões do illustre deputado o sr. Cunha são mal cabidas, porque eu não disse que a policia fosse estranha ao escandalo que se está commetendo na demolição do convento de S. Francisco, pelo contrario entendo que a auctoridade pode e deve obstar á profanação dos ossos que se está fazendo naquella demolição; e espero que o governo ha

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de tomar em consideração este importante objecto. Eu só observei, que o requerimento do illustre deputado não guardava certa conveniencia nas suas formulas: não sei se alguem as despreza; pela minha parte declaro que nunca heide desprezal-as.

O sr Ministro da Marinha (Visconde de Athouguia): — Sr. presidente, toca-me a mim mais de perto o sentimento repugnante de que tenham apparecido á luz do dia esses ossos de parentes nossos, ou de amigos nossos, ou de concidadãos nossos, que se achavam sepultados no convento de S. Francisco; toca-me mais de perto esse sentimento, porque tenho alli parentes meus enterrados. Não sei, sr. presidente, se é exacto o que acabou de indicar, não só o nobre deputado que fallou ultimamente, mas o nobre deputado creio que por Beja que se senta na cadeira que fica em frente delle; o que posso assegurar aos nobres deputados é que, se assim é, o governo hade dar as providencias e hade estranhar á auctoridade o deusar de vigiar por uma cousa que toca muito nos sentimentos de todos os cidadãos de Lisboa, e muito mais daquelles que partilham, como os nobres deputados e todos nós partilhâmos, o respeito devido aos restos dos nossos amigos e concidadãos, que alli se acham, mesmo pela reverencia e acatamento que devemos tributar á religião, que tão ligada está em todas as suas idéas á consideração pelos restos mortaes de quem foi enterrado em logar sagrado, como era o logar a que se allude: hoje já o não é.

Nada mais tenho a dizer á camara. Hade ser provavelmente pelo ministerio dos negocios do reino que as medidas respectivas se hão de adoptar; e se fôr exacto o que diz o illustre deputado, de certo é a mim que mais do que ao nobre deputado que acabou de fallar, affecta o sentimento de que effectivamente tenha acontecido esse facto, pela circunstancia que indiquei de terem sido enterrados parentes meus naquelle local.

O sr. Presidente: — Resta resolver se o projecto hade ser impresso no Diario do Governo.

Resolveu-se affirmativamente.

O sr. Silva Pereira: — A commissão encarregada pela camara de apresentar a sua magestade o authografo da lei que regula o censo dos cidadãos que podem votar e ser votados para membros da junta do credito publico, cumpriu a sua missão, tendo sido recebida por sua magestade com a sua costumada benevolencia.

O sr. J. Mascarenhas: — Aproveito-me da presença do snr. ministro da marinha, para participar a s. ex.ª um facto grave, que acaba de ter lugar na Asia; este é o seguinte: d'entre 6 a 8 navios que navegam annualmente de Gôa para a Africa, oriental, e costumam levar a sua carga, principalmente de marfim, ao porto e mercado de Bombaim, um que já neste anno foi ao dito porto, foi embargado pela policia ingleza, como pretexto, de ser negreiro. Não havia razão nenhuma para ser assim classificado aquelle navio, senão só porque a seu bordo vinham dois pretos trazendo carta de alforria, e competente passaporte do porto de Moçambique donde sairá; a final pelas justiças inglezas, o capitão do navio que é filho de Gôa, foi condemnado a prisão e trabalhos forçados por tres annos, pana minima, segundo a legislação ingleza. Uma parte da imprensa ingleza tem reclamado contra esta sentença como de auctoridade incompetente; e o governador geral da India tem protestado contra este procedimento dos tribunaes inglezes. O sr. ministro da marinha naturalmente tem já noticia deste facto; julgo mesmo que tem adoptado as medidas ao seu alcance, para se fazer justiça a um subdito portuguez; mas eu julgo do meu dever, recommendar particularmente a s. ex.ª este objecto, para que faça tudo quanto estiver ao alcance do governo para o conseguir do de Londres, a favor daquelle subdito portuguez; e no caso de se não fazer nada relativamente á sentença, pela razão da independencia do poder judicial, para que possa conseguir da Rainha de Inglaterra o perdão que o réo já tem requerido. Este empenho do governo é de absoluta necessidade, para se conservar o pequeno commercio que resta do antigo, que foi vastissimo e riquissimo.

O sr. Ministro da Marinha: — Sr. presidente, estou ao facto e perfeitamente informado quanto ao modo por que avaliou este negocio o governador da India, por officio que recebi daquella auctoridade, que louvor lhe seja dado, da sua parte poz tudo em practica (O snr. J. Mascarenhas: — Apoiado) para que ou se revogasse aquella sentença ou se admittisse a allegação que fazia o accusado de que o tribunal era incompetente. (O sr. J. Mascarenhas: — Apoiado) Chegada, como chegou, a partecipação ao governo, a minha obrigação era remettel-a, como fiz immediatamente para a repartição dos negocios estrangeiros; e posso assegurar ao nobre deputado que no dia 19 ás 9 horas da manhã foi assignado por mim um officio ao nosso ministro em Londres, que todos sabem que tracta com zelo, assiduidade e a maior intelligencia, de todos os negocios, especialmente daquelles que affectam a liberdade e os privilegios do governo e os interesses do paiz (O sr. J. Mascarenhas: — Apoiado) É o que posso dizer ao nobre deputado; mais não se tem feito porque não sabia dentro do tempo.

O sr. J Mascarenhas: — Estou satisfeito.

ORDEM DO DIA.

O sr. Presidente — Em primeiro logar tracta-se do projecto n.º 122, que vai ler-se.

É o seguinte:

Projecto de Lei (n.º 122). — A commissão de fazenda examinou a proposta do govérno n.º 121-I, estabelecendo a dotação de Sua Magestade El-rei o Senhor D. Pedro V, e a dos Senhores Infantes e Princezas, em conformidade dos artigos 80.º e 81.º da Carta Constitucional da monarchia.

A commissão, tomando em consideração o esplendor devido ao chefe do estado; attendendo a que a proposta é igual á que a carta de lei de 19 de dezembro de 1834 estabeleceu para Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria 11, de saudosissima memoria; ponderando que, além de ser a que a experiencia justificou ser necessaria ao decoroso tratamento do Rei, que foi a que habilitou o throno a essas immensas obras de caridade, á protecção de estabelecimentos filantropicos, ao favorecimento das artes, e ao auxilio da industria, que tanto distinguiu o ultimo reinado; a tudo o que deve ser presente o singular e virtuoso desinteresse, com que a Familia Real era a primeira a fazer generosa cedencia de avultada quantia, sempre que as publicas necessidades se têem manifestado: é a vossa commissão de parecer que a proposição do governo seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º A dotação de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V é fixada na quantia de um conto de réis diarios, que será abonada, a contar do dia 16 de novembro do corrente anno em diante.

Art. 2.º A contar do mesmo dia receberá, a titulo de alimentos, Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor infante D. Luiz, dezeseis contos de reis por anno; e debaixo do mesmo titulo serão abonados dois contos e oitocentos mil réis annuaes a cada um dos Senhores Infantes D. João, D. Fernando, e D. Augusto; bem como a cada uma das Serenissimas Senhoras Infantas D. Maria Anna, e D. Antonia.

Art. 3.º Nenhuma outra quantia, além das mencionadas nos artigos antecedentes, será abonada para as despezas da casa real, qualquer que seja a sua natureza, ou denominação.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões, 27 de dezembro de 1853. — Antonio dos Santos Monteiro. — Visconde da Junqueira. — José Maria do Casal Ribeiro — Augusto Xavier Palmeirim. — Justino Antonio de Freitas.

Este projecto recaiu na seguinte

Proposta de Lei (n.º 121-I-) Senhores: — Em cumprimento dos preceitos consignados nos artigos 80.º e 81.º da Carta Constitucional da monarchia, e sem accrescimo de despeza publica, em relação ao orçamento do actual anno economico, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei.

Art. 1.º A dotação de sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V é fixada na quantia de um conto de

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réis diarios, que será abonada a contar do dia 15 de novembro do corrente anno em diante.

Art. 8.º A contar do mesmo dia receberá, a titulo de alimentos, Sua Alteza o Serenissimo Senhor Infante D. Luiz dezeseis contos de réis por anno: e debaixo do mesma titulo serão abonados dois contos e oitocentos mil réis annuaes a cada um dos Senhores Infantes D. João, D. Fernando, e D. Augusto; bem como a cada uma das Serenissimas Princezas D. Maria Anna, e D. Antonia.

Art. 3.º Nenhuma outra quantia, além das mencionadas nos artigos antecedentes, será abonada para despezas dá casa real, qualquer que seja a sua natureza ou denominação.

Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, 23 de dezembro de 1853. — Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

E ninguem pedindo a palavra, posto á votação na generalidade.

Foi approvado.

O sr. Presidente — Como este projecto está declarado urgente, passa-se já á especialidade. Está em discussão o

Art. 1.º Foi logo approvado.

Art. 2.º Idem

O sr. Louzada: — Eu proporia a suppressão deste artigo, porque ou elle é uma inutilidade, ou vai de alguma maneira contra um outro artigo, que é o 85 da Carta.

Felicito-me a mim proprio de ver o respeito e veneração que todos os partidos politicos teem atualmente pela Augustissima Casa de Bragança; felicito-me tanto mais quanto este respeito é devido ás virtudes daquellas Eminenticimas Pessoas tanto neste nosso reino, como mesmo no Imperio do Brazil, porque desgraçadamente lá e aqui houve em outro tempo alguma divergencia com os predecessores dos actuaes Reinantes de ambas as Casas.

Parecia que a pouca vontade, com se dirigia a politica em favor de um certo e determinado partido tornava os adherentes desse partido pouco inclinados a não respeitarem nas Pessoas dos Governantes as qualidades que se lhes podem disputar; tanto outras que já o foram, como ás que actualmente o são; felicito-mo por isso, porque quero persuadir-me que ningnem deixará de attender ás circunstancias em que vou fallar a respeito deste artigo.

Ha quem entenda, que esta lei que nós estamos a discutir é uma lei, por assim dizer, que não póde admittir revogação durante o reinado das Pessoas a respeito de que ella é promulgada. Pode ser que esta idéa não seja exacta; mas tem-se sustentado por muitas e grandes capacidades, e com muito bons principios, que a dotação das Pessoas Reinantes uma vez estabelecida por lei na entrada ou começo do reinado da Pessoa a quem é consignada, não póde de nenhuma forma alterar-se, visto que estão providenciados alguns dos cazos para os quaes se podem e devem fazer todas as outras despezas que em circumstancias estejam disso, como são, por exemplo, as de casamentos, dotações, nascimentos etc., que possam vir a ter logar. Por tanto havendo a idéa de que esta lei é perpetua, (entende-se perpetua durante o reinado da Pessoa a quem ella se refere) que é vitalicia, de modo que, durante esse reinado, não se pode fazer nem mais nem menos do que aquillo que nella está consignado: debaixo destes principios, estabelecer, ou, por outra consignarmos — que as dotações actuaes estabelecidas nesta lei não podem ter accrescimo nem diminuição por qualquer circumstancia que se encontro — offerece-se-me alguma duvida a respeito do disposto n'um artigo constitucional (fallo do artigo 85 da Carta) quando diz — os palacios, e terrenos reaes, que tem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores; e as côrtes cuidarão nas acquisições, e construcções, que julgarem convenientes para a decencia, e recreio do Rei — digo, offerece-se-me duvida sobre o disposto neste artigo da Carta, e o art. 3.º do projecto em discussão que diz. — Nenhuma outra quantia, além das mencionadas nos artigos antecedentes, será abonada para despezas da Casa Real, qualquer que seja asna natureza e denominação. — Isto é indefinido; as palavras — qualquer que seja a sua naturesa e denominação abrangem toda á qualidade de despeza, quer ella seja para a conservação e reparo, quer seja para acquisições, quer seja para o decoro, brilhantismo e esplendor do throno; ou qualquer outra que se queira de futuro estabelecer a respeito de maior decencia, o maior brilhantismo da Caza Real.

As cazas e palacios que actualmente estão na posse da Caza Reinante, acham-se em grande ruina, e se durante o tempo que Sua Magestade Imperante governar estes reinos se lhe não poder consignar, debaixo de qualquer titulo, outra dotação, ou outra quantia para concerto desses palacios, entendo que os palacios hão-de necessariamente arruinar-se e ficar em estado de não poderem mais admittir concerto de qualidade alguma.

Nesta idéa, pois, e tendo assim em vista aquella outra observação da pouca vontade de annuir ao maior esplendor do throno do modo que, como já aconteceu noutra parte em relação á dotação real do Brazil, possa tambem dar-se o caso do não haver boa disposição (o que com tudo não é de esperar) a favor da actual Casa, para se lhe não consignar qualquer provento, ou rendimento, ou dinheiro, ou subsidio, ou qualquer cousa extraordinaria para o concerto e reparação dos edificios publicos de que está de posse a Casa Real, debaixo da generalidade em que está concebida a disposição ou expressão deste art. 3.º em discussão, entendendo-se, que aquella dotação é uma e unica para tudo e para todos os casos e cousas e para todas as circunstancias: digo eu que este art. 3.º não me parece que deva ser inserido nesta lei, porque ou elle não offende o art. 85 da Constituição, e então escusado é consignal-o na lei, ou se o quiz abranger sustento nesse caso que não deve ser assim, porque a dotação actual não póde dar para satisfazer a todas essas necessidades a que julgo que é preciso, que é indispensavel attender para o decente esplendor do mesmo throno. — Nós sabemos muito bem que uma dotação, tal como esta de que se tracta, com quanto pareça um pouco avantajada á primeira vista, todavia pelos sacrificios que a Casa Reinante de Portugal tem muito nobre e louvavelmente feito em favor das urgencias do Estado, não tem sido paga integralmente ha tempo a esta parte; e sendo de esperar que as urgencias do Estado continuem, e que os sacrificios da Casa Real sejam os mesmos com a do actual Reinante que foram com a do seu Antecessor, mais motivo ha para acudir á necessidade de qualquer nova construcção, ou reparação que se mostre precizas, e não obrigar a Casa Real a fazer da sua dotação, despezas que ella absolutamente não póde fazer com os minguados recursos que se lhe votam, e que apenas são sufficientes para satisfazer ás suas necessidades; não só ás reaes, mas mesmo a outras, alem das reaes por assim dizer; porque nós sabemos muito bem que o Reinante não dispenda simplesmente aquillo que é limitado á Sua Pessoa, aos seus proprios gastos; que ha muitas outras despezas ás quaes aquella Pessoa não póde faltar, como são pensões, esmolas, e outros muitos actos de benificencia e caridade, que nós não devemos querer de nenhuma maneira que deixem de ter logar (apoiado) e que é de esperar que o actual Reinante practique da mesma maneira que anteriormente se practicavam (Apoiados).

Por consequencia estando esta dotação que actualmente se dá, destinada para as despezas que levo mencionadas, entendo que devemos attender ás outras despezas que tambem já mencionei a respeito de concertos, acquisições etc. e que devemos por tanto não conservar este art. 3.º como está pelas rasões que levo dictas e expendidas á camara, e por isso mando para a meza uma emenda para ser supprimido este artigo.

Emenda «Proponho a suppressão do art. 3.º do projecto n.º 122.» — Lousada.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): Sr. presidente, pedi a palavra sómente para dar uma simples e succinta explicação á camara e ao illustre deputado que me precedeu, da razão que o governo teve para inserir esta especie no art. 3.º do projecto que se discute.

A disposição do art. 3.º do projecto que estamos

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discutindo, é copiada textualmente da disposição do art. 2.º da carta de lei de 19 de dezembro da 1834, onde se fixou a dotação de Sua Magestade Fidelissima a Senhora D. Maria II, de saudosa memoria. O art. 2.º da lei de 19 de dezembro de 1834, diz o seguinte (Leu). Ora o governo transpoz esta mesma doutrina, por estas mesmas palavras para a proposta de lei que teve a honra de apresentar á camara; e esta disposição não pode de sorte alguma prejudicar a integridade da dotação do Rei e applicação dos fundos que são destinados para o seu decoro e sustentação; esta dotação não pode ser applicada para acudir ás necessidades dos palacios, quintas reaes de que a coroa gosa em virtude do art. 85 da Constituição, (achando-se, creio eu, consignado n'uma lei especial quaes elles são) porque a essas necessidades occorre-se por meio de dotações ou verbas especiaes, para isso especialmente determinadas. E note o illustre deputado que a disposição do art. 2.º da lei de 19 de dezembro de 1834 foi proposta ás cortes, approvada e sanccionada quando já existia a Carta Constitucional, e por consequencia o art. 85. Entendendo-se pois então que a disposição deste referido art. 2.º da lei do 1834 não violava, nem modificava de sorte alguma a disposição do art. 85 da Carta Constitucional, não comprehendo eu como hoje estando nós nas mesmas circumstancias que em 1834, só com a differença de que então a dotação dizia respeito a Sua Magestade a Rainha a Senhora D. Maria II, de saudosa memoria, e hoje diz respeito a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Pedro V, digo, não posso comprehender como hoje se possa dar uma outra intelligencia a esta disposição do artigo em questão (Apoiados).

Portanto pareceu-me bem renovar esta disposição, pois que ella é unicamente como garantia de que não augmentará a despeza publica neste ramo de serviço do Estado; disposição, que como acabei de notar, já em 1834 foi consignada na lei de 19 de dezembro, sem que d'ahi resultasse inconveniente, nem deixasse de se attender ou occorrer ás despezas que se hão mencionado.

E pareceu-me necessario dar esta breve explicação não só para esclarecimento da camara, mas tambem, e especialmente, para tirar todo o escrupulo ao illustre deputado ácerca de se a disposição do artigo que estamos discutindo, offendera o espirito do art. 85 da Carta Constitucional.

O sr. Louzada: — Eu nunca seria o primeiro a levantar essa duvida se as circumstancias me não collocassem nisso pelo que presenciei na occasião em que noutra parte se discutiu um ponto com relação a uma lei da mesma natureza desta que ora discutimos.

Eu poderia dizer a s. ex.ª o sr. ministro, em resposta ao que argumento que acabo de referir, que sei perfeitamente que os arestos ou as discussões de uma assembléa estrangeira, não devem trazer-se aqui para impor ás outras assembléas mais practicas; mas, como disse a principio, a circumstancia que apontei, de alguma vez [...] á vontade de uma parcialidade politica ter feito ser menos generosa para com as pertenções ou as razões que se offerecem em favor da corôa, me faz hoje que seja um pouco acautelado para não deixar uma aberta ou pretexto para que debaixo delle se não annua a certas pertenções da Casa Real com relação ás despezas que já referi á camara. E este meu reparo, este meu desejo de acautelar não é sem fundamento, porque noutra parte, e noutra época, não se entendeu esta lei como s. ex.ª a intende (e eu tambem) pois que já vi questionar e vencer, que a dotação abrangia todos as despezas a fazer com a Casa Real, ou com a chamada lista civil, e nenhuma outra quantia se lhe quiz conceder. E teve isto logar, sr. presidente, onde existia uma Constituição igual áquella que está em vigor entre nós; não se querendo alli conceder o dinheiro preciso, a pequena quantia de 100 contos, que se pedia para concerto e fornecimento que se julgava indispensavel fazer no palacio que habitava o Imperante do Brazil, e que então, por necessidades accrescidas de pagamento, se tornava necessario accrescentar, e disse-se — que não — que não se devia conceder a quantia pedida para o fim a que era applicada, porque a lei da dotação do Imperante era permanente e vitalicia, e que uma vez feita não podia ser mais addicionada nem accrescentada. Ora se não havendo alli esta disposição que está neste art. 3.º, assim mesmo se fez questão disso, muito maior questão se poderá fazer agora entre nós quando se diz — que para todas as urgencias e necessidades da Casa Real que possa haver além das designadas nos 1.º e 2.º artigos, não será applicada nenhuma outra quantia qualquer que seja a sua natureza e denominação —; isto é, com a Casa Real, não se deve gastar cousa alguma senão exactamente a quantia que está marcada nesta lai. (Vozes: — Não é assim que se deve intender a lei) Bem; eu estou na mesma convicção. Mas se todos estamos de accordo, como parece estarmos, de que este art. 3.º não quer dizer, que com a Casa Real não se farão outras despezas, e que para ellas hão-de ser assignadas outras quantias, para que havemos nós estabelecer aqui esta disposição, e dar assim pretexto para futuras questões? É melhor tirar todo o pretexto, e ficar bem claro, que se poderão estabelecer novas consignações para concerto e reparo dos palacios reaes, e para occorrer a outras necessidades da Casa Real, como aquellas de que já tenho fallado.

Eu sei perfeitamente, que com relação aos palacios e terrenos reaes, a propriedade é da nação, sei que o usofructo é da corôa, mas póde dizer-se tambem — que quem tem o usofructo é que deve fazer as despezas precisas para melhoria conservação e aformoseamento dessas quintas e palacios de que está de posse, e que por tanto a despeza para occorrer a qualquer necessidade, desses palacios e quintas deve sair da dotação ora votada nesta lei, e não da consignada extraordinariamente n'uma lei especial proposta ás camaras e por estas approvada.

Por consequencia o que me parece razoavel, é que para obstar a algum inconveniente se deve fazer a suppressão do artigo, ficando assim a consciencia tranquilla a este respeito; senão a experiencia mostrará se fizemos bem escolhendo o meio que se propõe.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, este projecto assenta sobre uma proposta do governo, e se o illustre deputado tivera bondade de o ler, verá que se refere simplesmente ao que se acha consignado nos art.ºs 80 e 81 da Carta Constitucional. Nós não tractamos de mais nada senão da dotação do Chefe do Estado, e para os Senhores Infantes, ficando salvas todas as outras disposições da Carta Constitucional; ao menos foi esta a intenção da commissão da fazenda quando exarou as disposições deste projecto.

O art.º 85 da Carta Constitucional contem duas partes, na primeira diz — os palacios e terrenos reaes, que tem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores; — e posteriormente á Carta Constitucional foi promulgada uma lei que designava convenientemente todos esses palacios que ficam pertencendo ao usofructo da corôa.

A segunda parte do art.º 85 da Carta Constitucional diz — «e as côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para a decencia e recreio do Rei.» — Ora eu creio, e comigo acreditarão muitos outros dos meus collegas que esta lei não inhibe as côrtes presentes ou futuras de quando julgarem conveniente uma verba qualquer para conservação ou reedificação dos palacios e terrenos reaes, para a decencia e recreio do Rei, votar a somma necessaria para esse fim, o que é independente da dotação para alimentos da Familia Real que é do que se tracta nesta lei em discussão, com referencia aos art.ºs 80 e 81 da Constituição. De quanto é além dessas disposições; as sommas necessarias para o fim mencionado no art. 85 e as outras para casamentos ou para certas despezas de dote, enxoval, etc. de nada disso se tracta nesta lei, que se refere principalmente a alimentos.

Ora emquanto á introducção do art.º 3.º, e á especie de restricção que nelle se estabelece, direi que não é nenhuma novidade; porque foi copiado litteralmente da carta de lei de 19 de dezembro de 1834 que ahi anda em toda a legislação. A commissão de fazenda, torno a dizer, entendeu este negocio debaixo do ponto de vista de que não se tracta aqui senão dos alimentos em relação aos art.ºs 80 e 81; ficando salvas todas as outras disposições da Carta Constitucional, pelo que toca aos artigos subsequentes.

Concluo que devemos congratularmo-nos, como disse

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o illustre deputado que acabou de fallar, de nos vermos todos unidos era respeito e consideração pelo throno, mas esse mesmo respeito e consideração existia na camara que votou a carta de lei de 19 de dezembro de 1834, e nem por isso deixou de, inserir o artigo que o nobre deputado combate.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, não obstante as explicações dadas pelo nobre ministro da fazenda, e pelo illustre deputado que me precedeu, eu estou completamente de accordo com a opinião do meu illustre amigo o sr. Louzada.

A unica razão que até agora ouvi dar, é que esta disposição existia na lei de 19 de dezembro, e que não obstante esta disposição, na pratica, sempre se attendeu áquellas circumstancias extraordinarias e excepcionaes, que não puderam ser attendidas na lei, e a que o governo occorreu por deliberação sua; mas esta razão não basta para se ficar entendendo que a disposição do artigo não dará logar a contestações e duvidas. Portanto posto que haja uma disposição especial contida nos artigos da Carta Constitucional, posto que haja uma lei que designe quaes os palacios que são destinados para usufruicção do Rei, é certo que uma disposição tão generica, como aquella que contem o art. 3.º pode dar occazião a que um ministro da repartição competente, dado o cazo que preveniu o meu illustre amigo, entro na duvida se pode, ou não abonar, o pagamento de uma despeza extraordinaria e excepcional. Esta é que é a questão. Não se tracta de saber se as despezas se poderão fazer ou não; do que se tracta de saber é se havendo uma disposição desta ordem n'uma lei que se queria cumprir, estará nas attribuições dos ministros abonar essas despezas; se poderão fazel-o; em virtude deste art. 3.º da lei que se discute.

Mas ainda entro em outra duvida depois das explicações do sr. Santos Monteiro que disse que por esta lei se pertende unicamente satisfazer ao que determinam os art. 80.º e 81.º da Carta Constitucional. De que tracta o art. 80.º? Tracta da dotação correspondente á alta dignidade do Rei e da Rainha Sua Esposa. E de que tracta o art. 81.º? Tracta dos alimentos ao Principe Real e Infantes desde que nascem. Ora pergunto eu á camara — Os alimentos que vota por este projecto de lei aos Serenissimos Infantes são precisamente aquelles que hão de ter até chegarem á sua maioridade ou até cazarem? — (O sr. Santos Monteiro: Não) — Bem; assim me parece. Mas se assim é, permitta-me a illustre commissão dizer-lhe que a lei está redigida de uma maneira pouco clara, e parecia-me conveniente que dissesse — durante a sua menoridade ou até a maioridade — porque é impossivel que esta dotação tenuissima de dous contos de réis possa ser correspondente ás necessidades da educação e sustentação destas Augustas Personagens até á idade da cazarem.

Por isso digo — a lei de dotação fixa-se no principio de cada reinado, mas é necessario não fixar agora a dotação de Suas Altezas Reaes pelo meio que o está no art. 2.º; parecendo-me, portanto, mais conveniente que no artigo houvesse a clareza necessaria para tirar essas duvidas que possa haver, e para não se entender que a um Infante de Portugal até chegar a epoca da sua maioridade ou até cazar se hão de dar unicamente dous contos da reis; ideia que de certo não passou pela mente da illustre comissão nem da camara, mas que se deprehende pelo modo porque está redigido o artigo.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, esta lei contem duas partes especialmente distinctas — uma diz respeito á dotação do Rei Reinante — e outra regula os alimentos dos Serenissimos Infantes e Princezas. A parte que diz respeito á dotação do Rei Reinante e o cumprimento da disposição do art. 80.º da Carta. Quanto a esse ponto fixa-se alli no principio do reinado, aquillo que as cortes entenderem que é conveniente estabelecer para sustento e decoro do Rei. Em quanto á segunda parto que é o que diz respeito aos alimentos dos Serenissimos Infantes e Princezas, eu creio que esta disposição não tem nada com o principio do reinado, e por consequencia pode ser alterada para mais ou para menos (necessariamente ha de ser para mais) mas pode ser alterada ou modificada, porque não vai de encontro á Carta Constitucional.

Não é necessario por tanto disposição nenhuma n'uma lei ordinaria, em quanto á maioridade.

Pelo que toca, sr. presidente, ao modo de entender a lei, á duvida que apresentou o illustre deputado, e que vejo agora reproduzida pelo sr. Corrêa Caldeira, direi em primeiro logar que a discussão que tem havido na camara, era sufficiente para sustentar a disposição da lei. Mas quando não fosse bastante esta discussão para interpretar a lei, havia os factos occorridos desde 1834 até hoje, havia o reconhecimento de todos os governos, e o proceder de todos os parlamentos inserindo no orçamento do Estado, no artigo — obras publicas — uma verba destinada expressamente para concerto e conservação dos palacios reaes, edificios publicos, monumentos historicos etc., verba que tem sido sempre introduzida em todos os orçamentos, e vem nesta que tenho aqui presente: o que mostra que desde 1834 se tem interpretado a lei deste modo. Como, porém, desde que se promulgou a Carta Constitucional de 1825 ainda não houve senão um unico caso, em que fosse necessario fixar pelo parlamento a dotação do Chefe do Estado, que foi em 1834, o governo não tendo outra fonte mais competente para a disposição do seu projecto, do que aquella lai, a unica promulgada desta naturesa, copiou textualmente aquella disposição.

Parece-me portanto, sr. presidente, sobre tudo depois da discussão, depois da opinião, que tenho manifestado, e depois da opinião que tenho ouvido aos illustres deputados, que não poda haver nenhuma duvida sobre a disposição do art.º 3.º do projecto de lei que se discute.

Parece-me tambem que não ha inconveniente, em que esta disposição, se estabeleça: é uma garantia, e nada mais, de que nenhuma outra quantia, de qualquer natureza que seja, será applicada para as despezas da Casa Real: por isso entendo que não deve ser tirada do projecto de lei de 1853, quando foi consignada na lei de 1834. (Apoiados).

O sr. Silvestre Ribeiro: — Esta questão de dotação é uma questão de alta importancia. Dos argumentos que tenho ouvido para sustentar uma ou outra opinião, tenho eu abraçado a idea, de que devemos supprimir este art.º 3.º, e por isso levantei-me para sustentar a opinião do sr. Lousada, em quanto propoz a suppressão do referido artigo

Sr. presidente, disse-se que o citado artigo foi copiado textualmente da carta de lei da 19 de dezembro de 1834; mas qual foi a rasão porque tendo-se lá ido buscar aquelle artigo não se aproveitou tambem o art.º 3.º da mesma lei que diz assim (Leu). Se se entendeu que se devia ir buscar aquella disposição á lei da 19 de dezembro tambem devia aproveitar-se essa mesma disposição em todos as suas partes; por quanto ella tam um alcance muito importante.

Mas, sr. presidente apresentou-se aqui o argumento, de que devia conservar-se este art. 3.º unicamente como garantia de que senão ha da gastar mais, nem votar mais quantia alguma para a Casa Real, do que está determinado nos art.ºs 1.º e 2.º; ora estando isso já consignado nos dous primeiros artigos, nos quaes no estabelece o quantitativo das dotações é inutil o art. 3.º; ao mesmo passo que conservando-se a disposição do mesmo artigo, pode dar no futuro logar a duvidas, e duvidas que nos podem ser muito desagradaveis, attenta a generalidade dos termos com que se exprime a negação de abono de outras quaesquer quantias. Por consequencia, ou é inutil esta disposição, e menos respeitosa para com as elevadas personagens, que devemos sempre conservar illesas, a quem ella diz respeito, ou tem mais alcance, do que aquelle que deve ter.

Eu podia citar a este respeito a lei franceza, assim como a auctoridade do nosso distincto Publicista Silvestre Pinheiro, que até julgava que os art.ºs 80 e 81 da Carta deviam ser supprimidos, porque esta disposição era antes uma lei da fazenda. Todavia nós consideramol-os como constitucionaes.

Voto por consequencia pela opinião do sr. deputado Lousada.

O sr. Albergaria Freire: — Sr. presidente, eu não

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acho o negocio de tanta magnitude como a alguns illustres deputados parece: para mim, pelo contrario, esta lei é uma lei de rotina. Em todos os paizes constitucionaes é costume apresentarem os srs. ministros propostas de lei iguaes a esta; chama-se-lhe a lista civil, que é approvada ou reprovada pelos representantes do povo — por isso é lei de rotina e não lei de summa transcendencia e alcance.

Ora o 1.º e 2.º artigos deste projecto estão approvados; unicamente se tracta do artigo 3.º, isto é, se deve ser eliminado ou não. Eu entendo que não deve ser eliminado: a camara não deve ir além do pedido dos srs. ministros. O governo propoz como dotação a Sua Magestade a quantia de um conto de réis, e para os Serenissimos Senhores Infantes e Infantas os alimentos que julgaram actualmente serem necessarios; a camara votou: agora o que apresenta o art. 3.º? Uma explicação dos dous artigos antecedentes, e uma satisfação ao povo contribuinte, de que nenhuma outra despeza pode ser destinada para similhante serviço, além da que é aqui designada.

Entendo por tanto que a lei actual, já baseada em outras leis anteriores, approvadas e sanccionadas, deve ser cumprida na sua integra; e quando os srs. ministros entendam, que circunstancias extraordinarias exigem uma nova lista civil, como casamento etc., então se apresentarão essas leis, e serão approvadas ou não. Por em quanto entendo que o projecto deve ser approvado.

O sr. Corrêa Caldeira: — Eu, para poupar tempo á camara, devia ter cedido da palavra; mas dezejo notar o modo porque o artigo é defendido.

Disse-se que deve ir este artigo na lei, porque vinha na de 1834 — a isso respondo — mas vêde que essa disposição póde trazer inconvenientes. — Diz-se por outro lado — é verdade que a practica tem mostrado que o artigo é inutil —: mas vêde pois que isso que chamais garantia não foi garantia, porque se abonaram despezas além da disposição que estava estabelecida —: no entanto diz-se — conserve-se o artigo na lei; porque quando haja necessidade de novas despezas, hade-se providenciar a ellas. — Ora, a fallar a verdade, salvo o respeito que eu presto aos illustres deputados que defendem o artigo, parece-me que estas razões se destroem umas ás outras. Se como bem disse, o sr. Silvestre Ribeiro, os que sustentam o artigo por ser copiado da lei de 19 de dezembro de 1834, achassem que esta reproduzia todas as disposições daquella, ainda isto seria uma razão; razão má é verdade, mas em fim era uma razão. Porem, desde que o meu illustre amigo mostrou que se dá uma disposição na lei de 1835, que não vem nesta, já se vê que esta tem um alcance muito maior.

Entre tanto, sr. presidente, a camara decidirá como entender. Está demonstrado que o artigo, como garantia é inutil, porque na practica o proprio sr. ministro, concordou; que se tem apresentado de um modo diverso, como muito bem demonstrou o meu collega e amigo o sr. Silvestre Ribeiro, com a sisudeza e elucidação que o distinguem. Por tanto digo, que o artigo apresentado isoladamente tem inconvenientes graves, em quanto que a sua suppressão nenhum inconveniente tem.

O sr. Ministro da Fazenda: — Permitta-me o illustre deputado dizer-lhe, que o art.º 3.º, mesmo como garantia não se póde considerar inutil, porque não me consta se tenham abonado para despezas da Casa Real outras sommas, alem das estabelecidas na lei de 1834, a não ser para reparos e melhoramentos dos paços reaes: as côrtes não tem feito mais do que cumprir a Carta, isto é o art.º 85 que diz: (Leu) Logo está aqui estabelecido evidentemente o preceito, de que as côrtes hão de applicar uma somma destinada para construcção e reparo dos palacios, e quintas, destinados para decoro e recreio do Rei. Vê-se por tanto que não houve falta de garantia em inserir na lei a disposição do artigo.

Ora, sr. presidente, o inserir aqui a disposição do art.º 3.º não quer dizer que o governo copiou toda a lei textualmente da lei de 1834, e se os srs. deputados compararem verão que não é textualmente, nem póde ser, porque as circunstancias variam.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Se v. ex.ª me dá licença, eu me explico. — Eu tinha ouvido aprezentar aqui como garantia da disposição deste artigo do projecto o argumento, de que se foi buscar á lei de 1834 a disposição que lá está, textualmente copiada. Foi por isso que eu disse, que assim como copiaram aquelle artigo, porque não aproveitaram tambem a disposição da mesma lei, que dispõe, que a dotação em nada affecta a fruição dos palacios e quintas reaes? Por consequencia eu não disso que o governo havia copiado toda a lei textualmente.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, o governo copiou esta disposição da lei de 1834, porque entendeu que o artigo estava bem redigido; feito por homens que tinham entendido a Constituição, que a tinham protegido e defendido, e porque não havia aqui infracção dos preceitos constitucionaes. Foi essa a razão porque o governo inseriu este artigo da lei de 1834, porque lhe pareceu que estava redigido na conformidade do espirito da Carta, e que não alterava a sua letra.

Parece-me pois que a disposição do artigo, que se discute, em nada altera os preceitos da Carta: nem uma lei ordinaria póde alterar artigos constitucionaes. Por consequencia não vejo risco nem inconveniente algum em que a camara vote o artigo.

E pondo-se logo á votação a

Emenda do sr. Louzada — foi rejeitada.

Artigo 3.º — approvado.

Artigo 4.º — Idem.

O sr. Presidente: — Agora continúa a discussão sobre o adiamento do projecto n.º 80. O sr. Quelhas tinha proposto que este projecto voltasse de novo á commissão; sobre isto é que versa a questão.

O sr. Cunha Pessoa: — Sr. Presidente, em materias de adiamento ha constantemente duas interpretações diversas para vencer-se ou não o adiamento. Umas vezes vence-se o adiamento para nunca mais se tractar da questão, e é, para assim dizer, uma tatica parlamentar, que significa rejeição do projecto; outras vezes tem a verdadeira significação de adiamento, e importa uma dilação para se estudar o considerar melhor a materia. Se eu percebesse que este adiamento se tomava no segundo sentido, que era para se reconsiderar e estudar melhor a materia, eu o adoptava de todo o meu coração; mas pelas razões que se deram na camara para ser adiado o projecto, eu entendo que o que se pretende, é rejeita-lo.

A unica razão forte que eu ouvi, foi, que com este projecto tira-se todo o estimulo aos officiaes e executores da fazenda para fazerem a diligencia e intimarem os contribuintes a entrarem nos cofres do Estado com a collecta que lhes está repartida, e que tirado este estimulo, o desfalque nos rendimentos publicos será grande, o que importa uma contribuição lançada por outro lado. Esta razão é forte, mas é razão de mais. Por este modo nunca se tractaria de emendar o orçamento nem de tocar em leis do Estado de que resultasse diminuição na receita publica; mas eu tenho visto por differentes medidas, e em larga escala, principalmente durante o actual ministerio, tocar-se em sommas exorbitantes do rendimento do estado, de modo que o tem diminuido a um ponto tal que mette susto: por tanto, sr. presidente, esta razão prova de mais. Para mim é um axioma em materia de contribuição, que a maior parte das vezes a importancia della não é tão vexatoria, não é tão onerosa aos contribuintes como é o modo de ella ser arrendada (Apoiados): muitas vezes um cruzado, oito tostões, um quartinho bem se póde pagar, e o que é vexatorio é que por um cruzado de collecta se paguem 8 e 12 mil réis de custas (Apoiados); isto tem acontecido tantas vezes, e eu tenho tanta experiencia com que possa abonar a minha asserção, que considero que é um mal publico que carece de remedio prompto (apoiados). Allega-se, e contrista de algum modo, que um official publico perca a jornada de um dia para fazer um aviso ou uma intimação, e não vejo que se pondere que muitas vezes por dois tostões, por um cruzado se obriga o contribuinte a vir a distancia de tres e quatro legoas á cabeça do concelho, e a perder um dia ou dois só para lhe arrecadarem a collecta (Apoiados)!

Por consequencia, presidente, é preciso conside-

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rar este objecto por todos os lados. Seria muito conveniente que se admittisse á discussão este projecto, porque se a sua materia tem inconvenientes practicos, póde ser que alguns meios se suscitem que tenham menos inconvenientes; mas despreza-lo, por modo nenhum. (Apoiado) Eu não estava presente quando por outras vezes se discutiu este projecto, porque elle já veiu mais de uma vez á discussão. (O sr. Pinto de Almeida: — Tres vezes). E para mostrar que a materia não está esgotada e alguma cousa se poderia fazer em beneficio publico, seja de ricos seja de pobres, porque os legisladores attendem a todas as classes e sempre com a balança da equidade e da justiça na mão, sem odio para uns, nem favor para outros; páre mostrar que esta materia não está de todo esgotada e que talvez se podesse adoptar uma medida que, sem prejudicar os officiaes publicos, que tem de fazer estas intimações, nos seus interesses, alliviava muito os contribuintes do vexame que resulta do modo de arrecadação, eu lembraria que se poderia conseguir o fim das intimações mesmo administrativamente, visto que tambem ha execuções administrativas, assim como as ha judiciaes. Nestas execuções administrativas o seu maior peso consiste nos avisos e intimações que se fazem aos contribuintes para que venham pagar; a quota é, por exemplo, de outo tostões ou um quartinho, mas juntando lhe as penhoras e repetidos avisos, e umas certas cousas que não vem na lei, mas que apparecem sempre feitas, a execução monta aos taes outo mil réis. Tudo isto talvez se evitasse se os contribuintes fossem avisados por via dos regedores e cabos de policia, deste modo não havia prejuiso para os officiaes publicos, nem tambem os contribuintes eram vexados com custas exorbitantes. Por isso, torno a dizer, esta materia em si é grave, merece os cuidados da camara, e os povos hão de bemdizer toda a medida que os livrar de um vexame como aquelle que hoje soffrem: só quem vive nas provincias, quem vive nas freguezias ruraes é quem sabe como se cobram estas dividas; e são estas medidas taes que fazem bemdizer dos ministerios que as adoptam, e das camaras que as legislam. Acabo como principiei. Se o adiamento tem por fim abandonar a materia e rejeitar o projecto, voto contra elle; se a intenção do sr. ministro da fazenda é promover na commissão uma medida mais conveniente para remover os vexames que traz a lei actual, eu apoio decididamente o adiamento.

O sr. Quelhas: — V. ex.ª faz favor, em satisfação ao illustre deputado que acaba de fallar, de mandar lêr a minha proposta de adiamento? (Leu-se).

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, eu ouço sempre com muita attenção e respeito as opiniões do illustre deputado; mas permitta-me s. ex.ª observar-lhe que o projecto cujo adiamento se discute, mostra é verdade o sentimento de um mal, porém que a medida nelle proposta não cura esse mal, nem o remedêa o alvitre lembrado pelo illustre deputado.

Pois será diminuindo o interesse dos exactores da fazenda publica que os vexames hão desapparecer? Mostrará este projecto um exame serio da questão? Parece-me que não: parece-me que outros meios mais adequados haverá de que se possa lançar mão, e que, aquelle que o illustre deputado propõe, de certo não remediará o mal que s. ex.ª quer evitar.

Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que o ir alterar-se uma lei que, póde tocar consideravelmente coma materia da receita publica, não é cousa de tão pouca consideração, nem tão improcedente, como a s. ex.ª parece. O illustre deputado disse que a vingar este principio não se podiam alterar os orçamentos nem muitas outras leis. Sem duvida que este principio não é um veto, mas é uma razão para se não proceder menos reflectidamente sobre um negocio de tamanha magnitude, como é a cobrança dos rendimentos publicos.

Ora o mesmo illustre deputado disse que se lera tomado muitas providencias e adoptado muitas medidas, principalmente pelo ministerio actual, nas quaes se tem diminuido a receita publica a ponto de fazer estremecer: Saiba porem o illustre deputado que a razão que ha para estremecer, é que quando o actual ministerio entrou para o poder havia uva deficit de 790 e tantos conto?, e hoje não ha deficit. O illustre deputado que é muito competente, se for examinar a questão de fazenda, hade de certo conhecer que o estado da nossa fazenda é hoje muito mais prospero, do que era a algum tempo atraz; e se effectivamente se tem tomado providencias que tem diminuido a receita publica, outras se tem igualmente tomado que a tem augmentado. Ora quando mesmo fosse exacta a hypothese do illustre deputado; quando a receita publica tivesse diminuido a ponto de estremecer, parece-me que era isto uma razão de mais para o illustre deputado não querer diminuil-a. Pois suppunhamos que se tem reduzido muito os rendimentos publicos, havemos de ir reduzil-os ainda mais? não me parece que o illustre deputado nisto seja muito coherente.

Sr. presidente; não duvido que os contribuintes sejam muitas vezes vexados: o estado da nossa cobrança não é perfeito, nem das mãos dos homens sáem cousas tão perfeitas, mas é um facto que a cobrança publica tam effectivamente melhorado, nem me parece que para se remediar essa imperfeição que ainda exista, se deve adoptar um meio que póde comprometter gravemente a receita do estado: matar o vexame, matando a receita não acho que seja muito bom: e o projecto que se acha em discussão, póde acabar o vexame, mas tambem tende a acabar com a receita. E então o que me parece necessario, é adoptar as providencias que pareçam mais proprias para se diminuirem os inconvenientes que se notam em muitas localidades; sem que ao mesmo tempo se diminua a receita publica.

Mas note o illustre deputado que, segundo a legislação moderna, segundo as disposições do decreto de 10 de novembro do 1849 os cofres estão abertos durante um certo espaço de tempo, em que é licito aos contribuintes irem pagar, e quem vai pagar não soffre vexames, nem tem que pagar custas: chega-se porém a uma certa época, o contribuinte não tem pago, relaxa-se a execução. E não digo que d'ahi não venham vexames, mas se os povos forem pagar no tempo proprio, já se não dão os inconvenientes que o illustre deputado notou.

Acho tambem inutil a pergunta do illustre deputado, se o governo tem ou não tenção de remover os inconvenientes que se dão na cobrança dos fundos publicos? Por que o illustre deputado hade convir comigo, que nem este governo, nem nenhum outro, tem interesse em vexar os povos: o governo pois, está na intenção de versa é possivel remover essas inconvenientes; mas é preciso estudar a questão, porque, melhorar a cobrança sem arriscar a receita, não é uma cousa tão facil como á primeira vista parece.

Por tanto, sr. presidente, em vista das rasões que acabo de expôr, concluo dizendo que me parece conveniente que este projecto volte á commissão, a fim de ser estudado e detidamente meditado, para ver se é possivel apresentarem-se meios mais efficazes, que sem comprometter a receita do estado, removam os inconvenientes que se dão.

O sr. Cunha Pessoa: — Os meus desejos são certamente iguaes aos do illustre ministro da fazenda; só divergimos no methodo de elles se realisarem. O illustre ministro entende que basta mandar este projecto para a commissão; e eu entendo que era melhor, e mais facil tractar a questão na camara: a commissão já estudou o projecto e os seus membros já formaram sobre elle a sua opinião, é por conseguinte, não entendo que seja conveniente mandal-o encerrar entre quatro paredes.

Já apontei, sr. presidente, um meio de remediar estes vexames que os povos soffrem, mas vou apresentar ainda outro, e por isso é que eu desejava que o projecto entrasse em discussão, e que a illustração da camara se occupasse delle. Estoutro meio que vou apresentar, tem a seu favor a experiencia de seculos, e vem a ser encarregarem-se desta cobrança cobradores das freguezias, isto é, cobrar-se como se cobrava antigamente. — Hoje gastam-se talvez 200 contos para se receberem 1:000 ou 1:200 contos de impostos directos, quando antigamente esta cobrança custava talvez 20 contos.

Venha pois o projecto á discussão. A materia que elle

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encerra, é digna de ser tractada pela camara; e se a camara não se quer occupar deste assumpto, é porque entende que ou elle não o merece, ou porque tem em menos conta os veremos que os povos estão soffrendo. Desejava que sobre o projecto se pronunciassem os illustres deputados, e que depois se adoptasse aquillo que fosse mais conveniente, e não que elle se remetesse novamente á commissão para nunca mais apparecer.

O sr. Silvestre Ribeiro: — Sr. presidente, o illustre deputado que me precedeu, estabeleceu proposições excellentes, e optima doutrina, as quaes seriam muito bem cabidas se se tractasse da questão geral do aperfeiçoamento da cobrança dos impostos, ou da reforma do systema de fazenda. Se em tal terreno estivesse a questão, concordaria com o illustre deputado; mas mui diverso é o caso.

Sr. presidente, se o projecto em discussão tivesse o caracter de generalidade que pretendeu dar-se-lhe, isto é, de melhorar a cobrança dos impostos, e aperfeiçoar o systema tributario, teria eu muito prazer em o approvar desde já, votando contra o adiamento, que aliás para mim, é uma questão muito secundaria. Voto, sim, pelo adiamento, por isso que o propuzeram; mas essencialmente quero muito mais do que isso, e vem a ser, rejeitar o projecto por insustentavel (Apoiados).

Um illustre deputado por Coimbra observou, que o projecto era destinado a favorecer os contribuintes pobres, os contribuintes que pagam pequenas quantias; mas já se observou que tambem ha contribuintes ricos, e em avultado numero, que pagam pequenas quantias, e por isso o projecto não aproveita sómente aos pobres, mas sim, e muito, aos ricos.

Sr. presidente, o que o projecto tem por infallivel, é tornar d'ora em diante mui difficil, senão inteiramente impossivel, a cobrança, como judiciosamente ponderou a commissão de legislação no parecer que accompanha o da commissão de fazenda.

Chamo pois a attenção esclarecida do illustre deputado que me precedeu, sobre se será possivel tomar como base de uma discussão geral ácerca do melhoramento da cobrança dos impostos, e systema de fazenda, um artigo que se limita a estabelecer, que as custas dos processos nas execuções administrativas nunca excederão o capital da divida exequenda?

S. ex.ª parece que já de antemão condemnou o projecto, quando se lembrou de aventar alguns arbitrios para melhorar a cobrança dos impostos, no interesse dos contribuintes das classes pobres, ou das freguezia ruraes. S. ex.ª lembrou a conveniencia de serem esses contribuintes avisados pelos regedores e cabos de policia, e o restabelecimento dos cobradores nas freguezias. Esses arbitrios, sr. presidente, e outros que lembrariam em uma discussão, que tivesse por base um trabalho geral, poderiam ser efficazes, e produzir o resultado do conciliar os interesses da fazenda com os dos contribuintes, como s. ex.ª muito louvavelmente disse querer. A indicação, porém, desses arbitros, e a simples lembrança que teve o illustre deputado de serem necessarias providencias estranhas á do projecto em discussão, mostram que s. ex.ª mesmo reconhece a insufficiencia do projecto.

Sr. presidente, de duas uma, ou os contribuintes podem pagar e não pagam a tempo por não quererem, ou carecem absolutamente dos meios de satisfazerem o seu debito: no primeiro caso é justo que soffram a pena da sua repugnacia; no segundo póde ter cabimento a commiseração do governo fazendo averbar de falhas as verbas competentes. Quaes são as leis que regulam o objecto de que se tracta? São os decretos de 13 de agosto de 1844, e instrucções de 10 de dezembro de 1845. Chamo a attenção da camara sobre o meio providente porque estas ultimas preenchem as conveniencias dos contribuintes no que toca ás prescripções do pagamento. O art. 10.º desses instrucções particularmente fixa os salarios dos funccionarios administrativos nos processos em questão, e nelle se regula com todo o desenvolvimento esta parte da cobrança dos impostos, que dá logar ás custas.

Desejo profundamente favorecer as classes pobres, e nesse empenho me será sempre muito grato fazer todos os esforços possiveis; mas por certo não é pelo projecto em discussão que tão louvavel fim se consegue. Tambem tenho todo o empenho em não enfraquecer a acção governativa porque será muito prejudicial aos interesses da sociedade, que o governo encontre tropeços na cobrança dos rendimento?, que constituem a receita publica, sem a qual não póde acudir ás necessidades da nação. O projecto em discussão, sr. presidente, tende a difficultar a cobrança dos impostos, favorecendo os ruins pagadores, como já se disse, o mesmo para não dar logar a que os ministros possam vir dizer, que a receita publica foi paralisada em consequencia da relaxação a que as providencias legislativas levaram os contribuintes. Entendo pois que deve ser melhorado o systema de arrecadação dos impostos; que devem ser alliviados o mais possivel os contribuintes, e muito particularmente as classes pobres, como pareça ser a intenção do projecto; mas elle não preenche esse fim, e é muito apoucado e insufficiente. Ora se debaixo deste ponto de vista o projecto devia ser considerado como inutil, por outro lado tem o inconveniente de embaraçar a arrecadação dos impostos, com grave prejuiso dos interesses da nação.

Voto pois pelo adiamento, porque espero que voltando o projecto á commissão, esta procurará apresentar á camara um trabalho, que tenda a melhorar o systema da arrecadação dos impostos, e a favorecer realmente os contribuintes de todas as classes.

O sr Albergaria Freire: — Sr. presidente, a questão que actualmente occupa a camara — se deve ou não voltar á commissão o projecto em discussão — é importantissima. Não ha duvida que os povos soffrem, e soffrem muito, pelos vexames das auctoridades administrativas nas execuções, porque muitas vezes são obrigados apagar muito mais do que aquillo em que são collectados; ás vezes sete, oito, dez e vinte vezes mais do que importam as suas collectas. Mas a camara não pode abruptamente tomar uma medida sobre este objecto, que é altamente, transcendente, e que precisa de muita practica. Tenho alguma experiencia deste negocio, e por isso entendo que não é possivel fazer-se por um rasgo de penna, como vejo lançado no projecto em questão, porque não se remedeiam todos os males que pezam sobre os contribuintes. É verdade que nós temos obrigação de zelar os interesses dos constituintes, mas tambem temos obrigação de zelar a boa arrecadação dos dinheiros publicos, e não pudemos tomar medidas sobre este importante objecto sem as accompanharmos de todos os esclarecimentos necessarios, que facilitem a boa arrecadação, e ensinem aos contribuintes o modo practico de apresentar o dinheiro nos cofres publicos com menos gravame para elles. Não ha duvida que nos temos achado n'um estado provisorio e não admira que hoje os impostos se não cobrem com tanta facilidade como se cobravam antigamente, porque então pagava-se o dizimo, sendo mais pequeno do que hoje é o tributo da decima, e alem disso havia o remedio da cadêa, remedio de que hoje senão pode lançar mão (Apoiados). Eu sou desse tempo, e todos sabem, sr. presidente, o respeito que então se tinha aos juizes de fora. Carece-se de providencias estudadas. Um dos meios é a regularidade de lançamentos, e affixação dos prasos para a cobrança, trabalho este que ainda não está completo (O sr. Rivara: — Tudo está feito). Bem; eu não sabia. Entretanto parece-me que o adiamento deve ter logar, para que o projecto volta á commissão, devendo esta colher todas as informações e dados necessarios, a fim de propôr uma medida que remedeie todos os inconvenientes, e evite os incommodos que soffrem os contribuintes pelos vexames dos exactores, e irregularidade dos lançamentos.

E pondo-se logo á votação a

Proposta de adiamento do sr. Quelhas — foi approvada.

O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Hoje foi distribuido o parecer n.º 123 da commissão, especial de que tenho a honra de fazer parte. Não está dado para ordem do dia, e ainda que v. ex.ª o dê, não sei se haverá tempo para ámanhã se discutir antes do encerramento. Ora no parecer propõe-se uma alteração na forma da publicação das sessões, a contar do primeiro de janeiro em diante, e se se não tomar alguma resolu-

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ção, pode continuar o estado actual, que me parece que a camara toda quer mudar (Apoiados). Como pois é provavel que não haja tempo para se discutir o parecer, farei um requerimento por parte da commissão, para que do primeiro de janeiro em diante, se não faça a publicação das sessões no Diario da Camara, sem que primeiramente seja approvado o parecer n.º 123. Desta resolução não vem transtorno algum se se attender a que os primeiros dias da sessão do mez de janeiro, hão de ser de muito pouco trabalho, e ha de resultar economia. Por tanto mando para a mesa o seguinte

REQUERIMENTO — Requeiro que até á discussão do parecer n.º 123, se não faça a publicação do Diario da Camara do primeiro de janeiro em diante. — Santos Monteiro.

O sr. Presidente: — Este requerimento é de sua naturesa urgente, e por isso vou submettel-o á decisão da camara.

Foi admittido — E logo approvado.

O sr. Silvestre Ribeiro: — (Sobre a ordem) Desejava saber, se se tinha remettido ao sr. ministro do reino a minha nota de interpellação ácerca do estado da ilha da Madeira.

O sr. Presidente: — Foi logo expedida.

O sr. Ministro da Fazenda: — Parece-me que effectivamente o meu collega recebeu a nota da interpellação a que se refere o illustre deputado: e se ha pouco se retirou da sala, foi por não prevenir que o illustre deputado quizesse verificar a sua interpellação que não tinha sido dada para ordem do dia.

O sr. Vellez Caldeira: — (Sobre a ardem) Peço que sejam remettidas á commissão todas as propostas que houve na primeira discussão, relativamente ao projecto que acaba de ser adiado.

O sr. Presidente: — Far-se-ha remessa á commissão de todas as propostas que haja sobre esse projecto.

Como a camara já sabe, ámanhã ás duas horas da tarde encerra-se a sessão, e por consequencia só até as duas é que póde funccionar, o mais que poderá fazer-se então, será o expediente e um outro objecto que lembrarei, mas não sei se a camara quererá occupar-se delle.

Segundo a lei de 8 de junho de 1843, a junta do credito publico compõe-se de diversos membros, um dos quaes é eleito pela camara dos deputados. Esta lei manda vigorar a de junho de 1837, em tudo que se não oppuzer á de 1843; e nessa de 1837 determina-se que na primeira sessão de cada legislatura, depois da junta do credito publico ter apresentado as suas contas, se proceda á eleição desse membro. Até aqui não se tem podido satisfazer a este preceito daquella lei, porque ainda não tinha chegado á camara o recensamento dos elegiveis para a junta do credito publico, que provavelmente não tem sido mandado, por isso que, havendo uma proposta de lei apresentada, que altera esse recenseamento, está se á espera do que se resolve sobre este objecto. Esta lei já foi approvada ante-hontem, e hontem submettida á sancção real, mas ainda não pôde publicar-se: entretanto para satisfazer a disposição da lei, a unica cousa que dou para ordem do dia é a eleição do membro da junta do credito publico, que a camara decidirá se se póde eleger. Está levantada a sessão. Eram tres horas e meia da tarde.

O 1.º redactor.

J. B. Gastão.

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