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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Sessão de 15 de Janeiro de 1836. (*)
Vinte minutos depois da uma hora abriu o Sr. Vice-Presidente a Sessão.
O Sr. Secretario Machado fez a chamada, e verificou estarem presentes 39 Dignos Pares, faltando 10, e 4 destes com causa motivada.
O Sr. Conde de Villa Real participou que o Digno Par Conde de Terena o encarregára de participar á Camara, que por se achar doente não tem ainda concorrido a tomar assento. — Ficou inteirada.
O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu a Acta da precedente Sessão, que foi approvada sem reclamação.
O Sr. Vice-Presidente: — A Deputação encarregada de levar á Presença de Sua Magestade a Resposta desta Camara ao Discurso do Throno, se reuniu hoje pelo meio dia no Paço das Necessidades; e sendo ahi recebida com as respectivas formalidades, foi introduzida á Presença da Mesma Senhora, então eu recitei a mencionada Resposta. (É como se segue.)
Senhora: = «A Camara dos Pares do Reino ouviu com a mais séria attenção o Discurso, que Vossa Magestade ha poucos dias proferiu do alto do Throno na presença das Côrtes da Nação; e não póde deixar de agradecer a Vossa Magestade a solemne declaração que nelle faz, de que muito ama aos Portuguezes, e de que se ha votado á sua felicidade, declaração da qual toda a continencia do Discurso não é mais que o desenvolvimento, pois que por ella se conhece com quanto ardor Vossa Magestade se empenha no bem e felicidade da Nação, que tem a gloria de estar sujeita á Sua maternal sollicitude.»
«A Camara desejando seguir passo a passo as idéas por Vossa Magestade enunciadas, entendeu que devia cobrir com o véo do silencio os tristes acontecimentos, que no principio e progresso das duas passadas Sessões enluctaram o Piedoso Coração de Vossa Magestade, e o de todos os Portuguezes; mas, Senhora, o silencio não é esquecimento; e nunca esta Camara perderá a memoria do muito que deveu a um Principe generoso, e do muito que esperava de outro Principe excellente, que o Ceo nos roubou apenas dado.»
«É reconhecida por Vossa Magestade, e ninguem ignora a necessidade de dar á Carta Constitucional da Monarchia um andamento regular e uniforme, por meio das Leis regulamentares, que o bem dos Povos altamente reclama. Algumas se fizeram nas passadas Sessões, outras restam ainda por fazer: e como a pratica é a que dá a conhecer os inconvenientes que se seguem de theorias as mais bem assentadas, algumas deverão ainda ser reformadas. A Camara dos Pares usará pela sua parte da iniciativa, que a Carta lhe concede, prudente e desapaixonadamente; e nas Leis novas que propozer, ou naquellas que emendar, terá só á vista o bem dos Povos, e a felicidade futura dos Portuguezes.»
«Os Relatorios dos Ministros de Vossa Magestade nos farão conhecer, assim o estado da publica administração em todos os seus ramos, como as necessidades dos Povos; e dessas informações se ajudará a Camara para dirigir com o maior proveito os seus trabalhos.»
«Ella espera que sejam cabalmente prehenchidos os desejos de Vossa Magestade, ácerca dos Systemas Administrativo, Judicial, Ecclesiastico, e de Fazenda. Convém fixar a administração civil, que tem sido objecto de varios Decretos, e providencias incompletas, sem que os Povos por isso tenham podido apreciar as vantagens, que resultam da separação dos actos de administrar, e julgar.»
«O estado da Igreja Lusitana merece sem dúvida a mais séria attenção: Vossa Magestade a reclama, a Camara lha prestará; pois bem conhece quanto a usurpação passada, e os resultados della, ainda debaixo do Governo Legitimo de Vossa Magestade, o tem perturbado. É já tempo de o consolidar, mantendo pura e illibada a fé de nossos pais, inspirando aos Povos os principios da moral christã, que é o que mais póde concorrer até para a sua tranquillidade externa, e restaurando a disciplina com tal reflexão e cautela, que não saiam mais dos seus limites os direitos do Sacerdocio, e do Imperio.»
«Muito ha ainda que fazer para que o curso da Justiça produza o rigoroso effeito desta divina virtude, dando a cada um o que é seu, segurando aos litigantes o seu direito, e a todos a propriedade, garantida na Carta em toda a sua plenitude. A Camara entende, que isto só se póde conseguir quando a ordem do Juizo fôr clara, fixa, e permanente, sem estar sujeita a continuas oscillações, e quando os Juizes conservarem aquelle equilibrio de animo, que é tão necessario para os que administram a Justiça.»
«Ainda amais se estendem os desejos de Vossa Magestade, e se estendem tambem os desta Camara. Seja a força terrestre e naval bastante para a segurança do Estado, e para causar respeito a quem ouze ataca-la: vivam os Povos dos Dominios Ultramarinos em paz e tranquillidade, e contribuam com o seu Commercio, e com as suas luzes, não só para a sua propria prosperidade, mas tambem para o augmento e esplendor da mãi Patria: floreça sobre tudo a nossa definhada Agricultura, e Commercio, e a quasi moribunda Industria; e possam estes verdadeiros mananciaes da riqueza publica, manejados com uma sobria, mas não mesquinha economia, fazer equilibrar em pouco tempo a receita do nosso Thesouro com a sua despeza, ficando regulados os encargos dos Povos pelas faculdades destes, e dando-se aos que servem a Nação os meios necessarios para viverem n'uma honesta independencia.»
«Conte Vossa Magestade com a cooperação franca e leal desta Camara para todas as providencias, que possam ser conformes a tão justos desejos.»
«A Camara experimenta um vivo prazer na continuação da paz deste Reino com as outras Nações; e acompanha a Vossa Magestade, não só no desejo e na esperança de que as nossas relações com as Potencias Amigas e Alliadas da sua Corôa se estreitem pelos laços de uma permanente amizade; mas de que as outras, e especialmente aquella á qual nos devem unir os vinculos politicos e religiosos, tornem a abrir comnosco reciproco trato e communicação, e reconheçam a justiça e moderação do Governo de Vossa Magestade.»
«Não menos interessada na paz e tranquillidade de toda a Peninsula, e em que se mantenham as relações estreitas, que nos ligam com as Potencias que assignaram o Tratado da Quadrupla Alliança, a Camara espera que o Governo de Vossa Magestade seja fiel á execução daquelle Tratado; e deseja que as Armas Portuguezas, executando as Ordens do Vossa Magestade, contribuam para a pacificação da Hespanha, salva a paz e segurança domestica; acabando em breve tempo a guerra civil, e os seus funestos estragos, que tanto tem opprimido estas duas heroicas Nações.»
«Senhora, os votos da Camara pela estabilidade não só do Throno, mas da Dynastia de Vossa Magestade, estão perfeitamente preenchidos. Ella os exprimiu no fim da passada Sessão, ainda coberta de lucto pela perda que acabava de experimentar; Vossa Magestade os acolheu benignamente, e no principio desta Sessão nos annuncia o seu complemento. Graças a Vossa Magestade pelo interesse que tomo pelo bem da Patria; e esta Camara, em que exite parte da Representação Nacional, não póde deixar de felicitar cordialmente a Vossa Magestade por tão fausto acontecimento, e de augurar no feliz Consorcio de Vossa Magestade com Sua Alteza Real o Principe Dom Fernando Augusto, Duque de Saxonia Coburgo-Gotha, a felicidade domestica de Vossa Magestade, a união sincera de opiniões e affectos entre todos os Portuguezes, e a dita e boa ventura da nossa amada Patria.»
«O Ceo cumpra tão feliz agouro: elle conceda a Vossa Magestade dilatados annos de Reinado, para gloria do seu Povo; e tenha esta Camara a satisfação de coadjuvar a Vossa Magestade na nobre empreza de promover o bem do Estado; ella jura no altar da Patria perpetua fidelidade a Vossa Magestade, e á Carta, assim como já a tem jurado no altar da Religião.»
Ao qual Sua Magestade se dignou dar a seguinte Resposta:
«As expressões que a Camara dos Dignos Pares do Reino por vós me envia, em resposta ao Discurso que ás Côrtes dirigi na abertura da presente Sessão Legislativa, não só me lisongeia sobre maneira por vêr apreciados pela Camara os meus sentimentos para com a Nação, mas porque a concordancia das idéas da mesma Camara com as do Throno, me affiançam a existencia daquella harmonia entre os Poderes do Estado, sem a qual a prosperidade publica não póde existir, nem consolidar-se.»
A Camara resolveu que a Resposta de Sua Magestade fosse na sua integra inserida na Acta.
O Sr. Secretario Machado leu uma Representação da Camara Municipal de Lamego, contra o Decreto que transferiu a séde do Governo Administrativo daquella Cidade para Viseu. — Passou á Commissão de Administração interna.
Estando presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, teve a palavra, e leu o Relatorio do Ministerio a seu cargo; o qual se remetteu ao Archivo.
O Sr. Barão de Renduffe (Relator da Commissão de Legislação) apresentou o Parecer acerca da Proposição da Camara Electiva so-
(*) A discussão desta Sessão vai por extrato, em razão de versar sobre objecto de regimen interno da Camara, e fazer-se necessario adiantar quanto possivel a publicação de outras Sessões.
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bre ampliar-se, e declarar-se o artigo 8.º do Decreto de 23 de Novembro de 1831. — Mandou-se imprimir para entrar era discussão.
Na qualidade de Relator da Commissão interna, leu o Sr. Visconde de Vilarinho de S. Romão o Parecer della relativamente á Proposição da Camara dos Srs. Deputados sobre o modo de occorrer aos encargos das Camaras Municipaes. — Teve o destino do precedente.
ORDEM DO DIA.
O Sr. Conde de Lumiares, por parte de uma Commissão Especial, leu o seguinte Parecer.
A Commissão Especial encarregada de examinar a Proposição do Digno Par Conde da Taipa, que tem por objecto a prompta publicação dos trabalhos desta Camara, é de parecer que se adopte a referida Proposição em cada uma das suas partes, dando-se da mesma conhecimento ao Governo quanto ao 1.º e 2.º artigos. Em consequencia tem a honra de offerecer o seguinte Projecto para ser adoptado como resolução desta Camara.
Artigo 1.º Que as Sessões desta Camara, logo que se achem definitivamente redigidas pelo primeiro Tachygrafo, sejam enviadas á Imprensa Nacional, e inseridas no Diario do Governo do dia seguinte áquelle, em que ali forem recebidas.
Art. 2.º Que aos Proprietarios desta Folha seja levada em conta naquelle Estabelecimento a despeza que accrescer na impressão do Diario.
Art. 3.º Que o primeiro Tachygrafo seja encarregado de designar mais dous, a fim de trabalharem conjunctamente com os actuaes.
Palacio das Côrtes, 15 de Janeiro de 1836. = Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato. = Conde de Lumiares. = Polycarpo José Machado. = Conde da Taipa. = Visconde do Banho.
Não pedindo a palavra nenhum dos Dignos Pares, foi o Projecto posto á votação e approvado na sua generalidade.
Lido o artigo 1.º teve a palavra
O Sr. Visconde do Banho que, depois de ter feito ver o interesse geral que resultava da publicação dos trabalhos legislativos, passou a provar o interesse particular que provinha aos Membros das Camaras, de ficarem suas opiniões consignadas pela imprensa: trouxe como exemplo da sua ultima asserção os Diarios das Côrtes de 1820, e disse que a não serem elles, muitos dos Membros daquella Assembléa, cujas instrucções se calumniaram depois, teriam até sido processados a não permanecer aquelle testemunho das suas opiniões. Declarou que o que acabava de dizer de maneira alguma deveria entender-se com a Pessoa do Sr. D. João VI cujo coração era bem conhecido, e que fôra o abrigo dos Portuguezes que professavam as idéas liberaes. — Fallando depois da utilidade de que á publicação de que tratava o Artigo fosse immediata, fez algumas reflexões sobre o papel que, tem o titulo de Diario do Governo, mostrando que tem havido com elle muita contemplação, não podendo alcançar-se na passada Sessão, que as Sessões da Camara ahi fossem estampadas: accrescentou, que havia muita moderação da parte do Governo em ter tolerado isto, moderação que em sua opinião tocava na fraqueza. Concluiu votando pelo Artigo.
O Sr. Conde de Villa Real começou convindo com o precedente orador na utilidade da publicação das Sessões das Camaras: disse que pela experiencia do anno de 1826 o methodo agora adoptado lhe parecia o mais conveniente, é até economico; e tambem lhe parecia, que o Governo tinha os meios sufficientes para fazer com que as Sessões fossem impressas logo que enviadas pela Camara. Lembrou depois que fôra nas Côrtes de 1820, onde se resolvêra que as despezas das Secretarias d'Estado sahissem dos emolumentos dellas, uma parte dos quaes eram os lucros do Diario do Governo; e que por tanto não podia deixar de haver com os proprietarios delle alguma intelligencia sobre a inserção das Sessões, por trazerem uma grande despeza; que via pelo Projecto, que ora se tratava de effectuar essa intelligencia, e que por tanto approvava o Artigo.
Julgando o artigo discutido, foi posto á votação, e approvado tal qual.
Entrando em discussão o Art. 2.º teve a palavra
O Sr. Barão de Renduffe, principiou dizendo, que quando a Camara enviava para o Diario do Governo as suas Sessões, parecia a elle Digno Par, que lhe fazia um presente, por isso que as tem sem entrar nas grandes despezas que em outros paizes se fazem para similhantes acquisições; e que por tanto os proprietarios daquella folha, longe de exigirem qualquer indemnisação por esta inserção, deveriam mandar á Camara os seus respectivos cumprimentos. Mostrou depois que o artigo lhe parecia um tanto confuso relativamente ao abono da despeza em que nelle se fallava, e concluiu propondo que se deixasse isso á mesa.
O Sr. Freire seguiu esta ultima opinião, e fez algumas observações ácerca desta especie.
O Sr. Visconde do Banho observou ao penultimo Digno Par, que mesmo para um beneficio se verificar era necessario que a pessoa a quem elle é feito o quizesse receber; e por esta occasião lembrou que quoedem beneficia odimus, mas que não era tempo de entrar no vasto campo da moralidade. Reflectiu depois que á Commissão tinha occorrido encarregar disto ao Governo por lhe lembrar que elle tinha todos os meios á sua disposição, para que se alcançasse o fim desejado, até com mais economia. Concluiu que era indispensavel combinar todos os artigos de que se compõe o projecto, e que lhe parecia que tal combinação obstaria a muitas dúvidas faceis de sobrevir ao considera-las separadamente.
O Sr. Conde da Taipa disse que o motivo deste art. 2.º era o ter visto a Commissão que havia uma folha chamada = Diario do Governo = e que não era do Governo, mas sim dos Officiaes das Secretarias; de maneira que o Governo a este respeito, era como um Bispo in partibus, que tem o titulo, mas não a jurisdicção (Riso); que por tanto era necessario pagar a esses proprietarios o accrescimo de despeza que iam ter com as Sessões da Camara, visto que o Diario não pertencia ao Governo, mas sim a particulares.
O Sr. Conde de Villa Real observando que todos estavam concordes em que esta despeza se pagasse, mostrou ser mais conveniente que a mesa ficasse auctorisada para fazer esta, assim como o está para as outras despezas da Camara.
O Sr. Barão de Renduffe repetiu algumas das razões em que fundára a sua opinião; e julgando-se o artigo discutido, foi approvado, com a declaração de que o modo de o levar a effeito ficava encarregado á mesa. Sobre o Artigo 3.º disse O Sr. Barão de Renduffe que precisava saber quaes eram os ordenados dos Tachygrafos, e as condições com que serviam.
O Sr. Conde de Lumiares informou que na Camara actualmente só haviam dous Tachygrafos; o primeiro com o ordenado de 1.200$000 réis (em que entram 400 como Professor publico), e o segundo com o de 600$000 réis.
O Sr. Conde da Taipa disse que lhe conotava haver outro que queria ser empregado na Camara, e que quanto ao ordenado pertencia á Mesa propô-lo a Camara. — Fallou depois largamente mostrando que o numero de Tachygrafos é limitadissimo em Portugal, aonde esta arte apenas começa; e concluiu insistindo pela approvação da Artigo.
O Sr. Barão de Renduffe observou que quando pedira a explicação de maneira alguma queria tocar no numero, ou nos ordenados dos Tachygrafos; que pelo contrario entendia que se deviam admittir mais; entretanto que lhe parecia isso difficultoso pelos não haver, pois no anno precedente nenhum tinha apparecido para servir na Camara dos Senhores Deputados, mas que seria possivel ter-se formado algum de então para cá. Concluiu votando que a Mesa propozesse a este respeito o que lhe parecesse; e tanto a respeito do numero como dos ordenados.
O Sr. Visconde do Banho disse que approvando-se o Artigo a experiencia depois mostraria se os dous Tachygrafos que se propõem admittir são bastantes, ou se será ainda necessario um terceiro ou um quarto; e que então a Mesa o fará saber á Camara.
Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo 3.º approvado como estava.
O Sr. Conde de Villa Real pediu que a Mesa apresentasse uma relação dos empregados da Camara, com a declaração de seus ordenados. — A Camara conveio.
O Sr. Visconde de Porto Covo, mandou para a Mesa uma representação da Municipalidade da Villa de Azeitão, pedindo a discussão da Proposição sobre os meios de occorrer aos encargos municipaes.
O Sr. Vice-Presidente disse que o Ministro da Guerra o havia prevenido de que desejava ler o Relatorio da sua Repartição na Sessão seguinte; deu para ordem do dia Pareceres de Commissões e levantou a Sessão depois das tres horas e meia.