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neros de primeira necessidade e de maior consummo, com exclusão dos outros, pesam muitas vezes sobre o pobre, e não tocam no rico, arruinam a agricultura, e fazem encarecer a mão de obra. Eu provarei o que affirmo com alguns exemplos. — Em que se podem lançar estes tributos a não ser no vinho vendido ao ramo, no azeite, na carne, nos logares dos mercados, e nos transportes dos generos, como são os carros e as cavalgaduras? Se acaso se lançar um real em cada quartilho de vinho na Provincia do Minho, segue-se que importará por pipa em 2$000 réis, e um tal tributo é igual muitas vezes ao valor do genero, e poucas deixará de ser igual a 30 ou 40 por cento. Se o deitarem na carne, como se costuma, elle será causa das fraudes que se praticam por meio do contrabando, encarecerá um alimento dos mais salubres e necessarios, e fará gastar de preferencia o peixe que nos fornecem os estrangeiros. Se fôr no azeite ou n'outros generos que se vendam por miudo pesará unicamente sobre a gente pobre, e não sobre os ricos; porque estes não vão gastar das vendas; em fim se for imposto nos diversos vehiculos de commercio; carros, cavalgaduras, etc. elle perturbará o mesmo commercio, fazendo com que se não possa traficar em artigos de pouco valor, diminuirá a abundancia nos mercados, e acarretará comsigo a chusma de malsins, olheiros, avençadores e rendeiros, que são outros tantos flagellos da sociedade. Nem me digam que a Lei remedeia tudo; porque não são as Camaras que lançam estes impostos, mas sim uma respeitavel reunião dos mesmos contribuintes, e dos mais abastados destes, que tem todo o interesse de fazer bem ao Municipio, e a si mesmos. A isto respondo que uma tal razão seria boa se os conhecimentos de Economia politica estivessem bem derramados por toda a parte; mas infelizmente os Storkes, Simondes, Lays, Mills, Smiths, tambem os nossos Borges, e Barbozas adornam poucas livrarias: muitos irão votar nas assembleas de Conselho, que nunca ouvissem taes nomes, e alguns nem saberão ler nem escrever. Ora, se o prestigio favoravel aos tributos indirectos tem illudido tantos homens sabios, tantos homens de letras, por tantos seculos e por todas as Nações, de maneira que sómente agora as mais esclarecidas vão abraçando as contribuições directas, como deixarei de receiar, que a nossa gente, ainda infantil nestas materias, se não fira no agudo punhal que lhe entregam?
Senhores, as fintas e derramas, que são umas contribuições directas, e transitorias satisfazem a tudo, adoptam-se a todos os logares, a todas as fortunas, e a todas as terras; então que mais é preciso? Os Povos estão habituados ás fintas, elles as deitam para as suas festas, para as suas obras, etc. nem se diga que lhe tem repugnancia; pois tal asserção é destituida de prova: eu confirmei immensas durante a minha Prefeitura, e a Provincia que governei viveu sempre em paz e socego. Um ou outro caso de injustiça particular não póde destruir o que tem de bom este systema, e lá está na Lei o remedio das reclamações.
É quanto tenho a dizer sobre este assumpto; quanto ao mais parece-me bom todo o Projecto.
O Sr. Freire: — Foi neste Artigo, que a maioria da Commissão entendeu que não devia alterar a doutrina do que veio da Camara dos Srs. Deputados. Esta materia foi discutida na Commissão, e a maioria concordou nesta redacção além de outras razões, pela de que esta é provisoria, e só por um anno. — Quanto ao que disse o Digno Par, que os povos se fintavam por sua vontade, responderei ao Digno Par, que em quanto estive na Administração com a pasta do Reino, não houve dia em que eu não recebesse representações dos povos contra taes fintas, e até lhe poderia dizer, que mesmo do seu districto houveram reclamações, porém isto não vem ao caso, e eu não entro na questão: repito que a maioria da Commissão foi concorde nesta doutrina; e entendo que se isto se não adoptar ficamos como estavamos até aqui.
O Sr. Conde da Taipa: — O Digno Par que se oppôz a este Artigo, entrou na grande theoria das contribuições; e se entrassemos nessa materia seria necessario fallar muitas horas, porque sobre o assumpto se tem escripto milhões de volumes; mas em resumo, toda a contribuição é um mal, porque tira da algibeira de cada um o fructo de uma parte do seu trabalho. Entre tanto o Digno Par deu a entender que nas contribuições indirectas quem pagava era sómente o comprador: este principio não é exacto; e se ámanhã se lançar um tributo no vinho, o productor tambem o ha de pagar: isto só deixa de acontecer com os generos de primeira necessidade, e quando os salarios estão reduzidos ao estricto necessario; mas essa é a maior desgraça a que póde chegar uma Nação; isto é sempre que um homem não póde se não comer do que ganha, e que não produz mais do que é estrictamente necessario para conservar a vida: neste caso sim poderá acontecer o que disse o Digno Par, mas até ahi, não póde admittir-se a doutrina que estabeleceu; quer dizer, que os tributos indirectos são pagos pelo comprador; não é assim, porque tambem recahem no productor: por conseguinte eu não tenho duvida em que passe o Artigo como está redigido.
Além de que a contribuição directa é mais inquisitorial, porque para a estabelecer é necessario entrar no recenseamento das pessoas, e do que ellas tem no seu celeiro, e na sua adega, a fim de ser imposta com justiça; mas já se vê quanto isto é difficil, se não impossivel. Tambem merece consideração o que disse o Sr. Freire, por que realmente os povos tem muita difficuldade em pagar contribuições directas: quando se chega a casa de alguem a pedir um vintem recusa sempre paga-lo, mas quando esse mesmo individuo bebe um quartilho de vinho, não sente cinco réis que pague de mais, e julga que o vinho está mais caro. Isto é que se precisa examinar; isto é que é theoria, e não especulação, por ser a pratica reduzida a regra pela experiencia; portanto, em caso dubio, de qual das contribuições deveremos lançar mão? O povo paga a indirecta, e recusa pagar a directa; em tal alternativa, creio que não é difficil a escolha; e conseguintemente, deixemos o Artigo como a este respeito o propoz a Camara Electiva, isto é que as municipalidades com as pessoas que se lhes unem, usem daquillo que julgarem mais a proposito.
O Sr. Visconde do Banho: — Eu tambem apoio o Parecer da Commissão. Se fossemos agora tratar de principios de Economia Politica isso nos tiraria o tempo, e por isso o que digo é que approvo o Parecer da Commissão, porque vejo nelle um principio, e vem a ser, que em objecto de impostos a Carta deu á outra Camara a iniciativa, e de cujo principio se não póde prescindir; álem disto eu tenho outra razão, e outro principio meu, embora se diga, que as Camaras Municipaes podem abusar; embora ellas o façam; quando as Côrtes tiverem feito os seus deveres, os outros Corpos do Estado tambem hão de fazer o seu; devemos esperar que passe o tempo das exaggerações, e ainda que as aguas estão ainda turvas da tempestade que acabamos de soffrer, ha de com tudo haver um termo em que ellas ficarão claras; e então todos hão de olhar para as cousas com seriedade, e boa fé, e os males e abusos hão de forçosamente acabar. Eu tenho tido alguma pratica sobre o objecto de que tratâmos, e tenho reparado que os povos geralmente entendem mais o que lhes convém do que os outros, quando a questão versa sobre a imposição de collectas, ou tributos; em consequencia, se este tributo se estabelecesse com restricções póde ser que desagradasse, e que algumas Camaras se queixassem; e assim dando só todo o poder, nunca póde desagradar, tanto com a determinação que está no fim deste Projecto, de que esta determinação é só pelo espaço de um anno. Póde até servir para um ensaio, e então as Camaras se justificarão da applicação, e uso que fizeram. Em consequencia parece-me que não só pelo motivo de ser a iniciativa sobre impostos, privativa da outra Camara Legislativa, como pelo mais que expuz, se deve approvar o Artigo, e não convém alterar a ordem da discussão. — Lembra-me agora um caso acontecido com um Rei nosso, que perguntou a um seu Conselheiro, qual era a melhor occasião de lançar um tributo ao povo, e o Conselheiro respondeu, quando elle estivesse dormindo; parece que o tal Conselheiro alludiria aos impostos indirectos, e como muito bem observou o Sr. Conde da Taipa, que a occasião é aquella em que se sente menos. Parece-me que a Lei deve passar, attenta a necessidade della, e para que se não diga que nós demorâmos uma medida tão urgente para acudir ás despezas das Camaras Municipaes, mormente quando se enumera entre ellas a creação dos expostos, em cujo favor clama a voz da humanidade.
O Sr. Miranda: — Não entrei na discussão do Artigo, porque, o que diz respeito ás contribuições directas, ou indirectas, já por mim foi exposto na Camara dos Srs. Deputados, quando ali passou esta Proposição; não tornarei por tanto novamente na questão das contribuições, porque a julgo agora ociosa; e até porque muitas que parecem directas são indirectas e vice versa; deve por tanto olhar-se este negocio por outro lado, que é tambem aquelle por onde o olham os Economistas mais entendidos, quero dizer, examinando quaes são as contribuições menos pesadas a quem as paga. — Mas vejamos o que praticamente acontece com as contribuições indirectas. Se se impozer um real no vinho aquartellado, como ha de a municipalidade verificar quantos são os quartilhos de vinho que se vendem atavernados no seu districto? O resultado é entender-se o Escrivão da Camara com o taberneiro, e o povo pagar 100, de que só 50 entram no cofre das despezas do Concelho. É um principio da Carta, (e tambem de Economia Politica) que quando um Cidadão transita de uma para outra Provincia, não se ache deslocado, e como fóra de sua patria, e familia a que pertence: não deve por tanto pagar um imposto neste municipio, e outro naquelle. Liberdade de Commercio em toda a sua plenitude, assim como liberdade de industria, deve ser entre nós um principio invariavel. (Apoiado.) É segundo elle que devem calcular-se os impostos, e por esse motivo são preferiveis os directos, por serem proporcionados aos teres de cada um, como entre nós a decima; não porque ella esteja bem repartida, pois que a Lei geral, carece de outra pela difficuldade da sua execução, mas em fim conserva um tal ou qual principio de igualdade. Eu entendo que nós estamos discutindo um voto de confiança, que se quer dar ás municipalidades, e ainda que em geral eu receie muito destes votos, conformo-me com este, porque as municipalidades existem no meio dos povos, e os seus abusos não poderão ser excessivos; álem de que, a experiencia mostrará os inconvenientes da Lei, e até por que fico persuadido de que os meios que ella offerece não serão bastantes para os seus fieis, ao menos em alguns Concelhos do Reino; e mormente para atalhar á mortandade dos expostos, mortandade espantosa, e que horrorisa todo o homem philantropico, pois ainda ha pouco que de 900 crianças, que foram levadas á roda do Porto, em um anno, apenas chegaram vivas ao fim do anno 100! — Por todas estas considerações, voto pelo Artigo, como o propõe a Commissão.
O Sr. Visconde de Vilarinho: — Quando eu pedi a palavra, foi para dizer que o Digno Par o Sr. Conde da Taipa me não tinha entendido bem, ou eu me não expliquei com clareza. — Eu não disse que os tributos indirectos recaiam sómente na classe dos consumidores de retalho; disse que isso acontecia quando os generos de venda eram escassos; mas ao contrario tem logar quando são redundantes; pois então recahe todo o peso delles nos lavradores ou creadores desses generos. De qualquer destas cousas sempre se segue muito mal á Sociedade; por se arruinarem algumas classes della com os encargos e onus, que devem pertencer a todas com justa e rectissima distribuição. — Que argumentos são esses que se fazem contra verdades tão claras? Diz-se que vamos fazer uma experiencia por um anno sómente... Mas haverá alguma precizão de experimentar aquillo que é sabido e perfeitamente conhecido? — Assim se argumentou contra as emendas feitas nesta Camara á Lei das congruas dos Parochos; era provisoria — diziam —; mas essa triste e desnecessaria experiencia que se tem feito, tem sido um descredito para a Causa Constitucional.
Eu não voto a favor de uma cousa que julgo má, e por isso me reservo para declarar, e motivar o meu voto, se a Camara approvar o Projecto em discussão.
O Sr. Conde da Taipa: — O Sr. Freire, que deve saber algumas cousas de facto, melhor que outro Digno Par (por ter servido em um Ministerio onde recebia partes de todas as authoridades administrativas do Reino) disse ha inda pouco, qual era a repugnancia que em geral tinham os povos ás fintas, chegando em algumas partes a vias de facto, para as não pagarem: ora as fintas é uma contribuição directa sobre a povoação, e nestas cousas de contribuições deve entrar em grande parte o modo porque nellas se procede: é verdade, como diz o Sr. Miranda, que se os escrivães continuarem a avençar-se com os taberneiros, o po-