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vo pagará mais do que o Governo recebe; mas é indispensavel que se ponha nisso a maior cautella, para haver a menor differença entre o que sahe da algibeira dos povos, e o que entra nos cofres publicos; e se ficar metade pelas mãos dos escrivães, é evidente quanto a contribuição será mais pesada. Mas, porque ha de o escrivão fazer essas avenças? Porque não ha de a Camara Municipal vigiar as avenças, e não deixar isso nas mãos dos escrivães? Quanto ao que disse o Sr. Miranda relativamente á mortandade dos expostos no Porto; devo dizer-lhe: não me espanta a Statistica porque em toda a Europa, aonde houveram rodas de engeitados a mortandade é ainda maior. A roda dos expostos, é um engano em relação á vida das crianças. (Apoiado.) Algumas ha em que entram por anno dez mil, e apenas escapam seiscentas. Em S. Petersburgo, Londres, e outras Cidades houve dessas rodas; a mortandade era espantosa, e só se deu um remedio efficaz a esse mal, quando se entregou este ramo ás Juntas de Parochia: mas em toda a parte é horror, saber quantas crianças ali entram, e quantas chegam ao estado de puberdade, e estou persuadido que Portugal era onde havia menos mortes; isto pelo que tenho ouvido dizer, e se algum dia se tratar esta materia, eu o provarei trazendo aqui as Statisticas dos expostos de toda a Europa; mas essas medidas tem ainda de ser tomadas com vagar. Agora tratemos do mal presente; eu sei os vicios de todas as contribuições, mas é preciso acudir aos Concelhos, e acudir-lhe de qualquer modo. — Fizeram-se muitas Leis mal combinadas, que pozeram Portugal todo em confuzão, e isto devido a circumstancias, que era impossivel evitar. Lembrou-se um homem de legislar só, e sem concorrencia, e aproveitou para isso a occasião em que ninguem pensava se não em se defender dos miguelistas, que cercavam a Cidade do Porto, e da Lei natural da propria defesa, e o resultado foi a desordem, consequencia inevitavel d'uma cabeça só a legislar (ainda que fosse muito boa); de se legislar em um mez, a organisação completa de um estado social, alterando todos os usos e costumes; e de se escolher para isso um tempo de desordem e guerra civil, quando todos os publicistas recommendam, que nunca se intente alterar a legislação de um paiz, se não quando houver o maior socego. Neste estado de cousas é preciso ir remediando os males, mas seria loucura pretender tirar um estado da desordem, para o constituir na maior perfeição: é preciso fazer tentativas, ir melhorando, e depois com o tempo aperfeiçoaremos. É preciso mostrar aos povos que se tem os seus interesses a peito, e preciso acudir a este clamor das municipalidades com algum que nós julguemos remedio, e então com o tempo entraremos nas grandes questões de principios.
Julgada a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Vice-Presidente á votação o Artigo 2.º (da Commissão) e foi approvado tal qual se achava.
Passou-se a discutir o 3.º, que foi lido antes, assim como o correspondente da Proposição da Camara Electiva.
Teve a palavra; e disse
O Sr. Freire: — Sobre a ordem. — Aqui não houve alteração em materia, dividiu-se o Artigo em dois por motivos de Ordem; entre tanto se a Camara os quizer tornar a juntar não haverá nisso duvida.
O Sr. Visconde do Banho: — Sobre este Artigo 3.º que está em discussão pediria eu ao Digno Par Relator da Commissão que me dissesse, se não seria melhor que esta contribuição fosse imposta, segundo a verba do ultimo lançamento da decima, isto para evitar a desigualdade, que pode haver; posto que eu não concedo que os lançamentos da decima sejam feitos com toda a exactidão, entre tanto só por elle se pode impôr com mais igualdade esta contribuição. O lançamento da decima deve servir de unidade para a imposição desta nova contribuição. Talvez eu me não explique bem, ou com a clareza necessaria para que o Digno Par me entenda a fim de me poder dar alguns esclarecimentos sobre a intelligencia deste Artigo, porque eu já fui Provedor e Corregedor em duas Comarcas, e vi que ha sempre uma certa tendencia para que o Proprietario de fóra seja mais colectado, e deste mau espirito resulta sempre muita injustiça.
O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Muito estimo ter ouvido fallar o Digno Par que me procedeu: eu tinha tenção de propôr uma emenda a este Artigo, não só porque ha proprietarios que tem bens em muitos Concelhos, e teriam de pagar em todos elles sem tirar proveito algum; mas tambem porque no estado de comunicações em que se acha Portugal ficavam privados do beneficio do Artigo 4.º que diz (leu). Esta determinação para os Proprietarios que residem fóra do Concelho, a certa distancia, torna-se illusoria; pois quando quizerem usar deste recurso já tem expirado o praso; por tanto eu tenho a honra de propôr á Camara a seguinte emenda. (Leu-a e mandou para a Mesa.)
O Sr. Freire: — Este Artigo foi escripto muito de proposito com a declaração que nelle se acha exarada, para que na maior parte dos districtos quando se tratasse a questão relativamente a contribuirem os Proprietarios moradores fóra delles não se suscitariam repetidas duvidas a esse respeito, como mais de uma vez tem acontecido: por conseguinte o intento da Commissão foi dar a esta doutrina a maior clareza possivel, e se o Artigo não parecer ainda bem claro, convenho em qualquer outra redacção, com tanto que se obtenha aquelle fim, ou seja por meio da emenda do Sr. Visconde do Banho, ou por alguma outra que occorra. A doutrina da Commissão é que paguem os individuos que tiverem propriedades dentro no Concelho: mas a idéa suscitada relativamente ás collectas, é exactamente a redacção existente na Proposição da Camara dos Senhores Deputados: ora eu creio que o Artigo da Commissão é preferivel, por isso mesmo que está defenido no verdadeiro sentido deste imposto, por quanto a outra Camara falla na proporção deduzida no lançamento da decima e maneios; comtudo isto poderia fazer com que além da contribuição dos predios, se lançasse outra ao proprietario morador fóra do Concelho, pelos seus lucros percebidos que é justamente a de uma delles chamada maneio; eis-aqui o que a Commissão: quiz evitar, para que se tomasse por base sómente a decima e não o maneio, respondendo assim sómente os predios pela competente quota; para se não dar o absurdo de um mesmo individuo vir a pagar em quatro ou cinco Concelhos, onde tivesse bens, uma contribuição pessoal, ou de maneio além da que por seus bens nelles já tivesse pago. Que os Proprietarios paguem neste sentido, é rasoavel porque directa ou indirectamente gosam de todos os beneficios do Concelho, ou seja em suas pessoas ou nas de seus creados ou caseiros. Por consequencia é justo que tambem concorram os proprietarios, ainda que não residentes, mas isto deve ser sobre o quantitativo da decima dos respectivos predios: bem vejo que esta contribuição repetida em todos os Concelhos onde o individuo tenha bens, será talvez pesada, mas mais pesado é não pagar nada, porque então nada se possue, quem fôr muito rico, queixe-se dessas circumstancias, e não da Lei, mas em verdade ninguem quererá troca-las pelas daquelle que nada tem.
O Sr. Marquez de Ponte de Lima: — Sr. Presidente o Artigo diz (leu). Isto não é justo e é a razão porque proponho a minha emenda; porque creio, torno a repetir que me parece sanccionar-se uma grande injustiça.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada: — Esta clausula é essencialmente precisa. O Digno Par o Sr. Freire já explicou isto com muita clareza, mas além das razões que elle expoz ha ainda outras sobre que vou chamar a attenção da Camara; a propriedade em Portugal está pouco dividida; ha proprietarios que tem as suas grandes propriedades em diversas Provincias, e vivem em Lisboa e Porto, não se podendo dizer que aquelles são sómente locaes, e sómente para beneficio dos moradores, por quanto os donos das fazendas ainda que ausentes lucram em que as estradas dos Concelhos em que tem as suas propriedades sejam bem reparadas, o que se não pode obter sem que para isso paguem os respectivos proprietarios, e se fossem isemptos de pagar resultava que o tributo só viria a recahir sobre os moradores do Concelho, tornando-se assim muito mais pesado; por consequencia insisto em que estas palavras se não tirem do Artigo.
O Sr. Conde da Taipa: — Aqui tem-se querido emittir uma doutrina contraria á que se tem emittido em uma das maiores Nações da Europa: aqui querem-se dispensar os ausentes de uma contribuição commum, em Inglaterra tem-se querido lançar um tributo addicional para as despezas do Estado, aos ausentes de Irlanda. Ora eu não digo tanto, mas deixarem de pagar onde tem propriedades, isso seria uma desigualdade. Supponhamos que um homem tem a sua propriedade n'um Concelho sómente, é evidente, segundo esta Lei, que ha de pagar em proporção de toda ella; mas se a tivesse dividida por quatro, pagando em um só, não contribuia em proporção della; por quanto no primeiro caso concorria com a finta relativa a 200$000 réis (por exemplo), e no segundo sómente com a correspondente a 50. Por tanto aqui teriamos uma desigualdade entre o rico e o pobre: ora as contribuições são lançadas sobre o producto liquido, e as indirectas sobre o producto bruto; aquella para ser igual, é preciso que recaia na renda: conseguintemente não é uma pena, mas uma cousa que se vai buscar aonde está, sem attenção ao seu proprietario. Por estas razões acho que o Artigo emendado pela Commissão deve passar como se acha.
O Sr. Miranda: — Tenho a fazer uma observação sobre o objecto que já tocou muito de peito o Sr. Visconde do Banho. A contribuição não é imposta ás pessoas, é imposta nos predios. Estes pagam o imposto aonde quer que estiverem, ainda que lá não estejam seus donos, e paga toda a industria de qualquer natureza que ella seja, e é este um tributo para que todos devem pagar ainda que não sejam moradores nos Concelhos, em que tem bens ou industria, por ser esta contribuição em beneficio de sua propriedade e de sua industria; alguma outra applicação de imposto haveria, que não estivesse explicitamente neste caso, por exemplo as despezas da illuminação de uma Cidade ou Villa; entretanto não pode dizer-se absolutamente que a illuminação não concorre por muitos meios para a segurança e garantia da propriedade; debaixo deste ponto de vista, creio que ninguem está isempto da regra geral da contribuição. — Tenho que fazer uma observação aonde diz (leu). Eu estou pelo que já repetiu um Digno Par que não julga perfeito o meio porque se faz o lançamento da decima; entretanto que é o unico meio de que podemos lançar mão, por ser o arbitrio mais aproximado que temos, e porque a regra estabelecida para os moradores do Concelho deve servir tambem para os de fóra; porque ordinariamente em todos os Concelhos aos moradores que são de fóra carrega-se-lhe sempre mais a mão, e a não se pôr côbro nisso, não por máu espirito, mas por interesse, por aliviarem os moradores á custa dos proprietarios de fóra. Concluo pois, que todos aquelles que tiverem propriedades de qualquer natureza que sejam, ou qualquer rendimento procedido de qualquer industria que tenham dentro de um Concelho, ou sejam, ou não sejam moradores no Concelho, devem concorrer para as despezas e encargos delle, em proporção de seus rendimentos, regulados aproximadamente pelas verbas da decima, e maneio em que são collectados.
O Sr. Visconde do Banho: — Eu creio que é desnecessario dizer mais cousa alguma sobre este objecto, porque é um principio que está consagrado na Carta: levantei-me simplesmente para dizer que eu apoio o que está neste Projecto de Lei. — A maior parte dos Dignos Pares estão costumados unicamente a Lisboa e Porto, porém não é o mesmo nas Provincias; nos logares pequenos quem semeia um campo de Nabos já sabe que é tambem para alguns dos seus visinhos. Os muros dos campos, e propriedades não são nem tão altos, nem tão bem construidos, como os das terras grandes. Tendo os pobres fome para onde recorrerão elles? As amas dos expostos em muitas terras tem estado por pagar muitas vezes onze e doze annos, e depois o resultado era que estando os expostos já bem criados não lhe pagavam. Quando fui Corregedor de Villa Real eu dei uma lição pratica do dever em que está a sociedade a satisfazer estas dividas, porque fiz pugnar em alguns Concelhos d'aquella Comarca estas dividas atrazadas. Importa muito aos proprietarios que similhantes dividas se paguem, para diminuir o costume dos pobres invadirem os predios. Eu vi por experiencia, quando mandei satisfazer os pagamentos que referi, que as familias empregaram esses pagamentos em comprarem bois, e meios de lavoura, e tudo o que fôr soccorrer a pobreza é ganho, para os que não são pobres. Quanto ao que ouvi sobre a falta da divisão da propriedade em Portugal, ella não está muito bem dividida, pelo menos na Provincia da Beira, e Traz-os-Montes, aonde se chama proprietario a quem tem seis Castanheiros, ou algum pequeno campo. Persuado-me que o Digno Par não tem em vista Projecto algum de Lei agraria na forma do que em