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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Sessão de 8 de Fevereiro de 1836.

O Sr. Vice-Presidente occupou a Cadeira, faltando um quarto para a uma hora; e feita a chamada pelo Sr. Secretario Machado; declarou estarem presentes 36 Dignos Pares, faltando 13, e destes, 3 com causa motivada.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu a Acta da Sessão antecedente; foi approvada sem reclamação.

Foram distribuidos pelos Dignos Pares exemplares de uma memoria sobre a Successão á Corôa destes Reinos.

O Sr. Secretario Machado leu uma felicitação da Camara Municipal da Villa de Borba, da qual se mandou fazer honrosa menção na Acta.

O Sr. Vice-Presidente: — Participo á Camara, que hontem ao meio dia estava reunida no Palacio das Necessidades a Deputação encarregada de levar á Real Sancção o Decreto das Côrtes Geraes, sobre o modo de supprir á falta de Presidente, e Vice-Presidente desta Camara, e que sendo introduzida á Presença de Sua Magestade com as formalidades do estilo, eu tive a honra de entregar á Mesma Augusta Senhora o sobredito Decreto. — Ficou a Camara inteirada.

O Sr. Conde de Villa Real: — Foi presente á Commissão de Guerra, e Marinha a Proposição, que na Sessão passada veio da Camara dos Srs. Deputados, sobre as informações semestres dos Officiaes do Exercito; foi tambem presente o Parecer da Commissão, com o qual a actual se conforma, e que não teve andamento, por ter sido apresentado em Sessão de 14 de Abril; por tanto peço licença para o ler. (É o seguinte.)

Parecer.

A Secção de Guerra e Marinha viu e examinou com a mais escrupulosa attenção a Proposição vinda da Camara dos Srs. Deputados, sobre as informações semestres dos Officiaes, Officiaes Inferiores, e Aspirantes do Exercito; e considerando que um objecto de tanta transcendencia, e tão essencialmente necessario para a manutenção da disciplina do Exercito, não deve ser tractado sem que se apresente Ordenança especial para a organisação, e disciplina do mesmo Exercito, de que tracta o Artigo 117 da Carta Constitucional, é de parecer que a Proposição fique addiada até que nesta Camara se apresente a Ordenança supra mencionada.

Palacio das Côrtes 14 de Abril de 1835. = Marquez de Sampayo, Presidente = Conde de Lumiares, Secretario = Marquez de Valença, Relator = Marquez de Santa Iria = Visconde da Serra do Pilar, servindo de Relator = Barão de Alcobaça.

Proposição sobre as informações semestres dos Officiaes do Exercito, Officiaes Inferiores, e Aspirantes a Officiaes.

Artigo 1.º As informações dos Officiaes do Exercito, Officiaes Inferiores, e aspirantes a Officiaes, continuarão a ser semestres, e serão dadas pelos Commandantes dos Corpos, com assistencia de todos os Officiaes Superiores, que formam o estado completo; devendo a falta de qualquer delles ser supprida pelo Official que se seguir na ordem de graduação, e antiguidade.

Art. 2.º As informações dos Tenentes Coroneis serão dadas só pelos Coroneis, e as dos Majores o serão igualmente; porém com assistencia dos Tenentes Coroneis.

Art. 3.º As informações semestres continuarão a ser remettidas ás Authoridades competentes, pela forma designada nas Leis, e Ordens em vigor.

Art. 4.º Ficam revogadas quaesquer disposições na parte em que se oppozerem ás da presente Lei.

Palacio das Côrtes, em 26 de Marco de 1835. = Antonio Marciano de Azevedo, Presidente = Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario = João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

O Sr. Vice-Presidente: — Eu perguntaria á Camara, o que se ha de fazer desta Proposição, que veio da Camara dos Srs. Deputados; é uma Proposição de Lei, e a Commissão, nem a approva, nem a rejeita, e então não sei, se se ha de ou não mandar imprimir.

O Sr. Conde de Lumiares: — Devo dar algumas explicações á Camara: na Sessão passada apresentou-se (em 14 de Abril) este mesmo Parecer; ventilou-se então esta questão e depois de algumas observações decidiu-se, que o Parecer fosse impresso, para entrar em discussão: isto não se pôde fazer, porque se fechou a Camara poucos dias depois, mas póde fazer-se agora, não só, para se tomar uma resolução definitiva sobre o negocio, como para manter aquella decisão, já tomada pela Camara.

O Sr. Conde de Villa Real: — Está claro, que adoptando a Commissão o Parecer era com o fim a que seguisse a mesma marcha, que se segue com todos os Pareceres. Um Parecer de uma Commissão não é uma Lei; é uma opinião, que na discussão se póde revogar, e sobre a qual se póde tomar uma outra melhor. (Apoiado.) E creio, que os membros da Commissão concordarão comigo, em que o Parecer se mande imprimir, para entrar em discussão.

A Camara assim o resolveu.

O Sr. Barão de Renduffe, como Relator da Commissão de Legislação, leu um Parecer sobre a Proposição vinda da Camara Electiva, tendente a supprir as faltas dos Membros do Supremo Tribunal de Justiça.

Mandou-se igualmente imprimir.

O Sr. Visconde do Banho por parte da Commissão Especial encarregada de examinar a Proposição do Digno Par, Visconde de Fonte Arcada, para authorisar as Commissões de ambas as Camaras Legislativas a chamarem, e inquirirem quaesquer individuos, que lhes possam dar esclarecimentos sobre os objectos de que estiverem encarregados; leu o Parecer da mesma Commissão. — Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

ORDEM DO DIA.

O Sr. Secretario Machado leu a seguinte

Proposição (da Camara Electiva) sobre auxiliar-se o Commercio e Navegação da India e China.

Artigo 1.º Os productos da India e da China sómente são admittidos a consumo em Portugal e suas possessões se forem importados em Navios Portuguezes directamente procedentes daquelles paízes.

§. Unico. São exceptuados da disposição os productos das Colonias Asiaticas da Corôa de Sua Magestade Britanica, os quaes poderão ser importados para consumo em Portugal, e suas possessões por navios Inglezes, se a identica admissão reciproca for concedida aos navios Portuguezes nas referidas Colonias.

Art. 2.º São navios Portuguezes: 1.º Os construidos nestes Reinos e suas possessões: 2.º Os que tem sido ou forem julgados boas prezas do Estado, ou de Subditos Portuguezes: 3.º Os naturalisados até á data da publicação dessa Lei, e bem assim os barcos de construcção estrangeira, movidos por vapôr, os quaes ficam naturalisados logo que sejam Propriedade Portugueza: 4.º Os adquiridos por Subditos Portuguezes sendo bemfeitorisados em nossos Portos, de maneira que a importancia da Obra Portugueza exceda dous terços do valor primitivo do navio.

Art. 3.º A presente Lei será executada findos quatro mezes desde a data da sua promulgação. Os generos existentes, que em começando a ter vigor esta Lei não estiverem nos termos della para serem admittidos a consumo, ficarão considerados em deposito para reexportação.

Art. 4.º Ficam revogadas quaesquer Leis e disposições na parte em que forem contrarias ás da presente Lei.

Palacio das Côrtes em 15 de Abril de 1835. = Antonio Marciano de Azevedo, Presidente. = Francisco Xavier Soares de Azevedo, Deputado Secretario. = Francisco Botto Pimentel de Mendonça, Deputado Vice-Secretario.

Concluida a leitura, disse

O Sr. Vice-Presidente: — Esta Proposição está em discussão na sua generalidade.

Obteve a palavra em primeiro logar, e disse

O Sr. Botelho: — Esta Proposta de Lei, que veio da Camara dos Srs. Deputados, e que está agora em discussão, tem contra si o principio da liberdade do Commercio, adoptada por todos os Escriptores de Economia Politica, cuja verdade a Commissão reconhece; mas reconhece tambem que elle só póde ser applicavel a uma Nação rica e florescente, não já a uma Nação na infancia de todos os ramos de industria, cuja navegação e commercio deve ser auxiliado por todos os modos. Além disto o exclusivo que ora se estabelece por esta Lei, não é um favor concedido a uma sociedade, ou a uma companhia, mas á Nação inteira, e é quanto basta para desvanecer toda a idéa de monopolio. Se o commercio exclusivo de uma Nação é um monopolio, não ha Nação que nesta Hypothese não seja monopolista. Existia este monopolio em quanto só á Cidade de Lisboa era privativo o Commercio da Asia e deixou de o ser depois da Lei de 4 de Fevereiro de 1811, que fez geral este Commercio para todo o Reino. Esta Proposta de Lei não faz mais do que ampliar o favor já concedido por esta mesma Lei. — A liberdade do Commercio concedida a todas as Nações arruinou as fabricas de Diu, e Damão, cujos operarios foram obrigados a ir viver em Bombahim, engrossando as fabricas daquella Cidade: eu tive occasião de saber o estado de decadencia dos theares de lençaria em Damão, outrora tão florescentes, e que foi necessario que um navio de Manilha, que queria provêr-se de pannos de algodão, adiantasse aos operarios cem mil rupias Xerinas para armarem os seu teares. No tempo do exclusivo do nosso Commercio Ultramarino nasceram, e prosperam muitas casas, assim no Reino como nos mesmos Dominios Ultramarinos; e depois da liberdade ampla do

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Commercio começaram a decair, e perdeu-se a navegação que tinhamos, e que montava já a bastantes navios. Demais, se este Commercio está na mão de meia duzia de especuladores, provém isto de sermos uma Nação mui pequena, e neste sentido, proporções guardadas, póde dizer-se que em todas as Nações está o Commercio nas mãos de quem quer especular Assim mesmo estes poucos especuladores não reconcentram em si todos os lucros, os quaes se estendem a grande numero de pessoas, que concorrem com seus capitaes para formarem as carregações tanto em generos, como em dinheiro, que deve ser considerado nesta mesma qualidade, segundo a intelligencia dos mesmos Economistas. Aonde nasceram os systemas de Economia Politica? Aonde o principio da liberdade do Commercio? Em Inglaterra, em França. E por ventura não conservou a Inglaterra o seu acto de navegação muito tempo depois de proclamado aquelle principio. Se ora não subsiste aquelle acto, força foi derroga-lo pelo muito que havia crescido, e avultado em força e cabedaes a Companhia de Calcuttá; mas isso mesmo é argumento de utilidade do exclusivo por certo tempo até se adquirir um certo gráo de prosperidade, a que chegou aquella Nação, e a que por proporções graduadas talvez ainda pelo mesmo modo possamos chegar. E que fazem Inglaterra e França ainda hoje, apesar dos principios dos Economistas, que todos reconhecem; não admittem nos seus pórtos os artigos das possessões Asiaticas em navios estrangeiros e provêm-se delles em navios da sua Nação. Ultimamente, a carreira da India esquece de todo, e os mares que antes dominávamos ficarão alheios para nós, se não promovermos por todos os mundos a navegação mercantil com navios, marinhagem, e armadores, tudo nosso; e ao mesmo tempo é este o unico modo de renovarmos o vinculo agora quebrado, que prendia as nossas possessões Ultramarinas, e a Metropole. — A Cidade de Macáo é um daquelles pontos que mais convém conservar para o nosso Commercio da China, por ser esta feitoria só privilegiada para nós, aonde fazemos directamente este Commercio. Ainda não ha muito os Negociantes de Macáo faziam o Commercio de todas as Nações que alli queriam ir mercadejar, porque só o podiam fazer debaixo da bandeira Portugueza. Então assim protegidos não só giravam com os seus fundos, mas com os dos proprios Chins, que não lhes sendo livre navegarem além dos mares da China, á sombra do nome e privilegio Portuguez faziam transacções com os especuladores estrangeiros. Actualmente aquelles navios inglezes não vão a Macáo, e fundeados defronte de Lantim servem de deposito volante ao Amfião, que sem o intermedio de Wampeu entra por contrabando em Cantão, de onde lhe vem em retorno os artigos que conduzem para a Europa. Faltaram pois aquelles Capitaes em Macáo, e os Chins alli residentes não tem facilidade de especularem, e fazerem valer o seu Commercio com a Europa; o que se segue por via deste favor exclusivo aos navios Portuguezes, dos quaes se podem servir para as suas especulações. — Á vista de tão ponderosas razões, deve adoptar-se esta medida, ao menos por certo tempo, apesar do luminoso principio da liberdade do Commercio.

O Sr. Visconde de Villarinho do S. Romão: — Sr. Presidente, eu sou inteiramente da opinião do Digno Par que acaba do fallar, e levanto-me simplesmente para dizer que approvo o Projecto na sua generalidade; e quando se tractar de cada um dos seus artigos, então direi alguma cousa sobre um delles.

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o Projecto posto á votação e approvado na sua generalidade.

Passou a discutir-se o artigo 1.º da Proposição.

Obtendo a palavra, disse.

O Sr. Margiochi: — Parece-me, Sr. Presidente, que V. Ex.ª deu para ordem do dia de hoje a discussão em geral deste Projecto, e não a de cada um dos seus artigos.

O Sr. Vice-Presidente: — Não, Senhor, eu dei para ordem do dia o Projecto que, segundo a marcha ordinaria, não podia deixar de discutir-se em geral, e depois de approvado, continuaria a discussão sobre cada um dos artigos em particular, em consequencia do que, está em discussão o primeiro artigo.

Sobre este pediu a palavra, e disse

O Sr. Barão de Renduffe: — O artigo 1.º da Proposição de Lei vinda da Camara dos Sr. Deputados, importa a Sancção da mesma Lei, que acaba de ser approvada na sua generalidade, e em consequencia seria intempestiva agora qualquer observação a similhante respeito. A discussão pois só póde versar sobre o §. unico que diz assim: (leu) Este paragrafo, Sr. Presidente, parece-me improprio do corpo de uma Lei, altamente impolitico, e contrario aos interesses publicos, que muito nos cumpre fiscalisar. Eu não pretendo interpellar o Sr. Ministro da Corôa, que está presente, se acaso elle prosegue em alguma convenção com Inglaterra a este respeito; mas vejo que depois que esta Proposição de Lei passou na Camara dos Srs. Deputados, até ao dia de hoje, não nos consta officialmente de nenhuma estipulação com o Governo de S. M. Britanica, e em tal caso passando este paragrafo, appareceriamos nós Legisladores, e o peior é, appareceria a Lei supplicando um arranjamento, que no fundo nada me parece vantajoso para o Commercio Portuguez. Convém pois chamar a attenção da Camara sobre os innumeraveis inconvenientes e prejuizos, que resultariam da adopção do paragrafo. A massa da riqueza publica não teria o incremento que lhe pretendemos dar, porque tornavamos o Commercio da Asia em relação a Portugal, exclusivo para vós, e para a Inglaterra, excluindo, e não sei porque, os outros Estados que se acham no mesmo caso que a Grã-Bretanha, e com os quaes se poderão talvez fazer convenções debaixo da mesma base; porém se o paragrafo vier a ser approvado como no-lo apresentou a Commissão, e como me parece que veio da Camara dos Sr. Deputados; inhabilitâmos o nosso Governo de poder tractar com os outros Estados Europeos que tem possessões na Asia, e a Camara sabe perfeitamente que a Hespanha, a França, e a Hollanda estão neste caso; e então se se fizesse a unica excepção em favor da Inglaterra, cortavamos o fio de interesses que podemos ainda prender com quaesquer outras nações. Se pois isto é assim, parecia-me que em logar da redacção do paragrafo se lhe deverá substituir a que agora tenho a honra de offerecer (leu). Desta fórma ficará a salvo o principio de negociação, se é que existe, com a Inglaterra a similhante respeito; habilitado o Governo a negociar com as outras nações, que estejam no mesmo caso, e resalvada a dignidade nacional, que de alguma fórma se me affigura deprimida com a redacção do paragrafo. Se a Camara pois julga que mais convém ao interesse publico a minha substituição, eu a mando para a mesa, a fim de ser redigida como melhor parecer.

Foi lida pelo Sr. Secretario Machado, e é a seguinte

Emenda.

São exceptuados da disposição do artigo quaesquer productos de Colonias Asiaticas, importadas para consummo em Portugal, e suas Possessões, por navios das Nações a que essas Colonias pertençam, uma vez que identica admissão reciproca seja concedida aos navios portuguezes. = Barão de Renduffe.

O Sr. Botelho: — Este paragrafo é tirado da Lei de 1811, e por isso se conservou aqui; entretanto eu não tenho duvida eu convir na alteração proposta. No primeiro artigo tracta-se unicamente dos generos que vem da China; mas como a segunda especie a que se refere o §. unico comprehende unicamente as produções inglezas, convenho que se estenda ás outras nações; eu só quiz dar esta explicação, e me parece boa a opinião do Digno Par o Sr. Barão do Renduffe.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu sinto separar-me da opinião do meu illustre amigo; porém não me parece que este paragrafo seja uma consequencia da Lei que acabou de citar, nem supponho que nós devamos fazer uma Lei em que suppliquemos ao Governo Inglez que nos venha cá trazer generos da Asia, talvez com grave prejuizo do nosso Commercio, como effectivamente se deprehende do paragrafo em questão: por tanto insisto para que se declare, que fique o Governo authorisado a negociar não só com a Inglaterra, mas com todas as Potencias que tiverem Possessões na Asia; e parece impossivel que sobre este axioma se possa prolongar ainda qualquer discussão.

O Sr. Botelho: — Eu creio que me expliquei mal sobre este paragrafo a que se refere a citada Lei, a qual de certo modo nos vem a ser prejudicial; quando esta Lei appareceu haviam treze navios proprios da Praça de Moçambique; e quando eu fui tomar posse deste Governo havia só dous, e esses mesmos pertencentes a Baneanes, que fazendo o commercio de Diu, e Damão com a Praça de Moçambique, importavam as manufacturas inglezas de Bombahim, e Madrasta. Eu convenho com a emenda do Sr. Barão de Renduffe, e só disse que o motivo por que este paragrafo aqui está é porque se refere á Lei que tenho citado.

O Sr. Visconde do Banho: — A razão porque a Inglaterra lembrou neste Projecto, é pela extensão das suas possessões na Asia, aonde os estabelecimentos Francezes alli são muito poucos; os Hollandezes, ainda que de consideração não são frequentados pelos nossos navios; pelo contrario os Inglezes abrangem muita parte daquellas possessões por onde os nossos navios fazem escala, e por isso se fez esta excepção. Além disto, é tambem porque nós estamos mais ligados com Inglaterra do que com nenhuma outra Nação, e não é possivel neste caso abandonar principios geraes de conveniencia; e além de não vir a Commissão preparada para este objecto, seria impolitico, e improprio tractar-se delle publicamente; porque ordinariamente são questões que involvem politica externa, e póde ter consequencias desairosas não se tractando com aquella madureza, e circumspecção devida. Este é o meu modo de pensar, por consequencia parece-me, que não prendendo o Artigo as mãos ao Governo, para tractar com outra qualquer Nação, póde passar sem emenda alguma, até mesmo porque de algum modo iriamos retardar a medida, pois que na outra Camara seria necessario uma discussão, quasi de novo, e por isso me parecia que quanto menos emendas melhor. Eu tenho visto em outros Paizes aonde rege o systema parlamentar, que se não tractam as cousas com tantos pontinhos, uma vez que se pretende estabelecer principios geraes da utilidade nacional. O que neste Projecto se tracta é de dar protecção ao Commercio da Asia com Portugal, e ha mais uma razão, que talvez esqueceu ao Digno Par Relator da Commissão. Nós não temos presentemente uma Marinha capaz de sustentar as nossa Colonias. Mesmo em outro tempo até os navios de commercio tinham certos privilegios, e mesmo condecorações de flâmulas, como navios de guerras, para nos levarem munições ás nossas Possessões Ultramarinas, e ainda houve mais certa epocha em que elles eram obrigados a levar uma quantidade e numero de provisões de guerra. Nós estamos hoje em um estado em que precisamos procurar todos os meios de tornar a estabelecer vinculos, que liguem as nossas Possessões da Asia com a Metropole, porque a fallar a verdade, desses vinculos não ha nenhuns entre nós presentemente, e por isso é necessario estabelecer todos os meios que possam concorrer, para a unidade da Metropole com as Possessões Ultramarinas. Ha outro motivo que é de consciencia, e economia interna, dando interesse a braços, e facilitando os meios de trabalho; esta é um das razões, não só de economia, e de administração, mas até de policia. Esta foi certamente uma das razões, a que a Commissão attendeu como mais importante, que a de tomar chá mais barato, ou mais caro, porque todos sabem o que com o systema de finanças desde 1823 para cá, o commercio do chá cahiu em contrabando que veio a fazer-se pelo Algarve, e Provincias do Além-Tejo. Ninguem ignora que aquella é uma das estradas, que fornece Lisboa de chá.

Por tanto este Projecto póde obviar a estes males, e tem influencia, para pôr o commercio no seu antigo caminho. Ha-de animar a Marinha mercante, porque se fôrmos como até agora, d'aqui a pouco não temos marinheiros alguns, e as nossas embarcações, quando muito se reduzirão a Hyates, que vão buscar manteiga a Cork, ou á carreira costeira. Eu tenho conversado com pessoas intelligentes de Marinha que me tem dito, que o numero de marinheiros que temos presentemente é muito reduzido, e então é preciso que animemos este ramo, cujas recordações são tão gloriosas para a Nação Portugueza. Ella está hoje debaixo de um Governo legitimo, hoje é preciso que façamos as coisas sem as violencias, que se faziam antigamente, apanhando pelas ruas padeiros, [...] de officio, criados de servir, e outra gente que nunca tinha embarcado, nem visto o mar, e por isso tres quartas partes das nossas tripulações de guerra ia enjoada, e incapaz de serviço logo á sahida da barra. Marinheiros não se fazem de repente, nem se póde dar mais appropriado emprego a gente que habita o grande littoral do nosso paiz, do que destinando-a para a Marinha mercante, que é o primeiro elemento da Marinha de guerra. É necessario attender a tudo isto, e levar de longe estes es-

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tabelecimentos, porque influem na riqueza Nacional, e diminuem o numero de homens que não tem modo de vida. Não acabaria sem tocar outra vez nos motivos porque se fez especial menção de Inglaterra, porque negar que a Inglaterra não tem com Portugal uma alliança de muitos annos, e que os seus estabelecimentos Asiaticos, em razão da vastidão que elles tem naquella parte do mundo, exigem toda a attenção em Legislação desta natureza é querer negar que não ha sol, quando se olha para elle. Por todas estas razões, parece-me, que se deve admittir o Artigo tal como está.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu tenho a dar uma explicação ao Digno Par, que eloquentemente acaba de fallar com a abundancia do costume. Parece-me que não entendeu a minha substituição, e suppoz (julgo eu) que durante a allocução que fiz, me havia opposto á adopção do Projecto de Lei; quando eu só me oppuz, não á medida, porque explicitamente a approvei, approvando o artigo 1.º; mas sim á excepção do §. unico. — Convenho com o Projecto, ou antes com a decisão da Camara sobre as suas geraes disposições; mas no que não convim, nem convenho, é na restricta disposição excepcional do §. unico. — Disse o Digno Par, que era de necessidade não se approvar a minha emenda, porque ella ía fazer confusões e duvidas na Camara dos Srs. Deputados, e retardar a adopção da medida, que ora se pertende fazer passar; porém eu não fiz mais do que fez a Commissão; eu fiz uma emenda, e ella tinha feito outra, (e que eu não approvo); e então nem este argumento (se tal nome merece) colhe para o nosso caso. Permitta-me com tudo o meu nobre amigo de lhe rogar, que não fallemos tanto em deliberações da Camara dos Srs. Deputados, porque nella por certo, assim como nesta, não existem susceptibilidades, e o que em ambas as Casas se deseja, é que as Leis sejam justas, claras, e que não deslustrem a dignidade Nacional. Tão pouco quiz de modo algum alterar ou affrouxar a antiga alliança que nos une á Grã-Bretanha, e bem pelo contrario eu faço votos com o Digno Par, para que ella continue sem interrupção, com interesse reciproco, de ambos os Paizes; mas eu não fallei d'allianças, fallei de interesse mercantis, e propuz que sem nos limitar-mos a negociar com Inglaterra não atassemos as mãos ao Governo, e lhe deixassemos a faculdade de elle poder, fazer arranjamentos com quaesquer outras Potencias que tivessem Possessões na Asia. Fiz isto porque entendi que era digno do interesse, do decoro da Nação, e de seus Representantes, e usei do meu direito, como a Commissão usou do seu, pelo que a não pretendo censurar; mas seja-me licito prognosticar, que a minha substituição não será a que ha de retardar a adopção e promulgação ulterior desta Lei, e que talvez os obstaculos virão a nascer da prorogação do praso quando seja approvada. Parece-me finalmente que eu não provoquei as explicações e observações do Digno Par, relativamente a interpellações ao Ministerio, por quanto eu nada lhe perguntei, e até declarei que nem pretendia ouvi-lo; assim como tambem nada fallei a respeito de Tractados, e apenas disse que só convinha ampliar a excepção do tantas vezes repetido §. unico. Consinta o meu nobre amigo o lembrar-lhe que á Presidencia tocam principalmente similhantes insinuações, e que assim como eu estou certo, que o Digno Par nunca occasionará a necessidade dellas, eu tenho direito a esperar delle a mesma justiça, e a precisa tolerancia pelas minhas opiniões, que como as do Digno Par são ditadas pela maneira, porque cada um de nós encara a conveniencia geral dos nossos Concidadãos.

O Sr. Botelho: — Eu peço licença para uma explicação. Faz muita bulha o preço do chá vendido a novecentos e sessenta réis o arratel. Este chá está em varios depositos, e entra por contrabando pela Provincia do Algarve o qual contrabando começou a introduzir-se quando se impoz a este genero na Alfandega de Lisboa o direito de trinta por cento. Mas este mesmo chá é muito ordinario, e mui differente do bom; porque ou é misturado com outras diversas plantas, falsificado com as artes em que os Chins são eminentes, ou é o refugo que deixou a Companhia das Indias. Ainda mesmo aquelle chá que não é tirado por contrabando em Lantim, e é comprado legalmente em Cantão, fica dependendo do arbitrio dos Anistas, que não são os mais leaes em suas transacções, e cujas determinações, e vexames são as regras deste Commercio. Não é assim o chá comprado em Macáo, o qual é escolhido mui escrupulosamente pelo sobre-carga, que para conhecer se ha fraude nas caixas aos furos de uma verruma, dentro da qual está sem cilindro que gira com ella, o qual é distribuido em pequenos repartimentos, e ao sahir da verruma traz comsigo o chá, ou extreme ou misturado como está dentro da caixa; e todo aquelle que por qualquer modo é falsificado, o sobre-carga o rejeita, e é excluido do mercado. Eis-aqui a razão principal, porque o chá que vem a Portugal em Navios Portuguezes, e comprado em Macáo, é sempre bom em cada uma das suas especies e o seu preço é mais subido, e este mesmo preço é subido proporcionadamente em Gôa, e Moçambique, apesar da maior proximidade de Macáo. — Eu não conheço quem quer negociar, em chá, nem nos outros generos da Asia, mas conheço que se deve promover a navegação e commercio da minha patria, e digo o que a experiencia, e os conhecimentos locaes me tem ensinado.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu estou admirado de ver hoje em discussão este Projecto de Lei; não se deu senão dous dias entre a sua distribuição, e a discussão, de sorte que não tendo vindo hontem á Camara, não sabia que se tinha dado para ordem do dia e por isso não venho preparado para o combater como desejava.

Senhores, este Projecto de Lei não é outra cousa mais do que dar um monopolio a cinco ou seis armadores que navegam para Macau, fazer pagar um tributo a todos os consumidores de chá, a esses cinco ou seis individuos e pôr embaraços ao commercio em geral, diminuindo assim a riqueza nacional, para sustentar um monopolio. As pessoas que tem trahida exemplos de Inglaterra (e dos monopolios que alli se tem concedido) para apoiar este Projecto, conhecem pouco a Inglaterra, e se quizerem ter o trabalho de ler o que tem escripto os Economistas Inglezes, hão de ver que ninguem que tenha senso commum duvída que Inglaterra, em virtude da sua bella Constituição, e da liberdade civil de que goza, prosperou apesar desses monopolios, e não em consequencia delles. A consequencia dos monopolios é induzir a empregar capitaes, e homens em industrias, aonde elles se não poderiam empregar com proveito, e encher o deficit que resulta com imposições sobre outras industrias, e diminuir deste modo o producto do trabalho annual de uma nação. Se este mal se podesse remediar no momento em que elle se conhece, não me daria isso tanto cuidado; mas então já a gente empregada e acostumada a uma especie de trabalho, não póde mudar para outro com facilidade; os Capitáes empregados não se podem deslocar sem graves inconvenientes, e a Nação quando conhece o seu erro tem de sustentar com trabalho aquillo que creou por ignorancia. Um exemplo temos na fabrica dos vidros de Leiria, principiada por se lhe conceder o monopolio de vidros do Brasil, e de Portugal, prosperou e ganhou muito dinheiro; mas assim que foi deixada aos seus proprios recursos, não pôde mais trabalhar; o Governo viu-se obrigado para não ver morrer de fome as pessoas alli empregadas de a ir pôr, como quem põe um engeitado, á porta do Sr. Conde do Farrobo, e do Visconde das Picoas (como eu já aqui disse em outra occasião), e note-se bem que apesar delles receberem de graça todo o material da fabrica, e todo o combustivel necessario para as suas officinas, assim mesmo reputam um serviço no emprego que fazem do Capital circulante necessario para o seu costeio annual; e este é o resultado de todos os monopolios.

Mas seguindo mesmo a doutrina destes Senhores que apoiam esta Lei, todos, ainda os afferrados ao principios do systema mercantil, julgando que o dinheiro é fim, e não o meio do commercio, eu lhe perguntarei, o que levam estes navios para a China? E ninguem duvída, que só dinheiro; e então aonde estão as suas bellas theorias da balança do commercio? Desenganemo-nos, Senhores, a primeira fabrica de Portugal é a fabrica de trigo; a primeira industria, a agricultura; para ahi é que devemos virar todos os nossos cuidados; mas não será deste modo que a agricultura ha de prosperar, dando-se premios para distrahir capitaes da sua tendencia natural, e fazendo por consequencia encarecer o dinheiro ao lavrador, que o emprega com vantagem em uma industria marcada pela natureza.

Em quanto a mim a Camara decidiu muito, mal approvando a Lei na sua generalidade... (Sussurro) Eu posso dizer que a Camara decidiu muito mal, como com effeito digo; entretanto admittindo-se no artigo 2.º uma emenda, o mal não será tão grave.

O Sr. Visconde do Banho: — Eu tenho tido muito prazer em ouvir o Digno Par; porque me esclareceu muito sobre principios geraes de economia politica; porém o ponto principal de que nós tractâmos presentemente é de auxiliar a navegação portugueza, e esta só a poderemos animar empregando os meios que estão ao nosso alcance.

Eu já fiz uma exposição, (talvez fastidiosa) para mostrar que era necessario auxiliar o commercio, e a navegação, na falta da riqueza do Thesouro, e que se costumou sempre satisfazer este serviço, pagando -se com uma especie de privilegio: — considere-se isto como se quizer; porém o que eu digo é que á excepção da Inglaterra, e da America, lembra-me ver observado que a Bandeira Portugueza até ao anno de 1814, era aquella que tremulava nos mares da Asia sobre maior numero de navios. Desde então desappareceu todo o resto da navegação que tinhamos, extinguindo-se gradualmente até o ponto em que hoje estamos. — O facto referido mostra de quanto é susceptivel o nosso commercio, e não é pouco, que sigâmos as emprezas de mar, ainda que não pretendamos igualar em tonelagem a marinha mercantil das duas referidas nações, cuja indole, ou por outros quaesquer motivos, são as gentes que sabem verdadeiramente o que é navegação; não sómente por estarem habituados aos exercicios maritimos como por terem a mais decidida propensão, e póde tambem dizer-se, que tem comprado á custa de sacrificios a superioridade que hoje tem. — O Digno Par segundo ouvi, apresentou o trigo como o genero mais importante da nossa industria, e que mais precisava de auxílio. É natural que a sua imaginação trabalhe á vista do quadro que da sua janella, e de qualquer outeiro de Lisboa, apresentam as Lezirias, ou o Delta do Tejo; mas elle ha da permittir que eu lhe diga, que tambem o não é menos a exportação do vinho do Douro, e ainda que eu peça permissão de usar de uma velha fraze em economia politica, que se chamava balança do commercio, é sem duvida que nessa balança, ou permutação geral mais representa a riqueza principal da nossa industria. — Os principios que o Digno Par foi procurar, são principios de economia politica, principios que eu respeito como todos os outros scientificos, confessando ingenuamente, que ninguem me demonstrou ainda um delles abstractamente, sem o soccorro da sua applicação, de maneira que eu podesse ficar perfeitamente convencido; porém isto é effeito do meu curto entendimento, e da preferencia que dou ás doutrinas que se derivam de resultados praticos; naturalmente porque assim fico convencido com menos trabalho, e sem empregar uma applicação para a qual não tenho forças.

Vou agora ao que é mais pratico, isto é, a respeito da doutrina do 1.º artigo, sobre a qual o Digno Par o Sr. Barão de Renduffe, apresentou uma emenda. Se o Digno Par quizer que se ponha no artigo o seguinte (leu): — convenho, mas o contrario disto será na minha opinião um acto de injustiça: Em Sessão secreta poderia dizer mais alguma cousa; porém não convém faze-lo agora em publico, visto tractar-se de politica externa. Eu sou unicamente obrigado a apresentar aqui as idéas que a pouca experiencia do mando me tem fornecido; mas tambem sou obrigado a dizer, que não devemos pôr a par das Nações nossas, amigas e alliadas, e que nos tem ajudado em tão porfiada lucta, as que o não são, nem o tem feito; e não devemos confundir com estas a Inglaterra, a França, e a Hespanha, a quem nós estamos verdadeiramente ligados nesta causa accidental da Europa., Lembremo-nos da boa vontade com que a Hespanha veio em nosso soccorro; e mandando entrar dentro do nosso territorio, uma sua Divisão tanto concorreu para arrancar da posição de Santarem o ultimo apêgo, que demorava o triumfo da nossa Causa. — Sendo assim, e debaixo destes principios, apoio a emenda.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Sr. Presidente, como eu sou grande inimigo de monopolios, e de monopolistas, ouvi com muito gosto, e muita attenção o Digno Par, o Sr. Conde da Taipa, que os fulminou completamente; mas seja-me licito dizer, que as doutrinas, por elle expendidas, não vem a proposito para o caso da nossa questão. A palavra monopolio quer dizer = o poder de uma só pessoa, para comprar ou vender certas merca-

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dorias = e todos sabem que Thales de Miletto foi o que deu origem a tal palavra, comprando o azeite da sua terra na novidade, para depois vender com muita vantagem. Ainda se póde applicar a mesma palavra a uma pessoa moral, uma companhia, corporação, ou cousa similhante; mas estender isto a uma nação inteira, parece-me causa excessiva. Se não é, chamemos tambem monopolio á Legislação respectiva aos cereaes, que tem por fim o favorecer os nossos lavradores, para se não arruinarem com as importações illimitadas de trigo... Os principios de Economia-politica são verdadeiros em regra geral; mas admittem algumas excepções, e por isso essa grande Nação, em que hoje tanto se falla em nossas Côrtes, essa patria de Adam Smith, cujas Obras costuma citar o Digno Par, essa Inglaterra, em fim, tambem lhe faz excepções, como por exemplo, os direitos que ultimamente poz nos vinhos, os quaes se bem me recordo são de cinco shillings e seis dinheiros por galoon em todos o estrangeiros, e de dous sómente nos do Cabo da Boa Esperança, para proteger os seus commerciantes e colonos. Nós agora fazemos outro tanto em favor de todos os carregadores da Asia, em favor de toda esta Praça, e não de quatro ou cinco individuos, como se diz; pois é bem certo, que se eu tivesse meios para isso, ou qualquer Portuguez de toda e qualquer parte da Monarchia, tambem nos podiamos approveitar do mesmo favor que se faz aos Navios Portuguezes. Isto nunca foi monopolio, nem para isso se encaminha. Se ha por ora poucos carregadores é porque a Nação pequena; mas esse mesmo estado em que se acha este importante commercio, mostra a necessidade de -olhar para elle com mais attenção. — Convém que os nossos navios tornem a seguira róta que lhe abriram nossos passados, e que a Bandeira Portugueza seja vista nos mares do Oriente, já que nos custou a sua conquista tantas vidas, e tantos trabalhos. — Pelo que respeita á emenda proposta ao Artigo pelo Digno Par o Sr. Barão de Renduffe, eu devo dizer, que tem boa redacção; mas voto antes pelo Artigo como está, para que a Lei se não demore, não se perca por isso a monção propria de navegar para a India.

O Sr. Miranda: — Votei por este Projecto de Lei na sua generalidade, apesar de entender que da sua adopção nenhum beneficio terá o Estado, como acontece com todos os monopolios, e com todo o Commercio que só póde prosperar debaixo da protecção de Leis restrictivas. Votei por elle, porque, apesar dos motivos que segundo me parece o provocaram, creio que nem os especuladores terão tanto favor como esperam, á custa já se vê dos consumidores, nem o mal que dahi póde vir é grave nem de remedio difficil. Crê-se, e assim se tem publicado e dito, que esta providencia é um estimulo para animar a nossa navegação; porém como os progressos da navegação são inseparaveis dos interesses do commercio, era necessaria provar que o commercio da Asia era vantajoso para Portugal e para os especuladores Portuguezes, na presença da concorrencia colossal da Companhia Ingleza das Indias orientaes. O nosso commercio está bem longe de ter o desenvolvimento de que carece; sem duvida é necessario anima-lo, e franquear-lhe novos mercados, aonde os nossos generos, quero dizer, aonde os productos da nossa industria tenham sahida, e consumo; porém um mercado natural e não forçado por Leis mui impropriamente chamadas protectoras. O Projecto actual é um favor para os especuladores em chá, e o seu fim é fechar o mercado de Lisboa aos importadores nacionaes ou estrangeiros que directamente o não trouxerem da China, e a consequencia é subir o chá de preço. Mas este preço não será tão excessivo que lisongêe as esperanças dos especuladores, ou diminua o numero dos consumidores; porque ao lado do abuso está o correctivo, isto é, o contrabando, e por tanto nem os especuladores nem os contrabandistas terão grandes lucros, mas a rendada Alfandega terá toda a perda que póde soffrer pelo contrabando deste genero. Esta indicação não tardará em apparecer daqui a anno e meio, ou dous annos, e então o publico se desenganará, e formará uma idéa mui clara ácerca das vantagens da presente medida

O consumo do chá em Lisboa, quero dizer, todo o chá importado pela Alfandega de Lisboa, por anno é de 24 a 26 mil arrateis e quando em 1824 se augmentaram os direitos de entrada do chá de tresentos réis por arratel, a consequencia foi baixar o preço do chá em todos os portos do Algarve, como eu presenciei então, porque lá estava (e não por minha vontade). E porque subindo os direitos baixou o preço? É porque lá está Gibraltar, receptaculo de contrabandistas e um Macáu aqui nas nossas visinhanças, donde virá boa quantidade de chá, navegado pelo Guadiana, ou por terra, como aconteceu em 1824, reduzindo-se a sua entrada na Alfandega desta Cidade de vinte e seis mil arrateis a treze mil, isto é, a metade, como se representou nas Côrtes de 1828. Quanto ao primeiro artigo, approvo a emmenda do Sr. Barão de Renduffe; porque me parece justa e conforme aos interesses do nosso commercio, concedendo-se a qualquer Nação um favor igual ao favor que ella fizer ao nosso commercio. Esta generalidade não póde offender as relações de amizade e alliança que subsistem entre Inglaterra e Portugal, alliança que não depende de Tractados, nem de puntiglios diplomaticos; porque esta alliança é natural; quero dizer é fundada no interesse reciproco dos dous paizes, interesse sem o qual a alliança e amizade dos povos são palavras que nada significam.

Quanto á pertendida balança de commercio, não tomarei tempo á Camara; porque hoje está provada toda a falsidade da concepção que os economistas do seculo passado deram a esta palavra. Hoje ninguem duvida de dous principios de economia politica, a saber: que o trabalho é a causa productiva da riqueza; e que uma Nação exporta um valôr igual ao que importa sem distincção da especie, e natureza dos objectos exportados e importados, algodão ou ouro, lã, prata, vinho, ou qualquer outro. — Voltando porém á emenda que se offerece, ella em nada se refere, nem a Tractados de alliança e amizade com Nação alguma, nem o artigo em questão se refere a nenhuma destas considerações. Tracta pura e simplesmente de vantagens commerciaes, e como devemos concede-las a qualquer Nação que nos offereça iguaes vantagens, parece-me que é melhor a generalidade em que está concebida a emenda, e que por isso deve ser adoptada.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu pedi a palavra para responder ao Digno Par que se escandalisou de se chamar monopolio a esta Proposição, e para o provar foi buscar a origem da palavra, o que vem muito pouco para o caso: mas quem pode duvidar que é um monopolio dizer-se aos consumidores de chá em Portugal: = ha quem lhe venda chá a dezesseis tostões, mas vocês hão de paga-lo a meia moeda para bem da Nação! — De que Nação, (perguntarão os consumidores) da composta do grande numero que compra chá; ou do muito pequeno numero que o vai buscar? A resposta creio que involve a idéa de monopolio.

Em Portugal todos querem viver á custa uns dos outros; até aqui havia Commendadores que viviam de um tributo imposto sobre o que o Paiz produzia no seu territorio, e agora querem-se formar Commendadores que vivam de tributos impostos sobre o que Portugal consome vindo de fóra: como tudo é viver de impostos, a differença é, que um era Commendador de trigo, e o outro é Commendador de chá. — Mas Senhores, todos estes calculos em ultima analyse hão de ser decididos pelo poder moderador do contrabandista: subam os preços que o contrabando apparece, e quem perde são as finanças, e o ávido especulador do monopolio não ganha, porque o contrabandista vem perturba-lo assim que lhe fizer conta.

Não seria muito difficultoso provar que estes monopolios são prejudiciaes a todos, mesmo abstrahindo a idéa de contrabando: digo mesmo para os armadores; porque em quanto aquelle commercio der ao abrigo da prohibição, um lucro superior áquelle que os capitaes dão em Portugal pelo juro ordinario, a concorrencia ha de fazer igualar aquelle commercio com todos os outros ramos de industria; e então hade chegar a hypothese de não ganhar o homem que exerce o monopolio, porque a concorrencia o impede; e a Nação perder porque é obrigada apagar um trabalho mais caro, havendo quem lho fizesse mais barato. — Tal foi o negocio do ferro em França: oitenta por cento mais caro pagam os francezes o ferro do que o poderiam ter porque ao Ministerio de Mr. de S. Criq forão levantados os direitos sobre o ferro a oitenta por cento, porque os donos das Minas tiveram influencia para isso: a experiencia mostrou que a concorrencia nivelou os lucros com o de todas as outras industrias; que a França perde um immenso capital, e que só lucram os donos das matas, por isso mesmo que não podem ter concorrencia, tornando-se de mais a mais em objecto de primeira necessidade, a lenha, muito mais cara para o povo em consequencia da grande quantidade que se queima nas forjas.

O Exemplo de Inglaterra quando Mr. Huskisson tirou os direitos exorbitantes das sedas estrangeiras é uma prova de que as prohibições levam ao extremo opposto aquelle a que pertendem os que as requereram. A Inglaterra apenas se podia dizer que fabricava sedas, hoje o estado de suas fabricas é prospero, fabricando dois terços mais materia bruta do que no tempo dos direitos quasi prohibitivos. — Isto são factos que eu poderia demonstrar arithmeticamente ao Sr. Visconde do Banho, para ver se tinha a honra de ser ou o primeiro que o convencesse de um principio de Economia Politica. O que me consola é o que disse mui judiciosamente o Sr. Miranda, que esta Lei ha de servir de emenda, porque ha de demonstrar na pratica a falsidade dos principios com que ella foi advogada.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Sr. Presidente, eu tenho muito pouco a dizer sobre esta materia; mas desejava chamar a questão ao seu ponto principal; pois me parece termo-nos apartado muito delle, e divagado por cousas estranhas. Tem-se fallado muito sobre o monopolio do chá, quando em todo o Projecto não ha similhante palavra. É certo que este genero nos vem da India; mas outros muitos de lá se trazem, que não são menos importantes ao nosso commercio, como por exemplo o anil, a tartaruga, as cangas, os tecidos de algodão, as sedas em fio, os tafetás, e os pannos proprios para a estamparia: este último genero por si só manteve por muito tempo as nossas fabricas, e deixava-nos grandes lucros em quanto forneciamos o mercado do Brazil, agora temos de vender as nossas chitas em concorrencia com as estrangeiras; mas assim mesmo podemos ainda fazer bastante interesse, se passar esta Lei, e elle nos vier directamente da India em navios nossos. Quando administrei a Real Fabrica das Sedas tive occasião de observar que a estamparia de azul sobre estes pannos, deixava um lucro de quarenta por cento. Não é menos proveitosa a estamparia dos lenços sobre os tafetás de Macáu; os artigos de luxo que manufacturamos com a tartaruga competem com os estrangeiros, apesar do contrabando; logo para que se falla só do chá, e para que se figura um monopolio deste genero?

O que disse o meu Amigo, Collega, e Companheiro de perseguição ácerca do contrabando que vimos praticar no Algarve, teve outra causa; pois nesse anno de 1823 impoz-se um direito de 480 rs. sobre cada arratel de chá perola, e por isso os contrabandistas achavam muito interesse em vende-lo mais barato. Quando se lançam direitos tão pesados é que o contrabando exerce o seu poder moderador, como lhe chamou um Digno Par; mas a que proposito vem isto? Nós agora não tratâmos de impostos sobre o chá tratámos de favorecer os nossos navios, e o commercio da Asia em geral. Tambem ouvi dizer que tal commercio era um vasadouro do nosso dinheiro; porque só remettiamos para lá dinheiro em peças e em patacas; mas pergunto eu = se não fizermos esse trafico directamente deixâmos por isso de gastai os artigos supramencionados, e de compra-los aos estrangeiros? = Certamente não; pois neste caso vamos ao menos lucrar os fretes dos navios, e deixar o ganho em mãos portuguezas. O que eu peço á Camara é que se lembre do tempo em que estâmos, tempo proprio da monção para navegar para a India, e se gastarmos grande parte delle com emendas e perfeições de redacção, volta a Lei para a outra Camara, demora-se lá tambem, e por fim de tudo não aproveita aos nossos carregadores, que estão a partir.

O Sr. Visconde do Banho: — O Digno Par fez-me muita justiça; nem outra cousa eu podia esperar delle; porém a fallar a verdade não é muito justo, nem moral o fundarmos as nossas esperanças no poder moderador dos Contrabandistas; como com muita graça, e agudo sarcasmo se explicou o mesmo Digno Par, como que appellava para a emenda, que a prática do contrabando trouxesse a esta Lei. Eu pergunto ao Digno Par, se elle viu em Inglaterra homens conhecidos por Contrabandistas juntos com homens de bem. Eis um dos muitos casos em que se verifica o quid leges sine moribus! Eu espero que um dos beneficios do systema representativo em Portugal seja o respeito ás Leis, e é este verdadeiro respei-

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to que tem feito a Inglaterra, que ella seja o que hoje é; porém tambem é certo que isto não vem nada para o nosso caso; a nossa questão reduz-se, como bem disse o Digno Par que me precedeu, a ver se aqui ha ou não monopolio: eu não o vejo. Dizem que ha um Capitalista que tem já dous navios promptos para navegarem á Asia, e buscar chá, responderei que os outros podem fazer o mesmo; por consequencia não ha aqui monopolio: o que parece haver é inveja a esse negociante, e o desejo de opposição a seu projecto de industria, e hão de as Côrtes animar essa industria; ou a inveja que se lhe tem? Que me dirá o Digno Par a respeito do que se está fazendo com o trigo, com o pão de cada dia, não acha que é bem pezado sacrificio, como o de uma capital de quasi quatrocentos mil habitantes, como Lisboa; estar comendo pão cáro, sómente para sustentar as nossas lavouras, e impedir que não acabe de todo o resto da nossa agricultura de cereaes. Não é isto um sacrificio, e deixa isto de ser monopolio! É por ventura o sacrificio que se exige neste Projecto de Lei a bem da nossa navegação não moribunda, mas de todo morta, um sacrificio igual ao outro?

Por tanto vamos assim animar a nossa pequena navegação, e ainda acho que se tira outro grande interesse, irão empregar-se individuos que sem este trabalho, e industria morreriam de fome. As cousas fazem-se a pouco e pouco, e é preciso ir cuidando de dar algum emprego a braços, que o não tem. Póde ser que com o tempo se veja que isto se deve alterar, e mesmo debaixo desta consideração eu contemplaria isto como um ensaio. Eu tenho lido as Memorias que andam circulando. — Nada é menos exacto do que suppor-se que gente habituada a certo modo de vida, póde com facilidade mudar de habitos. — Supporei que nos exercitos se poderá fazer de Soldados de tropa ligeira, Soldados de Infanteria de linha; porém de gente de mar, depois daquelles habitos adquiridos em taes empregos, é impossivel emprega-los em outras cousas. Muito facil é recorrer ao principio de Economia Politica de mudança de ramo de industria, de novos canaes etc. Tudo isto é muito bem imaginado, assim como é facil o que tenho ouvido dizer a alguns enthusiastas, de converter os conventos em fabricas, sem advertirem de que senão faz trabalho sem a certeza de haver quem consuma, ou compre a producção de tal industria. Nestas ultimas minhas reflexões não estou respondendo ao Digno Par, porque a sua doutrina é conforme com a minha. Quem aprende um modo de vida, ou é feliz com elle, ou morre de fome; não é facil mudar braços de um para outro emprêgo.

Em consequencia, acho que depois da discussão que tem havido, não podem as razões do Digno Par alterar o Artigo.

O Sr. Ministro da Marinha: — Levanto-me para dizer, que adopto a emenda do Sr. Barão de Renduffe, porque por ella em logar de serem só os Inglezes contemplados nesta Lei, são todas as outras Nações, que tiverem possessões na Asia.

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente; o Digno Par, o Sr. Visconde do Banho, pareceu querer-me increpar de proteger a immoralidade, quando eu disse que o poder moderador do contrabandista, desfazia as intrigas dos monopolistas. Ora, o que eu fiz foi narrar um facto, e creio que narrar um facto, não é uma immoralidade: mas o Digno Par, segundo a opinião dos moralistas, é que está querendo commetter uma immoralidade: porque é um acto immoral fazer uma Lei, e pôr-lhe logo ao pé uma grande tentação para a violar, sendo deste modo provocador do crime.

O Sr. Duque de Palmella: — Levanto-me para dizer duas palavras sobre a Proposta do Digno Par o Sr. Barão de Renduffe. — Em quanto ao primeiro artigo, direi que, apezar de serem exactas as idéas de economia politica, que aqui se apresentaram com tanta cortezia; com tudo não podem de repente applicar-se entre nós, nem a este respeito assimilharmo-nos ás Nações Estrangeiras; porque em quanto á Inglaterra são as circumstancias muito differentes, para alli se fazerem taes alterações a respeito do Commercio da India, e da China, houve grandes questões primeiro que se vencessem; e quando isto se chegou a fazer, já existiam ricas, e poderosas Companhias estabelecidas, e por isso não apresentou tantos inconvenientes. — Porém de que se tracta presentemente é d'um monopolio a favor da Nação toda; (Apoiado.) e direi mais, que não se podem applicar a este monopolio os mesmos principios que se applicaram a respeito do ferro, das sedas etc. — O fim deste é para conservar as relações entre a Metropole, e as Colonias da Monarchia: e então, ainda que se possa perder alguma cousa com isto, ou porque possa haver um contrabando, ou mesmo porque esse exclusivo não produz um resultado favoravel ao Commercio, ha com tudo outras considerações que podem affrouxar muito estes inconvenientes. A rejeição deste Projecto levar-nos-hia á consequencia extrema de que lucraremos em abandonar, e até em perder as nossas Colonias. — Ora eu estou certo, que não seria do gosto da maior parte da Nação o abandonarem-se ás nossas Colonias; assim como estou tambem persuadido, de que a grande parte da Nação deseja este favor, que agora se quer dar ao nosso Commercio directo com ellas. (Apoiado.)

É innegavel que a nossa navegação está certamente muito diminuta, e reduzida quasi ao ultimo extremo, e que se não se der alguma preferencia aos poucos Navios Portuguezes que navegam para a Asia, em breve deixarão de o fazer de todo, e perder-se-hão. — Eu porém não creio, que se vá de leve arriscar esta consequencia, e que queiramos esquecer-nos do caminho da Asia, depois de o havermos outr'ora indicado a todas as Nações.

Em quanto a esta primeira parte, tanto porque está votada, como pelas razões que expendi, creio que se deve approvar.

Concordo tambem com a emenda que fez o Digno Par o Sr. Barão de Renduffe, porque não vejo razão nenhuma para se conceder este favor á Inglaterra, e não se fazer o mesmo ás outras Nações que estejam no mesmo caso daquella. — Vejo que esta Lei é approvada pelos Srs. Ministros da Corôa, o que me parece, porque a ouvi agora apoiar, e então é natural que tenham meditado sobre ella, e combinado este artigo com as negociações que possam estar pendentes, e a respeito das quaes eu não faço perguntas, e sómente fallo nisto em seu proprio interesse.

Parece-me pois que se deverá dizer, que o Governo fica authorisado para exceptuar desta disposição, as Nações que possuem Colonias, e nos quizerem abrir tambem reciprocamente o Commercio dellas. — Ora, creio ha alguma confusão na redacção deste artigo, entre o Commercio directo com Portugal, e os portos da Asia, e China, e o Commercio desses portos uns com os outros; porque diz o artigo (leu): esta redacção tal qual está não póde ficar; e por isso me parecia ser melhor redigi-lo com a seguinte emenda (leu.) — Agora o artigo diz mais (leu): isto é, que se poderá admittir a entrada de navio Inglez nos portos das nossas Colonias d'Asia, com tanto que se admittam nos portos inglezes os nossos navios. — Se é isto o que se quer dizer, assento que devia ser redigido o artigo de tal maneira, que se faça uma distincção completa de navios procedentes da Asia para Portugal; e a navegação entre os portos da Asia e China. — Parece-me pois, que o melhor seria convir-se em que este artigo voltasse á Commissão. Á vista das rasões que expuz, mando para a Mesa a seguinte

Emenda.

«Fica o Governo authorisado para exceptuar da disposição deste artigo, quaesquer productos de Colonias Asiaticas, vindos directamente importados para consumo em Portugal, e suas Possessões, por navios das Nações, a que essas Colonias pertençam, uma vez que identica admissão reciproca seja concedida aos navios Portuguezes.» = Duque de Palmella. =

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu levanto-me sómente para declarar que esta Lei foi enviada da Camara dos Srs. Deputados na ultima Sessão Legislativa; e por isso não póde ser de maneira nenhuma attribuida á presente Administração. — Por esta ocasião direi que approvo a emenda do Sr. Barão de Renduffe; e approvo-a, porque com ella se modifica o monopolio, que sem ella de certo se hia amplamente estabelecer. E á vista das considerações que apresentou o Digno Par que acabou de fallar, approvo que ella volte á Commissão, para se lhe dar nova redacção.

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, aqui todo o objecto é o commercio do Chá, não se tracta de outra cousa, não é necessario fallar de India, aqui tudo é China: nem esta idéa de cabotagem vem nada para ocaso, porque os Inglezes tem tanto ciume della, que nos Tractados que tem com as Nações que navegam para a India, até estipulam o modo porque os Navios hão de vender as cargas em differentes portos, quando o mesmo navio a não póde vender em um só. — Não posso deixar passar á idéa do Digna Par, o Sr. Duque de Palmella negando haver monopolio, e pertendendo que se elle existia, era a favor da Nação: se fosse uma Nação estrangeira que soffresse a acção do privilegio, seria exacto o que elle diz, mas aqui é Portugal que a soffre, e por tanto existe o monopolio. — Disse-se tambem que a Inglaterra dava privilegios ás suas Colonias; mas que paridade tem as Colonias, que Inglaterra sustenta com fins politicos, para um negocio puramente commercial que estamos a tractar? O Canadá concede-lhe Inglaterra o privilegio da madeira para sustentar a Colonia; mas Inglaterra sabe muito bem que o Canadá não lhe dá lucro nenhum, sustenta-o só como um ponto militar, para o caso de guerra; assim como as Ilhas Jonicas para apoio das suas Esquadras; neste é a politica que vence a Economia Politica. Mas Macáu não é ponto militar para nós. Isto não é dizer, que aquella Colonia nos não podesse dar muitos interesses, mas não é por estes meios; Macau podia servir muito ao Commercio de Portugal, e só a imbecilidade dos Governos que nos tem administrado é, que tem feito que Portugal não tenha um Commercio muito extenso com a China.

O Sr. Barão de Renduffe: — Peço a palavra sobre a ordem. — Eu mandei para a Mesa uma substituição que me parece ter merecido a approvação desta Casa; mas como o Digno Par Duque de Palmella fez observações nesse mesmo sentido, e altamente ponderosas, rogo a V. Ex.ª que convide o nobre Duque a escrever os seus additamentos, a fim de que a Commissão possa redigir convenientemente o assumpto em discussão.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi posto á votação o artigo 1.º, (unicamente) o qual foi approvado. Votando-se sobre o § unico, não foi este approvado, decidindo a Camara, que o mesmo § voltasse á Commissão com as emendas dos Dignos Pares Duque de Palmella, e Barão de Renduffe para em vista dellas o redigir novamente.

Passou a discutir-se o artigo 2.º, sobre elle disse

O Sr. Conde da Taipa: — Este artigo deve ser eliminado todo; aqui não é logar para se fazer uma definição do que é navio Portuguez, isso é do Codigo do Commercio.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu creio que bastaria dizer-se = são navios Portuguezes, todos os que o são, ou forem na conformidade das Leis.

O Sr. Visconde do Banho: — Eu não tenho presente a data da publicação do Codigo do Commercio, quando esta Lei passou na Camara dos Srs. Deputados. Confesso, que não tenho bem presente a disposição do Codigo, relativamente ás qualificações exigidas para as embarcações serem reputadas propriedade Portugueza. Terei alguma desculpa, porque eu não sou Juiz daquelle Tribunal; e pediria ao Digno Par, que tanto pugnou pela authoridade do Codigo do Commercio, que me instruisse sobre este objecto, no caso de ter presente, se a Legislação do Codigo se opporá á que vem proposta no Projecto de Lei. Eu o interesse que tenho pelo Projecto, é um interesse geral. Entre tanto, se não quizerem que passe o artigo como está, por haver nelle alguma imperfeição; como não sou pai desta criança não pugnarei muito pela belleza della. Entre tanto, parece-me que se esta Legislação não atacar a disposição do Codigo do Commercio, não póde haver dúvida em que vá aqui; em todo o caso, o que me parece é, que não devemos estar a gastar muito tempo com este objecto; e então, ou volte á Commissão, ou se elimine o artigo, visto haver Legislação sobre esta materia.

O Sr. Barão de Renduffe. — Eu reconheço que a disposição deste artigo, não era essencial ao Projecto de Lei de que tractamos: entretanto se esta especie de difinição é sufficiente, e se abrange todos os requisitos, e circumstancias que prescrevem as Leis vigentes, não haverá inconveniente em que se declare novamente; e como está presente o Sr. Ministro da Corôa, occorre-me o rogar a S. Ex.ª que nos haja de dizer, se S. Ex.ª entende que a Convenção subsequente ao Tractado de 1810,

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que regulou o que eram navios Britanicos, e Portuguezes, póde implicar com esta disposição: é isto o que eu desejaria que S. Ex.ª nos informasse; porque se esta Convenção se encontra com o disposto no paragrafo, então eu pediria que elle voltasse á Commissão para o redigir d'outra maneira, ou para o eliminar, o que sempre me parece mais preferivel.

O Sr. Conde da Taipa: — Nós não podemos dar aqui uma definição do que é Navio Portuguez, isso ha de ser definido em outro logar, e creio que já se acha definido no Codigo do Commercio: por tanto, torno a dizer que não póde ter logar disposição alguma nesta Lei.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu opponho-me a que este Artigo vá incluido nesta Lei, não só porque o julgo improprio della, mas até porque a definição não é completa: em todas as definições que ha de Navios Nacionaes além de outras circumstancias sempre se exige que a tripulação seja composta de um certo numero de nacionaes, estipulação que não vejo neste Artigo, e por isso julgo a definição incompleta. Mas ainda por outro motivo me opponho a que a definição vá nesta Lei, porque nós temos um Codigo de Commercio, onde ella deve existir não só para os Navios da Asia, mas para todos os outros. — Em quanto á interpellação repentina que me fez o Digno Par perguntando-me, se havia alguma convenção feita com Inglaterra depois do Tractado de 1810, com a qual esta definição se encontrasse: responderei que essa converção nunca poderia ser obrigatoria senão em relação ao seu objecto, ao seu fim: por consequencia ou a haja ou não, não serve para o nosso caso. — Por esta occasião observarei ao Digno Par, que a maneira porque elle me fez a sua interpellação, mais parece querer surprehender os Ministros da Corôa, ou fazer-lhe um exame vago sobre as materias do seu Ministerio, que não é possivel ter todas presentes, do que fazer uma pergunta.

O Sr. Freire: — Eu queria dizer apenas duas palavras sobre o objecto em que estão: entendo eu que para hir nesta Lei a definição do que são Navios Portuguezes, seria necessario dizer o fim para que são considerados taes, pois que ha uma estipulação feita depois do Tractado de 1810 para aquelle mesmo fim, e embora nós aqui definissemos o que quizessemos, seria absolutamente inutil para os effeitos daquella Convenção addicional ao Tractado por ora em vigor. Está sabido o que são Navios Portuguezes no Codigo de Commercio, e por isso tambem se torna aqui desnecessaria a definição. Entretanto não me opponho a que o Artigo volte á Commissão, para que ella possa pensar se convém dizer alguma cousa sobre o objecto ou supprimir o Artigo.

O Sr. Conde de Villa Real: — Levanto-me para dizer que concordo em que se não dê nesta Lei definição do que são Navios Portuguezes. – Em quanto ao que disse um Digno Par a respeito da Convenção feita com Inglaterra, em que se estipulou o que eram Navios Portuguezes, depois de concluido o Tractado de 1810, não ha duvida que se fez essa Convenção para o fim de todos saberem quaes eram os Navios que ficavam sendo considerados Portuguezes, para a applicação das estipulações do mesmo Tractado, e não creio que o que se estabelece neste Projecto de Lei esteja exactamente em harmonia com que se declara n'aquella Convenção, em que se dá uma intelligencia mais favoravel á explicação de Navios Portuguezes.

O Sr. Barão de Renduffe: — Cumpre-me dar uma explicação á Camara, e bem extraordinaria se me affigura a necessidade de a fazer. Durante a leve discussão que se movia sobre a doutrina do Artigo 2.º e principalmente na parte em que se questionava se a definição comprehendia o definido; occorreu-me que a Convenção subsequente ao Tractado de 1810 estabeleceu o que seriam Navios Portuguezes, e o que eram Navios Inglezes, e receoso de que similhante estipulação podesse encontrar a materia do Artigo em discussão, julguei que para a regularidade da Lei cumpria interpellar o Sr. Ministro da Corôa, para elle nos declarar se julgava que similhante Convenção, ou qualquer outra, implicaria com o sobredito Artigo. Fiquei em verdade surprehendido com parte da reposta que o Sr. Ministro acaba de dar, a qual se queixa de sorpreza, de irregularidade Parlamentar em fazer aquella interpellação sem o haver prevenido, e finalmente até qualificou isto de uma especie de exame vago. Permitta-me S. Ex.ª observar-lhe, que eu nunca entendi poder surprehender a S. Ex.ª quando o interpellava em negocio tão connexo com o objecto em discussão, e que a marcha Parlamentar que S. Ex.ª pretende inculcar, como uma regra para todos os casos, está só recebida nos Parlamentos Europeos, nos casos em que as perguntas não ligam com a discussão, ou antes quando dellas se pretende mover uma special discussão; e a interpellação, bem natural, que eu fiz ao Sr. Ministro da Corôa, deveria, a meu ver, conduzi-lo, ou a uma resposta mais cathegorica, ou então a prevenir a Camara que não estava preparado para a poder dar; e doloroso me é que S. Ex.ª, com quem mantenho relações de amisade ha tanto tempo, entendesse que eu pretendia fazer-lhe exame vago, quando eu o interpellava em assumpto que duplicadamente se me affigurava familiar a S. Ex.ª e que tão ligado estava com a Repartição a seu cargo; e assim se eu fiquei satisfeito com a resposta que S. Ex.ª deu á parte unica do meu quesito, entendo que o Sr. Ministro da Corôa igualmente o deve ficar com esta minha explicação.

O Sr. Duque de Palmella: — Julgo que o Artigo deve voltar a Commissão, porque talvez os Dignos Pares não estejam preparados, (ou ao menos fallo de mim) para decidir já esta materia; pois de duas, uma, ou se quer ou não, fazer uma excepção a favor deste Commercio: no primeiro caso julgo a excepção intempestiva, e no segundo julgo inutil repetir-se o que se acha determinado na Legislação geral a este respeito. — Se acaso existe essa definição na estipulação feita depois do Tractado de 1810, está claro que isto é só applicavel áquelle Tractado, pois que era necessario designar o que era Navio Inglez, e o que era Navio Portuguez para os casos previstos no mesmo Tractado: em consequencia entendo que esta definição deve ser feita de uma maneira generica, e não unicamente applicavel ao Commercio da Asia.

O Sr. Visconde do Banho: — Parece-me que a idéa geral é excluir o Artigo: eu deixo de parte outras considerações, e só fallarei da questão. A Commissão entendeu, que tendo vindo da outra Camara um Artigo neste Projecto, não podia deixar de lhe dar alguma importancia. Entretanto não sendo necessario para a execução da Lei, não o julgo de absoluta necessidade; muito mais havendo, no Codigo do Commercio, legislação vigente, que define as qualificações necessarias para as embarcações serem havidas como propriedades Portuguezas. Parece-me que a Lei existente declara os requesitos de que se pretende tractar, e esta Lei foi feita depois do Tractado de 1810, e está com ampla publicação em um dos Codigos Nacionaes, que esta se execute, e seja o verdadeiro assumpto de toda a legislação sobre esta materia. Pelo que diz respeito ás convenções com Inglaterra, confesso, depois de que tem havido, a respeito de interrupções dos Tractados, que na minha cadeira de Juiz haveria de ver-me em grande perplexidade pelas razões que tenho ouvido; e havia-me de ser preciso consultar com os meus collegas, para dar qualquer decisão com segurança, e esta é a razão porque julgo a respeito dos Tractados as mais explicitas declarações. Porém já não é assim com o Codigo, porque este existe, e então parece-me que não ha inconveniente em adoptar que seja tirado da Lei o Artigo em questão: assim está combinado tudo, e fica em pé o Codigo do Commercio, que está combinado com o interesse do Paiz, porque para tornar o Projecto á Commissão, é preciso ver o Codigo, é preciso novas discussões, e combinar se a doutrina neste Projecto está em harmonia com o Codigo, ou se é opposta e tudo retardará o andamento do Projecto, e perde-se a monção com detrimento do Commercio, quando é da intenção da maioria da Camara, e já vencido está na outra Camara, anima-lo, e favorece-lo.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, eu vejo-me na necessidade de me levantar para rectificar algumas idéas do Digno Par o Sr. Barão de Renduffe.

Disse elle que devia esperar que eu estivesse preparado, para tudo que dissesse respeito á Lei que hoje se discutia nesta Camara, mostrou não ter ficado satisfeito com a minha resposta, e disse que a maneira porque me interpellou nem era surpresa, nem querer fazer um exame vago. Quanto á primeira, não julgo que se possa suppôr que eu não vinha preparado para a discussão, porque dei a minha resposta completa, e satisfatoria: disse que se a definição a que o Digno Par alludia, existia de nenhuma maneira se podia oppôr a qualquer deliberação que no caso presente a Camara tomasse; direi mais, que em muitos Tractados de Nações Estrangeiras vem definições do que são Navios Nacionaes, sem que essas definições obriguem senão para aquelle fim; em consequencia póde a Camara estipular o que quizer, sem ter em vista o que se tractou com Inglaterra depois do Tractado de 1810; isto é obvio, e claro a todas as luzes: quanto á maneira porque o Digno Par me faz a interpellação, ainda insisto na minha primeira idéa de que não é parlamentar, e pediria a todos os membros que não fizessem interpellação de tal natureza, sem mediar algum tempo, porque não é possivel ter presentes e de cór todas as convenções, para saber quanto ellas contém, e é muito desagradavel a um Ministro da Corôa ter de dizer diante de uma Assembléa tão respeitada, que não póde responder ás suas perguntas, e por isso me parecia que nesta Camara se deveria estabelecer, a tal respeito o que é pratica em todas as Assembléas Legislativas.

O Sr. Barão de Renduffe: — Ainda tenho de repetir parte da explicação que acabei de dar, porque o Sr. Ministro da Corôa com as palavras surpresa, marcha Parlamentar, e exame vago, nem ficou satisfeito com a declaração dada, nem parece convencido que eu estava em direito de o interpellar da maneira que o fiz; como porém só a Carta, e o Regimento é quem nos governa; e como a interpellação que eu fiz nascia do assumpto em discussão, e conduzia para a melhor regularidade da Lei; eu declaro que sempre (em iguaes circumstancias) continuarei a usar deste meio directo, e nem eu comprehendo como Sua Ex.ª liga a surpreza e o exame vago com a minha pergunta, que não era uma pergunta vaga, ou d'aquellas a que a urbanidade prescreve o anticipar conhecimento, e só era para conhecer se Sua Ex.ª entendia, que as Convenções estipuladas com Inglaterra (e que no momento actual parece deverão estar mais ao alcance de Sua Ex.ª) se encontrariam com a adopção do Artigo 2.º em discussão; e então estando este Artigo, e este Projecto de Lei dado para a ordem do dia, se isto era exame vago, era dos exames vagos o mais suave: mas em todo o caso, não foi ociosa a minha interpellação; porque com as explicações que deram os Dignos Pares os Srs. Duque de Palmella, e Conde de Villa Real, ficaram desvanecidas as duvidas que se me suscitaram a tal respeito.

O Sr. Conde da Taipa: — Sr. Presidente, esta questão não é senão uma pergunta ociosa que faz o Sr. Barão de Renduffe ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. — O Tractado está impresso todos o conhecem, que o querem conhecer, por isso que não ha difficuldade de o obter, e tanta obrigação tem um Digno Par como o outro de ter delle conhecimento: mas o que é certo, é que ninguem, sem vir preparado, póde responder a estas perguntas soltas; porque o Sr. Barão de Renduffe que é formado em Leis, se o quizessem aqui examinar, por exemplo, sobre uma Lei Testamentaria pediria que o deixassem consultar: (o Orador foi chamado á ordem) ninguem me póde chamar á ordem senão o Sr. Presidente, como Ministro da Lei regulamentar desta Camara, e os outros Senhores que o fizerem perdem o seu tempo.

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, propoz o Sr. Vice-Presidente se o artigo deveria voltar á Commissão, para apresentar uma nova redacção, ou propôr a sua suppressão, se a julgasse conveniente: a Camara resolveu affirmativamente.

Entrou em discussão o artigo 3.º, e a emenda da Commissão conjunctamente.

Sobre que obteve a palavra, e disse

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Eu opponho-me a esta prorogação do praso, porque a julgo desnecessaria e prejudicial; pois que estabelecendo-se este praso de dez mezes, póde fazer-se dentro delle uma extraordinaria importação de Chá, e assim se destruiriam os nossos desejos: parece-me pois que o Artigo vem bom da Camara dos Senhores Deputados; estou persuadido que deve haver um praso, mas não tão extenso, e o de quatro mezes me parece bastante.

O Sr. Botelho: — Sr. Presidente, eu só quero dizer, que não póde ser mais curto o praso, nem menos de dez mezes; e o que aqui está estabelecido, isto é, quatro mezes, é inu-

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til: elle foi posto sem conhecimento de nenhum causa, e sem attenção á distancia, e delongas das viagens para Macáo.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão: — Mas eu entendi este artigo de outra maneira; pois elle diz assim (leu) por conseguinte o praso de quatro mezes, é para dentro delle se vender o chá que não viesse directamente em navios portuguezes; nem póde ter outra intelligencia a não ser absurda. Quem é que não sabe que um tal praso é curto para fazer uma viagem a Macáo? O mesmo praso de dez mezes, que propõem a Commissão, póde ser insufficiente se a Lei sahir depois de passar a monção. Advirta-se porém que se elle for bastante para fazer a dita viagem então destroe o favor que pertendemos dar aos nossos navios; pois no entanto muitos generos da India podem ser importados e obstruir o nosso mercado para muitos annos, podem igualmente vir dos depositos de Gibraltar, e de outras partes, donde se segue, que não temos feito nada, concedendo um praso tão longo.

O Sr. Barão de Renduffe: — Eu não posso de maneira alguma approvar a emenda que nos offerece a Commissão, em quanto proróga a dez mezes o praso de quatro, que se acha fixado na Proposição de Lei, vinda da Camara dos Senhores Deputados. Se esta Lei é para beneficiar o Commercio Portuguez, ou como acabou de dizer um nobre Par, para fixar um monopolio nacional, então eu esperaria antes que a emenda fosse para se encurtar o dito praso de quatro mezes, mórmente depois que este Projecto foi discutido o anno passado na outra Casa, do que naturalmente resulta estarem os especuladores estrangeiros prevenidos; e tendo já elles em seu beneficio todo o intervallo que decorreu até agora, todo o que decorrer até á promulgação da Lei, e ainda depois quatro mezes mais, estou certo que terão e tem tido espaço mais que sufficiente, para entulharem os nossos depositos, e que por tanto só os filhos dos nossos armadores virão a começar a gosar do beneficio da presente Lei. — Consequentemente menos posso eu convir no augmento de similhante praso, porque se elle tem por fim prevenir os especuladores estrangeiros que se acham nessas longiquas paragens, ou dar tempo a que da Europa vão contra-ordens aos respectivos Carregadores; então tambem rejeito o praso de dez mezes, porque elle é muito insufficiente: por ultimo se esse novo praso, de dez mezes é só prejudicial ao nosso Commercio, e se diminuto para nos pôr a coberto de alguma reclamação, que por ventura possa ser fundada, cumpre não alterarmos o que veiu da outra Camara, ou eliminar-mos mesmo o praso que de lá veiu segundo o precedente do Governo Inglez, que publicando um Bill para que não fossem mais recebidos nas suas alfandegas os algodões do Brasil carregados de Portugal, não obstante a pratica em que se achava tantos annos depois da separação d'aquelle novo Estado; nenhum praso deu em beneficio privado; e por todas estas razões rejeito a emenda, e a custo convenho no praso de quatro mezes, se a Camara na sua sabedoria não achar mais proveitoso eliminar este mesmo desnecessario praso.

O Sr. Visconde de Laborim — Levanto-me para apoiar a opinião do Digno Par o Sr. Barão de Renduffe. Está vencido que não ha monopolio, e que este Projecto tende a auxiliar os Negociantes que se acham habilitados para o Commercio, e navegação de Portugal com a Asia, e a estimular os que ainda não estão habilitados, vindo assim a ser tendente a felicidade do todo, e não da parte: debaixo destes principios parece-me contradictoria com o fim a que nos dirigimos a emenda da Commissão, por isso que quanto menor fôr o praso que nós concedermos, depois da data desta Lei em diante, aos Estrangeiros para importarem em Portugal em vasos, que não são Portuguezes, generos da Asia, quanto maior é o beneficio que concedemos ao nosso Commercio; argumento que, apesar de simples, não necessita de maior demonstração para ser concludente, e luminoso.

A consequencia, que do principio contrario se segue, é a abundancia dos generos da Asia, importados em Portugal pelos Estrangeiros; consequencia, que se oppõe ao valor, e extracção do genero importado pelos nossos Nacionaes, e neste caso tem todo o peso a seguinte reflexão mais: — de que os Estrangeiros conhecendo que este Projecto do Lei, organisado na Sessão passada, e na Camara dos Srs. Deputados, vindo para esta, devia transitar, e ir buscar a sancção Real, attento o patriotismo das Côrtes, importaram grande porção destes generos muito de proposito, os quaes despacharam, e conservam armazenados. Por outro lado, a boa distribuição da Justiça estremece na presença da desigualdade. Com que direito se concede a favor dos Estrangeiros, o praso de dez mezes no negocio em questão, quando a favor dos Portuguezes, para venderem os seus generos, que tinham mandado vir na boa fé das Leis existentes, e que estavam na Alfandega, nem o espaço de um dia se lhes concedeu pelo Decreto de 18 de Abril de 1834? O praso de quatro mezes, estabelecido pelo Projecto que veio da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, ainda é grande, se o medirmos pelo fim a que se dirigem as nossas intenções, por isso que, não se tractando aqui de navios estrangeiros, vindos directamente da Asia, podem os negociantes estrangeiros neste interva-lo introduzir em Portugal ainda mais generos, além daquelles que tem armazenados, attento que o espaço de quatro mezes é mais que sufficiente para os irem buscar a Gibraltar, aos outros portos de Inglaterra, e a todos os mais da Europa.

Por tanto, voto contra o Parecer da Commissão; e a haver alteração nesta parte do Projecto dos Srs. Deputados, requeiro seja para diminuir o espaço de quatro mezes, e não para o alongar.

O Sr. Miranda: — Sr. Presidente: O exemplo que se apresenta do praso concedido para a introducção dos algodões em Inglaterra, não me parece ter muita analogia com o objecto de que tractâmos, o qual por si, e por todas as circumstancias que o acompanham, é inteiramente differente. O chá, porque em fim uma especulação sobre este genero é que provocou a medida de que hoje tractâmos, o fim digo, que alguns especuladores desta Praça hão de mandar vir de Macáo, sómente póde entrar neste porto daqui a treze ou quatorze mezes, e se passados quatro mezes fôr prohibida a entrada do chá na conformidade do Projecto de Lei vindo da Camara dos Srs. Deputados, é claro que por tempo de nove ou dez mezes não haverá nesta Cidade, para o seu consummo, e para o consumo do interior, outro chá senão aquelle com que dentro de quatro mezes forem providos os armazens dos especuladores neste genero. Ora, é claro, que sendo estes especuladores senhores exclusivos do mercado, e livre de toda a concorrencia, hão de saber o preço do genero, até mesmo porque elles estão impedidos de fazer novas encommendas, e a consequencia necessaria desta subida de preço, é pagar o publico consumidor muito caro este genero, para proveito de alguns especuladores desta Praça, e dos contrabandistas de Gibraltar, com prejuizo do publico, e da renda do Thesouro. Taes são as consequencias de um praso tão curto, como é o de quatro mezes, para a volta dos navios que hão de sahir para a China, e sobre esta consequencia, reclamo toda a attenção dos meus collegas. O praso de dez mezes, que propoz a Commissão é um praso razoavel; eu o approvo, e voto por elle.

O Sr. Visconde do Banho: — As razões que teve a Commissão para estabelecer este praso, foram o querer conciliar os interesses de todos os Portuguezes interessados no negocio da Asia, bem como daquelles que tem feito suas especulações, e que muito poderiam perder se marcassemos um praso menor. A Commissão não teve em vista outra cousa mais do que o beneficio de todos os Portuguezes, e não merecerá ser criminada como talvez haverá quem o pretenda. Não se podendo pois apresentar sem criterio certo, e sendo o calculo do praso de que tracta, um projecto de conjectura, foi por isso que a Commissão se lembrou desta emenda, e assim redigiu o artigo; porém outros Dignos Pares marcarão outro espaço, se acharem que é mais bem calculado do que aquelle que indicou a Commissão; porque tambem os Sr. Deputados se tinham lembrado de quatro mezes, como está na Proposição da outra Camara, e a ella pareceu mui curto.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi entregue á votação o artigo 3.º, e conjuntamente a substituição da Commissão, e assim approvado.

Tambem o foi, e sem discussão, o art. 4.º, resolvendo igualmente a Camara, que o Projecto de Lei voltasse todo á Commissão, para apresentar uma nova redacção, em conformidade do que se tinha vencido.

O Sr. Duque de Palmella: — Peço licença para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, á qual não exijo porém que elle me responda immediatamente, se nisso achar inconveniente. Eu vi annunciado no Diario do Governo, que se tinha concluido em Inglaterra por intervenção do nosso antigo Alliado o Rei da Grã-Bretanha, uma Convenção com o Governo Sardo; e por isso desejava perguntar ao Sr. Ministro se elle tem tenção de appresentar a esta Camara aquella Convenção.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sim, Senhor: ha toda a tenção de o apresentar, e até mesmo se tinha destinado o dia de hoje para essa apresentação; mas como sua traducção não está ainda prompta, por isso não pôde ter logar na Sessão de hoje.

O Sr. Duque de Palmella: — Agradeço muito a resposta do Sr. Ministro da Corôa, e aproveito a occasião para dar os parabens á Nação, porque o resultado da desavença que existiu com o Governo Sardo vem a ser o Reconhecimento da Rainha pelo sobredito Governo. (Apoiado. Apoiado.)

O Sr. Vice-Presidente deu para ordem do dia da Sessão d'ámanhã, Pareceres de Commissões, e as segundas leituras de Proposições dadas para ordem do dia d'hoje: sendo quatro horas e um quarto disse: — Está fechada a Sessão.

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